A Hora em que Não Sabíamos Nada uns dos Outros
A Hora em que Não Sabíamos Nada uns dos Outros
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caminhada <strong>que</strong> a praça n<strong>em</strong> é para ele lugar para uma pausa; subitamente, passa o braço,<br />
estendido e pendurado, como <strong>que</strong> à volta de uma cintura no ar, e depois faz o mesmo<br />
com o outro.<br />
Entretanto, uma mulher jov<strong>em</strong>, elegant<strong>em</strong>ente vestida, atravessa a praça, com um martelo<br />
numa das mãos, um metro de carpinteiro aberto na outra e pregos na boca.<br />
Pausa.<br />
Uma folha de jornal desliza pela praça, e depois mais uma.<br />
Um carro de brincar telecomandado irrompe de um <strong>dos</strong> cantos, avança para um lado e<br />
para o outro e acelera para desaparecer de novo.<br />
Um papagaio de papel muito colorido desce <strong>em</strong> espiral, paira sobre a praça e é soprado<br />
para uma das ruas, tal como o papel de jornal.<br />
O eco de um varão de ferro <strong>que</strong> caiu <strong>em</strong> qual<strong>que</strong>r parte, fora de cena.<br />
Uma sirene no nevoeiro.<br />
Um grito breve e indefinível, e depois apenas o piar de pe<strong>que</strong>nos pássaros, e um tropel,<br />
<strong>que</strong> só pode vir de um bando de crianças correndo livr<strong>em</strong>ente por uma rua.<br />
Alguém vai cambaleando como um bêbado, <strong>em</strong> diagonal, ao fundo da cena, entrando<br />
progressivamente no círculo, primeiro com um zumbido, depois soluçando alto, <strong>em</strong><br />
seguida aos berros e finalmente de dentes arreganha<strong>dos</strong> e rangendo.<br />
A tripulação completa de um avião, com as respectivas malas, faz ao longo da praça uma<br />
trajectória <strong>que</strong> parece previamente determinada, seguida de um idiota <strong>que</strong>, colado a eles,<br />
os vai imitando com esgares desvaira<strong>dos</strong>, beijando o rasto <strong>dos</strong> seus pés, para no fim se<br />
pôr à escuta no chão e desaparecer rastejando a quatro patas.<br />
Enquanto isto se passa, já noutro lugar uma mulher jov<strong>em</strong> se afasta, tirando, enquanto<br />
anda, um maço de fotografias de dentro de um envelope; olha para todas, umas a seguir<br />
às outras, pára, sorri, rasga um grande sorriso, continuando mergulhada na cont<strong>em</strong>plação<br />
de uma das fotografias, continua a andar até <strong>que</strong>, ao ver um transeunte indefinido <strong>que</strong><br />
v<strong>em</strong> do lado oposto e a acompanha no seu sorriso, fica de repente muito séria e<br />
desaparece por uma das ruas com uma cara <strong>que</strong> parece uma máscara; o outro, porém,<br />
continua sorrindo e atravessa a praça, imitado por um momento pelo idiota, <strong>que</strong> entra de<br />
forma fulminante, com uma curva apertada e uma cambalhota, para desaparecer logo de<br />
seguida, o <strong>que</strong> só contribui para tornar mais aberto o sorriso do outro.