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Arthur C. Clarke - Areias de Marte.pdf - Mkmouse.com.br

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Título da edição original:<<strong>br</strong> />

SANDS OF MARS·<<strong>br</strong> />

CAPA DE<<strong>br</strong> />

LIMA DE FREITAS<<strong>br</strong> />

Copyright, 1952 by <strong>Arthur</strong> C. <strong>Clarke</strong><<strong>br</strong> />

Reservados todos so direitos pela legislação em vigor<<strong>br</strong> />

OFICINAS GRÁFICAS DE LIVROS DO BRASIL, S. A. R. L.


-----------------------------CAPÍTULO I -----------------------------<<strong>br</strong> />

- Então é a primeira vez que você anda cá por cima? - perguntou o piloto,<<strong>br</strong> />

recostando-se na sua ca<strong>de</strong>ira e fazendo-a oscilar so<strong>br</strong>e as articulações. Cruzou as<<strong>br</strong> />

mãos so<strong>br</strong>e a nuca numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>sleixada para que pu<strong>de</strong>sse inspirar<<strong>br</strong> />

alguma confiança ao seu passageiro.<<strong>br</strong> />

- Sim - disse Martin Gibson, sem tirar os olhos do seu cronômetro.<<strong>br</strong> />

- Era o que eu pensava. Você erra sempre em qualquer coisa nas suas histórias -<<strong>br</strong> />

por exemplo: aquele disparate <strong>de</strong> as pessoas <strong>de</strong>smaiarem quando submetidas à<<strong>br</strong> />

aceleração. Porque é que há pessoas que escrevem coisas <strong>de</strong>ssas? Não parece a<<strong>br</strong> />

melhor maneira <strong>de</strong> fazer fortuna.<<strong>br</strong> />

- Tenho muita pena - respon<strong>de</strong>u Gibson. - Mas creio que você está a referir-se às<<strong>br</strong> />

minhas primeiras histórias. Naquela época as viagens através do espaço ainda nem<<strong>br</strong> />

sequer tinham <strong>com</strong>eçado e eu tinha <strong>de</strong> fazer uso da minha imaginação.<<strong>br</strong> />

- Talvez - disse o piloto, <strong>de</strong> má vonta<strong>de</strong>. (Não estava dando a mínima atenção aos<<strong>br</strong> />

instrumentos e faltavam apenas dois minutos para a largada.) - É curioso que isto<<strong>br</strong> />

seja uma novida<strong>de</strong> para você <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter escrito tantas vezes so<strong>br</strong>e o assunto.<<strong>br</strong> />

Talvez a palavra «curioso» não fosse a mais a<strong>de</strong>quada, pensou Gibson, mas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u o que o piloto queria dizer. Dúzias dos seus heróis - e vilões - tinham<<strong>br</strong> />

fitado hipnotizados os impiedosos ponteiros dos segundos, esperando que os<<strong>br</strong> />

foguetes os lançassem no infinito. E agora - <strong>com</strong>o era vulgar acontecer sempre que<<strong>br</strong> />

alguém esperava o tempo suficiente - a realida<strong>de</strong> viera ao encontro da ficção.<<strong>br</strong> />

Naquele momento faltavam apenas noventa segundos para o seu próprio futuro.<<strong>br</strong> />

Sim, <strong>de</strong> fato era curioso, um belo caso <strong>de</strong> justiça poética.<<strong>br</strong> />

O piloto olhou para ele, <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u os seus sentimentos e sorriu alegremente.<<strong>br</strong> />

- Não <strong>de</strong>ixe que as suas próprias histórias o assustem. Uma vez, por causa <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

aposta, quis aguentar a largada <strong>de</strong> pé, mas foi um disparate.<<strong>br</strong> />

- Não tenho medo - respon<strong>de</strong>u Gibson, <strong>com</strong> um ardor <strong>de</strong>snecessário.<<strong>br</strong> />

- Hum... - disse o piloto, con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ndo em olhar para o relógio. O ponteiro dos<<strong>br</strong> />

segundos ainda tinha um circuito a ligar. - Nesse caso eu não estaria agarrado ao<<strong>br</strong> />

assento <strong>com</strong>o você está. É <strong>de</strong> uma liga <strong>de</strong> berílio e manganês. Acabará entortando-o.<<strong>br</strong> />

Gibson acalmou-se disfarçadamente. Sabia que estava reagindo perante a situação<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> uma maneira falsa, mas nem por isso as suas reações eram menos reais.<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente! - disse o piloto, mantendo-se calmo, mas, <strong>com</strong>o Gibson notou,<<strong>br</strong> />

fixando os seus olhos no painel dos instrumentos. - Não seria muito agradável se<<strong>br</strong> />

durasse mais <strong>de</strong> alguns minutos - ah, aí estão as bombas do propulsante. Não se<<strong>br</strong> />

preocupe quando o <strong>de</strong>slocamento vertical <strong>com</strong>eçar a fazer das suas, mas <strong>de</strong>ixe o<<strong>br</strong> />

assento mover-se à vonta<strong>de</strong>. Feche os olhos se isso lhe fizer bem. (Está ouvindo os<<strong>br</strong> />

ignidores?) Demoraremos <strong>de</strong>z segundos até atingirmos a força máxima. Agora é


apenas o barulho! Habitue-se a isso! - DISSE QUE SE HABITUASSE A ISSO...!<<strong>br</strong> />

Mas Martin Gibson nem sequer pensava em tal coisa. Desmaiara, ainda que a<<strong>br</strong> />

aceleração não exce<strong>de</strong>sse a <strong>de</strong> um elevador <strong>de</strong> alta velocida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Voltou a si alguns minutos <strong>de</strong>pois e mil quilômetros mais além, muito<<strong>br</strong> />

envergonhado <strong>de</strong> si próprio. Um raio <strong>de</strong> sol batia so<strong>br</strong>e o seu rosto. Compreen<strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />

que a persiana protetora no revestimento exterior <strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>slizado. Ainda que<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ilhante, a luz não era tão intolerável <strong>com</strong>o ele pensara. Via apenas um pouco da<<strong>br</strong> />

que se infiltrava através do vidro escurecido.<<strong>br</strong> />

Olhou para o piloto, curvado so<strong>br</strong>e o painel <strong>de</strong> instrumentos, escrevendo<<strong>br</strong> />

apressadamente no livro <strong>de</strong> bordo. Tudo parecia muito calmo, mas <strong>de</strong> tempos a<<strong>br</strong> />

tempos havia algumas explosões curiosamente abafadas - quase miniaturais - e<<strong>br</strong> />

Gibson pensou que isso era <strong>de</strong>sconcertante. Tossiu suavemente para anunciar o seu<<strong>br</strong> />

regresso à consciência e perguntou ao piloto o que era aquilo.<<strong>br</strong> />

- Contrações térmicas nos motores - respon<strong>de</strong>u ele, secamente. - Devem ter<<strong>br</strong> />

estado funcionando a 2800º C e arrefecem muito rapidamente. - Sente-se bem<<strong>br</strong> />

agora?<<strong>br</strong> />

- Muito bem - respon<strong>de</strong>u Gibson, e sabia o que dizia. - Posso levantar-me?<<strong>br</strong> />

Psicologicamente fora até ao fundo e voltara para cima. Era uma posição muito<<strong>br</strong> />

instável, ainda que ele não <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse isso.<<strong>br</strong> />

- Se quiser, - disse o piloto num tom <strong>de</strong> dúvida. Mas tenha cuidado... Agarre-se a<<strong>br</strong> />

qualquer coisa sólida.<<strong>br</strong> />

Gibson teve uma sensação maravilhosa. Chegara o momento pelo qual esperara<<strong>br</strong> />

toda a sua vida. Estava no espaço: Era uma pena que não tivesse a<strong>com</strong>panhado a<<strong>br</strong> />

largada, mas daria um pouco <strong>de</strong> polimento a essa parte quando a escrevesse.<<strong>br</strong> />

A mil quilômetros <strong>de</strong> distância a Terra era ainda muito gran<strong>de</strong> - e <strong>de</strong> certo modo<<strong>br</strong> />

um <strong>de</strong>sapontamento. A razão tornou-se rapidamente óbvia. Vira tantas centenas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fotografias e filmes, que a surpresa fora estragada; sabia exatamente o que esperar.<<strong>br</strong> />

Viu as inevitáveis cinturas móveis <strong>de</strong> nuvens na sua lenta marcha em torno do<<strong>br</strong> />

mundo. Ao centro do disco a divisão entre a terra e o mar era nitidamente visível e<<strong>br</strong> />

havia um infinito número <strong>de</strong> pequenos pormenores perfeitamente <strong>de</strong>finidos, mas<<strong>br</strong> />

para o horizonte tudo se perdia numa nebulosida<strong>de</strong> crescente. Sem dúvida que um<<strong>br</strong> />

meteorologista <strong>de</strong>via sentir-se <strong>de</strong>liciado vendo aquele mapa do tempo por baixo <strong>de</strong>le<<strong>br</strong> />

- mas <strong>de</strong> resto eles estavam nas estações espaciais e tinham uma vista ainda melhor.<<strong>br</strong> />

Gibson não tardou a sentir-se fatigado <strong>de</strong> procurar as cida<strong>de</strong>s e outros sinais do<<strong>br</strong> />

Homem. Disse a si próprio que os milhares <strong>de</strong> anos da civilização humana não<<strong>br</strong> />

tinham produzido uma alteração apreciável no panorama lá <strong>de</strong> baixo.<<strong>br</strong> />

Depois <strong>com</strong>eçou a olhar para as estrelas e teve o seu segundo <strong>de</strong>sapontamento:<<strong>br</strong> />

Havia centenas <strong>de</strong>las, mas pálidas e mortiças; simples fantasmas das ofuscantes<<strong>br</strong> />

miría<strong>de</strong>s que ele esperara encontrar. O vidro escuro da vigia era o culpado: para<<strong>br</strong> />

dominar o Sol roubava às estrelas sua glória.<<strong>br</strong> />

Gibson sentiu-se um pouco aborrecido. Só uma coisa se mostrara tal e qual ele<<strong>br</strong> />

esperava. A sensação <strong>de</strong> flutuar, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>slocar-se <strong>de</strong> uma pare<strong>de</strong> a outra <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

toque <strong>de</strong> um <strong>de</strong>do, era tão <strong>de</strong>liciosa quanto ele <strong>de</strong>sejara - ainda que o<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>partimento fosse muito acanhado para qualquer experiência ambiciosa. A<<strong>br</strong> />

ausência <strong>de</strong> peso era um estado encantador, mágico, agora que havia drogas que<<strong>br</strong> />

imobilizavam os órgãos do equilí<strong>br</strong>io e o enjôo do espaço era uma coisa do passado.<<strong>br</strong> />

Ainda bem que assim era. Como os seus heróis tinham sofrido! Lem<strong>br</strong>ou-se do<<strong>br</strong> />

primeiro vôo <strong>de</strong> Robin Blake, na versão original da «Poeira Marciana». Descrevera<<strong>br</strong> />

durante um capitulo inteiro o enjôo espacial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros sintomas que


podiam ser ignorados <strong>com</strong> um pouco <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, até os movimentos subterrâneos<<strong>br</strong> />

que nem mesmo os mais otimistas podiam ignorar, e o piedoso esgotamento final.<<strong>br</strong> />

O capítulo fora uma o<strong>br</strong>a-prima <strong>de</strong> realismo negro. fora uma pena que os seus<<strong>br</strong> />

editores, <strong>com</strong> os olhos postos no «Clube do Livro», tivessem insistido em eliminá-lo.<<strong>br</strong> />

Tinha trabalhado tanto nele que vivera essas sensações. Mesmo naquele momento...<<strong>br</strong> />

-É muito estranho - disse o médico, pensativo, enquanto faziam passar o autor,<<strong>br</strong> />

agora calmo, através do guarda-ar. - Ele foi aprovado nos exames médicos e <strong>de</strong>ve ter<<strong>br</strong> />

tomado a injeção antes <strong>de</strong> partir da Terra. Deve ser qualquer coisa psicossomática.<<strong>br</strong> />

- Não me interessa o que seja - resmungou o piloto, enquanto seguia o cortejo até<<strong>br</strong> />

ao centro da Estação Espacial Um. - Só quero saber <strong>de</strong> uma coisa: quem é que vai<<strong>br</strong> />

lavar a minha nave?<<strong>br</strong> />

Ninguém pareceu disposto a dar-lhe resposta, e muito menos Martin Gibson, que<<strong>br</strong> />

tinha apenas uma consciência vaga <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s <strong>br</strong>ancas a passarem perante os seus<<strong>br</strong> />

olhos. Então, a pouco e pouco, veio uma sensação <strong>de</strong> peso crescente e um ardor<<strong>br</strong> />

agradável e benéfico <strong>com</strong>eçou a invadir-lhe os mem<strong>br</strong>os. Por fim soube on<strong>de</strong> estava.<<strong>br</strong> />

Era uma enfermaria. E uma bateria <strong>de</strong> lâmpadas infravermelhas estavam banhando-o<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> um calor enervante que se infiltrava na sua carne até aos ossos.<<strong>br</strong> />

- Então? - perguntou o médico. Gibson sorriu um pouco.<<strong>br</strong> />

- Lamento muito. Haverá alguma possibilida<strong>de</strong> disto voltar a acontecer ?<<strong>br</strong> />

- Não sei nem qual foi a razão <strong>de</strong> ter acontecido da primeira vez. É muito pouco<<strong>br</strong> />

vulgar; as drogas que temos agora são, tanto quanto saibamos, infalíveis.<<strong>br</strong> />

- Creio que a culpa é minha - disse Gibson, num tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa. - Entenda,<<strong>br</strong> />

tenho uma imaginação muito po<strong>de</strong>rosa e <strong>com</strong>eço a pensar nos sintomas do enjôo<<strong>br</strong> />

espacial...<<strong>br</strong> />

- Bem, acabe <strong>com</strong> isso! - or<strong>de</strong>nou o médico, num tom duro. - Ou então terei <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fazê-lo voltar à Terra. Se quiser ir ao planeta <strong>Marte</strong> não po<strong>de</strong>rá proce<strong>de</strong>r assim. Não<<strong>br</strong> />

restaria muito <strong>de</strong> você, ao fim <strong>de</strong> três meses.<<strong>br</strong> />

Através do corpo torturado <strong>de</strong> Gibson passou um arrepio. No entanto estava<<strong>br</strong> />

recuperando-se rapidamente e o pesa<strong>de</strong>lo da hora anterior já se confundia <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

passado.<<strong>br</strong> />

- Não haverá problema algum - disse ele. - Mas tire-me <strong>de</strong>ste forno antes que eu<<strong>br</strong> />

fique cozinhado.<<strong>br</strong> />

Um pouco cambaleante, conseguiu pôr-se <strong>de</strong> pé. Pareceu-lhe estranho que ali, no<<strong>br</strong> />

espaço, tivesse peso novamente. Depois lem<strong>br</strong>ou-se que a Estação Um estava<<strong>br</strong> />

girando em torno do seu eixo e que os alojamentos encontravam-se na periferia, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

modo que a força centrifuga pu<strong>de</strong>sse dar a ilusão <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

A gran<strong>de</strong> aventura não tinha <strong>com</strong>eçado muito bem, pensou ele, mal-humorado.<<strong>br</strong> />

Apesar disso, estava disposto a não sofrer a vergonha <strong>de</strong> ser mandado <strong>de</strong> volta para<<strong>br</strong> />

a Terra. Não era apenas uma questão <strong>de</strong> orgulho próprio: o efeito no seu público e<<strong>br</strong> />

na sua reputação seria <strong>de</strong>plorável. Pestanejou ao imaginar os títulos: «GIBSON<<strong>br</strong> />

NÃO PODE SAIR DA TERRA!» «UM AUTOR-ASTRONAUTA ENJOA NO<<strong>br</strong> />

ESPAÇO!» Até as mais circunspectas revistas literárias aproveitariam a<<strong>br</strong> />

oportunida<strong>de</strong> para lhe puxarem por uma perna.<<strong>br</strong> />

- Por sorte ainda faltam doze horas para a largada da nave - disse o médico. - Vou<<strong>br</strong> />

levá-lo para a seção da gravida<strong>de</strong>-zero e verei <strong>com</strong>o é que você se porta, antes <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

lhe passar o certificado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Gibson também pensou que era uma boa i<strong>de</strong>ia. Sempre pensara em si <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

razoavelmente apto, e até àquele momento nunca lhe ocorrera que aquela viagem<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>ria ser não só incômoda, mas também perigosa.


A Estação Interior - a «Estação Espacial Um», <strong>com</strong>o todos lhe chamavam - estava<<strong>br</strong> />

a pouco mais <strong>de</strong> dois mil quilômetros da superfície da Terra e dava uma volta em<<strong>br</strong> />

torno do planeta em cada duas horas. Fora o primeiro passo do Homem em direção<<strong>br</strong> />

aos outros planetas e, ainda que já não fosse técnicamente indispensável, a sua<<strong>br</strong> />

presença tinha uma gran<strong>de</strong> importância sob o aspecto econômico. As viagens à Lua<<strong>br</strong> />

e aos outros planetas <strong>com</strong>eçavam ali; as naves atômicas flutuavam junto <strong>de</strong>la<<strong>br</strong> />

enquanto a carga vinda do mundo inferior era introduzida nos seus porões.<<strong>br</strong> />

Transbordadores <strong>com</strong> sistemas <strong>de</strong> propulsão químicos ligavam a estação ao planeta,<<strong>br</strong> />

porque a lei não permitia que qualquer motor atômico funcionasse a menos <strong>de</strong> mil<<strong>br</strong> />

quilômetros da superfície da Terra. Até essa margem <strong>de</strong> segurança parecia a muitos<<strong>br</strong> />

não muito a<strong>de</strong>quada, porque o jato radioativo <strong>de</strong> um propulsor nuclear podia co<strong>br</strong>ir a<<strong>br</strong> />

distância em menos <strong>de</strong> um minuto.<<strong>br</strong> />

A Estação Espacial Um crescera <strong>com</strong> os anos, até um ponto em que se os seus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>senhistas originais teriam sido incapazes <strong>de</strong> reconhecê-la. Em volta do núcleo<<strong>br</strong> />

esférico tinham sido acumulados observatórios, laboratórios <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicações <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

fantásticos sistemas <strong>de</strong> antenas e labirintos <strong>de</strong> equipamento científico que só um<<strong>br</strong> />

especialista podia i<strong>de</strong>ntificar. No entanto, e apesar <strong>de</strong> todas essas adições, a principal<<strong>br</strong> />

função da lua artificial era a <strong>de</strong> reabastecer as pequenas naves <strong>com</strong> que o Homem<<strong>br</strong> />

estava <strong>de</strong>safiando a imensa solidão do Sistema Solar.<<strong>br</strong> />

- Tem certeza <strong>de</strong> que se sente bem agora? - perguntou o médico, enquanto Gibson<<strong>br</strong> />

tentava aguentar-se <strong>de</strong> pé.<<strong>br</strong> />

- Creio que sim.<<strong>br</strong> />

- Então vamos à sala <strong>de</strong> recepção beber qualquer coisa - qualquer coisa quente.<<strong>br</strong> />

Po<strong>de</strong> sentar-se ali e ler o jornal durante meia hora, enquanto <strong>de</strong>cidimos o que vamos<<strong>br</strong> />

fazer consigo.<<strong>br</strong> />

A dois mil quilômetros acima da Terra, <strong>com</strong> as estrelas por todos os lados à sua<<strong>br</strong> />

volta... e ser o<strong>br</strong>igado a beber chá açucarado! Não havia janelas na sala,<<strong>br</strong> />

possivelmente porque a visão dos céus girando rapidamente teria estragado o<<strong>br</strong> />

trabalho dos médicos. A única maneira <strong>de</strong> passar o tempo era passar os olhos pelos<<strong>br</strong> />

montes <strong>de</strong> revistas, que já vira, e que eram difíceis <strong>de</strong> folhear por terem sido<<strong>br</strong> />

impressas em papel muito fino. Por sorte encontrou um exemplar muito velho <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

uma que continha uma história escrita por ele havia tanto tempo que se esquecera<<strong>br</strong> />

por <strong>com</strong>pleto do final, e isso manteve-o feliz até o regresso do médico.<<strong>br</strong> />

- O seu pulso parece normal- disse-lhe ele, contrafeito. - Vamos para a câmara <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gravida<strong>de</strong>-zero. Siga-me e não se surpreenda <strong>com</strong> o que acontecer.<<strong>br</strong> />

Com aquelas palavras enigmáticas, levou Gibson para um corredor <strong>br</strong>ilhantemente<<strong>br</strong> />

iluminado que parecia curvar-se para cima <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro, do ponto on<strong>de</strong> ele<<strong>br</strong> />

se encontrava. Não teve tempo para examinar o fenômeno porque o doutor a<strong>br</strong>iu<<strong>br</strong> />

uma porta lateral e <strong>com</strong>eçou a subir uma escada metálica. Gibson seguiu-o<<strong>br</strong> />

automaticamente alguns passos e <strong>de</strong>pois <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u o que tinha perante si e<<strong>br</strong> />

parou, <strong>com</strong> um involuntário grito <strong>de</strong> admiração.<<strong>br</strong> />

No local on<strong>de</strong> se encontra, a inclinação da escada era <strong>de</strong> quarenta e cinco graus<<strong>br</strong> />

mas tornava-se cada vez maior até que uns doze metros adiante passava à vertical.<<strong>br</strong> />

Depois - e era algo que impressionava quem visse pela primeira vez - a inclinação<<strong>br</strong> />

continuava a aumentar impiedosamente até que os <strong>de</strong>graus <strong>com</strong>eçavam a so<strong>br</strong>eporse<<strong>br</strong> />

e por fim passavam por cima <strong>de</strong>le e para trás!<<strong>br</strong> />

Ao ouvir a exclamação, o médico olhou para ele e riu-se.<<strong>br</strong> />

- Não acredite sempre no que vê. Venha <strong>com</strong>igo e verá <strong>com</strong>o é fácil.<<strong>br</strong> />

Gibson seguiu-o <strong>com</strong> alguma relutância e ao fazê-lo notou que estavam<<strong>br</strong> />

acontecendo duas coisas muito peculiares. Em primeiro lugar tornava-se cada vez


mais leve; em segundo, apesar do óbvio aumento da inclinação da escada, o ângulo<<strong>br</strong> />

que o seu corpo fazia <strong>com</strong> os <strong>de</strong>graus mantinha-se nos quarenta e cinco graus. A<<strong>br</strong> />

direção vertical inclinava-se também lentamente à medida que ele ia avançando, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

modo que, apesar da sua curvatura, a escada apresentava-se perante ele sempre<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o mesmo aspecto.<<strong>br</strong> />

Gibson não tardou muito tempo a encontrar a explicação. A gravida<strong>de</strong> aparente<<strong>br</strong> />

era toda ela <strong>de</strong>vida à força centrífuga produzida pela lenta rotação da estação so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

o seu eixo, e conforme aproximava-se do centro, a força ia diminuindo para zero. A<<strong>br</strong> />

escada dirigia-se para o centro seguindo uma espiral <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada espécie - há<<strong>br</strong> />

tempos atrás ele conhecera a sua <strong>de</strong>signação matemática - <strong>de</strong> modo que apesar do<<strong>br</strong> />

campo gravitacional radial, a inclinação da escada sob os seus pés mantinha-se<<strong>br</strong> />

constante. Era a espécie <strong>de</strong> coisa a que as pessoas que viviam nas estações<<strong>br</strong> />

espaciais tinha <strong>de</strong> habituar-se tão <strong>de</strong>pressa quanto possível; provavelmente, quando<<strong>br</strong> />

voltavam à Terra, sentiam-se igualmente perturbadas ao verem uma escada normal.<<strong>br</strong> />

No fim das escadas não havia qualquer sensação real <strong>de</strong> «alto» ou «baixo».<<strong>br</strong> />

Entraram logo num <strong>com</strong>partimento cilíndrico, cruzado por cordas, mas vazio <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

qualquer outra coisa. E no extremo oposto um feixe <strong>de</strong> luz solar entrava <strong>com</strong> toda a<<strong>br</strong> />

força por uma vigia. O feixe movia-se através das pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> metal <strong>com</strong>o um<<strong>br</strong> />

projetor em busca <strong>de</strong> um alvo. Por momentos foi eclipsado e <strong>de</strong>pois surgiu <strong>de</strong> novo<<strong>br</strong> />

através <strong>de</strong> outra janela. Foi a primeira indicação que os sentidos <strong>de</strong> Gibson<<strong>br</strong> />

receberam <strong>de</strong> que a estação estava <strong>de</strong> fato girando so<strong>br</strong>e o seu eixo, e mediu<<strong>br</strong> />

aproximadamente o período <strong>de</strong> rotação pelo tempo que a luz do Sol <strong>de</strong>morava a<<strong>br</strong> />

voltar à sua posição original. O «dia» daquele pequeno mundo artificial era <strong>de</strong> menos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>z segundos; era suficiente para dar a sensação do peso normal nas pare<strong>de</strong>s da<<strong>br</strong> />

periferia.<<strong>br</strong> />

Gibson sentia-se um pouco <strong>com</strong>o uma aranha na sua teia, enquanto seguia o<<strong>br</strong> />

médico mão aqui, mão ali so<strong>br</strong>e as cordas-guias, <strong>de</strong>slocando-se sem esforço através<<strong>br</strong> />

do ar até chegar ao posto <strong>de</strong> observação. Era o fim <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> chaminé que<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>essaía do eixo da estação, dando uma vista quase imperturbada das estrelas.<<strong>br</strong> />

- Vou <strong>de</strong>ixá-lo aqui algum tempo - disse o médico. - Tem muito para on<strong>de</strong> olhar e<<strong>br</strong> />

sentir-se-á muito satisfeito. Se se sentir mal disposto... bem... lem<strong>br</strong>e-se <strong>de</strong> que no<<strong>br</strong> />

fundo das escadas tem a gravida<strong>de</strong> normal!<<strong>br</strong> />

E uma viagem <strong>de</strong> regresso à Terra no próximo foguete, pensou Gibson. Mas estava<<strong>br</strong> />

disposto a passar na prova e obter um bom certificado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Era impossível notar que era a estação que rodava e não o Sol e as estrelas: crer<<strong>br</strong> />

noutra coisa exigia um ato <strong>de</strong> fé, um esforço consciente da vonta<strong>de</strong>. As estrelas<<strong>br</strong> />

moviam-se tão rapidamente que só as mais <strong>br</strong>ilhantes se viam distintamente e o Sol,<<strong>br</strong> />

quando Gibson podia fitá-lo <strong>com</strong> o canto do olho, era um <strong>com</strong>eta dourado que<<strong>br</strong> />

atravessava o céu <strong>de</strong> cinco em cinco segundos. Com aquela fantástica aceleração da<<strong>br</strong> />

or<strong>de</strong>m natural das coisas era fácil <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que o homem antigo tivesse<<strong>br</strong> />

recusado crer que a sua Terra, tão sólida, girasse, e houvesse atribuído todo o<<strong>br</strong> />

movimento à esfera celeste.<<strong>br</strong> />

Parcialmente oculta pela própria estação, a Terra era um gran<strong>de</strong> crescente que<<strong>br</strong> />

co<strong>br</strong>ia meta<strong>de</strong> do céu. Estava saindo lentamente da som<strong>br</strong>a, enquanto a estação<<strong>br</strong> />

corria à sua volta. Dentro <strong>de</strong> quarenta minutos estava inteiramente iluminada e uma<<strong>br</strong> />

hora mais tar<strong>de</strong> seria totalmente invisível, eclipsando o Sol quando a estação<<strong>br</strong> />

passasse pelo seu cone <strong>de</strong> som<strong>br</strong>a. A Terra passaria <strong>de</strong> novo por todas as suas fases<<strong>br</strong> />

- <strong>de</strong> nova a cheia e daí a nova - em duas horas. A sensação do tempo <strong>de</strong>formava-se<<strong>br</strong> />

muito quando se pensava nessas coisas. As divisões familiares do dia e da noite, dos<<strong>br</strong> />

meses e das estações, não tinham significado ali.


A cerca <strong>de</strong> um quilômetro da estação, movendo-se na mesma órbita mas <strong>de</strong> modo<<strong>br</strong> />

algum ligado a ela naquele momento, estavam três naves que se encontravam<<strong>br</strong> />

acostadas nesse momento. Uma era o pequeno transbordador que o trouxera da<<strong>br</strong> />

Terra uma hora antes, <strong>com</strong> tanta <strong>de</strong>spesa e <strong>de</strong>sconforto. A segunda era um cargueiro<<strong>br</strong> />

lunar, <strong>de</strong> umas mil toneladas, pelo que lhe parecia. E a terceira, <strong>de</strong> resto, era a Ares,<<strong>br</strong> />

refulgindo no esplendor da sua nova pintura <strong>de</strong> alumínio.<<strong>br</strong> />

Gibson nunca Conseguiu habituar-se ao <strong>de</strong>saparecimento das naves esguias,<<strong>br</strong> />

aerodinâmicas, que tinham sido o sonho dos princípios do século XX. Aquela coisa<<strong>br</strong> />

em forma, <strong>de</strong> altere, suspensa entre as estrelas, não era a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma nave<<strong>br</strong> />

espacial: ainda que o mundo a tivesse aceito, ele não a aceitara. Evi<strong>de</strong>ntemente, ele<<strong>br</strong> />

conhecia todos os argumentos usuais - não havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aerodinamismo<<strong>br</strong> />

numa nave que nunca penetrava na atmosfera e cujo <strong>de</strong>senho, portanto, era ditado<<strong>br</strong> />

unicamente por consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> estrutura e propulsão. Como o sistema propulsor<<strong>br</strong> />

era violentamente radioativo, as duas esferas e o <strong>com</strong>prido tubo que as unia eram a<<strong>br</strong> />

solução mais simples.<<strong>br</strong> />

Era também a mais feia, pensou Gibson. Mas isso pouco importava, porque a Ares<<strong>br</strong> />

ia passar praticamente toda a sua missão nos confins do espaço, on<strong>de</strong> os únicos<<strong>br</strong> />

espectadores eram as estrelas. Possivelmente os seus tanques já tinham sido<<strong>br</strong> />

carregados e a nave aguardava apenas o momento, precisamente calculado, em que<<strong>br</strong> />

os seus motores <strong>com</strong>eçariam a funcionar, para a afastarem da órbita em que ela<<strong>br</strong> />

girava e tinha passado toda a existência, e lançarem-na na longa hipérbole que a<<strong>br</strong> />

levaria para <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Quando isso acontecesse ele estaria a bordo, lançado também, finalmente, na<<strong>br</strong> />

aventura que na realida<strong>de</strong> nunca acreditara que lhe aconteceria.


----------------------------CAPÍTULO II----------------------------<<strong>br</strong> />

A câmara do capitão, a bordo da Ares, não fora concebida para alojar mais <strong>de</strong> três<<strong>br</strong> />

homens quando havia gravida<strong>de</strong>, mas havia espaço mais do que bastante para seis<<strong>br</strong> />

quando a nave estava em queda livre e podia-se estar <strong>de</strong> pé nas pare<strong>de</strong>s ou no teto,<<strong>br</strong> />

consoante o agrado <strong>de</strong> cada um. Todos, menos um, dos que estavam inclinados<<strong>br</strong> />

segundo ângulos surrealistas em torno do Capitão Nor<strong>de</strong>n já tinham estado no<<strong>br</strong> />

espaço e sabiam o que se esperava <strong>de</strong>les, mas aquela não era uma sessão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

informação usual. O primeiro vôo <strong>de</strong> uma nave era sempre uma gran<strong>de</strong> ocasião e a<<strong>br</strong> />

Ares era a primeira da sua linha - a primeira, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> todas as naves<<strong>br</strong> />

construídas principalmente para o transporte <strong>de</strong> passageiros, e não <strong>de</strong> carga.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>com</strong>pleta, teria uma tripulação <strong>de</strong> trinta homens e alojaria cento e cinquenta<<strong>br</strong> />

passageiros num conforto um pouco espartano. Na sua primeira viagem, no entanto,<<strong>br</strong> />

a proporção quase fora invertida e <strong>de</strong> momento os seis tripulantes esperavam o<<strong>br</strong> />

embarque do único passageiro.<<strong>br</strong> />

- Não <strong>com</strong>preendo muito bem o que vamos fazer <strong>com</strong> esse tipo - disse Owen<<strong>br</strong> />

Bradley, o oficial <strong>de</strong> eletrônica - Quem teria tido essa bela i<strong>de</strong>ia ?<<strong>br</strong> />

-É disso que vou falar - disse o Capitão Nor<strong>de</strong>n, passando as mãos pela sua<<strong>br</strong> />

magnifica barba loura. Todos conhecem Mr. Gibson, evi<strong>de</strong>ntemente.<<strong>br</strong> />

A frase provocou um coro <strong>de</strong> observações, nem todas muito respeitosas.<<strong>br</strong> />

- Creio que as histórias <strong>de</strong>le cheiram mal - disse o Dr. Scott. - As últimas, pelo<<strong>br</strong> />

menos. «Poeira Marciana» não era muito má, mas agora está <strong>com</strong>pletamente<<strong>br</strong> />

ultrapassada.<<strong>br</strong> />

- Que disparate! - resmungou o astro-navegador Mackay. - As últimas histórias são<<strong>br</strong> />

as melhores, agora que Gibson interessou-se pelas coisas fundamentais e parou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

os sangues e trovões.<<strong>br</strong> />

Aquela explosão do pequeno escocês não era muito vulgar. Antes que mais alguém<<strong>br</strong> />

falasse, o Capitão Nor<strong>de</strong>n disse:<<strong>br</strong> />

- Não estamos aqui para fazer criticas literárias. Teremos muito tempo, mais tar<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

para isso. Mas há um ou dois pontos que a Corporação quer que eu esclareça antes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> principiarmos. Mr. Gibson é um homem muito importante - um distinto convidado<<strong>br</strong> />

- e pediram-lhe para participar <strong>de</strong>ste vôo, para que <strong>de</strong>pois pu<strong>de</strong>sse escrever um livro<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e ele. Não é uma questão <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>...<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente que não! - exclamou Bradley, num tom <strong>de</strong> manifesto sarcasmo.<<strong>br</strong> />

- ... mas naturalmente a Corporação espera que os futuros clientes não sejam...<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sencorajados por aquilo que lerem. Além disso, estamos fazendo história; a nossa<<strong>br</strong> />

viagem inaugural tem <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>vidamente registrada. Portanto, tentemos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>portarmo-nos <strong>com</strong>o cavalheiros durante algum tempo. Devem-se ven<strong>de</strong>r uns


ons quinhentos mil exemplares do livro <strong>de</strong> Gibson e as vossas futuras reputações<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do vosso <strong>com</strong>portamento nos próximos três meses!<<strong>br</strong> />

- Isso parece-me muito próximo <strong>de</strong> uma chantagem - disse Bradley.<<strong>br</strong> />

- Chame isso <strong>com</strong>o quiser! A<strong>de</strong>mais, explicarei a Gibson que ele não po<strong>de</strong> esperar<<strong>br</strong> />

o serviço que haverá quando tivermos cozinheiros e só Deus sabe o que mais. Ele<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>rá isso e não ficará esperando o <strong>de</strong>sjejum na cama todas as manhãs.<<strong>br</strong> />

- Também ajudará a lavar a louça? - perguntou alguém <strong>de</strong> espírito prático.<<strong>br</strong> />

Antes <strong>de</strong> Nor<strong>de</strong>n po<strong>de</strong>r tratar <strong>de</strong>sse problema da etiqueta social, ouviu-se um<<strong>br</strong> />

súbito zumbido do painel <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicações e uma voz fez-se ouvir através do altofalante.<<strong>br</strong> />

- Estação Um chama Ares: o vosso passageiro está a caminho.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n moveu uma alavanca e respon<strong>de</strong>u:<<strong>br</strong> />

- Muito bem. Estamos prontos. - Depois voltou-se para as tripulantes: - Com esses<<strong>br</strong> />

cortes <strong>de</strong> cabelo à volta <strong>de</strong>le o po<strong>br</strong>e homem até pensará que veio parar em uma<<strong>br</strong> />

penitenciária. Vá ter <strong>com</strong> ele, Jimmy, e aju<strong>de</strong>-o a passar através do guarda-ar<<strong>br</strong> />

quando o transbordador atracar.<<strong>br</strong> />

Martin Gibson ainda estava um pouco sob a ação do entusiasmo que lhe causara o<<strong>br</strong> />

fato <strong>de</strong> ter vencido o primeiro gran<strong>de</strong> obstáculo: o médico da Estação Espacial Um. O<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>saparecimento do peso ao <strong>de</strong>ixar a estação em direção à Ares no pequeno<<strong>br</strong> />

transbordador que funcionava a ar <strong>com</strong>primido mal o tinha perturbado, mas aquilo<<strong>br</strong> />

que ele viu ao entrar na cabine do Capitão Nor<strong>de</strong>n transtornou-o por um momento.<<strong>br</strong> />

Mesmo quando não havia peso, as pessoas costumavam supor que qualquer direção<<strong>br</strong> />

correspondia a «baixo» e parecia natural que a superfície on<strong>de</strong> as ca<strong>de</strong>iras e as<<strong>br</strong> />

mesas estivessem colocadas fosse o pavimento. Infelizmente a <strong>de</strong>cisão da maioria<<strong>br</strong> />

parecia outra, porque dois tripulantes estavam suspensos do teto <strong>com</strong>o estalactites,<<strong>br</strong> />

enquanto dois outros se mantinham muito calmos em ângulos arbitrários no meio do<<strong>br</strong> />

ar. Só o capitão se mantinha na posição própria, segundo as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Gibson. Para<<strong>br</strong> />

tornar as coisas piores, as suas cabeças raspadas à navalha davam-lhes uma<<strong>br</strong> />

aparência um pouco sinistra, <strong>de</strong> modo que o aspecto geral era o <strong>de</strong> uma reunião <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

família no Castelo <strong>de</strong> Drácula.<<strong>br</strong> />

Houve uma <strong>br</strong>eve pausa enquanto os tripulantes analisavam Gibson. Todos eles<<strong>br</strong> />

reconheceram o escritor imediatamente; o seu rosto tornara-se familiar ao público<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu primeiro sucesso literário - Trovão à Alvorada -, aparecido quase vinte<<strong>br</strong> />

anos antes. Era um homenzinho pequenino, gorducho ainda que <strong>com</strong> feições duras,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> uns quarenta e cinco anos, e quando falava a sua voz era surpreen<strong>de</strong>ntemente<<strong>br</strong> />

calma e ressoante.<<strong>br</strong> />

- Este é o meu engenheiro-maquinista, tenente Hilton - disse o Capitão Nor<strong>de</strong>n. -<<strong>br</strong> />

O nosso navegador, Dr. Mackay. O Dr. Scott, médico <strong>de</strong> bordo. O tenente Bradley,<<strong>br</strong> />

oficial <strong>de</strong> eletrônica. E Jimmy Spencer, que o recebeu no guarda-ar. É o nosso<<strong>br</strong> />

supranumerário e que espera ser capitão quando crescer.<<strong>br</strong> />

Gibson olhou em volta <strong>com</strong> alguma surpresa. Tão poucos - cinco homens e um<<strong>br</strong> />

rapaz! O Capitão Nor<strong>de</strong>n riu-se e continuou:<<strong>br</strong> />

- Não somos muitos, não é? Mas <strong>de</strong>ve recordar-se <strong>de</strong> que a nave é quase<<strong>br</strong> />

automática - e além disso nada acontece no espaço. Quando <strong>com</strong>eçarmos as nossas<<strong>br</strong> />

viagens normais disporemos <strong>de</strong> trinta tripulantes. Nesta viagem substituímos a<<strong>br</strong> />

massa correspon<strong>de</strong>nte por carga. Na verda<strong>de</strong>, fazemos o trabalho <strong>de</strong> um cargueiro<<strong>br</strong> />

rápido.<<strong>br</strong> />

Gibson olhou <strong>com</strong> muito cuidado para os homens que seriam a sua única<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panhia durante os próximos três meses. A sua primeira reação foi <strong>de</strong> admiração<<strong>br</strong> />

pelo fato <strong>de</strong> eles parecerem tão vulgares - quando se punha <strong>de</strong> parte certas coisas


superficiais <strong>com</strong>o as suas atitu<strong>de</strong>s estranhas e a calvície temporária. Não havia<<strong>br</strong> />

maneira <strong>de</strong> alguém aperceber-se que eles pertenciam à profissão mais romântica<<strong>br</strong> />

que o mundo conhecera <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os últimos vaqueiros tinham trocado os seus<<strong>br</strong> />

cavalos por helicópteros.<<strong>br</strong> />

Obe<strong>de</strong>cendo a um sinal que Gibson não viu, os outros saíram, lançando-se <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

fascinante precisão através da porta aberta. O Capitão Nor<strong>de</strong>n sentou-se <strong>de</strong> novo na<<strong>br</strong> />

sua ca<strong>de</strong>ira e ofereceu a Gibson um cigarro. O autor aceitou-o <strong>com</strong> uma expressão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> dúvida.<<strong>br</strong> />

- Não se importa que fumem? - perguntou ele. Não é <strong>de</strong>sperdiçar oxigênio?<<strong>br</strong> />

- Haveria um motim a bordo se eu proibisse que fumassem durante três meses -<<strong>br</strong> />

disse Nor<strong>de</strong>n, <strong>com</strong> uma gargalhada. - Em qualquer caso, o consumo <strong>de</strong> oxigênio é<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezível<<strong>br</strong> />

O Capitão Nor<strong>de</strong>n, pensou Gibson, parecia um pouco mal-humorado, mas não<<strong>br</strong> />

muito fora daquilo que ele imaginara. Segundo a melhor - ou pelo menos a mais<<strong>br</strong> />

popular - tradição literária, o capitão <strong>de</strong> uma nave espacial <strong>de</strong>veria ser um veterano<<strong>br</strong> />

grisalho, <strong>de</strong> olhos vivos, que tivesse passado meta<strong>de</strong> da sua vida no vácuo e pu<strong>de</strong>sse<<strong>br</strong> />

voar instintivamente através do Sistema Solar, graças ao seu conhecimento<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>enatural dos caminhos do espaço. Deveria também ser inexorável; quando <strong>de</strong>sse<<strong>br</strong> />

or<strong>de</strong>ns, os seus oficiais <strong>de</strong>veriam dar um pulo (o que não seria fácil, na situação <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ausência <strong>de</strong> peso), fazer-lhe uma seca continência e partirem correndo.<<strong>br</strong> />

Em vez <strong>de</strong> tudo isso, o capitão do Ares tinha, por certo, menos <strong>de</strong> quarenta anos e<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>ria ser confundido por um próspero homem <strong>de</strong> negócios. Quanto a ser<<strong>br</strong> />

inexorável - até àquele momento Gibson não vira quaisquer sinais <strong>de</strong> disciplina.<<strong>br</strong> />

Depois viria a <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que essa impressão não fora absolutamente exata. A<<strong>br</strong> />

única disciplina a bordo da Ares era automaticamente imposta; era a única forma<<strong>br</strong> />

possível entre os tipos <strong>de</strong> homens que formavam a tripulação.<<strong>br</strong> />

- Então nunca esteve no espaço - disse Nor<strong>de</strong>n, olhando pensativamente para o<<strong>br</strong> />

seu passageiro.<<strong>br</strong> />

- Lamento dizer que não. Fiz algumas tentativas para ir à Lua, mas é<<strong>br</strong> />

absolutamente impossível, a menos que se esteja em serviço oficial. É uma pena que<<strong>br</strong> />

as viagens espaciais sejam tão infernalmente dispendiosas.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n sorriu.<<strong>br</strong> />

- Esperamos que o Ares faça alguma coisa para alterar isso. Devo dizer que o<<strong>br</strong> />

senhor parece que conseguiu escrever muita coisa so<strong>br</strong>e o assunto <strong>com</strong>... um<<strong>br</strong> />

mínimo <strong>de</strong> experiência prática.<<strong>br</strong> />

- Oh!... - respon<strong>de</strong>u Gibson, <strong>com</strong>o se fosse dar uma pequena gargalhada. - É uma<<strong>br</strong> />

ilusão <strong>com</strong>um que os autores tenham passado por tudo que <strong>de</strong>screvem nos seus<<strong>br</strong> />

livros. Li tudo quanto pu<strong>de</strong> so<strong>br</strong>e viagens no espaço quando era jovem e fiz todo o<<strong>br</strong> />

possível para dar-lhes a <strong>de</strong>vida cor local. Não se esqueça <strong>de</strong> que as minhas histórias<<strong>br</strong> />

foram escritas nos primeiros dias das viagens espaciais - mas toquei no assunto nos<<strong>br</strong> />

últimos anos. É um pouco surpreen<strong>de</strong>nte que o público continue a associar o meu<<strong>br</strong> />

nome <strong>com</strong> elas.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n perguntou a si próprio até que ponto aquela modéstia seria verda<strong>de</strong>ira.<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>de</strong>via saber perfeitamente que as suas novelas espaciais tinham-no tornado<<strong>br</strong> />

famoso - e haviam levado a Corporação a convidá-lo para aquela viagem. Em toda<<strong>br</strong> />

aquela situação havia algumas possibilida<strong>de</strong>s muito curiosas. Mas teriam <strong>de</strong> esperar,<<strong>br</strong> />

porque, entretanto, ele teria <strong>de</strong> explicar àquele bicho-da-terra os pormenores da vida<<strong>br</strong> />

no mundo particular do Ares.<<strong>br</strong> />

- Mantemos o tempo normal da Terra - pelo Meridiano <strong>de</strong> Greenwich. Tudo para


durante a «noite». Não há quartos <strong>de</strong> vigília, <strong>com</strong>o nos velhos tempos. Os<<strong>br</strong> />

instrumentes substituem-nos enquanto dormimos. É uma das razões por que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>mos navegar <strong>com</strong> uma tripulação tão pequena. Nesta viagem há espaço em<<strong>br</strong> />

abundância, cada um <strong>de</strong> nós tem o seu próprio camarote. O seu é do tipo<<strong>br</strong> />

normalmente reservado aos passageiros - o único que está <strong>com</strong>pletamente<<strong>br</strong> />

mobiliado, <strong>com</strong>o verá. Creio que o achará confortável. Já tem toda a sua bagagem a<<strong>br</strong> />

bordo? Quanto lhe <strong>de</strong>ixaram trazer?<<strong>br</strong> />

- Cem quilos. Está no guarda-ar.<<strong>br</strong> />

- Cem quilos! Nor<strong>de</strong>n teve dificulda<strong>de</strong> em escon<strong>de</strong>r a sua admiração. Aquele tipo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>veria estar pensando em emigrar - trazia consigo todos os tesouros da família!.<<strong>br</strong> />

Vou dizer a Jimmy para a<strong>com</strong>panhá-lo ao seu camarote. É o nosso «homem para<<strong>br</strong> />

todo o serviço» nesta viagem. Paga assim a sua passagem e apren<strong>de</strong> qualquer coisa<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e viagens no espaço, A maior parte <strong>de</strong> nós <strong>com</strong>eça assim. - Viajando durante as<<strong>br</strong> />

férias do colégio. Jimmy é um rapaz esperto - já tem o grau <strong>de</strong> bacharel.<<strong>br</strong> />

O camarote era pequeno, mas muito bem concebido e <strong>de</strong>corado <strong>com</strong> excelente<<strong>br</strong> />

bom gosto. Uma iluminação engenhosa e as pare<strong>de</strong>s cobertas por espelhos faziamno<<strong>br</strong> />

parecer muito maior do que na realida<strong>de</strong> era, e o leito articulado podia ser<<strong>br</strong> />

invertido e transformado em mesa durante o «dia». Havia muito poucas coisas que<<strong>br</strong> />

recordassem a ausência <strong>de</strong> peso; tudo fora feito para que o viajante se sentisse em<<strong>br</strong> />

casa.<<strong>br</strong> />

Durante a hora seguinte Gibson tirou das malas as suas coisas e experimentou os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>andos e as engenhocas do camarote. O dispositivo que mais lhe agradou foi um<<strong>br</strong> />

espelho <strong>de</strong> barbear que, quando se carregava num botão, transformava-se numa<<strong>br</strong> />

vigia, mostrando as estrelas. Perguntou a si próprio <strong>com</strong>o seria feito aquilo.<<strong>br</strong> />

Por fim ficou sem ter nada que fazer. Deitou-se na cama e apertou as cintas<<strong>br</strong> />

elásticas em volta do peito e das coxas. A ilusão do peso não era muito convincente,<<strong>br</strong> />

mas era melhor que nada e dava um certo sentido da direção vertical.<<strong>br</strong> />

Enquanto repousava em paz naquele pequeno quarto que seria o seu mundo<<strong>br</strong> />

durante os próximos cem dias, foi esquecendo os <strong>de</strong>sapontamentos e as pequenas<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>s que tinham perturbado a sua partida da Terra.<<strong>br</strong> />

Agora não tinha nada <strong>com</strong> que se preocupar: pela primeira vez, em quase tanto<<strong>br</strong> />

tempo quanto podia recordar-se, ele colocara o seu futuro inteiramente nas mãos<<strong>br</strong> />

das outros. Compromissos, palestras, datas <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> textos - tudo isso ficara na<<strong>br</strong> />

Terra. A sensação <strong>de</strong> calma celestial era <strong>de</strong>masiado boa para durar muito tempo,<<strong>br</strong> />

mas ele <strong>de</strong>ixaria que o seu espírito a saboreasse enquanto pu<strong>de</strong>sse.<<strong>br</strong> />

Uma série <strong>de</strong> pancadas tímidas na porta do camarote <strong>de</strong>spertou Gibson do seu<<strong>br</strong> />

sono algum tempo mais tar<strong>de</strong>. Durante um momento não <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u on<strong>de</strong> estava,<<strong>br</strong> />

mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u as cintas e lançou-se para fora do leito. Os seus movimentos<<strong>br</strong> />

ainda eram mal coor<strong>de</strong>nados e ricocheteou no teto antes <strong>de</strong> alcançar a porta.<<strong>br</strong> />

Jimmy Spencer estava lá, arquejando um pouco.<<strong>br</strong> />

- Cumprimentos do Capitão, senhor. Gostaria <strong>de</strong> vir assistir à largada?<<strong>br</strong> />

- Certamente - respon<strong>de</strong>u Gibson. - Um momento, vou buscar a minha máquina<<strong>br</strong> />

fotográfica.<<strong>br</strong> />

Voltou um momento <strong>de</strong>pois <strong>com</strong> uma máquina absolutamente nova, <strong>de</strong>corada <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

lentes auxiliares. Apesar do obstáculo <strong>de</strong> tal carga, chegaram num instante à galeria<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> observação que formava uma cintura, em volta do corpo da Ares.<<strong>br</strong> />

Pela primeira vez Gibson viu as estrelas em toda a sua glória, já não encobertas<<strong>br</strong> />

pela atmosfera ou por vidros escurecidos, porque estava do lado da noite da nave e<<strong>br</strong> />

os filtros solares tinham sido afastados, A Ares, ao contrário da estação espacial, não<<strong>br</strong> />

estava girando so<strong>br</strong>e o seu eixo. Era mantida firme em relação ao rígido sistema <strong>de</strong>


eferência dos seus giroscópios, <strong>de</strong> modo que as estrelas pareciam imóveis no céu.<<strong>br</strong> />

Enquanto olhava para aquilo que tantas vezes, e sempre em vão, tentara<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>screver nos seus livros, Gibson teve muita dificulda<strong>de</strong> em analisar as suas<<strong>br</strong> />

emoções – e odiava <strong>de</strong>sperdiçar uma emoção que po<strong>de</strong>ria ter usado <strong>com</strong> algum lucro<<strong>br</strong> />

em letra <strong>de</strong> imprensa. Era muito estranho que nem o <strong>br</strong>ilho nem o próprio número<<strong>br</strong> />

das estrelas tivesse feito gran<strong>de</strong> impressão no seu espirito. Vira céus pouco inferiores<<strong>br</strong> />

àquele no cimo <strong>de</strong> altas montanhas na Terra, ou nas salas <strong>de</strong> observação dos<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s aviões <strong>de</strong> transporte, mas nunca sentira tão fortemente a impressão <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

as estrelas o estavam envolvendo por toda parte, até ao horizonte que já não existia,<<strong>br</strong> />

e mesmo mais abaixo, até aos seus pés.<<strong>br</strong> />

A Estação Espacial era um era um <strong>br</strong>inquedo <strong>com</strong>plicado e muito polido que<<strong>br</strong> />

flutuava, no vazio, a alguns metros da nave. Não havia maneira <strong>de</strong> apreciar o seu<<strong>br</strong> />

tamanho, porque a sua forma nada tinha <strong>de</strong> familiar e o sentido <strong>de</strong> perspectiva<<strong>br</strong> />

parecia ter falhado. A Terra e o Sol eram invisíveis, atrás do corpo da nave.<<strong>br</strong> />

Estranhamente próxima, uma voz <strong>de</strong> ninguém fez-se ouvir através <strong>de</strong> um altofalante<<strong>br</strong> />

escondido:<<strong>br</strong> />

- Cem segundos para a largada. Ocupem as vossas posições, por favor.<<strong>br</strong> />

Gibson sentiu-se tenso e olhou para Jimmy. Antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer quaisquer<<strong>br</strong> />

perguntas, o seu guia disse apressadamente:<<strong>br</strong> />

- Tenho que voltar ao serviço - e <strong>de</strong>sapareceu num gracioso mergulho, <strong>de</strong>ixando-o<<strong>br</strong> />

sozinho <strong>com</strong> os seus pensamentos.<<strong>br</strong> />

O minuto e meio seguinte passou-se <strong>com</strong> notável lentidão, marcada pela constante<<strong>br</strong> />

contagem do tempo através dos alto-falantes. Gibson perguntou a si próprio quem<<strong>br</strong> />

seria que falava, uma vez que não parecia a voz <strong>de</strong> Nor<strong>de</strong>n. Provavelmente era uma<<strong>br</strong> />

gravação, ligada pelo circuito automático que <strong>de</strong>via ter tomado o <strong>com</strong>ando da nave.<<strong>br</strong> />

- Vinte segundos. A força máxima <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>morar <strong>de</strong>z segundos a ser atingida.<<strong>br</strong> />

- Dez segundos.<<strong>br</strong> />

- Cinco, quatro três, dois, um...<<strong>br</strong> />

Muito suavemente, qualquer coisa agarrou em Gibson e o fez <strong>de</strong>slizar pelo lado<<strong>br</strong> />

curvo da pare<strong>de</strong> coberta <strong>de</strong> vigas até àquilo que <strong>de</strong> repente se tornara um<<strong>br</strong> />

pavimento. Era difícil <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que o «alto» e o «baixo» tivessem voltado mais<<strong>br</strong> />

uma vez - e ainda mais: ligar o seu reaparecimento a esse distante e amortecido<<strong>br</strong> />

trovão que interrompera o silêncio da nave. Muito ao longe, na segunda esfera que<<strong>br</strong> />

era a outra meta<strong>de</strong> da Ares, nesse misterioso e proibido mundo <strong>de</strong> átomos<<strong>br</strong> />

moribundos e máquinas automáticas em que nenhum homem podia entrar e<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>eviver, tinham sido libertadas as forças que mantinham acesas as próprias<<strong>br</strong> />

estrelas. No entanto, não havia aquela sensação <strong>de</strong> aceleração crescente e<<strong>br</strong> />

impiedosa que a<strong>com</strong>panhava sempre a largada <strong>de</strong> um foguete a propulsantes<<strong>br</strong> />

químicos. A Ares tinha um espaço ilimitado para mano<strong>br</strong>ar. Podia acelerar tanto<<strong>br</strong> />

tempo quanto quisesse para libertar-se da sua órbita atual e avançar lentamente<<strong>br</strong> />

para a hipérbole <strong>de</strong> transferência que a levaria a <strong>Marte</strong>, Em qualquer caso, a força do<<strong>br</strong> />

seu propulsor atômico somente podia mover a sua massa <strong>de</strong> duas mil toneladas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

uma aceleração <strong>de</strong> apenas um décimo <strong>de</strong> g; e naquele momento estava sendo<<strong>br</strong> />

reduzida à meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse valor.<<strong>br</strong> />

Não foi preciso muito tempo para que Gibson voltasse a orientar-se. A aceleração<<strong>br</strong> />

da nave era tão pequena - dava-lhe, pelo que ele calculou, um peso efetivo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

menos <strong>de</strong> quatro quilogramas - que a liberda<strong>de</strong> dos seus movimentos ainda era<<strong>br</strong> />

praticamente ilimitada. Depois recordou-se <strong>com</strong> algum atraso da sua máquina<<strong>br</strong> />

fotográfica e <strong>com</strong>eçou a registrar a sua partida. Quando conseguiu um bom


enquadramento a estação já parecia estar a uma boa distância. Menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<<strong>br</strong> />

minutos <strong>de</strong>pois, ela transformara-se num longínquo ponto luminoso que era difícil<<strong>br</strong> />

distinguir das estrelas.<<strong>br</strong> />

Quando a Estação Espacial Um <strong>de</strong>sapareceu por <strong>com</strong>pleto, Gibson passou para o<<strong>br</strong> />

lado do dia da nave para tirar algumas fotografias da Terra, que estava ficando para<<strong>br</strong> />

trás. Quando a viu, era um enorme e fino crescente, <strong>de</strong>masiado gran<strong>de</strong> para a vista<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>anger num só olhar. Estava iluminando-se lentamente, porque a Ares tinha, pelo<<strong>br</strong> />

menos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver uma órbita à sua volta antes <strong>de</strong> libertar-se e partir em espiral<<strong>br</strong> />

para <strong>Marte</strong>. Devia passar-se uma boa hora antes que a Terra se tornasse<<strong>br</strong> />

apreciavelmente menor e durante esse tempo passaria <strong>de</strong> «nova» a «cheia» .<<strong>br</strong> />

Gibson ainda estava no seu posto <strong>de</strong> observação quando a Ares atingiu a<<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escape e <strong>com</strong>eçou a afastar-se. Não soube quando esse momento<<strong>br</strong> />

tinha chegado porque a Terra continuava a dominar o céu e os motores não<<strong>br</strong> />

cessavam <strong>de</strong> rugir ao longe. Seriam necessárias outras <strong>de</strong>z horas <strong>de</strong> funcionamento<<strong>br</strong> />

contínuo para que eles <strong>com</strong>pletassem a sua primeira tarefa e pu<strong>de</strong>ssem repousar<<strong>br</strong> />

durante todo o resto da viagem.<<strong>br</strong> />

Quando isso aconteceu, o escritor já estava dormindo. O silêncio súbito, a perda<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pleta da pseudo-gravida<strong>de</strong> que houvera na nave durante aquelas poucas horas,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spertaram-no, mas não por <strong>com</strong>pleto, Olhou sonolento ao redor até que os seus<<strong>br</strong> />

olhos encontraram as poucas estrelas que podiam ser vistas através das vigias.<<strong>br</strong> />

Pareciam absolutamente imóveis, Era impossível acreditar que a Ares estava agora<<strong>br</strong> />

afastando-se da órbita da Terra <strong>com</strong> uma velocida<strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> que mesmo o Sol<<strong>br</strong> />

nunca po<strong>de</strong>ria fazê-la regressar.<<strong>br</strong> />

Sempre sonolento, apertou as cintas das roupas da cama para não flutuar no<<strong>br</strong> />

camarote. Passar-se-iam quase cem dias até que voltasse a haver peso.


