Arthur C. Clarke - Areias de Marte.pdf - Mkmouse.com.br

superficiais como as suas atitudes estranhas e a calvície temporária. Não havia<br />
maneira de alguém aperceber-se que eles pertenciam à profissão mais romântica<br />
que o mundo conhecera desde que os últimos vaqueiros tinham trocado os seus<br />
cavalos por helicópteros.<br />
Obedecendo a um sinal que Gibson não viu, os outros saíram, lançando-se com<br />
fascinante precisão através da porta aberta. O Capitão Norden sentou-se de novo na<br />
sua cadeira e ofereceu a Gibson um cigarro. O autor aceitou-o com uma expressão<br />
de dúvida.<br />
- Não se importa que fumem? - perguntou ele. Não é desperdiçar oxigênio?<br />
- Haveria um motim a bordo se eu proibisse que fumassem durante três meses -<br />
disse Norden, com uma gargalhada. - Em qualquer caso, o consumo de oxigênio é<br />
desprezível<br />
O Capitão Norden, pensou Gibson, parecia um pouco mal-humorado, mas não<br />
muito fora daquilo que ele imaginara. Segundo a melhor - ou pelo menos a mais<br />
popular - tradição literária, o capitão de uma nave espacial deveria ser um veterano<br />
grisalho, de olhos vivos, que tivesse passado metade da sua vida no vácuo e pudesse<br />
voar instintivamente através do Sistema Solar, graças ao seu conhecimento<br />
sobrenatural dos caminhos do espaço. Deveria também ser inexorável; quando desse<br />
ordens, os seus oficiais deveriam dar um pulo (o que não seria fácil, na situação de<br />
ausência de peso), fazer-lhe uma seca continência e partirem correndo.<br />
Em vez de tudo isso, o capitão do Ares tinha, por certo, menos de quarenta anos e<br />
poderia ser confundido por um próspero homem de negócios. Quanto a ser<br />
inexorável - até àquele momento Gibson não vira quaisquer sinais de disciplina.<br />
Depois viria a compreender que essa impressão não fora absolutamente exata. A<br />
única disciplina a bordo da Ares era automaticamente imposta; era a única forma<br />
possível entre os tipos de homens que formavam a tripulação.<br />
- Então nunca esteve no espaço - disse Norden, olhando pensativamente para o<br />
seu passageiro.<br />
- Lamento dizer que não. Fiz algumas tentativas para ir à Lua, mas é<br />
absolutamente impossível, a menos que se esteja em serviço oficial. É uma pena que<br />
as viagens espaciais sejam tão infernalmente dispendiosas.<br />
Norden sorriu.<br />
- Esperamos que o Ares faça alguma coisa para alterar isso. Devo dizer que o<br />
senhor parece que conseguiu escrever muita coisa sobre o assunto com... um<br />
mínimo de experiência prática.<br />
- Oh!... - respondeu Gibson, como se fosse dar uma pequena gargalhada. - É uma<br />
ilusão comum que os autores tenham passado por tudo que descrevem nos seus<br />
livros. Li tudo quanto pude sobre viagens no espaço quando era jovem e fiz todo o<br />
possível para dar-lhes a devida cor local. Não se esqueça de que as minhas histórias<br />
foram escritas nos primeiros dias das viagens espaciais - mas toquei no assunto nos<br />
últimos anos. É um pouco surpreendente que o público continue a associar o meu<br />
nome com elas.<br />
Norden perguntou a si próprio até que ponto aquela modéstia seria verdadeira.<br />
Gibson devia saber perfeitamente que as suas novelas espaciais tinham-no tornado<br />
famoso - e haviam levado a Corporação a convidá-lo para aquela viagem. Em toda<br />
aquela situação havia algumas possibilidades muito curiosas. Mas teriam de esperar,<br />
porque, entretanto, ele teria de explicar àquele bicho-da-terra os pormenores da vida<br />
no mundo particular do Ares.<br />
- Mantemos o tempo normal da Terra - pelo Meridiano de Greenwich. Tudo para