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tessitura da argumentação em textos dissertativos de graduandos

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TESSITURA DA ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS DISSERTATIVOS DE<br />

GRADUANDOS<br />

Elódia Constantino ROMAN (Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Ponta Grossa)<br />

ABSTRACT: This study reports the beginning of a research un<strong>de</strong>rgraduate stu<strong>de</strong>nts, licentiate in Letras,<br />

have done on textual production, <strong>em</strong>phasizing the use of linguistic el<strong>em</strong>ents that collaborated with the<br />

argumentation sch<strong>em</strong>e. It was also investigated the way the stu<strong>de</strong>nts have positioned in face of the<br />

polarized propositions presented as support for their textual production.<br />

KEYWORDS: textual production; linguistic el<strong>em</strong>ents; argumentation<br />

0. Introdução<br />

Relata-se, neste trabalho, o início <strong>de</strong> uma pesquisa sobre a produção textual <strong>de</strong> alunos <strong>da</strong><br />

graduação com enfoque exclusivo no uso <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos lingüísticos que colaboram para a <strong>tessitura</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>argumentação</strong>. Preten<strong>de</strong>-se, com a pesquisa, investigar como os alunos do Curso <strong>de</strong> Letras, Licenciatura,<br />

posicionam-se diante <strong>de</strong> <strong>textos</strong> nos quais constam visões <strong>de</strong> mundo polariza<strong>da</strong>s, apresenta<strong>da</strong>s pelo<br />

professor como suporte para uma produção textual.<br />

A preocupação com o processo ensino-aprendizag<strong>em</strong> dos alunos <strong>de</strong> graduação, na<br />

Licenciatura <strong>em</strong> Letras, fez com que surgisse a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que foss<strong>em</strong> analisados <strong>textos</strong> produzidos<br />

<strong>em</strong> con<strong>textos</strong> <strong>de</strong>terminados. O intento era o <strong>de</strong> verificar como se comportavam os alunos diante <strong>de</strong> uma<br />

mesma t<strong>em</strong>ática, apresenta<strong>da</strong> sob dois enfoques diferentes.<br />

Os <strong>textos</strong> apresentados pela professora refer<strong>em</strong>-se à questão do adolescente que t<strong>em</strong><br />

conflitos diante <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que se apresenta <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> compromisso com ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s até<br />

então <strong>de</strong>lega<strong>da</strong>s aos adultos. Apresentaram-se dois <strong>textos</strong> que refletiam a angústia <strong>de</strong> adolescentes diante<br />

<strong>de</strong> certos obstáculos, porém retratando mundos sociais diferentes.<br />

1. Fun<strong>da</strong>mentação teórica<br />

Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo <strong>de</strong> Estudos Lingüísticos do Sul<br />

Como entend<strong>em</strong>os que o processo ensino-aprendizag<strong>em</strong> estabelecido no interior <strong>de</strong> uma<br />

licenciatura <strong>de</strong>ve primar, também, por uma visão crítica do próprio processo <strong>de</strong> escrita do futuro professor<br />

que li<strong>da</strong>rá mais especificamente com a linguag<strong>em</strong>, pensou-se <strong>em</strong> lançar mão <strong>de</strong> <strong>textos</strong> que se referiam a<br />

adolescentes oriundos <strong>de</strong> classes sociais distintas.<br />

O primeiro texto apresentado foi Jovens <strong>em</strong> transe, produzido por Simon Franco, no qual<br />

estão <strong>de</strong>scritos anseios mal conduzidos por jovens <strong>de</strong> classe média alta, taxados pelo autor <strong>de</strong> pós-tudo.<br />

Retrata-se uma geração d<strong>em</strong>arca<strong>da</strong> socialmente que ambiciona somente ter sucesso e questiona-se no<br />

referido texto a falta <strong>de</strong> uma crença na utili<strong>da</strong><strong>de</strong> para o mundo. O outro texto, Marvin, <strong>de</strong> Os Titãs, retrata<br />

conflitos <strong>de</strong> um adolescente, porém <strong>de</strong> uma classe social contrária, e, por isso, com dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que<br />

beiram a falta <strong>de</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> para o sucesso.<br />

