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Memorias De Um Suicida - Yvonne A. Pereira.pdf - Mkmouse.com.br

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LÉON DENIS<<strong>br</strong> />

Belo Horizonte, 4 de a<strong>br</strong>il de 1957.<<strong>br</strong> />

PRIMEIRA PARTE<<strong>br</strong> />

OS RÉPROBOS<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO I<<strong>br</strong> />

O Vale dos <strong>Suicida</strong>s<<strong>br</strong> />

Precisamente no mês de janeiro do ano da graça de 1891, fora eu surpreendido<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> meu aprisionamento em região do Mundo Invisível cujo desolador panorama era<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>posto por vales profundos, a que as som<strong>br</strong>as presidiam: gargantas sinuosas e<<strong>br</strong> />

cavernas sinistras, no interior das quais uivavam, quais maltas de demônios enfurecidos,<<strong>br</strong> />

Espíritos que foram homens, dementados pela intensidade e estranheza,<<strong>br</strong> />

verdadeiramente inconcebíveis, dos sofrimentos que os martirizavam.<<strong>br</strong> />

Nessa paragem aflitiva a vista torturada do grilheta não distinguiria sequer o doce<<strong>br</strong> />

vulto de um arvoredo que testemunhasse suas horas de desesperação; tampouco<<strong>br</strong> />

paisagens confortativas, que pudessem distraí-lo da contemplação cansativa dessas<<strong>br</strong> />

gargantas onde não penetrava outra forma de vida que não a traduzida pelo supremo<<strong>br</strong> />

horror!<<strong>br</strong> />

O solo, coberto de matérias enegrecidas e fétidas, lem<strong>br</strong>ando a fuligem, era<<strong>br</strong> />

imundo, pastoso, escorregadio, repugnante! O ar pesadíssimo, asfixiante, gelado,<<strong>br</strong> />

enoitado por bulcões ameaçadores <strong>com</strong>o se eternas tempestades rugissem em torno; e,<<strong>br</strong> />

ao respirarem-no, os Espíritos ali ergastulados sufocavam-se <strong>com</strong>o se matérias<<strong>br</strong> />

pulverizadas, nocivas mais do que a cinza e a cal, lhes invadissem as vias respiratórias,<<strong>br</strong> />

martirizando-os <strong>com</strong> suplício inconcebível ao cére<strong>br</strong>o humano habituado às gloriosas<<strong>br</strong> />

claridades do Sol - dádiva celeste que diariamente abençoa a Terra - e às correntes<<strong>br</strong> />

vivificadoras dos ventos sadios que tonificam a organização física dos seus habitantes.<<strong>br</strong> />

Não havia então ali, <strong>com</strong>o não haverá jamais, nem paz, nem consolo, nem<<strong>br</strong> />

esperança: tudo em seu âmbito marcado pela desgraça era miséria, assom<strong>br</strong>o, desespero<<strong>br</strong> />

e horror. Dir-se-ia a caverna tétrica do In<strong>com</strong>preensível, indescritível a rigor até mesmo<<strong>br</strong> />

por um Espírito que sofresse a penalidade de habitá-la.<<strong>br</strong> />

O vale dos leprosos, lugar repulsivo da antiga Jerusalém de tantas emocionantes<<strong>br</strong> />

tradições, e que no orbe terráqueo evoca o último grau da abjeção e do sofrimento<<strong>br</strong> />

humano, seria consolador estágio de repouso <strong>com</strong>parado ao local que tento descrever.<<strong>br</strong> />

Pelo menos, ali existiria solidariedade entre os renegados! Os de sexo diferente<<strong>br</strong> />

chegavam mesmo a se amar! Adotavam-se em boas amizades, irmanando-se no seio da<<strong>br</strong> />

dor para suavizá-la! Criavam a sua sociedade, divertiam-se, prestavam-se favores,<<strong>br</strong> />

dormiam e sonhavam que eram felizes!<<strong>br</strong> />

Mas no presídio de que vos desejo dar contas nada disso era possível, porque as<<strong>br</strong> />

lágrimas que se choravam ali eram ardentes demais para se permitirem outras atenções<<strong>br</strong> />

que não fossem as derivadas da sua própria intensidade!<<strong>br</strong> />

No vale dos leprosos havia a magnitude <strong>com</strong>pensadora do Sol para retemperar os<<strong>br</strong> />

corações! Existia o ar fresco das madrugadas <strong>com</strong> seus orvalhos regeneradores! Poderia<<strong>br</strong> />

o precito ali detido contemplar uma faixa do céu azul... Seguir, <strong>com</strong> o olhar enternecido,<<strong>br</strong> />

bandos de andorinhas ou de pombos que passassem em revoada!... Ele sonharia, quem<<strong>br</strong> />

sabe? Lenido de amarguras, ao poético clarear do plenilúnio, enamorando-se das<<strong>br</strong> />

cintilações suaves das estrelas que, lá no Inatingível, acenariam para a sua desdita,<<strong>br</strong> />

sugerindo-lhe consolações no insulamento a que o forçavam as férreas leis da época!...

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