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Identidade nacional e Educação: um olhar sobre as idéias ... - Aslegis

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong><br />

de Olavo Bilac, Manoel Bomfim<br />

e dos Jovens Turcos<br />

Sergio Fernandes Senna Pires 1<br />

Consultor Legislativo da Área de Defesa Nacional e Segurança<br />

Pública da Câmara dos Deputados.<br />

Sandra Ferraz de C<strong>as</strong>tillo Dourado Freire 2<br />

O Decreto 4.901, de 2003, estabeleceu<br />

objetivos ambiciosos para a Televisão digital<br />

em nosso país e que de alg<strong>um</strong>a forma,<br />

extrapolam Civis o e o setor militares televisão. unidos É o c<strong>as</strong>o, pela por<br />

universalização exemplo, do objetivo de promover da educação a inclusão<br />

social, a diversidade cultural do país e a<br />

básica? Olavo Bilac, Manoel<br />

língua pátria por meio do acesso à tecnologia<br />

Bomfim digital, visando e Jovens à democratização Turcos da – da<br />

informação.<br />

identidade <strong>nacional</strong> e educação em<br />

primeiro lugar!<br />

1 Psicólogo e mestre em Ciênci<strong>as</strong> Militares.<br />

2 Pedagoga e mestre em <strong>Educação</strong> pela Michigan State University.<br />

Ambos os autores são doutorandos em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento<br />

pela Universidade de Br<strong>as</strong>ília.<br />

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Cadernos ASLEGIS<br />

Nº 28 - janeiro/abril de 2006<br />

112<br />

Res<strong>um</strong>o<br />

Neste artigo, apresentamos <strong>as</strong> <strong>as</strong>pirações de alguns intelectuais<br />

que tiveram destaque no cenário <strong>nacional</strong>, no início do Século XX, no<br />

tocante à formação da identidade <strong>nacional</strong> e ao papel da educação para<br />

a consecução desse objetivo. Destacamos a dimensão histórica do<br />

processo de estabelecimento de <strong>um</strong> sistema de escolarização no Br<strong>as</strong>il<br />

e como alguns intelectuais entendiam quais eram <strong>as</strong> relações entre a<br />

educação formal e a formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>. Enfocaremos<br />

alguns <strong>as</strong>pectos levantados por Olavo Bilac e Manoel Bomfim,<br />

explicitados em seu livro Através do Br<strong>as</strong>il, comparando com o ponto de<br />

vista de <strong>um</strong> grupo <strong>nacional</strong>ista, formado por jovens militares, e que<br />

iniciaram <strong>um</strong> processo de discussão de diversos tem<strong>as</strong>, entre eles estava<br />

a questão da educação e da formação da identidade <strong>nacional</strong>. Su<strong>as</strong><br />

reflexões remetiam à qu<strong>as</strong>e completa ausência de polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> que<br />

promovessem a melhoria d<strong>as</strong> condições de ensino, à descentralização<br />

excessiva e à falta absoluta de recursos para a educação. Demonstravam<br />

a sua preocupação acerca da anomia em <strong>um</strong> contexto de <strong>um</strong> país com<br />

mais de 70% da sua população analfabeta, no qual <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> do sexo<br />

feminino não tinham direito à mesma educação que era oferecida às do<br />

sexo m<strong>as</strong>culino e em que <strong>as</strong> excelentes idéi<strong>as</strong> dos intelectuais não<br />

logravam transformarem-se em prática. Concluímos <strong>sobre</strong> a semelhança<br />

entre su<strong>as</strong> formulações apesar de serem realizad<strong>as</strong> para atingir públicos<br />

diferentes.<br />

Palavr<strong>as</strong>-chave<br />

Olavo Bilac; Manoel Bomfim; Jovens Turcos; <strong>Identidade</strong><br />

Nacional; <strong>Educação</strong>


1.INTRODUÇÃO<br />

<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

Neste artigo, realizaremos <strong>um</strong>a breve apresentação d<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong>pirações de alguns intelectuais que tiveram destaque no cenário<br />

<strong>nacional</strong>, no início do Século XX, no tocante à formação da identidade<br />

<strong>nacional</strong> e ao papel da educação para a consecução desse objetivo.<br />

Destacaremos a dimensão histórica do processo de estabelecimento de<br />

<strong>um</strong> sistema de escolarização no Br<strong>as</strong>il e como alguns intelectuais<br />

entendiam quais eram <strong>as</strong> relações entre a educação formal e a formação<br />

de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>.<br />

Enfocaremos alguns <strong>as</strong>pectos levantados por Olavo Bilac e<br />

Manoel Bomfim, explicitados em seu livro Através do Br<strong>as</strong>il, que esteve<br />

presente n<strong>as</strong> escol<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> ao longo de mais de 40 anos.<br />

Abordaremos, ainda, o ponto de vista de <strong>um</strong> grupo <strong>nacional</strong>ista, formado<br />

por jovens militares que retornaram de seus estudos na Alemanha e<br />

iniciaram <strong>um</strong> processo de discussão de tem<strong>as</strong> que entendiam ser de<br />

interesse <strong>nacional</strong>.<br />

Entre os tem<strong>as</strong> por eles discutidos encontrava-se a questão da<br />

educação e da formação da identidade <strong>nacional</strong>. Questão essa que<br />

permanece pendente até os di<strong>as</strong> atuais diante da incapacidade do poder<br />

público em oferecer <strong>um</strong> ensino público, gratuito e de qualidade a toda<br />

população br<strong>as</strong>ileira, problema que tem su<strong>as</strong> raízes no processo histórico<br />

da formação de nossa sociedade. No entanto, em diversos momentos<br />

desse processo, houve quem visl<strong>um</strong>br<strong>as</strong>se <strong>um</strong> cenário bem diferente<br />

para os r<strong>um</strong>os da educação básica no Br<strong>as</strong>il. Desde o período que<br />

antecedeu a proclamação da República, alguns círculos intelectuais se<br />

manifestavam acerca da necessidade <strong>um</strong>a educação de qualidade para<br />

a formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong> 3 , noção esta fortemente vinculada<br />

aos conceitos de segurança e defesa nacionais.<br />

A necessidade da formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong> tomou<br />

