Linguagem, Educação e Artes - Vol.1 - 2010 - Unorp
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Chanceler<br />
Dr. Augusto Cezar Casseb<br />
Vice-Chanceler<br />
Luiz Carlos Casseb<br />
Reitor<br />
Dr. Eudes Quintino de Oliveira Junior<br />
Pró-Reitor Acadêmico<br />
José Luiz Falótico Corrêa<br />
Pró-Reitor Comunitário e de Desenvolvimento<br />
Antônio Fábriga Ferreira<br />
Conselho Editorial<br />
Uderlei Donisete Silveira Covizzi (Coordenador)<br />
Célia Regina Cavicchia Vasconcelos<br />
Daniela de Oliveira Rezende<br />
Danilo Elias de Oliveira<br />
Elza Cristina Mazza Torres<br />
Leila Maria Homsi Kerbauy<br />
Márcia Maria Menin<br />
Marcelo Kobelnik<br />
Patrícia Helena Mazucchi Saes<br />
Priscila Belintani<br />
Equipe Técnica<br />
Bibliotecárias<br />
Miriam Queiroz Rocha<br />
Diagramação e Editoração<br />
Ana Mária Filipe Fazendeiro<br />
Enio José Bolognini<br />
Revisão Geral<br />
Ademir Pradela<br />
CAPA<br />
―OST (Óleo Sobre Tela)‖- José Luiz Falótico Corrêa
Apresentação<br />
A reedição da revista UNORP, agora em formato eletrônico, oportuniza<br />
a discussão do método científico, expondo o pensamento crítico e reflexivo da<br />
nossa comunidade acadêmica e o de nossos colaboradores. Proporcionamos um<br />
ambiente criterioso e qualificado para a publicação de artigos resultantes das<br />
atividades acadêmicas em pesquisa, ensino e extensão, revisões de literatura,<br />
relatos de experiências profissionais e de conhecimentos culturais.<br />
Objetivamos que esse periódico torne-se um valioso catalisador na<br />
troca de informações entre a comunidade local e externa e que esse intercâmbio<br />
de idéias colabore para o desenvolvimento técnico, cultural e científico de autores e<br />
leitores. A sensibilização de novos autores para futuras edições da revista UNORP<br />
será facilitada pelo formato eletrônico que possibilita a sua ampla divulgação.<br />
Prof. Dr Uderlei Doniseti Silveira Covizzi<br />
Coordenador Revista UNORP
EDITORIAL DA PRIMEIRA EDIÇÃO ELETRÔNICA<br />
É sempre uma satisfação renovada fazer a apresentação de uma nova<br />
Revista <strong>Unorp</strong>, abrangendo agora os cursos de Letras, Pedagogia, Comunicação<br />
Social, Gastronomia, Arquitetura e Design, intitulada <strong>Linguagem</strong>, <strong>Educação</strong> e <strong>Artes</strong>.<br />
O Centro Universitário do Norte Paulista - <strong>Unorp</strong> -, ao longo de seus<br />
quarenta anos de reconhecidos serviços prestados à comunidade local e regional,<br />
tem como um de seus objetivos oferecer ensino de qualidade e construir estratégias<br />
que venham ao encontro das novas demandas do mercado profissional. Daí que a<br />
evolução do ensino tem que acompanhar a evolução social. Pode-se ainda até<br />
explorar a metodologia grega onde o professor realiza sua exposição, mas agora<br />
com uma participação ativa do destinatário do ensinamento. O envolvimento do<br />
aprendizado compreende a utilização de várias ferramentas que sejam acessíveis e<br />
convenientes.<br />
O dinamismo do ensino exige que sejam galgados novos caminhos para<br />
atingir um novo conceito de aprendizado, com a efetiva participação do aluno e o<br />
comprometimento desmedido do professor. Tal tarefa vem sendo cumprida<br />
rigorosamente pela <strong>Unorp</strong>, que faz da sala de aula um laboratório sensibilizado com<br />
as necessidades do aluno. Não se propõe o afastamento das técnicas acadêmicas<br />
de ensino, que utilizam uma metodologia proveniente de um pensamento científico,<br />
mas sim uma adequação que seja apropriada para o perfil do aluno da nossa<br />
Instituição. É um desafio que se apresenta ano após ano e em todos eles colhendo<br />
resultados altamente positivos.<br />
Atendendo, desta forma, os anseios de professores e alunos, a UNORP<br />
disponibiliza via on-line um espaço de estudos, reflexões, pesquisas e atividades<br />
concentradas em áreas específicas do saber. Daí a presente revista. A sociedade<br />
de informação exige que a produção científica ultrapasse as barreiras interna<br />
corporis e avance extra muros, alcançando toda a comunidade universitária ou não,<br />
servindo como um instrumento divulgador de conhecimento e colaborador da<br />
construção de uma sociedade que também se apresenta como interessada e<br />
sequiosa de cultura.<br />
Assim, como a nau que parte para desbravar vários mares e retorna segura<br />
ao porto, entregamos aos nossos leitores a presente edição com a certeza de que o<br />
trabalho será reconhecido pela sua qualidade e pertinência com os temas atuais. Na<br />
mesma oportunidade, ficam registrados os agradecimentos à equipe responsável<br />
pela Revista <strong>Unorp</strong>, com a certeza de que seremos brindados com outros<br />
exemplares eletrônicos tão bem elaborados.<br />
Parabéns a todos!<br />
Dr. Eudes Quintino de Oliveira Júnior<br />
(Reitor da UNORP)
FICHA CATALOGRÁFICA<br />
REVISTA UNORP / Centro Universitário do Norte Paulista. – Vol. 1, no. 1<br />
(Nov. <strong>2010</strong>)– . São José do Rio Preto, <strong>2010</strong>.<br />
Irregular:<br />
ISSN 2178-3268<br />
1. Poligrafias – Periódicos I. Centro Universitário do Norte Paulista.<br />
CDU 08(05)
ARTIGOS<br />
SUMÁRIO<br />
Poliziano e Botticelli: a representação da Vênus caelestis e outros mitos no<br />
jardim lócus-amoenus mitológico<br />
Maria Celeste Tommasello Ramos<br />
Fernanda Silva Veloso<br />
Leandro Passos ......................................................................................................... 1<br />
A representação espacial no discurso audiovisual<br />
Patrícia Helena Mazucchi-Saes ............................................................................... 12<br />
De Bambu Rachado ao Som Digital: História do Rádio de S.J. Rio Preto<br />
Vera Lúcia Guimarães Rezende...............................................................................27<br />
O papel do cidadão e sua responsabilidade em gerar e gerir informações de<br />
caráter público<br />
Marcos Vicente Coffani Lock .................................................................................... 43<br />
O mito da imparcialidade nas manchetes, títulos e subtítulos dos textos<br />
noticiosos<br />
Marcelo Henrique Martins<br />
Célia Regina Cavícchia Vasconcelos ....................................................................... 55<br />
Tradução, Cultura e Mídia: um enfoque na linguagem<br />
Marcelo Pessoa ........................................................................................................ 66<br />
RESENHA<br />
Uma análise do papel do conhecimento na escola<br />
Maria Aparecida Macedo Pimentel ........................................................................... 87<br />
RESUMOS ................................................................................................................ 92<br />
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ............................................................................ 100
_________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
POLIZIANO E BOTTICELLI:<br />
A REPRESENTAÇÃO DA VÊNUS CAELESTIS<br />
E OUTROS MITOS NO JARDIM LOCUS-AMOENUS MITOLÓGICO 1<br />
*Doutora em Letras – professor-adjunto Unesp/Ibilce (S. J. do Rio Preto)<br />
** Licenciada em Letras – Unesp/Ibilce<br />
*** Licenciado em Letras – Unesp/Ibilce<br />
1<br />
*Maria Celeste Tommasello RAMOS<br />
**Fernanda Silva VELOSO<br />
***Leandro PASSOS<br />
Resumo: O estudo em questão visa analisar as homologias presentes na representação da Vênus e<br />
outros mitos na pintura ―La primavera‖, de Alessandro Botticelli, e na poesia ―Il regno di Venere: il<br />
giardino‖, de Angelo Poliziano, com auxílio da semiótica greimasiana, possibilitando verificar como se<br />
construiu a figurativização dos mitos e do jardim locus-amoenus nas duas obras artísticas e a quais<br />
significados podem conduzir.<br />
Palavras-chave: Renascimento italiano, pintura, poesia, Vênus, Botticelli e Poliziano.<br />
Abstract: The following study aims at analyzing the existing homologies in the representation of Vênus<br />
and other myths Allessandro Botticelli´s painting La primavera and in the poetry II regno di venere: it<br />
giardino, from Angelo Poliziano, helped by the greimasiane semiotcs as to verify how the myths and<br />
the garden locus-amoenus picturing was built in both artistic works and to which meanings they can<br />
conduct us.<br />
Keywords: Italian renascence; painting; poetry; Vênus; Botticelli and Poliziano.<br />
Ao comporem suas obras, diversos poetas e pintores, durante o<br />
Renascimento italiano, empreenderam inovações quando adotaram perspectivas<br />
diferentes para a representação de temas da Mitologia Greco-Romana. Dentre as<br />
principais representações pictóricas e poéticas, temos um grande número daquelas<br />
1 O presente artigo é fruto de parte de pesquisa intitulada ‖Perspectivas da representa<br />
ção da Mitologia Greco-Romana na pintura e na literatura do Renascimento italiano‖<br />
desenvolvido pelos autores junto ao Departamento de Letras Modernas da UNESP/IBILCE com<br />
apoio do CNPq ( Bolsa PIBIC/UNESP concedida aos estagiários Fernanda – 2002-2003 e<br />
Leandro 2004).
