30.04.2013 Views

A Poética e a Métrica Clássicas: um estudo do hexâmetro ... - Unesp

A Poética e a Métrica Clássicas: um estudo do hexâmetro ... - Unesp

A Poética e a Métrica Clássicas: um estudo do hexâmetro ... - Unesp

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A <strong>Poética</strong> e a <strong>Métrica</strong> <strong>Clássicas</strong>: <strong>um</strong> <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>hexâmetro</strong> latino por Mário Vitorino<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

Vivian Carneiro Leão SIMÕES<br />

G (PIBIC) – FCLAr – UNESP<br />

Grupo LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica / UNESP<br />

vivi_carneiroleao@hotmail.com<br />

INTRODUÇÃO<br />

O <strong>estu<strong>do</strong></strong> empreendi<strong>do</strong> na presente pesquisa centra esforços na tradução <strong>do</strong> texto Artis<br />

grammaticae Libri III (“Os três livros da arte ou da técnica gramatical”) <strong>do</strong> autor Mario<br />

Vitorino [280 d.C. 360 d.C.]. Nasci<strong>do</strong> e educa<strong>do</strong> na África; produziu em Roma <strong>um</strong>a vasta<br />

obra que se divide em trabalhos de gramática, filosofia e teologia. Sua obra sobre a métrica<br />

clássica latina se encontra na compilação intitulada Scriptores Artis Metricae que faz parte<br />

<strong>do</strong>s Grammatici Latini, de Heinrich Keil. Essa tradução é <strong>um</strong> trabalho inédito, pois não foi<br />

ainda empreendida, em sua totalidade, em nenh<strong>um</strong> outro idioma moderno.<br />

As modalidades técnicas de composição artística, em se tratan<strong>do</strong> de poemas, tinham,<br />

em geral, como perspectiva, a concepção da fala em ato, como recitação, daí o interesse em<br />

discutir e normatizar os efeitos de sonoridade na produção <strong>do</strong>s discursos, por meio de<br />

expedientes regra<strong>do</strong>s e cataloga<strong>do</strong>s em manuais, como o de Mário Vitorino.<br />

Dessa forma, as artes metricae, em geral, constituem textos de viés técnico, (como o<br />

de Vitorino) que se preocupam com a organização fonológica <strong>do</strong> plano <strong>do</strong> discurso produzi<strong>do</strong><br />

no âmbito da poesia.<br />

O excerto utiliza<strong>do</strong> como córpus <strong>do</strong> presente trabalho, o Liber Secundus <strong>do</strong>s Artis<br />

grammaticae Libri III, trata especialmente das “Nove Espécies de Protótipos de pés<br />

métricos”. Nele, Vitorino diz que a n<strong>um</strong>erosa variedade de metros da lírica latina se<br />

desenvolveu a partir de nove pés primitivos. Sobre seu trabalho com cada <strong>um</strong>a das espécies,<br />

Vitorino nos revela que os pés e os metros se formam através de combinações desses nove<br />

protótipos. O tópico inicial é sobre o pé datílico e, por conseguinte, seu emprego na formação<br />

<strong>do</strong> <strong>hexâmetro</strong> heróico, pois o autor avalia que este verso seja o princípio de to<strong>do</strong>s os metros.<br />

A partir <strong>do</strong> tratamento que Vitorino dá ao pé datílico, será possível investigar: 1) a<br />

noção de Vitorino sobre a formação <strong>do</strong>s pés métricos por união e separação, i.e. por<br />

combinações, o que nos faz compreender <strong>um</strong> pouco mais sobre a musicalidade implícita no<br />

verso latino, e 2) alguns juízos de valor sobre o verso heróico, como por exemplo, qual seria,<br />

pelo conceito <strong>do</strong> gramático, a constituição de <strong>um</strong> verso épico pulchriorem (“mais belo”).


