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Envelhecimento e velhice na família contemporânea - Núcleo de ...

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Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 1<br />

Autor Guita Grin Debert<br />

Júlio Assis Simões<br />

Título da obra Tratado <strong>de</strong> Geriatria e<br />

Gerontologia<br />

Título do capítulo <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong><br />

Introdução<br />

Revendo mitos<br />

<strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong><br />

O mito da universalida<strong>de</strong>, <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> e imutabilida<strong>de</strong> da<br />

<strong>família</strong> nuclear<br />

O mito da “Ida<strong>de</strong> do Ouro” da <strong>velhice</strong><br />

<strong>Envelhecimento</strong> e arranjos familiares<br />

<strong>Envelhecimento</strong> e arranjos familiares no Brasil<br />

Relações intergeracio<strong>na</strong>is e mudanças no curso da vida familiar<br />

Família e hipocrisia social<br />

Conclusões<br />

Bibliografia


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 2<br />

<strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong><br />

Títulos Universitários<br />

Guita Grin Debert<br />

Guita Grin Debert e Júlio Assis Simões<br />

Doutora em Ciência Política pela USP, Livre-Docente e Professora<br />

Titular do Departamento <strong>de</strong> Antropologia da UNICAMP.<br />

Júlio Assis Simões<br />

Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, Professor do<br />

Departamento <strong>de</strong> Antropologia da USP.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 3<br />

<strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong><br />

Introdução<br />

Guita Grin Debert e Júlio Assis Simões<br />

Tratar do idoso e da <strong>família</strong> é atravessar o fogo cruzado <strong>de</strong><br />

visões ambivalentes e contraditórias sobre o que é envelhecimento<br />

a<strong>de</strong>quado e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> <strong>velhice</strong>. A tendência dos enfoques<br />

baseados <strong>na</strong> reflexão sobre a condição dos velhos é consi<strong>de</strong>rar que a<br />

troca e a ajuda mútua no interior da <strong>família</strong> nuclear garantiram, ao<br />

longo da história, a sobrevivência e o bem-estar dos idosos e que,<br />

portanto, é dos seus filhos que todos esperam cuidados e amparo <strong>na</strong><br />

<strong>velhice</strong>. Em contrapartida a essa visão, boa parte das investigações e<br />

discussões sobre a <strong>família</strong> <strong>na</strong>s ciências sociais, contemporaneamente,<br />

questio<strong>na</strong> o modo pelo qual a <strong>família</strong> nuclear é tratada no senso<br />

comum e em certas teorias sociais; particularmente a tendência <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rá-la uma instituição <strong>na</strong>tural, universal e imutável.<br />

Esse <strong>de</strong>bate fica ainda mais acirrado quando as análises se<br />

voltam para as políticas públicas que têm como público alvo a<br />

<strong>família</strong> ou para os mecanismos legais <strong>de</strong> tipificação <strong>de</strong> parentesco e<br />

casamento. É à <strong>família</strong> nuclear que o instrumental jurídico brasileiro<br />

se atém, ao estabelecer, <strong>na</strong> Constituição, que os filhos maiores têm o<br />

<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ajudar e amparar os pais <strong>na</strong> <strong>velhice</strong> e que os programas <strong>de</strong><br />

apoio aos idosos <strong>de</strong>vem se dar, preferencialmente, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus<br />

domicílios. Os formuladores das políticas nessas áreas parecem não<br />

se dar conta das configurações que a <strong>família</strong> assume, das elevadas<br />

taxas <strong>de</strong> divórcio, dos recasamentos, da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />

coabitação e <strong>de</strong> tantos outros dados que apontam a fragilida<strong>de</strong> do<br />

mo<strong>de</strong>lo da <strong>família</strong> nuclear e a heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> posições que o


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 4<br />

idoso po<strong>de</strong> ocupar em cada um <strong>de</strong>sses casos. Ao mesmo tempo, os<br />

formuladores <strong>de</strong> políticas parecem fazer ouvidos moucos aos<br />

<strong>de</strong>safios do envelhecimento populacio<strong>na</strong>l, o número crescente <strong>de</strong><br />

idosos <strong>na</strong> população acompanhado da redução das taxas <strong>de</strong><br />

fecundida<strong>de</strong>. Esses dados tor<strong>na</strong>m cada vez mais evi<strong>de</strong>nte que ter<br />

filhos e netos ten<strong>de</strong>rá a ser característica <strong>de</strong> um número<br />

crescentemente limitado <strong>de</strong> cidadãos. Esses dados indicam, também,<br />

que a paternida<strong>de</strong> legal não correspon<strong>de</strong> necessariamente às relações<br />

<strong>de</strong> afeto, cuidado e conflito envolvidas <strong>na</strong> coabitação. Somado às<br />

novas tecnologias reprodutivas, o processo <strong>de</strong> transformação por que<br />

passa a <strong>família</strong> é <strong>de</strong> tal monta que esta, num futuro muito próximo,<br />

po<strong>de</strong>rá conter estruturas relacio<strong>na</strong>is inimagináveis. Como sugere<br />

com humor Goldani (2004:224), os filhos in vitro, por exemplo,<br />

po<strong>de</strong>m ter até cinco pais, não contando mudanças <strong>de</strong> possíveis novos<br />

casamentos: uma mãe doadora, uma mãe <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimento, uma mãe<br />

social (responsável pela criação da criança), um pai doador e um pai<br />

social.<br />

O primeiro passo neste trabalho, portanto, é rever dois mitos<br />

que se reforçam mutuamente e emperram a reflexão sobre <strong>família</strong> e<br />

envelhecimento: <strong>de</strong> um lado, a suposta universalida<strong>de</strong>, <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> e<br />

imutabilida<strong>de</strong> da <strong>família</strong> nuclear; <strong>de</strong> outro, o mito da <strong>família</strong> extensa<br />

que correspon<strong>de</strong>ria a uma “Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro”, em que a <strong>velhice</strong> era<br />

supostamente vivida sem queixas e sofrimentos, sob os cuidados,<br />

respeito e consi<strong>de</strong>ração providos <strong>na</strong>s unida<strong>de</strong>s domésticas<br />

multigeracio<strong>na</strong>is.<br />

Em seguida, apresentamos dados sobre a <strong>família</strong> brasileira<br />

<strong>contemporânea</strong>, à luz das informações sobre a varieda<strong>de</strong> dos arranjos<br />

resi<strong>de</strong>nciais envolvendo idosos, dando ênfase às conclusões<br />

extraídas do resultado <strong>de</strong> pesquisas quantitativas, particularmente do<br />

rico material levantado no IPEA (Camarano, 2004).


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 5<br />

O terceiro item tratará da diversida<strong>de</strong> das <strong>família</strong>s e das<br />

mudanças pelas quais elas passam ao longo do curso da vida<br />

familiar. As pesquisas qualitativas sobre idoso e <strong>família</strong> são em<br />

número diminuto, mas o trabalho <strong>de</strong> Hareven (1986; 1999) oferece<br />

elementos interessantes sobre como esse tipo <strong>de</strong> pesquisa po<strong>de</strong> ter<br />

um amplo rendimento intelectual – particularmente quando a análise<br />

sociológica das <strong>família</strong>s estudadas é feita com rigor, levando em<br />

conta os processos políticos, sociais e econômicos que caracterizam<br />

momentos históricos, bem como as conjunturas específicas que<br />

marcam o curso da vida familiar.<br />

Na conclusão, retomamos a questão das políticas públicas<br />

voltadas para a <strong>velhice</strong>, salientando que no novo papel atribuído à<br />

<strong>família</strong> está presente uma hipocrisia social. Não ape<strong>na</strong>s porque se<br />

<strong>de</strong>sconhecem as diferentes formas <strong>de</strong> <strong>família</strong> e unida<strong>de</strong>s domésticas,<br />

ou porque não se avalia a<strong>de</strong>quadamente o impacto do<br />

envelhecimento populacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> configuração das <strong>família</strong>s. A<br />

hipocrisia social resi<strong>de</strong> também <strong>na</strong> visão a<strong>na</strong>crônica <strong>de</strong> que a <strong>família</strong><br />

é “o refúgio num mundo sem coração” e que é <strong>de</strong>sejo dos velhos<br />

viverem <strong>na</strong> casa dos filhos e por eles serem cuidados até o fim da<br />

vida. Essa visão impe<strong>de</strong> a emergência <strong>de</strong> outras formas criativas <strong>de</strong><br />

dar dignida<strong>de</strong> às etapas mais avançadas do curso da vida.<br />

Revendo mitos<br />

O mito da universalida<strong>de</strong>, <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> e imutabilida<strong>de</strong> da<br />

<strong>família</strong> nuclear<br />

A <strong>família</strong> nuclear – unida<strong>de</strong> constituída pelo par heterossexual<br />

e seus filhos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes – ten<strong>de</strong> a ser tratada como o mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>na</strong>tural e universal <strong>de</strong> agrupamento humano. A legitimação <strong>de</strong>ste


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 6<br />

mo<strong>de</strong>lo, em que o marido é tido como o provedor do lar e a esposa<br />

se encarrega em tempo integral do cuidado dos filhos e do marido, é<br />

feita pela alegação <strong>de</strong> que ele respon<strong>de</strong>ria a imperativos biológicos e<br />

