69 - Núcleo de Pesquisa Impérios e Lugares do Brasil
69 - Núcleo de Pesquisa Impérios e Lugares do Brasil
69 - Núcleo de Pesquisa Impérios e Lugares do Brasil
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
tendências que já tinham ti<strong>do</strong> início anteriormente. A lei <strong>de</strong> 18/08/17<strong>69</strong>, chamada da Boa<br />
Razão, havia acaba<strong>do</strong> com o uso indiscrimina<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito romano e comum, além <strong>de</strong> ter<br />
subtraí<strong>do</strong> o Direito Canônico <strong>do</strong> âmbito temporal e, junto com ele, toda uma plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res e comenta<strong>do</strong>res que prevaleciam até então nos tribunais <strong>do</strong> rei.<br />
Essas iniciativas significavam uma tentativa <strong>de</strong> consolidar na or<strong>de</strong>m jurídica o maior<br />
fortalecimento da autorida<strong>de</strong> política real, impon<strong>do</strong> mudanças nas concepções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e<br />
socieda<strong>de</strong>. Reagia a uma or<strong>de</strong>m jurídica e política que se mostravam inacessíveis aos atos da<br />
vonta<strong>de</strong> humana, visto que eram subordinadas a uma lei externa ao arbítrio <strong>do</strong>s homens. As<br />
referências <strong>de</strong>ssa mundivivência pautada pela heteronomia transpassavam to<strong>do</strong>s os campos <strong>do</strong><br />
conhecimento e expandiam-se na esfera <strong>do</strong> cotidiano, construin<strong>do</strong> uma experiência <strong>de</strong> mun<strong>do</strong><br />
na qual tu<strong>do</strong> tinha o seu lugar, e on<strong>de</strong> qualquer transgressão <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m era interpretada sob<br />
os signos religiosos da escatologia. Logo, o direito mostrava-se disponível ao homem tão<br />
somente através da <strong>de</strong>cifração <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m revelada e transcen<strong>de</strong>nte, da Causa Primeira <strong>do</strong><br />
aristotelismo cristão, ensinada nos colégios e universida<strong>de</strong>s pelos jesuítas . A centralida<strong>de</strong> da<br />
idéia da conservação e a crença na perfeição <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> referendava a autorida<strong>de</strong> das fontes<br />
jurídicas mais tradicionais, como o direito canônico, o direito romano, o direito comum e, na<br />
falta da tradição escrita, o costume (HESPANHA, 1994-1995, p.93). Assentada na<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes, a aplicação <strong>do</strong> direito não se fundava na verda<strong>de</strong> da lei, e sim na<br />
interpretação da <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o caso (GARRIGA, 2004, p.28). As próprias<br />
Or<strong>de</strong>nações, compilação <strong>de</strong> leis <strong>do</strong> reino, eram submetidas aos communis opinio,<br />
argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s comenta<strong>do</strong>res e das autorida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> direito romano, comum e<br />
canônico (SILVA, 1991, p.347). Destarte, o papel conforma<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito estava, como<br />
salientou Antonio Manuel Hespanha, na centralida<strong>de</strong> da <strong>do</strong>utrina e, não, no “prima<strong>do</strong> da lei”<br />
(HESPANHA, 2007, p.56-57).<br />
Neste esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas, o direito tinha uma função constitucional, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>m<br />
política. Não era o pacto que fundava o direito, “antes este que fundava a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
pactos”. O po<strong>de</strong>r político <strong>do</strong> rei era limita<strong>do</strong> pelos princípios morais <strong>de</strong>sse quadro<br />
epistemológico, e tinha sua maior representação na idéia <strong>de</strong> corpo político, na qual cada parte<br />
da socieda<strong>de</strong> tinha uma função. No que se refere ao monarca, a principal função era a <strong>de</strong><br />
realizar a justiça, “garantin<strong>do</strong> a cada qual o seu estatuto (foro, direito, privilégio)”, e o bem<br />
comum (HESPANHA, XAVIER, 1993, p.123). Embora ocupasse a posição <strong>de</strong> cabeça <strong>do</strong><br />
corpo político, era um po<strong>de</strong>r entre po<strong>de</strong>res. No interior <strong>de</strong>ssa cultura jurídica que colocava o<br />
monopólio <strong>de</strong> interpretação da <strong>do</strong>utrina nas mãos <strong>do</strong>s juristas e magistra<strong>do</strong>s, estes possuíam