OBJETIVOS<br />

O objetivo principal desta pesquisa é oferecer o que será, até onde se pôde apurar, a<br />

única tradução vernácula de <strong>um</strong> repertório de textos antigos que versam sobre <strong>Poética</strong> e<br />

<strong>Métrica</strong> <strong>Clássicas</strong> latinas, no presente caso, <strong>um</strong> recorte da obra de Mário Vitorino.<br />

É preciso insistir também em que tal objetivo se coaduna com outro objetivo mais<br />

amplo, qual seja, o <strong>estu<strong>do</strong></strong> das noções de métrica de poemas latinos. A vaga noção que temos<br />

das sílabas longas e breves que compõem a métrica latina é matéria prima de manuais de<br />

métrica como os de Mário Vitorino, traduzi-los e estudá-los significa deixar vir à luz<br />

concepções e conceitos que nortearam a produção poética, sobretu<strong>do</strong> lírica, <strong>do</strong>s latinos. Muito<br />

embora seja a métrica a orientar e determinar boa parte <strong>do</strong>s comportamentos estilísticos<br />

observa<strong>do</strong>s nos poemas, esta dimensão não tem si<strong>do</strong> privilegiada modernamente pelos<br />

pesquisa<strong>do</strong>res da cultura greco-romana.<br />

Ao relegar a métrica a <strong>um</strong> plano inferior, deixamos de estudar os efeitos de expressão<br />

a cuja apreensão só se chega por meio de análise <strong>do</strong> plano da expressão poética. A esses<br />

meios de análise poder-se-ia chamar poética da expressão ou, ainda, métrica estilística.<br />

Assim, ao propor <strong>um</strong>a tradução <strong>do</strong> texto <strong>do</strong> Liber Secundus da obra Marii Victorinii<br />

Artis Grammaticae Libri Tres, compreendemos que o propósito não é somente transpor para o<br />

vernáculo <strong>um</strong> texto da Antiguidade, mas sim, permitir que se amplie o repertório de textos<br />

que versam sobre <strong>Poética</strong> e <strong>Métrica</strong> <strong>Clássicas</strong> latinas. Concluída a pesquisa, este texto estará<br />

acessível para participar e colaborar com suas <strong>do</strong>utrinas em <strong>estu<strong>do</strong></strong>s e reflexões acerca da<br />

métrica <strong>do</strong>s antigos gramáticos latinos, sua evolução, suas definições, conceitos, méto<strong>do</strong>s e<br />

objetos privilegia<strong>do</strong>s.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Os manuais modernos de métrica, produzi<strong>do</strong>s com base na <strong>do</strong>utrina métrica da<br />

antiguidade, procuraram catalogar as regularidades percebidas na poesia clássica e formular<br />

as normas de sua ocorrência nos versos, ou seja, procederam à investigação das medidas de<br />

harmonia encontradas – os metros – e trataram de estabelecer as leis que governariam seu<br />

emprego e os efeitos produzi<strong>do</strong>s por eles, mas sempre com base no fenômeno sonoro de <strong>um</strong>a<br />

língua antiga – no caso, o grego ou o latim – que não pôde fazer chegar aos pósteros qualquer<br />

testemunho seguro da maneira pela qual seus fonemas eram articula<strong>do</strong>s.<br />

Por essa razão é que se fez necessário <strong>um</strong> novo enfoque teórico que, tanto quanto<br />

possível, prescindisse <strong>do</strong> da<strong>do</strong> fonético hoje perdi<strong>do</strong>, para investir no valor fonológico das<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

322


oposições em jogo na matriz prosódica <strong>do</strong> verso, enquanto procura identificar e descrever<br />

satisfatoriamente os movimentos convergentes <strong>do</strong> plano de conteú<strong>do</strong> para o de expressão e<br />

vice-versa (homologias formais).<br />

Tentativas como essas têm si<strong>do</strong> levadas a efeito nos dias presentes, por pesquisa<strong>do</strong>res<br />

como, por exemplo, CRUCIUS (1951), DANGEL (2001), LAVARENNE (1968), LIMA<br />

(1992, 1995a, 1995b, 1995c, 1996), LUQUE MORENO (1987) e PRADO (1997).<br />

METODOLOGIA<br />

A respeito <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> na tradução, considerou-se, primeiramente, a<br />

composição <strong>do</strong> córpus, que é de natureza técnica, perfazen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a clara oposição destes aos<br />

textos literários.<br />

No trabalho tradutório <strong>do</strong> texto de Mário Vitorino o esforço buscou-se atingir o tanto<br />

quanto possível o paralelismo frástico, <strong>um</strong>a vez que se acredita ser necessário <strong>um</strong> cotejo interlingüístico<br />

latino-português. Assim, à tradução praticada poder-se-ia chamar de ad sens<strong>um</strong>,<br />

privilegian<strong>do</strong> antes o senti<strong>do</strong> que a mera transposição palavra por palavra, o que representaria<br />