<strong>de</strong>sempenharia papéis fundamentais para a sobrevivência da espécie<br />

huma<strong>na</strong>, como a regulação da sexualida<strong>de</strong>, a reprodução, a<br />

socialização das crianças, a divisão <strong>de</strong> trabalho e a cooperação entre<br />

os sexos.<br />

É essa tese, <strong>de</strong> cunho biológico, que estudos antropológicos,<br />

históricos e sociológicos sobre a <strong>família</strong>, com a importante<br />

contribuição das teorias feministas, se empenham em rever.<br />

Preocupadas em <strong>de</strong>screver a diversida<strong>de</strong> das formas <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong>s e culturas, as pesquisas antropológicas indicam que a<br />

<strong>família</strong> <strong>de</strong> tipo nuclear po<strong>de</strong> ser encontrada em socieda<strong>de</strong>s muito<br />

diferentes do ponto <strong>de</strong> vista das formas <strong>de</strong> organização social,<br />

econômica e política. Mas é sobretudo a existência <strong>de</strong> sistemas muito<br />

complexos <strong>de</strong> parentesco e <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s domésticas<br />

que revelam a plasticida<strong>de</strong> das formas culturais e das práticas sociais<br />

acio<strong>na</strong>das <strong>na</strong> regulação da sexualida<strong>de</strong>, <strong>na</strong> reprodução, <strong>na</strong><br />

socialização das crianças e <strong>na</strong> cooperação econômica entre os sexos. ∗<br />

Os estudos históricos mostram que a <strong>família</strong> nuclear é uma<br />

invenção relativamente recente <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais. A obra<br />

clássica <strong>de</strong> Engels (1995), sobre a historicida<strong>de</strong> da <strong>família</strong> nuclear e<br />

monogâmica, <strong>na</strong> sua relação com o capitalismo, foi completada por<br />

historiadores empenhados em sofisticar as análises sobre as<br />

mudanças <strong>na</strong>s formas <strong>de</strong> <strong>família</strong>. Ariès (1981; 1991) mostrou que a<br />

sensibilida<strong>de</strong> em relação à <strong>família</strong> nuclear só ganha a configuração<br />

que conhecemos no século XIX, momento em que o trabalho, o lazer<br />

e o convívio com a <strong>família</strong> se apresentam como ativida<strong>de</strong>s separadas<br />

∗ Para uma visão das reflexões antropológicas clássicas sobre parentesco, bem como das análises comparadas<br />

<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> parentesco, domicílios e formas <strong>de</strong> <strong>família</strong> em diferentes contextos, po<strong>de</strong>-se consultar Goody,<br />

1974. Para uma discussão instigante sobre parentesco contemporâneo, problematizando a relação <strong>na</strong>turezacultura,<br />

ver Strathern, 1992.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 7<br />

em compartimentos estanques. Focalizando a transformação dos<br />

afetos e sentimentos, Ariès <strong>de</strong>screve um processo <strong>de</strong> longa duração<br />

que leva à separação <strong>de</strong> duas esferas, o público e o privado, e à<br />

emergência do indivíduo como valor próprio dos i<strong>de</strong>ais da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong>. Nesse processo, a própria<br />

noção mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>de</strong> “infância” é construída, <strong>na</strong> medida em que a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educar a criança e preparar seu futuro faz com que os<br />

pais se afastem das antigas sociabilida<strong>de</strong>s da vizinhança e do<br />

parentesco extenso para se concentrar <strong>na</strong> privacida<strong>de</strong> do lar e <strong>de</strong> seu<br />

novo complemento, a escola. ∗<br />

Na mesma linha <strong>de</strong> crítica à <strong>na</strong>turalização e universalização da<br />

<strong>família</strong> nuclear está a obra clássica <strong>de</strong> Parsons (1955), que marcou a<br />

sociologia sobre o tema até a década <strong>de</strong> 1970. Para Parsons, a<br />

“<strong>família</strong> nuclear isolada” é uma resposta à necessida<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento industrial, posto ter permitido à <strong>família</strong> adquirir e<br />

conquistar mobilida<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pendência em relação ao grupo <strong>de</strong><br />

parentesco mais amplo. A <strong>família</strong> nuclear assegurava também que,<br />

num mundo impessoal, adultos e crianças tivessem um núcleo<br />

afetivo limitado e estável. Sendo as ativida<strong>de</strong>s produtivas realizadas<br />

fora do espaço doméstico, a <strong>família</strong> passou a <strong>de</strong>sempenhar a função<br />

<strong>de</strong> socializar as crianças, cabendo às mães o <strong>de</strong>sempenho das<br />

funções expressivas e as ativida<strong>de</strong>s sócio-emocio<strong>na</strong>is, e aos pais, as<br />

funções instrumentais que conectariam a <strong>família</strong> às outras<br />

instituições do mundo público.<br />

A ênfase <strong>na</strong> funcio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da <strong>família</strong> teve como contrapartida<br />

a visão <strong>de</strong> que ela seria, <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s urbanizadas e<br />

industrializadas, inevitável como esfera do cuidado e do amor. A<br />

<strong>família</strong> como “um refúgio num mundo sem coração” é a expressão<br />

que serve <strong>de</strong> título ao livro <strong>de</strong> Lasch (1991), que lamenta a perda <strong>de</strong><br />

∗<br />

Para uma avaliação da contribuição <strong>de</strong> várias correntes da história social para o estudo da <strong>família</strong>, ver<br />

Fonseca, 1989.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 8<br />

autorida<strong>de</strong> dos pais, bombar<strong>de</strong>ada <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>contemporânea</strong> pelo<br />

saber técnico dos psicólogos, educadores, assistentes sociais e outros<br />

especialistas. Lasch apresenta a crise <strong>contemporânea</strong> da vida familiar<br />

como resultado da ingerência e do controle <strong>de</strong> um mundo público<br />

cada vez mais ameaçador, que acaba por submeter os indivíduos a<br />

formas novas e mais constrangedoras <strong>de</strong> domi<strong>na</strong>ção, enfraquecendo<br />

sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência. Sua crítica, porém, aposta justamente<br />

<strong>na</strong> <strong>de</strong>fesa e <strong>na</strong> preservação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> núcleo familiar, como<br />

unida<strong>de</strong> solidária do par conjugal e seus filhos.<br />

Foram as teorias feministas que levaram mais a fundo a crítica<br />

à visão i<strong>de</strong>alizada da <strong>família</strong> nuclear. Essas teorias mostraram com<br />

muito rigor o modo como a linguagem funcio<strong>na</strong>lista, com sua ênfase<br />

<strong>na</strong> complementarida<strong>de</strong> dos papéis sociais, obscurece as formas <strong>de</strong><br />

domi<strong>na</strong>ção e <strong>de</strong> reprodução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero e geração<br />

que marcam a experiência familiar e encobre os conflitos envolvidos<br />

<strong>na</strong> distribuição, entre seus membros, <strong>de</strong> recursos sempre limitados.<br />

As teorias <strong>de</strong> gênero mostraram com clareza que a noção <strong>de</strong> <strong>família</strong><br />

tem um peso político e é carregada <strong>de</strong> valores i<strong>de</strong>ológicos que<br />

prescrevem maneiras moralmente corretas <strong>de</strong> conduzir a vida e as<br />

formas a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> estabelecer trocas, cuidados e outras relações<br />

entre os seres humanos. ∗<br />

Vistas em conjunto, essas contribuições críticas das ciências<br />

sociais e históricas para o estudo da <strong>família</strong> constroem uma<br />

abordagem sensível à “economia política” das relações<br />

intergeracio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> <strong>família</strong>. Essa abordagem não toma a<br />

solidarieda<strong>de</strong> entre pais e filhos como dada; mas como algo que se<br />

constrói por meio do reconhecimento das diferenças <strong>de</strong> geração e<br />

gênero e <strong>de</strong> suas conseqüências (Walker, 1993; Goldani, 2004). Essa<br />

abordagem também insiste <strong>na</strong> importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a interação<br />

∗ Importantes reflexões feministas sobre gênero e <strong>família</strong> po<strong>de</strong>m ser encontradas em Rubin, 1975; Pateman,<br />

1988; Strathern, 1995; Butler, 2003; Haraway, 2004.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 9<br />

entre público e privado, mostrando como as políticas sociais afetam<br />

as relações familiares. É um instrumental crítico extremamente<br />

valioso para compreen<strong>de</strong>r as condições em que a i<strong>de</strong>ologia da<br />

<strong>família</strong>, como espaço <strong>de</strong> paz, harmonia, proteção e cuidado, tem sido<br />

renovada recentemente, nos contextos em que se propõe a redução<br />

dos gastos públicos e se <strong>de</strong>clara a ineficiência das políticas públicas<br />

voltadas para a <strong>velhice</strong>.<br />

O mito da “Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro” da <strong>velhice</strong><br />

Até muito recentemente, tratar da <strong>velhice</strong> <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s<br />

industrializadas era traçar um quadro dramático da perda <strong>de</strong> status<br />

dos velhos. Os processos <strong>de</strong> industrialização e urbanização e a<br />

correspon<strong>de</strong>nte nuclearização da <strong>família</strong> teriam <strong>de</strong>struído a<br />

segurança econômica e as relações estreitas que vigoravam entre as<br />

gerações <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s tradicio<strong>na</strong>is. Neste novo contexto, os idosos<br />

se transformariam em um peso para a <strong>família</strong> e para o Estado, em<br />

oposição à situação anterior em que eles, dada sua sabedoria e<br />

experiência, eram membros respeitados <strong>na</strong> <strong>família</strong> e <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.<br />