<strong>um</strong>a importância significativa após a proclamação da República, sendo<br />

encontrada, com freqüência, na produção de integrantes de grupos<br />

<strong>nacional</strong>ist<strong>as</strong> do início do Século XX, entre os quais se encontravam<br />

3 Ass<strong>um</strong>imos aqui o conceito apresentado por Lafer (2001, p.15) que afirma: “o<br />

ponto de partida da construção da identidade coletiva, como observa Bovero, é a<br />

idéia de <strong>um</strong> bem ou interesse com<strong>um</strong> que leva pesso<strong>as</strong> a afirmarem <strong>um</strong>a identidade<br />

por semelhança, l<strong>as</strong>treada n<strong>um</strong>a visão compartilhada deste bem ou interesse<br />

com<strong>um</strong>”.<br />

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Cadernos ASLEGIS<br />

Nº 28 - janeiro/abril de 2006<br />

Bilac, Bomfim e os Jovens Turcos. Referiam-se, enfaticamente, ao<br />

cenário educacional legado pelo Império à República. Discutiam <strong>sobre</strong><br />

a qu<strong>as</strong>e completa ausência de polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> que promovessem a<br />

melhoria d<strong>as</strong> condições de ensino, <strong>sobre</strong> a descentralização excessiva e<br />

falta absoluta de recursos para a educação. Demonstravam a sua<br />

preocupação acerca da anomia qu<strong>as</strong>e que total, em <strong>um</strong> contexto de <strong>um</strong><br />

país com mais de 70% da sua população analfabeta, no qual <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong><br />

do sexo feminino não tinham direito à mesma educação que era oferecida<br />

às do sexo m<strong>as</strong>culino e em que <strong>as</strong> excelentes idéi<strong>as</strong> dos intelectuais não<br />

logravam transformarem-se em prática. À época, esses <strong>as</strong>pectos<br />

mobilizavam diversos setores para discutir qual era o papel da educação<br />

como dimensão da defesa <strong>nacional</strong>.<br />

Vejamos então, de forma geral, qual foi o legado educacional<br />

que o Império entregou à República.<br />

2. O LEGADO EDUCACIONAL HERDADO PELA REPÚ-<br />

BLICA<br />

Transcorreu <strong>um</strong> período de duzentos anos no qual o ensino, no<br />

Br<strong>as</strong>il, esteve em mãos dos jesuít<strong>as</strong>. Esse modelo de ensino era voltado<br />

à catequização e instrução dos gentios e para tanto foram criad<strong>as</strong> escol<strong>as</strong><br />

de primeir<strong>as</strong> letr<strong>as</strong>, que propagavam os ideais católicos.<br />

Quando, em 1759, Seb<strong>as</strong>tião José de Carvalho e Mello, o<br />

Marquês de Pombal, expulsou os jesuít<strong>as</strong> de Portugal e de todos os seus<br />

domínios, a organização educacional existente no Br<strong>as</strong>il deixou de existir.<br />

Apesar da pretensão de tornar o ensino laico, essa medida, tomada de<br />

forma abrupta, desmantelou a infra-estrutura escolar existente sem<br />

substituí-la por outra que cont<strong>as</strong>se com docentes capacitados para<br />

<strong>as</strong>s<strong>um</strong>ir o papel educativo exercido antes pelos jesuít<strong>as</strong>. Dessa medida,<br />

restou <strong>um</strong> grande problema para a prestação de serviços educacionais,<br />

cuja solução encontrada foi instituir aul<strong>as</strong> régi<strong>as</strong>, avuls<strong>as</strong>, sustentad<strong>as</strong><br />

por <strong>um</strong> novo imposto colonial. Ess<strong>as</strong> aul<strong>as</strong> deviam suprir <strong>as</strong> matéri<strong>as</strong><br />

que antes eram oferecid<strong>as</strong> nos extintos colégios. A partir de 1799, a<br />

licença para docentes p<strong>as</strong>sou a ser concedida pelo Vice-Rei, medida<br />

que pretendeu sistematizar a formação de professores.<br />

Com a chegada da família real portuguesa em 1808, diversos<br />

investimentos no ensino técnico e no superior foram realizados. Foram<br />

criad<strong>as</strong> a Academia da Marinha e a Academia Militar, mais voltad<strong>as</strong><br />

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

para <strong>as</strong> necessidades de defesa territorial. No entanto, a educação<br />

popular, nos níveis primário e médio, ficou relegada a <strong>um</strong> plano secundário.<br />

Com o advento da Independência em 1822, foram propostos<br />

planos que visavam o estabelecimento de nov<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> no campo da<br />

educação popular 4 . O ambiente político e ideológico indicava que haveria<br />

prioridade para <strong>um</strong>a nova política educacional. O anteprojeto de<br />

Constituição, apresentado em 1º de setembro de 1823, previa a difusão<br />

da instrução pública de todos os níveis e evidenciava a responsabilidade<br />

do Poder Público na viabilização da consecução desse ideal. Nesse<br />

mesmo período, <strong>um</strong>a Lei Geral, publicada em 15 de outubro de 1827<br />

estabeleceu alg<strong>um</strong><strong>as</strong> diretrizes acerca do ensino básico (Câmara dos<br />