O exercício <strong>de</strong> produção foi suscitado pela professora <strong>da</strong> disciplina <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> língua.<br />

A intenção foi avaliar como os alunos elaboram seus argumentos diante <strong>de</strong> um assunto dirigido.<br />

Trabalhou-se a interpretação dos <strong>textos</strong> e solicitou-se o posicionamento dos acadêmicos quanto às<br />

t<strong>em</strong>áticas abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>em</strong> uma produção escrita na qual <strong>de</strong>veria constar o posicionamento justificado sobre<br />

os dois <strong>textos</strong>, s<strong>em</strong>pre numa espécie <strong>de</strong> cotejo.<br />

Para esta comunicação, selecionou-se, <strong>de</strong>ntre as produções dos <strong>graduandos</strong>, uma que<br />

apresenta itens lexicais que não são suficientes para d<strong>em</strong>arcar os argumentos postos pelo produtor do<br />

texto. O objetivo é avaliar <strong>em</strong> que escala <strong>de</strong> priori<strong>da</strong><strong>de</strong> o aluno estabelece sua seleção lexical. Pautou-se<br />

<strong>em</strong> Matencio (1998) que consi<strong>de</strong>ra ser a construção <strong>de</strong> sentidos um processo atrelado a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

discursivas e a práticas sociais. O aluno recém-egresso do ensino médio carrega o estigma <strong>de</strong> não<br />

sustentar uma produção text ual mais efetiva e, infelizmente, n<strong>em</strong> mesmo promover a análise lingüística<br />

com a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> reflexão.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> avaliar como se comportavam os recém-egressos do ensino médio,<br />

calouros, portanto, do Curso <strong>de</strong> Letras, solicitou-se que os alunos começass<strong>em</strong> o texto na sala <strong>de</strong> aula e o<br />

terminass<strong>em</strong> <strong>em</strong> casa. Orientou-se que fosse promovi<strong>da</strong> uma reconstrução cui<strong>da</strong>dosa. Esperou-se que o<br />

aluno fosse apresentar uma produção textual mais coerente diante dos propósitos exigidos. Porém,<br />

percebeu-se que o cui<strong>da</strong>do com o suporte argumentativo apresentado não fora <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente ancorado. Os<br />

argumentos <strong>de</strong>sencontrados, pautados <strong>em</strong> contradições no interior do texto, d<strong>em</strong>onstravam que o aluno<br />

não conseguia situar-se diante <strong>da</strong> polarização estabeleci<strong>da</strong> pela professora, marca<strong>da</strong> nos <strong>textos</strong> escolhidos.


Dos trabalhos produzidos, selecionamos uma re<strong>da</strong>ção, cujo título é O reverso <strong>da</strong> me<strong>da</strong>lha<br />

(<strong>em</strong> anexo), fruto já do trabalho <strong>de</strong> reconstrução, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter rediscutido os pontos diferentes<br />

imbricados nos <strong>textos</strong> que subsidiaram a produção. Apresentamos aqui somente o esqu<strong>em</strong>a argumentativo<br />

<strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção escolhi<strong>da</strong>, para melhor visualização dos arranjos lexicais promovidos. Ancora,<br />

principalmente, a análise dos arranjos lexicais , a teoria dos topoi postula<strong>da</strong> por Ducrot (1987) e o<br />

conceito <strong>de</strong> polifonia também promovido por este autor. Levamos <strong>em</strong> conta as opções <strong>da</strong>s quais o<br />

produtor lança mão sob o olhar <strong>de</strong> formas tópicas na tentativa <strong>de</strong> verificarmos <strong>em</strong> que medi<strong>da</strong> a seleção<br />

lexical sustenta a condução <strong>da</strong>s t<strong>em</strong>áticas sugeri<strong>da</strong>s.<br />