O empobrecimento e os preconceitos marcariam a <strong>velhice</strong> <strong>na</strong>s<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s, que abando<strong>na</strong>riam os velhos a uma existência<br />

sem significado.<br />

Essa concepção <strong>de</strong> <strong>velhice</strong> funda a gerontologia e prevalece no<br />

senso comum, que ten<strong>de</strong> a romantizar o passado como momento<br />

privilegiado para as relações <strong>de</strong> harmonia e solidarieda<strong>de</strong>. ∗ Novas<br />

pesquisas, porém, levaram a uma revisão <strong>de</strong>ssa concepção. Hoje há<br />

um acordo entre os historiadores consi<strong>de</strong>rando-se que, dada a<br />

precarieda<strong>de</strong> dos dados disponíveis, é muito limitado o<br />

conhecimento que se po<strong>de</strong> obter da situação dos velhos em períodos<br />

∗<br />

Para análises do discurso gerontológico oci<strong>de</strong>ntal e sua transposição para os países “em <strong>de</strong>senvolvimento”,<br />

ver Cohen, 1994; Debert, 1999, cap.5.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 10<br />

históricos distantes ou mesmo em épocas relativamente próximas,<br />

<strong>de</strong> modo que a idéia <strong>de</strong> uma “Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro” não se sustenta.<br />

Thompson (1991), por exemplo, com base no levantamento <strong>de</strong><br />

histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> idosos <strong>na</strong> Inglaterra, compôs um quadro das<br />

relações familiares, <strong>de</strong> meados do século XIX até o presente, em que<br />

se percebe a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mesmo padrão ao longo do período<br />

tratado. Segundo esse quadro, as relações entre avós e netos são<br />

muito semelhantes, e os filhos são ainda a principal fonte <strong>de</strong> apoio<br />

esperada, em momentos <strong>de</strong> crise. Da mesma forma, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />

autonomia representado pela recusa dos pais idosos em morar com<br />

os filhos, quando gozam <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pendência fi<strong>na</strong>nceira,<br />

parece vigorar há mais tempo do que em geral se imagi<strong>na</strong>.<br />

A i<strong>de</strong>alização das formas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s<br />

indíge<strong>na</strong>s <strong>de</strong> peque<strong>na</strong> escala, por sua vez, é contestada pelas<br />

etnografias. Os antropólogos mostram que nessas socieda<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong><br />

as relações <strong>de</strong> convivência perduram por toda a vida ou durante<br />

períodos bem longos (long life social are<strong>na</strong>s, segundo Moore, 1978),<br />

a solidão não é um aspecto da experiência <strong>de</strong> envelhecimento, pois o<br />

isolamento do idoso é virtualmente impossível. Cada indivíduo é<br />

testemunha dos fracassos e sucessos que os outros obtiveram ao<br />

longo da existência. Assim, não se po<strong>de</strong> afirmar que envelhecer<br />

nessas socieda<strong>de</strong>s seja uma experiência necessariamente feliz, já que<br />

as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> obter respeito e afeto <strong>de</strong> parentes e vizinhos <strong>na</strong><br />

<strong>velhice</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, em gran<strong>de</strong> parte, das posições <strong>de</strong> prestígio e <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r ocupadas pela pessoa durante a vida. Em contrapartida,<br />

tampouco se po<strong>de</strong> sustentar que processos <strong>de</strong> mudança nessas<br />

socieda<strong>de</strong>s levem necessariamente à perda <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r das<br />

gerações mais velhas. Políticas coloniais, como as <strong>de</strong>senvolvidas<br />

pelos britânicos <strong>na</strong> África, muitas vezes consistiram em reforçar<br />

<strong>de</strong>liberadamente o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cli<strong>na</strong>nte <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças idosas (Laitin,


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 11<br />

1977). Movimentos recentes <strong>de</strong> revivescência cultural, que<br />

renovam a importância política das tradições coletivas, também<br />

po<strong>de</strong>m ter o efeito <strong>de</strong> reverter a balança <strong>de</strong> prestígio em favor dos<br />

mais velhos (Amoss, 1981).<br />

A correlação negativa entre mo<strong>de</strong>rnização e <strong>velhice</strong> po<strong>de</strong> ser<br />

reavaliada a partir dos estudos comparativos sobre renda e grupos<br />

etários. Esses estudos questio<strong>na</strong>m a idéia <strong>de</strong> que a pauperização<br />

caracteriza o envelhecimento <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais<br />

<strong>contemporânea</strong>s. Especialmente nos momentos em que o<br />

<strong>de</strong>semprego ou o subemprego atinge proporções alarmantes, a<br />

universalização das aposentadorias e da pensão <strong>na</strong> <strong>velhice</strong> é capaz <strong>de</strong><br />

assegurar aos idosos um rendimento regular, mesmo que <strong>de</strong> valor<br />

reduzido, o que repercute não só em sua condição <strong>de</strong> vida, mas<br />

também <strong>na</strong> <strong>de</strong> suas <strong>família</strong>s. ∗ Como veremos adiante, isso é o que se<br />

passa no Brasil.<br />

<strong>Envelhecimento</strong> e arranjos familiares<br />

A correlação negativa entre mo<strong>de</strong>rnização e <strong>velhice</strong> é revista<br />

também nos estudos preocupados em i<strong>de</strong>ntificar os arranjos <strong>de</strong><br />

moradias e os tipos <strong>de</strong> relações que os idosos mantêm com os filhos<br />

nos contextos urbanos contemporâneos. Esses estudos assi<strong>na</strong>lam que<br />

a solidarieda<strong>de</strong> entre as gerações <strong>na</strong> <strong>família</strong>, longe <strong>de</strong> ser dada,<br />

envolve um processo dinâmico <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />

relacio<strong>na</strong>mento e trocas instrumentais e afetivas.<br />

Pesquisa comparativa feita <strong>na</strong> Inglaterra, <strong>na</strong> Di<strong>na</strong>marca e nos<br />

∗ O trabalho <strong>de</strong> Mackain (1972) sobre a antiga União Soviética mostra que os fundos <strong>de</strong> pensão transformaram<br />

os idosos em membros valorizados e prestigiados <strong>na</strong>s unida<strong>de</strong>s domésticas. Isso também teria ocorrido durante<br />

a <strong>de</strong>pressão nos Estados Unidos. Keith (1980), baseando-se nesses dados, observou que a análise <strong>de</strong> políticas<br />

públicas, em conjunturas específicas, mostra que a relação dos velhos com a mo<strong>de</strong>rnização é antes curvilinear:<br />

há um <strong>de</strong>clínio no status associado à mo<strong>de</strong>rnização que po<strong>de</strong> ser revertido, posteriormente, <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s<br />

mais ricas. Para outros dados sobre a importância <strong>contemporânea</strong> do rendimento dos idosos (especialmente<br />

provenientes <strong>de</strong> aposentadorias e pensões) para seus familiares e para o <strong>de</strong>senvolvimento social, em diversos<br />

países e contextos, ver Camarano et alii, 2004.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 12<br />

Estados Unidos, ainda no fi<strong>na</strong>l dos anos 1960 (Sha<strong>na</strong>s et alii,<br />

1968), concluiu que embora os idosos experimentassem uma retração<br />

nos seus contatos públicos, suas relações com os filhos adultos pouco<br />

se modificavam. Uma proporção expressiva dos idosos entrevistados<br />

vivia com pelo menos um dos filhos, ou residia próximo <strong>de</strong>les,<br />

visitando-os com freqüência. ∗ Pesquisas mais recentes mostram que,<br />

nos Estados Unidos e <strong>na</strong> Europa, a tendência é que os idosos passem<br />

a morar em unida<strong>de</strong>s domésticas separadas das dos filhos, embora<br />

isso seja menos evi<strong>de</strong>nte <strong>na</strong> Europa Meridio<strong>na</strong>l e Oriental (Wall<br />

1989).<br />

Outros estudos sugerem que a tendência <strong>de</strong> idosos morarem sós<br />

não tem <strong>de</strong> ser, necessariamente, percebida como reflexo <strong>de</strong> um<br />

abandono por parte <strong>de</strong> seus familiares. Isso po<strong>de</strong> significar um novo<br />

tipo <strong>de</strong> arranjo, a “intimida<strong>de</strong> à distância” (Rosenmayr e Koeckeis,<br />

1963), facilitado pelo aumento da mobilida<strong>de</strong> e pelo aperfeiçoamento<br />

das formas <strong>de</strong> comunicação, em que a troca e a assistência ocorrem<br />

<strong>de</strong> maneira intensa (Cohler, 1983). Em pesquisas recentes feitas em<br />

países on<strong>de</strong> a co-residência está em <strong>de</strong>clínio, como Alemanha,<br />

Ca<strong>na</strong>dá, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, gran<strong>de</strong> parte dos<br />

idosos <strong>de</strong>clarou receber dos filhos diversos tipos <strong>de</strong> ajuda, em casos<br />

<strong>de</strong> doença, para transporte ou <strong>na</strong> realização <strong>de</strong> tarefas domésticas<br />

(Grundy, 2001). ∗∗ A “intimida<strong>de</strong> à distância” não impe<strong>de</strong> que as<br />

relações familiares sejam fundamentais <strong>na</strong> assistência ao idoso e <strong>na</strong>s<br />

expectativas em relação ao processo <strong>de</strong> envelhecimento ∗∗∗ .<br />

