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José Pedro Gomes

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26<br />

A<br />

Raio X<br />

From Zaha with curve<br />

Riscando do mapa os edifícios bonitos, porque não lhe enchem as medidas,<br />

a arquiteta que manda o impossível dar uma curva captura o movimento do deserto<br />

em joias arquitetónicas que nunca param de brilhar<br />

C<br />

omo se define um bom arquiteto? Geralmente,<br />

pelo génio que faz ricochete nos<br />

contornos dos edifícios que este faz crescer,<br />

primeiro na mente, depois no plano e, só<br />

por fim, do chão para cima (ou para baixo). No caso da<br />

iraquiana Zaha Hadid, porém, a reputação granjeada<br />

pelo talento do seu traço pode muito bem contar-se<br />

pelo desfile de trabalhos que nunca saíram do papel.<br />

Célebre por ter dado a volta à geometria dos edifícios,<br />

a primeira mulher a receber o «Nobel» da arquitetura,<br />

em 2004, consolidou a fama de ser determinada e<br />

intransigente, não cedendo um milímetro na defesa<br />

das suas ideias. Resultado: alguns dos seus melhores<br />

trabalhos ficaram por construir. Assim aconteceu,<br />

por exemplo, com o projeto da Cardiff Bay Opera<br />

House, uma casa de espetáculos na capital galesa,<br />

cujos arrojados ângulos aguçados se debateram com<br />

MULHER<br />

Quando se olha no reflexo<br />

espelhado que cobre uma<br />

parte substancial dos seus<br />

edifícios, Zaha Hadid vê,<br />

além de uma arquiteta de<br />

sucesso, «a sua pior inimiga».<br />

afinal, ela, que sempre se<br />

furtou a ser um esboço<br />

frágil de si mesma, confessa<br />

nem sempre ser fácil vingar<br />

na intrincada malha da<br />

arquitetura, onde o masculino<br />

continua a ser considerado<br />

mais forte. «ainda é<br />

um mundo de homens»,<br />

reconhece, sem nunca virar<br />

a cara à luta, a primeira<br />

mulher a ganhar o prestigiado<br />

Prémio Pritzker.<br />

DA MãO PARA O PÉ<br />

O crocodilo da<br />

Lacoste pediu e Zaha<br />

Hadid mordeu o isco.<br />

Desenhados à mão pela<br />

arquiteta para levar<br />

arte aos pés, a coleção<br />

de sapatos capsule<br />

surpreende pela proposta<br />

de levar o futuro debaixo<br />

das solas. Mostrando<br />

que nenhum desafio é<br />

rasteiro demais para o<br />

tamanho do seu talento,<br />

partiu, assim, em 2009,<br />

para calçar homens e<br />

mulheres, como já havia<br />

feito no ano anterior,<br />

com a coleção tentacle<br />

para a marca Melissa.<br />

Em ambos os casos,<br />

com ousadia.<br />

ana rita lúcio<br />

um exército apologista do regresso do estilo britânico<br />

neoclássico, que acabou por levar a melhor, apesar de<br />

Hadid ter ido por duas vezes a concurso... e, por duas<br />

vezes, ter ganhado. Aos que lhe franzem o sobrolho,<br />

a diva – como também lhe chamam – responde sem<br />

pejo: prefere as estruturas que «tenham um caráter<br />

cru, vital, orgânico», como se a Terra escorresse delas<br />

e para elas. E recusa-se, terminantemente, a projetar<br />

«edifícios bonitos». Porém, aquela que começou por<br />

se formar em Matemática na Universidade Americana<br />

de Beirute, no Líbano, antes de rumar a Londres, onde<br />

aterrou de estirador na bagagem, não deixa de se render<br />

à beleza. Já não dos edifícios como joias brilhando<br />

isoladamente, mas resplandecendo e fluindo com o<br />

ambiente em que se inserem. Curvando-se, afinal,<br />

perante as cidades e as pessoas. Como é habito dos<br />

(bons) arquitetos. A<br />

SUMÉRIA<br />

Na confluência dos<br />

carregados leitos do tigre e<br />

do Eufrates, a sul do iraque,<br />

Hadid provou em criança,<br />

e pela primeira vez, um<br />

trago de arquitetura que lhe<br />

cativou para sempre o gosto.<br />

aos 11 anos, pela mão do<br />

pai que levou toda a família<br />

em viagem, vogou pelas<br />

históricas cidades sumérias<br />

que o tempo conservou junto<br />

às águas. Ela que antes já<br />

se tinha deslumbrado com<br />

fotografias que mostravam<br />

o contorno orgânico das<br />

estruturas. assim re-encontrou<br />

a arte de bem construir – que<br />

lá cravou raízes, por volta do<br />

ano 3000 a. c. – suspensa<br />

sobre os caudalosos pântanos<br />

onde «a água, a areia, os<br />

juncos, os pássaros, as casas<br />

e as pessoas, de algum modo,<br />

fluem juntos», recorda. o<br />

fascínio por esta paisagem<br />

iniciática não mais a deixou,<br />

a ponto de afirmar que a<br />

sua obra segue na mesma<br />

corrente, ainda que «de uma<br />

forma contemporânea».<br />

PRÉMIOS<br />

Por mais de três décadas<br />

a projetar, consolidou-se<br />

como um pilar da arquitetura<br />

contemporânea em nome<br />

próprio, depois de se ter<br />

estreado com rem Koolhaas<br />

e Elia Zenghelis. a lista de<br />

distinções não engana: Prémio<br />

de arquitetura contemporânea<br />

Mies Van Der rohe, em<br />

2003, quatro Prémios do<br />

royal institute of British<br />

architects, em 2005, 2006,<br />

2008 e 2009, dois Prémios<br />

Stirling, em 2010 e 2011 – o<br />

último pela academia Evelyn<br />

Grace, em londres (na foto),<br />

entre tantos outros. E o mais<br />

importante de todos, o Prémio<br />

Pritzker, em 2004.<br />

PINTURA<br />

Iraquiana de berço,<br />

britânica na formação e<br />

uma cidadã do mundo na<br />

vocação transfronteiriça<br />

do seu trabalho, foi<br />

buscar inspiração à<br />

rússia – aos artistas<br />

soviéticos dos tempos<br />

da revolução – para<br />

os seus quadros, ou<br />

não fosse a pintura um<br />

prazer. Uma paixão que<br />

não compete, contudo,<br />

com a outra à qual se<br />

entregou e da qual fez<br />

ofício. «os quadros têm<br />

sido, porém, sempre<br />

meios subordinados para<br />

explorar a arquitetura.<br />

não os encaro como<br />

arte», argumenta.

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