Deputados, 2006), a qual estabelecia:<br />

Art. 1º Em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> cidades, vill<strong>as</strong> e logares mais populosos,<br />

haverão <strong>as</strong> escol<strong>as</strong> de primeir<strong>as</strong> letr<strong>as</strong> que forem necessári<strong>as</strong>.<br />

.......................................................<br />

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, <strong>as</strong> quatro<br />

operações de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e<br />

proporções, <strong>as</strong> noções mais geraes de geometria pratica, a<br />

grammatica da língua <strong>nacional</strong>, e os princípios de moral christã e<br />

da doutrina da religião catholica e apostólica romana,<br />

proporcionados á comprehensão dos meninos; preferindo para<br />

<strong>as</strong> leitur<strong>as</strong> a Constituição do Império e a Historia do Brazil.<br />

É possível notar que o art. 6º da Lei se refere tão somente à<br />

educação dos meninos, referindo-se à criação de escol<strong>as</strong> para menin<strong>as</strong>,<br />

no art. 11, c<strong>as</strong>o os “Presidentes em Conselho” julg<strong>as</strong>sem necessário e<br />

ensinando somente <strong>as</strong> quatro operações aritmétic<strong>as</strong> e “prend<strong>as</strong> que<br />

servem à economia doméstica”.<br />

O Ato Adicional de 1834 criou sistem<strong>as</strong> de ensino em cada<br />

província, com o objetivo de descentralizar <strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> educacionais<br />

(Ribeiro, 2001), porém a Coroa continuou responsável pelo ensino<br />

superior. Embora existissem grupos preocupados com o ensino básico, o<br />

sistema educacional <strong>nacional</strong> continuou precário. A medida não contribuiu<br />

muito para o estabelecimento de sistem<strong>as</strong> eficazes de ensino porque os<br />

recursos destinados às provínci<strong>as</strong> para o custeio da instrução pública<br />

4 A Memória <strong>sobre</strong> a reforma dos Estudos na Capitania de São Paulo, elaborada<br />

por Martim Francisco Ribeiro é <strong>um</strong> exemplo da influência dos ideais democráticos<br />

nessa temática.<br />

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eram esc<strong>as</strong>sos, insuficientes para fazer frente a tais responsabilidades.<br />

Em contr<strong>as</strong>te, foram criad<strong>as</strong> escol<strong>as</strong> particulares na Corte e n<strong>as</strong> capitais<br />

provinciais que ofereciam ensino primário para atender à nobreza e aos<br />

filhos d<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> ric<strong>as</strong>.<br />

Outra iniciativa imperial, foi a criação da Inspetoria Geral da<br />

Instrução Primária e Secundária, órgão que era ligado ao Ministério do<br />

Império e destinava-se a fiscalizar e orientar o ensino público e particular<br />

nos níveis primário e médio. Apesar disso, a situação geral do ensino<br />

básico continuou ruim, principalmente pela esc<strong>as</strong>sez de docentes<br />

habilitados. Diante desse quadro, os governos provinciais criaram <strong>as</strong><br />

primeir<strong>as</strong> escol<strong>as</strong> normais d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, porém sem a estrutura<br />

adequada (Freire, 1993).<br />

Ao longo do Império, <strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> foram tímid<strong>as</strong> e não lograram<br />

dar <strong>um</strong>a sustentabilidade para <strong>um</strong>a educação <strong>nacional</strong>. O ensino básico<br />

era qualitativamente deficiente e quantitativamente precário. O ensino<br />

secundário era direcionado apen<strong>as</strong> para os que podiam pagá-lo, parcela<br />

diminuta da população então.<br />

Mais para o término do período imperial, foram tomad<strong>as</strong> alg<strong>um</strong><strong>as</strong><br />

medid<strong>as</strong> para a expansão da rede de ensino privado de forma a suprir a<br />

deficiência da rede pública (Ribeiro, 2001). No entanto, a República<br />

recebeu o ônus de reestruturar a educação pública, o que incluía a<br />

instalação do ensino técnico comercial, agrícola e industrial, que era<br />

inexistente no Br<strong>as</strong>il.<br />

3. A REPÚBLICA, O CAOS EDUCACIONAL E A<br />

NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE<br />

NACIONAL<br />

Nesse contexto social e político complexo e contraditório,<br />

permeado de “questões” 5 , o legado educacional que a n<strong>as</strong>cente República<br />

recebe é b<strong>as</strong>tante precário, o que contribui para o incremento dos<br />

contr<strong>as</strong>tes e para o aprofundamento d<strong>as</strong> disparidades regionais d<strong>as</strong><br />

desigualdades social e econômica que vivenciamos até os di<strong>as</strong> atuais.<br />

A proclamação da República não mudou, de imediato, o cenário<br />

herdado do Império. Foram tomad<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> legislativ<strong>as</strong> no<br />

5 Da abolição da escravidão, eleitoral, militar, eclesiástica, política, por exemplo.<br />

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

início do Período Republicano para esboçar <strong>um</strong> novo perfil educacional<br />

para a formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>. Benjamim Constant,<br />

primeiro Ministro da <strong>Educação</strong> republicano, era <strong>um</strong> entusi<strong>as</strong>ta da<br />

educação como instr<strong>um</strong>ento de engrandecimento do Br<strong>as</strong>il e de promoção<br />

da defesa <strong>nacional</strong>. Entretanto, sua p<strong>as</strong>sagem por essa função não logrou<br />

alcançar objetivos significativos (Freire, 1993). Por motivos políticos e<br />

ideológicos, o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos,<br />

depois de <strong>um</strong> pouco mais de <strong>um</strong> ano de existência, p<strong>as</strong>sou a ser <strong>um</strong>a d<strong>as</strong><br />

diretori<strong>as</strong> do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.<br />