A solicitação do posicionamento do aluno a partir <strong>de</strong> t<strong>em</strong>a receptivo, propício para recémingressantes<br />

na graduação, <strong>de</strong>veria <strong>da</strong>r-lhe a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para elaborar com mais segurança o tecido <strong>de</strong> sua<br />

produção. Percebeu-se que os educandos, <strong>de</strong> forma geral, ain<strong>da</strong> tend<strong>em</strong> a selecionar equivoca<strong>da</strong>mente<br />

seus argumentos e a projetar relações pouco sustentáveis. Perceb<strong>em</strong>-se tais equívocos nas expressões<br />

lingüísticas seleciona<strong>da</strong>s , que não são suficient<strong>em</strong>ente claras para expressar o movimento argumentativo<br />

pretendido. Basicamente, o texto foi suscitado a partir <strong>de</strong> informações que <strong>de</strong>veriam ser confronta<strong>da</strong>s no<br />

cotejo <strong>de</strong> <strong>textos</strong> díspares.<br />

Segundo Ducrot, a língua é vista como um conjunto <strong>de</strong> frases s<strong>em</strong>anticamente <strong>de</strong>scritas:<br />

<strong>de</strong>termina, parcialmente pelo menos, as argumentações e valores argumentativos apresentados no<br />

discurso. Essa <strong>de</strong>terminação frástica <strong>de</strong> argumentativi<strong>da</strong><strong>de</strong> é produzi<strong>da</strong> através <strong>de</strong> operadores<br />

argumentativos.<br />

Para Koch, estão <strong>em</strong> jogo, numa interação, intenções diversas, e compreen<strong>de</strong>r uma<br />

enunciação é apreen<strong>de</strong>r intenções. A noção <strong>de</strong> intenção se <strong>de</strong>ixa “representar <strong>de</strong> certa forma no<br />

enunciado, por meio do qual se estabelece entre os interlocutores um jogo <strong>de</strong> representações, que po<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>r ou não a uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> psicológica ou social” (Koch, 1992:24).<br />

Ducrot (1989) postula que a argumentativi<strong>da</strong><strong>de</strong> é um conjunto <strong>de</strong> conclusões possíveis, e<br />

que o conceito <strong>de</strong> <strong>argumentação</strong> diz respeito aos el<strong>em</strong>entos s<strong>em</strong>ânticos que constitu<strong>em</strong> o sentido do<br />

enunciado. Interessa-se, o autor, pelos el<strong>em</strong>entos s<strong>em</strong>ânticos que possu<strong>em</strong> o valor argumentativo: e (um<br />

conteúdo s<strong>em</strong>ântico no sentido E) apresenta-se como uma justificação para uma certa conclusão r, e esta<br />

po<strong>de</strong> ser explícita ou implícita. Articula -se a esse entendimento a noção <strong>de</strong> topos: a orientação <strong>de</strong> e para r<br />

<strong>de</strong>ve estar fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> um princípio argumentativo (<strong>em</strong> um topos).<br />

Três proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s comportam a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sse princípio argumentativo: a universali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

a generali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a graduali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Este último refere-se à característica basicamente <strong>de</strong>finidora, e que se<br />

pauta numa graduali<strong>da</strong><strong>de</strong> no sentido <strong>em</strong> que certos argumentos são postos com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comparações <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> mais ou menos. São <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong>s formas tópicas, estruturas, digamos,<br />

implicitamente d<strong>em</strong>arca<strong>da</strong>s, geradoras <strong>da</strong>s comparações. “Quanto mais se trabalha, mais se t<strong>em</strong> êxito” e<br />

“Quanto mais se trabalha menos se t<strong>em</strong> êxito” indicam que o valor argumentativo está fun<strong>da</strong>do na<br />

mobilização <strong>de</strong> topoi graduais, suscetíveis <strong>de</strong> receber duas formas tópicas recíprocas. Um dos ex<strong>em</strong>plos<br />