∗ Moravam com os filhos 20% dos idosos pesquisados <strong>na</strong> Di<strong>na</strong>marca, 28% nos Estados Unidos e 42% <strong>na</strong><br />

Inglaterra. Entre os que não moravam com os filhos, 40% <strong>na</strong> Inglaterra, 49% nos Estados Unidos e 55% <strong>na</strong><br />

Di<strong>na</strong>marca residiam a uma distância <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> trinta minutos da casa <strong>de</strong>les. Cerca <strong>de</strong> 2/3 dos idosos diziam<br />

ter visto os filhos no dia em que foram entrevistados ou no dia anterior, e 1/5 <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> anterior (Sha<strong>na</strong>s et<br />

alii, 1968).<br />

∗∗ Resumindo esses dados, Camarano et alii (2004) observam que em casos <strong>de</strong> doença, idosos <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 65<br />

anos reportaram receber ajuda dos filhos em proporções que variam <strong>de</strong> 69% nos Estados Unidos até 90% no<br />

Japão. Na Alemanha, 90% dos idosos <strong>de</strong>clararam receber algum tipo <strong>de</strong> ajuda dos filhos: 87% quando estão<br />

doentes; 60% para a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s domésticas; 72% com transporte; e ape<strong>na</strong>s 24% com dinheiro.<br />

∗∗∗ Arber e Gilbert (1989), a<strong>na</strong>lisando os dados do General Household Survey <strong>de</strong> 1980, mostram que <strong>na</strong><br />

Inglaterra ainda eram os filhos os maiores provedores <strong>de</strong> assistência aos pais idosos, quando estes moram sós.<br />

O trabalho <strong>de</strong> Stubs (1989), sobre a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> inquilinos <strong>de</strong> setores médios da população <strong>de</strong> comprar o imóvel<br />

que alugavam em Sun<strong>de</strong>rland (Inglaterra), nos anos 1970 e 1980, associa esta <strong>de</strong>cisão ao processo <strong>de</strong>


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 13<br />

Em outra direção caminha uma série <strong>de</strong> estudos que ten<strong>de</strong>m a<br />

dissolver a idéia <strong>de</strong> que o bem-estar <strong>na</strong> <strong>velhice</strong> estaria ligado à<br />

intensida<strong>de</strong> das relações familiares ou ao convívio intergeracio<strong>na</strong>l.<br />

Mais do que a convivência num espaço heterogêneo, do ponto <strong>de</strong><br />

vista da ida<strong>de</strong> cronológica, é a segregação espacial dos idosos que<br />

permite a ampliação <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais, o aumento do<br />

número <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas e a satisfação <strong>na</strong> <strong>velhice</strong>. É essa,<br />

em geral, a conclusão a que chegam os estudos sobre idosos vivendo<br />

em conjuntos resi<strong>de</strong>nciais segregados ou em condomínios fechados<br />

com serviços e outras facilida<strong>de</strong>s ou, ainda, em hotéis ou congregate<br />

housings. Os títulos das obras sobre o tema, que envolvem tanto<br />

pesquisas quantitativas quanto qualitativas com entrevistas em<br />

profundida<strong>de</strong> e observação participante, <strong>de</strong>ixam claro o que o<br />

conjunto <strong>de</strong> dados levantados revela: The unexpected community: old<br />

people, new lifes; Retirement communities; Networks as adaptation;<br />

Living together; If I live to be 100... Novas comunida<strong>de</strong>s são criadas,<br />

papéis sociais anteriormente perdidos são reencontrados, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> trocas e <strong>de</strong> afeto são <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong> maneira<br />

intensa e gratificante, promovendo uma experiência <strong>de</strong><br />

envelhecimento positiva, mesmo para aqueles cujos vínculos com<br />

filhos e parentes são tênues. As diferenças <strong>de</strong> gênero são apagadas<br />

ou, quando mantidas, ganham outros significados. Relações<br />

interétnicas tor<strong>na</strong>m-se mais harmônicas, uns ajudam aos outros <strong>de</strong><br />

modo que a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> cada um possa ser mantida e a<br />

institucio<strong>na</strong>lização evitada. ∗ Enfim, a segregação espacial do idoso é,<br />

envelhecimento. Os compradores eram, sobretudo, aqueles que estavam próximos da aposentadoria e a<br />

aquisição da casa estava diretamente relacio<strong>na</strong>da à preocupação em assegurar a continuida<strong>de</strong> da vida familiar.<br />

A casa própria era a forma <strong>de</strong> garantir uma vida familiar privada e autônoma e talvez um campo para uma<br />

reciprocida<strong>de</strong> futura com os filhos (“em troca dos cuidados que vocês terão conosco <strong>na</strong> <strong>velhice</strong>, herdarão uma<br />

proprieda<strong>de</strong>”).<br />

∗ O trabalho <strong>de</strong> Jacob (1975) é uma exceção <strong>na</strong> imagem positiva dada pelas pesquisas em sociologia e<br />

antropologia sobre a segregação espacial dos idosos. Seu trabalho <strong>de</strong> cunho antropológico mostra os idosos<br />

como apáticos, passivos e solitários; o conjunto habitacio<strong>na</strong>l por ela estudado é etnicamente diverso e ela<br />

chama a atenção para as animosida<strong>de</strong>s entre negros e brancos e para o mal-estar dos resi<strong>de</strong>ntes sadios para<br />

com os doentes e aqueles que têm limitações físicas.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 14<br />

aqui, <strong>de</strong>fendida como a solução mais a<strong>de</strong>quada a um<br />

envelhecimento bem-sucedido.<br />

Os trabalhos <strong>de</strong> cunho antropológico sobre as novas<br />

comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> idosos ajudam a redirecio<strong>na</strong>r a reflexão sobre a<br />

<strong>velhice</strong> em dois sentidos relevantes (Keith, 1980). Por um lado,<br />

permitem rever a idéia dos idosos como vítimas passivas das<br />

mudanças sociais, apontando, ao contrário, o seu papel ativo como<br />

operadores <strong>de</strong> mudanças, fazendo novos arranjos sociais. Por outro<br />

lado, esses estudos comparam as alter<strong>na</strong>tivas criadas pelos idosos<br />

com aquelas <strong>de</strong> outros grupos que também respon<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> forma<br />

inovadora aos <strong>de</strong>safios colocados pela experiência <strong>contemporânea</strong>.<br />

Os motivos que conduzem à criação das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> idosos são<br />

os mesmos que levam à formação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros grupos<br />

em diferentes faixas etárias – como o <strong>de</strong>sejo por homogeneida<strong>de</strong> e<br />

inter<strong>de</strong>pendência em face à ameaça exterior. Se, no caso dos idosos,<br />

é a ida<strong>de</strong> cronológica que estabelece um elo entre os resi<strong>de</strong>ntes, ela<br />

passa a ser irrelevante para <strong>de</strong>finir o status da pessoa <strong>na</strong> experiência<br />

comunitária. As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s recicladas e criadas no interior <strong>de</strong>ssas<br />

comunida<strong>de</strong>s são uma forma ativa <strong>de</strong> rejeição a um conjunto <strong>de</strong><br />

valores que acabam por colocar certos setores nos <strong>de</strong>graus mais<br />

baixos da hierarquia social. Esses estudos alertam, ainda, para o fato<br />

<strong>de</strong> que a <strong>família</strong> não é a<strong>de</strong>quada enquanto mundo social total para os<br />

idosos nem para qualquer um <strong>de</strong>pois da infância. As novas formas <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> <strong>na</strong> <strong>velhice</strong> não <strong>de</strong>veriam, assim, ser pensadas como<br />

substitutas das relações familiares, mas como esferas distintas <strong>de</strong><br />

relações.<br />

Além disso, o fato <strong>de</strong> os idosos viverem com os filhos não é<br />

garantia da presença <strong>de</strong> respeito e prestígio nem da ausência <strong>de</strong> maus<br />

tratos. As <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violência física contra idosos aparecem nos<br />

casos em que diferentes gerações convivem <strong>na</strong> mesma unida<strong>de</strong>


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 15<br />

doméstica. Assim, a persistência <strong>de</strong> moradias multigeracio<strong>na</strong>is não<br />

po<strong>de</strong> ser vista necessariamente como garantia <strong>de</strong> uma <strong>velhice</strong> bem-<br />

sucedida. Morar junto não é índice <strong>de</strong> relações mais amistosas entre<br />

os idosos e seus filhos (Evandrou e Victor, 1989; Debert, 2001).<br />

A dificulda<strong>de</strong> central dos trabalhos que procuram avaliar o<br />

bem-estar <strong>na</strong> <strong>velhice</strong> está, sem dúvida, <strong>na</strong> ausência <strong>de</strong> medidores<br />

eficazes e <strong>de</strong>finitivos sobre a qualida<strong>de</strong> das relações entre gerações<br />

<strong>na</strong> <strong>família</strong>, ou sobre os significados da integração ou da segregação<br />

espacial. A <strong>velhice</strong> é, assim, retratada <strong>de</strong> maneira distinta em função<br />

do tipo <strong>de</strong> interação focalizada. Pensar <strong>na</strong> relação entre o idoso e a<br />