A articulação entre educação e segurança <strong>nacional</strong> pode ter<br />

proporcionado a relativa ênf<strong>as</strong>e que a primeira recebeu logo a partir da<br />

proclamação da República. A despeito de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> dificuldades, o período<br />

inicial da República, em matéria de educação, é analisado de forma<br />

relativamente positiva por alguns autores. Em su<strong>as</strong> considerações,<br />

Geraldo Silva (citado por Ribeiro, 2001, p.84) arg<strong>um</strong>enta que “durante a<br />

República, o desenvolvimento do ensino primário se exprime pelos<br />

seguintes números de alunos por mil habitantes: 18 em 1889, 41 em<br />

1920, 54 em 1932”. O que nos indica que houve sim alg<strong>um</strong> progresso<br />

quantitativo em número de alunos, por exemplo. Sobre esse mesmo tema<br />

também se pronuncia Florestan Fernandes (1966), destacando que o<br />

crescimento d<strong>as</strong> oportunidades escolares foi <strong>um</strong> mérito dos governos<br />

republicanos. É óbvio que tais autores, em sua comparação, partem do<br />

referencial educacional existente no Br<strong>as</strong>il Império, não daquele que<br />

seria o ideal ou o possível de atingir segundo os ideais da nova ordem<br />

que se instalou.<br />

Não obstante a precária situação da educação deixada pelo<br />

Império, havia <strong>um</strong> debate que articulava a necessidade de <strong>um</strong>a urgente<br />

melhoria d<strong>as</strong> condições do ensino para viabilizar a formação de <strong>um</strong>a<br />

identidade <strong>nacional</strong>. O cenário educacional legado pelo Império à<br />

República era caótico. Não havia polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> eficientes e que<br />

promovessem a permanência d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> n<strong>as</strong> escol<strong>as</strong>. Nem mesmo a<br />

existência de <strong>um</strong> ministério específico para o tema havia vingado. A<br />

esse quadro se somam os diversos preconceitos e <strong>as</strong>simetri<strong>as</strong> raciais e<br />

de gênero que dificultavam ainda mais alg<strong>um</strong> avanço no desenvolvimento<br />

da identidade e do orgulho nacionais. No entanto, foi nesse contexto que<br />

divers<strong>as</strong> elites se mobilizaram para a discussão desse significativo tema.<br />

Nomes como Manoel Bomfim, José Veríssimo, Alberto Torres,<br />

Olavo Bilac, Oliveira Viana figuravam entre os intelectuais que se<br />

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Cadernos ASLEGIS<br />

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pronunciavam <strong>sobre</strong> a necessidade de promover a construção de <strong>um</strong>a<br />

identidade <strong>nacional</strong> que perp<strong>as</strong>s<strong>as</strong>se a incorporação do negro, não mais<br />

como força de trabalho, m<strong>as</strong> como cidadão; a inclusão dos imigrantes,<br />

provenientes d<strong>as</strong> mais divers<strong>as</strong> cultur<strong>as</strong>; que consider<strong>as</strong>se o<br />

desenvolvimento de <strong>um</strong> proletariado urbano e o a<strong>um</strong>ento da cl<strong>as</strong>se média.<br />

Sobre esse tema Ortiz (1985, p.34) <strong>as</strong>sim se refere:<br />

O que propõem os intelectuais do período é a construção<br />

de <strong>um</strong>a identidade de <strong>um</strong> Estado que ainda não é. As<br />

modificações realizad<strong>as</strong> na esfera sócio-econômica (fim de <strong>um</strong>a<br />

economia escravagista, emergência de <strong>um</strong>a cl<strong>as</strong>se média) ainda<br />

não tinham se consolidado no interior de <strong>um</strong>a nova ordem social.<br />

Vivia-se <strong>um</strong> momento de transição, e nesse sentido <strong>as</strong> teorizações<br />

<strong>sobre</strong> a realidade br<strong>as</strong>ileira refletiam necessariamente o imp<strong>as</strong>se<br />

vivenciado.<br />

Nessa época, o <strong>nacional</strong>ismo tomou du<strong>as</strong> form<strong>as</strong> principais de<br />

expressão: o jacobinismo e a produção literária. O jacobinismo tinha por<br />

natureza ideológica <strong>um</strong> pensamento de esquerda, progressista e defensor<br />

d<strong>as</strong> instituições nacionais e d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses populares. Tinha por moto a<br />

fr<strong>as</strong>e: “O Br<strong>as</strong>il para os br<strong>as</strong>ileiros”. Na literatura existe <strong>um</strong>a v<strong>as</strong>ta<br />

produção que ilustra a valorização do <strong>nacional</strong>ismo. Obr<strong>as</strong> como, por<br />

exemplo, “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, escrito<br />

sob forma de folhetins durante três meses de 1911, retratavam a pregação<br />

da valorização de tudo o que era legitimamente br<strong>as</strong>ileiro.<br />

Havia também a ênf<strong>as</strong>e na dimensão educacional como <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento de difusão cultural para a consolidação da nova ordem que<br />

se instalava no País. Alg<strong>um</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> elites intelectuais entendiam que o<br />

futuro do Br<strong>as</strong>il dependia dos r<strong>um</strong>os que fossem dados para a educação.<br />