<strong>da</strong>do por Ducrot é a comparação entre pouco/ um pouco.<br />

Nas frases abaixo , apresenta<strong>da</strong>s por Ducrot, percebe-se que a graduali<strong>da</strong><strong>de</strong> indica as<br />

conclusões possíveis <strong>de</strong> aparecer<strong>em</strong> <strong>em</strong> um enunciado:<br />

a) Ele trabalhou um pouco. Ele vai conseguir.<br />

b) Ele trabalhou um pouco. Ele não vai conseguir.<br />

c) Ele trabalhou pouco. Ele vai conseguir.<br />

d) Ele trabalhou pouco. Ele não vai conseguir.<br />

Ca<strong>da</strong> topos, T1 – O trabalho leva ao êxito (a) e (d) – moral, e T2 – O trabalho leva ao<br />

fracasso (b) e (c) cínico, t<strong>em</strong> duas formas tópicas recíprocas e equivalentes:<br />

T’1 – Quanto mais se trabalha, mais se t<strong>em</strong> êxito;<br />

T’’1 – Quanto menos se trabalha, menos se t<strong>em</strong> êxito;<br />

T’2 – Quanto mais se trabalha, menos se t<strong>em</strong> êxito;<br />

T’’2 – Quanto menos se trabalha, mais se t<strong>em</strong> êxito.<br />

Quer o autor, então, d<strong>em</strong>onstrar que todo “ato <strong>de</strong> <strong>argumentação</strong>, e, mais geralmente, to<strong>da</strong><br />

orientação argumentativa <strong>de</strong> um el<strong>em</strong>ento s<strong>em</strong>ântico implicam que sejam convocados topoi graduais. São<br />

orientações que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser reconheci<strong>da</strong>s pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, e guia<strong>da</strong>s por crenças que, ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> que se atualizam, negligenciam outras”.<br />

2. A análise


Pautamos nossa análise na proposta sintetiza<strong>da</strong> com o intuito <strong>de</strong> perceber como os alunos<br />

colocam <strong>em</strong> cena, <strong>em</strong> seus <strong>textos</strong>, as orientações argumentativas previamente direciona<strong>da</strong>s. Reportamo -<br />

nos aos el<strong>em</strong>entos lingüísticos que sinalizam o processo <strong>de</strong> polarização estabelecido nos <strong>textos</strong> que<br />

guiaram a produção proposta. Foram consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s formas tópicas as que se lançavam no interior do<br />

contraponto entre os <strong>textos</strong> que geraram a produção do aluno. O processo <strong>de</strong> construção do texto pautouse<br />

<strong>em</strong> pontos <strong>de</strong> vista diferentes quanto a projeções ou possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para adolescentes. Tratam <strong>de</strong><br />

classes sociais diferentes, com expectativas condiciona<strong>da</strong>s pelo contexto. Embora os dois <strong>textos</strong> sugiram<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> motivação para uma <strong>da</strong><strong>da</strong> geração, percebe-se que essas se estabelec<strong>em</strong> <strong>em</strong> patamares<br />

totalmente distintos quando se trata <strong>de</strong> mensurar, por ex<strong>em</strong>plo, termos como oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e sucesso.<br />

No parágrafo inicial do texto, o sintagma hierarquia humana não condiz com a intenção <strong>de</strong><br />

referir-se à divisão <strong>de</strong> classes sociais. O termo humana r<strong>em</strong>ete a inferências múltiplas, <strong>de</strong>ntre elas até<br />

mesmo a <strong>de</strong> relacionamento <strong>de</strong> gênero, por ex<strong>em</strong>plo. O aluno parece querer d<strong>em</strong>arcar um viés i<strong>de</strong>ológico<br />

<strong>de</strong> construção <strong>da</strong>s classes sociais. O termo fatídico é inapropriado para <strong>de</strong>screver a condição social dos<br />

jovens <strong>de</strong>scritos nos dois <strong>textos</strong>, pois seu teor negativo não acomo<strong>da</strong> o fio condutor que se sugere e que<br />