que elegeram a Deusa Vênus (para os romanos ou Afrodite para os gregos) para se<br />
referirem ao Amor. Destaca-se entre eles Alessandro Botticelli (1444-1510) e Angelo<br />
Poliziano (1454-94).<br />
Nosso objetivo nesse estudo é o de verificar como é construída a<br />
figurativização da Deusa do Amor inserida no jardim locus-amoenus mitológico na<br />
pintura ―La Primavera‖, do pintor renascentista Botticelli, e na poesia intitulada ―Il<br />
regno di Venere: il giardino‖, de Poliziano, poeta italiano que acrescentou a nova<br />
língua, ou seja, o dialeto florentino ou italiano vulgar, ao âmbito da poesia lírica,<br />
dramática e narrativa e construiu, assim, um instrumento literário que regeu também,<br />
poeticamente, o confronto ou a recuperação dos valores antigos, dos ideais<br />
clássicos iniciada no Renascimento.<br />
Ao inserir ―Il regno di Venere‖ em seu livro de poesias, quis mostrar que a<br />
matéria do amor se torna, de uma forma ou de outra, parte integrante das res<br />
gestae, ou melhor, retomando a mitologia greco-romana, o eu poético resgata a<br />
alegoria do ―amor‖. Desse poema, estudaremos um trecho que é considerado um<br />
longo parêntesis ali visto que apresenta uma digressão interessante em relação ao<br />
desenvolvimento do acontecimento principal, isto é, da caçada. Eis o poema:<br />
Vagheggia Cipri un dilettoso monte<br />
che del gran Nilo i sette corni vede<br />
e 'l primo rosseggiar dell'orizonte,<br />
ove poggiar non lice al mortal piede.<br />
Nel giogo un verde colle alza la fronte;<br />
sott'esso aprico un lieto pratel siede;<br />
u' scherzando tra' fior lascive aurette<br />
fan dolcemente tremolar l'erbette.<br />
Corona un muro d'òr l'estreme sponde<br />
con valle ombrosa di schietti arbustelli,<br />
ove in su' rami tra novelle fronde,<br />
cantan i loro amor soavi augelli.<br />
Sentesi un grato mormorio dell'onde,<br />
che fan due freschi e lucidi ruscelli<br />
versando dolce con amar liquore,<br />
ove arma l'oro de' suoi strali Amore.<br />
Né mai le chiome del giardino eterno<br />
tenera brina o fresca neve imbianca:<br />
ivi non osa entrar ghiacciato verno;<br />
non vento o l'erbe o gli arbustelli stanca<br />
ivi non volgon gli anni il loro quaderno;<br />
ma lieta Primavera maí non manca,<br />
2
ch'è' suoi crin biondi e crespi all'aura spiega<br />
e mille fiori in ghirlandetta lega.<br />
Lungo le rive e' frati di Cupido,<br />
che solo uson ferir la plebe ignota,<br />
con alte voci e fanciullesco grido<br />
aguzzon lor saette a una cota.<br />
Piacer e Insidia posati su 'l lido<br />
volgono il perno alla sanguigna rota;<br />
e 'l fallace Sperar col van Disio<br />
spargon nel sasso l'acqua del bel rio.<br />
Dolce Paura e timido Diletto,<br />
dolci Ire e dolci Paci insieme vanno:<br />
le Lacrime si lavon tutto il petto,<br />
e 'l fiumicello amaro crescer fanno:<br />
Pallore ismorto e paventoso Affetto<br />
con Magrezza si duole e con Affanno:<br />
vigil Sospetto ogni sentiero spia:<br />
Letizia balla in mezzo della via.<br />
Cotal milizia i tuoi figli accompagna,<br />
Venere bella madre degli Amori,<br />
Zefiro il prato di rugiada bagna,<br />
spargendolo di mille vaghi odori:<br />
ovunque vola, veste la campagna<br />
di rose gigli violette e fiori:<br />
l'erba di sue bellezze ha meraviglia<br />
bianca cilestra pallida e vermiglia.<br />
Trema la mammoletta verginella<br />
con gli occhi bassi onesta e vergognosa:<br />
ma vie più lieta più ridente e bella<br />
ardisce aprire il seno al sol la rosa:<br />
questa di verde gemma s'incappella:<br />
quella si mostra allo sportel vezzosa:<br />
l'altra che 'n dolce foco ardea pur ora<br />
languida cade e il bel pratello infiora.<br />
L'alba nutrica d'amoroso nembo<br />
gialle sanguigne e candide viole.<br />
Descritto ha il suo dolor Jacinto in grembo<br />
Narcisso al rio si specchia come suole:<br />
in bianca veste con purpureo lembo<br />
si gira Clizia pallidetta al sole:<br />
Adon rinfresca a Venere il suo pianto:<br />
tre lingue mostra Croco, e ride Acanto.<br />
Mai rivesti di tante gemme l'erba<br />
la novella stagion che 'l mondo avviva.<br />
Sovresso il verde colle alza superba<br />
l'ombrosa chioma u' il sol mai non arriva,<br />
e sotto vel di spessi rami serba<br />
3
fresca e gelata una fontana viva,<br />
con sì pura tranquilla e chiara vena<br />
che gli occhi non offesi al fondo mena.<br />
L'acqua da viva pomice zampilla,<br />
che con suo arco il.bel monte sospende;<br />
e per fiorito solco indi tranquilla<br />
pingendo ogni sua orma al fonte scende:<br />
dalle cui labra un grato umor distilla,<br />
che 'l premio di lor ombre agli arbor rende.<br />
Ciascun si pasce e mensa non avara,<br />
e par che l'un dell'altro cresca a gara.<br />
(POLIZIANO, 1988, p.27-31)<br />
Pode-se perceber o esboço construído pelo eu poemático de um jardim<br />
renascentista ideal e das flores que o ornam. Ele se vale da descrição do jardim<br />
locus amoenus, quer dizer, um lugar aberto, amplo e fresco, cuja origem se encontra<br />
na cultura cortês e nos romances de cavalaria e está inserido em nosso kepos,<br />
entendido como espaço cognitivo interno. O ambiente primaveril conquista um valor<br />
metafórico, e essa estação do ano aí descrita é rica em formas. À contemplação<br />
idílica se associa o tema do hedonismo, isto é, da doutrina que considera o prazer<br />
individual e imediato como o único bem possível, cara à filosofia neoplatônica do<br />
tempo. Como exemplo, podemos notar, no trecho que vai do quarto ao sétimo<br />
versos, a caracterização de tal ambiente: sentesi un grato mormorio dell'onde, / che<br />
fan due freschi e lucidi ruscelli / versando dolce con amar liquore, / ove arma l'oro de'<br />
suoi strali Amore (sente-se um grato murmúrio das ondas, / que fazem dois frescos e<br />
lúcidos riozinhos / versando doce com amargo licor, / onde arma o ouro de suas<br />
flechas o Amor) 2 . Existe, então, a presença dos murmúrios das ondas, dos riozinhos<br />
frescos e lúcidos que correm, misturando o doce e o amargo, como é o próprio<br />
amor, que traz em si o bem e o mal, o bom e o ruim, simbolizado pelo mito de<br />
Vênus.<br />
Percebe-se também que Poliziano utiliza personagens mitológicos para criar o<br />
ambiente mágico do jardim. Como figura central aparece Vênus e seu habitat é<br />
descrito. Já na primeira estrofe, mostra o quão luminoso é esse reino de magia. Ao<br />
longo do poema, aparecem descrições que tornam, cada vez mais, o jardim um local<br />
mítico e, assim, eterno. O primeiro e o segundo versos da terceira estrofe retratam<br />
² As traduções dos versos serão sempre literais e realizadas pelos autores do presente artigo.<br />
4
essa passagem: Né mai le chiome del giardino eterno / tenera brina o fresca neve<br />
imbianca. (Nunca as cabeleiras do jardim eterno / tenra geada ou fresca neve<br />
embranquece).<br />
Encontra-se, entre os figurantes, a Hora da Primavera que colorirá e fará florir<br />
o ambiente: ma lieta Primavera mai non manca, / ch‟è‟suoi crin biondi e crespi<br />
all‟aura spiega / e mille fiori in ghirlandetta lega (mas a alegre Primavera não falta<br />
nunca, / com seus cabelos loiros e crespos à aura estende / e mil flores à coroa ata).<br />
Também os filhos de Vênus, chamados de ―Amori‖, se fazem presentes no poema,<br />
com função secundária visto que só são lembrados ao se fazer referência à Vênus.<br />
Tem-se: Venere bella madre delli Amori. (Vênus bela mãe dos Amores).<br />
Prosseguindo a análise, deparamo-nos com os ―Mitos das Flores‖, que são<br />
inseridos para enriquecer o Jardim de Vênus. Buscaremos exemplicá-los concorde<br />
Kury (2001) e Ovídio (1983). Vejamos: no terceiro verso da oitava estrofe,<br />
encontramos referência ao jovem Jacinto – Descritto ha Jacinto il suo dolor in<br />
grembo (Jacinto tem a sua dor descrita no ventre). Ele foi o jovem amante do deus<br />
Apolo. Zéfiro, o deus dos ventos, por se sentir enciumado com a relação dos dois,<br />
desviou o disco com o qual eles brincavam e o fez bater na testa de Jacinto,<br />
matando-o. Renasceu como uma flor no Jardim de Vênus. O fato de renascer assim<br />
insere-o, e a todos os outros jovens descritos no poema, como personagens eternos<br />
do paraíso da deusa do amor.<br />
Narciso é também lembrado em um dos seus momentos de tensão, ou seja,<br />
quando está se olhando, fixamente, no lago. Jovem de grande beleza, Narciso atraía<br />
muitas jovens donzelas, porém não se envolveu com nenhuma delas. Não se deixou<br />
atrair nem sequer pelo triste caso da ninfa Eco que foi condenada pela deusa Hera a<br />
nunca mais usar a fala, a não ser para repetir o que lhe fosse dito. Quando se<br />
apaixonou por Narciso, passou a segui-lo, mas não conseguia dizer-lhe nenhuma<br />
palavra. Narciso tanto ignorou a pobre ninfa que ela foi viver numa caverna e lá<br />
definhou até a morte. Ele, sempre zombando do amor, foi castigado pela deusa<br />
Nêmesis, que o fez apaixonar-se por si mesmo. E, assim, Narciso passava o dia<br />
todo a olhar a sua imagem refletida no lago. Ao tentar alcançar-se, morreu afogado.<br />
As ninfas, então, resolveram enterrá-lo ali mesmo, próximo ao lago. Nesse local,<br />
desabrochou uma nova e encantadora flor a quem elas deram o nome de Narciso. O<br />
verso no qual Narciso está inserido é o quarto da oitava estrofe: Narcisso al rio si<br />
specchia come suole (Narciso no rio se olha como é costume).<br />
5
A jovem Clícia, um dos personagens do locus amoenus, também foi<br />
convertida em flor, em detrimento do seu amor por um deus. Vejamos: Si gira Clizia<br />
pallidetta al sole (Gira-se Clícia palidinha ao sol). Apesar de se voltar para o deus<br />
sol, ou Hélios, ainda está pálida, amarela. O mito narra que Clícia, uma jovem<br />
