A Hora em que Não Sabíamos Nada uns dos Outros
A Hora em que Não Sabíamos Nada uns dos Outros
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S<strong>em</strong> olhar<strong>em</strong> um para o outro, um deles abre o livro quando se cru-zam, e o outro dá uma<br />
dentada no pão.<br />
Torna-se mais lento o andar do <strong>que</strong> lê, e também o do outro <strong>que</strong> come; o <strong>que</strong> lê levanta<br />
depois os olhos por cima do ombro, enquanto a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> come, olhando à volta, sai da<br />
praça.<br />
A grande praça vazia na sua luz clara, e mais nada.<br />
Aparec<strong>em</strong> mais dois personagens indefiníveis.<br />
Um deles pára e levanta a cabeça, como qu<strong>em</strong> chega a algum lugar, olha à sua volta,<br />
respira fundo, abana com a cabeça, enquanto o outro já lhe acena para continuar a andar,<br />
uma e outra vez, até <strong>que</strong> o primeiro, dando uma volta sobre si próprio com todo o vagar,<br />
o segue a alguma distância.<br />
Entretanto, ao fundo, um artesão ambulante, tocando uma sineta, segue o seu caminho.<br />
Atravessa a praça uma mulher de lenço na cabeça e botas de borracha, carregando um<br />
regador e um ramo de flores já murchas, mesmo podres, <strong>que</strong> atira, a grande altura, para<br />
trás do cenário.<br />
No mesmo momento v<strong>em</strong> de uma direcção completamente diferente outra mulher vestida<br />
quase da mesma maneira, tipo velhinha, com uma foice, um ramo de chamiços e uma<br />
cesta enfiada no braço, a transbordar de cogumelos silvestres.<br />
Uma terceira mulher, indefinível, vestida de forma quase idêntica, movimenta-se por um<br />
terceiro caminho, s<strong>em</strong> nada nas mãos, costas e pescoço muito curva<strong>dos</strong>, o rosto voltado<br />
para o chão, s<strong>em</strong> parar, mas quase s<strong>em</strong> avançar, enquanto atrás dela aparece um outro<br />
caminhante, retardando cada vez mais o passo, como se o atalho fosse d<strong>em</strong>asiado estreito<br />
para ultrapassar, mas mantendo um olhar firme para a distância, s<strong>em</strong> dar atenção à<br />
criatura mesmo à frente das bi<strong>que</strong>iras das suas botas de montanha.<br />
De frente para estes dois, <strong>que</strong> continuam a andar s<strong>em</strong> quase sair do mesmo lugar, aparece<br />
brev<strong>em</strong>ente, como num intervalo para tomar fôlego, um hom<strong>em</strong> vestido de cozinheiro,<br />
tira umas fumaças apressadas do cigarro e desaparece de seguida do campo de visão.<br />
Um outro surge, arrastando-se penosamente ao virar de uma esquina, carregando aos<br />
ombros uma rede de pescador, enquanto o caminhante, de passag<strong>em</strong>, lhe tira da camisa<br />
um insecto <strong>que</strong> aí ficou preso, lançando-o ao ar para <strong>que</strong> ele saia voando.<br />
Ouviu-se um trovão, e agora ouve-se de novo trovejar.