<strong>família</strong> é ora fazer um retrato trágico da experiência <strong>de</strong><br />

envelhecimento, ora minimizar o impacto das transformações<br />

ocorridas <strong>na</strong>s relações familiares. Pensar <strong>na</strong> interação entre idosos é,<br />

pelo contrário, traçar um quadro em que um conjunto <strong>de</strong> mudanças e<br />

a criativida<strong>de</strong> grupal seriam capazes <strong>de</strong> minimizar ou mesmo negar<br />

os inconvenientes trazidos pelo avanço da ida<strong>de</strong>.<br />

<strong>Envelhecimento</strong> e arranjos familiares no Brasil<br />

As pesquisas <strong>de</strong>mográficas mostram crescente diversida<strong>de</strong> e<br />

flui<strong>de</strong>z nos arranjos familiares brasileiros, evocando um cenário bem<br />

mais complexo do que a suposta passagem do mo<strong>de</strong>lo “patriarcal”<br />

(Corrêa, 1994), associado à convivência <strong>de</strong> muitos parentes e um<br />

sistema hierárquico rígido <strong>de</strong> valores e posições <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, para<br />

o mo<strong>de</strong>lo “mo<strong>de</strong>rno”, formado pelo casal heterossexual e seus filhos,<br />

on<strong>de</strong> a criança ocuparia lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque.<br />

Os diferentes tipos <strong>de</strong> <strong>família</strong>s em torno dos quais se organiza a<br />

maioria dos domicílios brasileiros ten<strong>de</strong>m a abarcar um complexo <strong>de</strong><br />

relações <strong>de</strong> parentes e não-parentes gerado por casamentos, divórcios<br />

e recasamentos. Entre as <strong>família</strong>s com filhos, predomi<strong>na</strong>m os


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 16<br />

arranjos nucleares biparentais, mas a instabilida<strong>de</strong> das relações<br />

afetivas e o número crescente <strong>de</strong> mulheres solteiras com filhos fazem<br />

com que se verifique um número cada vez maior <strong>de</strong> crianças vivendo<br />

em <strong>família</strong>s monoparentais, em sua maioria chefiadas por mulheres<br />

que ingressaram no mercado <strong>de</strong> trabalho e acumulam papéis <strong>de</strong><br />

provedoras e cuidadoras ∗ . Além disso, embora os domicílios<br />

brasileiros se organizem <strong>na</strong> maior parte como “<strong>família</strong>s”, é<br />

expressivo o crescimento dos arranjos “não-familiares” ∗∗ compostos<br />

por grupos sem relações <strong>de</strong> parentesco ou por pessoas que vivem<br />

sozinhas – homens mais jovens e solteiros e, principalmente,<br />

mulheres mais velhas e viúvas.<br />

O aumento generalizado da esperança <strong>de</strong> vida, associado ao<br />

rápido <strong>de</strong>clínio da taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong>, tem propiciado uma<br />

convivência prolongada sem prece<strong>de</strong>ntes entre diferentes gerações<br />

<strong>na</strong>s <strong>família</strong>s, assim como uma superposição <strong>de</strong> papéis associada a<br />

essa convivência. O aumento da longevida<strong>de</strong> reflete, em parte, a<br />

melhora geral <strong>na</strong>s condições <strong>de</strong> vida dos idosos, mas também<br />

implica maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que estes tenham <strong>de</strong> enfrentar<br />

incapacida<strong>de</strong>s físicas ou mentais por períodos mais longos. Isso leva<br />

a uma situação em que “nunca tantas pessoas viveram por tanto<br />

tempo e alcançaram as ida<strong>de</strong>s adultas avançadas, tendo pais e outros<br />

parentes idosos que <strong>de</strong>mandam ajuda” (Goldani, 1993:71). Ao<br />

mesmo tempo, as gerações mais jovens ten<strong>de</strong>m a passar mais tempo<br />

como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes econômicos dos pais, <strong>de</strong>vido ao prolongamento<br />

dos anos <strong>na</strong> escola e às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua inserção no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho, além da mencio<strong>na</strong>da instabilida<strong>de</strong> das relações afetivas.<br />

∗ De acordo com as Pesquisas Nacio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> Amostras por Domicílios (PNADs) <strong>de</strong> 1990 e 2001, a distribuição<br />

das <strong>família</strong>s com crianças mostra que o tipo biparental nuclear representa 67% e 63%, respectivamente, e o<br />

monoparental nuclear, 12,4% e 15,6%, respectivamente (apud Camarano, 2004).<br />

∗∗ Em 2001, cerca <strong>de</strong> 80% da população brasileira vivia em áreas urba<strong>na</strong>s. Dentre os domicílios urbanos, cerca<br />

<strong>de</strong> 86% organizavam-se segundo diferentes arranjos familiares, e os 14% restantes eram arranjos “nãofamiliares”.<br />

No período 1990-2001, os domicílios com <strong>família</strong>s aumentaram cerca <strong>de</strong> 45%, enquanto os<br />

arranjos familiares aumentaram cerca <strong>de</strong> 75%.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 17<br />

Desenha-se, assim, um cenário dramático em que, diante do<br />

predomínio <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> política social que prega o<br />

enxugamento do Estado e responsabiliza a <strong>família</strong> pelo cuidado <strong>de</strong><br />

seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, mais <strong>família</strong>s se vêem com meios reduzidos para<br />

enfrentar <strong>de</strong>mandas crescentes <strong>de</strong> apoio – não só transferência <strong>de</strong><br />

renda, mas também cuidados pessoais, suporte emocio<strong>na</strong>l e outros<br />

“recursos intangíveis” – aos seus membros mais vulneráveis, tanto<br />

jovens como velhos. Em tal cenário, a mobilização <strong>de</strong> apoios<br />

intergeracio<strong>na</strong>is informais tor<strong>na</strong>-se uma importante estratégia <strong>de</strong><br />

sobrevivência, o que po<strong>de</strong> resultar <strong>na</strong> co-residência entre idosos e<br />

seus filhos, netos e até bisnetos.<br />

Os arranjos familiares com a presença <strong>de</strong> idosos no Brasil<br />

po<strong>de</strong>m ser divididos em dois grupos (Camarano et alii, 2004): as<br />

<strong>família</strong>s <strong>de</strong> idosos, em que o idoso é chefe ou cônjuge, e as <strong>família</strong>s<br />

com idosos, em que estes são parentes do chefe ou do cônjuge. Nos<br />

últimos vinte anos, aumentou a proporção <strong>de</strong> arranjos familiares com<br />

a presença <strong>de</strong> idosos (<strong>de</strong> 21,1%, em 1980, para 24,1%, em 2000),<br />

sendo que esse crescimento se <strong>de</strong>u principalmente <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s <strong>de</strong><br />

idosos (<strong>de</strong> 17,1%, em 1980, para 20,9%, em 2000). No mesmo<br />

período, as <strong>família</strong>s com idosos diminuíram tanto em números<br />

absolutos como proporcio<strong>na</strong>lmente, fato que po<strong>de</strong> ser correlacio<strong>na</strong>do<br />

com o <strong>de</strong>clínio geral da <strong>de</strong>pendência (funcio<strong>na</strong>l ou fi<strong>na</strong>nceira) dos<br />

idosos.<br />

A composição <strong>de</strong>sses dois tipos <strong>de</strong> <strong>família</strong>s reflete algumas<br />

tendências observadas nos arranjos familiares da população<br />

brasileira como um todo. Tanto as <strong>família</strong>s <strong>de</strong> idosos quanto as<br />

<strong>família</strong>s com idosos formam estruturas domiciliares marcadas pela<br />

convivência entre gerações: mesmo <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s em que o idoso é<br />

chefe ou cônjuge, a proporção <strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ntes idosos não ultrapassa<br />

45% do total <strong>de</strong> membros. Em ambos os tipos, também se verifica


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 18<br />

um aumento <strong>na</strong> proporção <strong>de</strong> mulheres como chefe das <strong>família</strong>s.<br />

Há mais <strong>família</strong>s <strong>de</strong> idosos compostas pela mãe e seus filhos e por<br />

mulheres vivendo sozinhas. Em termos relativos, o aumento do<br />

percentual <strong>de</strong> mulheres como chefe <strong>de</strong> <strong>família</strong>s tem sido ainda mais<br />

intenso <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s com idosos, o que parece remeter à preferência<br />

culturalmente mo<strong>de</strong>lada dos idosos <strong>de</strong> morar com suas filhas.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista dos recursos materiais, nos dois tipos <strong>de</strong><br />

arranjos familiares consi<strong>de</strong>rados aumentaram as proporções <strong>de</strong><br />

beneficiários da segurida<strong>de</strong> social, bem como a contribuição dos<br />

idosos para a renda das <strong>família</strong>s e a renda média dos domicílios. Para<br />

todas essas <strong>família</strong>s, o trabalho aparece como a mais importante<br />

fonte <strong>de</strong> renda. Os idosos chefes <strong>de</strong> <strong>família</strong> são, em média, 3,6 anos<br />

mais jovens dos que não assumem essa condição, participam mais do<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho e ten<strong>de</strong>m a apresentar melhores condições <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, embora haja também um segmento consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> idosos<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre os classificados como chefes <strong>de</strong> <strong>família</strong>. ∗<br />