apaixonada pelo deus Hélios (o Sol) havia sido desprezada por ele, visto que o<br />
mesmo estava apaixonado por Leucote. Amargurada, Clícia conta ao pai de sua rival<br />
a aventura amorosa de sua filha. Depois disso, Hélios passou a odiá-la e Clícia<br />
definhou até morrer, já que passava todo o seu dia acompanhando com os olhos o<br />
―caminhar do sol‖. Foi transformada na flor girassol que está sempre olhando para o<br />
astro.<br />
Nota-se também o jovem Adônis como personagem tão singular no poema,<br />
uma vez que é um dos amantes da deusa Vênus e também fará parte do jardim:<br />
Adon rinfresca a Venere il suo pianto. (Adônis acalma Vênus em seu pranto). O mito<br />
diz que Mirra, filha do rei da Síria, apaixonou-se pelo próprio pai e, por meio de<br />
estratagemas, conseguiu passar doze noites com ele. Mas o rei descobriu o engodo<br />
e, furioso, perseguiu a filha com a intenção de matá-la. Os deuses, todavia, o<br />
impediram, transformando a princesa em uma árvore odorífera, a mirra. Meses<br />
depois, o tronco da árvore abriu-se e dela saiu um menino de grande beleza que<br />
recebeu o nome de Adônis. A deusa Vênus, impressionada, recolheu-o e pediu que<br />
Perséfone, esposa de Hades, o criasse às escondidas. No entanto, quando ele se<br />
tornou adolescente, Perséfone também se apaixonou e não quis devolvê-lo a Vênus.<br />
O litígio entre as duas deusas teve de ser arbitrado por Zeus. O soberano dos<br />
deuses decidiu que o rapaz passaria um terço do ano com Vênus, um terço com<br />
Perséfone e o outro terço com quem quisesse. Assim, Adônis passava dois terços<br />
do ano em companhia de Vênus. O rapaz adorava caçar, e a deusa,<br />
freqüentemente, o acompanhava em um carro puxado por cisnes. Certo dia, porém,<br />
quando caçava sozinho, um javali feroz feriu-o mortalmente. Algumas versões<br />
relatam que o javali era na verdade o ciumento deus Ares, amante de Vênus; outras,<br />
que havia sido enviado por Ártemis, ou ainda por Apolo, por razões pouco claras.<br />
Vênus acorreu imediatamente, mas era tarde demais para salvar Adônis.<br />
Entristecida, a deusa fez com que a anêmona, belíssima flor vermelha que floresce<br />
brevemente na primavera, brotasse do sangue derramado por ele. Relatos<br />
posteriores afirmam ainda que, ao socorrer o jovem, Vênus feriu-se em um espinho<br />
6
e seu sangue tingiu de vermelho as rosas, que até então eram somente de cor<br />
branca.<br />
O eu poético ainda introduz dois mitos de flores que evidenciam o amor<br />
sensual: Croco, personagem transformado pelos deuses na flor de açafrão,<br />
evidenciando-se, no verso abaixo, as suas três pétalas e Acanto, jovem ninfa que<br />
metamorfoseou-se em flor com seu próprio nome, em recompensa por corresponder<br />
ao amor de Apolo. No poema, Acanto ri, mostrando o lado prazeroso e hedonístico<br />
do sentimento: tre lingue mostra Croco, e ride Acanto (três línguas mostra Croco, e ri<br />
Acanto).<br />
Todos esses personagens mitológicos inseridos no poema fazem parte de<br />
narrativas amorosas, mostrando, assim, que a primeira função do poema é a de<br />
alegorizar o amor neoplatônico, como sentimento idealizado e sublime, quase<br />
celeste e o amor natural, ligado às flores e à eterna forma cíclica vivida por elas: flor<br />
- fruto - semente - planta.<br />
Desta mesma forma, é também a presença de tantos mitos que marca<br />
fortemente a homologia que traçamos com a pintura intitulada ―La primavera‖ de<br />
Botticelli, grande artista do Renascimento Italiano:<br />
Florença, Galeria dos Uffizi. (Albertário, 1993, p. 36)<br />
O jardim de Vênus também é representado pela pintura. Ele compõe uma<br />
espécie de moldura das personagens com suas flores, árvores e cores. Nele a<br />
primavera reina eternamente. Da direita para a esquerda, Zéfiro, o deus dos ventos,<br />
e a ninfa Clóris, que se transforma na deusa Flora, fazem desabrochar as flores,<br />
uma vez que é ela quem as espalha e Zéfiro lhes dá vida com o seu hálito<br />
7
primaveril. Ao centro, diante de uma moita de mirto, encontra-se Vênus e acima seu<br />
filho Cupido, preparando-se para flechar umas das três Graças que dançam, unidas,<br />
diante de Vênus. Fechando tal moldura, aparece Mercúrio que, com seu espadim,<br />
espanta o mal tempo do belo jardim.<br />
Entendemos que as relações que se estabelecem entre textos poético e<br />
pictórico renascentistas são claras visto que alguns autores afirmam que Botticelli e<br />
Poliziano participavam das reuniões promovidas pelo mecenas e poeta Lorenzo dei<br />
Medici, nas quais temas eram discutidos para posteriormente serem retratados ou<br />
figurativizados pelos artistas. Vale ratificar que as obras analisadas mostram que o<br />
tema escolhido pelos autores, além de ser o mesmo, pode ser analisado de acordo<br />
com a sociedade da época ou de acordo com a arte como criação estética.<br />
No texto poético, a natureza primaveril é representada com cores vivas que<br />
remontam às imagens da pintura renascentista. Poliziano descreve uma longa série<br />
de lembranças culturais, como a representação bíblica do paraíso terrestre, o mito<br />
da idade do ouro, etc. As plantas serão detalhadamente descritas. O reino da deusa,<br />
na ilha de Chipre, tem ar doce e ameno; o tempo não passa e o inverno não entra<br />
porque Mercúrio o afasta com o espadim mágico. Segundo Francastel (1982, p.<br />
259), ―as imagens concretas e os versos do poema são frutos de um capricho, já<br />
que estão ligados a atividades da época, entre eles o tema do jardim‖. O sonho do<br />
jardim é a dimensão apolínea na qual se espelha a possibilidade utópica da nossa<br />
vida coletiva, de uma sociedade mais igualitária e amena. O ideal de jardim está no<br />
inconsciente coletivo das sociedades e faz a ligação entre homem e natureza, ou<br />
seja, a ―Grande Mãe‖ ou Natureza recupera esse valor já existente desde os<br />
primórdios. Para Laura Tussi (2002), no plano simbólico, os jardins, possuem uma<br />
parcela significante na história. Assim, é considerado genius loci, visto que nos<br />
educou no senso da beleza, representada, no poema de Poliziano, pela deusa<br />
Vênus.<br />
O jardim pode se transformar em um topos mítico e lendário, pois se enxerta,<br />
como já dito, no imaginário dos indivíduos sem os abandonar e cria ou restabelece<br />
um mundo ideal, utópico, o Paraíso (Jardim do Éden). Seria um lugar secreto,<br />
desconhecido, terra prometida, fecunda e cheia de vida, de renascimento e<br />
ressurreição, lugar de arte e poesia, de fecundidade, matriz da origem do tudo, seio<br />
de vida e antro da morte. Esse movimento cíclico do nascer, crescer e morrer,<br />
presente no jardim, é representado ou alegorizado pela Natureza, que ao mesmo<br />
8
tempo em que doa, toma de volta, é o mito do eterno retorno. Ele não vai<br />
representar barreiras, discriminações, mas será, sim, hospitaleiro.<br />
O jardim locus amoenus foi retratado nas duas obras em análise. Ambos os<br />
artistas conseguem estabelecer a tensão dialética em seus textos. Poliziano, além<br />
de usar o tema do ―amor‖ e provocar o ―confronto com o antigo‖ por meio de seu<br />
poema, faz com que ele seja, igualmente, uma possível representação da estreita<br />
relação entre o homem e a ―Mãe-Natureza‖, que se faz presente no inconsciente<br />
coletivo do ser humano por meio da disposição dos mitos das flores. Botticelli utiliza<br />
o mesmo procedimento que Poliziano, já que, além de representar o jardim ideal e o<br />
―amor‖ na sua forma maior, isto é, a deusa Vênus, faz com que percebamos a<br />
inserção do contexto social ou dos rituais míticos da Florença renascentista em ―La<br />
Primavera”, por meio do ideal de beleza feminina, representado pelas vestes das<br />
personagens e pelo passo de contradança que caracteriza cada representação.<br />
Assim, o jardim aberto, lugar mítico e eterno é utilizado tanto para alegorizar ou<br />
simbolizar o amor como para representar rituais míticos, na obra de Botticelli, e o<br />
genius loci, na obra de Poliziano.<br />
Utilizando os conceitos da teoria semiótica da linha greimasiana (Greimas,<br />
1975), as homologias entre a pintura e poesia analisadas podem ser verificadas nos<br />
seguintes níveis: a) nível fundamental: com as principais oposições semânticas<br />
representadas pelo contraste morte x vida (vida como renascimento - mito do eterno<br />
retorno, mitos das flores) ou por transformação x estaticidade, etc.; b) nível narrativo:<br />
ambas representações sugerem ou inserem em si diversas narrativas, uma principal<br />
(Vênus) e várias satélites (diversos mitos em conjunção com o mito principal, rapto<br />
de Clóris e seu retorno como Flora, na pintura, ou os diversos mitos das flores, na<br />
poesia) e c) nível discursivo: o processo de enunciação resulta na descrição ideal de<br />
um jardim renascentista e das flores que o adornam, o jardim locus-amoenus, além<br />
da presença de diversos seres mitológicos (acompanhantes de Vênus).<br />
No tocante ao plano da expressão, são consonantes as presenças dos<br />
formantes figurativos (jardim, flores, dança, musicalidade, etc.) que nos levam ao<br />
plano do conteúdo de beleza, perfume, harmonia, alegria, etc. Os formantes<br />
plásticos presentes confirmam a homologia entre os textos estudados pois na<br />
categoria topológica vemos Vênus ocupando o centro de ambas representações; na<br />
categoria eidética, várias formas são sugeridas, como a circularidade da vida, por<br />
exemplo, que é representada pelos mitos das flores (morte – ressurreição – vida) ,<br />
9
no poema, e pela dança e diversos movimentos sugeridos na pintura; e, na categoria<br />