---------------------------CAPÍTULO III---------------------------<<strong>br</strong> />

Viam-se as mesmas estrelas através da vigia quando uma série <strong>de</strong> notas musicais<<strong>br</strong> />

soou através dos alto-falantes e <strong>de</strong>spertou Gibson <strong>de</strong> um sono mais ou menos sem<<strong>br</strong> />

sonhos. Vestiu-se apressadamente e dirigiu-se correndo para o observatório,<<strong>br</strong> />

perguntando-se próprio o que teria acontecido na Terra durante a noite.<<strong>br</strong> />

Era muito <strong>de</strong>sconcertante, pelo menos para um habitante da Terra, ver duas luas<<strong>br</strong> />

ao mesmo tempo no céu. Estavam ali, lado a lado, ambas no primeiro quarto, e uma<<strong>br</strong> />

cerca <strong>de</strong> duas vezes maior que a outra. Passaram-se alguns segundos antes que o<<strong>br</strong> />

escritor <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse que estava vendo, simultaneamente, a Lua e a Terra e mais<<strong>br</strong> />

alguns, ainda, antes que ele <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse que o crescente menor e mais distante<<strong>br</strong> />

era o seu mundo.<<strong>br</strong> />

Infelizmente, a Ares não passava muito perto da Lua, mas mesmo assim ela<<strong>br</strong> />

parecia <strong>de</strong>z vezes maior que vista da Terra. Distinguiam-se perfeitamente as ca<strong>de</strong>ias<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> crateras, através da linha muito irregular que separava a noite do dia, e o disco<<strong>br</strong> />

ainda escuro podia ser observado graças à luz refletida pela Terra. Sem dúvida que...<<strong>br</strong> />

- Gibson inclinou-se repentinamente, perguntando a si próprio se os olhos não o<<strong>br</strong> />

teriam enganado. Sim, não havia dúvida: lá em baixo, no meio daquela terra fria e<<strong>br</strong> />

escura, esperando pela alvorada ainda distante <strong>de</strong> muitos dias, havia pequenos<<strong>br</strong> />

pontos <strong>de</strong> luz que pareciam pirilampos na penum<strong>br</strong>a. Cinquenta anos antes não<<strong>br</strong> />

existiam; - eram as luzes das primeiras cida<strong>de</strong>s lunares, dizendo às estrelas que a<<strong>br</strong> />

vida chegara por fim à Lua, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> espera.<<strong>br</strong> />

Uma tosse discreta, vinda não se sabia <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, interrompeu os sonhos <strong>de</strong> Gibson.<<strong>br</strong> />

Depois uma voz um pouco <strong>de</strong>masiado amplificada observou num tom muito natural:<<strong>br</strong> />

- Se Mr. Gibson quiser vir ao refeitório encontrará ainda um pouco <strong>de</strong> café e <strong>de</strong> papa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> aveia, já não muito quentes.<<strong>br</strong> />

Olhou apressadamente para o relógio. Esquecera por <strong>com</strong>pleto o <strong>de</strong>sjejum - um<<strong>br</strong> />

fenômeno sem prece<strong>de</strong>ntes. Sem dúvida que alguém fora procurá-lo ao camarote e,<<strong>br</strong> />

não o tendo encontrado, andava procurando-o pela nave.<<strong>br</strong> />

Quando apareceu, algo envergonhado, no refeitório, encontrou os tripulantes<<strong>br</strong> />

em<strong>br</strong>enhados numa discussão técnica so<strong>br</strong>e os vários tipos <strong>de</strong> naves.<<strong>br</strong> />

Enquanto <strong>com</strong>ia, Gibson observou os homens, fixando-os no seu espírito e<<strong>br</strong> />

notando o seu <strong>com</strong>portamento e as suas características, A apresentação <strong>de</strong> Nor<strong>de</strong>n<<strong>br</strong> />

servira apenas para lhes apor rótulos; para ele ainda não eram personalida<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>finidas. Era curioso pensar que antes da viagem terminar ele acabaria por<<strong>br</strong> />

conhecê-los melhor que à maior parte dos seus amigos na Terra. Não podia haver<<strong>br</strong> />

segredos nem máscaras no pequeno mundo da Ares.<<strong>br</strong> />

Naquele momento era o Dr. Scott que falava. (Gibson saberia <strong>de</strong>pois que nada


havia <strong>de</strong> invulgar nisso.) Parecia um indivíduo muito excitável, inclinado a dar<<strong>br</strong> />

opiniões so<strong>br</strong>e assuntos acerca dos quais não parecia habilitado a falar. Aquele que o<<strong>br</strong> />

interrompia <strong>com</strong> maior sucesso era Bradley, o perito em eletrônica e <strong>com</strong>unicações -<<strong>br</strong> />

uma pessoa seca e cínica, que parecia ter um prazer muito especial na sabotagem<<strong>br</strong> />

verbal. De tempos a tempos atirava uma pequena bomba para a conversação e<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igava Scott a parar por um momento, mas não muito mais do que isso. Mackay, o<<strong>br</strong> />

pequeno matemático escocês, também entrava na batalha <strong>de</strong> tempos em tempos,<<strong>br</strong> />

falando um pouco apressadamente, <strong>de</strong> uma maneira precisa, quase pedante. Dir-seia<<strong>br</strong> />

que se estava na camarata <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> e não numa nave espacial.<<strong>br</strong> />

O Capitão Nor<strong>de</strong>n parecia agir <strong>com</strong>o um árbitro não inteiramente <strong>de</strong>sinteressado,<<strong>br</strong> />

apoiando ora um lado, ora o outro, num esforço para evitar qualquer vitória<<strong>br</strong> />

conclu<strong>de</strong>nte. O jovem Spencer já estava trabalhando e Hilton - o engenheiro -<<strong>br</strong> />

mantinha-se à margem da discussão. Olhava para os outras <strong>com</strong> um ar um pouco<<strong>br</strong> />

divertido e o seu rosto era terrivelmente familiar a Gibson. On<strong>de</strong> era que já se<<strong>br</strong> />

tinham encontrado ? Ora... - que estúpido ele fora em não o ter <strong>com</strong>preendido<<strong>br</strong> />

imediatamente! aquele era O HILTON ! Gibson fez girar a ca<strong>de</strong>ira para po<strong>de</strong>r ver o<<strong>br</strong> />

outro melhor. Deixou <strong>de</strong> <strong>com</strong>er e olhou <strong>com</strong> admiração e inveja para o homem que<<strong>br</strong> />

conseguira fazer regressar o Arcturus a <strong>Marte</strong> <strong>de</strong>pois da maior aventura da história<<strong>br</strong> />

do espaço, Somente seis homens tinham alcançado Saturno e só três <strong>de</strong>les ainda<<strong>br</strong> />

estavam vivos. Hilton estivera, <strong>com</strong> os seus <strong>com</strong>panheiros <strong>de</strong>saparecidos, nessas<<strong>br</strong> />

longínquas luas cujos nomes, só por si, tinham algo <strong>de</strong> mágicos – Titã, Encladus,<<strong>br</strong> />

Tethys, Rhea, Dione... Vira o in<strong>com</strong>parável esplendor dos gran<strong>de</strong>s anéis que se<<strong>br</strong> />

estendiam pelo céu numa simetria que parecia <strong>de</strong>masiadamente perfeita para a<<strong>br</strong> />

própria natureza. Estivera nessa última, Thule, e voltara à luz e ao calor dos mundos<<strong>br</strong> />

interiores. «Si!m, pensou Gibson, há muitas coisas so<strong>br</strong>e as quais gostaria <strong>de</strong> falar<<strong>br</strong> />

contigo antes do fim <strong>de</strong>sta viagem.»<<strong>br</strong> />

A discussão foi acabando à medida que os vários oficiais <strong>de</strong> bordo afastaram-se<<strong>br</strong> />

flutuando, em direção aos seus postos, mas Gibson continuava pensando em Saturno<<strong>br</strong> />

quando o Capitão Nor<strong>de</strong>n interrompeu o seu sonho.<<strong>br</strong> />

- Não sei que espécie <strong>de</strong> programa é o seu - disse ele -, mas penso que gostaria<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ver a nave. Aliás, é o que acontece em geral nesta altura, nas suas histórias!.<<strong>br</strong> />

Gibson sorriu, <strong>de</strong> uma maneira um pouco mecânica. Temia ter <strong>de</strong> aguardar mais<<strong>br</strong> />

tempo do que <strong>de</strong>sejava, até que esquecessem o seu passado.<<strong>br</strong> />

- Tem razão, É a melhor maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o leitor saber <strong>com</strong>o as coisas funcionam<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> esquematizar o local da história. Felizmente agora não tem muita importância,<<strong>br</strong> />

pois que todo mundo sabe <strong>com</strong>o é uma nave por <strong>de</strong>ntro. Mas quando <strong>com</strong>ecei a<<strong>br</strong> />

escrever so<strong>br</strong>e a astronáutica, nos anos 60, tínhamos <strong>de</strong> gastar milhares <strong>de</strong> palavras<<strong>br</strong> />

pare explicarmos <strong>com</strong>o funcionavam os trajes espaciais, os propulsores nucleares e<<strong>br</strong> />

muitas coisas mais.<<strong>br</strong> />

- Então quer dizer que não teremos <strong>de</strong> lhe ensinar muita coisa so<strong>br</strong>e a Ares.<<strong>br</strong> />

Gibson quase corou.<<strong>br</strong> />

- Gostaria muito, que me mostrasse tudo, tanto o que interessa aos meus escritos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o que talvez não interesse ..<<strong>br</strong> />

- Muito bem. Começaremos pela sala <strong>de</strong> <strong>com</strong>ando. Venha <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

Durante as duas horas seguintes flutuaram através do labirinto <strong>de</strong> corredores que<<strong>br</strong> />

atravessava e voltava a atravessar o corpo esférico da Ares. Gibson sabia que o<<strong>br</strong> />

interior da nave não tardaria a ser-lhe tão familiar que po<strong>de</strong>ria andar por ele <strong>de</strong> olhos<<strong>br</strong> />

vendados, mas nem por isso <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r nele mais <strong>de</strong> uma vez.<<strong>br</strong> />

Como a nave era esférica, fora dividida em zonas <strong>de</strong> latitu<strong>de</strong> <strong>com</strong>o a Terra. A<<strong>br</strong> />

nomenclatura resultante era muito útil, pois dava uma imagem mental da geografia


do gigante do espaço. Ir para «norte» significava caminhar na direção da sala <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ando e dos alojamentos dos tripulantes. Ir até ao «equador» significava que se<<strong>br</strong> />

procurava a gran<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> jantar, que ocupava a maior parte do plano central da<<strong>br</strong> />

nave, ou a galeria <strong>de</strong> observação, que a ro<strong>de</strong>ava por <strong>com</strong>pleto. O «hemisfério sul»<<strong>br</strong> />

era, quase todo ele, um tanque <strong>de</strong> propulsante, <strong>com</strong> alguns porões <strong>de</strong> carga e várias<<strong>br</strong> />

maquinarias. Agora que a Ares não usava os seus motores, tinha rodado no espaço<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> modo que o «hemisfério norte» estava perpetuamente sob a luz do Sol, enquanto<<strong>br</strong> />

o «hemisfério sul», «<strong>de</strong>sabitado» , era mantido nas trevas. No «pólo sul» havia uma<<strong>br</strong> />

pequena porta <strong>de</strong> metal <strong>com</strong> uma impressionante série <strong>de</strong> selos oficiais e um aviso:<<strong>br</strong> />

«Para ser aberta somente por ORDEM EXPRESSA do Capitão ou do seu Substituto».<<strong>br</strong> />

Atrás <strong>de</strong>le estava o longo e estreito tubo que ligava o corpo principal da nave <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

esfera menor, a cem metros <strong>de</strong> distância. Nela estavam encerrados o gerador <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

energia e o propulsor. Gibson perguntou-se para que serviria a porta, se ninguém<<strong>br</strong> />

podia lá ir, mas <strong>de</strong>pois recordou-se <strong>de</strong> que os autômatos <strong>de</strong> manutenção da<<strong>br</strong> />

Comissão <strong>de</strong> Energia Atômica tinham <strong>de</strong> entrar por qualquer parte.<<strong>br</strong> />

Por muito estranho que parecesse, Gibson recebeu uma das mais fortes<<strong>br</strong> />

impressões não das maravilhas científicas e técnicas da nave, que ele já esperava<<strong>br</strong> />

ver, mas dos camarotes vazios <strong>de</strong> passageiros - um verda<strong>de</strong>iro cortiço, <strong>com</strong> favos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pactos, ocupando a maior parte da «zona temperada do norte», A impressão foi<<strong>br</strong> />

bastante <strong>de</strong>sagradável. Uma casa nova, em que ninguém vivera, podia ser muito<<strong>br</strong> />

mais solitária que uma velha e <strong>de</strong>serta ruína que em tempos conhecera vida e podia<<strong>br</strong> />

ainda ser povoada por fantasmas.<<strong>br</strong> />

Estava exausto, mental e fisicamente, quando voltou ao seu quarto. Nor<strong>de</strong>n fora<<strong>br</strong> />

um guia <strong>de</strong>masiado consciencioso, e Gibson suspeitava que ouvira palavras que<<strong>br</strong> />

tinham sido escritas por si próprio... e que gostara <strong>de</strong>las. Perguntou a si próprio o<<strong>br</strong> />

que pensariam os seus <strong>com</strong>panheiros das suas ativida<strong>de</strong>s literárias; provavelmente<<strong>br</strong> />

não ficaria ignorando-o por muito tempo.<<strong>br</strong> />

Estava <strong>de</strong>itado no seu beliche, pondo em or<strong>de</strong>m as suas impressões, quando ouviu<<strong>br</strong> />

bater à porta, baixinho. - Que <strong>de</strong>mônio! - disse Gibson, baixinho, e acrescentou, em<<strong>br</strong> />

voz alta: - Quem é?<<strong>br</strong> />

-É Jim... Spencer, Mr. Gibson Tenho uma mensagem <strong>de</strong> rádio para si.<<strong>br</strong> />

O jovem Jimmy flutuou através do quarto, trazendo na mão um so<strong>br</strong>escrito <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

selo do Oficial <strong>de</strong> Comunicações. Estava fechado, mas Gibson pensou que <strong>de</strong>veria ser<<strong>br</strong> />

a única, pessoa a bordo da nave que não conhecia o seu conteúdo, Tinha uma certa<<strong>br</strong> />

idéia do que se tratava e leu em silêncio. Não havia maneira alguma <strong>de</strong> escapar da<<strong>br</strong> />

Terra; apanhavam-no on<strong>de</strong> quer que estivesse.<<strong>br</strong> />

A mensagem era <strong>br</strong>eve e continha apenas uma palavra a mais:<<strong>br</strong> />

New Yorker, Revue <strong>de</strong>s Quatre Mon<strong>de</strong>s, Life Interplanetary querem cinco mil<<strong>br</strong> />

palavras cada. Comunica por favor próximo domingo. Amor. Ruth.<<strong>br</strong> />

Gibson suspirou. Saíra da Terra <strong>com</strong> tanta pressa que nem tivera tempo para uma<<strong>br</strong> />

última conversa <strong>com</strong> o seu agente, Ruth Goldstein, além <strong>de</strong> um apressado<<strong>br</strong> />

telefonema através <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> do mundo. Mas dissera-lhe sem ro<strong>de</strong>ios que não<<strong>br</strong> />

queria ser in<strong>com</strong>odado durante uma semana,<<strong>br</strong> />

Agarrou no seu bloco <strong>de</strong> apontamentos e escreveu:<<strong>br</strong> />

Lamento muito. Direitos exclusivos prometidos. Amante Porcos e Galinhas Sul<<strong>br</strong> />

Alabama. Enviarei pormenores <strong>de</strong>ntro alguns meses. Quando envenenas Harry?<<strong>br</strong> />

Amor, Mart.


Harry era a meta<strong>de</strong> literária <strong>de</strong> Goldstein & Co. Estava casado <strong>com</strong> Ruth havia<<strong>br</strong> />

mais <strong>de</strong> vinte anos e era muito feliz, ainda que durante os últimos quinze Gibson<<strong>br</strong> />

nunca tivesse cessado <strong>de</strong> lhe dizer que qualquer dia se zangariam e que aquilo não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>ria durar muito tempo.<<strong>br</strong> />

Um pouco surpreendido, Jimmy Spencer retirou-se <strong>com</strong> a invulgar mensagem,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixando Gibson sozinho <strong>com</strong> os seus pensamentos. Sabia teria <strong>de</strong> <strong>com</strong>eçar a<<strong>br</strong> />

trabalhar qualquer dia, mas, enquanto isso, a sua máquina <strong>de</strong> escrever estava<<strong>br</strong> />

enterrada no porão e ele não podia vê-la. Quase se sentira tentado a colocar-lhe<<strong>br</strong> />

uma etiqueta - «Desnecessária no espaço - Po<strong>de</strong> ser guardada no vácuo», mas<<strong>br</strong> />

tinha resistido valentemente à tentação. Como muitos escritores que nunca tinham<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pendido somente dos seus proventos literários, Gibson odiava <strong>com</strong>eçar a escrever.<<strong>br</strong> />

Uma vez que <strong>com</strong>eçasse a trabalhar era diferente... às vezes.<<strong>br</strong> />

As suas férias duraram uma semana. Ao fim <strong>de</strong>sse tempo a Terra tornara-se na<<strong>br</strong> />

mais <strong>br</strong>ilhante das estrelas e não tardaria a per<strong>de</strong>r-se no clarão do Sol. Era difícil crer<<strong>br</strong> />

que não tivesse conhecido alguma vida além da que havia naquele pequeno e<<strong>br</strong> />

hermético universo que era a Ares. E a sua tripulação já não era formada por<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n, Hilton, Mackay, Bradley e Scott - mas sim por John, Fred, Angus, Owen e<<strong>br</strong> />

Bob.<<strong>br</strong> />

Já os conhecia bem, a todos, ainda que Hilton e Bradley tivessem uma cuidadosa<<strong>br</strong> />

reserva que ele fora incapaz <strong>de</strong> penetrar. Cada um <strong>de</strong>les tinha um caráter diferente e<<strong>br</strong> />

bem <strong>de</strong>finido; quase que a única coisa que tinham em <strong>com</strong>um era a sua inteligência.<<strong>br</strong> />

Gibson duvidava que qualquer <strong>de</strong>les tivesse um coeficiente <strong>de</strong> inteligência inferior a<<strong>br</strong> />

120 e isso o fazia recordar-se envergonhado, daquilo que escrevera so<strong>br</strong>e as<<strong>br</strong> />

tripulações das suas imaginárias naves espaciais. O seu erro - tal <strong>com</strong>o o <strong>de</strong> tantos<<strong>br</strong> />

outros escritores dos anos 50 e 60 - era o <strong>de</strong> ter pensado que não havia diferença<<strong>br</strong> />

fundamental entre as naves e os navios - ou entre os seus tripulantes. Havia<<strong>br</strong> />

paralelos, era verda<strong>de</strong> - mas eram muito ultrapassados pelos contrastes. A razão era<<strong>br</strong> />

puramente técnica - e <strong>de</strong>via ter sido prevista. Uma nave espacial parecia-se muito<<strong>br</strong> />

mais <strong>com</strong> um gran<strong>de</strong> avião <strong>de</strong> passageiros do que <strong>com</strong> qualquer coisa que se<<strong>br</strong> />

movesse através dos oceanos e a preparação técnica dos seus tripulantes atingia um<<strong>br</strong> />

nível ainda mais alto que o exigido pela aviação. Um homem <strong>com</strong>o Nor<strong>de</strong>n passava<<strong>br</strong> />

cinco anos na universida<strong>de</strong>, três no espaço e outros dois novamente na universida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

para estudar teoria astronáutica avançada antes <strong>de</strong> ser qualificado para a presente<<strong>br</strong> />

posição.<<strong>br</strong> />

Estava jogando dardos ,calmamente, <strong>com</strong> Dr. Scott, quando surgiu o primeiro<<strong>br</strong> />

momento excitante da viagem. A distância entre o lançador e o alvo fora aumentada<<strong>br</strong> />

para <strong>de</strong>z metros, mas o jogo continuava a obe<strong>de</strong>cer às regras que tinham sido<<strong>br</strong> />

formuladas através dos séculos numa atmosfera <strong>de</strong> cerveja e tabaco nas tabernas<<strong>br</strong> />

inglesas.<<strong>br</strong> />

Scott estava apontando <strong>com</strong> certo otimismo para um terceiro vinte quando Bradley<<strong>br</strong> />

entrou na sala <strong>com</strong> um impresso <strong>de</strong> mensagem na mão.<<strong>br</strong> />

- Não olhem, mas estamos sendo seguidos - disse ele, na sua voz suave.<<strong>br</strong> />

Todo mundo ficou <strong>de</strong> boca aberta. Mackay foi o primeiro a re<strong>com</strong>por-se:<<strong>br</strong> />

- Por favor, explica-te.<<strong>br</strong> />

- Há um míssil Mark III atrás <strong>de</strong> nós. Foi lançado da estação exterior e <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

alcançar-nos daqui a quatro dias. Querem que o apanhe <strong>com</strong> o nosso rádio-<strong>com</strong>ando<<strong>br</strong> />

quando ele passar por nós, mas <strong>com</strong> a dispersão que <strong>de</strong>ve ter a esta distância é<<strong>br</strong> />

pedir muito. Duvido que passe a menos <strong>de</strong> cem mil quilômetros.<<strong>br</strong> />

- Que vem o míssil fazer aqui? Alguém se esqueceu da escova <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes ?


- Dizem que traz medicamentos muito importantes. Quer ver, doutor?<<strong>br</strong> />

O Dr. Scott examinou a mensagem.<<strong>br</strong> />

-É interessante. Parece que arranjaram um antídoto para a fe<strong>br</strong>e marciana. É um<<strong>br</strong> />

soro; foi o Instituto Pasteur que o preparou.<<strong>br</strong> />

- Que é um míssil Mark III - para não falar da fe<strong>br</strong>e marciana? - explodiu Gibson,<<strong>br</strong> />

por fim.<<strong>br</strong> />

O Dr. Scott foi o primeiro a respon<strong>de</strong>r:<<strong>br</strong> />

- A fe<strong>br</strong>e marciana não é na verda<strong>de</strong> uma doença <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Parece ser causada<<strong>br</strong> />

por um organismo terrestre que trouxemos para cá e que gostou mais do novo<<strong>br</strong> />

ambiente que do antigo. Tem o mesmo efeito da malária: as pessoas raramente são<<strong>br</strong> />

mortas por ela, mas os efeitos econômicos são terríveis. A cada ano a percentagem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> homens-hora perdidos...<<strong>br</strong> />

- Multo o<strong>br</strong>igado. Já me recordo <strong>de</strong> tudo. E o míssil? Hilton introduziu-se na<<strong>br</strong> />

conversação:<<strong>br</strong> />

-É simplesmente um pequeno foguete <strong>com</strong>andado por rádio e <strong>com</strong> uma gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong> terminal. Serve para transportar carga entre as estações espaciais ou para<<strong>br</strong> />

correr atrás <strong>de</strong> naves quando elas se esquecem <strong>de</strong> qualquer coisa. Quando chegar<<strong>br</strong> />

ao alcance do nosso rádio captará o nosso emissor e dirigir-se-á para nós. - Dirigiuse<<strong>br</strong> />

para Scott, subitamente, e inquiriu: - Bob, porque foi que não o enviaram<<strong>br</strong> />

diretamente para <strong>Marte</strong>? Chegaria lá muito antes <strong>de</strong> nós.<<strong>br</strong> />

- Porque os seus pequeninos passageiros não gostariam disso. Tenho <strong>de</strong> preparar<<strong>br</strong> />

algumas culturas para que eles possam subsistir e cuidar <strong>de</strong>les <strong>com</strong>o uma ama <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

leite,<<strong>br</strong> />

Gibson pensava profundamente. Ao fim <strong>de</strong> algum tempo, disse:<<strong>br</strong> />

- Tinha a impressão <strong>de</strong> que a vida em <strong>Marte</strong> era muito saudável, tanto física <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

psicologicamente<<strong>br</strong> />

- Não <strong>de</strong>ve acreditar inteiramente no que dizem os livros - respon<strong>de</strong>u Bradley. -<<strong>br</strong> />

Nem sequer faço i<strong>de</strong>ia da razão por que há pessoas que querem ir lá. É plano, frio e<<strong>br</strong> />

cheio <strong>de</strong> plantas meio mortas <strong>de</strong> fome que parecem arrancadas <strong>de</strong> um sonho <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Edgar Allan Poe. Enterramos ali milhões e ainda não ganhamos um centavo em<<strong>br</strong> />

troca. Todos quantos querem ir para lá <strong>de</strong>viam ser primeiro examinados por um<<strong>br</strong> />

psiquiatra. Sem ofensa, é claro...<<strong>br</strong> />

Gibson limitou-se a, sorrir. O Capitão Nor<strong>de</strong>n olhou furioso para o seu oficial <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

eletrônica e disse a Gibson:<<strong>br</strong> />

- Devo dizer-lhe, Martin, que se Mr. Bradley não gosta <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, pensa da mesma<<strong>br</strong> />

maneira em relação à Terra e a Vênus. Portanto, não <strong>de</strong>ixes que as opiniões <strong>de</strong>le te<<strong>br</strong> />

façam per<strong>de</strong>r o entusiasmo.<<strong>br</strong> />

- Não há perigo - respon<strong>de</strong>u Gibson, a rir-se.


--------------------------CAPÍTULO IV-----------------------------<<strong>br</strong> />

Durante os dias que se seguiram, Gibson esteve <strong>de</strong>masiado preocupado <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

seus próprios assuntos para tomar uma parte importante na vida social algo limitada<<strong>br</strong> />

do Ares. A máquina <strong>de</strong> escrever fora retirada do porão e ocupava agora o lugar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

honra no pequeno camarote. Havia folhas <strong>de</strong> papel por toda a parte, seguras por<<strong>br</strong> />

elásticos para não fugirem. O papel químico <strong>de</strong>ra muito trabalho, porque tinha o<<strong>br</strong> />

hábito <strong>de</strong> seguir a corrente <strong>de</strong> ar e colar-se contra o ventilador, mas Gibson<<strong>br</strong> />

habituara-se a dominar as técnicas da vida sem peso.<<strong>br</strong> />

Tivera muita dificulda<strong>de</strong> a reproduzir no papel as suas impressões do espaço. A<<strong>br</strong> />

largada da Terra submetera a sua capacida<strong>de</strong> a uma ru<strong>de</strong> prova. Não mentira, mas<<strong>br</strong> />

quem quer que lesse a sua dramática <strong>de</strong>scrição da Terra ficando para trás, sob o jato<<strong>br</strong> />

do foguete, por certo que nunca teria a impressão <strong>de</strong> que o escritor passara por um<<strong>br</strong> />

estado <strong>de</strong> misericordiosa inconsciência, seguido por outro nem misericordioso, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> inconsciência.<<strong>br</strong> />

Assim que acabou três artigos que fariam Ruth feliz (ela enviara entretanto três<<strong>br</strong> />

rádios <strong>de</strong> uma crescente aspereza), dirigiu-se para «norte», para a sala <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Comunicações, Bradley recebeu as folhas <strong>de</strong> papel sem gran<strong>de</strong> entusiasmo.<<strong>br</strong> />

- Não me digas que isto vai acontecer todos os dias - resmungou ele.<<strong>br</strong> />

- Assim espero, mas não sei. Depen<strong>de</strong> da minha inspiração.<<strong>br</strong> />

- Escreveste «Centrífuga» na Página 3, quando <strong>de</strong>verias ter dito «centrípeta>.<<strong>br</strong> />

- Como me pagam por palavra, nada ganho em escrever as mais <strong>com</strong>pridas.<<strong>br</strong> />

- Há dois períodos seguidos na página 4 que <strong>com</strong>eçam por «E...».<<strong>br</strong> />

- Me diz uma coisa: queres enviar isso ou queres que eu próprio o faça?<<strong>br</strong> />

Bradley sorriu.<<strong>br</strong> />

- Gostaria que experimentasses. Agora falando sério, <strong>de</strong>via ter-te dito para usares<<strong>br</strong> />

uma fita preta. O contraste não é tão bom <strong>com</strong>o o azul e ainda que o transmissor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fac-símile possa fazê-lo chegar perfeitamente ao seu <strong>de</strong>stino a esta distância, quando<<strong>br</strong> />

estivermos mais longe não será assim.<<strong>br</strong> />

Enquanto falava, Bradley ia enfiando as folhas no transmissor automático. Cinco<<strong>br</strong> />

segundos <strong>de</strong>pois elas reapareceram no cesto <strong>de</strong> re<strong>de</strong>, perante os olhos fascinados <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Gibson. Estava recolhendo-as <strong>de</strong> novo quando um besouro zumbiu em qualquer<<strong>br</strong> />

parte, no meio da selva <strong>de</strong> mostradores, interruptores e visores que co<strong>br</strong>iam<<strong>br</strong> />

praticamente as pare<strong>de</strong>s da pequena sala. Bradley correu e <strong>com</strong>eçou a fazer coisas<<strong>br</strong> />

in<strong>com</strong>preensíveis Através do alto-falante ouviu-se um silvo penetrante.<<strong>br</strong> />

- O transportador chegou ao nosso alcance, mas está muito longe. A uns cem mil<<strong>br</strong> />

quilômetros - disse Bradley.<<strong>br</strong> />

- Que po<strong>de</strong>mos fazer?


- Muito pouco. Se ele for capaz <strong>de</strong> captar os nossos sinais dirigir-se-á para nós,<<strong>br</strong> />

automaticamente.<<strong>br</strong> />

- E se não os captar?<<strong>br</strong> />

- Continuará pelo Sistema Solar afora. Tem velocida<strong>de</strong> suficiente para fugir à<<strong>br</strong> />

atração do Sol - e nós também...<<strong>br</strong> />

- Que linda lem<strong>br</strong>ança. Quanto tempo <strong>de</strong>moraríamos?<<strong>br</strong> />

- A fazer o quê?<<strong>br</strong> />

- A sair do Sistema Solar.<<strong>br</strong> />

- Um par <strong>de</strong> anos, suponho. É melhor perguntares a Mackay. Não sei tudo – não<<strong>br</strong> />

sou <strong>com</strong>o esses cavalheiros dos teus livros!<<strong>br</strong> />

- Talvez venhas a ser - respon<strong>de</strong>u Gibson, num tom tene<strong>br</strong>oso. E voltou-lhe as<<strong>br</strong> />

costas.<<strong>br</strong> />

A aproximação do míssil trouxe um inesperado - e bem-vindo - elemento <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

excitação à vida a bordo do Ares. Organizaram um sistema <strong>de</strong> apostas. Os cálculos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Mackay diziam que o projétil passaria a cento e vinte cinco mil quilômetros, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

uma incerteza <strong>de</strong> mais ou menos trinta mil. A maior parte das apostas referia-se a<<strong>br</strong> />

valores próximos <strong>de</strong>sses, mas alguns, sem qualquer confiança em Mackay, tinham<<strong>br</strong> />

ido até duzentos e cinquenta mil quilômetros. As apostas não eram em dinheiro, mas<<strong>br</strong> />

sim em coisas muito mais úteis, <strong>com</strong>o cigarros, doces e outros luxos. Como o peso<<strong>br</strong> />

que cada tripulante podia transportar consigo era muito pequeno, tudo isso era<<strong>br</strong> />

muito mais útil que quaisquer pedaços <strong>de</strong> papel <strong>com</strong> números impressos. Mackay até<<strong>br</strong> />

apostara meia garrafa <strong>de</strong> uísque<<strong>br</strong> />

- Jimmy!<<strong>br</strong> />

- Pronto, Capitão Nor<strong>de</strong>n<<strong>br</strong> />

- Já inspecionaste os manômetros do oxigênio?<<strong>br</strong> />

- Sim, Senhor. Tudo bem.<<strong>br</strong> />

- E essa aparelhagem automática <strong>de</strong> registro que os físicos colocaram no porão?<<strong>br</strong> />

Está funcionando?<<strong>br</strong> />

- Pelo menos faz os mesmos ruídos que fazia quando partimos.<<strong>br</strong> />

- Bom. Limpaste o leite que Mr. Hilton <strong>de</strong>ixou ferve,r na cozinha.?<<strong>br</strong> />

- Sim, Capitão.<<strong>br</strong> />

- Muito bem. Então tenho um bom trabalho para ti - uma coisa fora do vulgar. Mr.<<strong>br</strong> />

Gibson quer <strong>com</strong>eçar a apren<strong>de</strong>r umas coisas mais profundas so<strong>br</strong>e astronáutica.<<strong>br</strong> />

Evi<strong>de</strong>ntemente, qualquer <strong>de</strong> nós po<strong>de</strong>ria ensinar-lhe o que ele preten<strong>de</strong>, mas... foste<<strong>br</strong> />

o último a sair da Universida<strong>de</strong> e talvez lhe possas explicar tudo melhor. Ainda não<<strong>br</strong> />

esqueceste as dificulda<strong>de</strong>s dos principiantes... Estou certo <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>rás tratar<<strong>br</strong> />

disso.<<strong>br</strong> />

- Entra - disse Gibson, sem sequer se dar ao trabalho <strong>de</strong> levantar os olhos da<<strong>br</strong> />

máquina <strong>de</strong> escrever. Jimmy Spencer entrou flutuando na sala.<<strong>br</strong> />

- Aqui tem o livro, Mr. Gibson. Creio que encontrará nele tudo quanto <strong>de</strong>seja. São<<strong>br</strong> />

os «Elementos <strong>de</strong> Astronáutica», <strong>de</strong> Richardson. Numa edição especial, em papel<<strong>br</strong> />

fino.<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>eçou a folhear o livro <strong>com</strong> um interesse que <strong>de</strong>sapareceu quando ele<<strong>br</strong> />

viu <strong>com</strong>o a proporção das palavras por página diminuía rapidamente Por fim <strong>de</strong>sistiu<<strong>br</strong> />

ao olhar para uma página em que só havia uma frase: «Substituindo o valor da<<strong>br</strong> />

distância do periélio pela Equação 15.3 obtém-se...» - Tudo o mais era matemática.<<strong>br</strong> />

- Tens certeza <strong>de</strong> que este é o livro mais elementar que há a bordo? - perguntou<<strong>br</strong> />

ele num tom <strong>de</strong> dúvida, sem querer <strong>de</strong>sapontar Jimmy. Ficara um pouco


surpreendido quando Spencer fora <strong>de</strong>signado seu «professor», mas <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ra a<<strong>br</strong> />

razão. Quando havia um trabalho que ninguém queria fazer, surgia sempre uma<<strong>br</strong> />

tendência curiosa para entregá-lo a Jimmy.<<strong>br</strong> />

- Mas é elementar! Trata <strong>de</strong> tudo sem entrar no cálculo vetorial e não fala na<<strong>br</strong> />

teoria das perturbações. Devia ver alguns dos livros que Mackay tem no camarote<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>le. Cada uma das equações ocupa páginas seguidas.<<strong>br</strong> />

- Bem, muito o<strong>br</strong>igado. Gritarei por ti quando estiver aflito. Há vinte anos que não<<strong>br</strong> />

trabalho <strong>com</strong> matemática, embora noutros tempos tivesse sido muito bom. Quando<<strong>br</strong> />

quiseres que te <strong>de</strong>volva. o livro, me diz.<<strong>br</strong> />

- Não há pressa, Mr. Gibson. Não o uso muitas vezes. Já trabalho <strong>com</strong> coisas muito<<strong>br</strong> />

mais avançadas...<<strong>br</strong> />

- Antes <strong>de</strong> te retirares talvez possas explicar-me uma coisa. Há muita, gente que<<strong>br</strong> />

fala do perigo dos meteoritos. Que há <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> so<strong>br</strong>e ele?<<strong>br</strong> />

Jimmy pensou um pouco.<<strong>br</strong> />

- Posso dar-lhe uma idéia aproximada. Mas se falar <strong>com</strong> Mr. Mackay, ele dar-lhe-á<<strong>br</strong> />

informações <strong>com</strong>pletas. Possui tabelas <strong>com</strong> números exatos.<<strong>br</strong> />

Gibson encontrou o pequeno astro-navegador digitando nas teclas do <strong>com</strong>putador<<strong>br</strong> />

eletrônico.<<strong>br</strong> />

- Meteoritos? - disse Mackay. - Ah, sim, um assunto muito interessante. No<<strong>br</strong> />

entanto, suponho que têm sido publicados muitos disparates so<strong>br</strong>e isso. Houve<<strong>br</strong> />

tempos em que se pensava que uma nave ficaria transformada num crivo, logo que<<strong>br</strong> />

saísse da atmosfera. Mas os meteoritos são muito menos perigosos que os<<strong>br</strong> />

relâmpagos na Terra e normalmente os maiores são muito menores que uma ervilha.<<strong>br</strong> />

- Mas, que eu saiba, já houve uma nave atingida por eles!<<strong>br</strong> />

- A Rainha do Espaço? Um único aci<strong>de</strong>nte sério nos últimas cinco anos é um<<strong>br</strong> />

resultado muito satisfatório. Até agora nenhuma nave se per<strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido aos<<strong>br</strong> />

meteoritos<<strong>br</strong> />

- E a Pallas ?<<strong>br</strong> />

- Ninguém sabe o que lhe aconteceu. É apenas o que se diz. Mas não o que dizem<<strong>br</strong> />

os peritos.<<strong>br</strong> />

- Portanto posso dizer ao público que esqueça o assunto.<<strong>br</strong> />

- Sim, mas há a questão da poeira...<<strong>br</strong> />

- Poeira?<<strong>br</strong> />

- Sim. No que diz respeito aos meteoritos, <strong>de</strong> um par <strong>de</strong> milímetros <strong>de</strong> diâmetro<<strong>br</strong> />

para cima, não há que ter receio. Mas os micro-meteoritos - a poeira - são um<<strong>br</strong> />

aborrecimento, principalmente nas estações espaciais. De vez em quando, alguem<<strong>br</strong> />

tem <strong>de</strong> ir até ao exterior para examinar o revestimento e localizar os furos.<<strong>br</strong> />

Normalmente são <strong>de</strong>masiado pequenos para po<strong>de</strong>rem ser vistos a olho nu, mas um<<strong>br</strong> />

grão <strong>de</strong> poeira movendo-se a cinquenta quilômetros por segundo po<strong>de</strong> atravessar<<strong>br</strong> />

uma espessura surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> metal.<<strong>br</strong> />

Gibson mostrou-se um pouco alarmado, mas Mackay apressou-se a acalmá-lo.<<strong>br</strong> />

- Na verda<strong>de</strong>, não há qualquer razão para te preocupares. Há sempre perdas <strong>de</strong> ar,<<strong>br</strong> />

por falta <strong>de</strong> estanqueida<strong>de</strong>. É por isso que temos a bordo <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> oxigênio.<<strong>br</strong> />

Por muito ocupado que Gibson estivesse, ou pensasse estar, arranjava sempre<<strong>br</strong> />

tempo para vaguear pelos labirintos da nave ou para fitar as estrelas, na galeria <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

observação equatorial. Costumava ir para ali durante o concerto diário. Às 15 horas o<<strong>br</strong> />

sistema <strong>de</strong> alto-falantes da nave <strong>com</strong>eçava sempre a transmitir música da Terra e


fazia-o durante uma hora, Os programas eram escolhidos por uma pessoa diferente a<<strong>br</strong> />

cada dia, <strong>de</strong> modo que os outros nunca sabiam o que os esperava, ainda que<<strong>br</strong> />

passado algum tempo acabassem por i<strong>de</strong>ntificar <strong>com</strong> facilida<strong>de</strong> o «produtor».<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n preferia os clássicos ligeiros e a ópera: Hilton só tocava Beethoven e<<strong>br</strong> />

Tchaikovsky. Mackay e Bradley olhavam-nos <strong>de</strong> testa franzida e optavam por música<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> câmara e certas cacofonias que pareciam não ter pés nem cabeça. A microbiblioteca<<strong>br</strong> />

e discoteca da nave era suficientemente gran<strong>de</strong> para ultrapassar uma vida<<strong>br</strong> />

inteira no espaço.<<strong>br</strong> />

Quando o escritor estava na galeria <strong>de</strong> observação, tentando contar as Plêia<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

que conseguia distinguir a olho nu, qualquer coisa passou, sibilante, por sua cabeça<<strong>br</strong> />

e foi colar-se contra o vidro da vigia, on<strong>de</strong> ficou a vi<strong>br</strong>ar <strong>com</strong>o uma seta. À primeira<<strong>br</strong> />

vista era o que parecia, e durante um momento Gibson perguntou a si próprio se os<<strong>br</strong> />

Cherokee estavam <strong>de</strong> novo em guerra. Depois viu que a seta tinha no lugar da ponta<<strong>br</strong> />

uma gran<strong>de</strong> ventosa <strong>de</strong> borracha e que da base, atrás das penas, se estendia um fio<<strong>br</strong> />

longo e fino. Na outra ponta do fio, ao longe, estava o Dr. Robert Scott, que<<strong>br</strong> />

avançava <strong>com</strong>o uma aranha entusiasmada.<<strong>br</strong> />

Gibson estava preparando uma frase a<strong>de</strong>quada à situação, mas o médico falou<<strong>br</strong> />

primeiro:<<strong>br</strong> />

- Não é engraçado? - disse ele. - Tem um alcance <strong>de</strong> vinte metros e pesa apenas<<strong>br</strong> />

meio quilo. Vou patenteá-lo assim que voltar à Terra.<<strong>br</strong> />

- Porquê? - peguntou Gibson, num tom <strong>de</strong> resignação.<<strong>br</strong> />

- Não <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>s? Supõe que queres ir <strong>de</strong> um lado para outro a bordo <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

nave on<strong>de</strong> não haja gravida<strong>de</strong> rotacional. Bastará que dispares isto so<strong>br</strong>e qualquer<<strong>br</strong> />

superfície plana perto do teu <strong>de</strong>stino e vás enrolando a corda. Terás um ancoradouro<<strong>br</strong> />

perfeito.<<strong>br</strong> />

- E que há <strong>de</strong> errado na maneira usual <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>slocarmos ?<<strong>br</strong> />

- Se estivesses no espaço há tanto tempo <strong>com</strong>o eu, saberias qual é a dificulda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Numa nave <strong>com</strong>o esta há muita coisa on<strong>de</strong> nos agarrarmos. Mas supõe que queiras<<strong>br</strong> />

agarrar uma pare<strong>de</strong> lisa do lado oposto do <strong>com</strong>partimento on<strong>de</strong> estivesses e te<<strong>br</strong> />

lançasses pelo ar. Que aconteceria? Bem, terias <strong>de</strong> amortecer o choque <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

mãos, a menos que conseguisses torcer o corpo no ar. Sabes qual é a queixa mais<<strong>br</strong> />

vulgar que um médico ouve a bordo <strong>de</strong> uma nave espacial ? Pulsos «abertos»! E a<<strong>br</strong> />

razão é essa. Além disso, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> batermos contra um obstáculo ressaltamos, a<<strong>br</strong> />

menos que haja qualquer coisa on<strong>de</strong> nos passamos agarrar; Po<strong>de</strong>mos até ficar<<strong>br</strong> />

parados no meio do ar. Aconteceu-me isso uma vez na Estação Espacial Três, num<<strong>br</strong> />

dos gran<strong>de</strong>s armazéns. A pare<strong>de</strong> mais próxima estava a quinze metros e não<<strong>br</strong> />

consegui alcançá-la.<<strong>br</strong> />

- Não podias ao menos cuspir ou soprar ?<<strong>br</strong> />

- Experimenta e verás. Sabes o que tive <strong>de</strong> fazer? Uma coisa engraçada dos<<strong>br</strong> />

diabos. Tinha apenas no corpo uma camisa e um calção e calculei que a sua massa<<strong>br</strong> />

era cerca <strong>de</strong> um centésimo da do meu corpo. Se pu<strong>de</strong>sse lançá-la a trinta metros por<<strong>br</strong> />

segundo conseguiria alcançar a pare<strong>de</strong> em menos <strong>de</strong> um minuto.<<strong>br</strong> />

- E conseguiste ?<<strong>br</strong> />

- Sim. Mas o Diretor estava mostrando a Estação à mulher, nessa tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo<<strong>br</strong> />

que agora tenho <strong>de</strong> viver num casco miserável <strong>com</strong>o este, quando não estou<<strong>br</strong> />

dirigindo tristes salas <strong>de</strong> cirurgia pelas docas.<<strong>br</strong> />

- Creio que erraste a vocação. Devias também ser escritor.<<strong>br</strong> />

- Não acreditas?<<strong>br</strong> />

- Deixemos disso. Mostra-me o teu invento.<<strong>br</strong> />

Era uma pistola <strong>de</strong> ar modificada, <strong>com</strong> um fio <strong>de</strong> náilon enrolado num molinete


junto à coronha.<<strong>br</strong> />

- Parece...<<strong>br</strong> />

- Se disseres um projetor <strong>de</strong> raios ficarei convencido <strong>de</strong> que é qualquer coisa<<strong>br</strong> />

infecciosa. Já houveram três pessoas que disseram o mesmo.<<strong>br</strong> />

- Ainda. bem que me interrompeste - disse Gibson, <strong>de</strong>volvendo a pistola ao<<strong>br</strong> />

inventor. - A propósito, Owen já conseguiu entrar em contacto <strong>com</strong> o míssil?<<strong>br</strong> />

- Não. E parece que não será capaz disso. Mac diz que ele vai passar a cento e<<strong>br</strong> />

quarenta e cinco mil quilômetros - certamente fora <strong>de</strong> alcance. É uma vergonha: não<<strong>br</strong> />

há outra nave para <strong>Marte</strong> nos próximos meses e por isso é que eles estavam<<strong>br</strong> />

ansiosos <strong>de</strong> nos alcançarem.<<strong>br</strong> />

- Owen é um tipo esquisito, não é? - perguntou Gibson, <strong>com</strong> alguma<<strong>br</strong> />

inconsequência.<<strong>br</strong> />

- Oh, não. Não é verda<strong>de</strong> que ele tenha envenenado a mulher, Ela é que bebeu até<<strong>br</strong> />

se matar.<<strong>br</strong> />

Owen Bradley era um homem muito aborrecido <strong>com</strong> a vida. Como todo mundo, a<<strong>br</strong> />

bordo da Ares, levava o seu trabalho muito a sério, ainda que fingisse o contrário.<<strong>br</strong> />

Durante as últimas horas não saíra da sala <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicações, esperando que a onda<<strong>br</strong> />

portadora emitida pelo míssil recebesse a modulação que lhe indicaria que os seus<<strong>br</strong> />

sinais estavam sendo recebidos e que o engenho estava dirigindo-se para a Ares.<<strong>br</strong> />

Ligou para a saia <strong>de</strong> astronavegação e Mackay respon<strong>de</strong>u quase imediatamente<<strong>br</strong> />

através do inter<strong>com</strong>unicador.<<strong>br</strong> />

- Quais são as últimas Mac?<<strong>br</strong> />

- Não <strong>de</strong>ve aproximar-se muito mais. Acabo <strong>de</strong> marcar a última posição e reduzir<<strong>br</strong> />

os erros. Está agora a cento e cinquenta mil quilômetros e <strong>de</strong>sloca-se seguindo um<<strong>br</strong> />

rumo quase paralelo ao nosso. O Ponto mais próximo da sua passagem será a cento<<strong>br</strong> />

e quarenta e quatro mil quilômetros, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> três horas, Portanto, perdi a<<strong>br</strong> />

aposta. .. e creio que per<strong>de</strong>mos o foguete,<<strong>br</strong> />

- Receio que sim, mas veremos. Vou à oficina - disse Bradley.<<strong>br</strong> />

- Para quê?<<strong>br</strong> />

- Para preparar um foguete <strong>de</strong> um só lugar e correr atrás <strong>de</strong>ssa maldita coisa. Não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>moraria mais <strong>de</strong> meia hora nas histórias <strong>de</strong> Martin. Desce e vem ajudar-me.<<strong>br</strong> />

Mackay estava mais próximo do «equador» da nave que Bradley;<<strong>br</strong> />

consequentemente chegou primeiro ao «pólo sul» e quando Bradley chegou,<<strong>br</strong> />

engalanado <strong>com</strong> metros e metros <strong>de</strong> cabo coaxial, olhou-o perplexo. Bradley disselhe<<strong>br</strong> />

:<<strong>br</strong> />

- Isto já <strong>de</strong>via ter sido feito, mas resultaria numa <strong>com</strong>plicação tremenda e eu sou<<strong>br</strong> />

uma das pessoas que guarda as coisas para o último momento. O problema <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

nosso emissor é que irradia em todas direções - o que é indispensável, uma vez que<<strong>br</strong> />

não sabemos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem a onda portadora. - Vou construir uma antena<<strong>br</strong> />

focalizadora e transmitir por ela toda a energia que pu<strong>de</strong>rmos arranjar.<<strong>br</strong> />

Mackay, que tinha mãos <strong>com</strong> uma habilida<strong>de</strong> maravilhosa, olhou para os <strong>de</strong>senhos<<strong>br</strong> />

e para os materiais que Bradley trouxera consigo.<<strong>br</strong> />

- Cerca <strong>de</strong> uma hora - disse ele, ao mesmo tempo que <strong>com</strong>eçava a trabalhar. -<<strong>br</strong> />

Que vais fazer?<<strong>br</strong> />

- Vou lá fora, ao casco, <strong>de</strong>sligar o radiofarol. Quando estiveres pronto leva isso<<strong>br</strong> />

para a <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar, sim?<<strong>br</strong> />

Cerca <strong>de</strong> uma hora <strong>de</strong>pois, Gibson encontrou Mackay correndo através da nave,<<strong>br</strong> />

atrás <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>licada estrutura <strong>de</strong> varetas metálicas separadas por hastes <strong>de</strong>


plástico. Ficou <strong>de</strong> boca aberta e o segui até à <strong>com</strong>porta, on<strong>de</strong> Bradley já se<<strong>br</strong> />

encontrava, impaciente, no seu incômodo escafandro <strong>com</strong> o capacete aberto.<<strong>br</strong> />

- Qual é a estrela mais próxima do foguete? - perguntou Brad1ey.<<strong>br</strong> />

Mackay pensou rapidamente.<<strong>br</strong> />

- Os últimos números... Vejamos... <strong>de</strong>clinação quinze e qualquer coisa, norte;<<strong>br</strong> />

ascensão reta, catorze horas. Suponho que é... mais ou menos para as bandas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Böotes. Sim – não <strong>de</strong>ve ficar muito longe <strong>de</strong> Arcturus, não mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z graus.<<strong>br</strong> />

- Serve. De resto, posso fazer rodar o feixe. Quem está na Sala <strong>de</strong> Comunicações ?<<strong>br</strong> />

- O Velho e Fred. Já falei <strong>com</strong> eles e estão observando o monitor. Manter-me-ei em<<strong>br</strong> />

contato contigo através do transmissor do casco.<<strong>br</strong> />

Bradley fechou o capacete e <strong>de</strong>sapareceu. Gibson olhou <strong>com</strong> alguma inveja.<<strong>br</strong> />

Desejara sempre vestir um dia um traje espacial, mas Nor<strong>de</strong>n dissera-lhe que era<<strong>br</strong> />

contra as regras. Tratava-se <strong>de</strong> mecanismos muito <strong>com</strong>plexos e ele podia fazer<<strong>br</strong> />

qualquer disparate. Então talvez tivessem <strong>de</strong> realizar um funeral em circunstâncias<<strong>br</strong> />

absolutamente novas.<<strong>br</strong> />

Bradley não per<strong>de</strong>u tempo admirando, quando se viu no exterior. Deslizou<<strong>br</strong> />

suavemente ao longo do casco, impelido pelos reatores, até chegar à secção do<<strong>br</strong> />

revestimento que estivera <strong>de</strong>smontando. Por baixo estava uma teia <strong>de</strong> cabos e fios,<<strong>br</strong> />

exposta à luz crua do Sol. Um dos cabos já fora cortado. Fez uma ligação provisória e<<strong>br</strong> />

abanou a cabeça ao lem<strong>br</strong>ar-se que meta<strong>de</strong> da potência do emissor se per<strong>de</strong>ria por<<strong>br</strong> />

ali. Depois procurou Arcturus e apontou a antena para a estrela, Depois tê-la girado,<<strong>br</strong> />

esperançoso, durante algum tempo, ligou o <strong>com</strong>unicador do fato.<<strong>br</strong> />

- Alguma coisa?<<strong>br</strong> />

A voz irônica <strong>de</strong> Mackay fez-se ouvir através do alto-falante:<<strong>br</strong> />

- Nada. Vou ligar-te às <strong>com</strong>unicações. Nor<strong>de</strong>n confirmou as notícias.<<strong>br</strong> />

- O sinal continua sendo <strong>de</strong>tectado, mas ainda não <strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong> nos ter<<strong>br</strong> />

recebido,<<strong>br</strong> />

Bradley ficou estupefato. Rodou a antena durante alguns minutos e <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sistiu, Chamou <strong>de</strong> novo Mackay.<<strong>br</strong> />

- Ouve! Confere essas coor<strong>de</strong>nadas e <strong>de</strong>pois vem aqui e continua a experimentar.<<strong>br</strong> />

Vou ver o emissor.<<strong>br</strong> />

Quando Mackay o substituiu, Bradley voltou correndo à sala <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicações<<strong>br</strong> />

Encontrou Gibson e o resto da tripulação a olharem tristemente para o receptor,<<strong>br</strong> />

através do qual se continuava a ouvir o silvo ininterrupto do foguete.<<strong>br</strong> />

Começou a consultar os diagramas do emissor. Precisou apenas <strong>de</strong> um instante<<strong>br</strong> />

para ligar um par <strong>de</strong> fios ao coração <strong>de</strong>le. Ao mesmo tempo disparou uma série <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

perguntas para Hilton:<<strong>br</strong> />

- Sabes <strong>com</strong>o são estes foguetes? Quanto tempo <strong>de</strong>moram eles para registrar o<<strong>br</strong> />

nosso sinal e o respon<strong>de</strong>rem ?<<strong>br</strong> />

- Depen<strong>de</strong> da velocida<strong>de</strong> relativa e outros fatores. De qualquer forma, uns bons<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>z minutos.<<strong>br</strong> />

- Quanto tempo po<strong>de</strong>rá este <strong>de</strong>morar a alcançar-nos, se pu<strong>de</strong>r <strong>de</strong>tectar os meus<<strong>br</strong> />

sinais ?<<strong>br</strong> />

- Dois dias, se não for menos. Qual é a tua idéia?<<strong>br</strong> />

- Os amplificadores <strong>de</strong> potência do emissor trabalham a setecentos e cinquenta<<strong>br</strong> />

volts. Vou ligar-lhes mil volts, <strong>de</strong> outra fonte. Viverão por pouco tempo, mas<<strong>br</strong> />

duplicarei ou triplicarei a potência <strong>de</strong>bitada.<<strong>br</strong> />

Ligou o interruptor, Gibson esperava ver faíscas por todos os lados, mas ficou<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sapontado. Bradley, que sabia o que fazia, olhou para os mostradores e mor<strong>de</strong>u os


lábios.<<strong>br</strong> />

As ondas <strong>de</strong> rádio <strong>de</strong>morariam apenas meio segundo para alcançar aquele<<strong>br</strong> />

longínquo foguete <strong>com</strong> os seus maravilhosos mecanismos automáticos que se<<strong>br</strong> />

manteriam eternamente inertes se o sinal não os alcançassem. Passou-se o meio<<strong>br</strong> />

segundo e também o seguinte. Passou-se o tempo necessário para uma resposta,<<strong>br</strong> />

mas o assobio continuou, sem interrupção. Talvez o «cére<strong>br</strong>o» do foguete<<strong>br</strong> />

necessitasse <strong>de</strong> algum tempo paria <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o que se passava, porque a onda<<strong>br</strong> />

portadora voltou - mas modulada numa série infinita <strong>de</strong> bip-bips.<<strong>br</strong> />

Bradley conteve o entusiasmo que surgiu na sala.<<strong>br</strong> />

- Ainda não chegamos ao fim! - disse ele. - lem<strong>br</strong>em-se <strong>de</strong> que o foguete terá <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

receber o nosso sinal durante <strong>de</strong>z minutos antes <strong>de</strong> <strong>com</strong>pletar as alterações do<<strong>br</strong> />

rumo. - Olhou para os mostradores e perguntou-se se os circuitos resistiriam o<<strong>br</strong> />

tempo necessário.<<strong>br</strong> />

Duraram sete minutos, mas os elementos antes aprontados foram introduzidos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tanta rapi<strong>de</strong>z que a onda portadora quase não interrompeu a sua modulação.<<strong>br</strong> />

Por fim, <strong>com</strong> um suspiro <strong>de</strong> alivio, Bradley <strong>de</strong>sligou o emissor.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong>s voltar para <strong>de</strong>ntro, Mac - disse ele ao microfone. Já está feito!<<strong>br</strong> />

Ouviu-se uma tosse discreta no fundo da sala.<<strong>br</strong> />

- Lamento lem<strong>br</strong>ar-lhe uma coisa... - <strong>com</strong>eçou a dizer Jimmy.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n riu-se.<<strong>br</strong> />

- Muito bem: não tenho dúvidas em pagar. Aqui estão as chaves – armário 26. Que<<strong>br</strong> />

vais fazer <strong>com</strong> essa garrafa <strong>de</strong> uísque?<<strong>br</strong> />

- Estava pensando em vendê-la <strong>de</strong> novo ao Dr. Mackay.<<strong>br</strong> />

- Sem dúvida – disse Scott, olhando <strong>com</strong> severida<strong>de</strong> para Jimmy. - Mas este<<strong>br</strong> />

momento exige uma <strong>com</strong>emoração especial.<<strong>br</strong> />

Jimmy não esperou para ouvir o resto. Correu imediatamente, em busca da sua<<strong>br</strong> />

presa.