<strong>um</strong>a tarefa praticamente impossível em se tratan<strong>do</strong> de sistemas lingüísticos tão diversos.<br />

Também em decorrência desta eleição, mas, especialmente, por tratar-se de textos que<br />

contém inúmeros termos especializa<strong>do</strong>s, pertencentes aos <strong>do</strong>mínios das línguas greco-latinas,<br />

dedicou-se especial atenção à busca de termos vernáculos adequa<strong>do</strong>s para traduzi-los ou,<br />

quan<strong>do</strong> impossível, à adaptação e explicação, em nota, de seu significa<strong>do</strong> e função.<br />

Se fez necessária <strong>um</strong>a investigação inicial que acrescentasse informações sobre o autor<br />

em questão e a matéria a ser estudada. Apresenta-se, então, o resulta<strong>do</strong> desta pesquisa<br />

bibliográfica que além <strong>do</strong> texto latino de que se ocupou a pesquisa, utilizou-se de obras<br />

especializadas em poética clássica e em métrica latinas, além de dicionários de latim e,<br />

dicionários de termos e temas específicos.<br />

RESULTADOS<br />

Os resulta<strong>do</strong>s expostos não correspondem somente à tradução <strong>do</strong> córpus, mas,<br />

representam o resulta<strong>do</strong> de <strong>um</strong>a breve pesquisa sobre a biografia <strong>do</strong> autor e <strong>um</strong>a apreciação<br />

bastante pormenorizada <strong>do</strong>s julgamentos e conceitos aponta<strong>do</strong>s por Vitorino em sua obra. São<br />

propostos também os primeiros passos de <strong>um</strong>a análise comparativa entre manuais modernos<br />

de métrica e os apontamentos deste autor <strong>do</strong> quarto século romano, que está, temporalmente,<br />

muito mais próximo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> clássico da produção literária latina.<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

323


A tradução <strong>do</strong> Liber Secundus de Mário Vitorino, assim como as traduções das outras<br />

partes da obra <strong>do</strong> mesmo autor e de outros postula<strong>do</strong>s de <strong>do</strong>utrinas métricas da Antiguidade,<br />

vêm preencher <strong>um</strong>a lacuna existente entre tais textos e os <strong>estu<strong>do</strong></strong>s modernos, que, em geral,<br />

privilegiam análises de cunho retórico e literário tratan<strong>do</strong> com desdém as questões métricas.<br />

O que se obtém como resulta<strong>do</strong> é <strong>um</strong> córpus de autores antigos que trabalharam com questões<br />

de escrita, fonética, fonologia, e métrica, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> latim, sen<strong>do</strong> traduzi<strong>do</strong>s para o<br />

vernáculo, até onde se pôde constatar, pela primeira vez.<br />

DISCUSSÕES<br />

O advento das recitationes em Roma, leituras públicas de peças de oratória e de<br />

poemas de caráter eleva<strong>do</strong>, é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s fatores que evidenciama importância <strong>do</strong>s sons<br />

articula<strong>do</strong>s da fala para o efeito estético <strong>do</strong> discurso.<br />