cromática, podemos perceber a harmonia e suavidade da representação pictórica a<br />
partir da escolha de cores de tom pastel e da distribuição uniforme da iluminação<br />
que igualmente é sugerida na representação poética pelas figuras de linguagem<br />
regulares, pela sintaxe de composição dos versos e pelo conteúdo semântico dos<br />
mesmos.<br />
Desta forma, na análise homológica que empreendemos entre um texto<br />
poético e um pictórico, pode-se perceber a consonância existente entre as<br />
perspectivas de representação desses mitos nos campos de expressão estudados.<br />
Ao eleger o mito de Vênus como tema, as obras ―La primavera‖ e ―Il regno di<br />
Venere: il giardino‖ expressam uma leitura desse verdadeiro símbolo mitológico que<br />
associa sua representação às idéias de beleza feminina, eroticidade, sexualidade,<br />
amor, inspiração, etc. Em virtude dessas considerações, acreditamos que as<br />
perspectivas propostas e os recursos e estratégias de construção dos textos<br />
(pictórico e poético) demonstram como o olhar do homem renascentista percebia e<br />
representava tal tema de forma harmônica e consonante em vários campos da<br />
expressão.<br />
10
Referências Bibliográficas<br />
ALBERTARIO, M. (org.) Botticelli. Milano: Pockets Electa, 1993.<br />
FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. Trad. M. A. L. de Barros. São Paulo:<br />
Perspectiva, 1982.<br />
GREIMAS, A. J. Sobre o sentido – ensaios semióticos. Trad. A. C. C. Cezar e outros.<br />
Petrópolis: Vozes, 1975.<br />
KURY, M. G. Dicionário de Mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.<br />
OVIDIO. As metamorfoses. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983.<br />
POLIZIANO, A. Stanze per la giostra . In: ORLANDO, S. (org.) Poesie italiane.<br />
Milano: Rizzoli, 1988.<br />
. Acesso em 30 nov. 2002,<br />
01:25:43. TUSSI, L. Il giardino: storia, leggende e mitologie. Conoscersi attraverso<br />
un simbolo.<br />
11
__________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
A REPRESENTAÇÃO ESPACIAL NO DISCURSO AUDIVISUAL<br />
*Graduada em Letras pela UNESP/ S.J. Rio Preto<br />
Mestre e Doutora em Letras pela UNESP/ S.J.Rio Preto<br />
Professora em diversos cursos da UNORP.<br />
12<br />
*Profa. Patrícia Helena MAZUCCHI-SAES<br />
Resumo: Este trabalho tem como objetivo destacar, em comerciais veiculados pela televisão, a<br />
importância dos componentes do espaço fílmico (elementos da encenação, códigos visuais e<br />
gráficos) na construção do sentido da peça publicitária. No mundo representado, fictício, o espaço é<br />
idealizado para receber ações, dentro de uma ilusão de tridimensionalidade capaz de oferecer ao<br />
observador a impressão de realidade.<br />
Palavras-chave: imagem, espaço, publicidade, tridimensionalidade.<br />
Abstract: This work aims to highlight in TV commercials the importance of the filmic space constituent<br />
parts (staging elements, visual and graphic codes) in building up the sense in publicitary plays. In the<br />
represented world, the space is idealized in order to receive actions inside an illusive area of<br />
tridimensionality capable of offering the observer the reality impression.<br />
Keywords: image; space; publicity; tridimensionality
O discurso estrutura-se a partir de três componentes: tempo, espaço e ação<br />
1 . No discurso fílmico, o espaço é o componente mais evidente e, pode-se dizer, o<br />
mais importante deles, pois é depositário de manifestações temporais e atoriais,<br />
sendo priorizado pelos sistemas de significação planares.<br />
No mundo fenomenológico, as ações se desenvolvem num lugar de<br />
existência prévia, ―real‖. O espaço real é anterior às ações realizadas pelo homem.<br />
No mundo representado, fictício, o espaço é idealizado para receber ações, dentro<br />
de uma ilusão de tridimensionalidade capaz de oferecer ao observador a impressão<br />
de realidade.<br />
Em certas situações, essa impressão de realidade pode obliterar o limite entre<br />
as noções de ―real‖ e ―representado‖ e colocar o espectador diante do efeito de<br />
realidade. O cinema e a publicidade exploram sobejamente esta possibilidade de<br />
desvincular o sujeito da ancoragem no mundo fenomenológico, levando-o para a<br />
esfera imaginária do espaço paradisíaco que, em última análise, aproxima-se do<br />
Éden, como se vê nas imagens de comerciais sobre viagens de férias, por exemplo.<br />
Esse efeito de real opera por sedução, que faz com que o observador se emocione<br />
mediante identificação com personagens, normalmente jovens, belos e sedutores,<br />
que freqüentam aquele lugar idealizado ou, simplesmente, pela projeção de um eu<br />
idealizado que retorna às origens do paraíso perdido.<br />
Um filme é projetado em uma tela plana e bidimensional. Neste espaço plano,<br />
pode ocorrer pela ilusão da terceira dimensão, a representação da profundidade que<br />
concorre para o aparecimento do efeito de realidade. O enunciado fílmico propicia o<br />
surgimento de uma terceira dimensão, denominada profundidade de campo, em que<br />
os objetos e pessoas podem ser vistos com maior nitidez. A associação do recurso<br />
tridimensional com os elementos que conferem melhor delineamento às figuras, tais<br />
como configuração plástica, luzes, sombra, cores, movimento e proporção no<br />
tamanho dos objetos, concorre para gerar o efeito de realidade das imagens<br />
projetadas em tela. Tais elementos, atuam como uma espécie de estímulo que guia<br />
o olhar do espectador e estimula sua mente a interagir com o enunciado fílmico,<br />
completando-o e estabelecendo as necessárias adequações entre imagens<br />
1 Este trabalho toma o termo ação como uma alternativa para substituir a noção de personagem<br />
considerando o fato de que, na publicidade televisiva, de curta duração, a função atorial<br />
sobrepõe-se á noção de persona ainda que correborem para a significação os traços<br />
psicológicos dos personagens ou dos seus papéis sociais.<br />
13
epresentadas e noções ou objetos representados, segundo uma direção e um ritmo<br />
impostos pelo filme:<br />
la mirada espectatorial, tando desde el punto de vista del movimiento físico<br />
de los ojos, como desde que se refiere a la atención que prestamos a lo que<br />
sucede en la pantalla, está materialmente forzada a seguir una dirección<br />
estipulada por la interacción existente entre la composición bidimensional y<br />
el efecto representado de tridimensionalidad. (CARMONA, 1991, p. 135)<br />
Tudo o que é mostrado na tela do cinema é pré-organizado e selecionado de<br />
acordo com uma perspectiva. Segundo Aumont (1995, p. 213), a perspectiva<br />
consiste na projeção dentro do espaço bidimensional e plano, de um espaço<br />
tridimensional, obedecendo a certas regras. Essa transformação geométrica visa a<br />
transmissão de informações no espaço projetado, de maneira que se garantam a<br />
reconstituição dos volumes projetados e sua disposição espacial e determina aquilo<br />
que será mostrado, como será mostrado, assim como o que será ocultado.<br />
O espaço imaginário, construído sob uma perspectiva e recortado por um<br />
enquadramento, é composto por elementos que, reunidos e organizados fazem<br />
parte do processo de encenação. Segundo Carmona (1991, p.129-35), são os<br />
seguintes os elementos do processo de encenação: cenário, natural ou artificial, que<br />
funciona como ambiência daquilo que se conta, podendo assumir também o papel<br />
de ator discursivo, como nos documentários; vestimenta, que varia entre<br />
neutralidade, efeito de naturalidade ou estilização; maquiagem, pode ser neutra ou<br />
destinada a provocar algum efeito; iluminação, o componente mais importante da<br />
construção de uma cena, pode funcionar como dispositivo retórico, segundo sua<br />
qualidade, direção, fonte e cor; distribuição e direção de atores, processos<br />
integrados de forma homogênea com os demais componentes da cena.<br />
Pelo fato de o cinema manifestar-se por imagem projetada, o estudo do<br />
discurso fílmico prevê que se abordem tanto questões internas ao enunciado quanto<br />
outras atinentes a própria natureza do meio, que é, por excelência, espacial. Trata-<br />
se, portanto, de um meio de expressão que conjuga a um só tempo, por um lado, a<br />
possibilidade de representar com grande fidelidade espaços pré-existentes ou<br />
imaginários, e, por outro, para que isso ocorra, delimita uma área num plano por via<br />
de um enquadramento de câmera cuja função primeira é definir para o espectador o<br />
14
que faz parte do ―sonho‖ vivido em tela e o que pertence ao universo de realidade<br />
que o abriga enquanto projeção.<br />
Na estruturação do seu enunciado, o cinema combina os códigos<br />
tecnológicos, visuais, gráficos, sonoros e sintáticos. Dentre esses códigos, os que se<br />
destacam imediatamente na definição e delimitação do espaço são os visuais e os<br />
sintáticos. Os visuais envolvem questões relativas à planificação e à iluminação. A<br />
planificação abrange dois aspectos: a) delimitação das bordas e do formato da<br />
imagem; b) tipos de planos, inclinação e angulação da câmera.<br />
Em relação à delimitação das bordas e ao formato da imagem, pode-se dizer<br />
que se referem ao recorte do espaço, indicando as margens do enquadramento. O<br />
formato condiciona a quantidade de elementos a serem exibidos e sua distribuição<br />
no espaço. Carmona (1991, p. 94) afirma que o formato é importante ―por cuanto<br />
implica disponer de una superficie diferente para distribuir los elementos y, en<br />
consecuencia, una diferente disponibilidad del espacio y de la cantidad de objetos<br />
incluibles en él‖.<br />
O espaço enquadrado é isolado do restante pela moldura, que separa<br />