---------------------------CAPÍTULO V ----------------------------<<strong>br</strong> />

Há uma hora tínhamos apenas um passageiro - disse o Dr. Scott, acariciando a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prida caixa <strong>de</strong> metal que passara através da <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar. Agora temos alguns<<strong>br</strong> />

milhares <strong>de</strong> milhões.<<strong>br</strong> />

- Acha que eles so<strong>br</strong>eviveram à viagem ? - perguntou Gibson<<strong>br</strong> />

- Os termostatos parecem ter funcionado corretamente. Vou transferí-los para as<<strong>br</strong> />

culturas que preparei e <strong>de</strong>pois eles sentir-se-ão felizes. Terão a barriga bem cheia<<strong>br</strong> />

durante toda a viagem, até chegarem a <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Através da vigia mais próxima, Gibson via o corpo do míssil, pintado <strong>de</strong> <strong>br</strong>anco.<<strong>br</strong> />

- Que vão fazer <strong>de</strong>le? - perguntou o escritor ao Capitão Nor<strong>de</strong>n.<<strong>br</strong> />

- Recuperaremos o propulsor e abandonaremos a carcaça no espaço. Não merece<<strong>br</strong> />

o propulsante que seria necessário para o levar para <strong>Marte</strong>. Portanto, até voltarmos a<<strong>br</strong> />

acelerar, teremos uma lua só nossa.<<strong>br</strong> />

- Como o cão, na novela <strong>de</strong> Júlio Verne ?<<strong>br</strong> />

- «Da Terra à Lua»? Nunca consegui lê-la até o fim. Não há nada pior que ficção<<strong>br</strong> />

científica dos velhos tempos – e Verne já não é <strong>de</strong> ontem: é <strong>de</strong> anteontem.<<strong>br</strong> />

Gibson sentiu que tinha chegado o momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a sua profissão.<<strong>br</strong> />

- Isso quer dizer que a ficção científica não tem um valor literário permanente?<<strong>br</strong> />

- Não digo isso. Mas ainda que tenha por vezes um valor social quando é escrita,<<strong>br</strong> />

para a geração seguinte parecerá mesquinha e arcaica. Pense no que aconteceu às<<strong>br</strong> />

histórias espaciais..<<strong>br</strong> />

- Não tenha receio <strong>de</strong> dizer o que pensa.<<strong>br</strong> />

- Muito bem – disse Nor<strong>de</strong>n, - Até 1969 houve muita gente que escreveu so<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />

primeira viagem à Lua. Hoje são impossíveis <strong>de</strong> ler. Quando os homens chegaram à<<strong>br</strong> />

Lua, pô<strong>de</strong>-se escrever <strong>com</strong> segurança so<strong>br</strong>e <strong>Marte</strong> e Vênus. Mas apenas durante<<strong>br</strong> />

alguns anos. Agora até essas histórias nada valem. Se as leem é para rirem <strong>de</strong>las.<<strong>br</strong> />

- Mas o tema das viagens espaciais é mais popular do que nunca o foi.<<strong>br</strong> />

- Sim, mas já não é ficção científica. Trata-se <strong>de</strong> fatos. O que importa agora é falar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> coisas para além do Sistema Solar, mesmo que se trate <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> fadas. Como<<strong>br</strong> />

quase todas as histórias afinal.<<strong>br</strong> />

- Não concordo contigo – disse Gibson - Em primeiro lugar, ainda há muitas<<strong>br</strong> />

pessoas que gostam das histórias <strong>de</strong> Wells, embora já tenham um século <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

E, passando do sublime ao ridículo, até ainda leem os meus primeiros livros, <strong>com</strong>o a<<strong>br</strong> />

«Poeira Marciana».<<strong>br</strong> />

- Quando foi que escreveste isso ?<<strong>br</strong> />

- Em 1973 ou 74.<<strong>br</strong> />

- Não sabia que tinha sido há tanto tempo. Mas isso explica muita coisa. AS


viagens no espaço estavam então no <strong>com</strong>eço e todo mundo sabia disto muito bem.<<strong>br</strong> />

Já tinhas um bom nome <strong>de</strong>ntro da literatura usual e a «Poeira Marciana» apareceu<<strong>br</strong> />

no momento próprio.<<strong>br</strong> />

- Isso apenas explica a razão por que se ven<strong>de</strong>ram tantos livros à época. Não<<strong>br</strong> />

respon<strong>de</strong> ao que eu perguntei. Continua ven<strong>de</strong>ndo bem e creio que até na colônia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong> há alguns exemplares, apesar <strong>de</strong> o livro referi-ser a um <strong>Marte</strong> que nunca<<strong>br</strong> />

existiu senão na minha imaginação.<<strong>br</strong> />

- Atribuo isso à falta <strong>de</strong> escrúpulos da agência <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> que serve o teu<<strong>br</strong> />

editor - e também ao fato <strong>de</strong> ter sido a melhor coisa que escreveste até hoje. Além<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que - e <strong>com</strong>o Mac diria, - conseguiste capturar nele o espirito dos anos 70, e isso<<strong>br</strong> />

dá-lhe agora um valor <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Hum...<<strong>br</strong> />

Gibson manteve-se silêncio durante um momento e <strong>de</strong>pois <strong>com</strong>eçou a rir-se.<<strong>br</strong> />

- Bem. Concordo. Que diria Wells soubesse que as suas histórias - e outras -<<strong>br</strong> />

estavam a ser discutidas a meio caminho, entre a Terra e <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não exagere - disse Nor<strong>de</strong>n. - Ainda estamos apenas a um terço do caminho.<<strong>br</strong> />

Muito <strong>de</strong>pois dia meia-noite, Gibson acordou <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong> um sono sem sonhos.<<strong>br</strong> />

Fora perturbado por qualquer coisa - um ruido <strong>com</strong>o o <strong>de</strong> uma explosão distante,<<strong>br</strong> />

muito ao longe, nas entranhas da nave. Ergueu-se nas trevas, tenso, <strong>de</strong> encontro às<<strong>br</strong> />

cintas elásticas que o prendiam ao leito.<<strong>br</strong> />

Havia muitas vozes no Ares e Gibson conhecia-as a todas, Ainda meio tonto <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sono, encaminhou-se para a porta do camarote e escutou no corredor durante algum<<strong>br</strong> />

tempo. O ruido fora <strong>de</strong> fato tão afastado quanto ele pensara ? Talvez tivesse sido<<strong>br</strong> />

mais próximo. De qualquer maneira, sentia-se fatigado e pouco lhe importava o que<<strong>br</strong> />

acontecera. Tinha uma fé <strong>com</strong>pleta e <strong>com</strong>ovente nos instrumentos <strong>de</strong> bordo. Se<<strong>br</strong> />

alguma coisa não estivesse bem, os alarmes automáticos teriam alertado todo<<strong>br</strong> />

mundo. Tinham-nos ensaiado algumas vezes na viagem e eram suficientemente<<strong>br</strong> />

fortes para <strong>de</strong>spertarem os próprios mortos, Podia <strong>de</strong>itar-se <strong>de</strong>scansado e confiar em<<strong>br</strong> />

que eles continuariam a vigiá-lo <strong>com</strong> uma constância infatigável.<<strong>br</strong> />

Tinha toda a razão, ainda que não o soubesse, e quando a manhã chegou já<<strong>br</strong> />

esquecera tudo.<<strong>br</strong> />

A custo, Gibson afastou o seu pensamento do reino da Dinamarca, do castelo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Elsinore e <strong>de</strong> Hamlet. Que teria sido feito daquele teatro fantástico, <strong>com</strong> a sua<<strong>br</strong> />

plateia flutuando no espaço?<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n olhou para Gibson e tossiu discretamente.<<strong>br</strong> />

- Ouve, Martin, lem<strong>br</strong>a-te quando andavas atrás <strong>de</strong> mim para que eu te <strong>de</strong>ixasse<<strong>br</strong> />

vestir um escafandro ?<<strong>br</strong> />

- Sim. Era contra as regras.<<strong>br</strong> />

- Bem. De certa maneira ainda é. Mas esta viagem não é normal e, técnicamente,<<strong>br</strong> />

não és um passageiro. Penso que po<strong>de</strong>remos conseguir isso.<<strong>br</strong> />

Gibson ficou <strong>de</strong>liciado. Perguntara muitas vezes a si próprio <strong>com</strong>o se sentiria uma<<strong>br</strong> />

pessoa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um traje espacial, apenas <strong>com</strong> as estrelas à sua volta.<<strong>br</strong> />

A conspiração estava fermentando há uma semana.<<strong>br</strong> />

Em geral, quando Hilton chegava ao gabinete <strong>de</strong> Nor<strong>de</strong>n <strong>com</strong> os programas diários<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> manutenção, nada havia <strong>de</strong> importante. O capitão limitava-se a assinar os<<strong>br</strong> />

relatórios e ia arquivá-los no livro <strong>de</strong> bordo.<<strong>br</strong> />

- Ouve lá, Johnnie - disse Hilton (era o único que tratava o capitão pelo nome<<strong>br</strong> />

próprio; para os outros era sempre «o Ve!lho» ou «o Chefe») -, não temos dúvidas


agora quanto à <strong>de</strong>scida na pressão do ar. É absolutamente constante. E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alguns dias estaremos fora dos limites <strong>de</strong> tolerância.<<strong>br</strong> />

- Raios partam tudo isso! Temos <strong>de</strong> fazer alguma coisa. Pensava que po<strong>de</strong>ríamos<<strong>br</strong> />

tratar disso quando aportássemos...<<strong>br</strong> />

- Receio que não. Temos <strong>de</strong> entregar os registros à Comissão <strong>de</strong> Segurança do<<strong>br</strong> />

Espaço quando voltarmos para casa, e po<strong>de</strong> acontecer que qualquer velhota nervosa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ece a gritar ao <strong>de</strong>ixarmos a pressão <strong>de</strong>scer abaixo do limite.<<strong>br</strong> />

- On<strong>de</strong> é o problema?<<strong>br</strong> />

- No casco, quase <strong>com</strong> certeza.<<strong>br</strong> />

- A fuga situa-se perto do «polo norte»?<<strong>br</strong> />

- Talvez. Está acontecendo tudo muito <strong>de</strong>pressa. Talvez tenhamos apanhado outro<<strong>br</strong> />

furo, entretanto.<<strong>br</strong> />

- Quanto tempo <strong>de</strong>morarão a localizar a fuga?<<strong>br</strong> />

- Esse é que é o problema – disse Hilton, um pouco <strong>de</strong>sgostoso – Temos apenas<<strong>br</strong> />

um <strong>de</strong>tetor <strong>de</strong> fugas e cinquenta mil metros quadrados <strong>de</strong> casco. Precisaremos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

um bom par <strong>de</strong> dias para isso. Se tivesse sido um buraco gran<strong>de</strong>, as anteparas<<strong>br</strong> />

automáticas teriam funcionado e saberíamos on<strong>de</strong> ele estava.<<strong>br</strong> />

- Ainda bem que não foi! - <strong>com</strong>entou Nor<strong>de</strong>n <strong>com</strong> um sorriso.<<strong>br</strong> />

Jimmy Spencer teve <strong>de</strong> cuidar, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> costume, do trabalho que ninguém queria<<strong>br</strong> />

fazer e encontrou o buraco três dias <strong>de</strong>pois, após ter dado a volta na nave uma boa<<strong>br</strong> />

dúzia <strong>de</strong> vezes. A pequena cratera era quase invisível, mas o ultra-sensível <strong>de</strong>tetor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fugas registrara o fato <strong>de</strong> que o vácuo próximo daquela parte do casco não era tão<<strong>br</strong> />

perfeito <strong>com</strong>o <strong>de</strong>via ser. Jimmy tinha marcado o lugar <strong>com</strong> giz e voltara para a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n agarrou nos planos da nave e <strong>de</strong>terminou a localização aproximada da<<strong>br</strong> />

fuga, segundo as indicações <strong>de</strong> Jimmy. Assobiou baixinho e ergueu os olhos para o<<strong>br</strong> />

teto.<<strong>br</strong> />

- Jimmy, disse ele – Mr. Gibson sabe o que estiveste fazendo?<<strong>br</strong> />

- Não. Nunca <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> lhe dar as lições <strong>de</strong> astronáutica, o que tem sido um belo<<strong>br</strong> />

trabalho, em conjunto <strong>com</strong>...<<strong>br</strong> />

- Bem, bem! Achas que alguém possa te-lher falado so<strong>br</strong>e a fuga ?<<strong>br</strong> />

- Não, mas acho que ele teria falado do assunto se soubesse <strong>de</strong>le.<<strong>br</strong> />

- Então ouve: Este maldito buraco situa-se exatamente no meio da pare<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

camarote <strong>de</strong>le e se lhe disseres alguma coisa so<strong>br</strong>e isso, te esfolarei vivo.<<strong>br</strong> />

Compreen<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />

- Sim – disse Jimmy, engolindo em seco e fugindo precipitadamente.<<strong>br</strong> />

- E agora? - perguntou Hilton num tom resignado.<<strong>br</strong> />

- Temos <strong>de</strong> Chamar Martin cá para fora sob qualquer pretexto e tapar o buraco tão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa quanto for possível.<<strong>br</strong> />

- É curioso que ele não tenha ouvido o impacto. Deve ter feitio um belísimo<<strong>br</strong> />

barulho.<<strong>br</strong> />

- Provavelmente não estava lá no momento. O que me surpreen<strong>de</strong> é que ele nunca<<strong>br</strong> />

tenha notado a corrente <strong>de</strong> ar; <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rável.<<strong>br</strong> />

- Tavez a corrente <strong>de</strong> se confunda <strong>com</strong> a circulação normal, Mas, <strong>de</strong> qualquer<<strong>br</strong> />

maneira, qual a razão para tantos segredos ? Porque é que não falamos <strong>com</strong> Martin<<strong>br</strong> />

e lhe explicamos o que houve? Qual a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo este melodrama?<<strong>br</strong> />

- Supõe que ele contava ao público que um meteorói<strong>de</strong> <strong>de</strong> 12ª gran<strong>de</strong>za furou a<<strong>br</strong> />

nave - e <strong>de</strong>pois acrescenta que coisas <strong>com</strong>o essas acontecem em todas as viagens?<<strong>br</strong> />

Quantos dos leitores <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>rão que não há perigo real e que nós nem sequer


nos preocupamos quando acontecem essas coisas? Po<strong>de</strong>m ter a certeza <strong>de</strong> que a<<strong>br</strong> />

reação popular será: «Se foi um pequeno também podia ser um gran<strong>de</strong>.» E vocês já<<strong>br</strong> />

não estão vendo os títulos?: «A Ares arrombada por um meteoro!» Que bela coisa<<strong>br</strong> />

para o negócio!<<strong>br</strong> />

- Então porque é que não contamos tudo a Martin e pedimos para que ele não<<strong>br</strong> />

diga nada?<<strong>br</strong> />

- Não seria justo. O po<strong>br</strong>e homem não tem novida<strong>de</strong>s para os seus artigos há<<strong>br</strong> />

semanas,<<strong>br</strong> />

- Muito bem, A i<strong>de</strong>ia é tua - disse Hilton. - Não me culpes se ela falhar.<<strong>br</strong> />

- Nem pensar nisso. Não há qualquer possibilida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Gibson sentira-se sempre fascinado pelas engenhocas e o traje espacial era mais<<strong>br</strong> />

um mecanismo para acrescentar à coleção daqueles que investigara e apren<strong>de</strong>ra a<<strong>br</strong> />

manejar. Esquecera-se <strong>de</strong> que as escafandros da Ares não tinham pernas e que<<strong>br</strong> />

quem os envergava se limitava a ficar <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les, Era uma i<strong>de</strong>ia sensata,<<strong>br</strong> />

uma vez que tinham sido construidos para trabalhar numa situação <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

peso e não para caminhar na superficie <strong>de</strong> planetas sem ar. A ausência das juntas<<strong>br</strong> />

flexiveis das pernas simplificava muito o seu <strong>de</strong>senho e os escafandros não eram<<strong>br</strong> />

mais do que ciindros <strong>com</strong> um tampo <strong>de</strong> perspex, do qual saíam <strong>br</strong>aços articulados.<<strong>br</strong> />

Aos lados havia relevos e hastes misteriosas: o equipamento <strong>de</strong> ar condicionado,<<strong>br</strong> />

rádio, regulação <strong>de</strong> calor e propulsão. A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos no interior do<<strong>br</strong> />

esafandro era gran<strong>de</strong>: podia-se retirar os <strong>br</strong>aços do interior das «mangas» para<<strong>br</strong> />

acionar os <strong>com</strong>andos internos e até para tomar uma pequena refeição, sem muitas<<strong>br</strong> />

acrobacias.<<strong>br</strong> />

Bradley passara cerca <strong>de</strong> uma hora na <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar, certificando-se <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ra o manejo dos <strong>com</strong>andos principais. Tudo correu bem até o<<strong>br</strong> />

momento em que Bradley <strong>com</strong>eçou a explicar o funcionamento das primitivas<<strong>br</strong> />

instalações sanitárias do escafandro.<<strong>br</strong> />

- Um momento: - protestou o escritor. - Com certeza que não ficaremos lá fora o<<strong>br</strong> />

tempo suficiente para termos necessida<strong>de</strong> disso!<<strong>br</strong> />

Bradley sorriu e respon<strong>de</strong>u:<<strong>br</strong> />

- Ficaria surpreendido se soubesse quantas pessoas já cairam nesse erro. A<strong>br</strong>iu um<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>partimento na pare<strong>de</strong> da <strong>com</strong>porta e tirou <strong>de</strong>la dois rolos <strong>de</strong> fio. Ligou-os a um<<strong>br</strong> />

suporte nos trajes, <strong>de</strong> maneira que não podiam ser aci<strong>de</strong>ntalmente soltos.<<strong>br</strong> />

- Precaução <strong>de</strong> Segurança Número Um - disse ele. - Ter Sempre um cabo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

segurança preso à nave. As regras fizeram-se para serem ignoradas, mas esta não.<<strong>br</strong> />

Para que a segurança seja dupla, ligarei o teu traje ao meu <strong>com</strong> <strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> fio. E,<<strong>br</strong> />

agora vamos...<<strong>br</strong> />

A porta exterior a<strong>br</strong>iu-se. Gibson sentiu o último vestigio <strong>de</strong> ar afastar-se <strong>de</strong>le. O<<strong>br</strong> />

fraco impulso assim recebido arrastou-o para a saída e ele viu-se flutuando<<strong>br</strong> />

suavemente em direção às estrelas.<<strong>br</strong> />

A lentidão do movimento e o silêncio absoluto tornavam aquela ocasião<<strong>br</strong> />

profundamente impressionante. A Ares afastava-se atrás <strong>de</strong>le <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

inevitabilidal<strong>de</strong> terrivel. Gibson mergulhava no espaço - o verda<strong>de</strong>iro espaço,<<strong>br</strong> />

finalmente - e o seu único elo <strong>com</strong> a segurança era o tênue fio que se <strong>de</strong>senrolava<<strong>br</strong> />

atrás <strong>de</strong>le.<<strong>br</strong> />

A fricção do carretel já amortecera o seu impulso quando a corda que o ligava a<<strong>br</strong> />

Bradley recebeu um esticão. Quase esquecera o seu <strong>com</strong>panheiro, que estava se<<strong>br</strong> />

afastando da nave <strong>com</strong> os pequenos jatos <strong>de</strong> gás montados na base do seu<<strong>br</strong> />

escafandro, rebocando Gibson.


O escrtitor assustou-se quando a voz do outro, ecoando metàlicamente no altofalante<<strong>br</strong> />

instalado no interior do seu traje, que<strong>br</strong>ou o silêncio.<<strong>br</strong> />

- Não use os jatos senão quando eu or<strong>de</strong>nar. Não convém que tenhamos<<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>masiada e é necessário cuidado para que as nossas linhas não se<<strong>br</strong> />

embaracem. - Está bem - disse Gibson, mais ou menos aborrecido. Olhou para a<<strong>br</strong> />

nave. Viu-a já a algumas centenas <strong>de</strong> metros, afastando-se rapidamente.<<strong>br</strong> />

- Qual é o oomprimento <strong>de</strong> cabo que ainda nos resta ? - perguntou ele, ansioso.<<strong>br</strong> />

Não houve resposta e ele teve um momento <strong>de</strong> pânico antes <strong>de</strong> se lem<strong>br</strong>ar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

carregar no botão <strong>de</strong> TRANSMISSÃO.<<strong>br</strong> />

- Cerca <strong>de</strong> um quilômetro - respon<strong>de</strong>u Bradley quando ele repetiu a pergunta. - O<<strong>br</strong> />

suficientte para nos sentirmos solitários.<<strong>br</strong> />

- E se ele se que<strong>br</strong>asse ?<<strong>br</strong> />

- Não é possivel. Seria capaz <strong>de</strong> suportar o teu peso, mesmo na Terra. E mesmo<<strong>br</strong> />

que se partisse, po<strong>de</strong>ríamos regressar facilmente graças aos meus jatos.<<strong>br</strong> />

- E se eles esgotassem o propulsante?<<strong>br</strong> />

- Que linda idéia! Isso não seria impossível, a menos que houvesse um tremendo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scuido ou surgissem três gran<strong>de</strong>s avarias mecânicas ao mesmo tempo. De<<strong>br</strong> />

qualquer maneira, lem<strong>br</strong>a-te <strong>de</strong> que há um propulsor reserva e também alarmes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ntro do escafandro.<<strong>br</strong> />

Houve um segundo puxão. Tinham chegado ao fim do fio. Bradley amorteceu o<<strong>br</strong> />

ressalto <strong>com</strong> os seus jatos.<<strong>br</strong> />

- Estamos muito longe <strong>de</strong> casa – disse ele.<<strong>br</strong> />

Gibson precisou <strong>de</strong> alguns segundos para localizar a Ares. Estavam do lado da<<strong>br</strong> />

noite, <strong>de</strong> modo que a nave lhes aparecia quase <strong>com</strong>pletamene na som<strong>br</strong>as. Suas<<strong>br</strong> />

esferas eram pequenos e <strong>de</strong>lgados crescentes que po<strong>de</strong>riam ser facilmente<<strong>br</strong> />

confundidos <strong>com</strong> a Terra e a Lua, vistas talvez a uma distância <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quilômetros.<<strong>br</strong> />

O escritor sentia-se satisfeito por Bradley o ter <strong>de</strong>ixado só, no silêncio. Talvez o<<strong>br</strong> />

outro se sentisse também impressionado pela esplêndida solenida<strong>de</strong> do momento. As<<strong>br</strong> />

estrelas eram tão <strong>br</strong>ilhantes e tão numerosas que Gibson, a princípio, não pô<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

distinguir as constelações. Depois viu <strong>Marte</strong>, o mais <strong>br</strong>ilhante astro no céu <strong>de</strong>pois do<<strong>br</strong> />

próprio Sol, e <strong>de</strong>terminou alssim o plano da eclíptilca. Muito <strong>de</strong>vagar, <strong>com</strong> cuidadosos<<strong>br</strong> />

impulsos dos seus jatos, fez rodar o escafandro <strong>de</strong> modo que a sua cabeça ficasse<<strong>br</strong> />

apontada para a Estrela Polar. Era a maneira <strong>de</strong> estar <strong>de</strong> «pé», e assim pô<strong>de</strong> voltar a<<strong>br</strong> />

reconhecer as estrelas.<<strong>br</strong> />

A imensa distância, um retângulo <strong>br</strong>anco apareceu flutuando entre as estrelas.<<strong>br</strong> />

Pelo menos, essa foi a primeira impressão. Só <strong>de</strong>pois <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que o seu senso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> perspectiva falhara, e que na verda<strong>de</strong> ele estava vendo qualquer coisa muito<<strong>br</strong> />

pequena, a poucos metros <strong>de</strong> distância. Mesmo assim, teve gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em<<strong>br</strong> />

reeonhecer o viajante interplanetário - era uma folha <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> escrever, vulgar,<<strong>br</strong> />

que girava so<strong>br</strong>e si própria muito lentamente no espaço. Nada seria mais vulgar – ou<<strong>br</strong> />

mais inesperado.<<strong>br</strong> />

Gibson olhou para a aparição durante algum tempo, antes <strong>de</strong> se certificar <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

não se tratava <strong>de</strong> uma ilusão. Depois ligou o emissor e falou a Bradley.<<strong>br</strong> />

O outro não se mostrou <strong>de</strong> modo algum impressionado<<strong>br</strong> />

- Não há nada <strong>de</strong> notável quanto a isto - respon<strong>de</strong>u ele, um pouco impaciente. -<<strong>br</strong> />

Jogamos lixo fora, todos os dias e, <strong>com</strong>o não temos aceleração alguma, é <strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

esperar que ele continue à nossa volta. Assim que <strong>com</strong>eçarmos a travar, ficaremos<<strong>br</strong> />

para trás e o lixo continuará em frente, até sair do Sistema Solar.<<strong>br</strong> />

Gibson pensou que a expiicação era absolultamente óbvia, mas sentiu-se um


pouco <strong>de</strong>sconcertado por o mistério ter se dissipado tão <strong>de</strong>pressa, Devia tratar-se do<<strong>br</strong> />

rascunho <strong>de</strong> um dos seus artigos. Se estivesse um pouco mais perto tê-lo-ia<<strong>br</strong> />

guardado <strong>com</strong>o recordação, e também para ver os efeitos que a permanência no<<strong>br</strong> />

espaço tivera nela. Infelizmente, estava fora do alcance.<<strong>br</strong> />

Quando ele já estivesse morto há muitos sécutos, aquele pedaço <strong>de</strong> papel<<strong>br</strong> />

ccntinuaria a levar a sua mensagem através das estrelas. Nunca ele saberia on<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n foi ao encontro <strong>de</strong>les quando voltaram à <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar. Parecia muito<<strong>br</strong> />

satisfeito consigo próprio, ainda que Gibson não estivesse em condições <strong>de</strong> notar.<<strong>br</strong> />

Continuava perdido entre as estrelas e seria necessário algum tempo antes que ele<<strong>br</strong> />

voitasse ao estado normal - antes que a sua máquina <strong>de</strong> escrever <strong>com</strong>eçasse a<<strong>br</strong> />

matraquear suavemente.<<strong>br</strong> />

- Conseguiste fazer o trabalho a tempo? - perguntou Bradley, enquanto Gibson não<<strong>br</strong> />

podia ouví-lo.<<strong>br</strong> />

- Sim, <strong>com</strong> quinze minutas <strong>de</strong> so<strong>br</strong>a. Desligamos os ventiladores e encontramos a<<strong>br</strong> />

fuga imediatamente, através do velho processo da vela fumarenta. Um rebite e um<<strong>br</strong> />

pingo <strong>de</strong> tinta <strong>de</strong> secagem rápida fizeram o resto; trataremas do revestimento<<strong>br</strong> />

exterior quando acostarmos, se isso valer a pena. Mac fez um belo trabalho - está<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sperdiçando seus talentos, <strong>com</strong>o navegador.


----------------------------CAPÍTULO VI ----------------------------<<strong>br</strong> />

Para Martin Gibson a viagem estava <strong>de</strong>correndo <strong>de</strong> uma maneira bastante suave e<<strong>br</strong> />

agradável. Escrevera mutas coisas, umas muito boas e outras aceitáveis, Ainda que<<strong>br</strong> />

não pu<strong>de</strong>sse lançar-se a fundo no trabalho antes <strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

A viagem estava agora nas suas semanas finais e havia a inevitável sensação <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fadiga e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinteresse - que <strong>de</strong>via durar até à dhegada à órbita <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Nada<<strong>br</strong> />

aconteceria até então. De momento, tinham-se acabado os motivos <strong>de</strong> entusiasmo.<<strong>br</strong> />

O último instante notável fôra aquele em que tinham <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> ver a Terra. Dia a<<strong>br</strong> />

dia ela aproximara-se das gran<strong>de</strong>s asas flamejantes da coroa solar, <strong>com</strong>o se fosse<<strong>br</strong> />

imolar nela. Por fim tornara-se um pequeno ponto luminoso, somente visível através<<strong>br</strong> />

do telescópio, lutando <strong>br</strong>avamente contra o esplendor que não tardou a so<strong>br</strong>epor-se<<strong>br</strong> />

a ela, quando uma colossal explosão lançou a coroa, subitamente, a meio milhão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quilômetros através do espaço, <strong>com</strong>o uma cortina incan<strong>de</strong>scente. Passar-se-ia uma<<strong>br</strong> />

semana antes que ela reaparecesse, e então o mundo <strong>de</strong> Gibson já teria mudado<<strong>br</strong> />

tanto que ele nunca teria pensado que tal coisa fosse possível em tão pouco tempo.<<strong>br</strong> />

Se alguém tivesse pensado <strong>de</strong> Jimmy Spencer o que ele pensava <strong>de</strong> Gibson, o<<strong>br</strong> />

jovem ter-lhe-ia dado respostas muito diferentes durante as várias fases da viagem.<<strong>br</strong> />

A princípio ele sentia-se muito impressionado perante os seus distintos <strong>com</strong>panheiros<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> viagem. Mas essa situação não duraria muito. Gibson não se mostrara vaidoso e<<strong>br</strong> />

nunca se aproveitava da sua posição privilegiada na Ares. Isso levava Jimmy a<<strong>br</strong> />

aproximar-se mais <strong>de</strong>le que dos oficiais <strong>de</strong> bordo, que, <strong>de</strong> qualquer maneira, eram<<strong>br</strong> />

seus superiores.<<strong>br</strong> />

No entanto Jimmy não fazia i<strong>de</strong>ia do que Gibson pensava quanto a ele. Por vezes<<strong>br</strong> />

tinha a impressão <strong>de</strong>sagradável <strong>de</strong> que o escritor o olhava apenas <strong>com</strong>o uma<<strong>br</strong> />

personagem que talvez tivesse algum valor qualquer dia. Mas <strong>com</strong>o Gibson nunca<<strong>br</strong> />

tentara ouvir Jimmy em pormenor, isso significava que talvez não existissem motivos<<strong>br</strong> />

reais para tais suspeitas.<<strong>br</strong> />

Outra coisa perturbadora quanto a Gibson eram os seus conhecimentos técnicos.<<strong>br</strong> />

Quando Jimmy iniciara as suas «aulas notunas», <strong>com</strong>o todos lhe chamavam, partira<<strong>br</strong> />

do princípio <strong>de</strong> que o escritor pretendia apenas adquirir conhecimentos que lhes<<strong>br</strong> />

pemitissem evitar erros <strong>de</strong>masiados evi<strong>de</strong>ntes no material que enviava para a Terra e<<strong>br</strong> />

não estava muito interessado na astronáutica, em si. No entanto, tornara-se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa bem claro que não era esse o caso. Gibson tinha uma ansieda<strong>de</strong> quase<<strong>br</strong> />

patétlca por dominar as partes mais abstrusas da ciência e exigir provas<<strong>br</strong> />

matemáticas, algumas das quais Jimmy tinha gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em lhe fornecer. Até<<strong>br</strong> />

que uma das lições encalhou num recife <strong>de</strong> equações integrais e diferenciais e não<<strong>br</strong> />

houve nada a fazer senão saltar pela borda afora. Gilbson fechou os olhos <strong>com</strong> um


suspiro e perguntou <strong>com</strong> toda a naturalida<strong>de</strong> ao rapaz:<<strong>br</strong> />

- Você nunca me disse nada a seu respeito, Jimmy. Em que parte da Inglaterra<<strong>br</strong> />

nasceu?<<strong>br</strong> />

- Cam<strong>br</strong>idge.<<strong>br</strong> />

- Uma terra que eu conheci bem.. há vinte anos. Não vive lá agora, certo?<<strong>br</strong> />

- Não. Quando tinha seis anos os meus pais mudaram-se para Leeds.<<strong>br</strong> />

- Porque foi que se interessou pela astronáutica?<<strong>br</strong> />

- É difícil dizer. Interessei-me sempre pela ciência e, <strong>de</strong> resto, a exploração do<<strong>br</strong> />

espaço <strong>de</strong>senvolveu-se à medida que eu fui crescendo, suponho que foi uma coisa<<strong>br</strong> />

natural. Se tivesse nascido cinquenta anos antes teria enveredado pela aeronáutica.<<strong>br</strong> />

- Portanto o seu interesse pela astronáutica é puramente téorico. Não tem nada a<<strong>br</strong> />

ver <strong>com</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la revolucionar o pensamento humano; a conquista <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

novos planetas, etc.?<<strong>br</strong> />

Jimmy sorriu.<<strong>br</strong> />

- Creio que sim. Na verda<strong>de</strong>, também estou interessado por essas i<strong>de</strong>ias, mas o<<strong>br</strong> />

lado técnico é que me fascina. Mesmo que nada houvesse nos planetas, interessarme-ia<<strong>br</strong> />

saber <strong>com</strong>o chegar lá.<<strong>br</strong> />

Gibson riu-se, mas na sua voz havia um ligeiro tom <strong>de</strong> mágoa quando observou:<<strong>br</strong> />

- Estou interessado na ciência apenas <strong>com</strong>o um meio, e não <strong>com</strong>o um fim.<<strong>br</strong> />

Jimmy tinha a certeza <strong>de</strong> que essa não era a verda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Mas <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que era melhor não aprofundar muito a matéria. E <strong>de</strong> qualquer<<strong>br</strong> />

maneira, antes que respon<strong>de</strong>sse, Gibson <strong>com</strong>eçou a fazer-lhe outras perguntas,<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e a sua vida. Uma vez as barreiras que<strong>br</strong>adas, o rapaz falou sem reticências,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o que satsfeito por po<strong>de</strong>r aliviar o seu espírito. Por vezes Gibson fazia novas<<strong>br</strong> />

perguntas para auxiliá-lo, mas elas tornaram-se cada vez mais raras e acabaram por<<strong>br</strong> />

se tornar <strong>de</strong>snecessárias.<<strong>br</strong> />

Até que Jimmy falou <strong>de</strong> sua mãe - sem lhe citar o nome. Da mãe que morrera<<strong>br</strong> />

quanto ele era pouco mais que uma criança <strong>de</strong> peito. Contou <strong>com</strong>o ela se apaixonara<<strong>br</strong> />

por um jovem estudante <strong>de</strong> engenharia que ainda estava no meio do seu curso. fôra<<strong>br</strong> />

um par i<strong>de</strong>al, apesar <strong>de</strong>la ser alguns anos mais velha que o rapaz. E quase tinham<<strong>br</strong> />

chegado ao noivado quando tudo acabou - Jimmy não sabia bem porquê. O jovem<<strong>br</strong> />

estudante adoecera gravemente, ou tivera um colapso nervoso, e nunca mais voltara<<strong>br</strong> />

a Cam<strong>br</strong>idge.<<strong>br</strong> />

- A minha mãe também nunca mais esqueceu do que se passara, - disse Jimmy. -<<strong>br</strong> />

Mas havia outro estudante que gostava muito <strong>de</strong>la. Acabaram se casando. Por vezes<<strong>br</strong> />

sentia pena <strong>de</strong> meu pai, porque ele <strong>de</strong>ve ter sabido tudo, quanto ao primeiro<<strong>br</strong> />

romance. Poucas vezes o vi, porque fiquei entregue à tia Ellen... Mr. Gibson, sente-se<<strong>br</strong> />

bem?<<strong>br</strong> />

Gibson sorriu <strong>com</strong> dificulda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não é nada, Talvez um súbito enjôo. De vez em quando,.. mas passa num<<strong>br</strong> />

momento.<<strong>br</strong> />

Bem <strong>de</strong>sejava que essa fosse a verda<strong>de</strong>. Durante todas aquelas semanas, numa<<strong>br</strong> />

ignorância total, acreditando-se seguro contra todas as ousadias do tempo e da<<strong>br</strong> />

sorte, caminhara ao encontro do <strong>de</strong>stino. E agora chegara o momento do choque.<<strong>br</strong> />

Vinte anos tinham <strong>de</strong>saparecido <strong>com</strong>o um sonho e perante ele estavam mais uma<<strong>br</strong> />

vez, face a face, os fantasmas do passado que esquecera.<<strong>br</strong> />

- Há qualquer coisa que não corre bem quanto ao Martin - disse Bradley, ao<<strong>br</strong> />

mesmo tempo que preenchia o registro das mensagens. - Não po<strong>de</strong> ser qualquer<<strong>br</strong> />

notícia que ele tenha recebido da Terra. Li-as todas. Será que ele sente Sauda<strong>de</strong>s?


- Sei lá. Dentro <strong>de</strong> uma quinzena estaremos em <strong>Marte</strong>. Gostas <strong>de</strong> <strong>br</strong>incar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

psicólogo, não é verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Quem não faz o mesmo ?<<strong>br</strong> />

- Eu não - disse Nor<strong>de</strong>n, num tom potifical. - Não meto o nariz na vida dos outros<<strong>br</strong> />

e...<<strong>br</strong> />

Um olhar <strong>de</strong> Bradley fê-lo calar. Martin Gibson, <strong>de</strong> bloco <strong>de</strong> apontamentos na mão,<<strong>br</strong> />

tão entusiasmado <strong>com</strong>o um jornalista novato, na sua primeira entrevista, entrara<<strong>br</strong> />

apressadamente no gabinete.<<strong>br</strong> />

- Que queres mostrar-me, Owen? - perguntou ele, ansioso.<<strong>br</strong> />

Bradley dirigiu-se ao <strong>com</strong>unicador principal.<<strong>br</strong> />

- Na verda<strong>de</strong>, não tem nada <strong>de</strong> impressionante - disse ele. - Mas entramos noutra<<strong>br</strong> />

fase do vôo e isso é sempre um motivo <strong>de</strong> interesse. Escuta...<<strong>br</strong> />

Pressionou o botão do alto-falante e pouco e pouco moveu o <strong>com</strong>ando do som. A<<strong>br</strong> />

sala foi inundada pelo silvo e pelo estralejar do ruído <strong>de</strong> fundo, semeihante a mil<<strong>br</strong> />

frigi<strong>de</strong>iras prestes a ar<strong>de</strong>rem. Gibson sabia que escutava a voz das estrelas e das<<strong>br</strong> />

nebulosas, radiações que tinham <strong>com</strong>eçado a sua viagem muito antes do<<strong>br</strong> />

aparecimento do homem. Esondidos muito no fundo daquele caos <strong>de</strong>viam existir -<<strong>br</strong> />

tinham <strong>de</strong> existir - os sons <strong>de</strong> civilizações estranhas, falando umas às outras nas<<strong>br</strong> />

confins do espaço.<<strong>br</strong> />

No entanto não fôra por isso que Bradley o chamara.<<strong>br</strong> />

Com muito cuidado, o oficial <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicações fez alguns ajustes <strong>de</strong>licados,<<strong>br</strong> />

franzindo um pouco a testa.<<strong>br</strong> />

- Tinha-o aqui mesmo há um minuto... Oxalá não tenha fugido... Aqui está!<<strong>br</strong> />

A princípio Gibson não notou qualquer alteração na barragem dos sons. Mas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois notou que Bradley estava marcando o tempo, em silêncio, <strong>com</strong> a mão - um<<strong>br</strong> />

pouco apressadamente, à razão <strong>de</strong> dois batimentos por segundo. Com isso para<<strong>br</strong> />

guiá-lo, Gibson <strong>de</strong>tectou por fim o silvo ondulante e infinitamente fraco que a<strong>br</strong>ia<<strong>br</strong> />

caminho através da tempesta<strong>de</strong> cósmica.<<strong>br</strong> />

- Que é isto? - perguntou ele, quase adivinhando a resposta.<<strong>br</strong> />

- O radiofarol <strong>de</strong> Deimos. Há também um em Plhobos, mas não é tão po<strong>de</strong>roso.<<strong>br</strong> />

Vai auxiliar-nos na aproximação <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. E <strong>de</strong>ve dar-lhe um bom motivo para<<strong>br</strong> />

escrever qualquer coisa, isto tem estado muito calmo ultimamente, não é verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

Bradley observava Gibson <strong>com</strong> atenção ao mesmo tempo que falava. O escritor<<strong>br</strong> />

não respon<strong>de</strong>u. Apontou apenas algumas paiavras no bloco, agra<strong>de</strong>ceu<<strong>br</strong> />

distraidamente <strong>com</strong> uma cortesia não habitual e partiu para o seu camarote.<<strong>br</strong> />

- Tens razão - disse Nor<strong>de</strong>n <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le partir. - Aconteceu qualquer coisa a Martin.<<strong>br</strong> />

Será melhor falarmos <strong>com</strong> o médico.<<strong>br</strong> />

- Não creio que valha a pena – respon<strong>de</strong>u Bradley – o que quer que seja, não <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

ser caso para pílula. Será melhor <strong>de</strong>ixarmos que ele trate <strong>de</strong> si próprio.<<strong>br</strong> />

- Tâlvez tenhas razão. Mas que isto não <strong>de</strong>more muito tempo!<<strong>br</strong> />

A verda<strong>de</strong> é que <strong>de</strong>morava havia quase uma semana. O choque inicial <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir que Jimmy Spencer era o filho <strong>de</strong> Kathleen Morgan já quase se dissipara,<<strong>br</strong> />

mas os efeitos secundários <strong>com</strong>eçavam a surgir. Entre eles havia uma sensação <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ressentimento por uma coisa daquelas ter <strong>de</strong> lhe acontecer. Era uma violação<<strong>br</strong> />

ultrajante das leis das probabilida<strong>de</strong>s – uma coisa que nunca po<strong>de</strong>ria ter acontecido<<strong>br</strong> />

nas suas novelas. Mas a vida pouco se importava <strong>com</strong> a arte e não havia nada a<<strong>br</strong> />

fazer quanto a isso.<<strong>br</strong> />

Essa disposição petulante e infantil também estava passando. E sendo substituída<<strong>br</strong> />

por uma profunda sensação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto. Todas as emoções que ele pensara<<strong>br</strong> />

estarem enterradas em segurança <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> fe<strong>br</strong>il voltavam


pouco a pouco à superfície. Na Terra teria escapado a elas confundindo-se mais uma<<strong>br</strong> />

vez <strong>com</strong> a multildão, mas ali não tinha lugar algum para on<strong>de</strong> fugir.<<strong>br</strong> />

Era inútil fingir que nada acontecera - dizer a si próprio: «Bem sabia que Kathleen<<strong>br</strong> />

e Gerard tinham um filho: que diferença faz isso agora?» A diferença era muito<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>. Quando via Jimmy, via o passado e - o que era bem pior - pensava em <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

o futuro po<strong>de</strong>ria ter sido. Sabia que só havia uma maneira <strong>de</strong> enfrentar a situaçâo e<<strong>br</strong> />

que a oportunida<strong>de</strong> não tardaria.<<strong>br</strong> />

Jimmy vinha do «hemisfério sul» quando, ao passar pela galeria <strong>de</strong> observação,<<strong>br</strong> />

viu Gibson junto <strong>de</strong> uma das janelas fitando o espaço. Por um momento, pensou que<<strong>br</strong> />

o escritor não o vira, mas Gibson voltou-se e disse-lhe:<<strong>br</strong> />

- Olá, Jimmy. Tens um momento livre?<<strong>br</strong> />

Jimnny tinha muito o que fazer. Mas tinha <strong>com</strong>preendido que havia qualquer coisa<<strong>br</strong> />

que não estava muito certa, em relação a Gibson, e apercebeu-se <strong>de</strong> que o homem<<strong>br</strong> />

precisava da presença <strong>de</strong>le. Portanto aproximou-se e sentou-se na concavida<strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

servia <strong>de</strong> banco junto da janela.<<strong>br</strong> />

- Tenho uma coisa para te dizer, Jimmy - <strong>com</strong>eçou Gibson. - Só meia dúzia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pessoas sabem <strong>de</strong>la. Não me interrompas e não faças perguntas - senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

eu ter acabado, suceda o que suce<strong>de</strong>r.<<strong>br</strong> />

«Quando eu era ainda mais novo do que tu, queria ser engenheiro. Era um rapaz<<strong>br</strong> />

muito inteligente e não tive dificulda<strong>de</strong> em ser admitido na Universida<strong>de</strong>. Como não<<strong>br</strong> />

sabia muito bem qual o caminho a tomar, matriculei-me no curso geral <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Engenharia. O primeiro ano correu muito bem e isso animou-me a trabalhar ainda<<strong>br</strong> />

mais. O segundo, todavia, não foi tão bom - ainda que eu fosse melhor que a média.<<strong>br</strong> />

No terceiro apaixonei-me. Não era exatamente a primeira vez, mas soube que<<strong>br</strong> />

finalmente era a sério.<<strong>br</strong> />

«Uma paixão quando se está na universida<strong>de</strong> não é uma boa coisa, quando a<<strong>br</strong> />

tomamos a sério. Porque, nesse caso, ou ela atua <strong>com</strong>o um estímulo - e leva-nos a<<strong>br</strong> />

trabalhar mais do que quaisquer outros - ou nos faz esquecer tudo o mais e os<<strong>br</strong> />

estudos vão pela pia abaixo. Foi o que aconteceu no meu caso.»<<strong>br</strong> />

Gibson recolheu-se num silêncio pensativo. estavam do lado da noite e as estrelas<<strong>br</strong> />

viam-se em toda a sua glória. A constelação <strong>de</strong> Leão estava mesmo na frente <strong>de</strong>les e<<strong>br</strong> />

no seu coração via-se o <strong>br</strong>ilhante rubi que era o objectivo <strong>de</strong>les. <strong>Marte</strong> era, após o<<strong>br</strong> />

Sol, o mais <strong>br</strong>ilhante dos corpos celestes, e o seu disco quase se tornara visível a<<strong>br</strong> />

olho nu.<<strong>br</strong> />

Seria verda<strong>de</strong> que nada podia ser inteiramente esquecido? Gibson via ainda, tal<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o vira vinte anos antes, a mensagem no quadro <strong>de</strong> avisos da faculda<strong>de</strong>: «O<<strong>br</strong> />

Reitor quer falar <strong>com</strong> Mr. Gibson no seu gabinete às 15 horas.» Tivera <strong>de</strong> esperar até<<strong>br</strong> />

às 15:15 e isso não o ajudara. Nem teria sido tão mau se o Reitor houvesse sido<<strong>br</strong> />

formal ou muito frio, ou mesmo se ele se tivesse mostrado furioso. Mas o Reitor<<strong>br</strong> />

usara a técnica dia lamentação. Mostrara-se «mais pesaroso que furioso». Dera a<<strong>br</strong> />

Gibson outra oportunida<strong>de</strong>, mas ele não chegara a aproveitá-la.<<strong>br</strong> />

Envergonhava-se <strong>de</strong> confessá-lo a si próprio, mas o que tornara tudo pior fôra a<<strong>br</strong> />

consciênoia <strong>de</strong> que Kathleen fizera uns exames muito bons. Quando os resultados<<strong>br</strong> />

haviam sido publicados, Gibson evitara-a durante alguns dias. E quando tinham<<strong>br</strong> />

voltado a encontrar-se, ele já lhe atribuiria as culpas do seu malogro.<<strong>br</strong> />

O resto fôra inevitável. A discussão durante o último passeio <strong>de</strong> bicicleta ao campo<<strong>br</strong> />

e o regresso <strong>de</strong>les por caminhos diferentes. As cartas que não tinham sido abertas -<<strong>br</strong> />

e, pior que isso, as que não tinham sido escritas.<<strong>br</strong> />

A tentativa - que não <strong>de</strong>ra resultado - <strong>de</strong> se encontrarem, mesmo que fosse


somente para se <strong>de</strong>spedirem, no último dia em Cam<strong>br</strong>idge. A mensagem não chegou<<strong>br</strong> />

a tempo às mãos <strong>de</strong> Kathleen e, ainda que ele tivesse aguardado até ao último<<strong>br</strong> />

momento, não a conseguira ver. O <strong>com</strong>boio apinhado <strong>de</strong> estudantes eufóricos tinhase<<strong>br</strong> />

afastado barulhentamente da estação, <strong>de</strong>ixando para trás Cam<strong>br</strong>idge e Kathleen.<<strong>br</strong> />

Nunca mais a vira.<<strong>br</strong> />

Não valia a pena falar a Jimmy dos meses negros que se tinham seguido. Ele<<strong>br</strong> />

nunca conseguiria <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o significado daquelas simples palavras: «Tive um<<strong>br</strong> />

colapso e fui aconselhado a não voltar à Universida<strong>de</strong>» O Dr. Evans fizera um bom<<strong>br</strong> />

trabalho e ele ficar-lhe-ia eternamente grato por isso. Fôra Evans que o convencera a<<strong>br</strong> />

escrever durante a sua convalescença e os resultados tinham surpreendido ambos<<strong>br</strong> />

(Quantas pessoas sabiam que a sua primeira novela fôra <strong>de</strong>dicada ao seu<<strong>br</strong> />

psicanalista?).<<strong>br</strong> />

Evans <strong>de</strong>ra-lhe uma nova personalida<strong>de</strong> e uma vocação através da qual ele pu<strong>de</strong>ra<<strong>br</strong> />

recuperar a sua confiança em si próprio. Mas não podia reviver o futuro perdido.<<strong>br</strong> />

Durante toda a sua vida, Gilbson viria a odiar os homens que tinham acabado aquilo<<strong>br</strong> />

que ele apenas principiara – os homens que podiam usar, <strong>com</strong> os seus nomes, os<<strong>br</strong> />

graus acadêmicos e qualificações que ele jamais possuiria, e que trabalhariam toda a<<strong>br</strong> />

sua vida em campos nos quais ele não po<strong>de</strong>ria ser mais que um espectador.<<strong>br</strong> />

Quando acabou <strong>de</strong> falar, ficou surpreendido ao dar conta do nervosismo <strong>com</strong> que<<strong>br</strong> />

aguardava as reações <strong>de</strong> Jimmy. Perguntava a si próprio se o rapaz soubera ler nas<<strong>br</strong> />

entrelinhas e se dividira as culpas <strong>com</strong> justiça - se ele mostraria simpatia, cólera, ou<<strong>br</strong> />

simples embaraço. Subitamente <strong>de</strong>ra conta da tremenda importâmcia que teria a<<strong>br</strong> />

conquista do respeito e da amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jimmy – uma importância muito maior que a<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> qualquer coisa que lhe acontecera, havia muito tempo. Só assim po<strong>de</strong>ria<<strong>br</strong> />

satisfazer a sua consciência e acalmar aquelas vozes acusadoras que vinham do<<strong>br</strong> />

passado.<<strong>br</strong> />

Não via o rosto <strong>de</strong> Jimmy, porque o rapaz estava na som<strong>br</strong>a, e pareceu-lhe que<<strong>br</strong> />

passara um século antes <strong>de</strong> ele que<strong>br</strong>ar o silêncio.<<strong>br</strong> />

- Porque foi que me contou isso? - perguntou o rapaz, numa voz calma,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente neutra – tão livre <strong>de</strong> simpatia <strong>com</strong>o <strong>de</strong> reprovação.<<strong>br</strong> />

Gibson hesitou antes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. A pausa foi natural porque mesmo ele tinha<<strong>br</strong> />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar a si mesmo todas as suas razões.<<strong>br</strong> />

- Tinha que lhe contar isto – disse ele <strong>com</strong> ardor – Não podia voltar a ser feliz<<strong>br</strong> />

enquanto não o tivesse feito. Além disso... senti que procedia bem, ao fazê-lo.<<strong>br</strong> />

De novo o silêncio que arrasava os nervos, Por fim Jimmy levantou-se muito<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vagar.<<strong>br</strong> />

- Terei que pensar no que me disse - respon<strong>de</strong>u o rapaz na mesma voz <strong>de</strong>sprovida<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> emoção. - Neste momento não sei o que dizer.<<strong>br</strong> />

Afastou-se e <strong>de</strong>ixou Gibson num estado <strong>de</strong> extrema incerteza e confusão,<<strong>br</strong> />

perguntando a si próprio se proce<strong>de</strong>ra mal ou bem. Só uma coisa era certa: ao falar<<strong>br</strong> />

dos fatos ele aliviara muito o seu espírito.<<strong>br</strong> />

Mas havia ainda muita coisa que ele não dissera a Jimmy - e muitas coisas mais<<strong>br</strong> />

que ele próprio não sabia.


---------------------------CAPiTULO VII--------------------------<<strong>br</strong> />

Que coisa mais louca! - berrou Nor<strong>de</strong>n, <strong>com</strong>o se fosse um chefe viking pronto a<<strong>br</strong> />

matar todo mundo. - Deve haver qualquer explicação! Se eles não têm instalações<<strong>br</strong> />

para atracação em Deimos, <strong>com</strong>o é que querem que precedamos à <strong>de</strong>scarga? vou<<strong>br</strong> />

chamar o Diretor-Geral e fazer um barulho dos diabos!<<strong>br</strong> />

- Se estivesse no teu lugar não faria - disse Bradley. - Reparaste na assinatura?<<strong>br</strong> />

Não são or<strong>de</strong>ns da Terra, transmttidas via <strong>Marte</strong>. Isto veio do próprio gabinete do<<strong>br</strong> />

Diretor Geral.. Ta1vez o velho seja um tártaro, mas ele não faz nada sem ter boas<<strong>br</strong> />

razões para isso.<<strong>br</strong> />

- Indica-me uma:<<strong>br</strong> />

Bradley encolheu os om<strong>br</strong>os.<<strong>br</strong> />

- Não tenho <strong>de</strong> governar <strong>Marte</strong>, portanto o que posso eu saber? Não tardaremos a<<strong>br</strong> />

ter uma resposta, - riu-se por entre os <strong>de</strong>ntes. - Pergunto a mim próprio <strong>com</strong>o é que<<strong>br</strong> />

Mac vai aguentar isso! Terá <strong>de</strong> <strong>com</strong>putar <strong>de</strong> novo a trajetória <strong>de</strong> aproximação.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n Inclinou-se so<strong>br</strong>e o painel <strong>de</strong> <strong>com</strong>ando e moveu uma alavanca.<<strong>br</strong> />

- Olá, Mac. Estás ouvlndo ?<<strong>br</strong> />

Houve uma pausa e <strong>de</strong>pois ouviu-se a voz <strong>de</strong> Hilton: - Mac não está aqui.<<strong>br</strong> />

- Transmite-lhe o seguinte: Temos or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> para alterar a rota da nave.<<strong>br</strong> />

Querem que nos afastemos <strong>de</strong> Phobos, não sabemos porquê. Diz a Mac para calcular<<strong>br</strong> />

a trajetória para Deimos e para ma <strong>com</strong>unicar tão <strong>de</strong>pressa quanto possivel.<<strong>br</strong> />

- Mas... Deimos é apenas uma porção <strong>de</strong> montanhas sem...<<strong>br</strong> />

- Sabemos disso! Talvez saibamos também a razão <strong>de</strong> tudo quando chegarmos lá.<<strong>br</strong> />

Foi o Dr. Scott quem <strong>de</strong>u a notícia a Gibson enquanto o autor dava os últimos<<strong>br</strong> />

retoques a um dos seus artigos.<<strong>br</strong> />

- Alguém sabe a razão <strong>de</strong> tal coisa ? - perguntou ele,<<strong>br</strong> />

- Não; é um mistério <strong>com</strong>pleto. Perguntamos, mas <strong>Marte</strong> não diz nada.<<strong>br</strong> />

Gibson coçou a cabeça, ao mesmo tempo que examinava e rejeitava meia dúzia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

i<strong>de</strong>ias. Sabia que Phobos, a lua interior, fôra usada <strong>com</strong>o base <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a primeira<<strong>br</strong> />

expedição alcançara <strong>Marte</strong>. Apenas a 6.000 quilómetros acima da superficie do<<strong>br</strong> />

planeta e <strong>com</strong> uma gravida<strong>de</strong> inferior a um milésimo da terrestre, era i<strong>de</strong>al para esse<<strong>br</strong> />

fim.<<strong>br</strong> />

A órbita da Ares estava agora a cortar a do planeta e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos dias os<<strong>br</strong> />

motores funcionariam <strong>de</strong> novo para iniciar a travagem. A alteração <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

neeessária para <strong>de</strong>sviar o rumo <strong>de</strong> Phobos para Deimos era <strong>de</strong>sprezível, embora<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igasse Mackay a um trabalho árduo.<<strong>br</strong> />

A excitação do fim da viagem tinha, <strong>de</strong> certo modo, afastado o espírito <strong>de</strong> Gibson<<strong>br</strong> />

dos seus problemas pessoais. Encontrara Jimmy talvez meia dúzia <strong>de</strong> vezes por dia,<<strong>br</strong> />

mas não tinham voltado a falar do assunto. No entanto, e apesar do aumento do


trabalho, <strong>de</strong>terminado pela aproximação do ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino da nave, Jimmy<<strong>br</strong> />

pensara muito naquilo que Gibson lhe dissera. A princípio sentira amargura e cólera<<strong>br</strong> />

contra o homem que fôra responsável, ainda que sem qualquer intenção, pela<<strong>br</strong> />

infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua mãe. Mas ao fim <strong>de</strong> algum tempo <strong>com</strong>eçara a <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o<<strong>br</strong> />

ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Gibson e os sentimentos <strong>de</strong>le. Era suficientemente arguto para<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que Gibson não lhe dtissera muitas coisas, mas era evi<strong>de</strong>nte que o<<strong>br</strong> />

escritor lamentava o passado e estava ansioso por anular todos os males que<<strong>br</strong> />

causara, ainda que estivesse atrasado uma geração.<<strong>br</strong> />

Era estranho ter <strong>de</strong> volta a sensação do peso e ouvir <strong>de</strong> novo o rugido distante dos<<strong>br</strong> />

motores quando a Ares reduziu a sua velocida<strong>de</strong> para igualar à velocida<strong>de</strong> muito<<strong>br</strong> />

menor <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. A mano<strong>br</strong>a e as <strong>de</strong>licadas correcções finais <strong>de</strong>moraram mais <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vinte e quatro horas, Quando tudo terminou, <strong>Marte</strong> era doze vezes maior que a Lua<<strong>br</strong> />

cheia, vista da Terra, e Phobos e Deimos pareciam pequenas estrelas, movendo-se<<strong>br</strong> />

rápidamente à sua volta.<<strong>br</strong> />

Gibson surpreen<strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> quanto eram vermelhos os gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sertos marcianos.<<strong>br</strong> />

Mas a palavra «vermelho» não dava qualquer i<strong>de</strong>ia da varieda<strong>de</strong> das cores naquele<<strong>br</strong> />

disco que aumentava lentamente <strong>de</strong> diâmetro. Certas regiões eram escarlates, outras<<strong>br</strong> />

amarelo-acastanhadas; mas a cor mais vulgar talvez pu<strong>de</strong>sse ser <strong>com</strong>parada ao<<strong>br</strong> />

vermelho-tijolo.<<strong>br</strong> />

No hemisfério sul estava-se no fim da primavera e a calota polar ficava reduzida a<<strong>br</strong> />

alguns pontos <strong>br</strong>ancos. A larga cintura <strong>de</strong> vegetação entre o pólo e o <strong>de</strong>serto era<<strong>br</strong> />

dominada em gran<strong>de</strong> parte por um ver<strong>de</strong>-azulado algo claro, mas no disco<<strong>br</strong> />

sarapintado podiam ser encontradas todas as cores.<<strong>br</strong> />

A Ares estava entrando na órbita <strong>de</strong> Deimos a uma velocida<strong>de</strong> relativa <strong>de</strong> menos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mil quilômetros por hora. À frente da nave a pequena lua <strong>com</strong>eçava a tomar<<strong>br</strong> />

forma, e enquanto as horas se passavam ela foi crescendo até parecer tão gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o <strong>Marte</strong>. No entanto, que contraste ela apresentava! Não havia ali cores ricas,<<strong>br</strong> />

mas sim um caos escuro <strong>de</strong> rochas tombadas, <strong>de</strong> montanhas que se erguiam para as<<strong>br</strong> />

estrelas em todos os ângulos naquele mundo on<strong>de</strong> praticamente o peso não existia.<<strong>br</strong> />

Pouco e pouco as rochas cruéis aproximaram-se e passaram por baixo <strong>de</strong>ies,<<strong>br</strong> />

enquanto a Ares dirigia-se para o radiofarol que Gibson ouvira dias antes. Por fim ele<<strong>br</strong> />

viu, numa área quase plana, a poucos quiômetros abaixo, os primeiros sinais <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

os homens tinham visitado aquele mundo estéril. Duas filas <strong>de</strong> pilares verticais<<strong>br</strong> />

saltavam da terra e entre eles estava uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cabos. Quase imperceptivelmente<<strong>br</strong> />

a Ares <strong>de</strong>sceu para Deimos. Os motores auxiliares não tinham qualquer dificulda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

em mano<strong>br</strong>ar a nave, cujo peso efetivo era apenas <strong>de</strong> algumas centenas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quilogramas.<<strong>br</strong> />

Foi impossível assinalar o momento do contraste. Só o súbito siiêncio, quando os<<strong>br</strong> />

motores se calaram, disse a Gibson que a viagem terminara. Era certo que ele ainda<<strong>br</strong> />

encontrava-se a cerca <strong>de</strong> trinta mil quilômetros <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> e <strong>de</strong>moraria pelo menos um<<strong>br</strong> />

dia a atingir a superfície do planeta, num dos pequenos foguetes que já estavam<<strong>br</strong> />

vindo ao encontro <strong>de</strong>les. Mas, pelo que dizia respeito à Ares, a viagem terminara.<<strong>br</strong> />

O pequeno camarote que fôra o seu lar durante tantas semanas nunca mais o<<strong>br</strong> />

veria.<<strong>br</strong> />

Deixou a galeria <strong>de</strong> observação e correu para a sala <strong>de</strong> <strong>com</strong>ando. Os movimentos<<strong>br</strong> />

a bordo da Ares já não eram tão fáceis, porque o débil campo gravitacaonai <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deimos mostrava-se suficiente para perturbar os seus movtmentos instintivos. A<<strong>br</strong> />

tripulação estava reunida em uma da mesa das cartas e parecia muito satisfeita.<<strong>br</strong> />

Chegaste mesmo a tempo – disse Nor<strong>de</strong>m num tom alegre. - Vamos fazer uma


pequena festa. Vai buscar a tua máquina fotográfica e tira as fotografias que<<strong>br</strong> />

quiseres enquanto bebemos à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste caixote!<<strong>br</strong> />

- Não bebam tudo antes <strong>de</strong> eu voltar! - gritou Gibson. Quando voltou pronto a<<strong>br</strong> />

fotografá-los o Dr. Scott estava fazendo uma experiência muito curiosa.<<strong>br</strong> />

- Estou farto <strong>de</strong> esguichar a cerveja <strong>de</strong> uma borracha – disse ele. - Agora que<<strong>br</strong> />

temos <strong>de</strong> novo essa possibilida<strong>de</strong>, vou <strong>de</strong>spejá-la num copo. Vejamos quanto tempo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>mora.<<strong>br</strong> />

- Ficará sem espuma antes <strong>de</strong> chegar lá – avisou Mackay. - Vejamos... o valor <strong>de</strong> g<<strong>br</strong> />

é <strong>de</strong> meio centímetro por segundo... ao quadrado... <strong>de</strong>itando-se <strong>de</strong> uma altura...<<strong>br</strong> />

Mas a experiência já estava em curso. Scott tinha nas mãos uma lata perfurada e<<strong>br</strong> />

mantinha-a a cerca <strong>de</strong> trinta centímetros <strong>de</strong> altura, so<strong>br</strong>e o seu copo. Com<<strong>br</strong> />

inacreditável lentidão, o líquido cor <strong>de</strong> âmbar saía da lata. Dir-se-ia um xarope<<strong>br</strong> />

espesso. Passou-se um século antes que o líquido caisse no copo. Quando isso<<strong>br</strong> />

aconteceu ouviram-se palmas.<<strong>br</strong> />

- Deve <strong>de</strong>morar cerca <strong>de</strong> cento e vinte segundos a chegar lá - disse Mackay, por<<strong>br</strong> />

cima <strong>de</strong> todo o clamor.<<strong>br</strong> />

- Então é melhor que calcules <strong>de</strong> novo - retorquiu Scott. - Isso é o mesmo que dois<<strong>br</strong> />

minutos e ela já está no copo!<<strong>br</strong> />

- O quê? - exclamou Maclcay, <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ndo pela primeira vez que a experiência<<strong>br</strong> />

já terminara. Reviu rapidamente os seus cálculos e oompreen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> repente que se<<strong>br</strong> />

enganara numa virgula.<<strong>br</strong> />

- Disparate! Eram doze segundos, evi<strong>de</strong>ntemente.<<strong>br</strong> />

- E isto é o homem que nos trouxe a <strong>Marte</strong>! - disse alguém, num tom <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

estupefação. - Quando voltarmos para casa irei a pé!<<strong>br</strong> />

No entanto ninguém pareceu interessado em repetir a experiência <strong>de</strong> Scott. O<<strong>br</strong> />

líquido continuou a correr, mas <strong>de</strong> borrachas, à maneira «normal», e o grupo tornouse<<strong>br</strong> />

cada vez mais alegre. Gibson seguiu a boa disposição <strong>de</strong>les até que a atmosfera<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou a tornar-se muito pesada para o seu gosto e teve <strong>de</strong> sair dali para clarear<<strong>br</strong> />

os seus pensamentos. Quase automaticamente, voltou para o seu lugar favorito, na<<strong>br</strong> />

galeria <strong>de</strong> observação.<<strong>br</strong> />

Teve <strong>de</strong> agarrar-se, porque a pequena mas insistente atração <strong>de</strong> Deimos o<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igava a <strong>de</strong>slocar-se. <strong>Marte</strong>, mais que meio «cheio» e iluminando-se lentamente,<<strong>br</strong> />

estava exatamente por baixo <strong>de</strong>le.<<strong>br</strong> />

- Mr. Gibson!<<strong>br</strong> />

Olhou ao redor, surpreendido.<<strong>br</strong> />

- Então Jimmy... também já estavas farto?<<strong>br</strong> />

Jmnmy parecia cheio <strong>de</strong> calor – muito corado – e era evi<strong>de</strong>nte que procurava um<<strong>br</strong> />

pouco <strong>de</strong> ar fresco. Cambaleou um pouco e durante um momento fitou <strong>Marte</strong> <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se nunca o houvesse visto. Por fim abanou a cabeça, num gesto <strong>de</strong> reprovação.<<strong>br</strong> />

- Que gran<strong>de</strong> que ele é! - disse ele, a ninguém em particular.<<strong>br</strong> />

- Não tão gran<strong>de</strong> <strong>com</strong>o a Terra - protestou Gibson. - De que tamanho queria que<<strong>br</strong> />

ele fosse?<<strong>br</strong> />

Era evi<strong>de</strong>nte que isso nem sequer ocorrera a Jimmy e o rapaz manteve-se a<<strong>br</strong> />

meditar no fato durante algum tempo. - Não sei - disse ele por fim, <strong>com</strong> tristeza, -<<strong>br</strong> />

Mas mesmo assim é <strong>de</strong>masiado gran<strong>de</strong>, É tudo <strong>de</strong>masiado gran<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Assim nunca chegariam a parte alguma. Gibson resolveu mudar <strong>de</strong> assunto.<<strong>br</strong> />

- Que vai fazer quando <strong>de</strong>scermos em <strong>Marte</strong>? Terá um par <strong>de</strong> meses para se<<strong>br</strong> />

divertir, antes da Ares voltar para casa.<<strong>br</strong> />

- Bem, suponho que passearei em volta <strong>de</strong> Port Lowell e darei uma olha<strong>de</strong>la nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sertos. Gostaria <strong>de</strong> os explorar um bocado, se pu<strong>de</strong>sse.