No entanto, existe também o fator <strong>do</strong> som e da pronúncia <strong>do</strong> latim, que, dada a fortuna<br />

e situação histórica <strong>do</strong> idioma, só se pode, hoje, estudar e descrever de maneira<br />

metalingüística, recorren<strong>do</strong>-se aos textos remanescentes de autores antigos que falaram sobre<br />

esse assunto, como se vê, por exemplo, em Cícero, Orator, III, XI, 40:<br />

Para falar <strong>um</strong> bom latim, não basta cuidarmos apenas seja de dizer aquelas expressões<br />

que ninguém, com justiça, repreenderia, seja de respeitá-las quanto aos casos, tempos,<br />

gêneros e número, de mo<strong>do</strong> que nada, conflitante, fique confuso ou com senti<strong>do</strong><br />

contraditório, mas é preciso também modular a pronúncia, a respiração e o próprio som<br />

da voz.<br />

Mesmo saben<strong>do</strong> que Cícero, no excerto acima, se refere à oratória, matéria de seu<br />

interesse, é possível dizer que a citação se aplica facilmente à poesia. Como diz Mário<br />

Vitorino, autor com o qual se está trabalhan<strong>do</strong> nessa pesquisa:<br />

Non n<strong>um</strong>quam haec observatio praetermittitur. Sed qui fuerint eius modi versus, neque<br />

son<strong>um</strong> neque gratiam habebunt et prosae orationi similes audientur.<br />

Sempre se deixa passar essa observação: mas os versos que forem desse mo<strong>do</strong> [que<br />

terminassem em anapestos], nem som, nem graça teriam e seriam ouvi<strong>do</strong>s como o<br />

discurso da prosa. 1<br />

É possível entrever que o <strong>estu<strong>do</strong></strong> da métrica propicia <strong>um</strong>a dimensão inédita da poesia<br />

antiga, porque pode fazer enxergar efeitos de expressão não privilegia<strong>do</strong>s nem aborda<strong>do</strong>s, em<br />

geral, por muitos <strong>do</strong>s <strong>estu<strong>do</strong></strong>s modernos. A isso, ou seja, <strong>um</strong>a forma de <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong>s poemas que<br />

1 Mário Vitorino, Liber Secundus <strong>do</strong>s Artis grammaticae Libri III, p. 70. To<strong>do</strong>s excertos de Vitorino aqui cita<strong>do</strong>s<br />

foram traduzi<strong>do</strong>s pela pesquisa<strong>do</strong>ra iniciante e revistos pelo orienta<strong>do</strong>r da pesquisa.<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

324


privilegia <strong>um</strong>a leitura das formas de organização <strong>do</strong> plano da expressão poética, i. e., a esses<br />

méto<strong>do</strong>s de análise, poder-se-ia dar o nome de poética da expressão ou métrica estilística.<br />

O texto <strong>do</strong> “Segun<strong>do</strong> Livro” <strong>do</strong>s “Três Livros de Mário Vitorino sobre a Arte<br />

Gramatical” trata especialmente das “Nove Espécies de Protótipos de pés métricos”. Vitorino<br />

diz que a n<strong>um</strong>erosa variedade de metros da lírica latina se desenvolveu a partir de nove pés<br />

primitivos.<br />

Unde nunc ad novem prototypa, id est, e quor<strong>um</strong> fonte atque origine derivata<br />

inn<strong>um</strong>erabilis metror<strong>um</strong> profluit copia, stil<strong>um</strong> nostri operis convertam, de quor<strong>um</strong><br />

disciplina et praeceptis et ratione omni, qua inter se congruunt sive dissentiunt, textus<br />

huius secundi vol<strong>um</strong>inis singula quaeque reserans expplicabit.<br />

Deste ponto agora voltarei o nosso trabalho para os nove protótipos, isto é, [espécies<br />

primitivas de to<strong>do</strong>s os metros], de cuja fonte e origem derivou <strong>um</strong>a quantidade<br />

in<strong>um</strong>erável de metros. Sobre o ensino, os preceitos e a proporção completa <strong>do</strong>s metros,<br />

por meio da qual eles se reúnem ou se separam, falará o texto deste segun<strong>do</strong> vol<strong>um</strong>e,<br />

revelan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a coisa de cada vez. 2<br />

Os nove protótipos a que Vitorino se refere, nas palavras <strong>do</strong> próprio autor:<br />