fisicamente o universo da imagem e o que a circunda. De um lado fica o mundo do<br />
observador e de outro o da representação. A moldura pode ser objeto, como nos<br />
quadros pictóricos, dando um acabamento à imagem, ou limite, quando sugere a<br />
interrupção da imagem. No caso do vídeo tem-se a moldura da tela, do aparelho de<br />
TV. Pode existir também a moldura dentro da moldura, muito utilizada na<br />
publicidade, quando há uma tarja preta nas partes inferior e superior na tela,<br />
recortando ainda mais o espaço enquadrado.<br />
O enquadramento, resultante do trabalho da câmera, é um recurso poderoso<br />
de enunciação, porque funciona como uma ferramenta de recorte a serviço da<br />
explicitação de certas decisões sobre o que é importante e deve ser mostrado e o<br />
que deve ser omitido ou rechaçado segundo intenções definidas. A seleção do que<br />
será enquadrado é feita pela manipulação dos eixos responsáveis pela localização<br />
topográfica das figuras da representação, em relação ao destinatário:<br />
a) eixo perspectivo: há inserção da idéia de profundidade em três zonas /aqui, lá, em<br />
outra parte/;<br />
b) eixo de superfície ou angulação: situa o objeto de acordo com o sentido vertical<br />
/alto, médio e baixo/ e horizontal /direita ou esquerda/;<br />
15
c) eixo divisor: divisão em espaço in, o que provoa o campo, e off o que povoa o<br />
fora-de-campo.<br />
Associadas ao enquadramento, encontram-se as noções de campo e fora-de-<br />
campo. Campo é o ―pedaço‖ de espaço imaginário com três dimensões que é<br />
percebido na imagem fílmica. É uma porção do espaço que foi recortado pelo<br />
enunciador, segundo uma razão particular, um ponto de vista, e que é exibido ao<br />
espectador. Essa noção leva à impressão de realidade, provocada pelos efeitos de<br />
profundidade. Assim, o espectador passa a conceber o campo como real e também<br />
a imaginar o fora-de-campo, espaço que não é visto.<br />
A noção de campo evoca a de fora-de-campo, ou seja, o espaço global de<br />
onde o campo foi recortado. Aumont (1995, p. 26) define o fora-de-campo como<br />
―noção também de origem empírica, elaborada na prática da filmagem<br />
cinematográfica, em que é indispensável saber o que, do espaço prófilmico, será e o<br />
que não será visto pela câmera‖. Na imagem em movimento, o fora-de-campo pode<br />
ser visto por meio de um enquadramento móvel ou pelo encadeamento de planos.<br />
O campo, espaço in, e o fora-de-campo, espaço off, relacionam-se de<br />
diversas maneiras, por meio de procedimentos que os aproximam, criando muitas<br />
vezes no espectador a noção de espaço homogêneo e não-fragmentado, como<br />
realmente acontece, e também a impressão de continuidade temporal:<br />
El campo y el fuera de campo se relacionan a través de las entradas y<br />
salidas de personajes u objetos, de las interpelaciones realizadas hacia el<br />
fuera de campo — con el raccord de miradas como forma privilegiada — y<br />
la determinación del espacio off a través de la fragmentación de personajes<br />
y objetos de los que una parte queda excluida del encuadre. (CARMONA,<br />
1991, p. 95)<br />
O espaço off é importante a partir de suas relações com o in e, também, pelas<br />
tensões que possa provocar neste. Agregam-se aos elementos do fora-de-campo<br />
elementos como música, ruído e sons que afetam diretamente tudo aquilo que é<br />
mostrado no campo.<br />
Existe, ainda, distinção entre o fora-de-campo concreto e imaginário. O<br />
concreto é aquele onde ocorre a atualização no campo daquele espaço que era<br />
imaginário. O imaginário é quando o espaço off nunca é atualizado.<br />
16
Pelas relações estabelecidas entre campo e fora de campo, ou seja, entre o<br />
que é efetivamente visto pelo espectador e o que lhe é sugerido pelos dados<br />
bordados apreendidos na tela, a publicidade pode tecer enunciados de grande<br />
riqueza em termos de pressuposições, implicações, sugestões e subentendimento<br />
de sentidos a serem construídos pelo espectador por meio deste recurso. Auxiliam-<br />
nos na exposição desta idéia os conceitos de Landowski (1982, p. 85-101) sobre os<br />
conceitos apresentados em seu esquema de visibilidade.<br />
A visibilidade é um instrumento de transmissão do saber. O esquema ou<br />
regime de visibilidade envolve o ―ver‖ e o ―ser visto‖ e, por meio dele, decide-se o<br />
que deve ou não ser mostrado. A transmissão do saber, a relação escópica, envolve<br />
duas instâncias, um sujeito 1 que tem por objetivo ―fazer ver‖ e um sujeito 2,<br />
modalizado pelo querer, dever, poder e saber ―ver‖, ou seja, um sujeito que vê e<br />
outro que é visto. Entre esses dois sujeitos encontra-se o objeto da visão, a imagem.<br />
O sujeito 1 guia o percurso do sujeito 2, decidindo quais elementos serão<br />
privilegiados na exibição, qual deles terá maior ou menor visibilidade e como serão<br />
combinados entre si. Esses dois sujeitos serão denominados escópicos ou actantes<br />
e entram em relação a partir das modalidades do querer, dever, saber e poder ver.<br />
Para que o esquema de visibilidade se realize, são necessárias competências ou<br />
condições, como a existência de uma fonte de luz para iluminar o objeto, guiando o<br />
espectador. Nesse sentido, o observador tem que saber ver e o observável tem que<br />
querer/saber mostrar-se. Finalmente, pode-se dizer que a modalidade do querer é<br />
uma das mais importantes para que a relação escópica se atualize.<br />
O espaço plástico é, portanto, o local onde se depositam todas as<br />
informações, desde a descrição do ambiente onde se desenvolverão as ações até<br />
informações sobre estados psicológicos dos personagens.<br />
O segundo aspecto abrangido pela planificação diz respeito ao modo pelo<br />
qual o espaço e os elementos que o constitui devem ser vistos. O olhar do<br />
espectador também é guiado pelo tipo de plano adotado, pela angulação e<br />
inclinação da câmera. O enquadramento mostra-nos como a cena foi vista por quem<br />
colheu as imagens. Há, em certo sentido, uma identificação entre o olhar da câmera<br />
e o olhar do espectador, de modo que o segundo vê, a posteriori, exatamente aquilo<br />
que a lente da câmera captou anteriormente. Se, por um lado, esse procedimento<br />
pode resultar um efeito de sentido de dejá vu; por outro confere ao observador a<br />
17
sensação de onisciência em termos de desvendamento completo daquilo que lhe é<br />
mostrado.<br />
Os planos podem ser caracterizados segundo: tamanho (geral, americano,<br />
médio, primeiro plano, primeiríssimo plano, detalhe, conjunto, master); duração<br />
(plano-seqüência); distância (detalhe, conjunto, master) e movimento (fixo ou em<br />
movimento). A escolha dos tipos de planos, como a de qualquer recurso utilizado em<br />
um filme, é uma questão de caráter estilístico, de ponto de vista. A publicidade utiliza<br />
freqüentemente closes, detalhes e primeiríssimo plano para realçar o objeto<br />
anunciado e seus benefícios. Anúncios de dentifícios operam com o close, outros<br />
que procuram evidenciar a amplidão de horizontes atribuída a determinado fator<br />
trabalham com a câmera aberta. Não raramente o efeito de expansão é conseguido<br />
por uso da lente grande angular para associar a amplitude aos espaços internos de<br />
um imóvel ou de um automóvel. Curiosamente, as noções de tempo e espaço<br />
entrelaçam-se nos comerciais de TV que procuram evidenciar os efeitos de um<br />
produto de beleza, como um anti-rugas ou um anti-estrias, jogam com imagens do<br />
antes e depois da utilização do produto. Para isso, no antes fazem uso de closes,<br />
primeiríssimos planos, realçando a pele envelhecida e danificada. Para efeito de<br />
construção do sentido, utilizam-se algumas estratégias relativas à transgressão de<br />
uma previsibilidade imposta pela própria linguagem cinematográfica. Com alguma<br />
freqüência, vemos anúncios usarem o primeiro plano para focalizar imagens com<br />
iluminação difusa e pouca nitidez, relativas à noção de depois, em contrapartida a<br />
absoluta nitidez de um close associado à noção de tempo do antes. Compreende-se<br />
que tal recurso exime a mensagem publicitária de responsabilidade perante o<br />
Código de Defesa do Consumidor, pelo fato de atribuir ao produto capacidades<br />
milagrosas de transformação da realidade. Anúncios sobre os benefícios de um<br />
creme anti-celulite empenham-se em mostrar deformações associadas à noção do<br />
antes e imagens de menor nitidez, associadas à noção de depois do uso do produto.<br />
A noção de plano pressupõe a de campo que, como já dissemos, é a parte do<br />
espaço que está sendo enquadrada. O enquadramento, por sua vez, corresponde<br />
ao limite do campo. Ao estabelecer a relação entre observador e imagem, pode<br />
sugerir ao primeiro a idéia de fragmentação e descontinuidade diferente do espaço<br />
natural e também propor ao enunciador a criação de espaços e imagens surreais.<br />
O recurso da posição da câmera, que envolve angulação e inclinação,<br />
também está a serviço da organização dos elementos no espaço imaginário. Seu<br />
18
uso determina como a imagem será mostrada, estabelecendo posição frente à cena.<br />
Existem três categorias básicas de angulação: câmera normal ou posicionada na<br />
altura dos olhos do espectador, plongé e contre-plongé e, em relação à inclinação, a<br />
posição pode ser normal ou posicionada na direção do espectador, inclinada para a<br />
direita ou para a esquerda.<br />
De toda maneira, não se pode perder de vista a idéia de que qualquer que<br />
seja a angulação, posição ou inclinação da câmera, ela sempre estabelecerá um<br />
ponto de vista de onde se narra a história e de onde ela deve ser vista.<br />