Gibson pensou que a i<strong>de</strong>ia era interessante, mas que para se explorar <strong>Marte</strong> em<<strong>br</strong> />

qualquer escala útil era necessário muito equipamento e bons guias. Era muito<<strong>br</strong> />

improvável que Jimmy pu<strong>de</strong>sse ligar-se a qualquer das expedições científicas que<<strong>br</strong> />

saíam dos a<strong>br</strong>igos <strong>de</strong> tempos em tempos.<<strong>br</strong> />

- Tive uma i<strong>de</strong>ia - disse ele. - Eles <strong>de</strong>vem mostrar-me tudo quanto eu quiser.<<strong>br</strong> />

Talvez eu consiga organizar algum passeio até Hellas ou Hesperia, on<strong>de</strong> ninguém<<strong>br</strong> />

ainda esteve. Quer vir <strong>com</strong>igo? Talvez encontremos alguns marcianos...<<strong>br</strong> />

Era a gracinha que se tornara habitual <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as primeiras naves tinham<<strong>br</strong> />

regressado <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> - sem marcianos. Muitas pessoas continuavam aguardadando,<<strong>br</strong> />

contra toda as expectativas, que houvesse vida inteligente em qualquer parte<<strong>br</strong> />

inexplorada do planeta.<<strong>br</strong> />

- Sim, seria uma gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia disse Jimmy. Ninguém po<strong>de</strong>rá me impedir. Ficarei<<strong>br</strong> />

livre logo que chegue a <strong>Marte</strong>. É o que diz o meu contrato.<<strong>br</strong> />

Gibon acordou no dia seguinte <strong>com</strong> um ruido infernal nos ouvidos, Parecia que a<<strong>br</strong> />

Ares ia se partir em pedaços e ele vestiu-se apressadameerte e dirigiu-se para o<<strong>br</strong> />

corredor. A, primeira pessoa que encontrou foi Mackay, que não se <strong>de</strong>teve para lhe<<strong>br</strong> />

explicar o que acontecera, mas gritou:<<strong>br</strong> />

- Os foguetes já estão chegando! O primeiro <strong>de</strong>sce <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> duas horas. Corre<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>ves ir nele!<<strong>br</strong> />

Gibson coçou a cabeça, um pouco alheio a tudo.<<strong>br</strong> />

- Deviam ter-me avisado - resmungou ele. Mas <strong>de</strong>pois lem<strong>br</strong>ou-se <strong>de</strong> que lho<<strong>br</strong> />

haviam dito. O único culpado era ele. Voltou a correr para o camarote e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

meter as suas coisas nas malas. De tempos a tempos sentia-se um estremecimento<<strong>br</strong> />

na Ares e ele se perguntava o que estava a acontecendo.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n, <strong>com</strong> a aparência <strong>de</strong> quem estava muito atarefado encontrou-se <strong>com</strong> ele<<strong>br</strong> />

na <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar. O Dr. Soott, também pronto para a partida, a<strong>com</strong>panhava-o.<<strong>br</strong> />

Levava consigo, <strong>com</strong> extremo cuidado, um volumoso recipiente metálico.<<strong>br</strong> />

Espero que os dois possam fazer uma bela viagem - disse Nor<strong>de</strong>n. - Voltaremos a<<strong>br</strong> />

ver-nos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> dois dias, quando eu tiver <strong>de</strong>sembarcado toda essa carga.<<strong>br</strong> />

Portanto até então... oh, quase me esquecia! Preciso que assines isto!<<strong>br</strong> />

- O quê? - perguntou Gibson suspeitoso. - Nunca assino nada que os meus<<strong>br</strong> />

agentes não tenham inspecionado.<<strong>br</strong> />

- Lê e vê – disse Nor<strong>de</strong>n <strong>com</strong> um sorriso. - É um documento que se po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

classificar <strong>com</strong>o histórico.<<strong>br</strong> />

No pergaminho que Nor<strong>de</strong>n lhe esten<strong>de</strong>ra estavam escritas as seguintes palavras:<<strong>br</strong> />

CERTIFICAMOS QUE MARTIN M. GIBSON, ESCRITOR, FOI O PRIMEIRO<<strong>br</strong> />

PASSAGEIRO QUE VIAJOU NA NAVE DE CARREIRA ARES, DA TERRA, NA<<strong>br</strong> />

SUA PRIMEIRA VIAGEM DA TERRA PARA MARTE.<<strong>br</strong> />

Seguiam-se a data e o espaço para as assinaturas <strong>de</strong> Gibson e do resto da<<strong>br</strong> />

tripulação. Gibson assinou o documento <strong>com</strong> um gesto florado.<<strong>br</strong> />

- Suponho que isto acabará no museu da Astronáutica, quando eles se <strong>de</strong>cidirem a<<strong>br</strong> />

construí-lo - disse o escritor.<<strong>br</strong> />

- A Ares também, pelo que espero – disse Scott.<<strong>br</strong> />

- Que linda cossa para dizer ao fim da sua primeira viagem – Protestou Nor<strong>de</strong>n -<<strong>br</strong> />

Mas creio que tens razão. Bem, assim <strong>de</strong>ve ser. Os outros já estão lá fora <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

seus escafandros. Até à vista... em <strong>Marte</strong>!<<strong>br</strong> />

Pela segunda vez, Gibson entrou num escafandro. Já se sentia um veterano


naquelas coisas.<<strong>br</strong> />

- Como <strong>de</strong>ves saber, quando o serviço estiver <strong>de</strong>vidamente organizado, os<<strong>br</strong> />

passageiros dirigir-se-ão para o transbordador através <strong>de</strong> um tubo <strong>de</strong> ligação. Isso<<strong>br</strong> />

evitará toda esta trapalhada..<<strong>br</strong> />

- Per<strong>de</strong>rão uma boa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se divertirem - respon<strong>de</strong>u Gibson.<<strong>br</strong> />

A porta exterior a<strong>br</strong>iu-se e eles lançaram-se através da superficie <strong>de</strong> Deimos,<<strong>br</strong> />

impelidos pelos jatos. A Ares, apoiada num berço feito <strong>de</strong> cabos – por certo<<strong>br</strong> />

improvisado na última semana -, tinha a aparência <strong>de</strong> encontrar-se num sucateiro.<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u a origem das pancadas que o tinham <strong>de</strong>spertado. A maior<<strong>br</strong> />

parte das placas do hemisfério sul tinham sido <strong>de</strong>smontadas para alcançar o porão e<<strong>br</strong> />

os mem<strong>br</strong>os da tripulação, vestidos <strong>com</strong> seus escafandros, estavam retirando a carga<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>pois empilhavam so<strong>br</strong>e as rochas em volta da nave. Parecia uma operação<<strong>br</strong> />

muito mal organizada. Fez votos para que a sua bagagem não recebesse<<strong>br</strong> />

aci<strong>de</strong>ntalmente um empurrão que a lançasse pelo espaço afora, transformada num<<strong>br</strong> />

terceiro e ainda menor satélite <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

A cinquenta metros da Ares, e tornados em verda<strong>de</strong>iros anões pelo tamanho da<<strong>br</strong> />

nave, estavamos dois foguetes transbordadores que tinham vindo <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> durante<<strong>br</strong> />

a noite. Um já estava carregando mercadorias. O outro, muito menor, era sem dúvida<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>stinado a transportar, unicamente, passageiros.<<strong>br</strong> />

Scott ligou o emissor do seu escafandro e <strong>de</strong>spediu-se dos seus camaradas.<<strong>br</strong> />

- Que <strong>de</strong>scaramento! - respon<strong>de</strong>u a voz <strong>de</strong> Bradley. - Ir-se embora e <strong>de</strong>ixar-nos<<strong>br</strong> />

todo o trabalho!<<strong>br</strong> />

- Têm uma <strong>com</strong>pensação - observou Gibson, <strong>com</strong> uma gargalhada. - Vocês <strong>de</strong>vem<<strong>br</strong> />

ser os estivadores mais bem pagos do Sistema Solar! - Bradley tinha razão; não era<<strong>br</strong> />

para fazer aquele gênero <strong>de</strong> trabalho que os técnicos da Ares, altamente<<strong>br</strong> />

especializados <strong>com</strong>o eram, tinham sido contratados.<<strong>br</strong> />

Foi uma tremenda sensação, para os dois homens, verem o rosto <strong>de</strong> outra pessoa,<<strong>br</strong> />

ao chegarem ao transbordador. O piloto veio ao encontro <strong>de</strong>les, na <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar,<<strong>br</strong> />

para ajudá-los a se libertarem dos escafandros, que <strong>de</strong>pois abandonaram em<<strong>br</strong> />

Deimos, a<strong>br</strong>indo simplesmente a porta exterior e <strong>de</strong>ixando o ar impelí-los para o<<strong>br</strong> />

exterior. Depois o piloto levou-os para a pequena cabine e <strong>de</strong>ixou-os repousar nos<<strong>br</strong> />

assentos acolchoados<<strong>br</strong> />

- Como não souberam o que fosse peso durante um par <strong>de</strong> meses, vou levá-los<<strong>br</strong> />

para baixo tão suavemente quanto possa - disse ele. - Não usarei mais que a<<strong>br</strong> />

gravida<strong>de</strong> normal da Terra... mas mesmo isso parecer-lhes-á uma tonelada. Estão<<strong>br</strong> />

prontos ?<<strong>br</strong> />

- SIm – disse Gibson tentando esquecer a sua última experiência <strong>de</strong> tal natureza.<<strong>br</strong> />

Só um segundo i!mpulso os libertou da pequena lua e os colocou numa órbita livre<<strong>br</strong> />

em torno <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, Durante alguns minutos o piloto observou os instrumentos,<<strong>br</strong> />

recebendo pela rádio as vertficações vindas do planeta, em baixo. Depois pôs o<<strong>br</strong> />

motor a funcionar <strong>de</strong> novo e os foguetes trovejaram durante mais alguns segundos.<<strong>br</strong> />

A nave libertou-se da órbita <strong>de</strong> Deimos e <strong>com</strong>eçou a <strong>de</strong>scer para <strong>Marte</strong>. A operação<<strong>br</strong> />

inteira era uma réplica, em miniatura, <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira viagem interplanetária.<<strong>br</strong> />

Apenas <strong>de</strong>morariam três horas e não meses, a chegar ao seu <strong>de</strong>stino, e tinham<<strong>br</strong> />

milhares e não milhões <strong>de</strong> quilômetros a percorrer.<<strong>br</strong> />

- Bem - disse o piloto, bloqueando os <strong>com</strong>andos e rodando so<strong>br</strong>e o assento. - Que<<strong>br</strong> />

tal a viagem?<<strong>br</strong> />

- Muito agradável- respon<strong>de</strong>u Gibson. - Mas nada <strong>de</strong> excitante, evi<strong>de</strong>ntemente.<<strong>br</strong> />

Tudo <strong>de</strong>correu muito bem.<<strong>br</strong> />

- Como vão as coisas em <strong>Marte</strong>? - perguntou Scott.


- Oh, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> costume. Muito trabalho e pouco tempo para nos divertirmos. A<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>, neste momento é a gran<strong>de</strong> redoma que estamos construindo em<<strong>br</strong> />

Lowell. Trezentos metros <strong>de</strong> altura - até parece que voltamos à Terra. Gostaria <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

saber se po<strong>de</strong>remos colocar lá <strong>de</strong>ntro nuvens e chuva.<<strong>br</strong> />

- Que foi que aconteceu em Phobos? - perguntou Gibson, ansioso por notícias, -<<strong>br</strong> />

causou-nos muitos problemas.<<strong>br</strong> />

- Não creio que seja qualquer coisa importante. Ninguém parece saber exatamente<<strong>br</strong> />

do que se trata, mas lá há uitas pessoas construindo um laboratório. Suponho que<<strong>br</strong> />

Phobos vai ser uma estação <strong>de</strong> investigação pura e não querem que as gran<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

naves <strong>de</strong> transporte perturbem os instrumentos <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

Gibson ficou <strong>de</strong>sapontado ao ver <strong>de</strong>sabar algumas das suas mais interessantes<<strong>br</strong> />

teorias. Se ele não estivesse tão interessado no planeta que se aproximava, talvez<<strong>br</strong> />

tivesse apreciado <strong>de</strong> uma maneira mais crítica a explicação, mas naquele momento<<strong>br</strong> />

sentiu-se satisfeito e não pensou mais no assunto.<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong> estava a menos <strong>de</strong> mil quilômetros e Gibson voltou toda a sua atenção à<<strong>br</strong> />

passagem, que se expandia em baixo. Passaram rapidamente so<strong>br</strong>e o equador,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sceram até às camadas exteriores da espessa mas muito tênue atmosfera do<<strong>br</strong> />

planeta e por fim <strong>Marte</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um globo flutuando no espaço. Surgiram os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sertos e os oásis; o Syrtis Major passou <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>les antes que Gibson tivesse<<strong>br</strong> />

tempo para reconhecê-lo. Estavam a cinquenta quilômetros <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong> quando<<strong>br</strong> />

tiveram o primeiro indicio <strong>de</strong> que o ar estava se tornando mais <strong>de</strong>nso. Um silvo<<strong>br</strong> />

distante, que não parecia vir <strong>de</strong> parte alguma, <strong>com</strong>eçou a encher a cabine. A<<strong>br</strong> />

aceleração negativa aumentava à medida que a velocida<strong>de</strong> do trasbordador diminuia.<<strong>br</strong> />

O assobio tomou-se pouco a pouco mais forte, até que a conversação normal teria<<strong>br</strong> />

sido impossível.<<strong>br</strong> />

Tudo isso pareceu <strong>de</strong>morar muito tempo, apesar <strong>de</strong> na verda<strong>de</strong> só ter <strong>de</strong>morado<<strong>br</strong> />

uns minutos. Por fim o uivo do vento <strong>de</strong>sapareceu <strong>com</strong>pletamrente. O transbordador<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>ra o seu excesso <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> graças à fricção atmosférica. O material<<strong>br</strong> />

refratário do seu nariz e das asas <strong>com</strong>eçaram a arrefecer, per<strong>de</strong>ndo a sua<<strong>br</strong> />

luminosida<strong>de</strong> ru<strong>br</strong>a. Já não era uma nave, mas um simples planador <strong>de</strong> alta<<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong>, que voava a menos <strong>de</strong> mil quilômetros por hora em direção a Port Lovell.<<strong>br</strong> />

Gibson avistou primeiro o povoado <strong>com</strong>o uma pequena mancha <strong>br</strong>anca no<<strong>br</strong> />

horizonte, contra o fundo negro do Aurorae Sinus. Quando o tranrsbordador se<<strong>br</strong> />

inclinou, numa viragem, o escritor viu por momentos meia dúzia <strong>de</strong> redomas muito<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s, juntas entre si. Depois o chão veio ao encontro do aparelho, houve uma<<strong>br</strong> />

série <strong>de</strong> saltos suaves e a máquina rolou suavemente até parar.<<strong>br</strong> />

Estava em <strong>Marte</strong>. Chegara àquilo que, para os homens da antiguida<strong>de</strong>, fôra uma<<strong>br</strong> />

luz vermelha que se movia através dos céus; que para os homens <strong>de</strong> havia apenas<<strong>br</strong> />

um século, fôra um mundo misterioso e absolutamente inatingível- e que agora era a<<strong>br</strong> />

fronteira da Humanida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

- Que gran<strong>de</strong> <strong>com</strong>issão <strong>de</strong> recepção! - observou o piloto – Toda a frota <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

transporte veio nos ver. Não sabia que tínhamos tantos veículos no serviço.<<strong>br</strong> />

Duas pequenas máquinas atarracadas <strong>com</strong> pneumáticos <strong>de</strong> enorme secção corriam<<strong>br</strong> />

ao encontro <strong>de</strong>les. Ambas tinham uma cabine pressurizada, suficientemente gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

para conter dois homens, mas uma dúzia <strong>de</strong> passageiros conseguira agarrar-se aos<<strong>br</strong> />

pequenos veiculos. Atrás <strong>de</strong>ies vinham dois gran<strong>de</strong>s caminhões <strong>de</strong> rodas e rastro<<strong>br</strong> />

continuo, também cheios <strong>de</strong> espectadores. Gi'bson não esperava tanta gente e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou a <strong>com</strong>por um pequeno discurso.<<strong>br</strong> />

- Creio que ainda não sabem usar isto - disse o piioto, apresentando-lhes duas


máscaras <strong>de</strong> oxigênio. No entanto, precisam apenas <strong>de</strong> usarem-nas um momento,<<strong>br</strong> />

enquanto se dirigem às Pulgas. (As quê? - pensou Gibson. Sim, aqueles pequenos<<strong>br</strong> />

veículos <strong>de</strong>viam ser as famosas «Pulgas da Areia» - o transporte universal do<<strong>br</strong> />

planeta.) - Vou regulá-las. A princípio é um pouco estranho.<<strong>br</strong> />

O ar silvou ao escapar-se da cabine. Gibson sentiu na pele umas picadas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sagradáveis: a atmosfera que o envolvia era agora menos <strong>de</strong>nsa que a do cimo do<<strong>br</strong> />

Everest. Tinham sido necessários três meses <strong>de</strong> aclimatação na Ares e todos os<<strong>br</strong> />

recursos da mo<strong>de</strong>rna ciência médica para que ele pu<strong>de</strong>sse pôr os pés na superficie<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>Marte</strong> sem outra protecção além <strong>de</strong> uma simples máscara <strong>de</strong> oxigênio.<<strong>br</strong> />

Era lisonjeiro que tanta gente tivesse vindo ao seu encontro. Evi<strong>de</strong>ntemente, não<<strong>br</strong> />

era muitas vezes que aparecia em <strong>Marte</strong> um visitante tão distinto, mas ele sabia que<<strong>br</strong> />

a pequena colônia não tinha tempo para muitas cerimônias.<<strong>br</strong> />

O Dr. Scott surgiu ao lado <strong>de</strong>le ainda carregado, <strong>com</strong> a caixa <strong>de</strong> metal <strong>de</strong> que ele<<strong>br</strong> />

cuidara tanto durante toda viagem. Quando ele apareceu os colonos correram na sua<<strong>br</strong> />

direção, ignorando por <strong>com</strong>pleto a Gibson. O escritor ouviu as suas vozes, tão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>formadas pelo ar rarefeito que mal as <strong>com</strong>preendia.<<strong>br</strong> />

- Que felicidal<strong>de</strong> ver-te outra vez, doutor! Deixa-nos levar isso!<<strong>br</strong> />

- Temos tudo pronto! Há <strong>de</strong>z homens no hospital, à espera: Daqui a uma semana<<strong>br</strong> />

já saberemos o resultado <strong>de</strong>sta coisa!<<strong>br</strong> />

- Venham! Entrem nos carros e <strong>de</strong>pois falaremos! Antes que Gibson<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse o que acontecera, Scott e aquilo que ele transportava já tinham<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>saparecido. Ouviu-se o silvo agudo <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>roso motor e o carro arrancou em<<strong>br</strong> />

direcção a Port Lowell, <strong>de</strong>ixando o escritor mais <strong>de</strong>cepcionado do que nunca em toda<<strong>br</strong> />

a sua vida.<<strong>br</strong> />

Esquecera por <strong>com</strong>pleto o soro. Para <strong>Marte</strong>, a sua chegada tivera uma importância<<strong>br</strong> />

infinitamente superiror à visita <strong>de</strong> um escritor, por muito distinto que ele fosse no seu<<strong>br</strong> />

planeta. Era uma lição que ele não esqueceria tão <strong>de</strong>pressa.<<strong>br</strong> />

Felizmente, não o tinham <strong>de</strong>ixado só. As Pulgas da Areia ainda estavam lá. Um dos<<strong>br</strong> />

passageiros <strong>de</strong>sembarcou e correu para ele.<<strong>br</strong> />

- Mr. Gibson? Sou Westerman do «Times» - do «Martian Times»... Muito prazer em<<strong>br</strong> />

conhecê-lo. Apresento-lhe...<<strong>br</strong> />

- Hen<strong>de</strong>rson, encarregado do astroporto - disse um homem alto, <strong>com</strong> um rosto<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o que cortado à faca, obviamente aborrecido por o outro ter falado primeiro. -<<strong>br</strong> />

Tratarei da sua bagagem. Salte para bordo.<<strong>br</strong> />

Era evi<strong>de</strong>nte que Westerman teria preferido que Gibson fosse seu passageiro, mas<<strong>br</strong> />

aceitou a sua sorte <strong>com</strong> toda a elegância passivel. Gibson subiu para a Pulga <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Hen<strong>de</strong>rson através da bexiga <strong>de</strong> plástico que formava a <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar do veiculo e<<strong>br</strong> />

o outro juntou-se a ele um momento <strong>de</strong>pois. Sentiu-se aliviado por po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

lado a máscara. Sentia-se também muito pesado e lento - exatamente o contrário da<<strong>br</strong> />

sensação que se po<strong>de</strong>ria esperar <strong>de</strong>pois da chegada a <strong>Marte</strong>. Mas durante três anos<<strong>br</strong> />

ele não soubera o que era o peso, e precisaria <strong>de</strong> algum tempo para habituar-se até<<strong>br</strong> />

a um terço do peso que teria na Terra.<<strong>br</strong> />

O veículo <strong>com</strong>eçou a correr através da faixa <strong>de</strong> pouso, em direção às redomas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Port Lowell, um par <strong>de</strong> quilômetros adiante. Pela primeira vez, Gibson notou que por<<strong>br</strong> />

toda a parte à sua volta se via o <strong>br</strong>ihante ver<strong>de</strong> mosqueado das plantas tenazes que<<strong>br</strong> />

eram a mais <strong>com</strong>um forma <strong>de</strong> vida em <strong>Marte</strong>. Por cima o céu já não era negro, mas<<strong>br</strong> />

sim <strong>de</strong> um azul-escuro e glorioso. O Sol não estava muito longe do zênite e os seus<<strong>br</strong> />

raios penetravam <strong>com</strong> um calor surpreen<strong>de</strong>nte na redoma <strong>de</strong> plástico da cabine,<<strong>br</strong> />

Gibson olhou para o céu, tentando localizar a pequena lua em que os seus


<strong>com</strong>panheiros continuavam a trabalhar. Hen<strong>de</strong>rson, ao aperceber-se do seu olhar,<<strong>br</strong> />

tirou uma mão do volante e apontou para perto do Sol.<<strong>br</strong> />

- Ali está - disse ele.<<strong>br</strong> />

O escritor protegeu os olhos e fitou o céu. Então viu, suspensa, <strong>com</strong>o um distante<<strong>br</strong> />

arco elétrico contra o azul, uma estrela <strong>br</strong>ilhante um pouco a oeste do Sol. Era muito<<strong>br</strong> />

pequena, mesmo em relação a Deimos, mas passou-se um momento antes que<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse o que o seu <strong>com</strong>panheiro pensava que ele buscava.<<strong>br</strong> />

Aquela luz firme, que não cintilava e ardia tão inesperadamente no céu, em pleno<<strong>br</strong> />

dia, era e continuaria a ser durante muitos dias a estrela da manhã, <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Mas<<strong>br</strong> />

conheciam-na melhor pelo nome <strong>de</strong> Terra.


--------------------------CAPÍTULO VIII--------------------------<<strong>br</strong> />

Perdoe-me por tê-lo feito esperar - disse o «Mayor» Whittaker. - Mas sabe <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

isto é - o Chefe esteve em conferência uma hora inteira e só agora eu tive<<strong>br</strong> />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer-lhe que você estava aqui. Vamos por este lado - seguiremos o<<strong>br</strong> />

caminho mais curto, através dos registros.<<strong>br</strong> />

Na Terra, seria um gabinete vulgar. A porta dizia apenas: Diretor-Geral. Não havia<<strong>br</strong> />

nome algum: não era necessárão. todo mundo no Sistema Solar sabia quem<<strong>br</strong> />

mandava em <strong>Marte</strong> - até era difícil falar no planeta sem pensar ao mesmo tempo em<<strong>br</strong> />

Warren Hadfield.<<strong>br</strong> />

Gibson ficou surpreso quando e!e ergueu-se da secretária, porque viu que o<<strong>br</strong> />

Diretor-Gerall era muilto mais baixo do que ele imaginara. Mas o corpo esguio e<<strong>br</strong> />

nervoso e a cabeça semelhante à <strong>de</strong> um pássaro correspondiam àquilo que ele<<strong>br</strong> />

esperava.<<strong>br</strong> />

- Espero que Whittaker tenha lhe tratado bem - disse o Diretor <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem<<strong>br</strong> />

sido trocados os cumprimentos iniciais. - Espero que me <strong>de</strong>sculpe por não tê-lo<<strong>br</strong> />

recebido antes - voltei agora mesmo <strong>de</strong> uma inspecção. Dá-se bem aqui?<<strong>br</strong> />

- Muito bem. Receio ter partido algumas coisas por causa do hábito <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-las<<strong>br</strong> />

no ar, mas já estou habituado-me <strong>de</strong> novo à presença da gravida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

- E que pensa da nossa pequena cida<strong>de</strong> ?<<strong>br</strong> />

- É formidáve! Não sei <strong>com</strong>o conseguiram fazer tanto em tão pouco tempo.<<strong>br</strong> />

Hadfield semicerrou os olhos.<<strong>br</strong> />

- Fale francamente. É menor do que esperava, não é assim?<<strong>br</strong> />

Gibson hesitou.<<strong>br</strong> />

- Bem, suponho que sim... principalmente em <strong>com</strong>paração <strong>com</strong> Londres e Nova<<strong>br</strong> />

Iorque. No fim <strong>de</strong> tudo, duas mil pessoas já fazem uma gran<strong>de</strong> povoação lá na Terra.<<strong>br</strong> />

Como uma gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> Port Lowell está <strong>de</strong>baixo do solo...<<strong>br</strong> />

O Director-Geral não parecia aborrecido nem surpreendido.<<strong>br</strong> />

- Todo mundo sente um <strong>de</strong>sapontamento quando vê a maior cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, será muito maior na próxima semana, quando a nova redoma ficar<<strong>br</strong> />

montada. Diga-me... que planeja fazer? Suponho que sabe que eu não concor<strong>de</strong>i<<strong>br</strong> />

muito <strong>com</strong> esta visita...<<strong>br</strong> />

- Compreendi isso na Terra - disse Gibson, um pouco surpreendido. Ainda não<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ra bem que a franqueza era uma das maiores virtu<strong>de</strong>s do Diretor-Geral. -<<strong>br</strong> />

Suponho que receia que eu me meta no seu caminho.<<strong>br</strong> />

- Sim. Mas agora que está aqui, proce<strong>de</strong>rei da melhor maneira. Espero que faça o<<strong>br</strong> />

mesmo em relação a nós.<<strong>br</strong> />

- De que maneira? - perguntou Gibson, tornando-se hirto.


Hardfield inclinou-se so<strong>br</strong>e a mesa.<<strong>br</strong> />

- Estamos em guerra, Mr. Gibson. Em guerra <strong>com</strong> <strong>Marte</strong> e todas as forças que o<<strong>br</strong> />

planeta po<strong>de</strong> lançar contra nós - frio, falta <strong>de</strong> água, falta <strong>de</strong> ar. E também estamos<<strong>br</strong> />

em guerra <strong>com</strong> a Terra. Uma guerra <strong>de</strong> papéis, mas <strong>com</strong> as suas vitórias e <strong>de</strong>rrotas.<<strong>br</strong> />

Estou lutando e a minha linha <strong>de</strong> reabastecimento tem pelo menos cinquenta mihões<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong> <strong>com</strong>primento. As coisas mais necessárias <strong>de</strong>moram pelo menos<<strong>br</strong> />

cinco meses para chegar até nós - e só consigo obtê-las se a Terra conclui que não<<strong>br</strong> />

posso resolver o caso <strong>de</strong> outra maneira.<<strong>br</strong> />

«Suponho que <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> qual é o meu objetivo? - auto-suficiência! Lem<strong>br</strong>e-se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que as primeiras expedições tinham <strong>de</strong> trazer tudo consigo. Bem, agora já<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>mos satisfazer as necessida<strong>de</strong>s essenciais da vida, através dos nossos próprios<<strong>br</strong> />

recursos. As nossas oficinas po<strong>de</strong>m construir tudo quanto não seja <strong>de</strong>masiado<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plicado – mas é tudo uma questão <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-o<strong>br</strong>a. Há coisas muito<<strong>br</strong> />

especializadas que têm <strong>de</strong> ser feitas na Terra - e enquanto a nossa população não for<<strong>br</strong> />

pelo menos <strong>de</strong>z vezes maior do que é, não po<strong>de</strong>remos fazer muito quanto a isso.<<strong>br</strong> />

Toda mundo em <strong>Marte</strong> é perito em qualquer coisa - mas há mais especialida<strong>de</strong>s na<<strong>br</strong> />

Terra do que pessoas aqui.<<strong>br</strong> />

«Vê estes gráficos? Comecei a traçá-los há cinco anos. Mostram o nosso índice <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

produção <strong>de</strong> vários materiais. Atingimos o nível da auto-suficiência - essa linha<<strong>br</strong> />

vermelha - em relação à meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Espero que daqui a cinco anos haja poucas<<strong>br</strong> />

coisas que tenhamos <strong>de</strong> importar da Terra. Neste momento, aquilo <strong>de</strong> que mais<<strong>br</strong> />

necessitamos é mão-<strong>de</strong>-o<strong>br</strong>a, e é nesse ponto que nos po<strong>de</strong> ser útil.<<strong>br</strong> />

Gibson sentiu-se pouco à vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não posso fazer promessas. Por favor recor<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> que estou apenas fazendo<<strong>br</strong> />

uma reportagem. Concordo consigo, mas tenho <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver os fatos tal <strong>com</strong>o eles<<strong>br</strong> />

são.<<strong>br</strong> />

- Aprecio isso. Mas os fatos não são tudo. O que espero que explique à Terra são<<strong>br</strong> />

as coisas que queremos fazer - tal <strong>com</strong>o as coisas que fizemos. Creio que ainda são<<strong>br</strong> />

mais importantes, mas não as conseguiremos realizar se a Terra não nos <strong>de</strong>r o seu<<strong>br</strong> />

auxílio. Nem todos os seus antecessores <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ram isso.<<strong>br</strong> />

Era verda<strong>de</strong>, pensou Gilbson.<<strong>br</strong> />

- Creio que <strong>de</strong>ve <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que, na opinião da Terra, <strong>Marte</strong> está a uma<<strong>br</strong> />

distância muito gran<strong>de</strong>, absorve muito dinheiro e não oferece nada em troca, O<<strong>br</strong> />

primeiro encanto da exploração planetánia já se dissipou. Agora as pessoas<<strong>br</strong> />

perguntam: «Que ganharemos <strong>com</strong> isto?» A resposta tem sido: «Muito pouco. Estou<<strong>br</strong> />

convencido <strong>de</strong> que o seu trabalho é importante, mas no meu caso é mais uma<<strong>br</strong> />

matéria <strong>de</strong> fé que <strong>de</strong> lógica. O homem <strong>com</strong>um, na Terra, pensa prováveimente que<<strong>br</strong> />

os milhões que estão a <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r aqui po<strong>de</strong>riam ser usados <strong>de</strong> melhor maneira no<<strong>br</strong> />

seu próprio planeta,<<strong>br</strong> />

- Compreendo a sua dificulda<strong>de</strong>. É <strong>com</strong>um. E não é fácil respon<strong>de</strong>r-lhe. Deixe que<<strong>br</strong> />

eu ponha as coisas à minha maneira. Suponho que as pessoas mais inteligentes<<strong>br</strong> />

admitirlam o valor <strong>de</strong> uma base científica em <strong>Marte</strong>, <strong>de</strong>dicada à investigação pura ?<<strong>br</strong> />

- Sem dúvida.<<strong>br</strong> />

- Mais tar<strong>de</strong> ou mais cedo os homens habituar-se-ão a viver em <strong>Marte</strong> sem tudo<<strong>br</strong> />

isto - Hadfield apontou para a redoma que flutuava por cima dia cida<strong>de</strong> e lhe dava<<strong>br</strong> />

vida.<<strong>br</strong> />

- Acha que os homens po<strong>de</strong>rão vir a adaptar-se à atmosfera lá <strong>de</strong> fora? -<<strong>br</strong> />

perguntou Gibson, <strong>de</strong>sesperado, - Se o conseguissem <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> ser homens!


O Diretor-Geral manteve-se silencioso por um momento. Depois respon<strong>de</strong>u num<<strong>br</strong> />

tom calmo:<<strong>br</strong> />

- Não falei na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os homens se adaptarem a <strong>Marte</strong>. Pensou alguma<<strong>br</strong> />

vez na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> vir ao nosso encontro?<<strong>br</strong> />

Deixou a Gibson o tempo suiciente para absorver as palavras, e <strong>de</strong>pois, antes que<<strong>br</strong> />

o visitante pu<strong>de</strong>sse or<strong>de</strong>nar as perguntas que saltavam no seu cére<strong>br</strong>o, pôs-se <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pé.<<strong>br</strong> />

- Bem, espero que Whittaker trate <strong>de</strong> si e lhe mostre tudo quanto quiser.<<strong>br</strong> />

Compreen<strong>de</strong> que a situação dos transportes é bastante apertada, mas mesmo assim<<strong>br</strong> />

levá-lo-emos a todos os postos avançados, se nos <strong>de</strong>r tempo para tratar disso. Se<<strong>br</strong> />

houver alguma dificulda<strong>de</strong>, diga-me.<<strong>br</strong> />

Era uma maneira cortês <strong>de</strong> fazê-lo retirar-se. O homem mais atarefado <strong>de</strong> <strong>Marte</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ra a Gibson uma generosa porção do seu tempo e as perguntas do escritor teriam<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> aguardar outra oportunida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Que pensa do Chefe, agora que o viu? - perguntou o Mayor Wihitaker quando<<strong>br</strong> />

Gibson voltou para a antecâmara.<<strong>br</strong> />

- Foi muito agradável e prestimoso, Tem um gran<strong>de</strong> entusiasmo por <strong>Marte</strong>, não<<strong>br</strong> />

tem?<<strong>br</strong> />

Whittaker torceu os lábios,<<strong>br</strong> />

- Não direi que seja assim. Acho que ele consi<strong>de</strong>ra <strong>Marte</strong> um inimigo que tem <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ser batido. Acontece o mesmo <strong>com</strong> todos nós, mas ele tem mais razões para isso.<<strong>br</strong> />

Sabe o que aconteceu à sua mulher, não é verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Não.<<strong>br</strong> />

- Foi uma das primeiras pessoas a morrer da fe<strong>br</strong>e marciama, dois anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ter chegado aqui.<<strong>br</strong> />

- Oh! - exclamou Gibson. - Compreendo. Suponho que seja uma das razões por<<strong>br</strong> />

que fizeram um esforço tão gran<strong>de</strong> para encontrar a cura.<<strong>br</strong> />

- Sim. O Chefe preocupou-se muito <strong>com</strong> isso. Além do que prejudica muito os<<strong>br</strong> />

nossos recursos, Não po<strong>de</strong>mos dar-nos ao luxo <strong>de</strong> adoecermos aqui!<<strong>br</strong> />

A última frase foi dita quando ele atravessava a Broadway - a Rua Larga -, assim<<strong>br</strong> />

chamada porque tinha quinze metros <strong>de</strong> largura - expunha precisamente a situação<<strong>br</strong> />

da colônia, Gibson ainda sentia o choque que recebera ao ver quanto Port Lowell era<<strong>br</strong> />

pequeno e <strong>com</strong>o lhe faltavam os luxos a que ele se habituara na Terra. Com as suas<<strong>br</strong> />

filas <strong>de</strong> casas metálicas, iguais umas às outras, e os poucos edifícios públicos, aquilo<<strong>br</strong> />

era mais um acampamento militar que uma cida<strong>de</strong>, ainda que os habitantes tivessem<<strong>br</strong> />

feito o possivel para alegrar o ambiente <strong>com</strong> flores terrestres. Algumas tinham<<strong>br</strong> />

atingido um tamanho impressionante, por causa da menor gravida<strong>de</strong>, e Oxford<<strong>br</strong> />

Circus estava engalanada <strong>com</strong> girassóis que tinham três vezes altura <strong>de</strong> um homem.<<strong>br</strong> />

Gibson continuou o seu caminho até alcançar Marble Arch - o ponto <strong>de</strong> junção<<strong>br</strong> />

entre as redomas um e dois.<<strong>br</strong> />

Era aqui que se encontrava colocado estratégicamene o único bar <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> o<<strong>br</strong> />

«George's».<<strong>br</strong> />

- Bom dia, Mr. Gibson - disse George, - Espero que o Chefe estivesse bem<<strong>br</strong> />

disposto.<<strong>br</strong> />

Como <strong>de</strong>ixara o edifício da administração apenas <strong>de</strong>z minutos antes, Gibson notou<<strong>br</strong> />

que as notícias ali andavam muito <strong>de</strong>pressa. Rapidamente veria que era <strong>de</strong> fato<<strong>br</strong> />

assim, e que a maior parte <strong>de</strong>las parecia passar por George.<<strong>br</strong> />

Goorge era uma figura curiosa. Como os taberneiros eram olhados <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

relativamente, mas não essencialmente, necessários ao bem estar da povoação, ele


tinha duas profissões oficiais, Estava encarregado do pequeno teatro e sentia-se<<strong>br</strong> />

muito contente <strong>com</strong> a sua vida. Tinha uns quarenta e cinco anos e era um dos<<strong>br</strong> />

homens mais velhos <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Na próxima semana teremos em cena uma revista - disse ele, ao mesmo tempo<<strong>br</strong> />

que servia Gilbson. - Espero que possa vê-la.<<strong>br</strong> />

- Sem dúvida - respon<strong>de</strong>u Gibson. - farei o possivel. Quantas vezes acontessem<<strong>br</strong> />

essas coisas?<<strong>br</strong> />

- Cerca <strong>de</strong> uma vez por mês. E também cinema três vezes por semana, <strong>de</strong> modo<<strong>br</strong> />

que isto não é muito mau. - Ainda bem que Port Lowel tem alguma vida noturna.<<strong>br</strong> />

O bar estava <strong>de</strong>serto, uma vez que àquela hora, em Port Lowel, todo mundo<<strong>br</strong> />

trabalhava duramente. Gilbson <strong>com</strong>eçou a tomar notas. Era um hábitto aborrecido,<<strong>br</strong> />

ainda que inconsciente. George respon<strong>de</strong>u-lhe ligando o rádio do bar.<<strong>br</strong> />

Era um programa vindo da Terra e retransmitido do lado noturno <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Gibson<<strong>br</strong> />

perguntou a si próprio se valeria a pena <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r tanto esforço e energia para<<strong>br</strong> />

enviar a voz <strong>de</strong> um soprano algo medíocre e <strong>de</strong> uma orquestra ligeira <strong>de</strong> um mundo<<strong>br</strong> />

para outro. Mas meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> <strong>de</strong>via estar escutando aquilo <strong>com</strong> vários graus <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sentimentalida<strong>de</strong> e sauda<strong>de</strong> - ainda que por certo negassem uma coisa e outra.<<strong>br</strong> />

De repente sentiu um <strong>de</strong>sejo quase irreprímível <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar aquelas ruas estreitas e<<strong>br</strong> />

sair para o céu aberto. Pela primeira vez teve sauda<strong>de</strong>s da Terra, o planeta que<<strong>br</strong> />

pensara ter tão pouco mais para lhe oferecer. Sentia-se atraído pelos campos ver<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

que estavam à sua volta, tão perto e tão afastados <strong>de</strong>le pelas leis da Natureza.<<strong>br</strong> />

- George - disse Gibson <strong>de</strong> repente -, estou aqui já há algum tempo e ainda não<<strong>br</strong> />

fui lá fora. Não <strong>de</strong>vo fazer isto sem que ninguém me a<strong>com</strong>panhe. Você não <strong>de</strong>ve ter<<strong>br</strong> />

fregueses senão daqui a uma hora, pouco mais ou menos. Não será capaz <strong>de</strong> passar<<strong>br</strong> />

a <strong>com</strong>porta <strong>com</strong>igo - apenas por <strong>de</strong>z minutos ?<<strong>br</strong> />

Gibson pensou que George ficaria surpreendido <strong>com</strong> o seu pedido. Pelo contrário:<<strong>br</strong> />

aquilo acontecera já tantas vezes que o taberneiro já consi<strong>de</strong>rava <strong>com</strong>o inevitável.<<strong>br</strong> />

Encolheu os om<strong>br</strong>os, <strong>de</strong>sapareceu no fundo da loja e voltou algum tempo <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

trazendo consigo um par <strong>de</strong> máscaras e o seu equipamento auxiliar.<<strong>br</strong> />

- Não precisamos da aparelhagem toda num dia <strong>com</strong>o este - disse ele, enquanto<<strong>br</strong> />

Gibson ajustava <strong>de</strong>sajeitadamente a máscara. - Tome cuidado! Aperte bem a<<strong>br</strong> />

borracha esponjosa, Muito bem... vamos. Mas só <strong>de</strong>z minutos!<<strong>br</strong> />

Gibson seguiu-o, contente, <strong>com</strong>o um cão-pastor atrás do dono, A <strong>com</strong>porta tinha<<strong>br</strong> />

quatro portas separadas, nenhuma das quais podia a<strong>br</strong>ir-se a menos que as outras<<strong>br</strong> />

três estivssem fechadas. Pareceu-lhe <strong>de</strong>morar um tempo infinito até que a última das<<strong>br</strong> />

portas se fechasse e a planície ver<strong>de</strong> se a<strong>br</strong>isse perante ele. Sentia picadas na pele,<<strong>br</strong> />

mas o ar rarefeito era razoàvelmente tépido e não tardou a sentir um certo conforto.<<strong>br</strong> />

Esquecendo por <strong>com</strong>pleto o seu <strong>com</strong>panheiro, a<strong>br</strong>iu caminho através da vegetação<<strong>br</strong> />

rasteira e cerrada, perguntando a si mesmo a razão por que ela se concentrava em<<strong>br</strong> />

volta da redoma. Talvez fosse atraída pelo calor ou pela lenta fuga <strong>de</strong> oxigênio,<<strong>br</strong> />

De<strong>br</strong>uçou-se e examinou as plantas. Vira muitas vezes as suas fotografias. Nada<<strong>br</strong> />

tinham <strong>de</strong> excitantes e ele não era um botânico que pu<strong>de</strong>sse apreciar as suas<<strong>br</strong> />

peculiarida<strong>de</strong>s. Na verda<strong>de</strong>, se as houvesse encontrado na Terra, nem sequer teria<<strong>br</strong> />

olhado para elas. Nenhuma era mais alta que a sua cintura e as que o ro<strong>de</strong>avam<<strong>br</strong> />

pareciam feitas <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> pergaminho ver<strong>de</strong>, muito fino mas forte, concebidas<<strong>br</strong> />

para absorver tanta luz quanta fosse possivel sem per<strong>de</strong>r a preciosa água. Essas<<strong>br</strong> />

foihas irregulares estavam abertas <strong>com</strong>o velas ao Sol, e seguiam o seu curso através<<strong>br</strong> />

do céu.<<strong>br</strong> />

George aproximou-se <strong>de</strong>le e ficou olhar as plantas <strong>com</strong> uma expressão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

preguiçosa indiferença. Gibson perguntou a si próprio se o homem não estava


aborrecido por ter sido tão a<strong>br</strong>uptamente arrastado para fora da redoma, mas<<strong>br</strong> />

George pensava apenas na sua próxima produção teatral. Subitamente saiu dos seus<<strong>br</strong> />

sonhos e disse ao escritor numa voz fina mas perfeitamente audivel àquela distâcia:<<strong>br</strong> />

- É muito curioso. Fique parado por um momento e veja a planta que estiver na<<strong>br</strong> />

sua som<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />

Gibson obe<strong>de</strong>ceu. Durante um instante nada aconteceu. Depois viu as folhas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pergaminho do<strong>br</strong>ando-se umas so<strong>br</strong>e as outras, muito lentamente. Três minutos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois a planta tornara-se numa pequena bola <strong>de</strong> papel ver<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

George riu-se por entre os <strong>de</strong>ntes.<<strong>br</strong> />

- Acha que está anoitecendo e não quer ser apanhada <strong>de</strong>sprevenida, Quando<<strong>br</strong> />

você se afastar, ela pensará durante mais <strong>de</strong> meia hora antes <strong>de</strong> se arriscar a a<strong>br</strong>ir<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> novo as folhas. Provavelmente teria um colapso nervoso se lhe fizesse isso<<strong>br</strong> />

durante o dia inteiro.<<strong>br</strong> />

- Estas plantas têm qualquer uso? - perguntou Gibson. - Quer dizer: po<strong>de</strong>m ser<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>idas ou contêm quaisquer substâncias químicas valiosas?<<strong>br</strong> />

- Não po<strong>de</strong>m ser <strong>com</strong>idas. Não são venenosas, mas não tornam muito felizes<<strong>br</strong> />

aqueles que as ingerem. Entenda: não são bem <strong>com</strong>o as plantas da Terra... O ver<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

é apenas uma coincidência. Não é... <strong>com</strong>o se chama ?<<strong>br</strong> />

- Clorofila?<<strong>br</strong> />

- Isso. Nem sequer <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do ar, <strong>com</strong>o as nossas. Extraem tudo do solo. Bem,<<strong>br</strong> />

é tempo <strong>de</strong> nos retirarmos.<<strong>br</strong> />

Gfbson seguiu-o. Já não sentia aquela opressão claustrofóbica que, <strong>com</strong>o bem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preendia, <strong>de</strong>via ser em parte resultante da <strong>de</strong>cepção que sentira ao encontrar-se<<strong>br</strong> />

em <strong>Marte</strong>. Tinham-no <strong>de</strong>ixado à vonta<strong>de</strong>, para colher as impressões que quisesse, e<<strong>br</strong> />

a principal que tivera fôra um sensação <strong>de</strong> impotência perante os problemas que o<<strong>br</strong> />

Homem ainda tinha <strong>de</strong> enfrentar no planeta. Três quartas partes da superfície<<strong>br</strong> />

marciana ainda estavam por explorar!<<strong>br</strong> />

Os primeiros dias em Port Lowell foram, no entanto, agradáveis e bem ocupados.<<strong>br</strong> />

O «Mayor» Whittaker conseguira arranjar tempo para lhe mostrar a cida<strong>de</strong>, logo que<<strong>br</strong> />

ele se viu instalado num dos quatro aposentos do Gran<strong>de</strong> Hotel Marciano. (Os outros<<strong>br</strong> />

três ainda não estavam acabados). Tinham <strong>com</strong>eçado pela Redoma Um - a primeira<<strong>br</strong> />

que fôra construida - e o «Mayor» tinha-lhe <strong>de</strong>scrito, <strong>com</strong> orgulho, o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>senvolvimento da sua cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo - <strong>de</strong>z anos antes - em que ela era<<strong>br</strong> />

formada apenas por um grupo <strong>de</strong> tendas pneumáticas.<<strong>br</strong> />

A maior parte das casas era <strong>de</strong> construção metálica, <strong>com</strong> dois andares <strong>de</strong> altura,<<strong>br</strong> />

esquinas arredondadas e janelas bastante pequenas. Eram habitadas por duas<<strong>br</strong> />

famílias e não pareciam muito gran<strong>de</strong>s, tanto mais que a taxa dos nascimentos, em<<strong>br</strong> />

Port Lowell, era a mais alta do universo conhecido. De resto, isso era pouco<<strong>br</strong> />

surpreen<strong>de</strong>nte, uma vez que a quase totalitda<strong>de</strong> da população tinha ida<strong>de</strong>s entre os<<strong>br</strong> />

vinte e os trinta, <strong>com</strong> alguns dos principais administradores a subir pelos quarenta.<<strong>br</strong> />

Todas as casas tinham um pórtico curioso, que Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u <strong>de</strong>pois, ter sido<<strong>br</strong> />

concebido para atuar <strong>com</strong>o uma <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar, numa emergência.<<strong>br</strong> />

Whittaker levara-o primeiro ao centro administrativo, o mais alto edifício da cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Do seu terraço quase se podia tocar o alto da redoma. Por <strong>de</strong>ntro não havia nada <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

excitante. Era <strong>com</strong>o qualquer escritórto na Terra, <strong>com</strong> as suas filas <strong>de</strong> secretárias,<<strong>br</strong> />

máquinas <strong>de</strong> escrever e arquivos,<<strong>br</strong> />

O "Ar Principal" era muito mais interessante. Era esse o verda<strong>de</strong>iro coração <strong>de</strong> Port<<strong>br</strong> />

Lowell; se <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> funcionar a povoação não tardaria a morrer, Gibson não sabia<<strong>br</strong> />

muito bem <strong>com</strong>o era obtido o oxigênio. A princípio pensara que ele era extraído da<<strong>br</strong> />

própria atmosera marciana, mas <strong>de</strong>pois lem<strong>br</strong>ou-se <strong>de</strong> que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le ali


existente era <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> um por cento.<<strong>br</strong> />

O «Mayor» Wittaker apontou-lhe o gran<strong>de</strong> monte <strong>de</strong> areia vermelha que tinha sido<<strong>br</strong> />

retirada do lado exterior da redoma. Toda mundo lhe chamava areia, mas tinha<<strong>br</strong> />

poucas semelhanças <strong>com</strong> a areia da Terra. Era uma mistura, <strong>com</strong>plexa <strong>de</strong> óxidos<<strong>br</strong> />

metálicos - os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> um mundo que enferrujara até morrer.<<strong>br</strong> />

- Extraímo <strong>de</strong>stes minérios todo o oxtgênio <strong>de</strong> que necessitamos - disse Whittaker.<<strong>br</strong> />

- E também todos os metais imagináveis. Tivemos um ou dois golpes <strong>de</strong> sorte em<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>. E este foi o maior.<<strong>br</strong> />

Entraram no edificio baixo, <strong>br</strong>ihantemente iluminado, para o qual uma corrente<<strong>br</strong> />

contínua <strong>de</strong> areia era levada numa esteira sem-fim. Não havia muita coisa para ver e,<<strong>br</strong> />

ainda que o engenheiro-chefe se mostrasse ansioso em explicar tudo quanto<<strong>br</strong> />

acontecia, Gibson sentiu-se satisfeito por saber que os minérios eram fundidos em<<strong>br</strong> />

fornos elétricos, o oxigênio extraído, purificado e <strong>com</strong>primido, e os vários resíduos<<strong>br</strong> />

metálicos enviados para instalações on<strong>de</strong> seriam submetidos a operações mais<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plicadas. Muita água era produzida ali - quase suficiente para as necessida<strong>de</strong>s da<<strong>br</strong> />

colónia, apesar <strong>de</strong> haver outras fontes disponiveis.<<strong>br</strong> />

- Mantemos uma pressão <strong>de</strong> 150 milimetros <strong>de</strong>ntro da redoma, no verão, e um<<strong>br</strong> />

pouco mais no inverno. Isso nos dá quase a mesma pressão <strong>de</strong> oxigênio que na<<strong>br</strong> />

atmosfera da Terra.. E a absorção do Co2, é feita, muito simplesmente, pelas<<strong>br</strong> />

plantas. Importamos uma quantida<strong>de</strong> suficiente para esse efeito, uma vez que as<<strong>br</strong> />

plantas marcianas não se servem da foto-síntese.<<strong>br</strong> />

- Então essa é a razão <strong>de</strong> ser daqueles girassóis em Oxford Circus.<<strong>br</strong> />

- Bem, os girassóis são mais ornamentais do que funcionais. Temo que acabem<<strong>br</strong> />

por ser uma preocupação: não tardará que as suas sementes estejam espalhadas<<strong>br</strong> />

por toda a cida<strong>de</strong>, Agora vamos à fazenda.<<strong>br</strong> />

O nome era um pouco enganador. Tratava-se da gran<strong>de</strong> instalação produtora <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alimentos que enchia a Redoma Três. O ar era muito úmido e a luz do Sol era<<strong>br</strong> />

auxiliada por baterias <strong>de</strong> lâmpadas fluorescentes, <strong>de</strong> modo que o crescimento podia<<strong>br</strong> />

ser feito <strong>de</strong> noite e dia. Gibson sabia pouco so<strong>br</strong>e as cutturas hidropônicas e por isso<<strong>br</strong> />

não se impressionava muito <strong>com</strong> os números que o «Mayor» Whittaker lhe soprava<<strong>br</strong> />

orgulhosamente ao ouvido. Pô<strong>de</strong>, no entanto, <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que um dos maiores<<strong>br</strong> />

problemas era a produção <strong>de</strong> carne, e admirou a engenhosida<strong>de</strong> <strong>com</strong> que ele fôra<<strong>br</strong> />

em parte resolvido, a partir da cultura <strong>de</strong> tecidos em gran<strong>de</strong>s tanques cheios <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

líquidos alimentícios.<<strong>br</strong> />

- É melhor que nada - disse o «Mayor». - Mas o que eu não faria por uma boa<<strong>br</strong> />

costeleta <strong>de</strong> carneiro.<<strong>br</strong> />

No fim do passeio, Gibson já sentia um <strong>com</strong>eço <strong>de</strong> indigestão mental. Os<<strong>br</strong> />

problemas da vida citadina eram tão <strong>com</strong>plicados, e o «Mayor» Whittaker tentara<<strong>br</strong> />

mostrar-lhe tanta coisa que ele sentiu-se feliz quando tudo acabou e dirigiram-se à<<strong>br</strong> />

casa <strong>de</strong> Whitttaker para jantarem.<<strong>br</strong> />

- Creio que é bastante para um dia - disse ele -, mas eu queria mostrar-lhe tudo<<strong>br</strong> />

porque amanhã terei muito que fazer. Como sabe, o Chefe vai sair e só voltará<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã, <strong>de</strong> modo que terei <strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> tudo.<<strong>br</strong> />

- Aon<strong>de</strong> foi ele? - perguntou Gibson, esquecendo a cortesia.<<strong>br</strong> />

- Oh, lá em cima, foi a Phobos. Quando ele voltar terá muito prazer em vê-lo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

novo.<<strong>br</strong> />

A conversa foi interrompida pela chegada <strong>de</strong> Mrs, Whittaker e da familia, e durante<<strong>br</strong> />

o resto da noite Gibson teve <strong>de</strong> falar da Terra. Era estranho falar <strong>de</strong>la a crianças que<<strong>br</strong> />

nunca a haviam conhecido e que tinham passado as suas curtas vidas sob as


gran<strong>de</strong>s redomas. Que representaria a Terra para eles? Seria para eles mais real que<<strong>br</strong> />

os países dos contos <strong>de</strong> fadas?<<strong>br</strong> />

Gibson perguntou a si próprio quais seriam as suas reações quando um dia fossem<<strong>br</strong> />

à Terra, habituadas <strong>com</strong>o estavam a um ambiente <strong>com</strong>pletamente artificial. Seria<<strong>br</strong> />

uma experiência interessante, mas por enquanto nenhuma das crianças nascidas em<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong> atingira a ida<strong>de</strong> suficiente para <strong>de</strong>ixar os pais.<<strong>br</strong> />

As luzes da cida<strong>de</strong> estam apagando-se quando o escritor saiu <strong>de</strong> casa do «Mayor».<<strong>br</strong> />

Na manhã seguinte ele poria em or<strong>de</strong>m as suas impressões, mas naquele momento<<strong>br</strong> />

a maior cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> parecia-lhe apenae uma al<strong>de</strong>ia excessivamerrte mecanizada.<<strong>br</strong> />

Gibson ainda não dominava os problemas do calendário marciano, mas sabia que<<strong>br</strong> />

os dias da semana tinham o mesmo nome que os da Terra e os meses também,<<strong>br</strong> />

ainda que a sua duração fosse <strong>de</strong> cinquenta a sessenta dias. Quando saiu do hotel,<<strong>br</strong> />

em uma hora que supunha ser razoável, a cida<strong>de</strong> pareceu-lhe <strong>de</strong>serta. Todo mundo<<strong>br</strong> />

já estava trabalhando.<<strong>br</strong> />

Encontrou o «Mayor» Whittaker assediado pelas secretárias e falando por dois<<strong>br</strong> />

tetefones ao mesmo tempo. Não teve coragem <strong>de</strong> interrompê-lo e afastou-se nas<<strong>br</strong> />

pontas dos pés. Resoiveu passear sozinho. Não havia perigo <strong>de</strong> se per<strong>de</strong>r. A maior<<strong>br</strong> />

distância que po<strong>de</strong>ria percorrer em linha reta era <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> quinhentos metros...<<strong>br</strong> />

Passou os seus primeiros dias em Port Lowlell andando às ao redor e fazendo<<strong>br</strong> />

perguntas, à noite, fazia <strong>com</strong>panhia às famílias <strong>de</strong> Whittaker e dos outros mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />

dos quadros superiores. Não tardou a se sentir <strong>com</strong>o se vivesse ali há vários anos.<<strong>br</strong> />

Mas sabia que era ainda um estranho: na verda<strong>de</strong>, vira menos da milésima<<strong>br</strong> />

milionésima parte da superfície <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Para além do a<strong>br</strong>igo da redoma, para além<<strong>br</strong> />

das colinas vermelhas, do limite da planície esmeralda, todo o resto daquele mundo<<strong>br</strong> />

era um mistério.


