69 - Núcleo de Pesquisa Impérios e Lugares do Brasil

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somente sobre a sucessão dos reis, sendo a monarquia pura e absoluta, fundada na conquista e na hereditariedade do poder, uma vez “que todos os poderes da soberania residem na única pessoa dos nossos príncipes”, sendo recebidos do Deus Todo Poderoso (GOMES, 1991, p.74- 75). Já Ribeiro dos Santos afirmava que tratavam também da natureza do governo, encontrando no tradicionalismo constitucional uma saída mais equilibrada e disciplinada que a do “desarrumado avulso pombalino e o ultrapassado das Ordenações”(PEREIRA, 1993, p.254; NEVES, 2001, p.55-56). As linhas deste debate, em que se opunham uma perspectiva centralizadora a uma visão pactícia do poder, não eram as únicas, mas constituem tipos exemplares das linguagens políticas que continuaram presentes nos debates das décadas seguintes 4 . A partir de 1808, uma nova configuração política apareceu, criando espaço para a ação e o desenvolvimento das linguagens políticas. Com a transferência da sede da monarquia para a América portuguesa, realizava-se a idéia de um império luso-brasileiro, que já fora abordado pelo padre Antônio Vieira e D. Luís da Cunha em épocas anteriores (LYRA, 1994, p.107-197); e que havia sido recuperada por Rodrigo de Sousa Coutinho em finais do século XVIII, tendo a sua volta uma elite luso-brasileira ilustrada com passagem pela Coimbra reformada 5 . Em sua atuação como letrado, Aragão e Vasconcelos parecia alinhar-se dentro desta posição, deixando-a explícita numa memória escrita no início da década de 1810. Se o estabelecimento da metrópole no Centro-Sul da possessão americana trouxe novos alentos aos portugueses desta parte da América, também gerou fortes resistências, tanto dos portugueses que ficaram em Portugal, quanto dos portugueses das capitanias do norte (DIAS, 1979, p.167). Na imprensa luso-brasileira na Europa, principalmente a partir da elevação da América portuguesa a Reino Unido (1815), os descontentamentos tomaram forma nas disputas entre os partidários da opção americana e aqueles que defendiam a regeneração portuguesa (ALEXANDRE, 1993, p.396-440). No reino e no norte da nova metrópole, a oposição tomou o caminho da revolta no mesmo ano de 1817. Naquele, a Conspiração liderada pelo militar Gomes Freire. Neste, a “Revolução”, que, ao prevalecer ante a opção da monarquia constitucional, evoluiu a partir de Pernambuco para as capitanias vizinhas e estabeleceu o regime republicano, além de uma nova constituição, elaborada para sancionar um novo pacto, fora das estruturas políticas da monarquia portuguesa (MELLO, 2004, p.25- 63). Aragão e Vasconcelos, autor das defesas dos pernambucanos, expressou as ambigüidades existentes nesse inconsistente mundo letrado luso-brasileiro. Em 1819, foi
encarregado de elaborar as defesas dos acusados pela “Revolução” que tomou conta de Pernambuco de março à maio de 1817, e que estavam presos nos cárceres da Bahia. Tarefa hercúlea, segundo argumentava o advogado em sua Defesa Geral, de defender “trezentos e dezessete réus, (...) não podia cada um ser defendido em um só dia quando assim mesmo seriam necessários trezentos e dezessete dias, e eu não tive ao menos meio dia”. Dado o limitado tempo que possuía, Aragão e Vasconcelos propôs, ao escrever sua defesa geral, arranjá-la como memória, fazendo “um discurso geral sobre todos conforme as estreitezas do tempo” (DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1954, v.CVI, p.49). Neste documento, o advogado baiano propôs uma explicação global dos eventos. De partida, referia-se a Justiça, equivalendo-a à “bondade do soberano e dos ministros que divinamente o representam”. Identificando o crime contra o sistema político como um crime contra a pessoa real, legitimava enquanto justa qualquer punição, não obstante como vingança “à vista de tão grande ofensa Majestade ultrajada” e à mácula que os habitantes de Pernambuco haviam feito à honra de seus antepassados (DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1954, v.CVI, p.52). Portanto, dirigia-se ao tribunal e aos ministros de Sua Magestade apelando à imagem do soberano como pai doce e amável, ao mesmo tempo em que lhe conferia o papel de justiceiro (HESPANHA, 1993, p.311). Embora se referisse sempre às leis que regulavam o castigo, remetendo-se às Ordenações e as Cartas Régias, demonstrando-se atento aos usos jurídicos implantados pelas reformas do século anterior, as representações e argumentos utilizados por Aragão e Vasconcelos deixavam implícitas uma concepção personalista de poder, onde o crime aparecia como uma falta à lei moral, distante ainda da referência moderna de justiça, pautada pela idéia de desobediência à lei positiva (PRODI, 2002, p.21). Seguindo pelo mesmo rumo argumentativo tradicional, a defesa prosseguia na justificação da “rebelião”. Segundo o advogado baiano, se haveria de existir algum culpado pela rebelião de Pernambuco, este seria o governador deposto Caetano Pinto de Miranda Montenegro, posto que “um general nunca deve desamparar o seu posto até o último lance na desgraça, porque aliás fica o corpo sem cabeça, e desfalecido”. Com o governo sem cabeça, os assassinos puderam fazer uma revolução porque não acharam resistência, uniram-se muitos ao seu partido porque não havia outro, o povo elegeu um governo por falta dele, visto que o Governador tinha cedido do seu e deixado o povo em anarquia. (DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1954, v.CVI, p.57) A eleição de um Governo Provisório após a fuga do governador teria sido uma forma de “sossegar o tumulto e dissipar a anarquia”, “enquanto Sua Majestade não mandava forças
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