(...) sunt haec, e quis metra dactylic<strong>um</strong>, dehinc anapaestic<strong>um</strong>, post iambic<strong>um</strong> et<br />

trochaic<strong>um</strong> et choriambic<strong>um</strong> et antipastic<strong>um</strong>, ionic<strong>um</strong> άπό µείονος (apo mêionos)<br />

ionic<strong>um</strong> άπό έλάσσονος (apó elássonos) et paeonic<strong>um</strong>.<br />

são aqueles dentre os quais o primeiro é o datílico ( − ˘ ˘ ), depois o anapéstico ( ˘ ˘ − ),<br />

em seguida o iâmbico ( ˘ − ), o trocaico ( − ˘ ), o choriâmbico ( − ˘ ˘ − ), o antispástico ( ˘<br />

− − ˘ ), o jônico maior (− − ˘ ˘ ), o jônico menor ( ˘ ˘ − − ) e o peônico ( − ˘ ˘ ˘ │˘ − ˘ ˘ │<br />

˘ ˘ − ˘ │˘ ˘ ˘ − ). 3<br />

e ainda admite a possibilidade de se julgar o proceleusmático ( ˘ ˘ ˘ ˘ ) como <strong>um</strong>a décima<br />

espécie. Assim Vitorino segue sua explanação sobre os protótipos de pés métricos da lírica<br />

latina tratan<strong>do</strong> detalhadamente a sua origem, seu desenvolvimento, sua composição e<br />

derivação, i.e. quais metros tais pés originaram.<br />

Ao tratar <strong>do</strong> pé datílico, nosso objeto principal no recorte que se fez necessário para a<br />

presente apresentação, Vitorino nos revela peculiaridades que abarcam a construção <strong>do</strong> metro<br />

mais importante da métrica latina, o <strong>hexâmetro</strong> heróico. Um <strong>do</strong>s curiosos comentários que o<br />

autor faz sobre o metro datílico é o juízo de baixa qualidade que exibe aquele em que<br />

coincidam a fronteira entre os pés com o final de cada palavra <strong>do</strong>s versos. E cita os exemplos:<br />

Pythĭĕ,| Dēlĭĕ,| tē cŏlŏ,| prōspǐcĕ | vōtăquĕ | fīrmă. 4<br />

2 Mário Vitorino, Liber Secundus <strong>do</strong>s Artis grammaticae Libri III, p. 69.<br />

3Mário Vitorino, Liber Secundus <strong>do</strong>s Artis grammaticae Libri III, p. 69 - 70.<br />

4<br />

Anonymi Epici et Lyrici, serioris aetatis versus. Frag. 50, 1 (Trad. Ó Pítio, ó Délio, eu te cultuo: vê meus votos<br />

e assegura-os).<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

325


Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

ou então, desta forma, muito melhor:<br />

āt rē|gīnă gră|vī iām|dūdūm| sāucǐă| cūră 5 .<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, afirma o autor, é preciso cuidar para que o terceiro pé não delimite<br />

<strong>um</strong>a palavra, e que o verso se divida a partir dele, como em:<br />

cūi nōn | dīctŭs Hў|lās || pŭĕr | ēt Lā|tōnĭă| Dēlŏs. 6<br />

O autor considera tão defeituosos os versos cita<strong>do</strong>s há pouco quanto os que usam<br />

apenas <strong>um</strong> pé durante o verso to<strong>do</strong>; muito mais belos seriam se mesclassem os pés.<br />

Heroi versus vitiosi habentur qui ex solis dactylis vel qui ex solis spondeis constant, quia<br />

in talibus aut gravis tarditas aut velocitas nimia vitiosa est. Insignes autem in metris sunt<br />

aut dactylici, id est c<strong>um</strong> quinque dactyli ultimo spondeo clauduntur, ut<br />

panditur interea <strong>do</strong>mus omnipotentis Olympi;<br />

Aqueles versos heróicos que constam somente de dátilos ou somente de espondeus, são<br />

considera<strong>do</strong>s defeituosos porque, em tais versos, ou há <strong>um</strong>a pesada lentidão, ou há <strong>um</strong>a<br />

rapidez por demais desagradável. Por outro la<strong>do</strong>, os [versos] datílicos são os mais<br />