---------------------------CAPÍTULO IX---------------------------<<strong>br</strong> />

Bem, que prazer ver-te <strong>de</strong> novo! - disse Gibson, transportando as bebidas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

todo o cuidado a<strong>br</strong>avés do bar. - Suponho que vão pintar Port Lowell <strong>de</strong> vermelho. A<<strong>br</strong> />

primeira coisa que vão fazer será falar <strong>com</strong> as vossas noivas neste porto, não é<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Não é muito fácil - disse Nor<strong>de</strong>n. - Têm o hábito <strong>de</strong> se casarem entre as viagens.<<strong>br</strong> />

A propósito, que aconteceu a Miss Margaret Mackinnon, George?<<strong>br</strong> />

- Fala <strong>de</strong> Mrs, Henry Lewis? É mãe <strong>de</strong> um menino muito bonito!<<strong>br</strong> />

- Deram-lhe o nome <strong>de</strong> John ? - perguntou Bradley.<<strong>br</strong> />

- Espero que tenham guardado um pouco do bolo <strong>de</strong> noiva para mim. à tua saú<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

Martin.<<strong>br</strong> />

- E à Ares - disse Gibson. - Espero que a tenham montado <strong>de</strong> novo. Ela parecia em<<strong>br</strong> />

mísero estado a última vez em que a vi.<<strong>br</strong> />

Nor<strong>de</strong>n riu-se.<<strong>br</strong> />

- Oh, não! Deixamos todas as chapas do lado <strong>de</strong> fora até a carregarmos <strong>de</strong> novo.<<strong>br</strong> />

A chuva não <strong>de</strong>ve lhe fazer mal! - Que pensas <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, Jimmy? - perguntou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Ainda não vi muita coisa - respon<strong>de</strong>u o rapaz, cautelosameate. - Parece-me tudo<<strong>br</strong> />

muito pequeno.<<strong>br</strong> />

- Foi o mesmo que eu senti após o primeiro par <strong>de</strong> dias. Só há uma cura - ir lá<<strong>br</strong> />

para fora e esticar as pernas. Dei umas voltas por lá, mas agora já consegui arranjar<<strong>br</strong> />

uma Pulga da Areia, cedida pelos Transportes. Amanhã vou passear pelas colinas.<<strong>br</strong> />

Queres vir?<<strong>br</strong> />

Os olhos <strong>de</strong> Jimmy relampejaram. - Muito o<strong>br</strong>igado. Gostaria muito...<<strong>br</strong> />

- E nós? - protestou Nor<strong>de</strong>n.<<strong>br</strong> />

- Já sabem <strong>com</strong>o é isso - respon<strong>de</strong>u Glbson. - Mas <strong>com</strong>o há um lugar vago, po<strong>de</strong>m<<strong>br</strong> />

sorteá-lo. Levaremos um condutor oficial; não nos <strong>de</strong>ixarão sair sozinhos <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />

dos seus preciosos veículos e suponho que não se queixarão disso.<<strong>br</strong> />

Quem ganhou foi Mackay, Os outros explicaram imediatamente que, na verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

não queriam ir a parte alguma.<<strong>br</strong> />

Os exploradores prepararam-se rapidamente, e apresentaram-se <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

equipamento protetor que tinham recebido na chegada: capacete, reservatórios <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

oxigênio e purificador <strong>de</strong> ar. O condutor era um jovem geólogo que afirmava ter<<strong>br</strong> />

passado tanto tempo fora <strong>de</strong> Port Lowell <strong>com</strong>o lá <strong>de</strong>ntro. Parecia extremamente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>petente e <strong>de</strong>sembaraçado.<<strong>br</strong> />

- Estas máquinas avariam-se muitas vezes? - perguntou Gibson quando entraram<<strong>br</strong> />

na Pulga.<<strong>br</strong> />

- Não muitas vezes. Têm um magnífico coeficiente <strong>de</strong> segurança e há muito


poucas coisas que possam correr mal, Evi<strong>de</strong>ntemente, por vezes um condutor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scuidado fca atolado, mas, <strong>de</strong> uma maneira geral, po<strong>de</strong> safar-se <strong>de</strong> tudo <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

guincho. Só houve dois casos <strong>de</strong> pessoas que tiveram <strong>de</strong> voltar a pé para casa, no<<strong>br</strong> />

mês passado.<<strong>br</strong> />

- Não quero ser o terceiro - d!sse Mackay.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe muito - respon<strong>de</strong>u o condutor, enquanto esperava que se<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>isse a <strong>com</strong>porta. - Não iremos muito longe da cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Saíram da cida<strong>de</strong> e entraram por uma estrada estreita, aberta na vegetação.<<strong>br</strong> />

- Bem - disse o condutor, quando chegaram à primeira encruzihada, - Para on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

querem que eu vá?<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>de</strong>batia-se <strong>com</strong> um mapa três vezes maior do que era conveniente para o<<strong>br</strong> />

tamanho da cabine. O piloto sorriu <strong>com</strong> ironia.<<strong>br</strong> />

- Não sei on<strong>de</strong> arranjou isso. Está <strong>com</strong>pletamente <strong>de</strong>satualizado. Se me disser para<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> quer ir, eu os levarei e não se fala mais nlsso.<<strong>br</strong> />

- Muito bem. Então vamos subir as colinas e olhar em volta. Depois iremos ao<<strong>br</strong> />

Observatório.<<strong>br</strong> />

A Pulga saltou pela estreita estrada e a verdura que o envolvia tornou-se numa<<strong>br</strong> />

coisa confusa, indistinta.<<strong>br</strong> />

- Qual é a velocida<strong>de</strong> que esta coisa po<strong>de</strong> atingir? perguntou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Oh, pelo menos cem, numa boa estrada. Mas agora vou a sessenta. Se o<<strong>br</strong> />

caminho fosse aci<strong>de</strong>ntado, teríamos <strong>de</strong> andar a meta<strong>de</strong> da velocida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- E o raio <strong>de</strong> alcance?<<strong>br</strong> />

- Uns bons mil quilômetros numa única carga, <strong>com</strong> uma margem generosa para o<<strong>br</strong> />

aquecimento, cozinha e tudo o mais. Para as viagens realmente longas levamos um<<strong>br</strong> />

reboque <strong>com</strong> células <strong>de</strong> reserva. O máximo está em torno <strong>de</strong> cinco mil qiilômetros.<<strong>br</strong> />

Já isso atingi três vezes, explorando o Argyre. Quando fazemos isso somos<<strong>br</strong> />

reabastecidos pelo ar.<<strong>br</strong> />

Embora só estivessem em marcha há pouco mais <strong>de</strong> dois minutos, Portt Lowell já<<strong>br</strong> />

estava <strong>de</strong>saparecendo atrás do horizonte. A pronunciada, curvatura <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> tornava<<strong>br</strong> />

muiito dlfícil a avaliação <strong>de</strong> distâncias e o fato das redomas já estarem meio<<strong>br</strong> />

escondidas dava a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que eram muito maiores do que na verda<strong>de</strong> eram.<<strong>br</strong> />

Não tardou que reaparecessem quando a Pulga <strong>com</strong>eçou a subir as colinas, que<<strong>br</strong> />

tinham menos <strong>de</strong> mil metros <strong>de</strong> altura, mas formavam uma excelente <strong>de</strong>fesa contra<<strong>br</strong> />

os ventos frios do sul e o local i<strong>de</strong>al para a instalação da estação <strong>de</strong> rádro e do<<strong>br</strong> />

observatório.<<strong>br</strong> />

Chegaram à estação <strong>de</strong> rádio meia hora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem <strong>de</strong>ixado a cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Ajustaram as suas máscaras e sairam da Pulga para <strong>de</strong>sentorpecerem as pernas.<<strong>br</strong> />

Gibson consi<strong>de</strong>rou que o panorama não era muito impressionante. Ao norte, as<<strong>br</strong> />

cúpulas <strong>de</strong> Port Lowell flutuavam <strong>com</strong>o bolhas num mar esmeralda. A oeste podia<<strong>br</strong> />

apenas vislum<strong>br</strong>ar o escarlarte do <strong>de</strong>serto que ro<strong>de</strong>ava todo o planeta. Como a crista<<strong>br</strong> />

da colina ainda estava acima <strong>de</strong>le, não podia ver nada para sul, mas sabia que a<<strong>br</strong> />

cintura <strong>de</strong> vegetação estendia-se por centenas <strong>de</strong> quilômetros até <strong>de</strong>saparecer no<<strong>br</strong> />

Mare Erythraeum. Quase não havia plantas no cume e na opinião <strong>de</strong>le isso <strong>de</strong>via ser<<strong>br</strong> />

consequência da falta <strong>de</strong> umida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

A estação <strong>de</strong> rádio era automática, <strong>de</strong> modo que não havia ninguém a quem ele<<strong>br</strong> />

fizesse perguntas, mas sabia o suficiente do assunto para <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>com</strong>o aquilo<<strong>br</strong> />

funcionava. A voz <strong>de</strong> Mackay, <strong>de</strong>formada e fraca no ar rarefeito, o fê voltar-se <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

repente.<<strong>br</strong> />

- Alguém vai pousar... ali à direita.


Com alguma dificulda<strong>de</strong>, Gibson viu a pequena pluma <strong>de</strong> chamas do foguete<<strong>br</strong> />

correndo através do céu. Passou so<strong>br</strong>e a cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sapareceu por <strong>de</strong>trás das<<strong>br</strong> />

redomas em direcção à faixa <strong>de</strong> pouso. Gibson fez votos que o aparelho trouxesse<<strong>br</strong> />

consigo o resto da sua bagagem, que parecia estar <strong>de</strong>morando tempo <strong>de</strong>mais.<<strong>br</strong> />

O Observatório situava-se a cinco quilômetros mais ao sul, exatamente no alto das<<strong>br</strong> />

colinas, on<strong>de</strong> as luzes <strong>de</strong> Port Lowell não prejudicavam o seu trabalho. Gibson<<strong>br</strong> />

esperara ver as cúpulas <strong>br</strong>ilhantes que na Terra eram o distintivo dos astrônomos,<<strong>br</strong> />

mas em vez disso, encontrou apenas a pequena bolha <strong>de</strong> plástico que co<strong>br</strong>ia os<<strong>br</strong> />

alojamentos dos cientistas. Os instrumentos estavam ao ar livre., ainda que houvesse<<strong>br</strong> />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> co<strong>br</strong>i-los no caso muito raro <strong>de</strong> surgir mau tempo.<<strong>br</strong> />

Tudo parecia <strong>de</strong>serto quando a Pulga se aproximou.<<strong>br</strong> />

Mas era evi<strong>de</strong>nte que havia alguém ali, porque encontraram um veículo idêntico ao<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>les, estacionado junto ao edifício.<<strong>br</strong> />

- São muilto sociáveis – disse o condutor - A vida aqui é muiito aborrecida e eies<<strong>br</strong> />

gostam <strong>de</strong> visitas. Além disso, <strong>de</strong>ntro da cúpula teremos espaço suficiente para<<strong>br</strong> />

esticar as pernas e <strong>com</strong>er <strong>com</strong> conforto.<<strong>br</strong> />

- Por certo que não lhes iremos impor que nos dêem <strong>de</strong> jantar - protestou Gibson.<<strong>br</strong> />

O condutor riu-se.<<strong>br</strong> />

- Isto não é a Terra. Em <strong>Marte</strong> temos todos <strong>de</strong> nos ajudar uns aos outros - ou não<<strong>br</strong> />

iremos a parte alguma, Mas trouxe as provisões <strong>com</strong>igo: quero apenas usar o fogão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>les. Se soubessem o que é tentar cozinhar a bordo <strong>de</strong> uma Pulga da Areia, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

quatro pessoas a bordo, já saberiam porque.<<strong>br</strong> />

Tal <strong>com</strong>o ele previra, os dois astrônomos <strong>de</strong> serviço acolheram-nos calorosamente<<strong>br</strong> />

e não tardou que a aparelhagem <strong>de</strong> condicionamento <strong>de</strong> ar tivesse <strong>de</strong> cuidar dos<<strong>br</strong> />

odores da cozinha.<<strong>br</strong> />

Gibson jantou – melhor do que alguma vez lhe acontecera em <strong>Marte</strong> -, satisfeito<<strong>br</strong> />

por ter trazido alguma alegria à vida daqueles homens. Como nunca conhecera<<strong>br</strong> />

suficientemente os astrônomos para <strong>de</strong>sfazer uma ilusão, sentia um respeito<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sproporcionado por eles, consi<strong>de</strong>rando-os <strong>com</strong>o exemplos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação monástica,<<strong>br</strong> />

no seus mosteiros em remotas montanhas. Nem mesmo o seu primeiro encontro<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o excelente bar do Monte Palomar lhe <strong>de</strong>struira essa fé tão simples.<<strong>br</strong> />

Depois do jantar, todo mundo larvou a louça <strong>com</strong> tanta consciência que a operação<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>morou o do<strong>br</strong>o do tempo normal. Em seguida os visitantes foram convidados a<<strong>br</strong> />

observar os céus através do gran<strong>de</strong> telescópio refletor. Como estava no fim da tar<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

Gibson achou que não haveria muito o que ver. Enganou-se.<<strong>br</strong> />

Durante um momento a imagem pareceu <strong>de</strong>sfocada e teve dificulda<strong>de</strong> em ajustála,<<strong>br</strong> />

por causa das luvas e da máscara. Suspenso no céu, já quase negro, junto do<<strong>br</strong> />

horizonte, estava um belo crescente cor <strong>de</strong> pérola. Viam-se nele algumas marcas,<<strong>br</strong> />

mas por mais que Gibson se esforçasse não conseguiu i<strong>de</strong>ntificá-las. A maior parte<<strong>br</strong> />

do pianeta estava nas trevas e era impossível ver os continentes.<<strong>br</strong> />

Não muito longe estava um crescente idêntico, mas menor e indistinto. No<<strong>br</strong> />

entanto, Gibson pô<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificá-lo pelas crateras que se viam ao longo da periferia.<<strong>br</strong> />

Era um belo par - os planetas gêmeos, Terra e Lua -, mas pareciam <strong>de</strong>masiado<<strong>br</strong> />

longínquos e etéreos para que ele sentissee aguma sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les e do que <strong>de</strong>ixara<<strong>br</strong> />

neles.<<strong>br</strong> />

Um dos astrônomos disse a Gibson:<<strong>br</strong> />

- Quando cai a noite po<strong>de</strong>mos ver as luzes das cida<strong>de</strong>s - principalmente Nova<<strong>br</strong> />

Iorque e Londres, O mais belo, entretanto, são os reflexos do sol no mar. Então<<strong>br</strong> />

parece uma estrela resplan<strong>de</strong>cente.


Quando já nada mais havia para ver, <strong>de</strong>spediram-se dos dois astrônomos que lhes<<strong>br</strong> />

acenaram <strong>com</strong> alguma tristeza, enquanto o condutor seguia pela crista da colina.<<strong>br</strong> />

Segundo ele dissera, queria fazer um <strong>de</strong>svio para recolher alguns espécimes <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

rochas, e <strong>com</strong>o para Gibson todas as partes <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> eram iguais, isso pouco lhe<<strong>br</strong> />

importou.<<strong>br</strong> />

Não havia estrada alguma so<strong>br</strong>e as colinas, mas séculos e séculos atrás todas as<<strong>br</strong> />

irregularida<strong>de</strong>s tinham <strong>de</strong>saparecido, <strong>de</strong> modo que o chão era, perfeitameate plano.<<strong>br</strong> />

Aqui e ali aguns penedos so<strong>br</strong>essaíam da superfície, num fantástico tumuito <strong>de</strong> cor e<<strong>br</strong> />

formas, mas esses obstáculos podiam ser facilmente evitados. Uma vez ou duas<<strong>br</strong> />

passaram por pequenas árvores - se tal nome podia se dar. Pareciam pedaços <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

coral, <strong>com</strong>pletamente hirtos e petrificados, Segundo o condutor, eram imensamente<<strong>br</strong> />

antigas, e ainda que estivessem vivas, ninguém conseguira ainda medir a sua<<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento. O menor valor que podia ser calculado era <strong>de</strong> cinquenta<<strong>br</strong> />

mil anos e o seu método <strong>de</strong> reprodução era um mistério <strong>com</strong>pleto.<<strong>br</strong> />

Perto do meio da tar<strong>de</strong>, chegaram a uma colina baixa, mas belamente colorida - a<<strong>br</strong> />

«Crista do Arco-iris,» , <strong>com</strong>o disse o geólogo, Gibson, encantado, gastou um rolo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

filme, fotografando-a.<<strong>br</strong> />

- Bem - disse o Condutor -, acho que chegou o momento <strong>de</strong> voltarmos, se<<strong>br</strong> />

quisermos chegar à hora do chá. Po<strong>de</strong>mos voltar por on<strong>de</strong> viemos ou contornar as<<strong>br</strong> />

colunas. Que preferem ?<<strong>br</strong> />

- Porque é que não vamos pela planicie ? Seria o caminho mais direto - disse<<strong>br</strong> />

Mackay, que se sentia um pouco aborrecido.<<strong>br</strong> />

- É o mais direto e o mais lento. Não se po<strong>de</strong> andar <strong>de</strong>pressa através <strong>de</strong>ssas<<strong>br</strong> />

couves gigantes...<<strong>br</strong> />

- Não gosto nunca <strong>de</strong> voltar por on<strong>de</strong> vim - <strong>com</strong>eçou Gibson. - O melhor será<<strong>br</strong> />

contornarmos as colinas e ver o que há por lá.<<strong>br</strong> />

O condutor sorriu.<<strong>br</strong> />

- Não alimente falsas esperanças. É mais ou menos a mesma coisa <strong>de</strong> ambos os<<strong>br</strong> />

lados. Vamos!<<strong>br</strong> />

A Pulga <strong>de</strong>u um salto em frente e a «Crista do Arco-Iris» não tardou a <strong>de</strong>saparecer<<strong>br</strong> />

atrás <strong>de</strong>les. A paisagem era agora <strong>com</strong>pletamente <strong>de</strong>serta, e até as árvores<<strong>br</strong> />

petrificadas tinham <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> se ver. Por vezes GiIbson <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ia uma mancha<<strong>br</strong> />

ver<strong>de</strong> que ele julgava ser vegetação, mas, quando se aproximavam, verificavam<<strong>br</strong> />

invariavelmente que se tatava <strong>de</strong> um afloramento <strong>de</strong> minério. A regiâo era<<strong>br</strong> />

fantásticamente bela, um paraiso para os geólogos, e Gibson fez votos para que<<strong>br</strong> />

nunca fosse <strong>de</strong>struida por operações mineiras. Seria certamente uma das maiores<<strong>br</strong> />

atrações <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Viajavam há meia hora quando a encosta da colina <strong>de</strong>sceu em direcção a um<<strong>br</strong> />

longo e tortuoso vale que era, sem dúvida alguma, o leito <strong>de</strong> um antigo curso <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

água. Talvez cinquenta milhões <strong>de</strong> anos antes, segundo dissera o condutor, um<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> rio passara por ali para levar as suas águas até o Mare Erythraeum - um dos<<strong>br</strong> />

pocos «mares» marcianos que merecia esse nome, ainda que <strong>com</strong> mutto atraso.<<strong>br</strong> />

Pararam a Pulga e olharam para o leito seco do rio. Gibson tentou imaginar aquela<<strong>br</strong> />

cena <strong>com</strong>o teria sido nos dias remotos em que os gran<strong>de</strong>s répteis reinavam so<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />

Terra e o Homem era ainda um sonho no futuro distante. As colinas vermelhas mal<<strong>br</strong> />

teriam mudado durante todo esse tempo, mas entre elas o rio correria lentamente<<strong>br</strong> />

para o mar, <strong>de</strong>vido à baixa gravida<strong>de</strong>. Era uma cena que quase po<strong>de</strong>ria ter<<strong>br</strong> />

pertencido à Terra, e teria sido testemunhada por olhos inteligentes? Ninguém sabia.<<strong>br</strong> />

Talvez houvessem Marcianos nesses tempos, mas o tempo sepultara-os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente.


O velho rio <strong>de</strong>ixara uma herança, pois ainda havia umida<strong>de</strong> ao longo das partes<<strong>br</strong> />

mais profundas do vale. Uma cinta estreita <strong>de</strong> vegetação saía do Erythraeum, o seu<<strong>br</strong> />

ver<strong>de</strong> forte contrastando vivamente <strong>com</strong> o escarlate das colinas. As plantas eram<<strong>br</strong> />

aquelas que Gibson já encontrara do outro lado das colinas, mas aqui e ali eram<<strong>br</strong> />

estranhas. Eram suficientemente altas para que lhes chamassem árvores, mas não<<strong>br</strong> />

tinham folhas - somente ramos finos <strong>com</strong>o chicotes que tremiam constantemente<<strong>br</strong> />

apesar da calma do ar. Gibson pensou que eram umas das coisas mais sinistras que<<strong>br</strong> />

jamais vira - uma planta terrivel, capaz <strong>de</strong> lançar subitamente seus tentáculos so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

um transeunte inocente. Na verda<strong>de</strong>, e <strong>com</strong>o ele bem sabia, eram inofensivas, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

tudo o mais em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Tinham ziguezageado pelo vale abaixo e estavam subindo a encosta fronteira<<strong>br</strong> />

quando o condutor, <strong>de</strong> súbito, fez parar a Pulga,<<strong>br</strong> />

- Olá! -dise ele. - Isto é estranho. Não sabia que havia tanto trânsito por estes<<strong>br</strong> />

lados!<<strong>br</strong> />

Durante um momento, Gibson, que na verda<strong>de</strong> não era o observador que gostaria<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ser, não <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u nada. Depois <strong>de</strong>u-se conta <strong>de</strong> um rastro meio apagado que<<strong>br</strong> />

corria através do vale, fazendo um ângulo reto <strong>com</strong> o caminho que seguiam.<<strong>br</strong> />

- Deve haver por aqui alguns veiculos pesados - disse o condutor. - Estou<<strong>br</strong> />

convencido <strong>de</strong> que este rastro não existia na última vez que passei por aqui -<<strong>br</strong> />

vejamos... há um ano. E não houve quaisquer expedições ao Erythraeum <strong>de</strong>s<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

então.<<strong>br</strong> />

- Aon<strong>de</strong> é que isto levará? - perguntou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Bem, se subirmos o vale e passarmos a colina, voltaremos para Port Lowell, e é o<<strong>br</strong> />

que eu penso fazer. A outra direcção nos levará ao Mare.<<strong>br</strong> />

- Temos tempo - porque é que não o seguimos um pouco?<<strong>br</strong> />

Cheio <strong>de</strong> má vonta<strong>de</strong>, o condutor fez rodar a Pulga e dirigu-se pare o vale. De<<strong>br</strong> />

tempos a tempos o rastro <strong>de</strong>saparecia, quando passavam so<strong>br</strong>e a rocha nua e lisa,<<strong>br</strong> />

mas voltavam sempre a surgir. Por fim, apesar disso, per<strong>de</strong>ram-no <strong>com</strong>pletamnente.<<strong>br</strong> />

O condutor parou a Pulga.<<strong>br</strong> />

- Sei o que aconteceu - disse ele. - Só há um caminho por on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ter<<strong>br</strong> />

seguido. Notaram a passagem a cerca <strong>de</strong> um quilômetro atrás? Dez contra um em<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o ele vai até lá!<<strong>br</strong> />

- E aon<strong>de</strong> é que isso leva ?<<strong>br</strong> />

- Isso é o mais curioso: é um perfeito beco sem saida.<<strong>br</strong> />

Ali há um pequeno e lindo anfiteatro <strong>com</strong> cerca <strong>de</strong> dois quilômetros <strong>de</strong> largura,<<strong>br</strong> />

mas não se po<strong>de</strong> sair <strong>de</strong> lá senão pelo caminho por on<strong>de</strong> se veio. Passei lá um par<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> horas quando fiz o primeiro levantamento <strong>de</strong>sta região. É um lugar muito bonito,<<strong>br</strong> />

bem a<strong>br</strong>igado e <strong>com</strong> alguma água na primavera.<<strong>br</strong> />

- Um escon<strong>de</strong>rijo excelente para os contrabandistas - disse Gibson, rindo.<<strong>br</strong> />

O condutor sorriu.<<strong>br</strong> />

- É uma boa i<strong>de</strong>ia. Talvez haja alguém contraban<strong>de</strong>ando bifes da Terra. Se me<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>rem um por semana, eu ficarei calado.<<strong>br</strong> />

A estreita passagem teria por certo sido aberta por um afluente do rio e era muito<<strong>br</strong> />

mais aci<strong>de</strong>ntada que o vale principal. Ainda não tinham avançado muito quando se<<strong>br</strong> />

tornou bem evi<strong>de</strong>nte que estavam no caminho correto.<<strong>br</strong> />

- Houve explosões por aqui - disse o condutor. Esta parte da estrada não existia<<strong>br</strong> />

quando vim aqui. Tive <strong>de</strong> fazer um <strong>de</strong>vio e quase fui o<strong>br</strong>igado a abandonar a Pulga.<<strong>br</strong> />

- Que acha que significa isto? - perguntou Gibson, muito excitado.<<strong>br</strong> />

- Oh, há tantos projetos <strong>de</strong> investigação, e tão especializados, que ninguém sabe<<strong>br</strong> />

nada so<strong>br</strong>e eles. Nem tudo po<strong>de</strong> ser feito próximo da cida<strong>de</strong>. Talvez estejam


construindo aqui um observatório magnético - tem-se falado muito nisso. Os<<strong>br</strong> />

geradores <strong>de</strong> Port Lowell ficariam bem escondidos pelas colinas. Mas não creio que<<strong>br</strong> />

seja essa a explicação porque ouvi... Meu Deus!<<strong>br</strong> />

Tinham saído subitamente da passagem e perante eles estava um oval ver<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

quase perfeito, flanqueado pelas colinas baixas, cor <strong>de</strong> ocre. Tempos atrás aquilo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>veria ter sido um belo lago da montanha; ainda era um alívio pra os olhos<<strong>br</strong> />

fatigados da rocha morta e multicolorida. Mas naquele momento Gibson notou o<<strong>br</strong> />

magnifico tapete <strong>de</strong> vegetação; ficou estupefato perante o grupo <strong>de</strong> cúpulas que,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o uma miniatura <strong>de</strong> Port Lowell, se encontrava no extremo da pequena planicie.<<strong>br</strong> />

Correram em silêncio pela estrada que fôra aberta através da vegetação. Ninguém<<strong>br</strong> />

se movia fora das redomas, mas um gran<strong>de</strong> veículo transportador, várias vezes maior<<strong>br</strong> />

que a Pulda da Areia, mostrava que alguém estava ali.<<strong>br</strong> />

- Que gran<strong>de</strong> instalação - disse o condutor, ao mesmo tempo em que ajustava a<<strong>br</strong> />

sua máscara. - Deve haver uma boa razão para gastarem tanto dinheiro aqui.<<strong>br</strong> />

Esperem um pouco enquanto eu vou falar <strong>com</strong> eles.<<strong>br</strong> />

Viram-no <strong>de</strong>saparecer na <strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar da redoma maior. Aos impacientes<<strong>br</strong> />

passageiros pareceu que ele se <strong>de</strong>morava <strong>de</strong>mais. Depois viram a porta exterior<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>ir-se e o condutor encaminhou-se lentamente para eles,<<strong>br</strong> />

- Bem - perguntou Gibson, ansiosamente, quando o homem voltou à cabine -, que<<strong>br</strong> />

disseram eles?<<strong>br</strong> />

Houve uma pequena pausa; <strong>de</strong>pois o condutor pôs o motor em funcionamento e a<<strong>br</strong> />

Pulga da Areia <strong>com</strong>eçou a afastar-se.<<strong>br</strong> />

- Então on<strong>de</strong> está essa famosa hospitalida<strong>de</strong> marciana? Não nos convidaram a<<strong>br</strong> />

entrar? - gritou Mackay.<<strong>br</strong> />

O condutor parecia atrapalhado. Gibson pensou que ele tinha a aparência <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />

homem que acabava <strong>de</strong> fazer uma bela figura <strong>de</strong> idiota.<<strong>br</strong> />

- É uma estação <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> plantas – disse ele, escolhendo as palavras<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> cuidado evi<strong>de</strong>nte – Funciona há pouco tempo e por isso eu nunca tinha ouvido<<strong>br</strong> />

falar nela. Não se po<strong>de</strong> ir lá <strong>de</strong>ntro porque a instalação é esterilizada e não querem<<strong>br</strong> />

que surjam esporos no seu interior – temos todos <strong>de</strong> mudar as roupas e tomar um<<strong>br</strong> />

banho <strong>de</strong>sinfetante.<<strong>br</strong> />

- Compreendo - disse Gibson. - Havia qualquer coisa que lhe dizia para não fazer<<strong>br</strong> />

mais perguntas. Sabia, para além <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> erro, que o seu guia<<strong>br</strong> />

lhe contara apenas parte da verda<strong>de</strong> – e a menos importante. Pela primeira vez, as<<strong>br</strong> />

pequenas divergências e dúvidas que ignorara ou esquecera <strong>com</strong>eçaram a cristalizarse<<strong>br</strong> />

no seu cére<strong>br</strong>o. Tinham <strong>com</strong>eçado antes <strong>de</strong> chegar a <strong>Marte</strong>, <strong>com</strong> a mudança <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

rumo da Ares para Deimos. E agora surgira aquela estação oculta. Fôra uma<<strong>br</strong> />

surpresa tão gran<strong>de</strong> para o seu guia <strong>com</strong>o para todos eles, mas o condutor<<strong>br</strong> />

procurava anular os efeitos da sua indiscrição aci<strong>de</strong>ntal.<<strong>br</strong> />

Havia qualquer coisa em tudo aquilo, Gibson não fazia i<strong>de</strong>ia do que era. Devia ser<<strong>br</strong> />

muito gran<strong>de</strong>, porque não dizia respeito somente a <strong>Marte</strong>, mas também a Phobos.<<strong>br</strong> />

Era qualquer coisa <strong>de</strong>sconhecida da maior parte dos colonos, ainda que eles<<strong>br</strong> />

colaborassem nela quando a <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iam.<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong> estava escon<strong>de</strong>ndo qualquer coisa. E só podia estar escon<strong>de</strong>ndo da Terra.


----------------------------CAPÍTULO X----------------------------<<strong>br</strong> />

O Gran<strong>de</strong> Hotel Marciano tinha agora nada menos que dois hóspe<strong>de</strong>s, o que<<strong>br</strong> />

exigia um severo reforço do seu pessoal temporário. O resto dos tripulantes da nave<<strong>br</strong> />

tinham arranjado alojamentos particulares, mas <strong>com</strong>o Jimmy não conhecia ninguém<<strong>br</strong> />

em Port Lowell, aceitara a hospitalida<strong>de</strong> oficial. Gibson se perguntava se aquilo seria<<strong>br</strong> />

um sucesso: não queria forçar <strong>de</strong>masiado a sua amiza<strong>de</strong> um tanto ou quanto<<strong>br</strong> />

provisória e se Jimmy o visse <strong>de</strong>masiadas vezes o resultado po<strong>de</strong>ria ser um <strong>de</strong>sastre.<<strong>br</strong> />

A vida <strong>de</strong>le em Port Lowell tornara-se uma rotina mais ou menos permanente. De<<strong>br</strong> />

manhã passava para o papel as suas impressões <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> – uma coisa presunçosa,<<strong>br</strong> />

levando-se em conta o pouco que vira do planeta. A tar<strong>de</strong> era reservada a visitas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

inspeção e conversas <strong>com</strong> os habitantes da cida<strong>de</strong>. Por vezes Jimmy a<strong>com</strong>panhava-o<<strong>br</strong> />

nesses passeios, e uma vez todos os tripulantes da Ares foram ao hospital, ver <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

o Dr. Scott e os seus camaradas progrediam na sua luta contra a fe<strong>br</strong>e marciana. Era<<strong>br</strong> />

ainda <strong>de</strong>masiado cedo para tirar conslusões, mas Scott mostrava-se otimista.<<strong>br</strong> />

Jimmy tinha duas razões para a<strong>com</strong>panhar Gibson nas suas voltas pela cida<strong>de</strong>. Em<<strong>br</strong> />

primeiro lugar, o escritor podia ir a quase todos os locais que <strong>de</strong>sejasse, incluindo<<strong>br</strong> />

aqueles que em condições normais o rapaz nunta teria conseguito visitar. A segunda<<strong>br</strong> />

razão era absolutamente pessoal e explicava o seu interesse cada vez maior pelo<<strong>br</strong> />

curioso caráter <strong>de</strong> Martin Gibson.<<strong>br</strong> />

Sabia que Gibson estava ansioso pela amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong>le e <strong>com</strong>preendia que o escritor<<strong>br</strong> />

podia ser extremamente útil para a sua carreira. No entanto, seria injusto dizer que<<strong>br</strong> />

Jimmy tinha essas consi<strong>de</strong>rações materiais em primeiro plano no seu espírito.<<strong>br</strong> />

A vida <strong>de</strong> Jimmy iria, no entanto, ser transformada por um novo e inesperado<<strong>br</strong> />

elemento. Uma tar<strong>de</strong>, dirigiu-se ao pequeno café em frente ao edifício da<<strong>br</strong> />

Administração. Escolheu mal a hora, porque quando estava bebendo um pouco <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

chá que nunca chegara a uns bons milhões <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong> Ceilão, a casa foi<<strong>br</strong> />

subitamente invadida. Era o periodo <strong>de</strong> vinte minutos, durante a tar<strong>de</strong>, em que todo<<strong>br</strong> />

o trabalho parava o<strong>br</strong>igatoriamente em <strong>Marte</strong>. Uma regra que o Diretor-Geral<<strong>br</strong> />

inventara e impunha em favor da eficiência, ainda que todo mundo preferisse ir para<<strong>br</strong> />

casa mais cedo esses mesmo vinte minutos. Jimmy viu-se subitamente ro<strong>de</strong>ado por<<strong>br</strong> />

um exército <strong>de</strong> moças que o olharam <strong>com</strong> uma candura alarmante e uma <strong>com</strong>pleta<<strong>br</strong> />

falta <strong>de</strong> artificialida<strong>de</strong>. Meia duzia <strong>de</strong> homens já tinha sido arrastada por aquela<<strong>br</strong> />

inundação, mas para se protegerem haviam-se reunido em torno <strong>de</strong> uma mesa e, a<<strong>br</strong> />

avaliar pelas suas expressões, continuavam a luta mentalmente <strong>com</strong> as pastas que<<strong>br</strong> />

tinham <strong>de</strong>ixado so<strong>br</strong>e as secretárias. Jimmy resolveu beber o chá tão <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

quanto possível e sair.<<strong>br</strong> />

Uma mulher <strong>de</strong> aspecto duro, <strong>de</strong> trinta e muitos anos - provavelmente chefe <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

secretaria - estava sentada em frente <strong>de</strong>le, falando <strong>com</strong> uma moça muito mais


jovem, Era dificil a<strong>br</strong>ir caminho. Quando Jimmy tentou passar, tropeçou num pé<<strong>br</strong> />

estendido. Agarrou-se à mesa quando caiu e conseguiu evitar um <strong>de</strong>sastre <strong>com</strong>pleto,<<strong>br</strong> />

mas à custa <strong>de</strong> a<strong>br</strong>ir <strong>com</strong> o cotovelo uma gran<strong>de</strong> fenda no tampo <strong>de</strong> vidro.<<strong>br</strong> />

Esquecendo que não estava a bordo da Ares, aliviou seus sentimentos <strong>com</strong> algumas<<strong>br</strong> />

palavras bem bem escolhidas. Depois, ru<strong>br</strong>o <strong>de</strong> vergonha, fugiu em direção à rua e à<<strong>br</strong> />

liberda<strong>de</strong>. Viu <strong>de</strong> relance a mulher mais idosa esforçando-se para não rir, mas a mais<<strong>br</strong> />

nova nem tentou dominar-se.<<strong>br</strong> />

E <strong>de</strong>pois, ainda que isso parecesse inconcebível, esqueceu-se <strong>de</strong> ambas.<<strong>br</strong> />

Foi Gibson que, muito aci<strong>de</strong>ntalmente, forneceu o segundlo estímulo, Estavam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>entando so<strong>br</strong>e o rápido crescimento da cida<strong>de</strong> e o escritor notara o fato <strong>de</strong> haver<<strong>br</strong> />

uma distribuição anormal <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s entre a população, causada pelo fato <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ninguém <strong>com</strong> menos <strong>de</strong> vinte e um anos ser autorizado a emigrar para <strong>Marte</strong>, pelo<<strong>br</strong> />

que havia uma ausência <strong>com</strong>pleta <strong>de</strong> jovens entre os <strong>de</strong>z e os vinte e um anos - uma<<strong>br</strong> />

ausência que, <strong>de</strong> resto, não <strong>de</strong>moraria a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> verificar-se, dada a alta taxa <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nascimentos da colónia. Jimmy observou, subitamente:<<strong>br</strong> />

- É curioso. Ontem vi uma moça que não <strong>de</strong>ve ter mais do que <strong>de</strong>zoito anos.<<strong>br</strong> />

Calou-se. Como uma bomba <strong>de</strong> ação retardada, a memória do rosto da jovem,<<strong>br</strong> />

aberto numa gargalhada, quando ele tropeçara, explodiu no seu espírito. Nem<<strong>br</strong> />

sequer ouviu Gibson dizer-lhe que <strong>de</strong>veria ter se enganado. Sabia apenas que, quem<<strong>br</strong> />

quer que ela fose e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tivesse vindo, não tardaria a vê-la <strong>de</strong> novo.<<strong>br</strong> />

Num lugar <strong>com</strong>o Port Lowell, ninguém <strong>de</strong>morava muito tempo a encontrar outra<<strong>br</strong> />

pessoa. No entanto, Jimmy não se sentiu disposto a <strong>de</strong>ixar isso entregue às leis do<<strong>br</strong> />

acaso. No dia seguinte, exatamente antes do perído da folga da tar<strong>de</strong>, estava na<<strong>br</strong> />

mesma mesa bebendo chá.<<strong>br</strong> />

Esperou ali até que o café voltasse a esvaziar-se e não viu a moça e a sua<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheira. Deviam ter ido para qualquer outro local.<<strong>br</strong> />

Pensou em observar o edifício da Administração, na hora da entrada e saída do<<strong>br</strong> />

pessoal, apesar <strong>de</strong> ser um gran<strong>de</strong> problema fazê-lo disfarçadamente. Antes <strong>de</strong> ter<<strong>br</strong> />

feito qualquer tentativa para resolver, o <strong>de</strong>stino surgiu-lhe na pessoa <strong>de</strong> Martin<<strong>br</strong> />

Gibson, um pouco sem fôlego.<<strong>br</strong> />

- Tenho andado à tua procura, Jimmy. É melhor que te vistas o mais <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

possível. Sabes que hoje temos teatro? Espero encontraruma roupa a<strong>de</strong>quada.<<strong>br</strong> />

Conseguiram-no, mas <strong>com</strong> muita dificulda<strong>de</strong>. O traje <strong>de</strong> cerimônia em <strong>Marte</strong> era<<strong>br</strong> />

constituído apenas por uma camisa <strong>de</strong> seda <strong>br</strong>anca <strong>com</strong> duas filas <strong>de</strong> botões <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pérola, e uma gravata preta, <strong>com</strong> laço, e calças pretas <strong>com</strong> um cinto largo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alumínio e elástico. Era mais elegante do que seria <strong>de</strong> se esperar, mas Gibson achou<<strong>br</strong> />

que parecia um pouco agarotado. Nor<strong>de</strong>n e Hilton tinham uma bela aparência,<<strong>br</strong> />

vestidos assim. Mackcay e Scott não tinham tanta sorte e era evi<strong>de</strong>nte que Bradley<<strong>br</strong> />

nem sequer pensava em tal.<<strong>br</strong> />

A residência do Chefe era a maior <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, ainda que na Terra tivesse sido muito<<strong>br</strong> />

mo<strong>de</strong>sta. Juntaram-se na sala <strong>de</strong> estar e conversaram um pouco, antes do jantar. O<<strong>br</strong> />

«Mayor» Whittaker também fôra convidado, na sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imediato <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Hadfield, e Gibson teve ocasião <strong>de</strong> <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r pela primeira vez o respeito e a<<strong>br</strong> />

admiração que os colonos tinham pelos homens que os ligavam à Terra. Hadfield<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>teve-se bastante tempo falando da Ares <strong>de</strong> uma maneira um tanto lírica, pensando<<strong>br</strong> />

nos efeitos que a sua velocida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga teriam so<strong>br</strong>e a economia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Antes <strong>de</strong> irmos para a sala <strong>de</strong> jantar – disse o Chefe -, gostaria que conhecessem<<strong>br</strong> />

a minha filha. Tem estado preparando tudo. Um momento...<<strong>br</strong> />

Voltou daí a pouco e disse numa voz que pretendia não ser orgulhosa, mas falhava


<strong>com</strong>pletamente:<<strong>br</strong> />

- Aqui têm Irene, - Apresentou-a aos convidados, um a um, e finalmente a Jimmy.<<strong>br</strong> />

Irene olhou para ele e sorriu.<<strong>br</strong> />

- Creio que já nos encontramos - disse ela.<<strong>br</strong> />

Jimmy corou ainda mais, mas não se perturbou e respon<strong>de</strong>u <strong>com</strong> outro sorriso.<<strong>br</strong> />

- Não se enganou – respon<strong>de</strong>u ele.<<strong>br</strong> />

Era <strong>de</strong> fato um disparate que ele não tivesse previsto tudo. Em <strong>Marte</strong>, o único<<strong>br</strong> />

homem que podia que<strong>br</strong>ar as regras era aquele que as estabelecia. Jimmy lem<strong>br</strong>ouse<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ter ouvido que o Chefe tinha uma fillha, mas nunca tivera ocasião <strong>de</strong> ligar os<<strong>br</strong> />

dois fatos. Agora tudo estava certo: Quando Hadfield e a mulher tinham vindo para<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>, haviam trazido consigo a sua única filha, <strong>com</strong>o parte do contrato, Mais<<strong>br</strong> />

ninguém o pu<strong>de</strong>ra fazer.<<strong>br</strong> />

O jantar foi excelente, mas Jimmy não soube saboreá-lo. E <strong>com</strong>o estava sentado<<strong>br</strong> />

perto do extremo da mesa, só podia ver Irene esticando o pescoço <strong>de</strong> uma maneira<<strong>br</strong> />

pouco cavalheiresca. Sentiu-se satisfeito quando a refeição chegou ao fim e foram<<strong>br</strong> />

tomar café.<<strong>br</strong> />

Os outros dois familiares do Diretor-Geral esperavam pelos convidados: Um par <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gatos siameses já ocupava os seus lugares, olhando os visitantes <strong>com</strong> olhos<<strong>br</strong> />

infinitamente profundos. Eram Topásio e Turquesa e Gibson, que adorava gatos,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou imediatamente a tentar captar a amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

- Gosta <strong>de</strong> gatos? - perguntou Irene a Jimmy.<<strong>br</strong> />

- Muito! - respon<strong>de</strong>u o rapaz, apesar <strong>de</strong> odiá-los – Há quanto tempo estão aqui?<<strong>br</strong> />

- Há cerca <strong>de</strong> um ano. São os únicos animais existentes em <strong>Marte</strong>! Saberão eles<<strong>br</strong> />

disso?<<strong>br</strong> />

- Não sei. Mas <strong>Marte</strong> sabe... Não estarão sendo mimados em <strong>de</strong>mais?<<strong>br</strong> />

- São <strong>de</strong>masiado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Não creio que dêem atenção a quem quer que<<strong>br</strong> />

seja - nem mesmo ao Pai, apesar <strong>de</strong>le afirmar o contrário.<<strong>br</strong> />

Com gran<strong>de</strong> sutileza, Jimmy conseguiu arrastar a conversa para assuntos mais<<strong>br</strong> />

pessoais. Desco<strong>br</strong>iu que ela trabalhava na seção <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>. E que a posição<<strong>br</strong> />

do pai, longe <strong>de</strong> a ajudar, talvez a prejudicasse.<<strong>br</strong> />

Era muito difícil conseguir que Irene falasse muito so<strong>br</strong>e <strong>Marte</strong>. Tinha uma<<strong>br</strong> />

ansieda<strong>de</strong> extrema <strong>de</strong> ouvir falar da Terra, o planeta que ela <strong>de</strong>ixara quando era<<strong>br</strong> />

criança e que tinha para ela características irreais. Jimmy falou das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

das montanhas e dos mares, do céu azul e das nuvens, dos rios e do arco-íris – <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

tudo quanto <strong>Marte</strong> per<strong>de</strong>ra. Enquanto falava, foi ficando mais e cada vez mais<<strong>br</strong> />

enfeitiçado pelos olhos sorri<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Irene. Até que sentiu que se estabelecera um<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> silêncio. todo mundo olhava para eles.<<strong>br</strong> />

- Bom! - disse o Diretor-Geral. - Se os dois já acabaram, será melhor que saiamos.<<strong>br</strong> />

O espetáculo <strong>com</strong>eça <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos.<<strong>br</strong> />

Quando chegaram ao pequeno teatro encontraram quase todo mundo lá. Gibson,<<strong>br</strong> />

Hadfield e Irene foram instalados ao centro, la<strong>de</strong>ados por Nor<strong>de</strong>n e Hilton. Jimmy<<strong>br</strong> />

não teve outra alternativa senão a <strong>de</strong> olhar para o palco.<<strong>br</strong> />

Como todas as récitas <strong>de</strong> amadores, tinha alguns momentos bons. Havia um<<strong>br</strong> />

mezzo-soprano que igualava o melhor nivel profissional da Terra. Gibson não ficou<<strong>br</strong> />

surpreendido quando, após o nome <strong>de</strong>la, no programa, encontrou a indicação <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

pertencera à Opera Real, do Convent Gar<strong>de</strong>n.<<strong>br</strong> />

Depois <strong>de</strong> um intermédio dramático e <strong>de</strong> um ventríloquo fantástico - que na<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong> usava um receptor <strong>de</strong> rádio <strong>de</strong>ntro do boneco-ajudante e um <strong>com</strong>parsa fora<<strong>br</strong> />

do palco, o escritor assistiu a um quadro so<strong>br</strong>e a vida na cida<strong>de</strong>, tão cheio <strong>de</strong> alusões


locais que ele mal pô<strong>de</strong> <strong>com</strong>preendê-lo. No entanto, as dificulda<strong>de</strong>s da principal<<strong>br</strong> />

personagem – obviamente baseada no «Mayor» Whittaker - originavam<<strong>br</strong> />

tempesta<strong>de</strong>s<strong>de</strong> riso. E as gargalhadas aumentaram quando ele <strong>com</strong>eçou a ser<<strong>br</strong> />

perseguido por outra personagem fantásticia que fazia continuamente perguntas<<strong>br</strong> />

ridícuias, anotando sempre as respostas num pequeno livro, que perdia<<strong>br</strong> />

constantemente, e fotografando tudo quanto via.<<strong>br</strong> />

Passaram-se alguns minutos antes que Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse o que estava<<strong>br</strong> />

acontecendo, Ficou ru<strong>br</strong>o por um momento. Depois fez a única coisa que lhe era<<strong>br</strong> />

possivel: riu ainda mais que os outros.<<strong>br</strong> />

Por fim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem entoado algumas canções em coro - numa expressão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quanto aqueles homens e aqueIas mulheres estavam unidos numa mesma tarefa,<<strong>br</strong> />

em direção a um objetivo <strong>com</strong>um, na consciência <strong>de</strong> que o seu trabalho era vital<<strong>br</strong> />

para a <strong>com</strong>unida<strong>de</strong>, sairam do teatro, aos dois e aos três, rindo, falando e cantando,<<strong>br</strong> />

e dissolveram-se na noite. Gibson e os seus amigos dirigiram-se para o hotel, <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedirem do Chefe e do «Mayor» Whittaker. Os dois homens que dirigiam<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong> viram-nos <strong>de</strong>saparecer nas ruas estreitas. Depois Hadfield virou-se para a filha<<strong>br</strong> />

e disse:<<strong>br</strong> />

- Vai para casa, querida. Mr Whittaker e eu vamos passear um pouco. Daqui a<<strong>br</strong> />

meia hora estarei lá.<<strong>br</strong> />

Esperaram até que a pequena praça ficasse <strong>de</strong>serta. O «Mayor» Whittaker, que<<strong>br</strong> />

sabia o que o esperava, parecia muito inquieto.<<strong>br</strong> />

- Lem<strong>br</strong>a-me <strong>de</strong> dar os parabéns a George amanhã - disse Hadfield.<<strong>br</strong> />

- Sim. Gostei da alusão so<strong>br</strong>e a nossa dor <strong>de</strong> cabeça: Gibson. Queres proce<strong>de</strong>r à<<strong>br</strong> />

autópsia da última habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le?<<strong>br</strong> />

O Chefe mostrou-se um pouco hesitante.<<strong>br</strong> />

-Agora é tar<strong>de</strong> e não há prova <strong>de</strong> ter havido um prejuizo verda<strong>de</strong>iro. Pergunto<<strong>br</strong> />

apenas qual será a maneira <strong>de</strong> evitar aci<strong>de</strong>ntes futuros.<<strong>br</strong> />

- Não se po<strong>de</strong> dizer que o motorista tenha sido o culpado. Não conhecia o Projeto<<strong>br</strong> />

e foi por sorte que <strong>de</strong>parou <strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />

- Achas que Gibson suspeita <strong>de</strong> qualquer coisa?<<strong>br</strong> />

- Não sei. Mas ele é muito esperto.<<strong>br</strong> />

- Que belo momento para mandarem um jornalista para cá! Só Deus sabe o que<<strong>br</strong> />

eu invento para mantê-lo afastado <strong>de</strong> tudo.<<strong>br</strong> />

- Se ficar aqui muito mais tempo acabará <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>indo qualquer coisa. Creio que só<<strong>br</strong> />

há uma solução.<<strong>br</strong> />

- Qual?<<strong>br</strong> />

- Contar-lhe o que se passa. Não tudo, mas o suficiente.<<strong>br</strong> />

Caminharam alguns metros em silêncio. Depois Hadfield falou:<<strong>br</strong> />

- Isto é muito drástico. Estás partindo do princípio <strong>de</strong> que ele é inteiramente digno<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> confiança.<<strong>br</strong> />

- Tenho-o a<strong>com</strong>panhado muito estas semanas. Fundamentalmente está do nosso<<strong>br</strong> />

lado. Entenda, estamos fazendo aquilo que tem sido o motivo do seus escritos,<<strong>br</strong> />

durante toda a vida. Seria fatal se o <strong>de</strong>ixássemos voltar à Terra, suspeitando<<strong>br</strong> />

qualquer coisa, mas sem saber <strong>de</strong> nada.<<strong>br</strong> />

Seguiu-e outro longo silêncio. Chegaram à periferia da redoma e olharam para a<<strong>br</strong> />

paisagem marciana, mal iluminada pela cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Tenho <strong>de</strong> pensar no assusnto – disse Hadfield voltando para trás. - De resto,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da rapi<strong>de</strong>z <strong>com</strong> que as coisas avançarem.<<strong>br</strong> />

- Quaisquer indícios?


- Não. O diabo que os levem. Nunca se po<strong>de</strong> acreditar numa data indicada por<<strong>br</strong> />

cientistas.<<strong>br</strong> />

Um par <strong>de</strong> jovens, <strong>de</strong> <strong>br</strong>aço dado, passou por eles, sem os ver. Whittaker riu-se<<strong>br</strong> />

por entre os <strong>de</strong>ntes.<<strong>br</strong> />

- Isto lem<strong>br</strong>ou-me uma coisa. Irene parece ter-se agradado do rapaz. Como é que<<strong>br</strong> />

ele se chama ? Spencer.<<strong>br</strong> />

- Oh! Não sei.É sempre uma festa ver uma cara nova, E as viagens no espaço são<<strong>br</strong> />

muito mais românticas do que o trabalho que temos aqui.<<strong>br</strong> />

- Todas as moças bonitas gostam dos marinheiros. Não é? Bem. Não digas que<<strong>br</strong> />

não te avisei.<<strong>br</strong> />

Não tardou a tornar-se evi<strong>de</strong>nte a Gibson que acontecera qualquer coisa <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Jimmy e o que fôra que acontecera. Aprovou a escolha do rapaz: Irene parecia uma<<strong>br</strong> />

bela moça pelo pouco que vira <strong>de</strong>la. Não era muito <strong>com</strong>plicada, o que <strong>de</strong> modo<<strong>br</strong> />

algum constituía uma <strong>de</strong>svantagem. Muito mais importante era o fato <strong>de</strong>la ter uma<<strong>br</strong> />

disposição alegre e feliz, ainda que uma vez ou duas o escritor a tivesse<<strong>br</strong> />

surpreendido numa atitu<strong>de</strong> pensativa que era muito atraente. Era também<<strong>br</strong> />

extremamente bonita; Gibson tinha ida<strong>de</strong> suficiente para <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que isso não<<strong>br</strong> />

era muito importante, mas Jimmy podia ter uma opinião diferente.<<strong>br</strong> />

A princípio <strong>de</strong>cidiu-se a não dizer nada so<strong>br</strong>e o assunto. Mas quando o rapaz falou<<strong>br</strong> />

na possibillida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar uma temporada em Port Lowell, não pô<strong>de</strong> dominar-se,<<strong>br</strong> />

apesar <strong>de</strong> ser uma prática usual, por parte dos tripulantes das naves. Mackay, por<<strong>br</strong> />

exemplo, estava dando aulas noturnas <strong>de</strong> matemática, e o po<strong>br</strong>e Dr. Scott nem<<strong>br</strong> />

sequer tivera tempo para respirar, antes <strong>de</strong> ir trabalhar no hospital.<<strong>br</strong> />

Mas Jimmy, ao que parecia, pensava numa coisa diferente. Havia falta <strong>de</strong> pessoal<<strong>br</strong> />

na seção <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> e, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le, os seus conhecimentos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

matemática po<strong>de</strong>riam ser úteis ali. Gibson ouviu-o <strong>com</strong> autêntica <strong>de</strong>lícia.<<strong>br</strong> />

- Meu bom Jmmy - disse ele -, porque é que me contas tudo isso ? Não há nada<<strong>br</strong> />

que te impeça <strong>de</strong> fazeres o que quiseres.<<strong>br</strong> />

- Bem sei, mas talvez seja mais fácil se me fizer o favor <strong>de</strong> falar a respeito do<<strong>br</strong> />

assunto <strong>com</strong> o «Mayor» Whittaker.<<strong>br</strong> />

- Falarei ao Chefe se quizeres.<<strong>br</strong> />

- Oh, não. Não é... - Jimmy calou-se e tentou corrigir o seu <strong>de</strong>scuido. - Não vale a<<strong>br</strong> />

pena aborrecê-lo <strong>com</strong> tais pormenores.<<strong>br</strong> />

- Olha, Jimmy – disse Gibson num tom muito firme. - Porque é que não cofessas<<strong>br</strong> />

tudo? A idéia é tua ou <strong>de</strong> Irene?<<strong>br</strong> />

Valera a pena viajar até <strong>Marte</strong> para ver a expressão do rapaz. Parecia um peixe<<strong>br</strong> />

que estivesse respirando ar há algum tempo e só então <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>isse isso.<<strong>br</strong> />

- Oh! - disse ele por fim. - Não sabia que tinha <strong>com</strong>preendido. Não diga nada a<<strong>br</strong> />

ninguém, certo?<<strong>br</strong> />

Gibson ia dizer que era <strong>de</strong>snecessário, mas viu qualquer coisa nos olhos do rapaz<<strong>br</strong> />

que o levou a abandonar todos os propósitos <strong>de</strong> fazer humor. Tudo havia voltado ao<<strong>br</strong> />

princípio – sabia bem o que Jimmy sentia. Talvez o rapaz viesse mais tar<strong>de</strong> a<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir <strong>de</strong> novo o amor, mas a memória <strong>de</strong> Irene daria cor e forma a toda a sua<<strong>br</strong> />

vida – tal <strong>com</strong>o a própria Irene seria a memória <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al que ele trouxera consigo<<strong>br</strong> />

àquele universo.<<strong>br</strong> />

- Farei o que pu<strong>de</strong>r – disse o escritor, e disse-o <strong>com</strong> todo o seu coração. Ainda que<<strong>br</strong> />

a história pu<strong>de</strong>sse repetir-se, nunca o fazia <strong>com</strong> tanta exatidão, e uma geração podia<<strong>br</strong> />

sempre apren<strong>de</strong>r alguma coisa <strong>com</strong> os erros da última. Algumas coisas estavam para<<strong>br</strong> />

além <strong>de</strong> todo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> previsão, mas ele faria tudo quanto pu<strong>de</strong>sse para auxiliá-


los, e <strong>de</strong>ssa vez o resultado seria diferente.