A iluminação é outro código que contribui para a organização do espaço<br />
enquadrado e para a produção de sentidos. Ela pode tornar visíveis ou obscuros os<br />
elementos no espaço, como também favorecer a desreferencialização. A luz pode<br />
ter caráter neutro ou simbólico, sempre relacionados com a questão do ponto de<br />
vista. Além disso, mostra e esconde e nem sempre o mais visível ao observador é o<br />
mais importante ao projeto enunciativo como um todo. O esquema de visibilidade<br />
serve-se de elementos do código da iluminação, em primeira instância, para<br />
ressaltar elementos; entretanto, faz parte do engendramento enunciativo agenciar<br />
procedimentos de simulação e dissimulação, subordinados a um projeto mais<br />
ousado, de intenções freqüentemente ocultas para o observador, pelo qual omitem-<br />
se alguns dados que devem ser encontrados, mediante esforço participativo, e<br />
oferecem-se outros de menor relevância para serem apreendidos sem qualquer<br />
dificuldade. Em outras palavras, nem sempre aquilo que é mostrado em sua<br />
plenitude é o mais importante para a consecução deste projeto de recepção; no<br />
processo de garimpagem dos sentidos mal delineados pelo plástico pode figurar<br />
toda a força persuasiva da mensagem.<br />
A coloração e, principalmente, o contraste causado pelo branco e preto<br />
versus o colorido é outro código organizador do espaço construído. O uso de<br />
determinada cor sugere uma significação particular. Como exemplo, podemos citar<br />
que, atualmente, o uso do colorido é comum e qualquer escolha pela utilização de<br />
branco e preto produz o sentido de um desvio. Na publicidade, tem sido comum o<br />
uso do colorido para destacar o objeto anunciado, permanecendo o restante do<br />
espaço enquadrado em preto e branco. Sabe-se que a sintaxe visual prevê a<br />
contaminação do sentido entre os elementos que compõem a imagem. O diálogo<br />
entre preto e branco, difuso e colorido, realçando o elemento nítido, pode gerar o<br />
sentido mais amplo, que apontaria para categorias como /importante/ versus<br />
19
secundário/, /animado/ versus /inanimado/, /vida/ versus /morte/, /dinamicidade/<br />
versus /estaticidade/ e outros que apareceriam pelo trabalho de uma análise<br />
empenhada em desconstruir, selecionar e articular uma linha isotópica sustentada<br />
por dados fornecidos pelo próprio texto em exame. Uma análise dessa natureza<br />
prevê o estudo do enquadramento relacionado ao uso de outros recursos como<br />
iluminação, coloração, angulação e inclinação da câmera, que se prestam a valorizar<br />
esquemas de visibilidade disseminando informações passíveis de serem recolhidas<br />
pelo observador no processo de articulação do sentido.<br />
Dentre os códigos que se destacam em relação ao espaço estão aqueles<br />
encarregados da ordenação sintática, como a montagem, operação que organiza o<br />
conjunto dos planos que formam um filme, segundo uma ordem pré-fixada<br />
(CARMONA, 1991, p. 109). A montagem é um princípio organizador que realiza uma<br />
operação sintagmática, selecionando e ordenando fragmentos espácio-temporais.<br />
As relações podem ser dadas por continuidade, elipses ou retrocessos, no caso das<br />
temporais, e por continuidade ou distanciamento, no caso das espaciais. Para<br />
efetivar essas relações, a montagem pode ser alternada, paralela ou convergente.<br />
A montagem, entretanto, não é só um recurso técnico de seleção sintática de<br />
elementos. Busca também estabelecer uma relação semântica entre as partes do<br />
filme, tornando-se um recurso utilizado para criar perspectiva e ponto de vista. 2<br />
Essas relações semânticas contribuem para produção do sentido denotado,<br />
na organização dos elementos que compõem a ação, conduzindo a uma relação de<br />
causalidade e/ou temporalidade e sentido conotado, criando, na junção de<br />
elementos distintos, efeitos metafóricos. A montagem tem também a função de<br />
estabelecer funções rítmicas entre os blocos. Há dois tipos de ritmo: a) temporais, na<br />
duração das formas visuais e na trilha sonora e b) plásticos, que determinam a<br />
organização plástica da imagem.<br />
As junções e disjunções no encadeamento dos planos, os procedimentos de<br />
articulação no campo, conduzindo à perspectiva e à profundidade de campo levam<br />
ao estabelecimento de sentidos, confluindo onisciência à câmera.<br />
2 Recurso eficaz para a arquitetura do sentido, o ponto de vista enunciativo responde pelo modo<br />
pelo qual dada história é contada. Sabe-se que a ordem de apresentação das cenas e<br />
seqüências é determinante para a criação de estados de ânimo no espectador. O que ocorre<br />
no cinema não é muito diferente daquilo que acontece nas nossas narrativas triviais, cujas<br />
seqüências de fatos são apresentadas em ordens distintas, segundo as intenções<br />
momentâneas de se colocar o interlocutor a favor ou contra algum ponto de vista ou<br />
acontecimento.<br />
20
A montagem recobre implicitamente uma representação temporal, pois a<br />
organização dos blocos em seqüência estabelece relações temporais entre eles,<br />
apesar de se tratar de um tempo artificial, sintético, pois os blocos de tempo<br />
relacionados não são contíguos na realidade.<br />
Como conclusão, podemos dizer que todos os códigos que atuam no espaço<br />
enquadrado por uma câmera têm uma função específica. Além dos códigos visuais e<br />
sintáticos de que tratamos com mais ênfase, os códigos sonoros e gráficos também<br />
devem ser sempre levados em conta no momento de uma análise. Vozes, músicas,<br />
ruídos e também toda a escrita que é percebida na tela do cinema contribuem para<br />
guiar o espectador na sua leitura e interpretação do discurso.<br />
Como já dissemos, o enunciado publicitário é concebido e organizado<br />
segundo uma perspectiva e, portanto, toda a escolha realizada pelo enunciador é<br />
baseada em um ponto de vista, em uma ideologia, que geralmente tem por meta<br />
seduzir o enunciatário, reavivando seus sonhos.<br />
A seguir ilustraremos algumas questões levantadas até o momento, no<br />
anúncio publicitário dos produtos SBP, Brastemp e Mc Bacon.<br />
A representação espacial na publicidade<br />
O comercial do produto SBP, selecionado entre os melhores de 1994, no 19º<br />
Anuário, inicia-se mostrando o SBP em primeiro plano, enquadramento frontal, com<br />
o fundo um pouco desfocado, onde se percebem objetos de limpeza. A cena<br />
seguinte mostra, em plano detalhe, um close no selo da embalagem do veneno, que<br />
contém a novidade. Uma voz em off diz: ―SBP inovou mais uma vez. SBP nova<br />
fórmula, com princípio ativo Gokilaht mata até baratas, sem dó e sem cheiro‖.<br />
Há um corte e iniciam-se montagens que alternam planos com a câmera<br />
mostrando, a partir da visão da barata, a ação do veneno. As cenas se passam nos<br />
diversos locais da casa, como sala, banheiro, dispensa, cozinha e quarto de criança.<br />
As imagens que vemos são emitidas a partir do ponto-de-vista do inseto,<br />
procedimento que sugere a posição enunciativa da câmera subjetiva. A imagem da<br />
pessoa que aplica o veneno aparece sempre entre dois ou mais objetos, sugerindo<br />
ao espectador que a barata está sempre se escondendo. O efeito de sentido da<br />
inclinação da câmera, sempre de baixo para cima, define a localização do ponto-de-<br />
21
vista e reflete a posição enunciativa, criando identificação do sujeito que observa.<br />
Por este trabalho da câmera o observador é guiado pelo ponto-de-vista do inseto.<br />
O recurso de câmera subjetiva e interiorização, de iluminação difusa quando o<br />
veneno é aplicado, simboliza o poder do produto e, considerando-se o ponto-de-<br />
vista subjetivo da narrativa, o escurecimento da cena sugere a conseqüente morte<br />
do inseto.<br />
Pela utilização em off da música de Adoniran Barbosa, como recurso sonoro,<br />
percebe-se a intertextualidade corroborando para a construção do sentido. Aliados<br />
às imagens, os termos e expressões "bala de carabina", "veneno estricnina",<br />
"peixeira de baiano", "atropelamento de automóver" e "bala de revórver", que<br />
possuem carga semântica de valor altamente ameaçador, dão maior credibilidade ao<br />
produto, reforçando a mensagem de que sua ação é eficaz e definitiva.<br />
A campanha da Brastemp, que obteve premiação bronze no 18º<br />
Anuário/1993, conta com três comerciais construídos da mesma forma e adotando o<br />
mesmo estilo de organização dos elementos no espaço plástico enquadrado,<br />
variando somente a época abordada, de acordo com os modelos dos refrigeradores<br />
anunciados. Para fins de ilustração dos sentidos levantados, este trabalho analisará<br />
somente o primeiro comercial da campanha.<br />
O comercial mostra o interior de uma geladeira, com a câmera em angulação<br />
normal, posicionada dentro dela. O observador tem o ângulo de visão de quem está<br />
supostamente dentro da geladeira, de frente para a porta. Esse recurso da câmera<br />
subjetiva coloca o enunciatário em posição privilegiada, de onde ele pode perceber<br />
claramente a situação.<br />
Em primeiro plano, tem-se a visão do interior da geladeira, que está<br />
congelada com grandes blocos de gelo e, ao fundo, a cozinha e um homem. Em off,<br />
uma música dos anos 70. Uma mulher pega uma jarra de suco e se dá conta de que<br />
ele está congelado. Ela não dá importância ao fato e volta a dançar com o rapaz. A<br />
seguir, tenta colocar um alimento na geladeira, mas não consegue devido à grande<br />
quantidade de gelo. Então, pega um martelo para quebrar o gelo, mas também não<br />
obtém resultado satisfatório, danificando ainda mais o refrigerador, que tem as luzes<br />