importantes dentre os metros, isto é, quan<strong>do</strong> cinco dátilos são encerra<strong>do</strong>s com <strong>um</strong><br />

espondeu final, como 7<br />

[pāndĭtŭr | īntĕrĕ|ā dŏmŭs | ōmnĭpŏ|tēntĭs Ŏ|lympī;] 8,<br />

<strong>um</strong>a opção para a mistura entre dátilos e espondeus é o verso espondiazonte, que consiste em<br />

colocar <strong>um</strong> espondeu na 5ª e na 6ª regiões <strong>do</strong> verso. Como no exemlo cita<strong>do</strong>:<br />

cōrnŭă | vēlā|tārūm ob|vērtĭmŭs | āntē|mnārūm 9 .<br />

Outra questão relevante, <strong>do</strong> ponto de vista da tradução levada a cabo até o presente<br />

momento, foi que, ao trabalhar modernamente com a métrica clássica, parte-se da vaga noção<br />

moderna <strong>do</strong> que teriam si<strong>do</strong> as sílabas breves e longas <strong>do</strong>s gregos e romanos, e, a partir daí,<br />

determina-se a formação <strong>do</strong>s pés métricos.<br />

Algo diferentemente dessa forma de descrever os pés métricos, Vitorino apresenta-os<br />

não como sen<strong>do</strong> a simples combinação entre breves e longas, mas como variação de outros<br />

5 Vergilius Maro, Publius, Aeneis, Livro IV, 1 (Trad. Mas já a rainha fatigada por <strong>um</strong>a grave preocupação).<br />

6<br />

Vergilius Maro, Publius, Georgicon, Livro III, 6 (Trad. A quem não é chama<strong>do</strong> menino Hilas e a Delos<br />

Latônia).<br />

7 Mário Vitorino, Liber Secundus <strong>do</strong>s Artis grammaticae Libri III, p. 69.<br />

8 Vergilius Maro, Publius, Aeneis, Livro X, 1. (Trad. Do Olimpo omnipotente os paços se abrem – Eneida/ de<br />

Virgílio; traduzida por José Victorino Barreto Feio, José Maria da Costa e Silva; Organizada por Paulo Sérgio de<br />

Vasconcellos. São Paulo : Martins Fontes, 2004, pág. 307 ).<br />

9 Vergilius Maro, Publius, Aeneis, Livro III, 549 (Trad. viramos ao contrário as pontas <strong>do</strong>s mastros das velas).<br />

326


pés. O <strong>hexâmetro</strong> datílico, por exemplo, consta de espondeu, de troqueu e <strong>do</strong> próprio dátilo.<br />

Ele tem seis “lugares” [pés]. Admite também três formas de pés, as quais os gregos chamam<br />

podiká schêmata, “formas de pés”. Do <strong>hexâmetro</strong> datílico, pois, nascem os metros: difílio ou<br />

querílio, o logaédico ou o arquebuleu, o eólico ou sáfico.<br />

Entre <strong>um</strong> espondeu e <strong>um</strong> dátilo, subsistirá <strong>um</strong>a mesma identidade, n<strong>um</strong>a idêntica<br />

medida de tempos, tanto na ársis como também na tésis 10 . Estes conceitos (ársis e tésis<br />

relaciona a intensidade da pronuncia <strong>do</strong>s pés métricos, a tésis corresponde ao tempo mais<br />

forte, a ársis ao mais tênue . Por meio deles, por união e separação, há <strong>um</strong>a mútua produção<br />

de pés, e, de maneira natural, indiferentemente de qualquer que seja a posição, <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como<br />

foi opera<strong>do</strong> o processo de escansão, esses versos são obti<strong>do</strong>s ao menos até o quarto pé: o<br />

quinto freqüentemente, como convém a <strong>um</strong> verso heróico, deve ser <strong>um</strong> dátilo.<br />