No entanto, como lograr tal objetivo se <strong>um</strong> dos principais meios de<br />

socialização e de construção cultural, a escola, encontrava-se qu<strong>as</strong>e<br />

que n<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> condições legad<strong>as</strong> pelo Império? Partindo dessa<br />

problemática e da constatação da inviabilidade prática em desenvolverse<br />

a promoção da internalização de crenç<strong>as</strong> e valores compatíveis com<br />

os ideais republicanos, foram envidados esforços para organizar <strong>um</strong><br />

sistema educacional formal. Por <strong>um</strong> lado, ess<strong>as</strong> medid<strong>as</strong> foram tomad<strong>as</strong><br />

levando em conta a crença romântica na função redentora da educação,<br />

por outro, levavam em conta a necessidade da formação de <strong>um</strong>a<br />

identidade <strong>nacional</strong>, pensamento qu<strong>as</strong>e unanime no seio da elite intelectual<br />

republicana.<br />

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

O combate ao analfabetismo estava na b<strong>as</strong>e da reformulação<br />

educacional republicana. Freire (1993, p.202) registra que a criação da<br />

Liga contra o Analfabetismo foi resolvida em <strong>um</strong>a reunião no Clube<br />

Militar, na cidade do Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1915. A Associação<br />

Br<strong>as</strong>ileira de <strong>Educação</strong>, por sua vez, foi criada em 1924, qu<strong>as</strong>e <strong>um</strong>a<br />

década mais tarde. Segundo esta autora, (1993, p.232) “os militares, no<br />

início do século, alinhavam-se, ideologicamente, tanto aos militantes da<br />

Liga Br<strong>as</strong>ileira contra o Analfabetismo, quanto aos da Associação<br />

Br<strong>as</strong>ileira de <strong>Educação</strong>, todos envolvido, civis e militares, no ideário de<br />

<strong>um</strong> elitismo <strong>nacional</strong>ista”. O que serve de indicador de reforço <strong>sobre</strong> o<br />

empenho dos militares na consecução dos ideais de melhoria d<strong>as</strong><br />

condições educacionais da população e do clima de intenso <strong>nacional</strong>ismo<br />

que permeava os círculos da intelectualidade educacional da época.<br />

Havia a consciência da necessidade da organização de <strong>um</strong><br />

sistema <strong>nacional</strong> de ensino, sob inspiração de <strong>um</strong>a pedagogia também<br />

<strong>nacional</strong> e de caráter cívico-patriótico, b<strong>as</strong>eada no poder da educação<br />

como instr<strong>um</strong>ento de remodelação política, social e moral. Nesse contexto<br />

estão inserid<strong>as</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e do grupo<br />

<strong>nacional</strong>ista conhecido como Jovens Turcos que fazem <strong>um</strong> contraponto<br />

ao cenário <strong>nacional</strong> herdado pela República.<br />

4. BILAC, BOMFIM E JOVENS TURCOS<br />

Em 1910, Olavo Bilac produz, em conjunto com Manoel Bomfim,<br />

a obra entitulada Através do Br<strong>as</strong>il. Seu objetivo principal, expresso<br />

pelos autores na introdução, era servir de contexto para <strong>as</strong> atividades<br />

propost<strong>as</strong> pelos professores de escol<strong>as</strong> primári<strong>as</strong> e para dar à criança<br />

<strong>um</strong>a visão geral do Br<strong>as</strong>il, “através da natureza com a qual ela estaria<br />

em contato e da vida que ela teria que viver e da qual já participava”<br />

(Bilac, 2000, p.51). A narrativa se desenvolve em torno de <strong>um</strong>a viagem<br />

realizada por dois adolescentes gaúchos que estudavam n<strong>um</strong> internato<br />

na cidade do Recife, Carlos e Alfredo. Quando recebem a notícia de<br />

que seu pai, engenheiro que trabalhava no interior, estava acometido de<br />

<strong>um</strong>a enfermidade partem em sua busca n<strong>um</strong>a longa aventura que começa<br />

em Pernambuco e vai até o Rio Grande do Sul, onde estavam seus<br />

parentes.<br />

Com esse enredo, Olavo Bilac e Manoel Bomfim propõem <strong>um</strong>a<br />

narrativa na qual procuram revelar, em sua introdução, os princípios<br />

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Nº 28 - janeiro/abril de 2006<br />

norteadores da organização da obra, parte que mais nos interessa analisar.<br />

Santos e Monteiro (2002) arg<strong>um</strong>entam que esses autores compartilhavam<br />

da intenção de difundir elementos que, à época, eram entendidos como<br />

fundamentais para a formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>: a delimitação<br />

do território br<strong>as</strong>ileiro, o p<strong>as</strong>sado com<strong>um</strong> aos seus habitantes e comunhão<br />

de sentimentos e valores de seu povo.<br />

Ao redigirem a introdução, os autores revelam su<strong>as</strong> intenções<br />

sem imaginar que a obra seria utilizada em escol<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il por mais de<br />

40 anos. Expressaram a exata noção do entendimento que tinham acerca<br />

da abrangência do trabalho e d<strong>as</strong> necessidades do ensino básico,<br />

afirmando que “a escola primária deve ensinar muito mais do que aqui<br />

[no livro Através do Br<strong>as</strong>il] se contém, e muito mais do que possa conter<br />

em qualquer livro de leitura” (Bilac, 2000, p.43).<br />

Concebiam o professor como <strong>um</strong> mediador que orient<strong>as</strong>se os<br />

alunos até que encontr<strong>as</strong>sem seus caminhos. Sobre isso manifestam a<br />

opinião de que “... é ele [o professor] quem principalmente deve levar a<br />

criança a aprender por si mesma, isto é: a por em contribuição tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

su<strong>as</strong> energi<strong>as</strong> e capacidades” (Idem, p.45). Outro <strong>as</strong>pecto que ressaltam,<br />

diretamente ligado à identidade <strong>nacional</strong>, é a dimensão emocional,<br />

referente às crenç<strong>as</strong> e valores que criam vínculos entre os habitantes de<br />