----------------------------CAPÍTULO XI----------------------------<<strong>br</strong> />

A luz amarela estava acesa, Gibson bebeu um último gole <strong>de</strong> água e veriftcou se<<strong>br</strong> />

os papéis escritos por ele estavam em or<strong>de</strong>m. Sempre que falava no rádio, sentia um<<strong>br</strong> />

nó na garganta. O operador levantou um <strong>de</strong>do; a luz amarela mudou para vermelho.<<strong>br</strong> />

- Atenção, Terra. Martin Gibson fala-vos <strong>de</strong> Port Lowell, em <strong>Marte</strong>. É um gran<strong>de</strong> dia<<strong>br</strong> />

para nós. Esta manhã a nova redoma foi cheia e a cida<strong>de</strong> quase do<strong>br</strong>ou <strong>de</strong> tamanho.<<strong>br</strong> />

Não sei se posso transmitir-lhes a impressão do triunfo que isto representa, a<<strong>br</strong> />

sensação <strong>de</strong> vitória que nos dá na batalha contra <strong>Marte</strong>. Mas tentarei fazê-lo.<<strong>br</strong> />

«Sabem que é impossivel respirar a atmosfera marciana. É <strong>de</strong>masiado rarefeita e<<strong>br</strong> />

quase não contém oxigênio. Port Lowell, a nossa maior cida<strong>de</strong>, encontra-se sob<<strong>br</strong> />

quatro redomas <strong>de</strong> plástico transparente sustentadas pela pressão do ar no seu<<strong>br</strong> />

interior - ar que po<strong>de</strong>mos respirar confortávelmente, ainda que seja muito menos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>nso que o vosso.<<strong>br</strong> />

«Durante o ano passado foi construída uma nova redoma, duas vezes maior que<<strong>br</strong> />

qualquer das outras, Vou <strong>de</strong>screvê-la <strong>com</strong>o era ontem, quando entrei nela antes <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçarem a enchê-la.<<strong>br</strong> />

«Imaginem um gran<strong>de</strong> espaço circular <strong>com</strong> quinhentos metros <strong>de</strong> diâmetro,<<strong>br</strong> />

ro<strong>de</strong>ado por uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> tijolos <strong>de</strong> vidro <strong>com</strong> o do<strong>br</strong>o da altura <strong>de</strong> um homem.<<strong>br</strong> />

Nessa pare<strong>de</strong> a<strong>br</strong>em-se os túneis <strong>de</strong> ligação às outras cúpulas e as saídas diretas<<strong>br</strong> />

para a magnífica paisagem ver<strong>de</strong> que nos cerca. Os túneis são simples tubos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

metal <strong>com</strong> gran<strong>de</strong>s portas que se fechariam automaticamente se o ar escapasse <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

qualquer das cúpulas.<<strong>br</strong> />

«Quando entrei ontem na Redoma Sete, todo esse gran<strong>de</strong> espaço circular estava<<strong>br</strong> />

coberto <strong>com</strong> uma película fina e transparente, unida à pare<strong>de</strong> circundante, e caída<<strong>br</strong> />

no chão em gran<strong>de</strong>s do<strong>br</strong>as sob as quais tínhamos <strong>de</strong> a<strong>br</strong>ir caminho. Era <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

estivéssemos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um balão antes <strong>de</strong>le ser cheio. A cúpula é feita <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />

plástico muito forte, <strong>de</strong> uma transparência quase perfeita, e muito flexível.<<strong>br</strong> />

«Evi<strong>de</strong>ntemente, tive <strong>de</strong> usar a minha máscara, porque, ainda que a redoma já<<strong>br</strong> />

tivesse sido tornada estanque, não havia praticamente ar algum <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. Estava<<strong>br</strong> />

sendo bombeado tão rapidamente quanto possível e eu podia ver as gran<strong>de</strong>s folhas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> plástico moverendo-se preguiçosamente, à medida que a pressão subia.<<strong>br</strong> />

«Isso continuou por toda a noite. Quando nessa manhã voltei à redoma, a<<strong>br</strong> />

primeira coisa que vi foi que a cúpula formara uma gran<strong>de</strong> bolha ao centro, muito<<strong>br</strong> />

embora continuasse plana na periferia. Essa enorme bolha, <strong>com</strong> cem metros <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

diâmetro, movia-se em redor <strong>com</strong>o se estivesse viva – e não parava.<<strong>br</strong> />

«Cerca do meio da manhã, crescera <strong>de</strong> tal modo que já podíamos ver a redoma<<strong>br</strong> />

inteira tomando forma; a cúpula abandonara inteiramente o chão. Parou-se a


ombagem durante algum tempo para verificar as fugas e <strong>de</strong>pois voltou-se a<<strong>br</strong> />

trabalhar por volta do meio-dia. O Sol então também já estava nos ajudando,<<strong>br</strong> />

aquecendo o ar e expandindo-o.<<strong>br</strong> />

«Há três horas terminou a prime1ra fase do enchimento. Tiramos as máscaras e<<strong>br</strong> />

rompemos em aclamações. O ar ainda não estava suficientemente <strong>de</strong>nso para ser<<strong>br</strong> />

confortável, mas podíamos respirá-lo e os engenheiros podiam trabalhar sem se<<strong>br</strong> />

preocuparem <strong>com</strong> as máscaras. Passarão os dias seguntes verificando os esforços a<<strong>br</strong> />

que a cúpula está sendo submetida e procurando fugas. Encontrarão por certo<<strong>br</strong> />

algumas, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as perdas <strong>de</strong> ar não excedam um certo valor não se<<strong>br</strong> />

importarão <strong>com</strong> isso.<<strong>br</strong> />

«Portanto é <strong>com</strong>o se tivéssemos aumentado um pouco mais a nossa fronteira em<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>. Não tardarão a surgir novos edifícios sob a Redoma Sete e estamos fazendo<<strong>br</strong> />

planos para um pequeno parque e até um lago – o único <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

«De resto, isto é apenas o princípio, e um dia representará uma proeza sem<<strong>br</strong> />

importância, mas é um gran<strong>de</strong> passo na nossa batalha – representa a conquista <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

outro pedaço <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. E representa também espaço para viverem mais mil pessoas.<<strong>br</strong> />

Ouviram isto, aí na Terra? Boa noite!»<<strong>br</strong> />

A luz vermelha apagou-se. Durante um instante, Gibson olhou para o microfone,<<strong>br</strong> />

pensando no fato <strong>de</strong> que as suas palavras, apesar <strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocarem à velocida<strong>de</strong> da<<strong>br</strong> />

luz, só naquele momento estarem chegando à Terra. Depois juntou os seus papéis e<<strong>br</strong> />

atravessou as portas acolchoadas em direção à sala <strong>de</strong> <strong>com</strong>ando.<<strong>br</strong> />

O operador esten<strong>de</strong>u-lhe um telefone.<<strong>br</strong> />

- Uma chamada para si, Mr. Gibson. Houve alguém que não per<strong>de</strong>u tempo!<<strong>br</strong> />

- Sem dúvida - respon<strong>de</strong>u ele <strong>com</strong> um sorriso – Fala Gibson.<<strong>br</strong> />

- Aqui Hadfield. Parabéns. Estive ouvindo. Também foi transmitico pela estação<<strong>br</strong> />

local, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>ve saber.<<strong>br</strong> />

- Estou satisfeito por ter gostado.<<strong>br</strong> />

Hadfield riu-se por entre os <strong>de</strong>ntes.<<strong>br</strong> />

- Provavelmente <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que li a maior parte das suas palestras anteriores.<<strong>br</strong> />

Foi muito interessante notar a mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Que mudança ?<<strong>br</strong> />

- Antes você dizia «eles». Agora diz «nós». Talvez não tenha dito tudo, mas creio<<strong>br</strong> />

que fui bastante claro.<<strong>br</strong> />

Não <strong>de</strong>u tempo a Gibson para lhe respon<strong>de</strong>r, pois que prosseguiu:<<strong>br</strong> />

- Finalmente consegui arranjar-te passagem para Skia. Temas um jato <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

passageiros na quarta-feira, <strong>com</strong> espaço para três. Whittaker falará consigo. A<strong>de</strong>us.<<strong>br</strong> />

A primeira oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver <strong>Marte</strong> em gran<strong>de</strong> escala chegara. Dentro <strong>de</strong> dias<<strong>br</strong> />

voaria para Port Schiaparelli, a segunda cida<strong>de</strong> do planeta, a <strong>de</strong>z mil quilômetros a<<strong>br</strong> />

leste, no Trivium Charontis. A viagem fôra planejada uma quinzena antes, mas surgia<<strong>br</strong> />

sempre qualquer coisa que fazia adiá-la. Tinha <strong>de</strong> dizer a Jimmy e Hilton que se<<strong>br</strong> />

aprontassem – tinham sido aqueles que a sorte <strong>de</strong>signara. Talvez Jimmy não tivesse<<strong>br</strong> />

agora tanta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir <strong>com</strong>o mostrara ter da primeira vez. Sem dúvida que<<strong>br</strong> />

contava <strong>com</strong> ansieda<strong>de</strong> os dias que ainda lhe restavam em <strong>Marte</strong>, e odiaria tudo que<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>sse afastá-lo <strong>de</strong> Irene. Mas se ele recusasse aquela oportunida<strong>de</strong>, Gibson não<<strong>br</strong> />

teria por ele qualquer espécia <strong>de</strong> simpatia.<<strong>br</strong> />

- Um belo aparelho, não é? - disse o piloto, orgulhoso. - Só há seis <strong>com</strong>o este em<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>. E difícil <strong>de</strong>senhar um jato que possa voar nesta atmosfera, mesmo <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

baixa gravida<strong>de</strong> a ajudá-lo<<strong>br</strong> />

Gtbson não sabia o suficiente so<strong>br</strong>e aerodinâmica para apreciar os pormenores


mais importantes da aeronave, mas <strong>com</strong>preendia que a área das asas era<<strong>br</strong> />

anormalmente gran<strong>de</strong>. O aparelho fôra construído para vôos rápidos e longos - e<<strong>br</strong> />

para pousar em qualquer superficie que fosse aproximadamente plana, segundo se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>duzia do trem <strong>de</strong> aterrissagem, que parecia um trator.<<strong>br</strong> />

Subiu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Jimmy e Hilton e a<strong>com</strong>odou-se o melhor que pô<strong>de</strong> no pequena<<strong>br</strong> />

espaço disponível. A maior parte da cabine era ocupada por gran<strong>de</strong>s caixas - carga<<strong>br</strong> />

urgente para Skia, por certo.<<strong>br</strong> />

Os motores aceleraram ràpidamente. O avião rumou para oriente e a gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

«ilha» do Aurorae Sinus afundou-se no horizonte do planeta. À parte alguns oásis, o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>serto estava na frente <strong>de</strong>les, numa extensão <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> quilômetros.<<strong>br</strong> />

O piloto passou as <strong>com</strong>andos a automáticos e veio até o meio do aparelho para<<strong>br</strong> />

falar <strong>com</strong> os passageiros.<<strong>br</strong> />

- Estaremos em Charontis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quatro horas, mais ou menos – disse ele.<<strong>br</strong> />

Receio que entretanto não tenham muito que ver, apesar <strong>de</strong> encontrarmos alguns<<strong>br</strong> />

efeitos coloridos curiosos quando chegarmos no Euphrates. Depois será um <strong>de</strong>serto<<strong>br</strong> />

muito uniforme até chegarmos ao Sirtis Major.<<strong>br</strong> />

Gibson fez uns rápidos cáculos mentais.<<strong>br</strong> />

- Vejamos: Estamos voando para leste e partimos bastante tar<strong>de</strong>. Quando<<strong>br</strong> />

chegarmos lá já estará escuro.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe; captaremos o radiofarol <strong>de</strong> Charontis quando estivermos a<<strong>br</strong> />

duzentos quilômetros. <strong>Marte</strong> é tão pequeno que raras vezes po<strong>de</strong>mos fazer uma<<strong>br</strong> />

viagem a longa distância sempre <strong>de</strong> dia.<<strong>br</strong> />

- Há quanto tempo está em <strong>Marte</strong>? - perguntou Gibson, que até então estivera<<strong>br</strong> />

tirando fotografias através das janelas.<<strong>br</strong> />

- Cinco anos.<<strong>br</strong> />

- Sempre voando?<<strong>br</strong> />

- A maior parte do tempo.<<strong>br</strong> />

- Não gostaria antes <strong>de</strong> estar nas naves espaciais ?<<strong>br</strong> />

- Não. Não é coisa que me excite... ficar flutuando à volta do nada, meses e meses<<strong>br</strong> />

a fio.<<strong>br</strong> />

- O que é que o excita? - perguntou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Ora, aqui ainda temos paisagens para ver, não estamos longe <strong>de</strong> casa muito<<strong>br</strong> />

tempo e temos sempre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrarmos qualquer coisa nova. Fiz<<strong>br</strong> />

meia duzia <strong>de</strong> viagens aos polos, a maior parte no verão, mas tive ocasiões <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

atravessar o Mare Boreum no inverno passado. Cem graus abaixo <strong>de</strong> zero!<<strong>br</strong> />

- Já vi pior - disse Hilton. - Em Titã temos cento e vinte e cinco graus à noite. - Foi<<strong>br</strong> />

a primeira vez que Gibson o ouviu referir-se à expedição a Saturno.<<strong>br</strong> />

- A propósito, Fred – perguntou ele – é verda<strong>de</strong> o que dizem?<<strong>br</strong> />

- O que é que dizem?<<strong>br</strong> />

- Bem sabes. Que vais outra vez a Saturno.<<strong>br</strong> />

Hilton encolheu os om<strong>br</strong>os.<<strong>br</strong> />

- Ainda não foi <strong>de</strong>cidido; há muitas dificulda<strong>de</strong>s. Mas acho que iremos lá <strong>de</strong> novo.<<strong>br</strong> />

Seria uma pena per<strong>de</strong>r a oportunida<strong>de</strong>. Entenda: se largarmos no próximo ano<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>remos passar perto <strong>de</strong> Júpiter e vê-lo convenientemente pela primeira vez. Mac<<strong>br</strong> />

estudou uma órbita muito interessante. Passaremos entre a superfície <strong>de</strong> Júpiter e a<<strong>br</strong> />

órbita do mais próximo dos seus satélites e o seu campo gravitacional far-nos-á<<strong>br</strong> />

curvar a trajetória em direção a Saturno. Será necessária uma navegação muito<<strong>br</strong> />

precisa, mas nada tem <strong>de</strong> impossível.<<strong>br</strong> />

- Então on<strong>de</strong> está a dificulda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- O dinheiro, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> costume. <strong>Marte</strong> não nem po<strong>de</strong> pensar em pagar a


expedição. Estamos vendo se a Terra se resolve a pagar a conta.<<strong>br</strong> />

- Dêem-me os pormenores quando voltarmos para casa e não se esqueçam <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

a imprensa é uma gran<strong>de</strong> força. – disse Gibson<<strong>br</strong> />

A conversa foi mudando <strong>de</strong> planeta para planeta, até que Gibson se lem<strong>br</strong>ou <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que estava per<strong>de</strong>ndo uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver <strong>Marte</strong> pela primeira vez. Passou para<<strong>br</strong> />

o lugar do piloto - <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter se <strong>com</strong>prometido a não tocar nos <strong>com</strong>andos. Cinco<<strong>br</strong> />

quilômetros abaixo, o <strong>de</strong>serto corria por baixo <strong>de</strong>le, para oeste. Gibson nunca tivera<<strong>br</strong> />

uma tão gran<strong>de</strong> impressão <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>, porque os aparelhos em que voara na<<strong>br</strong> />

Terra sempre o faziam a altitu<strong>de</strong>s nas quais o solo era invisivel. A proximida<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

horizonte tornava o efeito ainda mais sensível.<<strong>br</strong> />

O Sol estava muito baixo a oeste e até as atarracadas colinas marcianas<<strong>br</strong> />

projetavam longas som<strong>br</strong>as so<strong>br</strong>e o <strong>de</strong>serto. Em baixo a temperatura já <strong>de</strong>via ter<<strong>br</strong> />

atingido o ponto <strong>de</strong> congelamento e continuava <strong>de</strong>scendo <strong>de</strong>pressa. Gibson bocejou<<strong>br</strong> />

e espreguiçou-se. A paisagem na sua corrida constante, tinha um efeito quase<<strong>br</strong> />

hipnótico. Resolveu dormir um pouco durante os noventa e tantos minutos que<<strong>br</strong> />

faltavam para o fim da viagem.<<strong>br</strong> />

Qualquer mudança na luz <strong>de</strong>spertou-o. Durante um momento perguntou-se se não<<strong>br</strong> />

estaria sonhando. Já não olhava para uma paisagem quase incaracterística que<<strong>br</strong> />

encontrava o azui-escuro do céu no horizonte. O <strong>de</strong>serto e o horizonte tinham<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>saparecido; no seu lugar havia uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> montanhas vermelhas que se<<strong>br</strong> />

estendia <strong>de</strong> norte a sul até on<strong>de</strong> a vista alcançava. Os últimos raios do sol-poente<<strong>br</strong> />

iluminavam as suas cristas e davam-lhes <strong>com</strong>o herança a sua glória moribunda; o<<strong>br</strong> />

sopés estavam já perdidos na noite que avançava <strong>de</strong> oeste.<<strong>br</strong> />

Durate alguns segundos o esplendor da cena afastou-o <strong>de</strong> toda a realida<strong>de</strong> e logo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todas as ameaças. Depois o escritor <strong>de</strong>spertou do seu transe e <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u num<<strong>br</strong> />

terrivel momento que estavam voando baixo <strong>de</strong>mais para po<strong>de</strong>rem escapar àqueles<<strong>br</strong> />

picos tão altos.<<strong>br</strong> />

A sensação <strong>de</strong> pânico absoluto <strong>de</strong>morou apenas um momento - porque foi logo<<strong>br</strong> />

seguida por um terror ainda mais profundo. Gibson lem<strong>br</strong>ara-se do que o primeiro<<strong>br</strong> />

choque fizera afastar do seu espírito – o simples fato em que ele <strong>de</strong>veria ter pensado<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio:<<strong>br</strong> />

Não havia montanhas em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Hadfield estava ditando um memorando urgente à Junta <strong>de</strong> Fomento<<strong>br</strong> />

Interplanetário quando recebeu a notícia. Port Schiaparelli esperara os quinze<<strong>br</strong> />

minutos regulamentares <strong>de</strong>pois da hora <strong>de</strong>signada para a <strong>de</strong>scida do avião, e o<<strong>br</strong> />

Comando <strong>de</strong> Vôo <strong>de</strong> Port Lowell aguardara mais <strong>de</strong>z para transmitir o sinal <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

«Desaparecido». Um precioso avião da pequena frota marciana já estava pronto para<<strong>br</strong> />

uma busca assim que chegasse a alvorada. A alta velocida<strong>de</strong> e a altitu<strong>de</strong> necessárias<<strong>br</strong> />

para o vôo tornariam uma busca muito difícil, mas quando Phobos nascesse os seus<<strong>br</strong> />

telescópios po<strong>de</strong>riam entrar em ação <strong>com</strong> muito maiores possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sucesso.<<strong>br</strong> />

A notícia chegou à Terra uma hora <strong>de</strong>pois, numa ocasão em que não havia muita<<strong>br</strong> />

coisa oom que a Imprensa, a Rádio e a TV se preocupassem; Gibson po<strong>de</strong>ria ter<<strong>br</strong> />

ficado satisfeito <strong>com</strong> a publicida<strong>de</strong>. Ruth Goldstein só soube do que se passava<<strong>br</strong> />

quando um editor lhe apareceu agitando o jornal da noite. Ven<strong>de</strong>u imediatamente os<<strong>br</strong> />

direitos da seguda edição da última série <strong>de</strong> Gibson por uma vez e meia o preço que<<strong>br</strong> />

a sua vítima pretendia pagar e retirou-se para o seu quarto, on<strong>de</strong> chorou<<strong>br</strong> />

copiosamente durante um minuto. O escritor teria também ficado muito satisfeito<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> esses fatos se tivesse tido conhecimento <strong>de</strong>les.


Em duas dúzias <strong>de</strong> redações <strong>com</strong>eçaram a <strong>com</strong>por a notícia necrológica, para não<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>rem tempo. E em Londres ume editor <strong>com</strong>eçou a senti-se muito infeliz, porque<<strong>br</strong> />

tinha feito um bom adiantamento a Gibson.<<strong>br</strong> />

O grito <strong>de</strong> Gibson ainda ecoava através da cabine quando o piloto alcançou os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>andos. Depois foi atirado ao chão quando a máquina ergueu-se quase na<<strong>br</strong> />

vertical, numa tentativa <strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> fuga para o norte. Quando Gibson pô<strong>de</strong> porse<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> novo <strong>de</strong> pé, viu <strong>de</strong> relance uam encosa alaranjada, <strong>de</strong> contornos<<strong>br</strong> />

estranhamente confusos, avançando para eles a poucos quilômetros <strong>de</strong> distância.<<strong>br</strong> />

Mesmo naquele momento <strong>de</strong> pânico podia ver que que havia qualquer coisa muito<<strong>br</strong> />

estranha, e <strong>de</strong> repente <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u tudo. Não era nenhuma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> montanhas,<<strong>br</strong> />

mas sim qualque coisa não menos mortal. Iriam chocar-se <strong>com</strong> uma muralha <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

areia que o vento fizera subir do <strong>de</strong>serto quase até à estratosfera.<<strong>br</strong> />

O furacão apanhou-os um segundo <strong>de</strong>pois. Qualquer coisa bateu no avião<<strong>br</strong> />

violentameete, <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro, e através do isolamento da fuselagem ouviuse<<strong>br</strong> />

um uivo colérico – o som mais terrível que Gibson escutara em toda a sua vida. A<<strong>br</strong> />

noite fechou-se so<strong>br</strong>e eles, instantâneamente.<<strong>br</strong> />

Tudo se passou em cinco minutos, mas pareceu ter durado uma eternida<strong>de</strong>. Foi a<<strong>br</strong> />

velocida<strong>de</strong> que os salvou, porque o avião atravessou a tempesta<strong>de</strong> <strong>com</strong>o um projétil.<<strong>br</strong> />

Através da vigia traseira o escritor viu pela última vez a tempesta<strong>de</strong> que se afastava<<strong>br</strong> />

para oeste, rasgando o <strong>de</strong>serto.<<strong>br</strong> />

Foi só então, quando os seus ouvidos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser ensur<strong>de</strong>cidos pelo furacão,<<strong>br</strong> />

que Gibson sentiu o segundo choque. Os motores tinham parado.<<strong>br</strong> />

A pequena cabine encheu-se <strong>de</strong> tensão.<<strong>br</strong> />

Depois o piloto disse por cima do om<strong>br</strong>o:<<strong>br</strong> />

- Ponham as máscaras! A fuselagem po<strong>de</strong>rá estourar quando pousarmos.<<strong>br</strong> />

Uma colina passou por eles e <strong>de</strong>sapareceu nas trevas.<<strong>br</strong> />

O avião inclinou-se violentamente para evitar outra e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>u um salto<<strong>br</strong> />

espasmódico quando tocou no chão e pulou <strong>de</strong> novo. Um momento mais tar<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

voltou a tocar e pular, e Gibson preparou-se para o choque inevitável.<<strong>br</strong> />

Passou-se um século antes que ele se atrevesse a relaxar os nervos, sem po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

acreditar ainda que tinham conseguido pousar sãos e salvos. Depois Hilton tirou a<<strong>br</strong> />

máscara e disse ao piloto:<<strong>br</strong> />

- Fantásttco, Comandamte! Que distância teremos <strong>de</strong> percorrer a pé?<<strong>br</strong> />

Durante um momento não houve resposta. Depois o piloto disse numa voz<<strong>br</strong> />

trêmula:<<strong>br</strong> />

- Alguém po<strong>de</strong> dar-me fogo ? Não sou capaz <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o cigarro.<<strong>br</strong> />

- Que gran<strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>! - <strong>com</strong>entou Gibson. - Esta coisa acontece muitas vezes<<strong>br</strong> />

em <strong>Marte</strong>? E porque foi que não tivemos aviso algum?<<strong>br</strong> />

O piloto, passado o choque inicial, estava pensando em qualquer coisa. Mesmo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> um piloto auromático, não <strong>de</strong>veria ter abandonado o seu posto durante tanto<<strong>br</strong> />

tempo...<<strong>br</strong> />

- Nunca vi nenhuma <strong>com</strong>o esta - disse ele. - Isto apesar <strong>de</strong> já ter feito umas<<strong>br</strong> />

cinquenta viagens entre Lowell e Skia. O problema é que não conhecemos nada<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e a meteorologia marciana, mesmo na atualida<strong>de</strong> E há apenas meia dúzia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

estações meteorológicas no planeta - o que não chega para nos dar uma i<strong>de</strong>ia<<strong>br</strong> />

precisa do que acontece.<<strong>br</strong> />

- E Phobos ? Não po<strong>de</strong>ria ter nos avisado ?<<strong>br</strong> />

O piloto agarrou no seu almananaque e folheou rapidamente as páginas.<<strong>br</strong> />

- Phobos ainda não nasceu - disse ele, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um <strong>br</strong>eve cálculo. - Creio que a


tempesta<strong>de</strong> surgiu repentinamente do Ha<strong>de</strong>s - um nome apropriado, não é? - e<<strong>br</strong> />

provàveimente já se dissipou. Não creio que tenha chegado a Oharontis, <strong>de</strong> modo<<strong>br</strong> />

que eles também não po<strong>de</strong>riam ter nos avisado. Trata-se <strong>de</strong> um daqueles aci<strong>de</strong>ntes<<strong>br</strong> />

em que ninguém tem culpa.<<strong>br</strong> />

Pareceu que isso bastava para que ele se sentisse satisfeito, mas Gibson não se<<strong>br</strong> />

sentia disposto a ser filósofo.<<strong>br</strong> />

- Entretanto estamos perdldos no meio do <strong>de</strong>serto retorquiu o escritor. - Que<<strong>br</strong> />

tempo <strong>de</strong>morarâo a encontrar-nos ? Há alguma esperança <strong>de</strong> repararmos o<<strong>br</strong> />

aparelho?<<strong>br</strong> />

- Não. Os motores estão arruinados. Foram feitos para trabaiharem no ar e não na<<strong>br</strong> />

areia!<<strong>br</strong> />

- Bem, po<strong>de</strong>mos emitir um pedido <strong>de</strong> socorro.<<strong>br</strong> />

- Agora estamos na superfície. Quando Phobos nascer – daqui a... a cerca <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

hora - po<strong>de</strong>remos chamar a atenção do observatório e ele retransmitirá a nossa<<strong>br</strong> />

mensagem. É a maneira <strong>com</strong>o resolvemos o problema das <strong>com</strong>unicações a longa<<strong>br</strong> />

distância. A ionosfera é muito fraca para po<strong>de</strong>r refletir os sinais em torno do planeta,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o acontece na Terra. De qualquer modo, vou ver se o rádio funciona.<<strong>br</strong> />

Jimmy sorriu.<<strong>br</strong> />

- Pelo menos isto nos dá a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar qualquer coisa aos outros<<strong>br</strong> />

quando voltarmos. Talvez até possamos fazer uma exploraçãozinha autêntica. -<<strong>br</strong> />

espreitou através das janelas, colocando as mãos em volta dos olhos para isolá-los<<strong>br</strong> />

da luz da cabine. A paisagem circundante estava imersa em trevas <strong>com</strong>pletas exceto<<strong>br</strong> />

a zona ilunimada pelo próprio aparelho.<<strong>br</strong> />

- Parece que há colinas por toda a parte. Temos sorte em não estar em pedaços.<<strong>br</strong> />

Meu Deus... há um monte mesmo ao nosso lado! Mais uns metros e teríamos batido<<strong>br</strong> />

nele!<<strong>br</strong> />

- Tem qualquer i<strong>de</strong>ia do lugar on<strong>de</strong> estamos ? - perguntou Gibson ao piloto. A<<strong>br</strong> />

pergunta <strong>de</strong>via ter sido muito estúpida, pois que teve por resposta um olhar tão frio<<strong>br</strong> />

cromo se fosse <strong>de</strong> pedra.<<strong>br</strong> />

- Cerca <strong>de</strong> 120 leste, 20 norte. A tempesta<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve ter nos afastado muito do<<strong>br</strong> />

rumo.<<strong>br</strong> />

- Então <strong>de</strong>vemos estar em qualquer parte da Aetheria - disse o escrttor, inclinandose<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e os mapas. Sim, há uma região aci<strong>de</strong>ntada, por aqui. Não se sabe muito<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e ela.<<strong>br</strong> />

- É a pirmeira vez que alguem pousou aqui. Esta parte <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> quase não foi<<strong>br</strong> />

ainda explorada: foi muito bem fotografada do ar, mas ficaram por aí.<<strong>br</strong> />

- Lamento entristecê-los – disse Hilton num tom que mostrava ser essa, afinal, a<<strong>br</strong> />

intenção <strong>de</strong>le. - Não tenho certeza <strong>de</strong> que possamos nos <strong>com</strong>unicar <strong>com</strong> Phobos.<<strong>br</strong> />

- O quê?! - griitou o piloto. - O emissor funciona perfeitamente!<<strong>br</strong> />

- Sim. Mas notou on<strong>de</strong> estamos ? Nem sequer po<strong>de</strong>mos ver Phobos. Esse monte<<strong>br</strong> />

ao sul nos corta <strong>com</strong>pletamente a vista. Isto significa que o satélite não po<strong>de</strong>rá<<strong>br</strong> />

captar os nosso sinais. E o que é pior: não nos po<strong>de</strong>rão localizar <strong>com</strong> os seus<<strong>br</strong> />

telescópios.<<strong>br</strong> />

Houve um silêlnclo <strong>de</strong> choque.<<strong>br</strong> />

- Então que faremos? - perguntou Gibson. Teve uma visão horrivel <strong>de</strong> uma viagem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mil quilômetros através do <strong>de</strong>serto, mas afastou-a imediatamente do seu espírito.<<strong>br</strong> />

Não seria possível transportar o oxigênio necessário para tal viagem, e ainda menos<<strong>br</strong> />

os alimentos e o equipamento. E ninguém podia passar a noite sem protecção na<<strong>br</strong> />

superficie <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Teremos <strong>de</strong> fazer outra espécie <strong>de</strong> sinal! - disse Hilton calmamente... Amanhã <strong>de</strong>


manhã subiremos essas colinas e veremos o que há em volta.<<strong>br</strong> />

Sem que ninguém soubesse <strong>com</strong>o, Hilton assumira o <strong>com</strong>ando <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

consentimento <strong>de</strong> todos. Talvez ele próprio ainda não tivesse consciência disso. Mas<<strong>br</strong> />

o próprio piloto ce<strong>de</strong>ra-lhe a sua autorida<strong>de</strong>, sem pensar duas vezes no assunto.<<strong>br</strong> />

- Phobos nasce <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma hora, não é? - perguntou Hilton.<<strong>br</strong> />

- Sim.<<strong>br</strong> />

- E <strong>com</strong>o é a órbita <strong>de</strong>la? Nunca consigo me recordar dos hábitos <strong>de</strong>ssa lua meio<<strong>br</strong> />

maluca.<<strong>br</strong> />

- Bem, nasce a oci<strong>de</strong>ne e põe-se a oriente cerca <strong>de</strong> quatro horas <strong>de</strong>pois.<<strong>br</strong> />

- Portanto <strong>de</strong>ve estar no sul perto da meia-noite, não é?<<strong>br</strong> />

- É verda<strong>de</strong>. Meu Deus... Isso significa <strong>de</strong> fato que não po<strong>de</strong>remos vê-la! Estará<<strong>br</strong> />

eclipsada por pelo menos uma hora!<<strong>br</strong> />

- Que gran<strong>de</strong> lua! - resmungou Gibston.. - Quando mais precisamos <strong>de</strong>la é que<<strong>br</strong> />

não a vemos!<<strong>br</strong> />

- Isso não importa - disse Hilton, <strong>com</strong> toda a calma. - Sabemos on<strong>de</strong> ela está e<<strong>br</strong> />

não per<strong>de</strong>remos nada se tentarmos fazer uso do rádio quando ela passar. Por esta<<strong>br</strong> />

noite é tudo. Alguém tem um baralho <strong>de</strong> cartas? Não?. Então talvez Martin possa nos<<strong>br</strong> />

contar uma das suas histórias...<<strong>br</strong> />

Era uma grainha impiedosa e Gibson encontrou imediatamente a oportunida<strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

esperava.<<strong>br</strong> />

- Nem sequer seria capaz <strong>de</strong> pensar em tal coisa - disse ele. - Tu é que tens<<strong>br</strong> />

histórias para contar.<<strong>br</strong> />

Hilton ficou hirto e o escrtor se perguntou se o teria ofendido.<<strong>br</strong> />

- Apanhaste-me, não é verda<strong>de</strong>? Está bem. Falarei. Mas <strong>com</strong> uma condição.<<strong>br</strong> />

- Qual ?<<strong>br</strong> />

- Quando escreveres qualquer coisa a respeito disso, mostrar-me-ás primeiro o<<strong>br</strong> />

manuscrito.<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente.<<strong>br</strong> />

Fora da fuselagem, a noite marciana era a rainha – uma noite <strong>de</strong>corada <strong>de</strong> estrelas<<strong>br</strong> />

que não cintilavam e eram finas <strong>com</strong>o agulhas. A leste estava Júpiter – o corpo<<strong>br</strong> />

celeste mais <strong>br</strong>ilhante, erguendo-se em toda a sua glória, a seiscentos milhões <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quilômetros..<<strong>br</strong> />

Muitas pessoas ainda olhavam <strong>com</strong> estranheza o fato do homem ter visltado<<strong>br</strong> />

Saturno e não Júpiter, tão perto das suas mãos. Mas nas viagens espaciais a<<strong>br</strong> />

distâncla não era o mais importante e Saturno fôra alcançado por causa <strong>de</strong> um golpe<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sorte que parecia <strong>de</strong>masiado gran<strong>de</strong> para ser verda<strong>de</strong>iro. Em volta <strong>de</strong> Saturno<<strong>br</strong> />

orbiltava Titã, o maior satélite do sistema solar - <strong>com</strong> cerca <strong>de</strong> duas vezes o tamanho<<strong>br</strong> />

da Lua. Em 1944 fôra <strong>de</strong>scoberto que Titã possuía uma atmosfera. Não era<<strong>br</strong> />

respirávei. Era muito mais valiosa do que isso. Era formada <strong>de</strong> metano - um dos<<strong>br</strong> />

propulsantes i<strong>de</strong>ais pare os foguetes nucleares.<<strong>br</strong> />

Isso conduzira a uma situação única na história dos vôos espaciais. Pela primeira<<strong>br</strong> />

vez uma expedição po<strong>de</strong>ria ser enviada a um mundo estranho <strong>com</strong> a certeza<<strong>br</strong> />

antecipada <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria se reabastecer para regressar.<<strong>br</strong> />

A Arcturus e a sua tripulação <strong>de</strong> seis homens fôra lançada no espaço a partir da<<strong>br</strong> />

órbita <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Atcançara o sistema saturnino nove meses <strong>de</strong>pois, apenas <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

propulsante suficiente para pousar em segurança em Titã. Depois as bombas tinham<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçado a trabalhar e os gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pósitos tinham sido recheados <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

incontáveis toneladas <strong>de</strong> metano necessárias para a largada. Reabastecendo-<strong>de</strong> em<<strong>br</strong> />

Titã quando era necessário, a Arcturus tinha visitaldo as quinze luas <strong>de</strong> Saturno e até


oçado pelos anéis. Em poucos meses conseguira <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir mais coisas so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

planeta que em todos os séculos anteriores <strong>de</strong> observação telescópica.<<strong>br</strong> />

Tinham pago isso <strong>com</strong> um preço muito alto. Dois dos tripulantes tinham morrido<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vido aos efeitos das radiações, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma reparação <strong>de</strong> emergência em um<<strong>br</strong> />

dos motores nucleares. Tinham sido sepultados em Dione, a quarta lua. O chefe da<<strong>br</strong> />

expedição, o Comandante Envers, fôra morto por uma avalanche <strong>de</strong> ar congelado em<<strong>br</strong> />

Titã. O seu corpo nunca foi encontrado. Hilton assumira o <strong>com</strong>ando e conduzira a<<strong>br</strong> />

Arcturus em segurança <strong>de</strong> regresso a <strong>Marte</strong>, um ano <strong>de</strong>pois, apenas <strong>com</strong> dois<<strong>br</strong> />

homens ajudando-o.<<strong>br</strong> />

Gilbson sabia tudo isso muito bem. Ainda se recordava <strong>de</strong> ter escutado as<<strong>br</strong> />

mensagens que surgiam através do rádio, transmitidas <strong>de</strong> um mundo para outro.<<strong>br</strong> />

Mas era muito diferente ouvir Hilton contar a histótia segundo a sua marreira calma<<strong>br</strong> />

e curiosamente impessoal, <strong>com</strong>o se ele tivesse sido mais um espectador do que um<<strong>br</strong> />

participante.<<strong>br</strong> />

Hilton falou <strong>de</strong> Titã e das suas pequenas oompanheiras, as outras luas que<<strong>br</strong> />

tornavam Saturno quase num segundo sistema solar. Descreveu <strong>com</strong>o <strong>de</strong>scera na lua<<strong>br</strong> />

mais próxima do planeta - Mimas, afastada <strong>de</strong> Saturno apenas meta<strong>de</strong> da distância<<strong>br</strong> />

que separava a Lua da Terra.<<strong>br</strong> />

- Descemos num gran<strong>de</strong> vão entre duas montanhas; on<strong>de</strong> estávamos certos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

encontrar um solo bastante sólido. Não estávamcs dispostos a repetir o erro que<<strong>br</strong> />

tínhamos <strong>com</strong>etido em Rhea. A gravida<strong>de</strong> não era muito forte - apenas um<<strong>br</strong> />

centésimo da da Terra. Era apenas suficiente para que não saltássemos para o<<strong>br</strong> />

espaço. Gostei daquilo. Mimas tem um dia um pouco mais curto que o da Terra –<<strong>br</strong> />

gira em volta <strong>de</strong> Saturno uma vez em cada vinte e duas horas e mantém a mesma<<strong>br</strong> />

face voltada para o planeta, <strong>de</strong> modo que o dia e o mês tinham o mesmo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>primento, tal <strong>com</strong>o se estivéssemos na Lua. Tínhamos pousado no hemisfério<<strong>br</strong> />

norte, não muito longe do equador e a maior parte <strong>de</strong> Saturno estava acima do<<strong>br</strong> />

horizonte. Parecia muito estranho - um crescente enorme, agarrado no céu, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

uma montanha impossívelmente curvada <strong>com</strong> milhares <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong> altura.<<strong>br</strong> />

«De resto, viram os filmes que fizemos - epecialmente aquele que, acelerado, nos<<strong>br</strong> />

mostra um ciclo <strong>com</strong>pleto das fases <strong>de</strong> Saturno. Mas não penso que ele lhes dê uma<<strong>br</strong> />

i<strong>de</strong>ia do que era viver <strong>com</strong> essa coisa enorme sempre no céu. Não podíamos ver os<<strong>br</strong> />

anéis muito bem porque eles estavam colocados a cutelo, mas sabiamos on<strong>de</strong> eles<<strong>br</strong> />

estavam por causa da larga cinta som<strong>br</strong>ia que eies projetavam so<strong>br</strong>e o planeta,<<strong>br</strong> />

«Nunca nos fatigávamos <strong>de</strong> olhar para o Planeta. As nuvens, ou seja lá o que<<strong>br</strong> />

fosse, corriam <strong>de</strong> um lado a outro do disco em poucas horas, mudando<<strong>br</strong> />

continuamente <strong>de</strong> forma. E as cores eram maravilhosas – ver<strong>de</strong>s, castanhos e<<strong>br</strong> />

amarelos. De vez em quando havia gran<strong>de</strong>s erupções, muito lentas, e por vezes tão<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s <strong>com</strong>o a Terra, que subiam das profun<strong>de</strong>zas e formavam uma gran<strong>de</strong> mancha<<strong>br</strong> />

na meta<strong>de</strong> da circunferência do planeta.<<strong>br</strong> />

«Há uma coisa curiosa <strong>de</strong> que nunca falei porque nunca tive a plena certeza <strong>de</strong>la.<<strong>br</strong> />

Uma vez ou duas, quando estávamos na som<strong>br</strong>a <strong>de</strong> Saturno e o seu disco <strong>de</strong>via<<strong>br</strong> />

mostrar-se <strong>com</strong>pletamente negro, pensei ter visto uma fraca luminosida<strong>de</strong> vinda do<<strong>br</strong> />

lado da noite. Não durou mUilto tempo - se é que <strong>de</strong> fato aconteceu. Talvez fosse<<strong>br</strong> />

qualquer espécie <strong>de</strong> reação química <strong>de</strong>senvolvendo-se nesse cal<strong>de</strong>irão giratório.<<strong>br</strong> />

«Admiram-se que eu <strong>de</strong>seje voltar a Saturno? Desta vez gostaria <strong>de</strong> aproximar-me<<strong>br</strong> />

muito mais – talvez uns mil quilômetros. Basta entrarmos numa órbita parabólica e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixarmo-nos «cair» <strong>com</strong>o um <strong>com</strong>eta que passasse em torno do Sol. É certo que<<strong>br</strong> />

passaremos apenas uns minutos verda<strong>de</strong>iramente perto <strong>de</strong> Saturno, mas po<strong>de</strong>remos<<strong>br</strong> />

obter simultâneamente uma importantíssima documentação..


«E quero <strong>de</strong>scer <strong>de</strong> novo em Mimas e ver o gran<strong>de</strong> crescente, subindo até meta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

da altura do céu. Deve valer a pena fazer a viagem, apenas para ver Saturno<<strong>br</strong> />

«crescer» e «minguar», e ver as tempesta<strong>de</strong>s umas atrás das outras em torno do<<strong>br</strong> />

equador. Sim, <strong>de</strong>ve valer a pena, mesmo que <strong>de</strong>sta vez eu não volte.<<strong>br</strong> />

As últimas palavras não tinham sido ditadas por um falso heroismo. Tratava-se<<strong>br</strong> />

apenas <strong>de</strong> uma afirmação e todos quantos a ouviram <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ram-na<<strong>br</strong> />

perfeitamente<<strong>br</strong> />

Gibson pôs fim ao longo silêncio. Dirigiu-se à janela e espreitou para a noite.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong>mos apagar as luzes? - perguntou ele. Quando o piloto satisfez o seu pedido<<strong>br</strong> />

as trevas tornaram-se <strong>com</strong>pletas, Os outros acercaram-se também da janela.<<strong>br</strong> />

- Olhem - disse o escritor – Vejam bem. Estiquem o pescoço se quiserem.<<strong>br</strong> />

A colina junto da qual tinham pousado já não era uma muralha <strong>de</strong> trevas<<strong>br</strong> />

absolutas. Nos seus píncaros via-se uma nova luz que se filtrava até o vale. Phobos<<strong>br</strong> />

surgira a oeste e estava subindo meteoricamente para o sul, correndo para trás,<<strong>br</strong> />

através do céu.<<strong>br</strong> />

Minuto a minuto a luz tornou-se mais forte e por fim o piloto <strong>com</strong>eçou a emitir<<strong>br</strong> />

sinais. Mal o <strong>com</strong>eçara a fazer, quando o débil luar <strong>de</strong>sapareceu e subitamente<<strong>br</strong> />

Gibson gritou estupefato. Phobos escon<strong>de</strong>ra-se na som<strong>br</strong>a <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, e ainda que<<strong>br</strong> />

estivesse erguendo-se, <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> <strong>br</strong>ilhar durante quase uma hora. Não haveria<<strong>br</strong> />

possibilida<strong>de</strong> alguma <strong>de</strong> dizer se ele voltaria ou não a espreitar so<strong>br</strong>e a crista da<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> colina ou voltar a estar em posição para receber os seus sinais.<<strong>br</strong> />

Passaram-se quase duas horas antes que per<strong>de</strong>ssem a esperança. De repente a<<strong>br</strong> />

luz nasceu <strong>de</strong> novo nos píncaros, mas <strong>br</strong>lhava a leste. Phobos emergira do eclipse e<<strong>br</strong> />

estava <strong>de</strong>scendo para o horizonte, o qual alcançaria em pouco mais <strong>de</strong> uma hora. O<<strong>br</strong> />

piloto <strong>de</strong>sligou o emissor, <strong>de</strong>sanimado.<<strong>br</strong> />

- Não vale a pena - disse ele. - Temos <strong>de</strong> experimentar outra coisa.<<strong>br</strong> />

- Não po<strong>de</strong>mos levar o emissor para o alto do monte? - perguntou Gibson,<<strong>br</strong> />

entusiasmado,<<strong>br</strong> />

- Já tinha pensado nisso, mas quem conseguiria sem ferramenta a<strong>de</strong>quada? -<<strong>br</strong> />

perguntou o piloto. - A coisa toda, ela e as próprias antenas fazem parte integrante<<strong>br</strong> />

da fuselagem.<<strong>br</strong> />

- Não po<strong>de</strong>mos fazer mais nada – disse Hilton. - Sugiro que durmamos um pouco<<strong>br</strong> />

antes da alvorada. Boa noite a todos.<<strong>br</strong> />

Era um conselho excelente, mas não muito fácil <strong>de</strong> seguir. O espírito <strong>de</strong> Gibson<<strong>br</strong> />

estava longe dali, fazendo planos para o dia seguinte. Só quando Phobos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sapareceu a leste e a sua luz <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> surgir irônicamente so<strong>br</strong>e o monte é que<<strong>br</strong> />

ele <strong>com</strong>eçou a dormir.<<strong>br</strong> />

Mesmo então sonhou que estava tentando arranjar uma transmissão por correia<<strong>br</strong> />

dos motores ao trem <strong>de</strong> aterrissagem para percorrerem os mil quilômetros que os<<strong>br</strong> />

separavam <strong>de</strong> Port Schiaparelli...


--------------------------CAPÍTULO XII --------------------------<<strong>br</strong> />

Quando Gibson <strong>de</strong>spertou já a alvorada ia longe. O Sol estava invisível atrás das<<strong>br</strong> />

colinas, mas os seus raios refletidos nos cumes escarlates inundavam a cabine <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

uma luz sinistra. O escritor espreguiçou-se; os assentos não tinham sido concebidos<<strong>br</strong> />

para dormir e a noite tinha sido muito incômoda.<<strong>br</strong> />

Olhou em volta e viu que o piloto e Hilton tinham saído. Jimmy continuava<<strong>br</strong> />

dormindo. Gibson sentiu a vaga impressão <strong>de</strong> ter sido esquecido, mas pensou que<<strong>br</strong> />

ainda estarra mais aborrecido se o houvessem <strong>de</strong>spertado.<<strong>br</strong> />

Havia uma mensagem <strong>de</strong> Hilton pregada na pare<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Dizia apenas: «Saimos às 6:30. Voltaremos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> uma hora.<<strong>br</strong> />

Estaremos cheios <strong>de</strong> fome então. Fred.»<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u o que Hilton pretendia. E a verda<strong>de</strong> era que ele também se<<strong>br</strong> />

sentia bastante esfomeado. A<strong>br</strong>iu o pacote <strong>de</strong> rações <strong>de</strong> emergência que o avião<<strong>br</strong> />

transportava na previsão <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>com</strong>o aquele, perguntando a si próprio quanto<<strong>br</strong> />

tempo elas durariam As suas tentativas para preparar uma bebida quente no<<strong>br</strong> />

fervedor <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong>spertaram Jimmy, que pareceu um pouco envergonhado<<strong>br</strong> />

quando <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que fôra o último a acordar.<<strong>br</strong> />

- Dormiu bem? - perguntou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Pareceu-me que já não dormia há uma semana - respon<strong>de</strong>u o rapaz, - On<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

estão os outros?<<strong>br</strong> />

A pergunta foi imediatamente respondida pelos sons <strong>de</strong> alguém que entrava na<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>porta <strong>de</strong> ar. Um momento <strong>de</strong>pois Hilton apareceu, seguido pelo piloto. Tiraram<<strong>br</strong> />

as máscaras e os aquecedores - lá fora a temperatura ainda estava abaixo do ponto<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> congelamento - e avançaram para os pedaços <strong>de</strong> chocolate e carne <strong>com</strong>primida<<strong>br</strong> />

que G!ibson distribuira <strong>com</strong> uma imparcialida<strong>de</strong> impecável.<<strong>br</strong> />

- Bem - perguntou o escritor -, que dizem ?<<strong>br</strong> />

- Posso dizer-lhe uma coisa imediatamente - respon<strong>de</strong>u Hilton, <strong>com</strong> a boca cheia. -<<strong>br</strong> />

Temos muita sorte em estarmos vivos.<<strong>br</strong> />

- Isso eu já sabia.<<strong>br</strong> />

- Não sabem nem a meta<strong>de</strong>; não viram o lugar em que pousamos. Descemos<<strong>br</strong> />

paralelamente a esta colina durante quase um quilômetro, antes <strong>de</strong> pararmos. Se<<strong>br</strong> />

tivéssemos <strong>de</strong>sviado o rumo um par <strong>de</strong> graus para estibordo - pum! Quando<<strong>br</strong> />

pousamos ainda viramos um pouco para <strong>de</strong>ntro, mas não o suficiente para provocar<<strong>br</strong> />

estragos,<<strong>br</strong> />

«Estamos num longo vale, que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> leste a oeste. Parece uma falha<<strong>br</strong> />

geológica e não o velho leito <strong>de</strong> um rio. A encosta oposta a nós tem uma boa<<strong>br</strong> />

centena <strong>de</strong> metros <strong>de</strong> altura e é práticamente vertical - na verda<strong>de</strong> até se inclina um


pouco para <strong>de</strong>ntro no alto. Se quisermos que nos vejam <strong>de</strong> Phobos teremos <strong>de</strong> andar<<strong>br</strong> />

um pouco para norte, até on<strong>de</strong> a encosta não obstrua a vista. Talvez essa seja a<<strong>br</strong> />

resposta, se conseguirmos empurrar o avião até lá. Então utlizaremos o rádio e<<strong>br</strong> />

daremos aos telescópios e à busca aérea uma melhor probabilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos<<strong>br</strong> />

avistarem.<<strong>br</strong> />

- Quanto é que isto pesa? - perguntou Gibson, em dúvida.<<strong>br</strong> />

Cerca <strong>de</strong> trinta toneladas <strong>com</strong> toda a carga. Evi<strong>de</strong>ntemente, há muita coisa que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>remos alijar.<<strong>br</strong> />

- Não! - gritou o piloto. - Isso o<strong>br</strong>igar-nos-ia a a<strong>br</strong>ir a <strong>com</strong>porta e não po<strong>de</strong>mos<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>r muito 'ar.<<strong>br</strong> />

- Meu Deus, não tinha pensado nisso. Mesmo assim, a superficie é lisa e o trem<<strong>br</strong> />

está em condições perfeitas.<<strong>br</strong> />

Gibson não se mostrou muito convencido. Apesar da gravida<strong>de</strong> ser três vezes mais<<strong>br</strong> />

fraca que na Terra, não parecia muito fácil <strong>de</strong>slocar o avião.<<strong>br</strong> />

Acabaram a refeição em silêncio. Não estavam verda<strong>de</strong>iramente preocupados;<<strong>br</strong> />

sabiam que seriam feitas buscas intensivas e que não tardaria muito que fossem<<strong>br</strong> />

localizados. Mas esse tempo po<strong>de</strong>ria ser reduzido algumas horas se pu<strong>de</strong>ssem enviar<<strong>br</strong> />

algum sinal para Phobos.<<strong>br</strong> />

Depois do <strong>de</strong>sjejum tentaram <strong>de</strong>slocar o avião.<<strong>br</strong> />

Com muito esforço conseguiram fazê-lo avançar cinco metros. Depois a rodagem<<strong>br</strong> />

atolou-se na areia e tiveram <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir, arquejantes.<<strong>br</strong> />

- Têm alguma coisa <strong>br</strong>anca que possamos epalhar por uma gran<strong>de</strong> área? -<<strong>br</strong> />

perguntou Gilbson.<<strong>br</strong> />

A i<strong>de</strong>ia era excelente, mas não pô<strong>de</strong> ser aproveitada porque uma busca <strong>com</strong>pleta<<strong>br</strong> />

na cabine mostrou seis lenços e alguns pedaços <strong>de</strong> pano sujo. Todas concordaram<<strong>br</strong> />

em que, mesmo nas condições mais favoráveis, não seriam visíveis <strong>de</strong> Phobos.<<strong>br</strong> />

- Só há uma coisa a fazer - disse Hilton. - Temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar os faróis <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

aterragem, esten<strong>de</strong>r um cabo até um local fora da encosta e apontá-los para Phobos.<<strong>br</strong> />

Mas para isso teremos que <strong>de</strong>struir uma asa.<<strong>br</strong> />

Jimlmy teve <strong>de</strong> repente outra i<strong>de</strong>ia:<<strong>br</strong> />

- E se arranjássemos um heliógrafo? Se apontássemos um espelho para Phobos...<<strong>br</strong> />

- Eles po<strong>de</strong>riam ver-nas a 6.000 quilômetros <strong>de</strong> distância ? - perguntou Gibson,<<strong>br</strong> />

num tom <strong>de</strong> dúvida.<<strong>br</strong> />

- Porque não? Têm telescópios <strong>com</strong> um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ampliação <strong>de</strong> 1.000 vezes. Não é<<strong>br</strong> />

possivel ver o reflexo do sol num espelho a uma distância <strong>de</strong> 6 quilômetros ?<<strong>br</strong> />

- Deve haver qualquer coisa errada <strong>com</strong> esse cálculo, ainda que não saiba o que<<strong>br</strong> />

seja - disse Gibson. - As coisas nunca são assim tão simples. Mas <strong>de</strong> qualquer<<strong>br</strong> />

maneira, on<strong>de</strong> arranjaremos um espelho?<<strong>br</strong> />

Ao fim <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> hora, o plano <strong>de</strong> Jimmy teve <strong>de</strong> ser abandonado. Não<<strong>br</strong> />

havia espelho algum no avião.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong>mos cortar um pedaço da asa e polí-la – sugeriu Hilton, pensativo. - Será a<<strong>br</strong> />

mesma coisa.<<strong>br</strong> />

- Trata-se <strong>de</strong> uma liga <strong>de</strong> magnésio que não po<strong>de</strong> adquirir um bom polimento -<<strong>br</strong> />

disse o piloto, disposto a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o avião até às últimas.<<strong>br</strong> />

Gibson pôs-se subitamente <strong>de</strong> pé.<<strong>br</strong> />

- Há aí alguém capaz <strong>de</strong> me dar três bons pontapés ? - exclamou ele.<<strong>br</strong> />

- Com muito prazer – respon<strong>de</strong>u Hilton – Mas qual é a razão?<<strong>br</strong> />

Sem respon<strong>de</strong>r, Gibson dingiu-se à retaguarda do aparelho e <strong>com</strong>eçou a rebuscar


a bagagem, <strong>de</strong> costas voltadas os interessados espectadores. Demorou apenas um<<strong>br</strong> />

momento para <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir o que pretendia e então virou-se subitamente.<<strong>br</strong> />

- Aqui está o que eu queria - disse ele.<<strong>br</strong> />

Um relâmpago intolerável encheu <strong>de</strong> repente a cabine, inundando todos os seus<<strong>br</strong> />

recantos <strong>com</strong> uma luz <strong>br</strong>ilhante e dura. Durante alguns minutos todos ficaram meio<<strong>br</strong> />

cegos, tendo nas suas retinas a imagem fixa da cabine no momento <strong>de</strong> tal explosão.<<strong>br</strong> />

- Perdoem-me - disse Glbson, contrito. - Nunca a tinha usado <strong>com</strong> toda a potência<<strong>br</strong> />

num local fechado...<<strong>br</strong> />

- Safa! - excamou Hilton, esfregando os olhos. É pior que uma bomba atômica!<<strong>br</strong> />

O escritou explicou:<<strong>br</strong> />

- É um gerador especial, para permitir a obtenção <strong>de</strong> fotografias coloridas à noite.<<strong>br</strong> />

Até agora não tinha tido oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uso <strong>de</strong>le.<<strong>br</strong> />

Hilton examinou a pequena lâmpada <strong>de</strong> flash.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong>remos focar isto convenientemente? - perguntou ele.<<strong>br</strong> />

- Há um regulador atrás do refletor. O feixe é largo, mas <strong>de</strong>ve ajudar.<<strong>br</strong> />

Hilton pareceu ficar satisfeito..<<strong>br</strong> />

- Devem ver isto em Phobos, mesmo durante o dia. No entanto é melhor não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sperdiçarmos a carga.<<strong>br</strong> />

- Phobos está bem por cima <strong>de</strong> nós? - perguntou Gibson, - Vou lá fora e dispararei<<strong>br</strong> />

isto imediatamente.<<strong>br</strong> />

- Não dispares mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z vezes - disse Hilton. Temos <strong>de</strong> guardar energia para a<<strong>br</strong> />

noite. E a<strong>br</strong>iga-te nas som<strong>br</strong>as.<<strong>br</strong> />

Com a máquina e a preciosa luz <strong>de</strong> flash bem aconchegadas ao peito, Gibson<<strong>br</strong> />

correu pelo vale <strong>com</strong>o uma jovem gazela, a<strong>com</strong>panhado por Jimmy. Não tardaram<<strong>br</strong> />

em <strong>de</strong>ixar a som<strong>br</strong>a da encosta, Olharam para o céu e viram Phobos a oeste, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

uma meia lua que ràpidaimente transrormou-se num o crescente enquanto corria<<strong>br</strong> />

para o sul. Gibson se perguntou se naquele momento alguém estaria observando<<strong>br</strong> />

aquela parte <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

A cerca <strong>de</strong> um quilômetro do avião o solo <strong>de</strong>scia suavemente e na parte mais<<strong>br</strong> />

baixa do vale havia uma larga cintura castanha que parecia estar coberta por ervas<<strong>br</strong> />

altas. Gibson dirigiu-se para ela. Jimmy seguiu-o.<<strong>br</strong> />

Encontraram-se ente plantas esguias e coriáceas, <strong>de</strong> um tipo que nunca tinham<<strong>br</strong> />

visto antes. As folhas elevavam-se verticalmente e estavam cobertas por numerosas<<strong>br</strong> />

vagens. Sem per<strong>de</strong>r tempo em investigações botânicas, Gibson a<strong>br</strong>iu caminho até o<<strong>br</strong> />

centro da pequena floresta. Então ergueu a luz <strong>de</strong> flash e disparou na direcção <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Phobos. O momento fôra bem escolhido, pois que o lado do satélite que estava<<strong>br</strong> />

virado para ele encontrava-se nas trevas e os telescópios po<strong>de</strong>riam funcionar nas<<strong>br</strong> />

melhores condições.<<strong>br</strong> />

Disparou <strong>de</strong>z vezes, em cinco pares, bem espaçados. - Por hoje basta - disse o<<strong>br</strong> />

escritor. - Vejamos agora as plantas. Sabes o que me lem<strong>br</strong>am?<<strong>br</strong> />

- Algas muito crescidas... - respon<strong>de</strong>u Jimmy.<<strong>br</strong> />

- É verda<strong>de</strong>. Que haverá nestas vagens ? Tens um canivete ? . .. O<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />

Gibson não <strong>de</strong>scansou enquanto não rasgou um dos pequenas balões negros.<<strong>br</strong> />

Aparentemente ele continha gás, e a uma pressão consi<strong>de</strong>rável, porque ouviu-se um<<strong>br</strong> />

pequeno silvo.<<strong>br</strong> />

- Que coisa tão estranha! - <strong>com</strong>entou o escritor. Levemos algumas conosco.<<strong>br</strong> />

Não sem dificulda<strong>de</strong>, conseguiu cortar uma das plantas quase pela raiz. Um líquido<<strong>br</strong> />

castanho-escuro saiu do corte, libertando bolhas <strong>de</strong> gás. Gibson coiocou o seu troféu<<strong>br</strong> />

ao om<strong>br</strong>o e iniciou a viagem <strong>de</strong> regresso ao avião.<<strong>br</strong> />

Ignorava que trazia consigo o futuro <strong>de</strong> um mundo. Tinham dado apenas alguns


passos quando encontraram uma moita mais <strong>de</strong>nsa e tiveram <strong>de</strong> fazer um <strong>de</strong>svio.<<strong>br</strong> />

Com o Sol <strong>com</strong>o guia não havia receio <strong>de</strong> se per<strong>de</strong>rem e portanto não tentaram<<strong>br</strong> />

seguir o caminho por on<strong>de</strong> tinham vindo.<<strong>br</strong> />

No entanto, Gibson teve dificulta<strong>de</strong> em orientar-se.<<strong>br</strong> />

E ficou aliviado quando encontrou um caminho estreito e tortuoso que seguia mais<<strong>br</strong> />

ou menos na mesma direção. Para qualquer outro observadcr, o seu alivio teria sido<<strong>br</strong> />

uma interessante prova <strong>de</strong> lentidão <strong>de</strong> certos processos mentais. Porque só <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> o escrttor e Jimmy darem alguns passos, se recordaram do simples mas<<strong>br</strong> />

espantoso fato <strong>de</strong> que as pegadas não nascem por si próprias.<<strong>br</strong> />

- Já era tempo dos nossos dois exploradores voltarem, não é? - disse o piioto,<<strong>br</strong> />

enquanto ajudava Hilton a <strong>de</strong>smontar os faróis do avião.<<strong>br</strong> />

- Há quanto tempo partlram ?<<strong>br</strong> />

- Há cerca <strong>de</strong> quarenta minutos. Espero que não tenham se perdido.<<strong>br</strong> />

- Gibson é muito cauteloso. Mas o jovem Jimmy é capaz <strong>de</strong> ter <strong>com</strong>eçado a<<strong>br</strong> />

procurar marcianos.<<strong>br</strong> />

- Olhe! aí vêm eles. E vêm correendo!<<strong>br</strong> />

Dois vultos tinham aparecido à distância e corriam aos saltos através do vale. A<<strong>br</strong> />

sua pressa era tão óbvia que os dois homens abandonaram as ferramenteas e<<strong>br</strong> />

observaram a aproximação <strong>de</strong>les <strong>com</strong> uma curiosida<strong>de</strong> crescente.<<strong>br</strong> />

O fato <strong>de</strong> Gibson e Jimmy terem regressado tão <strong>de</strong>pressa representava o triunfo<<strong>br</strong> />

db cuidado e do dominio <strong>de</strong> si próprios. Durante um longo instante tinham olhado<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> estupefação incrédula, o rastro que passava através das plantas. O escritor fôra<<strong>br</strong> />

o primeiro a falar, numa voz muito baixa, <strong>com</strong>o se tivesse medo <strong>de</strong> ser escutado.<<strong>br</strong> />