É interessante articular esses dados quantitativos, <strong>de</strong> alcance<br />

geral, com dados qualitativos referentes à experiência <strong>de</strong> homens<br />

aposentados, beneficiários do regime geral da previdência, que nos<br />

anos 1980 e 1990 se constituíram como um relevante ator político no<br />

país (Simões, 2000; 2004). Para esses sujeitos, a elaboração da<br />

imagem do aposentado como “provedor” foi importante no esforço<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir a representação dos mais velhos como um encargo<br />

para a <strong>família</strong> e para a socieda<strong>de</strong>. Em linhas gerais, tratava-se <strong>de</strong><br />

mostrar que muitos aposentados ainda eram arrimos <strong>de</strong> <strong>família</strong>, que a<br />

aposentadoria não os livrara da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar<br />

assegurando o sustento <strong>de</strong> suas <strong>família</strong>s. Ao contrário, muitas vezes,<br />

aumentava-lhes a responsabilida<strong>de</strong>, pois tinham <strong>de</strong> fazer frente às<br />

<strong>de</strong>spesas pessoais crescentes, ligadas principalmente ao cuidado com<br />

∗ Para mais <strong>de</strong>talhes, ver Camarano et alii, 2004.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 19<br />

a saú<strong>de</strong>, e às <strong>de</strong>spesas do lar, o que incluía com freqüência ser<br />

solidário com os apuros das gerações mais jovens.<br />

Para fazer frente a essas obrigações e responsabilida<strong>de</strong>s<br />

continuadas, era justificável, aos olhos <strong>de</strong>sses aposentados, que<br />

muitos continuassem trabalhando para complementar a renda, visto<br />

que os rendimentos auferidos com a aposentadoria eram<br />

insuficientes e “indignos”. Compreendia-se, pois, o trabalho <strong>na</strong> ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aposentadoria “por necessida<strong>de</strong>”. Não seria, entretanto,<br />

moralmente legítimo que um homem <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>votara sua vida<br />

ao trabalho, fosse obrigado a continuar trabalhando para sobreviver.<br />

Nesse aspecto, o retorno ao mercado <strong>de</strong> trabalho não seria uma<br />

solução para os problemas do aposentado. Ele <strong>de</strong>veria, ao contrário,<br />

po<strong>de</strong>r contar com uma aposentadoria dig<strong>na</strong>, como compensação justa<br />

às contribuições prestadas. “Lutar pela sobrevivência” <strong>na</strong> <strong>velhice</strong><br />

era, assim, exigir o respeito ao direito à aposentadoria.<br />

Quando esses aposentados refletiam sobre as relações com seus<br />

familiares, reconheciam haver certo caráter “transitivo” <strong>na</strong>s relações<br />

intergeracio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>ntro da <strong>família</strong>: isto é, que os filhos, ao se<br />

casarem, tendiam a <strong>de</strong>slocar seu foco primordial <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres<br />

familiares para o cônjuge e os próprios filhos. Mas o aparecimento<br />

<strong>de</strong> noras, genros e netos, apesar <strong>de</strong> eventualmente perturbador, era<br />

aceito como um fato da vida, e também como uma fonte <strong>de</strong> alegrias.<br />

Assim, a percepção da transitivida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s relações intergeracio<strong>na</strong>is<br />

era formulada menos em temos <strong>de</strong> queixa em relação a uma<br />

expectativa <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> familiar interrompida, e mais como<br />

meio para reforçar uma vez mais a centralida<strong>de</strong> do direito à<br />

aposentadoria dig<strong>na</strong>, fundamental para evitar a <strong>de</strong>pendência em<br />

relação aos filhos, a perda da estima <strong>na</strong> <strong>família</strong>, o <strong>de</strong>sprezo e a<br />

solidão. ∗ Desse ponto <strong>de</strong> vista, não seria possível, nem seria moral<br />

∗ Para mais <strong>de</strong>talhes, ver Simões, 2004.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 20<br />

esperar exclusivamente das <strong>família</strong>s o sustento <strong>de</strong> seus idosos.<br />

Faltando ao compromisso moral <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r aposentadorias dig<strong>na</strong>s,<br />

o Estado estaria colaborando para mi<strong>na</strong>r a solidarieda<strong>de</strong> entre<br />

gerações <strong>na</strong> <strong>família</strong>, forçando o aposentado, após ter sustentado a<br />

<strong>família</strong> com seu trabalho, a se manter com uma renda<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente menor e a se submeter a uma indig<strong>na</strong><br />

<strong>de</strong>pendência dos parentes mais jovens.<br />

Convém sublinhar alguns dos aspectos mais significativos dos<br />

dados quantitativos e qualitativos acima expostos. Eles mostram,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, que as pessoas <strong>de</strong> mais ida<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> suas<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s, estão também <strong>de</strong>sempenhando papéis importantes<br />

<strong>na</strong> <strong>família</strong>, <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> e <strong>na</strong> vida política do país. No que diz<br />

respeito aos arranjos familiares, os dados corroboram a relevância da<br />

co-residência <strong>de</strong> idosos e filhos como estratégia <strong>de</strong> ajuda mútua. A<br />

co-residência traz benefícios aos idosos, especialmente para os<br />

homens que po<strong>de</strong>m conservar seu papel <strong>de</strong> provedor e para as<br />

mulheres que não dispõem <strong>de</strong> nenhuma forma <strong>de</strong> renda. Parece<br />

claro, porém, que as vantagens são ainda maiores para as gerações<br />

mais novas. A renda dos idosos contribui para reduzir a precisão do<br />

trabalho infantil <strong>na</strong> subsistência familiar, especialmente entre os<br />

mais pobres, possibilitando aumentar a escolarização das crianças e<br />

dar mais atenção a suas necessida<strong>de</strong>s. ∗ É um amparo para os jovens e<br />

adultos diante das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho e<br />

outras restrições econômicas, assim como nos casos freqüentes <strong>de</strong><br />

retorno <strong>de</strong> filhos separados ou divorciados à casa dos pais,<br />

solicitando ajuda para educar seus filhos (Peixoto, 2004).<br />

As transferências <strong>de</strong> apoio familiar das gerações mais velhas<br />

para as mais novas são especialmente notáveis <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s em que o<br />

∗ Camarano et alii (2004) observaram um aumento expressivo <strong>na</strong> proporção <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> 7 a 14 anos<br />

residindo em <strong>família</strong>s com a presença <strong>de</strong> idosos que freqüentavam a escola, assim como uma redução <strong>na</strong><br />

proporção <strong>de</strong> netos que trabalham. Lloyd-Sherlock (2001), pesquisando em favelas em São Paulo, verificou<br />

que os idosos gastam mais sua renda com os outros membros da <strong>família</strong>, especialmente os netos, do que<br />

consigo próprios.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 21<br />

idoso é chefe ou cônjuge, mas também são significativas <strong>na</strong>s<br />

<strong>família</strong>s em que o idoso é parente do chefe ou cônjuge. A co-<br />

residência entre gerações está especialmente mais associada às<br />

necessida<strong>de</strong>s dos filhos jovens e adultos <strong>na</strong>s regiões mais pobres,<br />

como o Nor<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong> o intercâmbio geracio<strong>na</strong>l é também mais<br />

intenso – mas, mesmo em São Paulo, é mais freqüente os idosos<br />

prestarem ajuda fi<strong>na</strong>nceira a seus filhos do que o inverso (Saad,<br />

2004). A<strong>de</strong>mais, a renda dos idosos tem um papel significativo<br />

também <strong>na</strong> di<strong>na</strong>mização das economias locais, especialmente <strong>na</strong>s<br />

áreas rurais e microurba<strong>na</strong>s mais pobres (Delgado e Cardoso Jr.,<br />

2004).<br />

Se essas observações sobre transferências <strong>de</strong> apoio das<br />

gerações mais velhas para as mais novas ressaltam, mais uma vez, a<br />

importância do papel dos idosos <strong>na</strong> <strong>família</strong> e <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, elas<br />

mostram também como o contexto socioeconômico, particularmente<br />

<strong>de</strong>sfavorável para os mais jovens, po<strong>de</strong> ser igualmente danoso para<br />

os idosos, que “não só vêem exaurir suas principais fontes <strong>de</strong> ajuda<br />

informal, como também acabam eles mesmos por arcar com o ônus<br />

<strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>rem fonte <strong>de</strong> ajuda informal para os familiares” (Saad,<br />

2004:203). Os aposentados militantes acima citados consi<strong>de</strong>ravam<br />

que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manterem a si próprios, em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas<br />

crescentes com tratamentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e ainda continuar contribuindo<br />

para o orçamento familiar, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong>dicada ao<br />

trabalho, equivalia a uma “sobrecarga”, realçada pelos valores<br />

indignos das aposentadorias (Simões, 2004).<br />

Fica claro, portanto, que o funcio<strong>na</strong>mento do contrato<br />

intergeracio<strong>na</strong>l informal <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s brasileiras, segundo o qual os<br />

pais cuidam dos filhos e esperam ser cuidados por eles <strong>na</strong> <strong>velhice</strong>, é<br />

afetado por dificulda<strong>de</strong>s econômicas mais amplas e por <strong>de</strong>ficiências<br />

das políticas sociais e não po<strong>de</strong> ser compreendido ape<strong>na</strong>s no âmbito