apagadas. Uma voz off diz: ―A sua época não tem comparação, mas, não é por isso<br />
que você vai ficar parado no tempo. Troque sua geladeira velha por uma Brastemp<br />
Frost Free que não precisa descongelar nunca‖.<br />
22
Em plano geral, câmera plongé, é mostrada a nova Brastemp, com as portas<br />
abertas, dando idéia do tamanho e do espaço interno. A voz off diz: ―Olha como<br />
você vai se sentir moderna, avançada, à frente do seu tempo‖. Os recursos gráficos<br />
complementam com o slogan: ―Brastemp. Não tem comparação‖.<br />
Os recursos espaciais utilizados para a construção do sentido utilizados nos<br />
três comerciais foram basicamente o enquadramento e a posição subjetiva da<br />
câmera, definindo o ponto de vista de onde deve ser visto o anúncio e também<br />
privilegiando determinadas situações em detrimento de outras. A perspectiva<br />
adotada e o plano de visão que o espectador tem colocam-no entre as grades<br />
superior e inferior de uma das prateleiras. Essas grades funcionam como moldura do<br />
espaço enquadrado, delimitando ainda mais o campo de visão e levando o<br />
observador a um certo efeito de real, como se pudesse sentir a falta de espaço e<br />
demais problemas do refrigerador.<br />
A iluminação contribui para a construção do sentido, pois é muito difusa,<br />
embaçada, devido à grande quantidade de gelo. Na encenação, a vestimenta<br />
adotada em cada um dos anúncios retrata a época abordada, assim como os<br />
elementos do fora de campo, como a música e a voz off.<br />
O comercial do Mac Bacon, que obteve premiação ouro no 19º Anuário/1994,<br />
inicia-se com cenas que retratam uma grande festividade, com fogos de artifício,<br />
bexigas, bandeiras e banda de música. A montagem justapõe cenas onde são<br />
mostradas autoridades em palanques, pessoas saindo às ruas, aviões das forças<br />
armadas, balsas lotadas, trens, carros, enfim, toda a população está indo ao Mac<br />
Donald‘s para provar o novo sabor: o Mac Bacon que acaba de ser lançado.<br />
Concomitantemente, uma voz off faz o seguinte discurso: ―Uma cerimônia simples,<br />
com a presença de autoridades civis, militares, eclesiásticas e da população em<br />
geral. O Mac Donald‘s apresenta o seu mais novo sabor: Mac Bacon. Pessoas saem<br />
de todos os cantos, o sabor de Mac Bacon toma conta da nação‖.<br />
A mídia toda, em seus variados segmentos como jornal, rádio e TV, está<br />
voltada para a cobertura do evento, sendo a notícia transmitida pelas emissoras e<br />
recebendo destaque nas manchetes dos jornais. Mostra-se o Mac Bacon rodeado<br />
por câmeras fotográficas e microfones. Todos comentam que o sabor é formidável, o<br />
preço é bacana e que a fatia de bacon é redonda. A notícia é assunto em todos os<br />
segmentos da sociedade: policiais, pilotos de avião, secretárias, executivos,<br />
23
advogados, políticos 3 . Entre uma cena e outra é mostrado o lanche e também as<br />
manchetes de jornais.<br />
No final, mostra-se um idoso lendo a edição extra de um jornal, cuja<br />
manchete anuncia: ―Fatia redonda de Bacon, boato ou verdade? A voz off finaliza:<br />
―Mac Bacon: fatia redonda e preço bacana‖.<br />
A proposta do enunciado é transformar o lançamento do Mac Bacon em<br />
grande evento, numa notícia inusitada, que abala toda a população, principalmente,<br />
pela novidade de conter uma fatia de bacon redonda. Para isso, os elementos<br />
espaciais foram de decisiva importância na sua construção. As imagens parecem<br />
terem sido retiradas de filmes e, a partir delas, haver sido realizadas dublagens para<br />
encenar a transmissão da novidade. Nos diversos espaços focalizados, houve<br />
minucioso trabalho de caracterização.<br />
A coloração apresenta-se, neste anúncio, como um dos elementos espaciais<br />
que mais colaboraram para a organização dos sentido no espaço plástico<br />
enquadrado. O comercial é todo em preto e branco e o lanche é o único elemento<br />
colorido, favorecendo o esquema de visibilidade, ao destacar o que realmente deve<br />
ser visto com destaque e colocado em segundo plano aquilo que é secundário,<br />
segundo a perspectiva adotada.<br />
A montagem é outro código responsável pelo sucesso do anúncio. Por meio<br />
dela são estabelecidas relações semânticas entre as cenas justapostas, no que se<br />
refere à divulgação do Mac Bacon em diferentes espaços, abrangendo toda a cidade<br />
e também reforçando a notícia com imagens do lanche e das manchetes alternadas<br />
entre as cenas.<br />
Reforçando a idéia de que a notícia atinge toda a população, observa-se,<br />
aliada à montagem, a organização dos elementos dentro do enquadramento, dada<br />
pela encenação. Os diversos segmentos da sociedade que mencionamos acima<br />
estão inseridos em um cenário característico e recebem vestimenta estilizada,<br />
realçando as particularidades de cada um. Podemos citar os políticos e demais<br />
celebridades, como as militares e eclesiásticas em lugares privilegiados em uma<br />
cerimônia, como o palanque; executivos em escritórios, a vestimenta das<br />
apresentadoras de TV e os advogados em tribunais.<br />
3 Esta é uma das situações em que o papel social das personagens serve de âncora para a construção do<br />
sentido, sobrepondo-se à usual prevalência da ação sobre outros traços específicos dos atores discursivos.<br />
24
Em relação à posição da câmera, observamos que a maioria dos planos são<br />
gerais e a angulação é normal, sendo o destaque do primeiro plano dado ao Mac<br />
Bacon e às manchetes de jornais, ficando os demais componentes dessas cenas em<br />
segundo plano.<br />
Os elementos do fora-de-campo, como a música, os ruídos e o comentário<br />
em off do narrador, reforçam as imagens exibidas no campo. Podemos notar, no<br />
discurso do narrador, certa ironia, ao dizer que a cerimônia de lançamento é<br />
―simples‖, pois as imagens nos mostram o oposto. É importante destacar que neste<br />
comercial existem duas figuras: o lanche e a figura retórica da ironia, pois nada no<br />
comercial é simples, desde a sua apresentação até a polêmica criada em torno do<br />
novo lanche. Essa ironia é percebida claramente pela discordância entre o verbal e o<br />
visual. No plano verbal, o narrador anuncia que a cerimônia é simples. No entanto, o<br />
plano visual nos mostra o oposto, nada é simples. Pelo recurso à hipérbole visual,<br />
vemos que o lanche, particularmente a novidade de conter uma fatia de bacon<br />
redonda, atingiu a universalidade, criando uma polêmica que atingiu a sociedade em<br />
todos os seus segmentos.<br />
Os códigos gráficos destacados pelo close nas manchetes também estão a<br />
serviço da composição espacial, uma vez que estão inseridos no enquadramento e<br />
reforçam a mensagem do anúncio.<br />
Pelo exposto, pode-se observar que a maneira como os elementos do espaço<br />
plástico são organizados e selecionados conduzem o espectador a um percurso de<br />
leitura que o auxiliam na construção do sentido.<br />
25
Referências bibliográficas<br />
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Preto, Universidade Estadual Paulista.<br />
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Madri: Catedra, 1995.<br />
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Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994.<br />
VESTEGAARD, T., SCHORDER, K. A linguagem da propaganda. Trad. João Alves<br />
dos Santos. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />
26
__________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
DE BAMBU RACHADO AO SOM DIGITAL:<br />
HISTÓRIA DO RÁDIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO<br />
27<br />
* Vera Lúcia Guimarães REZENDE<br />
*Graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em<br />
Comunicação e Marketing pela União das Faculdades dos Grandes Lagos de São José do Rio Preto.<br />
Mestre em Mídia e Cultura pela Universidade de Marília-SP.<br />
RESUMO: Este trabalho aborda um pouco da trajetória histórica do rádio de São José do Rio Preto,<br />
no Noroeste Paulista, e o esforço das emissoras locais em acompanhar a evolução do mercado<br />
midiático na transição para o século XXI. O rádio rio-pretense, assim como em outras cidades do<br />
interior do Brasil, vive dificuldades causadas pela falta de anunciantes e a queda na audiência.<br />
Descapitalizado, o setor investe pouco em programação de qualidade e se vê, por isso, vulnerável ao<br />
avanço das igrejas, evangélicas principalmente, cada vez mais interessadas em ocupar espaço na<br />
mídia. Procura-se, ainda, traçar, em linhas gerais, um quadro do mercado de rádio de São José do<br />
Rio Preto e suas estratégias para se manter no ar em tempos de tecnologia digital.<br />
PALAVRAS-CHAVES: rádio; igreja; mídia local; mercado.<br />
ABSTRACT: This work approaches a little of the historica way for the radio in São José do Rio Preto,<br />
Northeast of São Paulo State and the efforts of local transmission companies to catch up with the<br />
mediatic market evolution in the transmission towards the XXI century. The radio in Rio Preto, as well<br />
as in other cities in the interior of Brazil get along with difficulties caused by the lack of advertisers and<br />
the felling of the audience. Decaptalized now the sector invest little in quality programming and is<br />
therefore vulnerable for churches taking over, mainly evangelist ones which are more and more<br />
interested in filling the spaces in the media . We aimby general ways to establish and overal view of<br />
the radio market in São José do Rio Preto and thein strategies in order to keep up on the air in times<br />
of digital technology.<br />
KEYWORDS: radio; church; local mídia; market.
