Arthur C. Clarke - Areias de Marte.pdf - Mkmouse.com.br

ons quinhentos mil exemplares do livro de Gibson e as vossas futuras reputações<br />
poderão depender do vosso comportamento nos próximos três meses!<br />
- Isso parece-me muito próximo de uma chantagem - disse Bradley.<br />
- Chame isso como quiser! Ademais, explicarei a Gibson que ele não pode esperar<br />
o serviço que haverá quando tivermos cozinheiros e só Deus sabe o que mais. Ele<br />
compreenderá isso e não ficará esperando o desjejum na cama todas as manhãs.<br />
- Também ajudará a lavar a louça? - perguntou alguém de espírito prático.<br />
Antes de Norden poder tratar desse problema da etiqueta social, ouviu-se um<br />
súbito zumbido do painel de comunicações e uma voz fez-se ouvir através do altofalante.<br />
- Estação Um chama Ares: o vosso passageiro está a caminho.<br />
Norden moveu uma alavanca e respondeu:<br />
- Muito bem. Estamos prontos. - Depois voltou-se para as tripulantes: - Com esses<br />
cortes de cabelo à volta dele o pobre homem até pensará que veio parar em uma<br />
penitenciária. Vá ter com ele, Jimmy, e ajude-o a passar através do guarda-ar<br />
quando o transbordador atracar.<br />
Martin Gibson ainda estava um pouco sob a ação do entusiasmo que lhe causara o<br />
fato de ter vencido o primeiro grande obstáculo: o médico da Estação Espacial Um. O<br />
desaparecimento do peso ao deixar a estação em direção à Ares no pequeno<br />
transbordador que funcionava a ar comprimido mal o tinha perturbado, mas aquilo<br />
que ele viu ao entrar na cabine do Capitão Norden transtornou-o por um momento.<br />
Mesmo quando não havia peso, as pessoas costumavam supor que qualquer direção<br />
correspondia a «baixo» e parecia natural que a superfície onde as cadeiras e as<br />
mesas estivessem colocadas fosse o pavimento. Infelizmente a decisão da maioria<br />
parecia outra, porque dois tripulantes estavam suspensos do teto como estalactites,<br />
enquanto dois outros se mantinham muito calmos em ângulos arbitrários no meio do<br />
ar. Só o capitão se mantinha na posição própria, segundo as ideias de Gibson. Para<br />
tornar as coisas piores, as suas cabeças raspadas à navalha davam-lhes uma<br />
aparência um pouco sinistra, de modo que o aspecto geral era o de uma reunião de<br />
família no Castelo de Drácula.<br />
Houve uma breve pausa enquanto os tripulantes analisavam Gibson. Todos eles<br />
reconheceram o escritor imediatamente; o seu rosto tornara-se familiar ao público<br />
desde o seu primeiro sucesso literário - Trovão à Alvorada -, aparecido quase vinte<br />
anos antes. Era um homenzinho pequenino, gorducho ainda que com feições duras,<br />
de uns quarenta e cinco anos, e quando falava a sua voz era surpreendentemente<br />
calma e ressoante.<br />
- Este é o meu engenheiro-maquinista, tenente Hilton - disse o Capitão Norden. -<br />
O nosso navegador, Dr. Mackay. O Dr. Scott, médico de bordo. O tenente Bradley,<br />
oficial de eletrônica. E Jimmy Spencer, que o recebeu no guarda-ar. É o nosso<br />
supranumerário e que espera ser capitão quando crescer.<br />
Gibson olhou em volta com alguma surpresa. Tão poucos - cinco homens e um<br />
rapaz! O Capitão Norden riu-se e continuou:<br />
- Não somos muitos, não é? Mas deve recordar-se de que a nave é quase<br />
automática - e além disso nada acontece no espaço. Quando começarmos as nossas<br />
viagens normais disporemos de trinta tripulantes. Nesta viagem substituímos a<br />
massa correspondente por carga. Na verdade, fazemos o trabalho de um cargueiro<br />
rápido.<br />
Gibson olhou com muito cuidado para os homens que seriam a sua única<br />
companhia durante os próximos três meses. A sua primeira reação foi de admiração<br />
pelo fato de eles parecerem tão vulgares - quando se punha de parte certas coisas