<strong>um</strong> mesmo território ou aos participantes de <strong>um</strong>a mesma cultura. Sobre<br />

isso se manifestam divers<strong>as</strong> vezes, explicando o porquê de conceberem<br />

<strong>um</strong>a narrativa envolvente:<br />

Segundo esse modo de entender, o nosso livro de leitura<br />

oferece b<strong>as</strong>tantes motivos, ensejos, oportunidades, convivênci<strong>as</strong><br />

e <strong>as</strong>suntos, para que o professor possa dar tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> lições, sugerir<br />

tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> noções e desenvolver todos os exercícios. (Idem, p.45)<br />

E quisemos que este livro fosse <strong>um</strong>a grande lição de energia, em<br />

grandes lances de afeto. Suscitar a coragem, harmonizar os esforços e<br />

cultivar a bondade – eis a fórmula da educação h<strong>um</strong>ana.(Idem, p 46)<br />

É interessante observar a ênf<strong>as</strong>e que deram aos <strong>as</strong>pectos<br />

afetivos, tanto relacionados com a educação formal quanto à sua<br />

concepção de identidade <strong>nacional</strong>. Um terceiro elemento que surge na<br />

arg<strong>um</strong>entação introdutória do livro é a visão de criança e escola que<br />

tinham. Os textos a seguir indicam :<br />

Esta lição é desenvolvida de forma acessível à mentalidade<br />

do aluno, e apelando sempre para o seu próprio raciocínio e para<br />

a sua observação. (Idem, p.49)<br />

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

...[é necessário] que a escola ensine a conhecer a natureza<br />

com a qual a criança está em contato, e a vida que ela tem de<br />

viver e da qual já participa. (Idem, p.51)<br />

Fica claro que entendiam a criança como <strong>um</strong> ser h<strong>um</strong>ano em<br />

especial condição de desenvolvimento, incluída no cotidiano da vida e<br />

capaz de utilizar seus próprios recursos para aprender e internalizar <strong>as</strong><br />

crenç<strong>as</strong> e valores que os autores pretendiam sugerir no contexto de sua<br />

narrativa.<br />

Paralelamente à produção de Bilac e Bomfim, houve a formação<br />

de <strong>um</strong> grupo de militares que iniciou a sua atuação intelectual e política<br />

quando seus fundadores retornaram de <strong>um</strong> estágio de instrução militar<br />

que foi realizado na Alemanha. Receberam a denominação de Jovens<br />

Turcos como <strong>um</strong>a forma de referência por parte de outros grupos mais<br />

conservadores dentro do Exército Br<strong>as</strong>ileiro e estava impregnada, na<br />

época, de <strong>um</strong>a conotação pejorativa. A atribuição desse nome estava<br />

relacionada a <strong>um</strong> outro grupo, também conformado por jovens militares<br />

que haviam estudado na Alemanha, m<strong>as</strong> que efetivamente eram naturais<br />

da Turquia e, ao retornarem ao seu país iniciaram a difusão de idéi<strong>as</strong><br />

que propunham reformulações em su<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> armad<strong>as</strong>.<br />

O Jovens Turcos br<strong>as</strong>ileiros, em 10 de outubro de 1913, fundaram<br />

a revista A Defesa Nacional, por meio da qual discutiam e difundiam<br />

su<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> acerca dos mais variados tem<strong>as</strong> nacionais, entre eles <strong>as</strong><br />

questões ligad<strong>as</strong> à formação da identidade <strong>nacional</strong> e a importância da<br />

educação nesse processo. Sua produção textual organizada foi publicada<br />

entre 1913 e 1918 e se pronunciaram divers<strong>as</strong> vezes acerca da sua<br />

concepção de identidade <strong>nacional</strong> e do papel e importância da educação<br />

para a formação dessa identidade. Referiam-se ao cenário educacional<br />

caótico legado pelo Império à República e à letargia política e inércia<br />

executiva do poder público em promover <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> que se faziam<br />

necessári<strong>as</strong>. Entendiam que:<br />

A ignorância pode ser considerada como fator, m<strong>as</strong> a<br />

indiferença egoística e criminosa d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses mais favorecid<strong>as</strong> é<br />

a verdadeira determinante dessa deplorável falta de coesão moral<br />

e social. Aninha-se à maravilha na embaciada consciência dess<strong>as</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses a teoria imoral, m<strong>as</strong> muito cômoda, de que a Pátria que<br />

todos gozamos, deve ser defendida pelo pobre, pelo desprotegido<br />

e pelo negro (A Defesa Nacional, ano 3, n 28, 1916, p.113)<br />

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Cadernos ASLEGIS<br />

Nº 28 - janeiro/abril de 2006<br />

É evidente que esses jovens oficiais tinham a exata noção do<br />

processo de exclusão que vinha servindo de contexto para a formação<br />

da sociedade br<strong>as</strong>ileira (Senna Pires, 2003), e consequentemente, para<br />

a formação de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>. Em grande parte, esse grupo<br />

imputava à falta de <strong>um</strong> sentimento de <strong>nacional</strong>idade e de coesão <strong>nacional</strong><br />

à ganância e à atuação d<strong>as</strong> elites agrári<strong>as</strong> e atribuíram à luta contra a<br />

ignorância <strong>um</strong>a importância tão enfática quanto a defesa territorial do<br />

