BENSUSSAN uma ética do indecidível - escritura: linguagem e ...
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Um lugar sem (aí) ser<br />
Diremos então, para começar, que o <strong>indecidível</strong> consiste em não<br />
co-locar 2 . Não sobre o mo<strong>do</strong> de <strong>uma</strong> simples negatividade que tomaria<br />
o avesso <strong>do</strong> co-locar ou <strong>do</strong> dar-lugar para indicar a via dial<strong>ética</strong> <strong>do</strong> Lugar<br />
de to<strong>do</strong>s os lugares. Mas segun<strong>do</strong> a operação de <strong>uma</strong> entreabertura, de um<br />
entredistanciamento. A porta <strong>do</strong> <strong>indecidível</strong> não estará jamais aberta ou<br />
fechada. Nem cerrada nem escancarada, ela desafia a prescrição convencional<br />
(« não é necessário senão <strong>uma</strong> porta... ») e assim desenha, apesar de tu<strong>do</strong>,<br />
alg<strong>uma</strong> coisa como um lugar que não se dá nem se faz. « Alg<strong>uma</strong> coisa como<br />
um lugar » não é fácil de figurar ou sugerir. Eu diria, sonhan<strong>do</strong> aqui muito<br />
precisamente com Heidegger, que o <strong>indecidível</strong> abre um lugar sem ser, um<br />
lugar sem (aí) ser ou, em to<strong>do</strong> caso, sem poder aí deter-se como em um só<br />
lugar. Em um texto de 1951, Construir, Habitar, Pensar, o autor de Sein und Zeit<br />
propôs <strong>uma</strong> meditação profunda <strong>do</strong> ser <strong>do</strong> Lugar. Aí ele determina o Lugar<br />
como « o que não existe antes » de sua colocação na posição ou no espaço pelo<br />
que aí se constrói3 . Como escreve Heidegger, o Lugar não devém um Lugar<br />
senão « graças à ponte », para retomar um exemplo recorrente desse texto. O<br />
espaço não é o que faz face aos homens como um objeto exterior, e não é mais<br />
<strong>uma</strong> experiência interior que seria da ordem da representação. Conviria, pelo<br />
contrário, reportar-lhe a essência ao que o limita e o organiza, a isso que abole<br />
« o espaço a si pareci<strong>do</strong>, quer se acresça ou se negue » (Mallarmé) para fazer<br />
« um » espaço « coloca<strong>do</strong> » (verstattet) por um lugar que aí dispõe os confins.<br />
O lugar confere então seu ser, ou sua reunião « quadripartite », aos espaços<br />
que nós habitamos. Ele é sempre um lugar-sede. Por outro la<strong>do</strong>, o lugar <strong>do</strong><br />
<strong>indecidível</strong> é certamente um não-lugar, um lugar sem comandante, sem cauda<br />
nem cabeça. O <strong>indecidível</strong> decapita o lugar de seu ser, porque dele destitui a<br />
essência localizável, decidível, e nele dissemina a citação4 a sua aumentação<br />
interminável. De alg<strong>uma</strong> maneira, o <strong>indecidível</strong> tem portanto « a ver » com<br />
o lugar. Mas de qual lugar pode tratar-se? E por que esse ter-a-ver, de que<br />
maneira e sobre qual mo<strong>do</strong>? É a decisão que vem aqui cindir. O <strong>indecidível</strong>,<br />
com efeito, não é tal senão em « seus lugares », mais de um lugar, sempre, e os<br />
ditos lugares são os lugares mesmos da decisão, ou os lugares de seu não-lugar,<br />
de alg<strong>uma</strong> maneira. O <strong>indecidível</strong> nomeia então, fora de toda figura, o que se<br />
faz lugar entre os lugares.<br />
2 O autor joga com as expressões<br />
‘faire lieu’ e ‘<strong>do</strong>nner lieu’. Embora<br />
ambas possam ser traduzidas por<br />
‘dar lugar’ no português, optou-se<br />
pelo neologismo e hifenização<br />
<strong>do</strong> verbo ‘colocar’, de mo<strong>do</strong> a<br />
assinalar a diferença entre as duas<br />
expressões. (N. <strong>do</strong> T.)<br />
3. Essais et conférences, Gallimard,<br />
p. 182-3, trad. A. Préau .<br />
4. O autor faz um jogo com o<br />
termo ‘assignation’, que em francês<br />
quer dizer tanto citação (no<br />
senti<strong>do</strong> jurídico) quanto hipoteca<br />
(no senti<strong>do</strong> de <strong>uma</strong> garantia<br />
jurídica, igualmente, constituída<br />
ela mesma por um lugar).<br />
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