Ainda sobre o verso épico, Vitorino testemunha <strong>um</strong>a contenda entre os gramáticos de<br />

sua época acerca <strong>do</strong> pé final <strong>do</strong> verso heróico, se troqueu ou espondeu: o troqueu, como<br />

coincide tão somente em número de sílabas com o espondeu, está sempre localiza<strong>do</strong> na parte<br />

extrema <strong>do</strong> verso heróico. Apesar de serem equivalentes, se coloca<strong>do</strong>s na parte extrema <strong>do</strong><br />

verso, acredita-se que se faria <strong>um</strong> verso épico mais belo se ele fosse encerra<strong>do</strong> com o<br />

abaixamento da voz; isso corresponde a <strong>um</strong> troqueu na posição final.<br />

CONCLUSÕES<br />

Concluída essa primeira fase da tradução <strong>do</strong>s livros da Ars Grammatica de Mário<br />

Vitorino — no presente caso, o Livro Segun<strong>do</strong>– fica patente a importância da arte métrica<br />

dentro da antiguidade clássica, bem como o interesse em normatizar os fatores relativos à<br />

sonoridade das palavras e à produção <strong>do</strong>s discursos, qualquer que fosse a modalidade de texto<br />

em que se investiram as técnicas artísticas de composição; fosse ele concebi<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a<br />

leitura pública ou fosse destina<strong>do</strong> à <strong>um</strong>a leitura privada, o fato é que era sempre concebi<strong>do</strong><br />

enquanto fala, recitação.<br />

Em razão de experimentar de mo<strong>do</strong> empírico a cadência, a harmonia, o ritmo da fala<br />

tecnicamente trabalhada <strong>do</strong>s versos, à métrica clássica era natural a ponderação sobre os sons<br />

articula<strong>do</strong>s da fala e suas qualidades fônicas. Assim os manuais modernos, produzi<strong>do</strong>s com<br />

10 Cada <strong>um</strong> <strong>do</strong>s pés métricos se dividia em duas partes, iguais ou desiguais em suas durações, mas com<br />

intensidades diferentes, organizan<strong>do</strong>-se em <strong>do</strong>is subgrupos que eram visivelmente bati<strong>do</strong>s por movimentos <strong>do</strong>s<br />

pés ou das mãos: a tesis, que correspondia ao pé no chão ou à mão abaixada, e a arsis, pé ou mão levanta<strong>do</strong>s. Os<br />

pés podiam começar quer pela arsis, quer pela tesis. A relação entre a duração <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is subgrupos classifica o<br />

gênero <strong>do</strong>s diferentes pés, segun<strong>do</strong> Mário Vitorino.<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

327


ase na <strong>do</strong>utrina métrica da Antigüidade, procuraram catalogar as regularidades percebidas na<br />

poesia clássica e formular as normas de sua ocorrência nos versos, ou seja, procederam à<br />

investigação das medidas de harmonia encontradas – os metros – e trataram de estabelecer as<br />

leis que governariam seu emprego e os efeitos produzi<strong>do</strong>s por eles, mas sempre com base no<br />

fenômeno sonoro de <strong>um</strong>a língua antiga.<br />

Esse córpus que se concebe lenta e gradativamente, <strong>um</strong>a vez constituí<strong>do</strong>, permitirá<br />

várias formas de análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s lá conti<strong>do</strong>s, trazen<strong>do</strong>, quem sabe, <strong>um</strong>a nova perspectiva<br />

para os <strong>estu<strong>do</strong></strong>s de poética de expressão e métrica estilística.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

CART, A. e outros. Gramática latina. Trad. Maria Evangelina V. N. Soeiro. São Paulo:<br />

TAQ/EDUSP, 1986.<br />

CICÉRON. L’Orateur; Du meilleur genre d’orateurs. Texte établi et traduit par A. Yon.<br />

Paris: Les Belles Lettres, 1964.<br />

CRUSIUS, F. Iniciación en la métrica latina. Versión y adaptación de Á. Roda. Prólogo de<br />

J. Echave-Sustaeta. Barcelona: Bosch, 1951.<br />

DANGEL, J. Le poète architecte. Arts métriques et Art poétique latins. Paris: Éditions<br />