Br<strong>as</strong>il. Sobre esse tema, <strong>as</strong>sim se manifestam:<br />

A falta de educação cívica do povo constitui <strong>um</strong> sério<br />

embaraço à execução da lei; essa educação deve ser dada n<strong>as</strong><br />

escol<strong>as</strong> e em todos os lugares onde haja permanência de meninos<br />

ou moços. (A Defesa Nacional, n 30 ano 1, 1913, p.38)<br />

Em nada nos adianta descontextualizar a arg<strong>um</strong>entação do grupo,<br />

pois, naquela época havia <strong>um</strong>a grande diferença n<strong>as</strong> funções sociais<br />

desempenhad<strong>as</strong> por homens e mulheres, motivo que pode indicar a ênf<strong>as</strong>e<br />

que emprestaram à formação dos meninos, esquecendo-se de inserirem<br />

<strong>as</strong> menin<strong>as</strong> nessa arg<strong>um</strong>entação. Dois anos mais tarde, parecem ter<br />

alterado sua concepção, ampliando o universo de crianç<strong>as</strong> a ser educado.<br />

Seguem com <strong>um</strong> discurso contundente <strong>sobre</strong> a necessidade da<br />

universalização e obrigatoriedade do ensino básico, arg<strong>um</strong>entando que a<br />

sociedade devia guiar “<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> para a escola”, que deveriam ser<br />

ensinad<strong>as</strong> “<strong>as</strong> glóri<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sad<strong>as</strong>” e finalmente declaram que era imperioso<br />

tornar “a instrução primária obrigatória” (A Defesa Nacional, n 24, ano<br />

2, 1915, p.366).<br />

Apesar da concepção militarista de su<strong>as</strong> formulações, não há<br />

como deixar de reconhecer o mérito de lutarem pela universalização e<br />

pela obrigatoriedade do ensino básico. Se considerarmos o rigor da<br />

disciplina militar e <strong>as</strong> divers<strong>as</strong> proibições a que estavam sujeitos, o que<br />

inclui a vedação de manifestar-se publicamente sem autorização superior,<br />

esse grupo de jovens militares mostrou <strong>um</strong>a disposição muito acirrada<br />

em defender pontos de vista <strong>sobre</strong> <strong>um</strong>a temática polêmica e que, como<br />

anteriormente visto, não apresentava avanços consideráveis diante d<strong>as</strong><br />

necessidades nacionais. Durante mais de três anos, seguem insistindo<br />

<strong>sobre</strong> a importância da educação, como por exemplo em 1916 quando<br />

ressaltam a necessidade de cuidar “com sinceridade da instrução e da<br />

educação de nosso povo” e, novamente, enfatizam a importância de<br />

“impor o ensino primário por toda a parte” (A Defesa Nacional, n 25,<br />

ano 3, 1916, p.2).<br />

122


<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

Assim como Bomfim e Bilac, possuíam a concepção de que a<br />

internalização de crenç<strong>as</strong> e valores relativos à identidade <strong>nacional</strong> deveria<br />

se iniciar na infância:<br />

É pois na infância que se despertam esses sentimentos de<br />

solidariedade e de amor à causa pública, ensinando aqueles feitos<br />

que possam estimular o orgulho da <strong>nacional</strong>idade e provocar<br />

aquele sadio e confiante otimismo que se traduz, n<strong>as</strong> alm<strong>as</strong> d<strong>as</strong><br />

crianç<strong>as</strong>, n<strong>um</strong>a ilimitada admiração pelos homens e cois<strong>as</strong> do<br />

seu país, e que conduz ao entusi<strong>as</strong>mo e ao patriotismo. (A Defesa<br />

Nacional, n32, ano 3, 1916, p.241)<br />

Tanto os militares quanto os civis que se dispuseram a debater a<br />

questão da educação a partir d<strong>as</strong> relações que podiam existir com a<br />

segurança e defesa nacionais, bem como a formação de <strong>um</strong>a identidade<br />

<strong>nacional</strong>, concebiam que a necessidade de alterar o contexto educacional<br />

da época era imperiosa e, metaforicamente, comparada a <strong>um</strong> estado de<br />

calamidade. Freire (1993, p.232) cita <strong>um</strong> discurso proferido por Miguel<br />

Couto, em <strong>um</strong>a reunião do Clube Militar, que bem ilustra esse pensamento:<br />

A ignorância é <strong>um</strong>a calamidade pública como a guerra, a<br />

peste, os cataclismos e não só <strong>um</strong>a calamidade, m<strong>as</strong> a maior de<br />

tod<strong>as</strong>, porque outr<strong>as</strong> dev<strong>as</strong>tam e p<strong>as</strong>sam, como tempestades<br />

seguid<strong>as</strong> de céu de bonança, m<strong>as</strong> a ignorância é qual o câncer,<br />

que tem a volúpia da tortura, do corroer célula a célula, fibra por<br />

fibra, inexoravelmente o organismo: dos cataclismos; d<strong>as</strong> pestes<br />

e d<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> se erguem os povos para <strong>as</strong> bênçãos da paz e do<br />

trabalho; na ignorância se afundam cada vez mais para a<br />

subalternidade e para a degenerescência. Por que pois a<br />

p<strong>as</strong>sividade ante <strong>as</strong> tremend<strong>as</strong> conseqüênci<strong>as</strong> da ignorância?<br />

