Arthur C. Clarke - Areias de Marte.pdf - Mkmouse.com.br

expedição. Estamos vendo se a Terra se resolve a pagar a conta.<br />
- Dêem-me os pormenores quando voltarmos para casa e não se esqueçam de que<br />
a imprensa é uma grande força. – disse Gibson<br />
A conversa foi mudando de planeta para planeta, até que Gibson se lembrou de<br />
que estava perdendo uma oportunidade de ver Marte pela primeira vez. Passou para<br />
o lugar do piloto - depois de ter se comprometido a não tocar nos comandos. Cinco<br />
quilômetros abaixo, o deserto corria por baixo dele, para oeste. Gibson nunca tivera<br />
uma tão grande impressão de velocidade, porque os aparelhos em que voara na<br />
Terra sempre o faziam a altitudes nas quais o solo era invisivel. A proximidade do<br />
horizonte tornava o efeito ainda mais sensível.<br />
O Sol estava muito baixo a oeste e até as atarracadas colinas marcianas<br />
projetavam longas sombras sobre o deserto. Em baixo a temperatura já devia ter<br />
atingido o ponto de congelamento e continuava descendo depressa. Gibson bocejou<br />
e espreguiçou-se. A paisagem na sua corrida constante, tinha um efeito quase<br />
hipnótico. Resolveu dormir um pouco durante os noventa e tantos minutos que<br />
faltavam para o fim da viagem.<br />
Qualquer mudança na luz despertou-o. Durante um momento perguntou-se se não<br />
estaria sonhando. Já não olhava para uma paisagem quase incaracterística que<br />
encontrava o azui-escuro do céu no horizonte. O deserto e o horizonte tinham<br />
desaparecido; no seu lugar havia uma cadeia de montanhas vermelhas que se<br />
estendia de norte a sul até onde a vista alcançava. Os últimos raios do sol-poente<br />
iluminavam as suas cristas e davam-lhes como herança a sua glória moribunda; o<br />
sopés estavam já perdidos na noite que avançava de oeste.<br />
Durate alguns segundos o esplendor da cena afastou-o de toda a realidade e logo<br />
de todas as ameaças. Depois o escritor despertou do seu transe e compreendeu num<br />
terrivel momento que estavam voando baixo demais para poderem escapar àqueles<br />
picos tão altos.<br />
A sensação de pânico absoluto demorou apenas um momento - porque foi logo<br />
seguida por um terror ainda mais profundo. Gibson lembrara-se do que o primeiro<br />
choque fizera afastar do seu espírito – o simples fato em que ele deveria ter pensado<br />
desde o princípio:<br />
Não havia montanhas em Marte.<br />
Hadfield estava ditando um memorando urgente à Junta de Fomento<br />
Interplanetário quando recebeu a notícia. Port Schiaparelli esperara os quinze<br />
minutos regulamentares depois da hora designada para a descida do avião, e o<br />
Comando de Vôo de Port Lowell aguardara mais dez para transmitir o sinal de<br />
«Desaparecido». Um precioso avião da pequena frota marciana já estava pronto para<br />
uma busca assim que chegasse a alvorada. A alta velocidade e a altitude necessárias<br />
para o vôo tornariam uma busca muito difícil, mas quando Phobos nascesse os seus<br />
telescópios poderiam entrar em ação com muito maiores possibilidades de sucesso.<br />
A notícia chegou à Terra uma hora depois, numa ocasão em que não havia muita<br />
coisa oom que a Imprensa, a Rádio e a TV se preocupassem; Gibson poderia ter<br />
ficado satisfeito com a publicidade. Ruth Goldstein só soube do que se passava<br />
quando um editor lhe apareceu agitando o jornal da noite. Vendeu imediatamente os<br />
direitos da seguda edição da última série de Gibson por uma vez e meia o preço que<br />
a sua vítima pretendia pagar e retirou-se para o seu quarto, onde chorou<br />
copiosamente durante um minuto. O escritor teria também ficado muito satisfeito<br />
com esses fatos se tivesse tido conhecimento deles.