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 22<br />

das preferências e características individuais ou grupais. A co-<br />

residência po<strong>de</strong> trazer benefícios múltiplos, mas não se sabe se, do<br />

ponto <strong>de</strong> vista dos idosos ou <strong>de</strong> seus filhos, esses arranjos familiares<br />

correspon<strong>de</strong>m à sua vonta<strong>de</strong> ou se resultam <strong>de</strong> uma “solidarieda<strong>de</strong><br />

imposta” (Camarano et alii, 2004:145). É bastante plausível supor<br />

que, em face <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> viverem separados, pais<br />

idosos e filhos adultos dariam priorida<strong>de</strong> à sua autonomia e<br />

satisfação pessoais, segundo o mo<strong>de</strong>lo da “intimida<strong>de</strong> à distância” <strong>de</strong><br />

que falamos anteriormente, e que está associado ao aumento do<br />

padrão <strong>de</strong> vida e à redução da <strong>de</strong>pendência dos idosos (Barros, 2001;<br />

Goldani, 2004; Motta, 2004; Peixoto, 2004). Indicadores <strong>de</strong><br />

transferências <strong>de</strong> recursos não são capazes, por si só, <strong>de</strong> avaliar a<br />

qualida<strong>de</strong> das relações entre as gerações <strong>na</strong> <strong>família</strong> e <strong>na</strong>da dizem<br />

acerca das inquietações, incertezas, insatisfações e tensões vividas<br />

no cotidiano dos domicílios multigeracio<strong>na</strong>is brasileiros, on<strong>de</strong> não é<br />

rara a violência contra idosos (Debert, 2001).<br />

São necessárias mais pesquisas <strong>de</strong> cunho etnográfico sobre<br />

relações intergeracio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> <strong>família</strong>, que privilegiem a<br />

particularida<strong>de</strong> das experiências vividas – em que marcadores sociais<br />

<strong>de</strong> classe, “raça” e gênero ganham relevância – e o modo como<br />

pessoas articulam sua percepção das normais culturais e suas<br />

práticas, contra o pano <strong>de</strong> fundo das condições socioeconômicas e<br />

das políticas sociais, inclusive no contexto das atuais discussões<br />

sobre direitos <strong>de</strong> gênero, sexualida<strong>de</strong> e geração (Scott, 2004). É<br />

importante, também, que essas pesquisas sejam capazes <strong>de</strong> levar em<br />

conta as mudanças no curso <strong>de</strong> vida familiar, como procuramos<br />

indicar a seguir.<br />

Relações intergeracio<strong>na</strong>is e mudanças no curso da vida<br />

familiar


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 23<br />

Num artigo sobre mudanças históricas e curso da vida, a<br />

socióloga Tamara Hareven (1986) <strong>de</strong>screveu atitu<strong>de</strong>s em relação à<br />

<strong>velhice</strong> e obrigações familiares para três grupos em <strong>família</strong>s que<br />

emigraram para as áreas industrializadas do norte da Inglaterra no<br />

fi<strong>na</strong>l do século XIX. O primeiro grupo compreendia os <strong>na</strong>scidos<br />

antes <strong>de</strong> 1910; o segundo, os <strong>na</strong>scidos entre 1910 e 1919 e o terceiro,<br />

entre 1920 e 1929. Apesar do curto intervalo <strong>de</strong> tempo, Hareven<br />

pô<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar mudanças significativas <strong>na</strong> percepção que cada<br />

grupo tinha das mudanças históricas, das etapas do curso da vida e<br />

das obrigações familiares, sobretudo no que diz respeito a quem <strong>de</strong>ve<br />

se encarregar do cuidado dos idosos.<br />

A geração mais velha, que emigrou para a Inglaterra, cuidou<br />

dos pais idosos e via a <strong>família</strong> como a principal fonte <strong>de</strong> apoio ao<br />

indivíduo ao longo <strong>de</strong> toda a sua vida. Para esse grupo, a <strong>velhice</strong> ou<br />

outros estágios como “a adolescência” ou “a meia ida<strong>de</strong>” tinham<br />

pouco significado; a vida era um todo contínuo em que as gran<strong>de</strong>s<br />

transições eram marcadas por eventos sociais e políticos, como as<br />

migrações ou as guerras. A própria idéia do “ninho vazio” como uma<br />

etapa da experiência familiar não tinha sentido. Para essas gerações e<br />

nessas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantes pobres, o ninho raramente ficava<br />

vazio, porque sempre havia crianças <strong>na</strong>s casas e era comum uma das<br />

filhas adiar ou <strong>de</strong>sistir do casamento para permanecer cuidando dos<br />

pais.<br />

Para a segunda geração, que <strong>na</strong> época da pesquisa incluía<br />

pessoas <strong>na</strong> faixa dos 70 anos, foi possível verificar uma atitu<strong>de</strong><br />

muito mais ambígua em relação ao cuidado com os velhos, que<br />

envolvia uma clara hierarquia <strong>de</strong> expectativas. Essa geração também<br />

entrou <strong>na</strong> vida adulta num momento em que o suporte institucio<strong>na</strong>l<br />

da <strong>velhice</strong> era muito precário e ela foi socializada para pensar nos


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 24<br />

parentes como a principal fonte <strong>de</strong> apoio e segurança dos idosos.<br />

Contudo, esse grupo consi<strong>de</strong>rava que o mais <strong>de</strong>sejável era po<strong>de</strong>r<br />

manter a auto-suficiência ao longo <strong>de</strong> toda a vida. Se isso não fosse<br />

possível, não era com a assistência da <strong>família</strong> extensa que almejavam<br />

po<strong>de</strong>r contar, mas sim com a da <strong>família</strong> nuclear, o cônjuge ou os<br />

filhos. A assistência institucio<strong>na</strong>l, nesse caso, aparecia como uma<br />

terceira opção <strong>na</strong> hierarquia <strong>de</strong> expectativas.<br />

Com a terceira geração, a <strong>família</strong> per<strong>de</strong> a centralida<strong>de</strong> no<br />

cuidado da <strong>velhice</strong>. Esse grupo também foi socializado <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ologia<br />

da <strong>família</strong> como fonte principal <strong>de</strong> apoio, mas via com gran<strong>de</strong> mal-<br />

estar a <strong>de</strong>pendência exclusiva do apoio familiar nessa fase da vida.<br />

Na faixa dos 60 anos, <strong>na</strong> época da pesquisa, o grupo testemunhou <strong>de</strong><br />

maneira mais efetiva a crescente <strong>de</strong>marcação burocrática dos<br />

estágios da vida, isto é, o conjunto <strong>de</strong> leis regulamentando <strong>de</strong>veres e<br />

direitos <strong>de</strong> cidadania em função da ida<strong>de</strong> cronológica, que<br />

compreendia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada obrigatória <strong>na</strong> escola, a proibição do<br />

trabalho infantil, até o direito à aposentadoria.<br />

Diferentemente do que ocorreu com a primeira geração, a<br />

<strong>velhice</strong> era, para o terceiro grupo, um estágio claramente <strong>de</strong>limitado<br />

no curso da vida para o qual todos <strong>de</strong>veriam se preparar, por meio <strong>de</strong><br />

formas <strong>de</strong> poupança e da associação a planos <strong>de</strong> aposentadoria.<br />

Habituados a lidar ao longo da vida com instituições<br />

burocráticas – públicas ou privadas –, essa geração esperava po<strong>de</strong>r<br />

contar com esse tipo <strong>de</strong> agências <strong>na</strong> <strong>velhice</strong>. Via com muita<br />

inquietação a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do suporte fi<strong>na</strong>nceiro dos<br />

filhos ou ter que morar <strong>na</strong> casa <strong>de</strong>les, quando ficassem inválidos ou<br />

per<strong>de</strong>ssem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> si próprios. Manter a<br />

in<strong>de</strong>pendência fi<strong>na</strong>nceira e autonomia frente à casa dos filhos era<br />

para eles, inclusive, uma das condições necessárias para alimentar<br />

boas relações afetivas e sustentar outros tipos almejados <strong>de</strong> trocas


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 25<br />

entre as gerações.<br />

Esse terceiro grupo, cujos pais compunham um dos escalões<br />

mais pobres da Inglaterra, foi beneficiado por um processo <strong>de</strong><br />

mobilida<strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>nte, passando a compor os setores médios da<br />

população. Apesar <strong>de</strong> ter sido socializada <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ologia da<br />

responsabilida<strong>de</strong> familiar, conclui Hareven, essa geração fez a<br />

transição para um modo mais individualista e <strong>de</strong>monstrou uma<br />

aceitação maior dos serviços institucio<strong>na</strong>lizados em substituição à<br />

assistência familiar.<br />

Família e hipocrisia social<br />

No Brasil contemporâneo, a <strong>família</strong> passou a ocupar a ce<strong>na</strong><br />

principal das políticas sociais. Estimulada pelas políticas <strong>de</strong> renda<br />

mínima e por um número crescente <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> bolsas, ela é obrigada<br />

a <strong>de</strong>sempenhar inúmeros papéis que, até muito recentemente, eram<br />

consi<strong>de</strong>rados próprios <strong>de</strong> outras agências públicas gover<strong>na</strong>mentais<br />

ou não-gover<strong>na</strong>mentais.<br />

Sabemos que os asilos <strong>de</strong> velhos são, em sua gran<strong>de</strong> maioria,<br />

muito precários. Periodicamente, os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa<br />

exibem ce<strong>na</strong>s dramáticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito à dignida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> nessas<br />

instituições que até hoje, muitas vezes, ainda abrigam no mesmo<br />

espaço doentes mentais e idosos com graus distintos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência<br />

funcio<strong>na</strong>l.<br />

O combate a essas instituições e o estudo <strong>de</strong> novas práticas<br />

dignificantes da <strong>velhice</strong>, que po<strong>de</strong>riam e <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>senvolvidas<br />

no interior <strong>de</strong>las, não são objetos privilegiados da gerontologia. Pelo<br />

contrário, muitos gerontólogos <strong>de</strong>sprezam essa tarefa porque estão<br />

empenhados em convencer os agentes do Estado e da socieda<strong>de</strong> civil<br />