(grifo nosso)<br />

Ao convergirem su<strong>as</strong> arg<strong>um</strong>entações para os mesmos elementos<br />

da identidade <strong>nacional</strong> apontados por Santos e Monteiro (2002), ao<br />

referirem-se à defesa da Pátria, ressaltaram a importância de sua<br />

dimensão territorial, espacial, física, representada pelo v<strong>as</strong>to território<br />

br<strong>as</strong>ileiro. Quando tratam da crítica às elites polític<strong>as</strong> e agrári<strong>as</strong> enfatizam<br />

a necessidade de elevar ao mesmo patamar todos os formadores do<br />

povo br<strong>as</strong>ileiro, seja considerando a sua origem étnica, seja tomando em<br />

conta sua origem social. Pobres, negros, indígen<strong>as</strong> e brancos, todos são<br />

dignos de orgulharem-se da grande Nação, que, em sua visão, estava<br />

em processo de formação. Além disso, não esqueceram da dimensão<br />

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Cadernos ASLEGIS<br />

Nº 28 - janeiro/abril de 2006<br />

emocional que é tão significativa para a internalização de crenç<strong>as</strong> e<br />

valores.<br />

Sinteticamente, Bilac e Bomfim, ao estilo dos intelectuais da<br />

época, utilizaram a estratégia de criar <strong>um</strong>a narrativa na qual, de forma<br />

lúdica, incluíram os três elementos centrais da concepção de identidade<br />

<strong>nacional</strong> de forma a serem tratados no ambiente escolar da época: o<br />

território br<strong>as</strong>ileiro, o p<strong>as</strong>sado com<strong>um</strong> entre os seus habitantes e a<br />

comunhão de sentimentos e valores entre eles.<br />

Os Jovens Turcos destacavam os mesmos elementos. No<br />

entanto, a sua ênf<strong>as</strong>e recaía na dimensão histórica referida ao p<strong>as</strong>sado<br />

com<strong>um</strong> entre os habitantes do Br<strong>as</strong>il. Além disso nota-se <strong>um</strong>a forte<br />

vinculação entre os três elementos característicos da identidade <strong>nacional</strong><br />

e a defesa da Nação, o que era bem presente no pensamento militar<br />

daquela época.<br />

A convergência entre esses dois modos de abordar o mesmo<br />

tema se deu na medida em que defendem a utilização do sistema escolar<br />

para a consecução dos seus objetivos. Apesar de empregarem meios<br />

diversos, tanto Bilac, quanto os Jovens Turcos visl<strong>um</strong>bram a escola como<br />

o espaço para a internalização de crenç<strong>as</strong> e valores e para o<br />

desenvolvimento de <strong>um</strong>a identidade <strong>nacional</strong>. Bilac, utilizando a estratégia<br />

do lúdico, da produção literária e da ampla difusão de <strong>um</strong> livro de leitura<br />

escolar. Os Jovens Turcos, por meio de <strong>um</strong>a forma mais politizada e<br />

utilizando a revista A Defesa Nacional, procuravam atingir outro público<br />

com o seu discurso. Su<strong>as</strong> arg<strong>um</strong>entações se referiam com freqüência<br />

às <strong>as</strong>simetri<strong>as</strong> construíd<strong>as</strong> no processo histórico com <strong>as</strong> quais a República<br />

não conseguira romper.<br />

5. REFERÊNCIAS<br />

BILAC, Olavo; BOMFIM, Manoel. Através do Br<strong>as</strong>il: prática da língua<br />

portuguesa. São Paulo: Companhia d<strong>as</strong> Letr<strong>as</strong>, 2000.<br />

BRASIL. Câmara dos Deputados. Coleção d<strong>as</strong> Leis do Império (1808-<br />

1889) Disponível em http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/<br />

conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-J.pdf. Consulta em 15 de<br />

abril de 2006.<br />

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<strong>Identidade</strong> <strong>nacional</strong> e <strong>Educação</strong>:<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Olavo Bilac, Manoel Bomfim e dos Jovens Turcos<br />

FERNANDES, Florestan. <strong>Educação</strong> e sociedade no Br<strong>as</strong>il. São Paulo:<br />

Dominus/Ed. USP, 1966.<br />

FREIRE, Ana Maria Araújo. Analfabetismo no Br<strong>as</strong>il, da ideologia<br />

da interdição do corpo à ideologia <strong>nacional</strong>ista: 1534-1930.<br />

São Paulo: Cortez, 1993.<br />

LAFER, Celso. A identidade inter<strong>nacional</strong> do Br<strong>as</strong>il e a política<br />

externa br<strong>as</strong>ileir: P<strong>as</strong>sado, presente e futuro. São Paulo :<br />

Perspectiva, 2001<br />

ORTIZ, Renato. Cultura br<strong>as</strong>ileira e identidade <strong>nacional</strong>. São Paulo:<br />

Br<strong>as</strong>iliense, 1985.<br />

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da <strong>Educação</strong> Br<strong>as</strong>ileira: a<br />

organização escolar. Campin<strong>as</strong>: Autores Associados, 2001.<br />

SANTOS, Ediógenes Aragão; MONTEIRO, Regina Maria. O Br<strong>as</strong>il<br />

de Olavo Bilac e Manoel Bonfim: a construção política de <strong>um</strong>a<br />

identidade <strong>nacional</strong> através do ensino. Pro-posições , São Paulo:<br />

v. 13, n. 2(38), p. 21-34, maio/ago., 2002.<br />

SENNA PIRES, Sergio Fernandes. A formação <strong>as</strong>simétrica da sociedade<br />

br<strong>as</strong>ileira: fator de exclusão e violência.. Cadernos <strong>Aslegis</strong>, Br<strong>as</strong>ilia,<br />

v. 6, n. 21, p. 107-111, 2003.<br />

125

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