<strong>de</strong>veria ser provocado com outro adjetivo, fatal, por ex<strong>em</strong>plo, como se a d<strong>em</strong>arcação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nos dois<br />

níveis sociais ficasse à marg<strong>em</strong>. Também o termo sucesso representa no texto um momento <strong>de</strong><br />

paralelismo atinente à forma tópica que transpõe a comparação entre classe média x classe baixa (sic) e<br />

obrigações: quanto mais for classe pobre mais impostos pagam/quanto mais for <strong>da</strong> classe rica menos<br />

impostos pagam.<br />

Po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r que outra forma tópica sustenta-se na <strong>argumentação</strong> que se tenta tecer:<br />

quanto mais se pertencer à classe média mais sucesso se t<strong>em</strong> / quanto menos se pertencer à classe média,<br />

menos sucesso se t<strong>em</strong>. Os valores sociais <strong>em</strong> questão, gerados no termo sucesso ligam-se somente à classe<br />

média a qual se <strong>de</strong>sobriga <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres assumidos pela classe menos favoreci<strong>da</strong>. Revela-se a<br />

improprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, portanto, do sintagma “hierarquia humana”. O termo humano não necessariamente<br />

<strong>de</strong>veria estar conjugado somente à questão <strong>de</strong> <strong>em</strong>bate entre classes. Assim , outra forma tópica lança-se:<br />

quanto mais se pertencer à classe média mais oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s aparec<strong>em</strong> / quanto menos se pertencer à<br />

classe média menos oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s aparec<strong>em</strong>. Não se explicita, no texto produzido pelo aluno, a que tipo<br />

<strong>de</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s se refere. E vale l<strong>em</strong>brar que no texto <strong>de</strong> Simon abor<strong>da</strong>-se justamente certa falta <strong>de</strong><br />

oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> para a classe média.<br />

No segundo parágrafo, vocábulos como mundo/ mesmo céu/ mesma terra assinalam<br />

condições naturais <strong>de</strong> existência. Com enquanto, estabelece-se <strong>em</strong> batalha /opostos /caos/ gosto <strong>de</strong><br />

veneno/gosto <strong>de</strong> fênix uma comparação um tanto estranha, pois âmago <strong>da</strong> terra sinaliza uma d<strong>em</strong>arcação<br />

<strong>de</strong> um mundo alienado do social, digamos. Assim, gosto <strong>de</strong> veneno x gosto <strong>de</strong> fênix novamente apontam<br />

para a diferença <strong>de</strong> classes, muito <strong>em</strong>bora o aluno não tenha conseguido estabelecer laços lexicais<br />

<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente afetos ao intento proposto.<br />

No terceiro parágrafo, o conector mas estabelece um contraponto, porém o produtor do<br />

texto não consegue estabelecer a relação entre batalha e o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Marvin. O termo livre-arbítrio não<br />

correspon<strong>de</strong> ao argumento esperado. Também meios ilícitos/ agente transformador/ ser íntegro/<br />

persistente/ jogo <strong>de</strong> cintura são comparações que se perd<strong>em</strong> mais uma vez, o que se reforça na expressão<br />

coexistir nos dois lados <strong>de</strong> uma me<strong>da</strong>lha.<br />

No parágrafo seguinte, a expressão pessoa que t<strong>em</strong> a alma maior ou menor que o mundo,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> sua psiquê torna-se esvazia<strong>da</strong> <strong>de</strong> sentido porque põe <strong>em</strong> cena opostos que não se a<strong>da</strong>ptam<br />

ao esqu<strong>em</strong>a argumentativo aparent<strong>em</strong>ente proposto.<br />

A seleção lexical para a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Marvin, o que ocorre no próximo parágrafo, revela<br />

uma contradição, como se po<strong>de</strong> ver nos pares Marvin /começo triste /história pesarosa/ futuro opaco.<br />

Nova contradição no parágrafo final, com uma r<strong>em</strong>issão estranha, meio metafísica, como se po<strong>de</strong><br />

perceber no vocábulo cosmos e a frase final, E que a sorte seja lança<strong>da</strong>.<br />

