Arthur C. Clarke - Areias de Marte.pdf - Mkmouse.com.br

mais leve; em segundo, apesar do óbvio aumento da inclinação da escada, o ângulo<br />
que o seu corpo fazia com os degraus mantinha-se nos quarenta e cinco graus. A<br />
direção vertical inclinava-se também lentamente à medida que ele ia avançando, de<br />
modo que, apesar da sua curvatura, a escada apresentava-se perante ele sempre<br />
com o mesmo aspecto.<br />
Gibson não tardou muito tempo a encontrar a explicação. A gravidade aparente<br />
era toda ela devida à força centrífuga produzida pela lenta rotação da estação sobre<br />
o seu eixo, e conforme aproximava-se do centro, a força ia diminuindo para zero. A<br />
escada dirigia-se para o centro seguindo uma espiral de determinada espécie - há<br />
tempos atrás ele conhecera a sua designação matemática - de modo que apesar do<br />
campo gravitacional radial, a inclinação da escada sob os seus pés mantinha-se<br />
constante. Era a espécie de coisa a que as pessoas que viviam nas estações<br />
espaciais tinha de habituar-se tão depressa quanto possível; provavelmente, quando<br />
voltavam à Terra, sentiam-se igualmente perturbadas ao verem uma escada normal.<br />
No fim das escadas não havia qualquer sensação real de «alto» ou «baixo».<br />
Entraram logo num compartimento cilíndrico, cruzado por cordas, mas vazio de<br />
qualquer outra coisa. E no extremo oposto um feixe de luz solar entrava com toda a<br />
força por uma vigia. O feixe movia-se através das paredes de metal como um<br />
projetor em busca de um alvo. Por momentos foi eclipsado e depois surgiu de novo<br />
através de outra janela. Foi a primeira indicação que os sentidos de Gibson<br />
receberam de que a estação estava de fato girando sobre o seu eixo, e mediu<br />
aproximadamente o período de rotação pelo tempo que a luz do Sol demorava a<br />
voltar à sua posição original. O «dia» daquele pequeno mundo artificial era de menos<br />
de dez segundos; era suficiente para dar a sensação do peso normal nas paredes da<br />
periferia.<br />
Gibson sentia-se um pouco como uma aranha na sua teia, enquanto seguia o<br />
médico mão aqui, mão ali sobre as cordas-guias, deslocando-se sem esforço através<br />
do ar até chegar ao posto de observação. Era o fim de uma espécie de chaminé que<br />
sobressaía do eixo da estação, dando uma vista quase imperturbada das estrelas.<br />
- Vou deixá-lo aqui algum tempo - disse o médico. - Tem muito para onde olhar e<br />
sentir-se-á muito satisfeito. Se se sentir mal disposto... bem... lembre-se de que no<br />
fundo das escadas tem a gravidade normal!<br />
E uma viagem de regresso à Terra no próximo foguete, pensou Gibson. Mas estava<br />
disposto a passar na prova e obter um bom certificado de saúde.<br />
Era impossível notar que era a estação que rodava e não o Sol e as estrelas: crer<br />
noutra coisa exigia um ato de fé, um esforço consciente da vontade. As estrelas<br />
moviam-se tão rapidamente que só as mais brilhantes se viam distintamente e o Sol,<br />
quando Gibson podia fitá-lo com o canto do olho, era um cometa dourado que<br />
atravessava o céu de cinco em cinco segundos. Com aquela fantástica aceleração da<br />
ordem natural das coisas era fácil compreender que o homem antigo tivesse<br />
recusado crer que a sua Terra, tão sólida, girasse, e houvesse atribuído todo o<br />
movimento à esfera celeste.<br />
Parcialmente oculta pela própria estação, a Terra era um grande crescente que<br />
cobria metade do céu. Estava saindo lentamente da sombra, enquanto a estação<br />
corria à sua volta. Dentro de quarenta minutos estava inteiramente iluminada e uma<br />
hora mais tarde seria totalmente invisível, eclipsando o Sol quando a estação<br />
passasse pelo seu cone de sombra. A Terra passaria de novo por todas as suas fases<br />
- de nova a cheia e daí a nova - em duas horas. A sensação do tempo deformava-se<br />
muito quando se pensava nessas coisas. As divisões familiares do dia e da noite, dos<br />
meses e das estações, não tinham significado ali.