- Não há dúvida <strong>de</strong> que são pegadas. Mas quem as teria feito? Ninguem esteve<<strong>br</strong> />

aqui!<<strong>br</strong> />

- Talvez seja alguma espécie <strong>de</strong> animal.<<strong>br</strong> />

- Muito gnan<strong>de</strong>, por certo.<<strong>br</strong> />

- Talvez tão gran<strong>de</strong> <strong>com</strong>o um cavalo.<<strong>br</strong> />

- Ou um tigre.<<strong>br</strong> />

Gibson observou:<<strong>br</strong> />

- Não vale a pena enfrentarmos riscos, vamos voltar imediatamente e contar aos<<strong>br</strong> />

outros o que se passa. Depois pensaremos em explorar a zona.<<strong>br</strong> />

Jimmy teve o bom senso <strong>de</strong> não retorquir. E não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> olhar para trás<<strong>br</strong> />

enquanto corria para o avião. Demoraram algum tempo a convencer os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiros, pois que eles não os levavam a sério. Todo mundo sabia que não<<strong>br</strong> />

havia vida animal em <strong>Marte</strong>. Em uma questão <strong>de</strong> metabolismo: Os animais<<strong>br</strong> />

consumiam oxigênio tão <strong>de</strong>pressa que não po<strong>de</strong>riam existir naquela atmostera tênue<<strong>br</strong> />

e práticamente inerte.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que tenham visto aquilo que dizem, isso <strong>de</strong>ve ter qualquer outra<<strong>br</strong> />

explicação natural,<<strong>br</strong> />

- Vá ver - respon<strong>de</strong>u Gilbson. - Digo-lhe que é um caminho bastante usado.<<strong>br</strong> />

- Está bem. Então vou lá - dise Hilton. - E eu também - acrescentou o piloto.<<strong>br</strong> />

- Um momento! Não po<strong>de</strong>mos ir todos, Pelo menos um tem <strong>de</strong> ficar,<<strong>br</strong> />

Gibson pensou em sacrifica-se. Mas <strong>de</strong>pois <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que nunca se perdoaria a<<strong>br</strong> />

sí próprio uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas. - Eu encontrei o rastro - disse ele, <strong>com</strong> firmeza.<<strong>br</strong> />

- Parece-me que temos motim a bordo - <strong>com</strong>entou Hilton. - Alguém aí tem uma<<strong>br</strong> />

moeda? Vamos tirar a sorte.<<strong>br</strong> />

Foi o piloto quem per<strong>de</strong>u.<<strong>br</strong> />

- De qualquer maneira é um disparate - disse ele. Espero que voltem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>


uma hora. Se <strong>de</strong>morarem mais tempo exigirei que tragam uma princesa marciana,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o as dos contos <strong>de</strong> Edgar Rice Burroughs.<<strong>br</strong> />

Os três expedicionártos atravessaram o vale em direcção à pequena floresta, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Gibson à frente. Alcançaram as plantas e não tiveram dificulda<strong>de</strong> em encontrar o<<strong>br</strong> />

rastro. Hilton fitou-o por algum tempo, em silêncio. Depois disse:<<strong>br</strong> />

- Dá-me a tua luz <strong>de</strong> flash, Gibson. Vou na frente. Não podia haver sensação mais<<strong>br</strong> />

estranha que a <strong>de</strong> avançar através doquele estreito caminho entre altas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

folhas, sabendo que a qualquer momento po<strong>de</strong>riam enfrentar uma criatura<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sconhecida e talvez feroz.<<strong>br</strong> />

Já quase no meio da floresta, <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iram que o rastro se dividia em dois. Hilton<<strong>br</strong> />

seguiu pelo da direita, mas logo <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu que era um beco sem saída. Levava a<<strong>br</strong> />

uma clareira <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> vinte metros <strong>de</strong> diâmetro, em que todas as plantas tinham<<strong>br</strong> />

sido cortadas - ou <strong>com</strong>idas - rente ao chão.<<strong>br</strong> />

- Herbívoros - murmurou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Razoavelmente inteligentes - <strong>com</strong>entou Hilton. - Deixaram as raizes <strong>de</strong> modo a<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rem rebentar <strong>de</strong> novo. Vejamos agora o outro caminho.<<strong>br</strong> />

Encontraram a segunda clareira cinco minutos <strong>de</strong>pois.<<strong>br</strong> />

Era muito maior que a primeira e não estava vazia!<<strong>br</strong> />

Hilton. agarrou à luz <strong>de</strong> flash, enquanto Gibson, num movimento bem estudado,<<strong>br</strong> />

colocou a máquina em posição e <strong>com</strong>eçou a tirar as mais famosas fotografias que já<<strong>br</strong> />

tinham sido feitas em <strong>Marte</strong>, até então. Depois acalmaram-se e esperaram que os<<strong>br</strong> />

Marcianos notassem a presença <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

Nesse momento, séculos <strong>de</strong> fantasia e lenda dissiparam-se. Todos os sonhos do<<strong>br</strong> />

encontro do homem <strong>com</strong> seres não muilto diferentes <strong>de</strong>le <strong>de</strong>svaneceram-se<<strong>br</strong> />

instantâneamente Com eles, mas sem qualquer lamento, <strong>de</strong>sapareceram também os<<strong>br</strong> />

monstros tentacuares <strong>de</strong> Wells e outras legiões <strong>de</strong> monstros <strong>de</strong> pesadêlo, E também<<strong>br</strong> />

o mito <strong>de</strong> frias inteligências não humanas, que pu<strong>de</strong>ssem olhar para o Homem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

ele próprio para um inseto daninho.<<strong>br</strong> />

Havia <strong>de</strong>z criaturas na clareira e estavam tão atarefadas <strong>com</strong>endo, que nem<<strong>br</strong> />

sequer tinham dado conta dos intrusos. Pareciam cangurus muito gordos, <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

seus corpos quase esféricos equili<strong>br</strong>ados so<strong>br</strong>e duas coxas gran<strong>de</strong>s e esguias, Não<<strong>br</strong> />

tinham pêlos e a sua pele mostrava um lustro curioso, <strong>com</strong>o o <strong>de</strong> couro <strong>br</strong>unido. Dois<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>aços finos, que parecram inteiramentle flexíveis, saíam da parte superior do corpo<<strong>br</strong> />

e terminavam em mãos pequenas <strong>com</strong>o as garras <strong>de</strong> um pássaro - aparentemente<<strong>br</strong> />

pequenas e fracas <strong>de</strong>mais para serem <strong>de</strong> qualquer utilida<strong>de</strong> prática. As cabeças<<strong>br</strong> />

estavam colocadas diretamete so<strong>br</strong>e o tronco, sem a menor suspeita <strong>de</strong> pescoço, e<<strong>br</strong> />

tinham dois gran<strong>de</strong>s olhos pálidos, <strong>com</strong> largas pupilas. Não possuiam narinas -<<strong>br</strong> />

somente uma gran<strong>de</strong> boca triangular <strong>com</strong> três bicos largos e curtos que trituravam<<strong>br</strong> />

rápidamente a folhagem. Um par <strong>de</strong> orelhas muito gran<strong>de</strong>s, quase transparentes,<<strong>br</strong> />

pendia da cabeça, torcendo-se ocasionalmente e formando por vezes cornetas que<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>veriam ser magnificos <strong>de</strong>tectores <strong>de</strong> som, mesmo naquela atmosfera. tão rarefeita.<<strong>br</strong> />

O maior dos animais era tão alto <strong>com</strong>o Hilton, mas os outros eram muito menores.<<strong>br</strong> />

Uma «criança», <strong>com</strong> menos <strong>de</strong> um metro <strong>de</strong> altura, parecia extremamente<<strong>br</strong> />

engraçada, saltava contente, procurando atingir as folhas mais suculentas e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

tempos a tempos emitia gritos agudos que eram irresitívelmente patéticos.<<strong>br</strong> />

- Até que ponto serão inteligentes? - murmurou Gibson, por fim.<<strong>br</strong> />

- É difícil dizer. Note o cuidado <strong>com</strong> que <strong>com</strong>em as plantas. Mas po<strong>de</strong> ser puro<<strong>br</strong> />

instinto - <strong>com</strong>o acontece <strong>com</strong> as abelhas.<<strong>br</strong> />

- Movem-se muito <strong>de</strong>vagar, não é? Pergunto a mim mesmo se serão <strong>de</strong> sangue


quente.<<strong>br</strong> />

- Pois eu pergunto se têm sangue, O seu metabolismo <strong>de</strong>ve ser muito invulgar<<strong>br</strong> />

para que possam so<strong>br</strong>eviver aqui.<<strong>br</strong> />

- Já era tempo <strong>de</strong> terem nos notado.<<strong>br</strong> />

- O maior <strong>de</strong> todos sabe que estamos aqui. Notei que nos olhava pelo canto do<<strong>br</strong> />

olho. Estás notanto <strong>com</strong>o ele dirige as orelhas para nós?<<strong>br</strong> />

- É melhor sairmos daqui.<<strong>br</strong> />

- Não acho que possam fazer-nos muito mal, mesmo que queiram. As mãos<<strong>br</strong> />

parecem muito fracas, mas suponho que os três bicos po<strong>de</strong>m fazer alguns estragos.<<strong>br</strong> />

Vamos avançar seis passos, muito <strong>de</strong>vagar.<<strong>br</strong> />

Aproximaram-se <strong>de</strong> uma maneira que tentavam fazer parecer inspiradona <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

confiança. Não havia dúvida <strong>de</strong> que os Marcianos os viam. Meia dúzia <strong>de</strong> olhos<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s e calmos fitaram-nos e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sviaram-se, porque os seus donos tinham<<strong>br</strong> />

mais a fazer.<<strong>br</strong> />

- Não parecem ser muito curiosos - disse Gibson algo <strong>de</strong>sapontado. - Serermos<<strong>br</strong> />

assim tão pouco interessantes ?<<strong>br</strong> />

- Olha, a «criança» <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu-nos! O que ele vai fazer? O menor dos Marcianos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> <strong>com</strong>er e olhava para os intrusos <strong>com</strong> uma expressão que tanto podia<<strong>br</strong> />

significar uma incredulida<strong>de</strong> absoluta <strong>com</strong>o a esperançosa antecipação <strong>de</strong> mais<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ida. Soltou um par <strong>de</strong> guinchos agudos que foram respondidos por um «honk»<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sinteressado, <strong>de</strong> um dos adultos. Depois, resolveu saltitar em direção aos<<strong>br</strong> />

visitantes.<<strong>br</strong> />

Parou a dois passos <strong>de</strong>les, sem mostrar medo ou <strong>de</strong>sconfiança.<<strong>br</strong> />

- Como está? - perguntou Hilton, <strong>com</strong> toda a solenida<strong>de</strong> - Apresento-lhe Jimmy<<strong>br</strong> />

Spencer, à minha direita; Martin Gibson, à minha esquerda. Mas tenho a impressão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que ainda não conheço o seu nome.<<strong>br</strong> />

- Squik - disse o pequeno Marciano.<<strong>br</strong> />

- Bem, Squik, em que lhe posso ser útil?<<strong>br</strong> />

A pequena criatura esten<strong>de</strong>u a mão e agarrou a roupa <strong>de</strong> Hilton. Depois saltou na<<strong>br</strong> />

direção <strong>de</strong> Gibson, que estava atarefado, fotografando aquela troca <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

cumprimentos. O escritor esten<strong>de</strong>u-lhe a mão e ficou surpreso quando os pequenos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>dos fecharam-se à sua volta <strong>com</strong> uma força surpreen<strong>de</strong>nte.<<strong>br</strong> />

- Um belo amiguinho, não é? - disse Gibson, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter libertado <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

dificulda<strong>de</strong>. - Pelo menos não é tão insensível quanto os parentes,<<strong>br</strong> />

Os adultos não tinham mostrado o menor interêsse no que estava acontecendo.<<strong>br</strong> />

Continuavam triturando as folhas placidamente.<<strong>br</strong> />

- Gostaria <strong>de</strong> ter alguma coisa para lhe oferecer, mas não creio que ele possa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er qualquer dos nosso alimentos. Empresta-me a tua faca, Jimmy. Vou cortar<<strong>br</strong> />

umas «algas» para ele, para provarmos que somos amigos.<<strong>br</strong> />

O presente foi recebido <strong>com</strong> alegria e imediatamente <strong>com</strong>ido. As pequenas mãos<<strong>br</strong> />

esten<strong>de</strong>ram-se, pedindo mais. - Parece que oonseguiste um sucesso, Martin - disse<<strong>br</strong> />

Hilton.<<strong>br</strong> />

- Receio que seja só gulodice. Eh! Larga a minha máquina – não é para <strong>com</strong>er!<<strong>br</strong> />

- Há qualquer coisa estranha aqui - disse Hilton <strong>de</strong> repente. - De que cor é o<<strong>br</strong> />

garoto?<<strong>br</strong> />

- Castanho... na frente. Atrás é <strong>de</strong> um cinzento-sujo.<<strong>br</strong> />

- Certo. Vai para trás <strong>de</strong>le e oferece-lhe mais <strong>com</strong>ida.<<strong>br</strong> />

Gibson assim fez. Squik rodou so<strong>br</strong>e as ancas e agarrou o pedaço <strong>de</strong> <strong>com</strong>ida. E<<strong>br</strong> />

quando acabou <strong>de</strong> triturá-la suce<strong>de</strong>u uma coisa muito curiosa.


A cor castanha <strong>de</strong>sapareceu da frente do seu corpo, e em menos <strong>de</strong> um minuto<<strong>br</strong> />

foi substituída por um cinzento-sujo. Ao mesmo tempo acontecra o contrário nas<<strong>br</strong> />

costas da criatura, invertendo as cores.<<strong>br</strong> />

- Meu Deus! - exclamou o escritor. - É <strong>com</strong>o um camaleão!<<strong>br</strong> />

- Não. É algo mais hábil. Olha para os outros. São sempre castanhos ou quase<<strong>br</strong> />

negros do lado que está voltado para o Sol. É simplesmente uma forma <strong>de</strong> absorver<<strong>br</strong> />

tanto calor quanto possível e evitar perdê-lo. As plantas fazem o mesmo. O sistema<<strong>br</strong> />

não teria utilida<strong>de</strong> alguma num animal que se movesse rapidamente, mas eses<<strong>br</strong> />

cavalheiros não mudaram <strong>de</strong> posição nos últimos cinco minutos.<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>eçou logo a fotografar aquele fenômeno tão curioso, mas, quando<<strong>br</strong> />

terminou, Hilton disse-lhe:<<strong>br</strong> />

- Lamento interromper o divertimento, mas temos <strong>de</strong> voltar.<<strong>br</strong> />

- Não precisamos ir todos. Jimmy, volta ao avião e diz que estamos bem.<<strong>br</strong> />

Mas Jimmy não o ouviu. Estava olhando para o céu. Fôra o primeiro a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r que durante os últimos cinco minutos um avião voava em círculos<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e o vale, a gran<strong>de</strong> altura.<<strong>br</strong> />

O grito que <strong>de</strong>ram até perturbou os plácidos marcianos, que olharam para eles<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> uma expressão reprovadora. Squik assustou-se tanto que <strong>de</strong>u um tremendo<<strong>br</strong> />

pulo para trás, mas não tardou a vencer o medo e a avançar <strong>de</strong> novo.<<strong>br</strong> />

- Até logo - gritou Gibson por cima do om<strong>br</strong>o, enquanto corriam para fora da<<strong>br</strong> />

floresta. Os nativos não lhes <strong>de</strong>ram a minima atenção.<<strong>br</strong> />

Já estavam na meta<strong>de</strong> do caminho quando o escritor notou que eram seguidos.<<strong>br</strong> />

Parou e olhou para trás. Fatigado mas sempre aos pulos, atrás <strong>de</strong>les vinha Squik.<<strong>br</strong> />

- Volta para a tua mãe – disse Gibson agitando os <strong>br</strong>aços. - Não tenho nada para<<strong>br</strong> />

ti.<<strong>br</strong> />

Não adiantou nada. A pausa apenas serviu para que Squik se aproximasse <strong>de</strong>le. Os<<strong>br</strong> />

outros já estavam longe. Per<strong>de</strong>ram uma cena muito curiosa, quando o escritor tentou<<strong>br</strong> />

libertar-se do seu novo amigo sem ferir os seus sentimentos.<<strong>br</strong> />

Desistiu dos métodos diretos ao fim <strong>de</strong> cinco minutos e tentou um ardil. Por sorte<<strong>br</strong> />

ainda tinha a faca <strong>de</strong> Jimmy e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito trabalho, conseguiu reunir um<<strong>br</strong> />

pequeno monte <strong>de</strong> «algas» que colocou em frente <strong>de</strong> Squik. Isso – segundo ele<<strong>br</strong> />

esperava – <strong>de</strong>via mantê-lo entretido durante um bom tempo.<<strong>br</strong> />

Acabara exatamente <strong>de</strong> fazer isso quando Hilton e Jimmy voltaram correndo, para<<strong>br</strong> />

ver o que lhe acontecera.<<strong>br</strong> />

- Tinha <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembaraçar-me <strong>de</strong> Squik <strong>de</strong> qualquer maneira - disse ele. - Agora<<strong>br</strong> />

não me seguirá mais.<<strong>br</strong> />

O piloto já estava ansioso porque a hora quase já passara e não havia sinal dos<<strong>br</strong> />

seus oompanheiros, Subiu no alto da fuselagem e olhou até o meio do vale. Estava<<strong>br</strong> />

observando a mancha <strong>de</strong> vegetação em que eles dasapareceram. Foi então que o<<strong>br</strong> />

avião <strong>de</strong> socorro surgiu do oeste e <strong>com</strong>eçou a voar em círculos so<strong>br</strong>e o vale.<<strong>br</strong> />

Quando se certificou <strong>de</strong> que tinham-no avistado, voltou a olhar para o chão. Fez<<strong>br</strong> />

isto bem mesmo tempo <strong>de</strong> ver um grupo <strong>de</strong> figuras que saíam do meio das plantas -<<strong>br</strong> />

e um momento <strong>de</strong>pois esfregou os olhos, sem po<strong>de</strong>r acreditar no que via.<<strong>br</strong> />

Três pessoas tinham entrado na floresta. Mas haviam saído quatro <strong>de</strong>la. E a quarta<<strong>br</strong> />

parecia uma pessoa muito estranha!


--------------------------CAPÍTULO XIII--------------------------<<strong>br</strong> />

Depois daquilo que viria a ser consi<strong>de</strong>rado <strong>com</strong>o o melhor <strong>de</strong>sastre da história da<<strong>br</strong> />

exploração marciana, a visita ao Trivium Charontis e a Port Schiaparelli per<strong>de</strong>u,<<strong>br</strong> />

inveitávelmente, todo o interesse. Gibson pensara até em adiá-la e voltar<<strong>br</strong> />

imediatamente a Port Lowell <strong>com</strong> a sua <strong>de</strong>scoberta. Tinha perdido por <strong>com</strong>pleto as<<strong>br</strong> />

esperanças <strong>de</strong> se livrar <strong>de</strong> Squik, e <strong>com</strong>o todo mundo na colônia queria ver um<<strong>br</strong> />

Marciano verda<strong>de</strong>iro e bem vivo, tinham resolvido levar a pequena criatura <strong>com</strong> eles.<<strong>br</strong> />

Mas Port Lowell não os <strong>de</strong>ixou regressar <strong>de</strong> imediato. Passaram-se <strong>de</strong>z dias antes<<strong>br</strong> />

que voltassem a ver a capital. Sob as gran<strong>de</strong>s redomas travara-se uma das batalhas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>cisivas pela posse do planeta. A epi<strong>de</strong>mia temida pelo Dr. Scott chegara. A certa<<strong>br</strong> />

altura, um décimo da população da cida<strong>de</strong> estivera doente <strong>com</strong> a fe<strong>br</strong>e marciana.<<strong>br</strong> />

Mas o soro vindo da Terra permitira enfrentar o ataque e a batalha fôra vencida<<strong>br</strong> />

apenas <strong>com</strong> três vidas perdidas. Foi a última vez que a fe<strong>br</strong>e ameaçou a colônia.<<strong>br</strong> />

O transporte <strong>de</strong> Squik para Port Schiaparelli foi difícil, pois implicou no<<strong>br</strong> />

carregamento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> «algas» para a sua alimentação. A princípio<<strong>br</strong> />

recearam que ele não pu<strong>de</strong>sse viver na atmosfera oxigenada das redomas, mas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iram que isso não o importunava <strong>de</strong> modo algum - apesar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

reduzir consi<strong>de</strong>ràvelmente o seu apetite. A explicação <strong>de</strong>sse fenómeno afortunado só<<strong>br</strong> />

foi <strong>de</strong>scoberta muito mars tar<strong>de</strong>. O que nunca se <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu foi a razão da <strong>de</strong>dicação<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Squik a Gibson. Alguém sugeriu, <strong>com</strong> muita malícia, que isso era <strong>de</strong>vido ao fato<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> terem ambos aproximadamente a mesma forma.<<strong>br</strong> />

Antes <strong>de</strong> continuarem a sua viagem, Gibson e os seus colegas, <strong>com</strong> o piloto do<<strong>br</strong> />

avião <strong>de</strong> socorro e a equipe <strong>de</strong> recuperação, que chegou <strong>de</strong>pois, fizeram algumas<<strong>br</strong> />

visitas à pequena família <strong>de</strong> Marcianos. Não <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iam outro grupo e Gibson<<strong>br</strong> />

perguntou a si próprio se aqueles seriam os últimos espécimes <strong>de</strong>ixados no planeta.<<strong>br</strong> />

Mais tar<strong>de</strong> saberiam que não era assim.<<strong>br</strong> />

O avião <strong>de</strong> socorro fôra alertado pela notícia <strong>de</strong> que Phobos observara clarões<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ilhantes em Aetheria. (todo mundo ficou surpreso <strong>com</strong> tal fato, até que Gibson,<<strong>br</strong> />

orgulhoso, explicou o que se passara.) Enquanto substituíam os motores do aparelho<<strong>br</strong> />

avariado, resolveram estudar os Marcianos no seu ambiente natural. Foi então que<<strong>br</strong> />

Gibson teve a primeira suspeita do segredo da sua existência.<<strong>br</strong> />

No seu longínquo passado haviam sido muito provavelmentle respiradores <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

oxigênio e os seus processos vitais ainda <strong>de</strong>pendiam <strong>de</strong>sse elemento. Não podiam<<strong>br</strong> />

obtê-lo diretamente do soio, on<strong>de</strong> ele se encontrava em inúmeros bilhões <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

toneladas, mas as plantas que <strong>com</strong>iam po<strong>de</strong>riam fazê-lo. Gibson não <strong>de</strong>morou a<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir que as numerosas «vagens» das «algas» continham oxigênio sob uma<<strong>br</strong> />

pressão bastante alta. Tornando o seu metabolismo mais lento, os Marcianos tinham


conseguido um equilí<strong>br</strong>io - quase uma simbiose - <strong>com</strong> as plantas que os abasteciam<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>com</strong>ida e ar. Era um equilí<strong>br</strong>io precário, que podia ser perturbado em qualquer<<strong>br</strong> />

momento por qualquer catástrore natural. Mas as condições em <strong>Marte</strong> tinham há<<strong>br</strong> />

muito atingido a estabilida<strong>de</strong>, e o equlí<strong>br</strong>lo <strong>de</strong>via ser mantido por muito e muito<<strong>br</strong> />

tempo – se o Homem não o perturbasse!.<<strong>br</strong> />

Chegaram a Port Schiaparelli três dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem saido <strong>de</strong> Port Loweli. A<<strong>br</strong> />

segunda cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> tinha menos <strong>de</strong> mil habitantes que viviam em duas<<strong>br</strong> />

redomas num longo e estreito plamalto. Só anos <strong>de</strong>pois, quando os recursos do<<strong>br</strong> />

planeta <strong>com</strong>eçaram a ser mais conhecidos, resolveu-se mudar o centro <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

da colônia para Lowell e não mais <strong>de</strong>senvolver Port Schiaparelli.<<strong>br</strong> />

A pequena cida<strong>de</strong> era, sob muitos aspectos, idêntica à sua rival maior e mais<<strong>br</strong> />

mo<strong>de</strong>rna. Especializara-se em engenharia ligeira., investigação geológica, e na<<strong>br</strong> />

exploração das regiões circundantes. Por isso, o fato <strong>de</strong> Gibson e os seus camaradas<<strong>br</strong> />

terem feito aci<strong>de</strong>ntalmente a maioor <strong>de</strong>scoberta da história <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> fôra uma<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>cepção para muita gente. E a visita <strong>de</strong>ve ter tido um efeito <strong>de</strong>smoralizador em<<strong>br</strong> />

todas as ativida<strong>de</strong>s normais em Port Schiaparelli, porque, fosse para on<strong>de</strong> fosse,<<strong>br</strong> />

juntavam-se multidões em torno <strong>de</strong> Squik. O pior foi quando se lem<strong>br</strong>aram <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

projetar <strong>de</strong>senhos simples so<strong>br</strong>e o Marciano, para fotografarem a reprodução na sua<<strong>br</strong> />

pele antes que <strong>de</strong>saparecesse. Um dia Gibson ficou furioso ao ver uma imagem do<<strong>br</strong> />

seu amigo ostentanto uma caricatura grosseira, mas facilmente i<strong>de</strong>ntificável, <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

conhecida estrela da televisâo.<<strong>br</strong> />

O regresso a Port Lowell foi quase um cortejo <strong>de</strong> vitória. A capital estava eufórica<<strong>br</strong> />

perante a <strong>de</strong>rrota da epi<strong>de</strong>mia e aguardava ansiosamente a ocasião <strong>de</strong> ver Gibson e<<strong>br</strong> />

o seu «amigo». Os cientistas tinham preparado uma bela recepção para Squik. Os<<strong>br</strong> />

zoólogos, em particular, atarefavam-se a explicar o malogro das suas anteriores<<strong>br</strong> />

explicações so<strong>br</strong>e a ausência <strong>de</strong> vida animal em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Gibson só o entregou aos peritos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>les terem jurado solenemente que não<<strong>br</strong> />

pensavam sequer em fazer-lhe o menor mal. Depois correu para ver o Chefe.<<strong>br</strong> />

Hadfield acolheu-o calorosamente. O escritor notou que havia uma importante<<strong>br</strong> />

diferença na atitu<strong>de</strong> do Diretor-Geral a respeito <strong>de</strong>le. Era evi<strong>de</strong>nte que o Chefe já<<strong>br</strong> />

não o olhava <strong>com</strong>o uma verda<strong>de</strong>ira calamida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Você acrescentou alguns cidadãos interessantes ao meu pequeno império - disse<<strong>br</strong> />

Hadfield <strong>com</strong> um sorriso - Acabo <strong>de</strong> ver o seu adorável «amigo». Já mor<strong>de</strong>u o chefe<<strong>br</strong> />

dos Serviços <strong>de</strong> Sau<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Espero que o tenham tratado <strong>de</strong>vidamente - disse Gi!bson, aflito.<<strong>br</strong> />

- Quem, o médico ?<<strong>br</strong> />

- Não, Squik. Estava me perguntando se haverão outras formas <strong>de</strong> vida animal<<strong>br</strong> />

ainda a serem <strong>de</strong>scobertas - e talvez mais inteligentes.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong>rão passar-se anos antes <strong>de</strong> termos a certeza disso, mas estou convencido<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que estes são os únicos Marcianos genuinos. As condições que tornaram possível<<strong>br</strong> />

a sua so<strong>br</strong>evivência não ocorrem em muitos lugares neste planeta.<<strong>br</strong> />

- Há uma coisa so<strong>br</strong>e a qual eu queria falar consigo, - Gibson tirou do bolso um<<strong>br</strong> />

ramalhete da «alga» castanha. Furou uma das bexigas e ouviu-se o silvo do oxigênio<<strong>br</strong> />

escapado.<<strong>br</strong> />

- Se isto for <strong>de</strong>vidamente cultivado, po<strong>de</strong> resolver o problema do oxigênio nas<<strong>br</strong> />

cida<strong>de</strong>s e tornar dispensável a maquinaria atual. Des<strong>de</strong> que haja areia suficiente para<<strong>br</strong> />

se alimentarem, darão todo o oxigênio que for necessário.<<strong>br</strong> />

- Continue...<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente, terão que proce<strong>de</strong>r algumas experiências <strong>de</strong> seleção, antes <strong>de</strong>


conseguirmos a varieda<strong>de</strong> que forneça mais oxigênio.<<strong>br</strong> />

- Naturalmente...<<strong>br</strong> />

Gibson olhou para o seu interlocutor <strong>com</strong> uma súbita suspeita e protestou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

amargura: - Não está me levando a sério!<<strong>br</strong> />

Hadfield pôs-se <strong>de</strong> pé <strong>de</strong> um salto.<<strong>br</strong> />

- Pelo contrário. Estou a levá-lo muito mais a sério do que imagina. - Inclinou-se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> repente so<strong>br</strong>e o inter<strong>com</strong>unicador e falou: - Preciso <strong>de</strong> uma Pulga da Areia e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

um condutor, daqui a trinta minutos, na Comporta Um Oeste.<<strong>br</strong> />

Voltou-se para Gibson e acrescentou:<<strong>br</strong> />

- Esteja preparado para partir daqui a meia hora.<<strong>br</strong> />

O Serviço <strong>de</strong> Transportes apresentou o veículo exatamente no momento indicado e<<strong>br</strong> />

o Chefe foi pontual <strong>com</strong>o sempre. Deu ao condutor instruções que Gibson não pô<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ouvir e a Pulga saiu da redoma para a estrada que ro<strong>de</strong>ava a cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Estou fazendo uma coisa um pouco incômoda - disse Hadfield ao escritor,<<strong>br</strong> />

enquanto a verdura <strong>de</strong>saparecia perante os olhos <strong>de</strong>les. - Dê-me a sua palavra <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que não dirá nada disso enquanto eu não o autorizar?<<strong>br</strong> />

- Certamente.<<strong>br</strong> />

A Pulga rumou para sul, seguindo o rastro que levava às colinas. E <strong>de</strong> repente<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u para on<strong>de</strong> iam.<<strong>br</strong> />

- Ficaste muito perturbada quando soubeste do <strong>de</strong>sastre? - perguntou Jimmy,<<strong>br</strong> />

ansioso.<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente - respon<strong>de</strong>u lrene. - Perdi a cabeça. Nem podia dormir, tão<<strong>br</strong> />

preocupada estava contigo.<<strong>br</strong> />

- Agora que tudo acabou, não achas que valeu a pena?<<strong>br</strong> />

- Acho que sim. Mas não consigo esquecer <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mês partirás <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

novo. Oh, Jimmy, que faremos então ?<<strong>br</strong> />

Os dois apaixonados ficaram esmagados pelo <strong>de</strong>sespero. A Ares largaria <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deimos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quatro semanas e talvez <strong>de</strong>morasse anos a voltar a <strong>Marte</strong>. Não<<strong>br</strong> />

havia palavras que pu<strong>de</strong>ssem dar uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> quanto era terrível essa perspectiva,<<strong>br</strong> />

- Não posso ficar em <strong>Marte</strong>, mesmo que me <strong>de</strong>ixassem - disse Jimmy. - Não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>ria ganhar a vida enquanto não tivesse o curso e ainda me faltam dois anos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

aprendizado e uma viagem a Vênus! Há apenas uma solução.<<strong>br</strong> />

Os olhos <strong>de</strong> Irene entristeceram.<<strong>br</strong> />

- Já não é a primeira vez que tal acontece. O Pai nunca concordaria<<strong>br</strong> />

- Bem, não haverá mal nenhum em experimentar. Vou pedir a Martin que trate<<strong>br</strong> />

disso. Estou certo <strong>de</strong> que ele concordará. Não é direito que estejas presa a <strong>Marte</strong> e<<strong>br</strong> />

nunca tenhas visto a Terra. Paris, Nova Iorque, Londres... ninguém po<strong>de</strong> dizer que<<strong>br</strong> />

viveu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nunca a tenha visitado. Sabes o que penso?<<strong>br</strong> />

- O quê?<<strong>br</strong> />

- O teu pai é egoísta, ao conservar-te aqui.<<strong>br</strong> />

Irene não gostou da afirmação. Mas aceitou-a. E respon<strong>de</strong>u:<<strong>br</strong> />

- Estou certa <strong>de</strong> que se estivesses na Terra e tivesses <strong>de</strong> voltar a <strong>Marte</strong>, serias<<strong>br</strong> />

capaz <strong>de</strong> usar os mesmos argumentos!<<strong>br</strong> />

Foi a vez <strong>de</strong> Jimmy mostrar-se um pouco magoado, mas <strong>de</strong>pois notou que a moça<<strong>br</strong> />

não se estava rindo <strong>de</strong>le. - Muito bem - disse. - Está <strong>com</strong>binado. Falarei a Martin<<strong>br</strong> />

assim que o vir e pedir-lhe-ei para cuidar do teu pai. Portanto, até lá esqueçamos o<<strong>br</strong> />

assunto, sim?<<strong>br</strong> />

Quase o fizeram.


O pequeno anfiteatro nas colinas so<strong>br</strong>anceiras a Port Lowell tinha o mesmo<<strong>br</strong> />

aspecto, excetuando o fato <strong>de</strong> o ver<strong>de</strong> da sua vegetação luxuriante ter escurecido<<strong>br</strong> />

um pouco. A Pulga dirigiu-se à maior das quatro cúpulas e passaram pelo guarda-ar.<<strong>br</strong> />

- Quando estive aqui disseram-me que tínhamos <strong>de</strong> ser submetidos a uma<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sinfecção antes <strong>de</strong> entrarmos - observou Gibson.<<strong>br</strong> />

- Um pequeno exagero para afastar os visitantes in<strong>de</strong>sejáveis - disse Hadfield.<<strong>br</strong> />

A porta interior a<strong>br</strong>iu-se e entraram na redoma. Um homem <strong>com</strong> uma bata <strong>br</strong>anca<<strong>br</strong> />

- limpa <strong>com</strong>o a <strong>de</strong> um trabalhador científico muito importante - aguarda-o. - Olá,<<strong>br</strong> />

Baines – disse Hadfield. – Gibson, apresento-lhe o professor Baines. Devem ter<<strong>br</strong> />

ouvido falar um do outro.<<strong>br</strong> />

O escritor sabia muito bem que Baines era um dos maiores especialistas mundiais<<strong>br</strong> />

em genética <strong>de</strong> plantas. E que ele viera pra <strong>Marte</strong> um ou dois anos antes para<<strong>br</strong> />

estudar a flora.<<strong>br</strong> />

- Então foi você quem <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu a Oxyfera! - exclamou o professor, <strong>com</strong>o num<<strong>br</strong> />

sonho.<<strong>br</strong> />

- O quê? Já lhe arranjaram um nome? Está bem. Creio que fui eu que a <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>i,<<strong>br</strong> />

mas já <strong>com</strong>eço a ter dúvidas.<<strong>br</strong> />

Caminharam entre tabiques que repartiam o espaço interior da redoma em<<strong>br</strong> />

numerosos <strong>com</strong>partimentos e corredores. Tudo parecia ter sido construído muito<<strong>br</strong> />

apressadamente: Havia belos aparelhos científicos montados so<strong>br</strong>e caixotes e a<<strong>br</strong> />

atmosfera era <strong>de</strong> plena improvisação. Baines levou-os ao guarda-ar que ligava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

outra das redomas e, enquanto esperavam pela abertura da última porta, observou<<strong>br</strong> />

calmamente:<<strong>br</strong> />

- Isto <strong>de</strong>ve magoar seus olhos um pouco.<<strong>br</strong> />

A primeira impressão <strong>de</strong> Gibson foi <strong>de</strong> luz e calor. Era quase <strong>com</strong>o se tivesse<<strong>br</strong> />

passado do Polo para os trópicos num único passo. Em cima, baterias <strong>de</strong> lâmpadas<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rosas inundavam a câmara hemisférica <strong>com</strong> luz. Havia qualquer coisa pesada e<<strong>br</strong> />

opressiva no ar que não era apenas <strong>de</strong>vida ao calor e ele perguntou-se que espécie<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> atmosfera estava respirando.<<strong>br</strong> />

Aquela redoma não estava dividida por tabiques. Era apenas um gran<strong>de</strong> espaço<<strong>br</strong> />

circular <strong>de</strong>ntro do qual cresciam todas as plantas marcianas que Gibson já vira até<<strong>br</strong> />

então, e muitas mais. Cerca <strong>de</strong> um quarto da superfície era ocupada pelas «algas»<<strong>br</strong> />

acastanhadas que Gibson <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ira..<<strong>br</strong> />

- Foram encontradas há dois anos e não são muito raras em torno do equador –<<strong>br</strong> />

disse Hadfield. – Só po<strong>de</strong>m crescer on<strong>de</strong> há abundância <strong>de</strong> luz solar e aquele grupo<<strong>br</strong> />

que encontraram é o que se conhece mais ao norte.<<strong>br</strong> />

O escritor aproximou-se das plantas. No fim <strong>de</strong> tudo não eram exatamente as<<strong>br</strong> />

mesmas que ele <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ira, ainda que fossem por certo <strong>de</strong> origem <strong>com</strong>um. O mais<<strong>br</strong> />

surpreen<strong>de</strong>nte era que as bexigas <strong>de</strong> gás tinham <strong>de</strong>saparecido, substituídas por<<strong>br</strong> />

miría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequenos poros.<<strong>br</strong> />

- Isto é o mais importante. Conseguimos obter uma varieda<strong>de</strong> que liberta o<<strong>br</strong> />

oxigênio diretamente no ar. Des<strong>de</strong> que tenham luz e calor suficientes para extrair da<<strong>br</strong> />

areia tudo quanto necessitar e jogar fora o excesso. Todo o oxigênio que estamos<<strong>br</strong> />

respirando agora é produzido por essas plantas – não há qualquer outra fonte na<<strong>br</strong> />

redoma.<<strong>br</strong> />

- Compreendo - disse Gibson, numa voz lenta, - Só não entendo a razão <strong>de</strong> tanto<<strong>br</strong> />

segredo.<<strong>br</strong> />

- Que segredo? - perguntou Hadfield.<<strong>br</strong> />

- Então?! Pediu-me que não dissesse nada so<strong>br</strong>e o que ia ver!<<strong>br</strong> />

- Oh, é porque vai haver um <strong>com</strong>unicado oficial <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos dias. Apenas


isso.<<strong>br</strong> />

O escritor meditou so<strong>br</strong>e a resposta durante toda a viagem <strong>de</strong> regresso. Hadfield<<strong>br</strong> />

contara-the muita coisa, mas dissera tudo? Que papel tinha Phobos naquilo, se é que<<strong>br</strong> />

tinha algum?<<strong>br</strong> />

As redomas <strong>de</strong> Port Lowell já estavam à vista quando Gibson resolveu falar do<<strong>br</strong> />

assunto que o preocupava havia quinze dias:<<strong>br</strong> />

- Gostaria <strong>de</strong> permanecer em <strong>Marte</strong> mais algum tempo - disse ele. - Talvez até o<<strong>br</strong> />

próximo ano.<<strong>br</strong> />

- Oh! - exclamou Hadfield, <strong>de</strong> uma maneira que não representava satisfação nem<<strong>br</strong> />

reprovação. - E o seu trabalho?<<strong>br</strong> />

- Posso fazê-lo <strong>com</strong> tanta facilida<strong>de</strong> <strong>com</strong>o na Terra.<<strong>br</strong> />

- Suponho que <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> que a sua permanência aqui o o<strong>br</strong>iga a exercer uma<<strong>br</strong> />

profissão mais útil – sorriu e acrescentou: - Devia ter falado <strong>com</strong> mais um pouco <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

tato, não é verda<strong>de</strong>? No entanto, quero apenas dizer que voce terá <strong>de</strong> fazer qualquer<<strong>br</strong> />

coisa para ajudar a colônia a viver. Tem alguma idéia?<<strong>br</strong> />

- Não pensava ficar aqui permanentemente - respon<strong>de</strong>u Gibson, <strong>com</strong>o que num<<strong>br</strong> />

queixume. - Mas pretendo passar algum tempo estudando os Marcianos e gostaria<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ver se seria capaz <strong>de</strong> encontrar mais alguns <strong>de</strong>les. Além disso, não quero<<strong>br</strong> />

abandonar <strong>Marte</strong> exatamente quando as coisas <strong>com</strong>eçam a parecer interessantes.<<strong>br</strong> />

- Que quer dizer? - perguntou Hadfield, <strong>com</strong>o que so<strong>br</strong>essaltado.<<strong>br</strong> />

- Essas plantas <strong>de</strong> oxigênio. A entrada a serviço da Redoma Sete. Gostaria <strong>de</strong> ver o<<strong>br</strong> />

que resultará <strong>de</strong> tudo isso.<<strong>br</strong> />

- O entusiasmo não basta, <strong>com</strong>o sabe.<<strong>br</strong> />

- Compreendo-o bem.<<strong>br</strong> />

- O nosso pequeno mundo está assente em duas coisas: habilida<strong>de</strong> e trabalho.<<strong>br</strong> />

Sem ambas mais valeria que voltássemos à Terra. Faça uma petição para<<strong>br</strong> />

permanência provisória e envia-la-ei à Terra. Teremos a resposta <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

semana. Evi<strong>de</strong>ntemente, se eles não <strong>de</strong>rem a autorização nada po<strong>de</strong>remos fazer.<<strong>br</strong> />

- E se a Terra concordar?<<strong>br</strong> />

- Então <strong>com</strong>eçarei a pensar o que <strong>de</strong>verei respon<strong>de</strong>r.<<strong>br</strong> />

A porta do guarda-ar a<strong>br</strong>iu-se e a Pulga entrou na cida<strong>de</strong>. Mesmo que ele tivesse<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>etido um erro, não po<strong>de</strong>ria fazer muita coisa. <strong>Marte</strong> mudara-o. Sabia o que<<strong>br</strong> />

alguns dos seus amigos diriam quando lessem as notícias: «Ouviste o que Martin<<strong>br</strong> />

fez? Parece que <strong>Marte</strong> fez <strong>de</strong>le um homem! Quem teria pensado nisso?»<<strong>br</strong> />

Gibson estremeceu involuntariamente. Tinha um medo horrível das histórias em<<strong>br</strong> />

que os homens preguiçosos e egoístas se tornavam em mem<strong>br</strong>os úteis dia<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unida<strong>de</strong>.


--------------------------CAPÍTULO XIV--------------------------<<strong>br</strong> />

Acaba <strong>com</strong> isso Jimmy. Em que estás pensando? - Parece que não tens muito<<strong>br</strong> />

apetite esta manhã.<<strong>br</strong> />

Jimmy acabou <strong>de</strong> cortar em minúsculos pedacinhos a omelete sintética que tinha<<strong>br</strong> />

no seu prato.<<strong>br</strong> />

- Estava pensando em Irene e na vergonha que é o fato <strong>de</strong> ela nunca ter tido uma<<strong>br</strong> />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver a Terra.<<strong>br</strong> />

- Tens certeza disso ? Nunca ouvi falar bem <strong>de</strong>sse lugar.<<strong>br</strong> />

- Ela quer. Tenho certeza. Perguntei-lhe.<<strong>br</strong> />

- Deixemo-nos <strong>de</strong> histórias. Que querem ? Fugir na Ares?<<strong>br</strong> />

- É uma i<strong>de</strong>ia, mas não acha que Irene <strong>de</strong>veria <strong>com</strong>pletar a sua educação na<<strong>br</strong> />

Terra? Se ela ficar aqui...<<strong>br</strong> />

- Transformar-se-á numa provinciana. Não é isso?<<strong>br</strong> />

- Não seja tão cruel.<<strong>br</strong> />

- Na realida<strong>de</strong> até concordo contigo. Já tinha pensado nisso. Tenho <strong>de</strong> falar do<<strong>br</strong> />

assunto <strong>com</strong> Hadfield.<<strong>br</strong> />

- É exatamente o que...<<strong>br</strong> />

- O que tu e Irene querem que eu faça? Me diz uma coisa <strong>com</strong> toda a franqueza,<<strong>br</strong> />

Jimmy: gostas <strong>de</strong>la a sério?<<strong>br</strong> />

Jimmy olhou para ele <strong>com</strong> uma expressão que respondia a tudo.<<strong>br</strong> />

- Quero casar <strong>com</strong> ela assim que ela tenha ida<strong>de</strong> para isso, e eu possa ganhar a<<strong>br</strong> />

vida.<<strong>br</strong> />

- O pior é que Hadfield tem muito o que fazer e eu já lhe pedi uma coisa.<<strong>br</strong> />

- O quê?<<strong>br</strong> />

Gibson pigarreou.<<strong>br</strong> />

- Pedi para ficar em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Meu Deus! - exclamou Jimmy.<<strong>br</strong> />

Gibson sorriu.<<strong>br</strong> />

- Achas que é uma boa coisa ?<<strong>br</strong> />

- Sim. Gostaria <strong>de</strong> fazer o mesmo.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que Irene vá para a Terra?<<strong>br</strong> />

- Não está certo! Mas qual é a sua i<strong>de</strong>ia?<<strong>br</strong> />

- Depen<strong>de</strong> <strong>de</strong> muita coisa. Para <strong>com</strong>eçar, tenho <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r um ofício. Terás tu<<strong>br</strong> />

alguma i<strong>de</strong>ia a esse respeito?<<strong>br</strong> />

Jimmy manteve-se silencioso durante algum tempo.<<strong>br</strong> />

- Receio não ter i<strong>de</strong>ia alguma – disse ele por fim – Mas po<strong>de</strong> ficar <strong>com</strong> o meu<<strong>br</strong> />

lugar! Lem<strong>br</strong>ei <strong>de</strong> uma coisa que encontrei na Administração outro dia. Já ouviu falar


no «Projeto Alvorada»<<strong>br</strong> />

- Não sei <strong>de</strong> nada.<<strong>br</strong> />

- Não me admira. Há apenas algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pessoas em <strong>Marte</strong> que lhe<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>m dizer o que é.<<strong>br</strong> />

- E tu és uma <strong>de</strong>las?<<strong>br</strong> />

- Bem, estava trabalhando no arquivo uma noite <strong>de</strong>stas, quando o Chefe e o<<strong>br</strong> />

«Mayor» Whittaker entraram. Não sabiam que eu estava ali e <strong>com</strong>eçaram a falar. De<<strong>br</strong> />

repente o «Mayor» disse uma coisa que me fez pôr as mãos na cabeça: «Aconteça o<<strong>br</strong> />

que acontecer, vai ser o diabo se a Terra souber do "Projeto Alvorada".» Não ouvi<<strong>br</strong> />

mais nada: saíram logo a seguir. Que pensa quanto a isso?<<strong>br</strong> />

- «Projeto Alvorada»! verei o que posso <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir através das minhas... várias<<strong>br</strong> />

fontes <strong>de</strong> informação. Falaste disso a mais alguém?<<strong>br</strong> />

- Não.<<strong>br</strong> />

- Não o faria, se estivesse no meu lugar. Certamente que <strong>de</strong>ve ser qualquer coisa<<strong>br</strong> />

importante. Falarei contigo assim que souber alguma coisa.<<strong>br</strong> />

George, o homem do bar, foi o primeiro alvo do escritor tornado em investigador.<<strong>br</strong> />

Era um objetivo lógico, uma vez que parecia saber <strong>de</strong> tudo quanto acontecia em<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>. Mas <strong>de</strong>sta vez não aconteceu isso.<<strong>br</strong> />

- «Projeto Alvorada»? - disse ele surpreso – Nunca ouvi falar disso.<<strong>br</strong> />

O diretor do Martian Times foi um pouco mais falador. Gibson evitava,<<strong>br</strong> />

habitualmente, falar <strong>com</strong> Westerman, porque ele estava sempre tentando apanharlhe<<strong>br</strong> />

assunto para artigos. O escritor ofereceu-lhe algumas cópias <strong>de</strong> manuscritos<<strong>br</strong> />

piara lhe adoçar a boca e <strong>de</strong>pois perguntou:<<strong>br</strong> />

- Estou tentando reunir todas as informações que pu<strong>de</strong>r so<strong>br</strong>e o «Projeto<<strong>br</strong> />

Alvorada». Sei que ainda é secreto, mas gostaria <strong>de</strong> ter tudo pronto para quando<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>rmos torná-to público.<<strong>br</strong> />

Durante alguns fez-se um silêncio mortal.<<strong>br</strong> />

Depois Westerman retorquiu:<<strong>br</strong> />

- Creio que será melhor falar <strong>com</strong> o Chefe a esse respeito.<<strong>br</strong> />

- Não queria in<strong>com</strong>odá-lo. Ele tem tanto que fazer.<<strong>br</strong> />

- Bem. Não lhe posso dizer nada.<<strong>br</strong> />

- Quer dizer que não sabe nada ?<<strong>br</strong> />

- Apenas mantenho os olhos abertos e estabeleço hipóteses. Não sei nada <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

concreto.<<strong>br</strong> />

Foi tudo quanto Gibson conseguiu saber <strong>de</strong>le. No entanto a entrevista confirmara<<strong>br</strong> />

dois fatos: o «Projeto Alvorada» existia <strong>de</strong> fato. E estava muito bem oculto!.<<strong>br</strong> />

O escritor abandonou a sua busca e dirigiu-se ao Laboratório <strong>de</strong> Biofísica, on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Squik era o hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> honra. O pequeno Marciano estava muito satisfeito, assente<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e as ancas, enquanto os cientistas, no canto oposto, pensavam no que <strong>de</strong>viam<<strong>br</strong> />

fazer a seguir. Assim que ele viu Gibson, soltou um pequeno silvo <strong>de</strong> alegria e <strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />

um salto através da sala, botando uma ca<strong>de</strong>ira abaixo mas poupando, felizmente,<<strong>br</strong> />

muitos aparelhos valiosos.<<strong>br</strong> />

- Bem - disse Gibson ao chefe da equipe, quando se <strong>de</strong>sembaraçou do a<strong>br</strong>aço <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Squik. - Já <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iram até que ponto é inteligente?<<strong>br</strong> />

O cientista coçou a cabeça.<<strong>br</strong> />

- É um bicharoco estranho. Por vezes tenho a impressão <strong>de</strong> que ele ri <strong>de</strong> nós. O<<strong>br</strong> />

mais estranho é que é diferente do resto dia tribo.<<strong>br</strong> />

- Qual é a diferença ?<<strong>br</strong> />

- Os outros não mostram quaisquer emoções, pelo que temos visto. Carecem <strong>de</strong>


toda a curiosida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>mos estar ao lado <strong>de</strong>les enquanto <strong>com</strong>em toda a vegetação<<strong>br</strong> />

à nossa volta. Des<strong>de</strong> que não os importunemos, não nos dão a mínima atenção.<<strong>br</strong> />

- E se os perturbam?<<strong>br</strong> />

- Tentam empurrar-nos para fora do caminho <strong>de</strong>les, <strong>com</strong>o se fôssemos um<<strong>br</strong> />

obstáculo qualquer. Mas nunca se aborrecem.<<strong>br</strong> />

- Então <strong>com</strong>o explicam a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste cavalheiro? - disse Gibson apontando para<<strong>br</strong> />

Squik, que estava rebuscando nos seus bolsos. - Não tem fome. Acabo <strong>de</strong> oferecerlhe<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ida. É apenas curiosida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Talvez seja uma fase por que eles passam quando são jovens.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>br</strong>e Squik! Por vezes tenho pena <strong>de</strong> o ter afastado do seu «lar». Mesmo assim,<<strong>br</strong> />

a idéia foi vossa. Vamos passear?<<strong>br</strong> />

Squik pulou imediatamente para a porta.<<strong>br</strong> />

- Viram isto? - exclamou o escritor – Ele <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> o que eu digo!<<strong>br</strong> />

- Bem... Acontece o mesmo <strong>com</strong> um cão quando ouve uma or<strong>de</strong>m. Talvez seja<<strong>br</strong> />

apenas uma questão <strong>de</strong> hábito. Po<strong>de</strong> trazê-lo <strong>de</strong> volta daqui a meia hora? Estamos<<strong>br</strong> />

preparando o eletro-encefalógrafo para o examinarmos.<<strong>br</strong> />

Os habitantes <strong>de</strong> Port Lowell já estavam habituados a ver aquele estranho par<<strong>br</strong> />

dando o seu passeio diário pelas ruas. De resto, estava-se no princípio da tar<strong>de</strong> e a<<strong>br</strong> />

população juvenil estava ainda nas escolas. Não havia ninguém à vista na Rua<<strong>br</strong> />

Larga, mas por fim surgiu à distância uma figura familiar. Hadfield dava o seu<<strong>br</strong> />

habitual passeio <strong>de</strong> inspeção e, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> costume, andava a<strong>com</strong>panhado pelos seus<<strong>br</strong> />

animaizinhos <strong>de</strong> estimação.<<strong>br</strong> />

- Que jardim zoológico! - exclamou Hadfield, numa gargalhada,<<strong>br</strong> />

- Já vieram algumas notícias da Terra ? - perguntou Gibson, ansioso.<<strong>br</strong> />

- Por Deus! Enviei a sua petição há dois dias! Só ao fim <strong>de</strong> uma semana<<strong>br</strong> />

costumamos ter resposta.<<strong>br</strong> />

O escritor se perguntou se teria coragem <strong>de</strong> mencionar os dois outras assuntos<<strong>br</strong> />

que o preocupavam: o «Projeto Alvorada» e Irene. Pelo que dizia respeito a Irene,<<strong>br</strong> />

prometera fazê-lo e não teria outro remédio, mais tar<strong>de</strong> ou mais cedo. Mas<<strong>br</strong> />

primeiramente teria <strong>de</strong> falar <strong>com</strong> a própria Irene - e isso seria uma excelente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sculpa para não dizer nada naquele momento.<<strong>br</strong> />

Demorou tanto que o assunto fugiu-lhe das mãos. Foi Irene quem o apresentou,<<strong>br</strong> />

sem dúvida instigada por Jimmy. E pela cara do rapaz, no dia seguinte, era fácil<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>duzir qual fora a resposta.<<strong>br</strong> />

As sugestões <strong>de</strong> Irene tinham sido um tremendo choque para Hadfield, que sem<<strong>br</strong> />

dúvida, supunha ter dado à sua filha tudo quanto ela necessitava. No entanto, era<<strong>br</strong> />

um homem muito inteligente para adotar a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um pai profundamente<<strong>br</strong> />

magoado. Limitara-se a enunciar as razões lúcidas e inegáveis pelas quais Irene não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>ria ir à Terra antes dos vinte e um anos, quando ele voltasse ali para umas<<strong>br</strong> />

longas férias. E isso representava três anos <strong>de</strong> espera.<<strong>br</strong> />

- Três anos! - lamentou-se Jimmy. - É <strong>com</strong>o se fossem três vidas inteiras!<<strong>br</strong> />

Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u-o, mas tentou chamar-lhe a atenção para o lado bom das<<strong>br</strong> />

coisas.<<strong>br</strong> />

- Não é tão longo <strong>com</strong>o se po<strong>de</strong>ria pensar. Até então, já terás <strong>com</strong>pletado o teu<<strong>br</strong> />

curso e ganharás muito mais dinheiro do que os rapazes da tua ida<strong>de</strong>. Lem<strong>br</strong>a-te <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que o tempo corre sempre muito <strong>de</strong>pressa. Outra coisa: ele sabe do que se passa<<strong>br</strong> />

contigo?<<strong>br</strong> />

- Creio que não. Pensei uma vez ou duas em falar-lhe. Mas tive medo.