Peeters, 2001.<br />

GAFFIOT, F. Dictionnaire illustré latin-français. Paris: Hachette, 1934.<br />

HADOT, Pierre. Marius Victorinus: Recherches sur sa vie et ses oeuvres. Paris: Etudes<br />

augustiniennes, 1971.<br />

HORÁCIO. Odes e Epo<strong>do</strong>s. Tradução e nota Bento Pra<strong>do</strong> de Almeida Ferraz; introdução<br />

Antônio Medina Rodrigues; organização Anna Lia Amaral de Almeida Pra<strong>do</strong>. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

KEIL, H. (KEILII, H). Grammatici Latini: Scriptores Artis Metricae. Leipzig: Georg Olms<br />

Verlagsbuchhandlung, 1961, v.6.<br />

LAVARENNE, M. Initiation a la métrique et a la prosodie latines. Paris: Magnard, 1948.<br />

LIDDELL, H.G. & SCOTT, R. A Greeck – English Lexicon. Oxford: Oxford University<br />

Press, 1968.<br />

LIMA, A. D. Denotação e Conotação. In: _______ et al. Latim: da fala à língua.Araraquara:<br />

UNESP-FCL, 1992. p. 89-94.<br />

________. Superação de restrições métricas <strong>do</strong> <strong>hexâmetro</strong> latino. Araraquara: artigo inédito,<br />

1995a.<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

328


________. A poética da expressão: <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>hexâmetro</strong> datílico como fator da<br />

expressividade na poesia latina. Araraquara: artigo inédito, 1996.<br />

________.O equivalente interlingüístico <strong>do</strong> poema. Araraquara: artigo inédito, 1995b.<br />

________. Uma estranha língua?Questões de linguagem e de méto<strong>do</strong>. São Paulo:<br />

EdUNESP, 1995c.<br />

LLORENTE, V. J. H. La lengua latina en su aspecto prosódico: con un vocabulario de<br />

términos métricos. Madri: Imprenta Madrid : Gre<strong>do</strong>s, 1971.<br />

LUQUE MORENO, J. Presentacion. Granada: Universidad de Granada, 1987.<br />

LUQUE MORENO, J. De pedibus, de metris. Las unidades de medida en la métrica latina.<br />

Madrid: Ediciones Clásicas: Universidad de Granada, 1994.<br />

LUQUE MORENO, J. Arsis, Thesis, Ictus. Las Marcas del Ritmo en la Música y en la<br />

<strong>Métrica</strong> Antiguas. Granada: Universidad de Granada, 1994.<br />

MARIOTTI, Italo. Marii Victorini Ars Grammatica. Introduzione, texto critico e commento<br />

a cura di Italo Mariotti. Firenze: Felice Le Monier, 1967.<br />

NOUGARET, L. Traité de métrique latine classique. São Paulo: Martins Fontes, 1992.<br />

PERINI, G. B. Fondamenti di metrica. In: TRAINA, A., PERINI, G. B. Propedêutica al<br />

latino universitario. 3. ed. Bolonha: Pàtron, 1982. p. 201-41.<br />

PRADO, J.B.T. Canto e encanto, o charme da poesia latina: contribuição para <strong>um</strong>a<br />

<strong>Poética</strong> da Expressividade em língua latina. Tese - Programa de Pós-Graduação em<br />

Letras <strong>Clássicas</strong> <strong>do</strong> Departamento de Letras <strong>Clássicas</strong> e Vernáculas da Faculdade de<br />

Filosofia, Letras e Ciências H<strong>um</strong>anas da Universidade de São Paulo, 1997.<br />

SARAIVA, F. R. Novíssimo Diccionário Latino-Portuguez. 11. ed., Rio de Janeiro,<br />

Garnier, 2000.<br />

SPINA, S. Introdução à poética clássica. São Paulo: F. T. D., 1967.<br />

TEIXEIRA, F. D. Os Fragmenta de Césio Basso: leitura crítica e tradução anotada.<br />

Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras- UNESP- CAr, 2005 (dissertação de<br />

mestra<strong>do</strong>- programa de Estu<strong>do</strong>s Literários).<br />

TORRINHA. Dicionário latino português. Porto: Gráficos Reuni<strong>do</strong>s, s/d.<br />

Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 321-329, 2008<br />

329

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!