Tendo como base a noção <strong>de</strong> texto enquanto “construto histórico e social, extr<strong>em</strong>amente<br />

complexo e multifacetado” (Koch, 2002, p. 9), as discussões <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> <strong>argumentação</strong> r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à<br />

compreensão <strong>de</strong> processos lingüísticos que envolv<strong>em</strong> a comunicação na fronteira do diálogo que mobiliza<br />

locutor e interlocutor <strong>em</strong> ações volta<strong>da</strong>s à persuasão.<br />

Para Ducrot (1987, p. 98), a argumentativi<strong>da</strong><strong>de</strong> é constitutiva à maioria <strong>da</strong>s frases, pois a<br />

significação, arranjo lingüístico (sintático-s<strong>em</strong>ântico) possui instruções a favor <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> conclusão,<br />

ou seja, o ‘como se diz’ assume a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> relevância <strong>em</strong> função dos arranjos sintáticos que pod<strong>em</strong> indicar<br />

as intenções do locutor, <strong>da</strong>ndo ao texto uma organização e uma estrutura particularizante.<br />

3. Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

A análise aqui apresenta<strong>da</strong> propiciou o entendimento <strong>de</strong> que o aluno recém-egresso do<br />

ensino médio não está preparado para avaliar seu texto e perceber as incoerências lança<strong>da</strong>s. O avanço <strong>da</strong>


ciência lingüística não t<strong>em</strong> rendido uma reorganização satisfatória do ensino, pois ain<strong>da</strong> se vê uma<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que recém-egressos do ensino médio não consegu<strong>em</strong> articular seu ponto <strong>de</strong> vista mesmo que<br />

estejam diante <strong>de</strong> uma t<strong>em</strong>ática familiar à sua i<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Há uma prevenção, por parte <strong>de</strong>sses alunos, quanto ao estudo <strong>da</strong> língua como um fato<br />

histórico, permeado <strong>de</strong> intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ressente-se esse aluno <strong>de</strong> uma reflexão mais crítica quanto à sua<br />

produção.<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve ser cita<strong>da</strong> a falta <strong>de</strong> compromisso quanto à pesquisa do assunto, foco <strong>de</strong> análise.<br />

E o exercício <strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong> se representar <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente como um autor que lapi<strong>da</strong> seu texto, não se<br />

faz <strong>de</strong> forma expressiva, natural, provavelmente porque não se trata <strong>de</strong> uma prática inseri<strong>da</strong> no processo<br />

ensino-aprendizag<strong>em</strong> no nível médio.<br />

Embora saibamos que não se trata <strong>de</strong> apontar culpados, mas <strong>de</strong> buscar alternativas diante<br />

<strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s já muito b<strong>em</strong> ditas por diversos pesquisadores, percebe-se que são ain<strong>da</strong> necessários<br />

mais alertas e um esforço mais incisivo para que o ato <strong>de</strong> reconstruir seja levado a cabo com certa dose <strong>de</strong><br />

ênfase e com critérios e metodologia muito b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos.<br />

RESUMO: Relata-se, neste trabalho, o início <strong>de</strong> uma pesquisa sobre a produção textual <strong>de</strong> <strong>graduandos</strong> do<br />

Curso <strong>de</strong> Letras, Licenciatura, com enfoque exclusivo no uso <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos lingüísticos que colaboram<br />

para a <strong>tessitura</strong> <strong>da</strong> <strong>argumentação</strong>. Investigamos como esses alunos posicionam-se diante <strong>de</strong> argumentos<br />

polarizados apresentados como suporte para sua produção textual.<br />

PALAVRAS-CHAVE: produção textual; el<strong>em</strong>entos lingüísticos; <strong>argumentação</strong><br />

ANEXO<br />

O reverso <strong>da</strong> me<strong>da</strong>lha*<br />

Aos olhos <strong>da</strong> hierarquia humana pressupõe-se que é fatídico que um jov<strong>em</strong> <strong>de</strong> classe<br />

média, um jov<strong>em</strong> como aquele do texto <strong>de</strong> Simon Franco, seja um indivíduo <strong>de</strong> sucesso enquanto um<br />

jov<strong>em</strong> <strong>de</strong> classe baixa, um Marvin (como aqueles que sobreviv<strong>em</strong> por aí) seja mais um que – para o b<strong>em</strong><br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> - siga as leis e pague os impostos.<br />