- Hás-<strong>de</strong> sentir medo durante muito tempo se o tiveres por sogro. Que mal te<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong> fazer ele?<<strong>br</strong> />

- Po<strong>de</strong> impedir Irene <strong>de</strong> me ver.<<strong>br</strong> />

- Não é homem para isso e, se o quisesse, já o teria feito há muito tempo.<<strong>br</strong> />

- Se eu for falar <strong>com</strong> ele, que <strong>de</strong>vo dizer ?<<strong>br</strong> />

- O que há <strong>de</strong> errado em dizer-lhe a verda<strong>de</strong> pura e simples? Nessas ocasiões<<strong>br</strong> />

costuma fazer maravilhas. Vem <strong>com</strong>igo esta noite à casa do Chefe e fala <strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />

Tens <strong>de</strong> <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>le. Tem todas as razões para supor que<<strong>br</strong> />

trata-se <strong>de</strong> uma paixoneta vulgar. Mas se fores falar-lhe e lhe disseres que querem<<strong>br</strong> />

ficar noivos - então será diferente.<<strong>br</strong> />

Gibson estava na biblioteca, folheando os livros e pensando em quantas vezes o<<strong>br</strong> />

Chefe teria tempo para lê-los, quando Jimmy entrou.<<strong>br</strong> />

- Mr. Hadfield quer falar-lhe.<<strong>br</strong> />

- Que aconteceu?<<strong>br</strong> />

- Ainda não sei, mas não foi tão mau quanto eu esperava.<<strong>br</strong> />

- Nunca é. E não te preocupes. Dei as melhores referências que podia dar a teu<<strong>br</strong> />

respeito, sem mentir.<<strong>br</strong> />

Quando Gibson entrou no gabinete, encontrou Hadfield afundado num dos<<strong>br</strong> />

ca<strong>de</strong>irões, olhando para o tapete <strong>com</strong>o se o visse pela primeira vez na vida. Fez um<<strong>br</strong> />

gesto ao visitante para que se sentasse.<<strong>br</strong> />

- Há quanto tempo conhece Spencer? - perguntou ele.<<strong>br</strong> />

- Só <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que parti da Terra. Conheci-o na Ares..<<strong>br</strong> />

- Acha que foi um tempo suficiente para conhecer o seu caráter ?<<strong>br</strong> />

- E uma vida inteira é bastante para isso?<<strong>br</strong> />

- Não fuja ao assunto. Que pensa <strong>de</strong>le? Seria capaz <strong>de</strong> o aceitar <strong>com</strong>o genro ?<<strong>br</strong> />

- Sim. Sentir-me-ia feliz se isso acontecesse.<<strong>br</strong> />

- Diga-me uma coisa, Gibson. Porque é que você está se <strong>de</strong>dicando tanto ao jovem<<strong>br</strong> />

Spencer? Disse que o conhece apenas há cinco meses.<<strong>br</strong> />

- É verda<strong>de</strong>. Mas ao fim <strong>de</strong> poucas semanas <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>i que conhecera muito bem os<<strong>br</strong> />

pais <strong>de</strong>le. Estivemos todos na mesma universida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

As so<strong>br</strong>ancelhas <strong>de</strong> Hadfield ergueram-se ligeiramente. Fez algumas perguntas<<strong>br</strong> />

sem importância e Gibson respon<strong>de</strong>u-lhe <strong>com</strong> toda a inocência. Esquecera que<<strong>br</strong> />

estava falando <strong>com</strong> um dos espíritos mais vivos do Sistema Solar. Quando<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u o que acontecera já era tar<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Perdoe-me - disse Hadfield, <strong>com</strong> uma suavida<strong>de</strong> enganadora -, mas essa sua<<strong>br</strong> />

história carece <strong>de</strong> fundamento. Não digo que você não me tenha dito a verda<strong>de</strong>, É<<strong>br</strong> />

absolutamente possível que tenha se interessado por Spencer por ter conhecido<<strong>br</strong> />

muito bem os pais <strong>de</strong>le há vinte anos. No entanto, é <strong>de</strong>masiado evi<strong>de</strong>nte que o<<strong>br</strong> />

assunto o toca muito mais profundamente. - Inclinou-se a frente, <strong>de</strong> súbito, e<<strong>br</strong> />

apontou o <strong>de</strong>do para Gibson – Não sou tolo, Gibson, e os espíritos dos homens são a<<strong>br</strong> />

minha especialida<strong>de</strong>. Não precisa respon<strong>de</strong>r ao que lhe vou perguntar, mas acho que<<strong>br</strong> />

me <strong>de</strong>ve uma resposta neste momento. Jimmy Spencer é seu filho, não é!<<strong>br</strong> />

A bomba caíra e explodira. No silêncio que se seguiu, a única emoção que teve foi<<strong>br</strong> />

a <strong>de</strong> um alívio extremo. - Sim. É meu filho. Como foi que <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu isso?<<strong>br</strong> />

Hadfield sorriu. Parecia satisfeito consigo próprio.<<strong>br</strong> />

- É extraordinário <strong>com</strong>o os homens po<strong>de</strong>m ser cegos perante os efeitos das suas<<strong>br</strong> />

ações e <strong>com</strong>o pensam tão facilmente que os outros não têm quaisquer po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

observação. Há uma ligeira mas inconfundível semelhança entre você e Spencer.<<strong>br</strong> />

Quando os vi pela primeira vez, perguntei a mim mesmo se não eram parentes e


fiquei muito surpreso quando me disseram que não eram.<<strong>br</strong> />

- É muito curioso que estivéssemos estado todos juntos na Ares durante três meses<<strong>br</strong> />

e ninguém se <strong>de</strong>sse conta disso.<<strong>br</strong> />

- Curioso? Os <strong>com</strong>panheiros <strong>de</strong> Spencer pensavam que já conheciam perfeitamente<<strong>br</strong> />

o seu passado e nunca o relacionaram consigo. Isso, muito provavelmente, levou-os<<strong>br</strong> />

a se manterem cegos para a suas semelhanças. Diga-me uma coisa: Spencer sabe<<strong>br</strong> />

disso?<<strong>br</strong> />

- Tenho certeza <strong>de</strong> que nem sequer suspeita <strong>de</strong> tal coisa.<<strong>br</strong> />

- Porquê? E porque foi que não lhe contou o que estava acontecendo?<<strong>br</strong> />

- Quando encontrei Jimmy e me lem<strong>br</strong>ei <strong>de</strong> tudo quanto tinha procurado esquecer,<<strong>br</strong> />

senti, a princípio, pena <strong>de</strong>le. Depois tomei-lhe amiza<strong>de</strong>. Mas nunca pensei quem ele<<strong>br</strong> />

era. Até procurei encontrar nele qualquer semelhança <strong>com</strong> Gerald.<<strong>br</strong> />

- E quando foi que <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>iu a verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Apenas há algumas semanas, quando Jimmy me pediu para testemunhar certos<<strong>br</strong> />

documentos oficiais que ele tinha <strong>de</strong> preencher - na verda<strong>de</strong>, a sua petição para<<strong>br</strong> />

trabalhar aqui. Foi então que eu tive conhecimento da sua data do nascimento.<<strong>br</strong> />

- Compreendo. Mas mesmo isso não constitui uma prova absoluta, não é?<<strong>br</strong> />

- Estou perfeitamente certo <strong>de</strong> que não havia uma terceira pessoa. Mesmo que<<strong>br</strong> />

tivesse dúvidas, o senhor acaba <strong>de</strong> dissipá-las<<strong>br</strong> />

- E Spencer? Você não me disse qual o motivo por que se sentia tão certo <strong>de</strong> que<<strong>br</strong> />

ele não sabe <strong>de</strong> nada. Não é verda<strong>de</strong> que ele po<strong>de</strong>ria ter confrontado certas datas,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o a do casamento da mãe, por exemplo?<<strong>br</strong> />

- Não creio. Para ele a mãe era um ídolo. E, além disso, nada prova que ele saiba<<strong>br</strong> />

quando os pais se casaram - poucas são as pessoas que sabem isto. Tenho certeza<<strong>br</strong> />

que Jimmy não sabe <strong>de</strong> nada, e receio que ele sofra um gran<strong>de</strong> choque quando<<strong>br</strong> />

souber,<<strong>br</strong> />

Hadfield encolheu os om<strong>br</strong>os, num gesto que representava uma vida inteira <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

estudo da natureza humana.<<strong>br</strong> />

- Ele gosta <strong>de</strong> si - disse ele. - Suportará a notícia muito bem.<<strong>br</strong> />

- Tanto tempo! - exclamou Jimmy. - Que aconteceu?<<strong>br</strong> />

Gibson agarrou-o pelo <strong>br</strong>aço. - Não te preocupes - disse ele. - Está tudo em<<strong>br</strong> />

or<strong>de</strong>m. Daqui em diante tudo estará em or<strong>de</strong>m.<<strong>br</strong> />

Hadfield dissera-lhe:<<strong>br</strong> />

- Pouco me importa quem tivessem sido os pais <strong>de</strong> Spencer. Só me interessa o<<strong>br</strong> />

rapaz e <strong>de</strong>vo dizer que a minha impressão é favorável. Não se trata apenas da<<strong>br</strong> />

conversa <strong>de</strong>sta noite, mas também <strong>de</strong> informações que recebi do Capitão Nor<strong>de</strong>n. Já<<strong>br</strong> />

previa isto... Há poucos jovens em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Esten<strong>de</strong>u as mãos e olhou para os <strong>de</strong>dos <strong>com</strong>o se os visse pela primeira vez.<<strong>br</strong> />

- O noivado po<strong>de</strong> ser anunciado amanhã. E agora... que vai fazer por sua parte?<<strong>br</strong> />

- O que for melhor pra Jimmy, assim que chegar a uma conclusão so<strong>br</strong>e o que<<strong>br</strong> />

possa ser.<<strong>br</strong> />

- E Você ainda quer ficar em <strong>Marte</strong>?<<strong>br</strong> />

- Pensei também nisso. Se eu voltar à Terra, que ganharei? Jimmy nunca estará<<strong>br</strong> />

por lá mais tempo do que alguns meses, <strong>de</strong> vez em quando – e na verda<strong>de</strong> eu o<<strong>br</strong> />

verei durante muito mais tempo se eu ficar em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

- Suponho que seja assim - disse Hadfield sorrindo. - Ainda não sabemos <strong>com</strong>o


Irene suportará um marido que passa meta<strong>de</strong> do tempo no espaço... mas há muito<<strong>br</strong> />

tempo que acontece uma coisa semelhante <strong>com</strong> as mulheres dos marinheiros. Sabe<<strong>br</strong> />

o que penso que voce <strong>de</strong>ve fazer?<<strong>br</strong> />

- Sentir-me-ei feliz se me <strong>de</strong>r o seu conselho.<<strong>br</strong> />

- Não faça nada enquanto eles não se casarem e enquanto não estiverem bem<<strong>br</strong> />

assentes. Se Você lhes revelasse agora o segredo, não lhe faria bem algum e talvez<<strong>br</strong> />

fizesse algum mal. Mais tar<strong>de</strong>, porém, <strong>de</strong>ve dizer a Jimmy quem você é - e quem ele<<strong>br</strong> />

é. No entanto, não penso que o momento conveniente surja tão <strong>de</strong>pressa..<<strong>br</strong> />

Fora essa a primeira vez que Hadfield falara <strong>de</strong> Spencer tratando-o pelo nome<<strong>br</strong> />

próprio. Talvez tivesse sido uma atitu<strong>de</strong> inconsciente, mas provava que ele já<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>rava o rapaz <strong>com</strong>o seu genro... Recordando esse momento, mais tar<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

Gibson i<strong>de</strong>ntificá-lo-ia <strong>com</strong>o o do início da sua própria amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> Hadfield. Uma<<strong>br</strong> />

amiza<strong>de</strong> que iria ter no futuro <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> um papel muito mais importante do que<<strong>br</strong> />

qualquer <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>ria pensar.


-------------------------- CAPÍTULO XV ---------------------------<<strong>br</strong> />

O dia <strong>com</strong>eçara <strong>com</strong>o qualquer outro em Port Lowell. Jimmy e Gibson tinham<<strong>br</strong> />

tomado em silêncio o <strong>de</strong>sjejum - porque ambos estavam absorvidos pelos seus<<strong>br</strong> />

problemas pessoais.<<strong>br</strong> />

Gibson resolveu dirigir-se ao edifício da Administração, para saber se a sua petição<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> permanência tinha sido <strong>de</strong>ferida. Logo que entrou no gabinete do Diretor-Geral<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que não era o melhor momento para tal coisa. Em geral, Mrs. Smyth, a<<strong>br</strong> />

secretária do Chefe, mandava-o entrar imediatamente. Por vezes dizia para ele<<strong>br</strong> />

aguardar uns momentos, Mas daquela vez disse apenas:<<strong>br</strong> />

- Lamento muito, mas Mr. Hadfield não está. Só voltará amanhã <strong>de</strong> manhã.<<strong>br</strong> />

- Foi a Sida? - perguntou o escritor.<<strong>br</strong> />

- Não - respon<strong>de</strong>u Mrs. Smyth hesitando um pouco, mas numa <strong>de</strong>fensiva evi<strong>de</strong>nte.<<strong>br</strong> />

- Lamento não po<strong>de</strong>r lhe dizer nada. Mas ele voltará <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> vinte e quatro horas.<<strong>br</strong> />

- Sabe se já há alguma resposta à minha petição?<<strong>br</strong> />

Mrs, Smyth ainda pareceu mais aflita.<<strong>br</strong> />

- Creio que sim. Mas veio dirigida pessoalmente a Mr. Hadfield e também não<<strong>br</strong> />

posso falar nela.<<strong>br</strong> />

- Certamente que não há nada que a impeça <strong>de</strong> dizer-me o que ela continha.<<strong>br</strong> />

Afinal, saberei tudo amanhã,<<strong>br</strong> />

- Lamento muito, na verda<strong>de</strong>, Mr. Gibson. Mas sei que Mr. Hadfield não gostaria<<strong>br</strong> />

que eu lhe dissesse alguma coisa neste momento.<<strong>br</strong> />

- Muito bem – respon<strong>de</strong>u Gibson. E saiu furioso.<<strong>br</strong> />

Resolveu aliviar a sua cólera interrogando o «Mayor» Whittaker, se ele estivesse na<<strong>br</strong> />

cida<strong>de</strong>. O «Mayor» não pareceu muito feliz ao ver o escritor e ao <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r a sua<<strong>br</strong> />

disposição.<<strong>br</strong> />

- Ouça, Whittaker - principiou Gibson. - Sou um homem paciente e creio que<<strong>br</strong> />

concordará em que não tenho por hábito fazer pedidos pouco razoáveis. -<<strong>br</strong> />

Interrompeu-se e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter concluído que o outro não mostrava sinais <strong>de</strong> estar<<strong>br</strong> />

disposto a respon<strong>de</strong>r-lhe, continuou: - Há qualquer coisa muito estranha por estes<<strong>br</strong> />

lados. Estou ansioso por saber do que se trata.<<strong>br</strong> />

Whittaker suspirou. Era uma pena que Gibson não tivesse esperado pelo dia<<strong>br</strong> />

seguinte, para fazer aquela pergunta...<<strong>br</strong> />

- Que foi que o levou a essa conclusão?<<strong>br</strong> />

- Muita coisa. Pelo menos, se não me pu<strong>de</strong>r dizer o que há, diga-me porque não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong> me dizer. É o «Projeto Alvorada», não é?<<strong>br</strong> />

Whittaker levantou-se <strong>de</strong> um salto. - Como foi que soube isso?


- Não importa, Também posso ser obstinado.<<strong>br</strong> />

- Não estou sendo obstinado. Gostaria apenas que me dissesse aquilo que sabe.<<strong>br</strong> />

- Muito bem, se isso também o ajudar a a<strong>br</strong>ir a boca. O «Projeto Alvorada» é<<strong>br</strong> />

qualquer coisa ligada às experiências genéticas que vocês estão realizando nas<<strong>br</strong> />

colinas <strong>com</strong> a... <strong>com</strong>o é que lhe chamam? Oxyfera. Vocês mantêm isso em tal<<strong>br</strong> />

segredo que as poucas pessoas em <strong>Marte</strong> que sabem alguma coisa quanto ao<<strong>br</strong> />

assunto não falam. Mas ainda a ocultaram mais da Terra do que ao seu planeta.<<strong>br</strong> />

Agora que me diz?<<strong>br</strong> />

Whittaker não se mostrou <strong>de</strong> modo algum surpreso.<<strong>br</strong> />

- Devo cumprimentá-lo... pela sua perspicácia - respon<strong>de</strong>u ele. - Talvez fique<<strong>br</strong> />

satisfeito se souber que há duas semanas sugeri ao Chefe que lhe contasse tudo.<<strong>br</strong> />

Posso contar-lhe uma pequena história muito curiosa? Qualquer semelhança… <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

pessoas e lugares reais será pura coincidência.<<strong>br</strong> />

- Compreendo. Continue...<<strong>br</strong> />

- Suponhamos que no primeiro impulso do entusiasmo interplanetário, o mundo<<strong>br</strong> />

“A” instalasse uma colônia no mundo “B”. Ao fim <strong>de</strong> alguns anos <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ira que ela<<strong>br</strong> />

lhe custava mais do que pensara e não dava quaisquer lucros tangíveis. Então teriam<<strong>br</strong> />

surgido duas facções no mundo-mãe. O grupo conservador pretendia encerrar o<<strong>br</strong> />

projeto – para reduzir <strong>de</strong>spesa. O outro grupo, os progressistas, queriam continuar a<<strong>br</strong> />

experiência por crerem em que, <strong>com</strong> o tempo, o Homem explorará e dominará o<<strong>br</strong> />

universo material, ou <strong>de</strong> outro modo estagnaria muito simplesmente no seu próprio<<strong>br</strong> />

mundo. Mas <strong>com</strong>o os contribuintes pouco se interessam por tais argumentos, os<<strong>br</strong> />

conservadores teriam <strong>com</strong>eçado a dominar a situação.<<strong>br</strong> />

«Ora tudo isso, evi<strong>de</strong>ntemente, teria <strong>com</strong>eçado a perturbar os colonos. E esses<<strong>br</strong> />

não teriam encontrado qualquer maneira <strong>de</strong> resolver o problema - e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ser olhados <strong>com</strong>o parentes po<strong>br</strong>es vivendo da carida<strong>de</strong> pública – até um dia em que<<strong>br</strong> />

teria sido feita uma <strong>de</strong>scoberta científica verda<strong>de</strong>iramente revolucionária. (Deveria<<strong>br</strong> />

ter dito logo <strong>de</strong> início que uma das razões por que o mundo “A” se sente<<strong>br</strong> />

preocupado é a <strong>de</strong> o mundo “B” ter <strong>com</strong>eçado a atrair os seus melhores cére<strong>br</strong>os).<<strong>br</strong> />

Essa <strong>de</strong>scoberta po<strong>de</strong>ria a<strong>br</strong>ir imediatamente perspectivas quase ilimitadas ao futuro<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> “B”, mas implicaria também certos riscos, assim <strong>com</strong>o a diversão <strong>de</strong> uma boa<<strong>br</strong> />

parte dos recursos <strong>de</strong> “B”. Mesmo assim o plano teria sido apresentado – e rejeitado<<strong>br</strong> />

por “A”.<<strong>br</strong> />

«Os colonos teriam sido o<strong>br</strong>igados a enfrentar duas alternativas: Se <strong>de</strong>ssem<<strong>br</strong> />

publicida<strong>de</strong> ao assunto, o povo do mundo “A” apoiá-los-ia, mas os homens que se<<strong>br</strong> />

encontravam nos lugares estratégicos po<strong>de</strong>riam sufocar tudo. Por último, a única<<strong>br</strong> />

possibilida<strong>de</strong> seria a <strong>de</strong> executar o plano sem informar à Terra – quero dizer: o<<strong>br</strong> />

planeta “A” – e foi isso que resolvemos fazer.<<strong>br</strong> />

«Lamento não po<strong>de</strong>r dizer-lhe o fim da história, mas sabe <strong>com</strong>o as coisas são. Os<<strong>br</strong> />

episódios acabam sempre no ponto mais interessante»<<strong>br</strong> />

- Fiquei sabendo <strong>de</strong> tudo, exceto <strong>de</strong> um pequeno pormenor – respon<strong>de</strong>u Gibson. -<<strong>br</strong> />

Continuo a ignorar o que seria o «Projeto Alvorada». Amanhã voltarei para ouvir o<<strong>br</strong> />

último episódio tua sua interessante série.<<strong>br</strong> />

- Não precisará disso. - Whittaker olhou para o relógio. - Conhecê-lo-á muito antes<<strong>br</strong> />

disso.<<strong>br</strong> />

Quando saiu do edifício da Administração, Gibson foi interceptado por Jimmy.<<strong>br</strong> />

- Ei <strong>de</strong>veria estar trabalhando, mas tinha <strong>de</strong> lhe falar – disse o rapaz arquejante –<<strong>br</strong> />

Há qualquer coisa muito importante no ar. Irene está muito perturbada. Disse-me


que o pai <strong>de</strong>spediu-se <strong>de</strong>la a noite passada <strong>com</strong>o se... bem, <strong>com</strong>o se nunca mais<<strong>br</strong> />

fosse voltar.<<strong>br</strong> />

Gibson assobiou baixinho. O «Projeto Alvorada» não era apenas uma coisa muito<<strong>br</strong> />

importante. Era também muito perigosa.<<strong>br</strong> />

- Seja o que for, amanhã já saberemos <strong>de</strong> tudo, foi o que me disse Whittaker. Mas<<strong>br</strong> />

creio que sei on<strong>de</strong> Hadfield está..<<strong>br</strong> />

- On<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Lá em cima, em Phobos. Não sei porquê, é a chave do «Projeto Alvorada», e é<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> o Chefe <strong>de</strong>ve se encontra .<<strong>br</strong> />

Se o escritor tivesse apostado teria uma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção. Hadfield estava nesse<<strong>br</strong> />

momento tão longe <strong>de</strong> Phobos <strong>com</strong>o <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>. Encontrava-se sentado <strong>com</strong> algum<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sconforto, numa pequena nave carregada <strong>de</strong> cientistas e equipamento<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>smontado à pressa. Jogava xadrez – e mal. O seu adversário ainda jogava pior. Era<<strong>br</strong> />

evi<strong>de</strong>nte que queriam apenas passar o tempo.<<strong>br</strong> />

O dia fora longo - o mais longo que Gibson conhecera - e morria lentamente. Todo<<strong>br</strong> />

mundo em Port Lowell sabia que alguma coisa estava para acontecer e formulava as<<strong>br</strong> />

mais fantásticas teorias. Mas aqueles que conheciam a verda<strong>de</strong> nada diziam. Quando<<strong>br</strong> />

a noite chegou, a cida<strong>de</strong> encontrava-se num estado <strong>de</strong> confusão extrema, Gibson<<strong>br</strong> />

perguntou a si mesmo se valeria a pena ficar <strong>de</strong> pé até tar<strong>de</strong>, mas por volta da meianoite<<strong>br</strong> />

resolveu <strong>de</strong>itar-se. Estava dormindo profundamente, quando, invisível e<<strong>br</strong> />

silenciosamente, escondido <strong>de</strong>le pela massa do planeta, o «Projeto Alvorada» atingiu<<strong>br</strong> />

o momento culminante. Só os homens que se encontravam <strong>de</strong>ntro da pequena nave<<strong>br</strong> />

viram o que aconteceu e <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser graves cientistas para gritarem e rirem-se<<strong>br</strong> />

às gargalhadas <strong>com</strong>o rapazinhos da escola, enquanto voltavam correndo para <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

De manhã muito cedo, Gibson foi <strong>de</strong>spertado por gran<strong>de</strong>s pancadas na porta. Era<<strong>br</strong> />

Jimmy, que lhe gritava para que se levantasse e saísse. Vestiu-se <strong>de</strong>pressa, mas<<strong>br</strong> />

quando chegou à porta o rapaz já estava na rua. Port Lowell parecia um enxame <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

abelhas subitamente perturbado.<<strong>br</strong> />

Passou-se um minuto inteiro antes que Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse o que <strong>de</strong>spertara a<<strong>br</strong> />

cida<strong>de</strong>. Surgira a alvorada. O céu, a oriente, estava iluminado pelo sol-nascente. O<<strong>br</strong> />

céu a oriente? Não! meu Deus! Esta alvorada está surgindo do oci<strong>de</strong>nte!<<strong>br</strong> />

Ninguém seria menos supersticioso que Gibson, mas naquele momento o escritor<<strong>br</strong> />

sentiu-se dominado por um terror irracional. A luz tornou-se mais <strong>br</strong>ilhante, cada vez<<strong>br</strong> />

mais <strong>br</strong>ilhante. Os seus raios <strong>com</strong>eçaram a tocar as colinas em volta da cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Moviam-se rapidamente – muito mais <strong>de</strong>pressa que os do sol – e <strong>de</strong> repente um<<strong>br</strong> />

meteoro dourado e resplan<strong>de</strong>scente subiu do <strong>de</strong>serto, quase verticalmente, para o<<strong>br</strong> />

zênite.<<strong>br</strong> />

Era Phobos - ou fora-o poucas horas antes. Agora era um disco amarelo <strong>de</strong> fogo e<<strong>br</strong> />

Gibson podia sentir o seu calor so<strong>br</strong>e o rosto. A cida<strong>de</strong> estava silenciosa olhando o<<strong>br</strong> />

milagre e tomando lentamente a consciência do que ele podia representar para<<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Era o «Projeto Alvorada» - e o nome não podia ser mais apropriado, O sistema <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unicações públicas <strong>de</strong> Port Lowell, tão poucas vezes usado, <strong>com</strong>eçou a funcionar<<strong>br</strong> />

e a voz <strong>de</strong> Whittaker fez-se ouvir através das ruas:<<strong>br</strong> />

- Bom dia. Creio que acordaram todos e viram o que aconteceu. O Diretor Geral<<strong>br</strong> />

está voltando do espaço e gostaria <strong>de</strong> vos falar. Escutem:<<strong>br</strong> />

Ouviu-se um estalido e um momento <strong>de</strong>pois a voz <strong>de</strong> Hadfield, fatigada mas<<strong>br</strong> />

triunfante, surgiu através dos alto-falantes. Era a <strong>de</strong> um homem que travara uma<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> batalha e alcançara a vitória.


- Atenção, <strong>Marte</strong>. Fala Hadfield. Estou no espaço, a caminho <strong>de</strong> vós. Estarei aí<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma hora.<<strong>br</strong> />

«Espero que gostem do nosso novo Sol. Segundo os nossos cálculos, <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>morar cerca <strong>de</strong> mil anos para extinguir-se. A ignição foi feita quando Phobos<<strong>br</strong> />

estava bem abaixo do horizonte porque a radiação inicial po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>masiado<<strong>br</strong> />

intensa. Devo esclarecer que não há qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>com</strong>bustão<<strong>br</strong> />

instantânea – ou seja: <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira explosão.<<strong>br</strong> />

«A nossa nova estrela nos dará apenas a décima parte do calor do Sol, mas isso<<strong>br</strong> />

bastará para elevar a temperatura <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> a valores semelhantes aos da Terra. No<<strong>br</strong> />

entanto, essa não é a razão principal pela qual incendiamos Phobos.<<strong>br</strong> />

«<strong>Marte</strong> necessitava ainda mais <strong>de</strong> oxigênio que <strong>de</strong> calor - e possui todo o oxigênio<<strong>br</strong> />

que necessitamos para obter uma atmosfera quase tão boa <strong>com</strong>o a da Terra. Mas ele<<strong>br</strong> />

está <strong>de</strong>baixo dos nossos pés, encerrado na areia. Há dois anos <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos uma<<strong>br</strong> />

planta que po<strong>de</strong> extrair o oxigênio da areia. É uma planta tropical: só se <strong>de</strong>senvolve<<strong>br</strong> />

em torno do equador. Se tivéssemos luz solar suficiente po<strong>de</strong>ríamos espalhá-la pela<<strong>br</strong> />

superfície <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cinquenta anos teríamos uma atmosfera respirável<<strong>br</strong> />

para o Homem. É esse o nosso objetivo. E quando o atingirmos não teremos<<strong>br</strong> />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redomas e máscaras. É um sonho que muitos entre vós verão<<strong>br</strong> />

realizado e significará que <strong>de</strong>mos um novo mundo à Humanida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

«Mesmo num futuro imediado os benefícios serão evi<strong>de</strong>ntes. Teremos muito mais<<strong>br</strong> />

calor, principalmente quando o Sol e Phobos se encontrarem no céu, e os invernos<<strong>br</strong> />

serão muito menos rigorosos. As correntes <strong>de</strong> convecção aquecerão as regiões<<strong>br</strong> />

polares e evitarão que a preciosa umida<strong>de</strong> fique acumulada ali durante meta<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

ano.<<strong>br</strong> />

«Haverão também algumas <strong>de</strong>svantagens - as estações e as noites vão tornar-se<<strong>br</strong> />

em coisas <strong>com</strong>plicadas! -, mas os benefícios serão muito maiores. Estamos fazendo<<strong>br</strong> />

história, porque é a primeira vez que o Homem tentou mudar a face <strong>de</strong> um planeta.<<strong>br</strong> />

Se o conseguirmos, outros, o tentarão, noutra parte. No futuro teremos civilizações<<strong>br</strong> />

em mundos dos quais nunca ouvimos falar e que <strong>de</strong>verão a sua existência àquilo que<<strong>br</strong> />

fizemos esta noite.<<strong>br</strong> />

«É tudo que tenho para vos dizer agora. <strong>Marte</strong> per<strong>de</strong>u uma Lua, mas ganhou um<<strong>br</strong> />

Sol - quem terá dúvidas so<strong>br</strong>e o que tem maior valor ?<<strong>br</strong> />

«E agora, boa noite a todos!»<<strong>br</strong> />

No entanto, ninguém em Port Lovell voltou a dormir.<<strong>br</strong> />

Era difícil esquecerem-se daquele pequeno disco dourado que subira pelo céu sem<<strong>br</strong> />

hesitar, <strong>com</strong> o seu calor aumentando <strong>de</strong> momento a momento. O que seria quando<<strong>br</strong> />

os dois sóis se juntassem?...<<strong>br</strong> />

O foguete do Chefe pousou meia hora <strong>de</strong>pois, mas Hadfield e os cientistas do<<strong>br</strong> />

«Projecto Alvorada» evitaram a multidão entrando a pé na Redoma Sete e enviando<<strong>br</strong> />

o transporte para a <strong>com</strong>porta principal. Na cida<strong>de</strong>, todo mundo festejava o<<strong>br</strong> />

acontecimento. Gibson e Jimmy encontraram os tripulantes da Ares entre a multidão<<strong>br</strong> />

e insistiram firmemente <strong>com</strong> George para que a<strong>br</strong>isse a taberna.<<strong>br</strong> />

Hilton, <strong>com</strong>o Chefe <strong>de</strong> Máquinas, <strong>de</strong>via saber mais so<strong>br</strong>e energia nuclear que<<strong>br</strong> />

qualquer outra pessoa no grupo, mas quando lhe perguntaram a natureza da reação<<strong>br</strong> />

que criara o novo sol limitou-se a respon<strong>de</strong>r:<<strong>br</strong> />

- Aquilo que esta gente fez em Phobos está anos à frente <strong>de</strong> tudo quanto sei. Na<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>, acredito até que na Terra não haja alguém que saiba <strong>com</strong>o fazer tal coisa.<<strong>br</strong> />

Deve ser algo que <strong>Marte</strong> apren<strong>de</strong>u por si próprio.<<strong>br</strong> />

- Queres dizer que <strong>Marte</strong> está à frente da Terra em física nuclear ou em qualquer


outra coisa ? - perguntou Bradley.<<strong>br</strong> />

A pergunta quase provocou uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e os camaradas <strong>de</strong> Bradley tiveram <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

salvá-lo das mãos dos colonos indignados. Quando a calma se restabeleceu, Hilton<<strong>br</strong> />

pôs as coisas no seu lugar, observando:<<strong>br</strong> />

- Evi<strong>de</strong>ntemente, todos sabem que alguns dos maiores cientistas da Terra têm<<strong>br</strong> />

vindo para cá nos últimos anos; o que aconteceu nada tem, portanto, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

surpreen<strong>de</strong>nte,<<strong>br</strong> />

Era verda<strong>de</strong>; e Gibson recordou-se do que Whittaker lhe dissera nessa manhã. E<<strong>br</strong> />

também <strong>de</strong> uma coisa que esquecera - <strong>com</strong>o todo mundo, em Port Lowell -, na<<strong>br</strong> />

excitação das últimas horas. As notícias já <strong>de</strong>veriam estar chegado na Terra. <strong>Marte</strong><<strong>br</strong> />

mostrava-se por certo muito mais <strong>br</strong>ilhante nos céus terrestres.<<strong>br</strong> />

Dentro <strong>de</strong> muito pouco tempo a Terra <strong>com</strong>eçaria a fazer perguntas muito<<strong>br</strong> />

importantes.


--------------------------CAPÍTULO XVI--------------------------<<strong>br</strong> />

As câmaras <strong>de</strong> televisão mostraram o «Mayor» Whittaker entregando a Hadfield a<<strong>br</strong> />

pá em que já estava apoiado havia cinco minutos. Hadfield escavou a areia e plantou<<strong>br</strong> />

a «erva <strong>de</strong> ar», <strong>com</strong>o todo mundo lhe chamava agora. Depois a câmara rodou e<<strong>br</strong> />

focou o «amigo» <strong>de</strong> Gibson, que se balançava so<strong>br</strong>e as ancas <strong>com</strong>o um «sempreem-pé.<<strong>br</strong> />

Pela primeira vez, todo mundo na Terra po<strong>de</strong>ria ver um verda<strong>de</strong>iro Marciano.<<strong>br</strong> />

Gibson falava <strong>com</strong> o «Mayor» e parecia ter-se esquecido por <strong>com</strong>pleto do seu<<strong>br</strong> />

«amigo». Squik <strong>de</strong>u um pequeno salto, e logo outro, e <strong>com</strong>eçou a <strong>de</strong>bicar a «erva <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ar» que acabava <strong>de</strong> ser plantada <strong>com</strong> tanto cuidado. O operador da televisão não<<strong>br</strong> />

interveio: era uma imagem muito boa para que se per<strong>de</strong>sse. Passou a imagem, por<<strong>br</strong> />

um momento, para Hadfield e os seus <strong>com</strong>panheiros, ainda cumprimentando-se pelo<<strong>br</strong> />

trabalho que Squik estava <strong>de</strong>struindo rapidamente.<<strong>br</strong> />

O escritor foi o primeiro se dar conta do que acontecia e soltou um gran<strong>de</strong> grito<<strong>br</strong> />

que so<strong>br</strong>essaltou todo mundo. Depois correu para Squik, que olhou em volta, viu que<<strong>br</strong> />

não havia lugar algum on<strong>de</strong> se escon<strong>de</strong>r, e ficou muito quieto, <strong>com</strong> ar <strong>de</strong> inocência<<strong>br</strong> />

magoada. Deixou que o levassem em paz, não agravando o seu <strong>de</strong>lito <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

resistência às autorida<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Um grupo <strong>de</strong> peritos reuniu-se em torno da «erva <strong>de</strong> ar» e concluiu, <strong>com</strong> gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alívio <strong>de</strong> todos, que os danos não eram fatais. Foi um inci<strong>de</strong>nte sem importância e<<strong>br</strong> />

ninguém po<strong>de</strong>ria ter imaginado que ele tivesse consequência alguma. No entanto,<<strong>br</strong> />

viria a inspirar a Gibson uma das suas i<strong>de</strong>ias mais <strong>br</strong>ilhantes e frutuosas.<<strong>br</strong> />

O escritor fora uma das primeiras pessoas a falar <strong>com</strong> Hadfield <strong>de</strong>pois do sucesso<<strong>br</strong> />

do «projeto Alvorada». Os poucos momentos que a conversa <strong>de</strong>morara viriam a ser<<strong>br</strong> />

suficientes par a mudar todo o seu futuro.<<strong>br</strong> />

- Lem<strong>br</strong>a-se do que lhe disse quando do nosso primeiro encontro? - recordara o<<strong>br</strong> />

Chefe - Pedi-lhe para nos ajudar, fornecendo à Terra não só os fatos da situação,<<strong>br</strong> />

mas também algumas i<strong>de</strong>ias so<strong>br</strong>e os nossos objetivos e - suponho que po<strong>de</strong>mos<<strong>br</strong> />

dar-lhe esse nome - o espirito que <strong>de</strong>senvolvemos aqui, em <strong>Marte</strong>. Tem cumprido<<strong>br</strong> />

muito bem essa missão, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecer o projeto no qual <strong>de</strong>positávamos as<<strong>br</strong> />

nossas maiores esperanças.<<strong>br</strong> />

«Tenho seguido <strong>com</strong> o maior interesse o efeito das suas crônicas e dos seus<<strong>br</strong> />

artigos. Talvez não saiba, mas temos um meio muito <strong>de</strong>licado <strong>de</strong> avaliar isso."<<strong>br</strong> />

- Como? - perguntou Gibson, surpreendido.<<strong>br</strong> />

- Não adivinha? Cada semana cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil pessoas espalhadas por toda a


Terra resolveu vir para cá e cerca <strong>de</strong> três por cento são aprovadas nos exames<<strong>br</strong> />

preliminares. Des<strong>de</strong> que os seus artigos <strong>com</strong>eçaram a aparecer <strong>com</strong> regularida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

esse número passou para quinze mil por semana e continua aumentando. Terá o<<strong>br</strong> />

trabalho <strong>de</strong> fazer a propaganda <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>! As oportunida<strong>de</strong>s serão muito maiores,<<strong>br</strong> />

agora que temos alguma coisa para oferecer. Se pu<strong>de</strong>rmos conseguir que haja gente<<strong>br</strong> />

suficiente, clamando para vir para cá, a Terra será o<strong>br</strong>igada a fornecer-lhes<<strong>br</strong> />

transporte. E quanto mais <strong>de</strong>pressa isso acontecer, mais <strong>de</strong>pressa po<strong>de</strong>remos<<strong>br</strong> />

prometer à Terra que ficaremos <strong>de</strong> pé sem a ajuda <strong>de</strong> ninguém. Que me diz?<<strong>br</strong> />

Gibson sentiu um certo <strong>de</strong>sapontamento. Segundo um ponto <strong>de</strong> vista, nada<<strong>br</strong> />

mudava na sua vida. Mas o Chefe tinha razão. Ele po<strong>de</strong>ria ser muito mais útil a <strong>Marte</strong><<strong>br</strong> />

daquela maneira do que <strong>de</strong> qualquer outra. Pensou no que Ruth diria. Muito<<strong>br</strong> />

provavelmente concluiria que ele tinha endoi<strong>de</strong>cido. E não se enganaria.<<strong>br</strong> />

- A notícia que você ficará aqui <strong>de</strong>spertará muito interesse e será um gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

auxílio para a nossa campanha. Tem alguma objeção a que a divulguemos<<strong>br</strong> />

imediatamente?<<strong>br</strong> />

- Creio que não.<<strong>br</strong> />

- Ótimo. Compreen<strong>de</strong> que o seu salário será o <strong>de</strong> um funcionário administrativo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

segunda categoria <strong>com</strong> a sua ida<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

- Certamente – disse Gibson. Não acrescentou que o interesse <strong>de</strong> tal fato era<<strong>br</strong> />

muito teórico. O seu salário em <strong>Marte</strong>, apesar <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>z vezes menor que todo o<<strong>br</strong> />

seu rendimento, seria muito a<strong>de</strong>quado para a vida num planeta on<strong>de</strong> havia poucos<<strong>br</strong> />

luxos.<<strong>br</strong> />

Depois <strong>de</strong> uma longa conversa <strong>com</strong> Whittaker - que quase <strong>de</strong>struiu o seu<<strong>br</strong> />

entusiamo <strong>com</strong> lamentos so<strong>br</strong>e a falta <strong>de</strong> pessoal e <strong>de</strong> espaço - passou o resto do<<strong>br</strong> />

dia enviando telegramas. O maior foi para Ruth e não dizia respeito apenas a<<strong>br</strong> />

negócios. Ruth estava habituada a muita coisa, mas o escritor se perguntou o que<<strong>br</strong> />

diria ela, quando soubesse que ele lhe pedia para olhar por um tal Jimmy Spencer<<strong>br</strong> />

quando ele estivesse em Nova Iorque.<<strong>br</strong> />

Hadfield tivera razão. Revelar a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> naquele momento po<strong>de</strong>ria magoar<<strong>br</strong> />

o rapaz e talvez até que<strong>br</strong>ar o seu noivado <strong>com</strong> Irene, Jimmy voltaria para <strong>Marte</strong> tão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa quanto pu<strong>de</strong>sse – disso não tinha dúvidas. E mesmo que tivesse <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sacrificar o orgulho e a satisfação <strong>de</strong> ser pai, teria a <strong>com</strong>pensação <strong>de</strong> ver os seus<<strong>br</strong> />

netos no mundo que estava ajudando a renascer. Pela primeira vez na vida, Gibson<<strong>br</strong> />

tinha um futuro para o qual ele podia olhar <strong>com</strong> interesse e excitação – um futuro<<strong>br</strong> />

que não seria apenas uma repetição do passado.<<strong>br</strong> />

O trovão só chegou da Terra quatro dias <strong>de</strong>pois. Gibson soube <strong>de</strong>le pela primeira<<strong>br</strong> />

vez quando viu o título a toda largura da primeira página do Martian Times. Durante<<strong>br</strong> />

um momento, as duas palavras que lhe saltaram aos olhos <strong>de</strong>ixaram-no tão<<strong>br</strong> />

estupefato que se esqueceu <strong>de</strong> ler a notícia:<<strong>br</strong> />

HADFIELD CHAMADO !<<strong>br</strong> />

Acabamos <strong>de</strong> receber a notícia <strong>de</strong> que a Junta <strong>de</strong> Fomento Interplanetário<<strong>br</strong> />

or<strong>de</strong>nou ao Diretor-Geral que regressasse à Terra na Ares, que parte <strong>de</strong> Deimos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quatro dias. Não foi dada qualquer explicação.<<strong>br</strong> />

Era tudo, mas era o suficiente pra incendiar <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Nenhuma explicação fora dada - e nenhuma era necessária, todo mundo sabia<<strong>br</strong> />

exatamente o que a Terra queria <strong>de</strong> Warren Hadfield.


Gibson ainda pensava na notícia quando dirigiu-se ao Laboratório <strong>de</strong> Biologia.<<strong>br</strong> />

Havia dois dias que não via o seu «amigo» marciano e sentia-se um pouco culpado<<strong>br</strong> />

disso. Quando <strong>de</strong>scia por Regent Street lem<strong>br</strong>ou-se do que Hadfield lhe dissera: <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que a conclusão do «Projeto Alvorada» ainda <strong>de</strong>moraria meio século, mesmo<<strong>br</strong> />

admitindo o máximo auxilio da Terra. Era essencial obter esse auxílio e Hadfield faria<<strong>br</strong> />

o possível para obe<strong>de</strong>cer ao planeta-mãe. O mais que Gibson podia fazer era ajudálo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> uma espécie <strong>de</strong> fogo <strong>de</strong> cobertura, <strong>com</strong> o seu <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> propaganda.<<strong>br</strong> />

Mas os resultados não seriam imediatos.<<strong>br</strong> />

Squik, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> costume, ficou feliz ao vê-lo. Gibson, um pouco distraído <strong>com</strong>o <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

costume, ofereceu-lhe um pedaço <strong>de</strong> «erva <strong>de</strong> ar». Essa ação tão simples <strong>de</strong>ve ter<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spertado qualquer coisa no seu subconsciente, porque se <strong>de</strong>teve <strong>de</strong> repente e<<strong>br</strong> />

disse ao biologista chefe:<<strong>br</strong> />

- Acabo <strong>de</strong> ter uma i<strong>de</strong>ia maravilhosa. Conseguiu ensinar alguma coisa a Squik?<<strong>br</strong> />

- Ensiná-lo? O problema está em evitar que ele aprenda tudo.<<strong>br</strong> />

- Tem a certeza <strong>de</strong> que os Marcianos po<strong>de</strong>m se <strong>com</strong>unicar uns <strong>com</strong> os outros ?<<strong>br</strong> />

- Bem, os nossos exploradores verificaram que eles po<strong>de</strong>m transmitir pensamentos<<strong>br</strong> />

simples, e até algumas i<strong>de</strong>ias abstratas, <strong>com</strong>o a cor. O que não prova muita coisa. As<<strong>br</strong> />

abelhas também po<strong>de</strong>m fazer isto.<<strong>br</strong> />

- Então diga-me uma coisa: porque é que não os ensinamos a cultivar a «Erva <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ar» para nós? Compreen<strong>de</strong> a colossal vantagem que isso representaria? – Po<strong>de</strong>riam<<strong>br</strong> />

ir para on<strong>de</strong> quisessem, em <strong>Marte</strong>, e não teríamos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar máquinas.<<strong>br</strong> />

Não seria necessário que soubessem o que estavam fazendo. Bastaria que déssemos<<strong>br</strong> />

rebentos, que lhes ensinássemos o procedimento habitual e os premiássemos <strong>de</strong>pois.<<strong>br</strong> />

- Um momento: A i<strong>de</strong>ia é magnifica mas já se recordou <strong>de</strong> que há apenas <strong>de</strong>z<<strong>br</strong> />

espécimes conhecidos, incluindo Squik?<<strong>br</strong> />

- Não, não tinha me esquecido disso. Simplesmente não acredito que o grupo que<<strong>br</strong> />

encontramos seja o único que existe. Talvez sejam muito raros, mas <strong>de</strong>vem existir<<strong>br</strong> />

centenas, senão milhares em todo o planeta. Vou propor o reconhecimento<<strong>br</strong> />

aerofotográfico <strong>de</strong> todas asa zonas em que existam «ervas <strong>de</strong> ar». Mas, em qualquer<<strong>br</strong> />

caso, <strong>de</strong>vemo-nos lem<strong>br</strong>ar que agora têm muito melhores condições <strong>de</strong> vida. Estão<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçando a multiplicar-se mais rapidamente, tal <strong>com</strong>o acontece <strong>com</strong> os vegetais.<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong>ixarmos a «erva <strong>de</strong> ar» entregue a si própria, ela co<strong>br</strong>irá toda a cintura<<strong>br</strong> />

equatorial em quatrocentos anos – segundo os vossos próprios cálculos. Com os<<strong>br</strong> />

Marcianos a nos ajudarem, o «Projeto Alvorada» será um fato <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos<<strong>br</strong> />

anos.<<strong>br</strong> />

O biologista abanou a cabeça, mas <strong>com</strong>eçou a fazer cálculos num bloco. Quando<<strong>br</strong> />

acabou, esten<strong>de</strong>u os lábios.<<strong>br</strong> />

- Bem, não é impossível, apesar <strong>de</strong> haver muitos fatores <strong>de</strong>sconhecidos. Como a<<strong>br</strong> />

taxa <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> dos Marcianos, por exemplo. Suponho que sabe que eles são<<strong>br</strong> />

marsupiais.<<strong>br</strong> />

- Como os cangurus ?<<strong>br</strong> />

- Sim. Os filhos vivem na bolsa. até serem suficientemente gran<strong>de</strong>s e fortes para<<strong>br</strong> />

enfrentarem este mundo frio e mau. Achamos que algumas das fêmeas <strong>de</strong>vem ter<<strong>br</strong> />

filhotes consigo, portanto talvez se reproduzam anualmente. Mas <strong>com</strong>o Squik é o<<strong>br</strong> />

único «rapaz» que encontramos, isso significa que a taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> é terrível –<<strong>br</strong> />

o que não nos <strong>de</strong>ve surpreen<strong>de</strong>r..<<strong>br</strong> />

- Exatamente o que precisávamos! Agora não há nada que impeça <strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

multiplicarem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que lhes forneçamos toda a <strong>com</strong>ida que quiserem.<<strong>br</strong> />

- Você quer criar Marcianos ou plantar ervas?<<strong>br</strong> />

- As duas coisas! Estão ligadas uma à outra <strong>com</strong>o peixe e batata frita ou presunto


e ovos!<<strong>br</strong> />

O cientista olhou-o <strong>com</strong> uma tal expressão que Gibson lhe pediu <strong>de</strong>sculpas,<<strong>br</strong> />

imediatamente, por sua falta <strong>de</strong> tato. Esquecera-se <strong>de</strong> que essas coisas eram<<strong>br</strong> />

ignoradas em <strong>Marte</strong>, havia muitos anos.<<strong>br</strong> />

Correu para o edifício da Administração e, apesar <strong>de</strong> <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o quanto<<strong>br</strong> />

Hadfield <strong>de</strong>veria estar ocupado, escreveu-lhe uma nota, expondo a sua i<strong>de</strong>ia. Havia<<strong>br</strong> />

qualquer coisa inspiradora no pensamento <strong>de</strong> regenerar não apenas um mundo, mas<<strong>br</strong> />

também uma espécie talvez mais velha que o Homem, e talvez <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>generada <strong>de</strong> outra, que alcançara a civilização muito antes e a <strong>de</strong>ixara escapara<<strong>br</strong> />

quando as condições tinham se tornado adversas.


--------------------------CAPÍTULO XVII--------------------------<<strong>br</strong> />

Lamento que não voltes connosco - disse Nor<strong>de</strong>n - quando se aproximavam da<<strong>br</strong> />

Comporta Um Oeste.<<strong>br</strong> />

- Mas estou certo <strong>de</strong> que fazes o que <strong>de</strong>vias fazer e tens o meu respeito por isso.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igado - respon<strong>de</strong>u Gibson, <strong>com</strong> sincerida<strong>de</strong>. Gostaria <strong>de</strong> fazer a viagem <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

volta <strong>com</strong> vocês. Mas será noutra ocasião. Não penso ficar em <strong>Marte</strong> vida toda...<<strong>br</strong> />

creio que nunca pensaram que haveria troca <strong>de</strong> passageiros.<<strong>br</strong> />

- Certamente que não. Sinto-me <strong>com</strong>o o capitão do navio que levou Napoleão à<<strong>br</strong> />

ilha <strong>de</strong> Elba. Como o Chefe está reagindo?<<strong>br</strong> />

- Parece confiante, e <strong>de</strong> maneira alguma preocupado.<<strong>br</strong> />

- Que po<strong>de</strong>rá acontecer-lhe?<<strong>br</strong> />

- Oficialmente, será repreendido por utilização não-autorizada <strong>de</strong> fundos,<<strong>br</strong> />

equipamento e pessoal - coisas suficientes para levá-lo à ca<strong>de</strong>ia o resto da vida. Mas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o meta<strong>de</strong> dos dirigentes e dos cientista <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> está envolvida no assunto, que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rá a Terra fazer? A situação é na verda<strong>de</strong> muito curiosa. O Chefe é um herói<<strong>br</strong> />

admirado em dois mundos e a Junta <strong>de</strong> Fomento Interplanetário terá <strong>de</strong> tratá-lo <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

luvas <strong>de</strong> cetim. Estou certo <strong>de</strong> que lhe dirão: «Você não <strong>de</strong>via ter feito isso, mas<<strong>br</strong> />

estamos contentes por tê-lo feito.»<<strong>br</strong> />

- Deixá-lo-ão regressar a <strong>Marte</strong>?<<strong>br</strong> />

- Não têm outra Solução. Quem po<strong>de</strong>ria ocupar o lugar <strong>de</strong>le?<<strong>br</strong> />

- Porque foi que a Terra não concordou <strong>com</strong> o «Projeto Alvorada» quando ele foi<<strong>br</strong> />

proposto oficialmente?<<strong>br</strong> />

- Também tenho pensado nisso e hei <strong>de</strong> apurar a verda<strong>de</strong>. No entanto a minha<<strong>br</strong> />

teoria é esta: creio que há muitas pessoas na Terra que não querem que <strong>Marte</strong> se<<strong>br</strong> />

torne <strong>de</strong>masiado po<strong>de</strong>roso, e muito menos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Não por quaisquer razões<<strong>br</strong> />

obscuras, mas sim porque não gostam <strong>de</strong> tal i<strong>de</strong>ia. Ofen<strong>de</strong> <strong>de</strong>masiado o seu orgulho.<<strong>br</strong> />

Querem que a Terra continue a ser o centro do universo.<<strong>br</strong> />

- Falas da Terra <strong>com</strong>o se ali só pensassem em evitar todo o progresso neste<<strong>br</strong> />

mundo. Não é verda<strong>de</strong>. Essa atitu<strong>de</strong> só diz respeito aos administradores da Junta <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Fomento Interplanetário - e eles estão procurando cumprir as suas o<strong>br</strong>igações o<<strong>br</strong> />

melhor que po<strong>de</strong>m. Não esqueças que tudo quanto têm aqui se <strong>de</strong>ve à iniciativa e ao<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> empreendimento da Terra.<<strong>br</strong> />

Havia muita verda<strong>de</strong> no que Nor<strong>de</strong>n dissera. A dificulda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>spesa das viagens<<strong>br</strong> />

interplanetárias, o tempo que <strong>de</strong>moravam <strong>de</strong> um mundo a outro, tornavam inevitável<<strong>br</strong> />

uma certa falta <strong>de</strong> <strong>com</strong>preensão, e até alguma intolerância entre a Terra e <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Chegaram à <strong>com</strong>porta e aguardaram o transporte que levaria Nor<strong>de</strong>n ao<<strong>br</strong> />

espaçódromo. O resto da tripulação já se <strong>de</strong>spedira e ia a caminho <strong>de</strong> Deimos. Só


Jimmy recebera uma autorização especial para embarcar <strong>com</strong> Hadfield e Irene no dia<<strong>br</strong> />

seguinte. Gibson sorriu. Por certo que o rapaz tinha agora uma posição diferente.<<strong>br</strong> />

Que trabalho lhe daria Nor<strong>de</strong>n na viagem <strong>de</strong> regresso?<<strong>br</strong> />

- Bem, John, espero que faças uma boa viagem – disse Gibson quando a <strong>com</strong>porta<<strong>br</strong> />

se a<strong>br</strong>iu. - Quando será que nos veremos <strong>de</strong> novo?<<strong>br</strong> />

- Daqui a uns <strong>de</strong>zoito meses. Tenho uma viagem a Vênus a fazer primeiro. Quando<<strong>br</strong> />

voltar, espero encontrar uma diferença muito gran<strong>de</strong> - «erva <strong>de</strong> ar» e Marcianos por<<strong>br</strong> />

toda parte!<<strong>br</strong> />

- Não prometo muito em tão pouco tempo! - respon<strong>de</strong>u Gibson, a rir-se. - Mas<<strong>br</strong> />

faremos o que pu<strong>de</strong>rmos.<<strong>br</strong> />

Apertaram as mãos e Nor<strong>de</strong>n <strong>de</strong>sapareceu. Gibson ainda tinha <strong>de</strong> fazer duas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spedidas e essas eram as mais difíceis <strong>de</strong> todas. A analogia <strong>de</strong> Nor<strong>de</strong>n fora muito<<strong>br</strong> />

boa: a sua visita a Hadfield seria <strong>com</strong>o uma entrevista <strong>com</strong> um monarca <strong>de</strong>stronado,<<strong>br</strong> />

prestes a partir para o exílio.<<strong>br</strong> />

Quando Gibson entrou no gabinete do Diretor-Geral viu que havia se enganado. O<<strong>br</strong> />

Chefe continuava a dominar a situação e parecia absolutamente <strong>de</strong>spreocupado<<strong>br</strong> />

preante o seu futuro. Acabara <strong>de</strong> por em or<strong>de</strong>m os seus papeis; a sala parecia nua e<<strong>br</strong> />

três cestos <strong>de</strong> papeis estavam repletos <strong>de</strong> impressos e oficios. Whittaker ocuparia o<<strong>br</strong> />

seu lugar no dia seguinte.<<strong>br</strong> />

- Li a sua nota so<strong>br</strong>e os Marcianos e a «erva <strong>de</strong> ar» - disse ele. - É uma i<strong>de</strong>ia muito<<strong>br</strong> />

interessante, mas ninguém sabe se dará resultados ou não. De qualquer maneira,<<strong>br</strong> />

constituímos um pequeno grupo <strong>de</strong> investigação para estudar o assunto. Pedi ao Dr.<<strong>br</strong> />

Petersen para tratar do aspecto científico e quero que voce trate dos problemas<<strong>br</strong> />

administrativos que surjam – <strong>de</strong>ixando entretanto as <strong>de</strong>cisões principais ao cuidado<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Whittaker. Petersen é bom rapaz, mas não tem imaginação.<<strong>br</strong> />

Discutiram os pormenores administrativos e Gibson <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>u que Hadfield não<<strong>br</strong> />

pensava em ficar por muito tempo na Terra. Por fim falaram <strong>de</strong> Irene e Jimmy. A<<strong>br</strong> />

longa viagem <strong>de</strong> regresso à Terra daria a Hadfield a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer mais<<strong>br</strong> />

profundamente o seu futuro genro. Era evi<strong>de</strong>nte que ele via esse aspecto <strong>com</strong> certa<<strong>br</strong> />

curiosida<strong>de</strong>. Como observou a Gibson, se Irene e Jimmy pu<strong>de</strong>ssem aguentar aqueles<<strong>br</strong> />

três meses <strong>de</strong> vida tão juntos um do outro, o seu casamento <strong>de</strong>veria vir a ser um<<strong>br</strong> />

sucesso. Se não o conseguissem, quanto mais <strong>de</strong>pressa o <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>issem melhor.<<strong>br</strong> />

O último foguete para Deimos largou três horas <strong>de</strong>pois <strong>com</strong> Hadfield, Irene e<<strong>br</strong> />

Jimmy a bordo. Irene fora ao Gran<strong>de</strong> Hotel Marciano pra ajudar Jimmy a fazer as<<strong>br</strong> />

malas e <strong>de</strong>spedir-se <strong>de</strong> Gibson. Mostrara-se cheia <strong>de</strong> alegria e tão feliz que fora um<<strong>br</strong> />

prazer vê-la. Os seus dois sonhos tinham-se realizado ao mesmo tempo. Voltar à<<strong>br</strong> />

Terra e <strong>com</strong> Jimmy. O escritor fez votos para que ela não se sentisse <strong>de</strong>sapontada e<<strong>br</strong> />

por certo que não se sentiria.<<strong>br</strong> />

- Agora não te esqueças <strong>de</strong> entrar em contato <strong>com</strong> Mrs. Goldstein logo que<<strong>br</strong> />

chegues – re<strong>com</strong>endou Gibson a Jimmy.<<strong>br</strong> />

O rapaz apertou-lhe a mão. Gibson sentiu-se quase tentado a revelar a sua<<strong>br</strong> />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Mas não o fez. Seria <strong>de</strong>ixar-se dominar <strong>de</strong> novo pelo seu egoismo. No<<strong>br</strong> />

entanto quando largou a mão <strong>de</strong> Jimmy, viu nele uma expressão que nunca vira<<strong>br</strong> />

antes. Talvez fosse o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia subconsciente que po<strong>de</strong>ria crescer até<<strong>br</strong> />

atingir a <strong>com</strong>preensão e reconhecimento. Gibson fez votos para que assim fosse: a<<strong>br</strong> />

sua tarefa tornar-se-ia muito mais fácil quando o momento chegasse.<<strong>br</strong> />

Ainda antes da alvorada, Gibson saiu pela <strong>com</strong>porta principal e afastou-se da


cida<strong>de</strong> que dormia. Phobos tivera o seu ocaso uma hora antes e as únicas luzes que<<strong>br</strong> />

se viam eram as das estrelas e <strong>de</strong> Deimos. Olhou para o relógio – <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

espera, se não tivesse havido alguma dificulda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

- Anda, Squik - disse ele, - Vamos correr um pouco para aquecer. - Como aquelas<<strong>br</strong> />

plantas tinham crescido nas últimas semanas! Eram agora mais altas que um homem<<strong>br</strong> />

e, apesar <strong>de</strong> parte do seu aumento <strong>de</strong>ver ser <strong>de</strong> origem natural, Gibson estava certo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que muito <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>via a Phobos. O «Projeto Alvorada» já estava imprimindo a<<strong>br</strong> />

sua marca no planeta. A calota polar do norte, que <strong>de</strong>via estar aproximando-se do<<strong>br</strong> />

seu máximo invernal, parara no seu avanço so<strong>br</strong>e o hemisfério oposto – e os restos<<strong>br</strong> />

da calota do sul tinha <strong>de</strong>saparecido por <strong>com</strong>pleto.<<strong>br</strong> />

Pararam a cerca <strong>de</strong> um quilômetro da cida<strong>de</strong>. Suficientemente longe para que as<<strong>br</strong> />

suas luzes não impedissem a observação. Gibson olhou <strong>de</strong> novo para o relógio.<<strong>br</strong> />

Faltava menos <strong>de</strong> um minuto. Olhou o ponto luminoso que era Deimos e aguardou.<<strong>br</strong> />

De repente, o satélite pareceu tornar-se muito mais <strong>br</strong>ilhante. Um momento <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

pareceu ter-se partido em dois pedaços. Uma estrela pequena, incrivelmente<<strong>br</strong> />

luminosa, separou-se <strong>de</strong>le e <strong>com</strong>eçou a afastar-se lentamente para leste.<<strong>br</strong> />

Lá em Cima, na Ares, <strong>de</strong>veriam estar junto às gran<strong>de</strong>s janelas, olhando aquele<<strong>br</strong> />

imenso crescente <strong>com</strong>o o tinham olhado ao chegarem, tanto tempo antes.<<strong>br</strong> />

O que Hadfield estaria pensando? Perguntaria a si próprio se voltaria a <strong>Marte</strong>?<<strong>br</strong> />

Gibson já não tinha dúvidas a esse respeito. Por muito que ele tivesse <strong>de</strong> lutar, o que<<strong>br</strong> />

fizera não po<strong>de</strong>ria ser esquecido. Voltaria da Terra em triunfo, e não em <strong>de</strong>sgraça.<<strong>br</strong> />

O contorno do Sol surgiu no horizonte, as altas plantas ver<strong>de</strong>s estremeceram no<<strong>br</strong> />

seu sono. Gibson olhou mais uma vez para as duas estrelas que <strong>de</strong>sciam para oeste<<strong>br</strong> />

e ergueu a mão num a<strong>de</strong>us silencioso.<<strong>br</strong> />

- Anda, Squik - disse ele. - É tempo <strong>de</strong> voltarmos. Tenho muito o fazer - Deu uma<<strong>br</strong> />

pequena torci<strong>de</strong>la!a nas orelhas do pequeno Marciano. - E creio que contigo também<<strong>br</strong> />

acontece o mesmo - acrescentou ele. - Ainda não sabes, mas temos um gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

trabalho pela frente.<<strong>br</strong> />

Pela primeira vez, Gibson sabia o que ficava no fim da estrada on<strong>de</strong> pusera os pés.<<strong>br</strong> />

Um dia talvez fosse seu <strong>de</strong>ver e privilégio tomar conta da tarefa que Hadfield iniciara.<<strong>br</strong> />

Talvez fosse uma ilusão... ou a primeira consciência dos seus recursos adormecidos.<<strong>br</strong> />

Com um passo mais rápido, Martin Gibson, escritor, que fora da Terra, voltou para<<strong>br</strong> />

a cida<strong>de</strong>. A sua som<strong>br</strong>a confundiu-se <strong>com</strong> a <strong>de</strong> Squik, enquanto o pequeno Marciano<<strong>br</strong> />

pulava a seu lado, e lá no alto, os últimos tons da noite se extinguiam no céu, e por<<strong>br</strong> />

toda parte, à sua volta, as plantas altas sem flores se a<strong>br</strong>iam para enfrentar o sol.


Primeiro livro da “Série Space Trilogy “(<strong>Areias</strong> <strong>de</strong> <strong>Marte</strong>, Ilha no Céu, O Fim da Infância), e também<<strong>br</strong> />

um dos primeiros livros escritos por <strong>Arthur</strong> C. <strong>Clarke</strong>.<<strong>br</strong> />

“Martin Gibson fôra aclamado por suas histórias <strong>de</strong> ficção científica, mas a ficção tinha<<strong>br</strong> />

se tornado rapidamente um fato. O homem tinha conquistado o espaço e uma pequena<<strong>br</strong> />

colônia havia se estabelecido em <strong>Marte</strong>.<<strong>br</strong> />

Agora Gibson tinha realizado seu sonho <strong>de</strong> visitar a rochosa <strong>com</strong>unida<strong>de</strong> - somente para<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir os colonizadores trabalhando no misterioso Projeto Alvorecer. Mas o que eles<<strong>br</strong> />

estavam escon<strong>de</strong>ndo?<<strong>br</strong> />

Uma lua inteira <strong>de</strong> <strong>Marte</strong> é <strong>de</strong>clarada "fora dos limites". Um <strong>de</strong>sconhecido projeto <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pesquisa caminha para sua conclusão. E então há as bizarras faixas nas remostas areias <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Marte</strong>. Quem - ou o quê - as fez?<<strong>br</strong> />

Para o escritor Martin Gibson, o clímax da sua aventura Marciana é <strong>com</strong>parável a qualquer<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> suas fantásticas histórias <strong>de</strong> ficção quando se encontra numa batalha pela colônia, pela<<strong>br</strong> />

exploração do espaço - por sua vida”

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