<strong>de</strong> que os idosos brasileiros <strong>de</strong>sejam viver <strong>na</strong> casa dos filhos e


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 26<br />

querem ser cuidados somente por eles até o fim da vida. Mais do<br />

que isso, muitos gerontólogos têm afirmado que a boa <strong>velhice</strong> é<br />

aquela vivida com filhos, netos e eventualmente bisnetos, <strong>na</strong> mesma<br />

casa.<br />

Desconhecendo a heterogeneida<strong>de</strong> das experiências <strong>de</strong><br />

envelhecimento, que exigem <strong>de</strong> sociólogos como Hareven <strong>de</strong>finições<br />

muito precisas das características do grupo estudado, muitos<br />

gerontólogos, <strong>de</strong> maneira apressada se agarram à <strong>família</strong>. Passam,<br />

então, a fazer coro com outros especialistas que, preocupados com a<br />

ineficiência e, sobretudo, com os custos fi<strong>na</strong>nceiros das políticas<br />

sociais, têm proposto uma nova agenda moral empenhada em<br />

questio<strong>na</strong>r a <strong>de</strong>pendência em relação ao Estado. Nessa nova agenda,<br />

a <strong>família</strong> emerge como agência capaz <strong>de</strong> solucio<strong>na</strong>r uma gama<br />

enorme <strong>de</strong> problemas sociais.<br />

Os gerontólogos, que assim proce<strong>de</strong>m, esquecem que, tal como<br />

ocorre com os asilos <strong>de</strong> idosos, reportagens, documentários e<br />

notícias apresentam diariamente os abusos cometidos por maridos e<br />

companheiros contra as mulheres, por pais contra seus filhos<br />

crianças e adolescentes e por filhos contra seus pais idosos.<br />

Esquecem também que, com dados muito dramáticos, estudos<br />

sobre <strong>família</strong> mostram que essa instituição não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />

espaço <strong>de</strong> harmonia, carinho e cuidado “num mundo sem coração”.<br />

Pelo contrário, os estudos feministas têm <strong>de</strong>monstrado com vigor<br />

que a <strong>família</strong> é um espaço <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> opressão em que o abuso<br />

físico e emocio<strong>na</strong>l, o crime e a ausência <strong>de</strong> direitos individuais<br />

competem com as estatísticas sobre a violência entre <strong>de</strong>sconhecidos<br />

nos gran<strong>de</strong>s centros urbanos.<br />

Esquecem ainda do investimento feito por tantos outros<br />

gerontólogos no estudo do estresse do cuidador, provocado pelas<br />

dificulda<strong>de</strong>s envolvidas no cuidado do idoso, particularmente


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 27<br />

quando ele é membro da <strong>família</strong> (Santos e Rifiotis, 2003).<br />

O pós-guerra assistiu, <strong>na</strong> Europa, a uma crescente intervenção<br />

do Estado e <strong>de</strong> outras agências da socieda<strong>de</strong> em ativida<strong>de</strong>s antes<br />

relegadas à <strong>família</strong>. Contudo, como mostra Simon Biggs (1996),<br />

<strong>na</strong>quela época as i<strong>de</strong>ologias e práticas do Welfare State tinham um<br />

conteúdo pater<strong>na</strong>lista que impedia o questio<strong>na</strong>mento da integrida<strong>de</strong><br />

da <strong>família</strong> como instância privilegiada para arcar com o cuidado <strong>de</strong><br />

seus membros. Esse pater<strong>na</strong>lismo foi abalado, nos anos 1970, com os<br />

movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia da violência doméstica contra a criança e a<br />

mulher. Pesquisas <strong>na</strong>s Delegacias <strong>de</strong> Proteção ao Idoso em São<br />

Paulo indicam que os agressores, <strong>na</strong> maioria dos casos, são filhos e<br />

outros parentes, notadamente quando resi<strong>de</strong>m <strong>na</strong> mesma unida<strong>de</strong><br />

domestica do idoso (Baptista e Juvêncio, 1995; Debert, 2001).<br />

A Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988 consi<strong>de</strong>ra uma obrigação da<br />

<strong>família</strong> cuidar <strong>de</strong> seus membros vulneráveis, dando a essa instituição<br />

uma nova centralida<strong>de</strong>. A bolsa <strong>família</strong>, por exemplo, estimula esse<br />

novo papel da <strong>família</strong>, exigindo que a mãe man<strong>de</strong> os filhos para a<br />

escola. Po<strong>de</strong>ria a “bolsa idoso”, ao trazer novos recursos econômicos<br />

para a renda doméstica, transformar a <strong>família</strong> em espaço <strong>de</strong> amor e<br />

carinho? Respon<strong>de</strong>r positivamente a essa questão é ver a <strong>família</strong><br />

obrigada a se transformar num aliado fundamental <strong>de</strong> políticas<br />

sociais ineficazes e <strong>de</strong> instituições resistentes em aprimorar seu<br />

próprio <strong>de</strong>sempenho.<br />

Uma nova óptica, distinta da que caracterizou o papel da<br />

instituição familiar em agendas anteriores, entra em jogo. Estamos<br />

muito distantes da <strong>família</strong> patriarcal, tal como esse mo<strong>de</strong>lo foi<br />

caracterizado no estudo sobre a <strong>família</strong> brasileira. Não se trata <strong>de</strong> um<br />

mundo privado impenetrável às instituições estatais e ao sistema <strong>de</strong><br />

justiça. Estamos também muito distantes da <strong>família</strong> como o reino da<br />

proteção e da afetivida<strong>de</strong>. Com as novas políticas sociais, ela passa a


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 28<br />

ser percebida como uma instância em que os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> cada um<br />

<strong>de</strong> seus membros, ao longo do curso da vida, estão claramente<br />

<strong>de</strong>finidos, e as agências estatais <strong>de</strong>vem criar mecanismos, tal como<br />

as bolsas, capazes <strong>de</strong> reforçar e estimular o <strong>de</strong>sempenho dos<br />

respectivos papéis familiares.<br />

Muito já se falou que a <strong>família</strong>, <strong>na</strong>s políticas públicas, é uma<br />

espécie <strong>de</strong> eufemismo para se falar <strong>na</strong>s obrigações da mulher. Mas é<br />

preciso reconhecer também que consi<strong>de</strong>rar a <strong>família</strong> como a garantia<br />

“<strong>na</strong>tural” da sobrevivência e do bem-estar do idoso é obrigá-la a<br />

assumir um leque enorme <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e, ao mesmo tempo, impedir<br />

que investimentos fi<strong>na</strong>nceiros e intelectuais sejam acio<strong>na</strong>dos <strong>na</strong><br />

construção <strong>de</strong> outros formatos institucio<strong>na</strong>is capazes <strong>de</strong> tratar a<br />

<strong>velhice</strong> com dignida<strong>de</strong>.<br />

Conclusões<br />

Para concluir, vale a pe<strong>na</strong> lembrar do conjunto <strong>de</strong> significados<br />

que as creches ∗ tinham até muito recentemente. Elas eram vistas<br />

como uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> crianças a serviço das <strong>família</strong>s e<br />

das mães que, por razões mais ou menos justificáveis, não podiam se<br />

ocupar <strong>de</strong>vidamente do cuidado <strong>de</strong> seus filhos pequenos. Em pouco<br />

mais <strong>de</strong> uma década, essa visão foi inteiramente <strong>de</strong>sfeita. Hoje é<br />

praticamente consensual a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que impedir uma criança,<br />

a partir dos dois anos, <strong>de</strong> estar numa creche significa privá-la do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma sociabilida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada.<br />

Obviamente não usamos mais a palavra “creche”, substituída<br />

por “escola mater<strong>na</strong>l”, “jardim da infância”, ou “centro <strong>de</strong> educação<br />

infantil”, entre outras expressões que ganharam uma conotação<br />

positiva. Mas não se po<strong>de</strong> esquecer <strong>de</strong> todos os outros investimentos<br />

∗ Agra<strong>de</strong>cemos a Elizabeth Mercadante, professora do programa <strong>de</strong> estudos Pós-Graduados em Gerontologia<br />

da PUC/SP, que, como sempre, com gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, chamou-nos a atenção para a mudança dos<br />

significados que a creche acio<strong>na</strong>.


Guita G.Debert e Júlio A.Simões – <strong>Envelhecimento</strong> e <strong>velhice</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>contemporânea</strong> 29<br />

feitos no estudo da educação da criança, que transformaram a pré-<br />

escola numa experiência imprescindível para o bem-estar <strong>na</strong> infância<br />

e em uma conquista para a vida social no mundo contemporâneo.<br />

Apostar que o bem-estar da <strong>velhice</strong> está <strong>na</strong> <strong>família</strong>, num<br />

contexto em que ela ten<strong>de</strong> a assumir formatos tão inesperados, é<br />

adiar inconseqüentemente a reflexão e as propostas <strong>de</strong> práticas<br />

inovadoras para uma experiência <strong>de</strong> envelhecimento bem-sucedida.<br />

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