Porém, o mundo no qual os dois estão inseridos é o mesmo , eles partilham <strong>da</strong> mesma terra e<br />

do mesmo céu, e, inconscientes, estão também buscando satisfazer <strong>de</strong>sejos que a condição <strong>de</strong> ambos<br />

<strong>de</strong>sperta. Enquanto isso, <strong>de</strong>senvolve-se no âmago <strong>da</strong> terra a eterna batalha entre os opostos e encarar uma<br />

vitória seria o caos, receber um beijo com gosto <strong>de</strong> veneno ou com gosto <strong>de</strong> fênix, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />

fosse o vencedor.<br />

Mas, enquanto essa batalha alucina<strong>da</strong> se <strong>de</strong>senvolve qu<strong>em</strong> está nas entranhas <strong>de</strong> Marvin<br />

está fa<strong>da</strong>do a ser s<strong>em</strong>pre Marvin? On<strong>de</strong> está o livre-arbítrio? É, inegável reconhecer que, a ascenção<br />

social por meios lícitos e com certa dose <strong>de</strong> crença <strong>de</strong> ser agente transformador é, simplesmente, obra <strong>de</strong><br />

um ser íntegro persistente com muito jogo <strong>de</strong> cintura que saberá tirar proveito, <strong>da</strong>s experiências<br />

adquiri<strong>da</strong>s por coexistir nos dois lados <strong>de</strong> uma me<strong>da</strong>lha. Será que esse “ser” existe?<br />

Camões está corretíssimo ao afirmar que se d<strong>em</strong>ora muito t<strong>em</strong>po para se tornar o que se<br />

quer ser, e que o t<strong>em</strong>po é curto. É <strong>da</strong> natureza humana, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> trance<strong>de</strong>r a condição que lhe é imposta<br />

pelos “n” fatores, on<strong>de</strong> entre os quais se enquadram o social, o geográfico, o político, o i<strong>de</strong>ológico, e isso<br />

irá <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocar numa pessoa que t<strong>em</strong> a alma maior ou menor que o mundo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> sua psiquê.<br />

É irrefutável o fato <strong>de</strong> que o Marvin tenha um começo triste, uma história pesarosa e um<br />

futuro opaco, to<strong>da</strong>via aqui faço um contraponto: todos os agentes que lhe castigam, pod<strong>em</strong>, no momento<br />

que ele olhar para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesmo e refletir “sou forte, se cheguei até aqui, posso ir mais longe” fazer<br />

ele ficar mais forte realmente e mais resistente aos impactos que a vi<strong>da</strong> causa, e assim, ele terá um i<strong>de</strong>al:<br />

provar que ele é realmente um guerreiro. Vencerá? O t<strong>em</strong>po, o sábio t<strong>em</strong>po dirá.<br />

Mas ele tentará, o cosmos continuará lutando e que a sorte esteja lança<strong>da</strong>.<br />

*O texto está conforme o original redigido pelo acadêmico.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

DUCROT. Oswald. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.<br />

_____. Argumentação e topoi argumentativos. In: GUIMARÃES, Eduardo (org.). História e Sentido na<br />

Linguag<strong>em</strong>. São Paulo: Pontes, 1989.<br />

FRANCO, Simon. Jovens <strong>em</strong> transe. Revista Exame, Edição 740, 2001.<br />

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguag<strong>em</strong>. São Paulo: Editora Cortez, 1984.


_____. A inter-ação pela linguag<strong>em</strong>.São Paulo: Context o, 1992.<br />

MATENCIO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Meireles. Leitura e produção <strong>de</strong> <strong>textos</strong> e a escola. Campinas: Mercado<br />

<strong>de</strong> Letras, 1998.<br />

TITÃS, Os. Marvin Compositor <strong>de</strong>sconhecido.

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