De como surgiu esta terra de São José<br />
A ocupação da última fronteira de sertão no estado de São Paulo teve início<br />
na primeira metade do século 19, quando colonizadores de Minas Gerais se<br />
estabeleceram no Noroeste paulista comprando terras, plantando lavouras,<br />
formando os primeiros rebanhos de gado. O fundador do Arraial de São José do Rio<br />
Preto, João Bernardino de Seixas Ribeiro, chegou à região, vindo de Ouro Preto, em<br />
1840, em companhia da mulher e cinco filhos para tomar posse de uma área. O<br />
lugarejo prosperou e em 1852, Luis Antonio da Silveira doou parte de sua<br />
propriedade à memória de seu santo protetor, São José, próxima a um rio de águas<br />
escuras, onde já havia gente morando. João Bernardino tratou de erguer logo um<br />
cruzeiro e uma capelinha onde o povo pudesse orar. Surgiu assim o patrimônio que<br />
deu origem à cidade de São José do Rio Preto, que 42 anos depois conquistou a<br />
emancipação política tornando-se município.<br />
Os imigrantes árabes, espanhóis, portugueses e italianos aceleraram o<br />
desenvolvimento urbano. Logo surgiram escolas, cartório, fórum, cadeia pública,<br />
serviço de limpeza urbana, a infra-estrutura de uma nova cidade. Em 1912, com a<br />
chegada da Estrada de Ferro Araraquarense, começou a formação do entreposto<br />
comercial em que, mais tarde, se tornaria pólo econômico regional. Através do trem<br />
era despachada a produção agrícola e, ao mesmo tempo, chegavam mercadorias e<br />
materiais da capital. Aos poucos a terra de São José deixava para trás a pecha de<br />
boca do Sertão de Avanhandava. O lugar marcado pela saga dos aventureiros em<br />
busca de riqueza e pela luta dos pioneiros nas novas terras virou referência de<br />
desenvolvimento para todo o estado.<br />
São José do Rio Preto foi uma das primeiras cidades brasileiras a conseguir<br />
autorização para implantar uma emissora de rádio. A concessão saiu para a cidade<br />
em 1927, apenas quatro anos depois da instalação da pioneira Sociedade Rádio Rio<br />
de Janeiro, por Edgard Roquette Pinto, em setembro de 1923. A PRB-8 Sociedade<br />
Rádio Rio Preto surgiu graças ao esforço do dentista Raul Silva que ocupava o<br />
cargo de primeiro-secretário da Associação Comercial. Ele estava encantado com a<br />
novidade tecnológica e convenceu a diretoria da entidade sobre a importância de se<br />
ter o aparelho de rádio-telefônico. Argumentou que através do rádio, comerciantes,<br />
produtores rurais e profissionais liberais, como o próprio Raul Silva, teriam acesso a<br />
informações econômicas em primeira-mão sintonizando as ondas da PRA-E<br />
28
Sociedade Rádio Educadora Paulista, no ar na cidade de São Paulo desde 1923. A<br />
empreitada, no entanto, não seria barata, pelo menos 2:500$000, dois contos e<br />
quinhentos mil réis. Para levantar a quantia, foram sorteadas 45 debêntures entre os<br />
associados dispostos a emprestarem o dinheiro. (ARANTES, 2001, p 253)<br />
Mas entre a mobilização para trazer o rádio para o Noroeste paulista e a<br />
efetiva implantação da emissora houve um intervalo de oito anos. Quando a PRB-8<br />
entrou no ar, em 1935, São José do Rio Preto era servida por uma linha aérea da<br />
Vasp, fazendo a ligação com Ribeirão Preto, Uberaba e São Paulo. Já havia dois<br />
cinemas e dois jornais em circulação, A Notícia e o Diário de Rio Preto. A instalação<br />
da primeira emissora de rádio foi, portanto, mais uma etapa do desenvolvimento<br />
econômico e cultural de São José do Rio Preto.<br />
Taquara rachada<br />
A precariedade e o improviso eram marcas das primeiras emissoras de rádio<br />
brasileiras e, em Rio Preto, não foi diferente. Passado o impacto das transmissões<br />
iniciais da PRB-8, os ouvintes não pouparam críticas à má qualidade do som. A<br />
população logo apelidou a rádio de ―Bambu rachado‖ e ―Taquara rachada‖.<br />
A primeira rádio rio-pretense não chegou a viver o período de vacas magras<br />
em que as emissoras não podiam transmitir anúncios comerciais e por isso<br />
dependiam financeiramente de mensalidades de associados. No início, as rádios no<br />
Brasil não tinham outra fonte de renda senão estas contribuições, porque, além da<br />
propaganda ser proibida, as emissoras eram controladas por clubes e associações.<br />
Sônia Virgínia Moreira explica que os sócios além de ouvintes eram também<br />
programadores e locutores, pois, naquela época, apenas as pessoas com alto poder<br />
aquisitivo tinham acesso ao rádio. A elite da época, que possuía meios para adquirir<br />
um aparelho, gostava de ópera, possuía em casa discos. Esses discos eram cedidos<br />
temporariamente às rádios para que cada uma pudesse programar suas atrações<br />
(MOREIRA, 1991, p 16). O caráter elitista se explica também porque o professor<br />
Edgar Roquette Pinto, considerado o pai do rádio brasileiro, acreditava que um<br />
veículo de comunicação tão poderoso não poderia ser usado comercialmente.<br />
Deveria ser um instrumento para crescimento cultural e educacional do povo.<br />
29
Nós que assistimos à aurora do rádio sentimos o que deveriam ter sentido<br />
alguns dos que conseguiram possuir e ler os primeiros livros. O rádio é o<br />
jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o<br />
divertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças; o<br />
consolador dos enfermos; o guia dos sãos, desde que o realizem com<br />
espírito altruísta e elevado. (Apud TAVARES, p.8)<br />
As intenções de Roquette Pinto eram as melhores possíveis, mas na medida<br />
em que os aparelhos de rádio ficavam mais acessíveis à população, aumentava<br />
também a exigência por maior diversidade de programação, o que implicava mais<br />
custos. Os próprios associados das emissoras não conseguiram manter o modelo de<br />
gestão por muito mais tempo e começaram a repassá-las para grupos que<br />
identificavam no rádio um bom negócio.<br />
A profissionalização de fato veio em 1932, quando o então presidente Getúlio<br />
Vargas baixou um decreto liberando a veiculação de propaganda. O veículo perdeu<br />
seu caráter educativo oficial, mas, por outro lado, ganhou em qualidade e<br />
popularidade, dando início à chamada Era de Ouro do rádio brasileiro, na década de<br />
40. O maior expoente desta fase foi a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com seus<br />
programas de auditório, humorísticos, radionovelas e o jornalismo do Repórter Esso.<br />
A programação da Nacional influenciou o jeito de fazer rádio em todo o Brasil,<br />
inclusive a PRB-8.<br />
Nas décadas de 40 e 50, a Rádio Rio Preto desenvolveu uma programação<br />
eclética e identificada com a comunidade. Os clubes de futebol locais, América<br />
Futebol Clube e Rio Preto Esporte Clube, eram notícia em A Marcha do Esporte,<br />
programa diário comandado por Rubens Munis 1 e Alexandre Macedo. A cobertura<br />
desportiva era uma das atrações da programação da PRB-8, que fazia transmissão<br />
ao vivo de jogos do campeonato em cidades da região.<br />
As estrelas do cast da emissora cantavam no programa A Tenda do Adib,<br />
apresentado pelo diretor artístico da rádio Adib Muanis. De acordo com o álbum<br />
Astros e Estrelas do Nosso Rádio 2 publicado em 1957, faziam sucesso na época<br />
.<br />
1 Rubens Munis é irmão de Adib Muanis, diretor artístico da PRB-8. Ele explicou, em entrevista<br />
gravada pela autora em maio de 2004, que modificou o sobrenome para se diferenciar do irmão<br />
que também trabalhava na emissora. Somente na década de 70 quando assumiu o controle da<br />
Rádio Independência AM, é que retomou o sobrenome Muanis.<br />
2 O álbum foi publicado graças ao patrocínio de 16 lojas da época em São José do Rio Preto,<br />
entre elas a Casa Armênia, Paraíso do Long-Play, Lojas Singer e Casas Pernambucanas. O<br />
acervo do CONDEPHACT - São José do Rio Preto não conta com nenhum exemplar original do<br />
álbum, mas dispõe para consulta de reproduções das páginas da publicação.<br />
30
cantores como Arnaldo Colturato, prata da casa, que estreou no rádio aos 12 anos<br />
diante do microfone da PRB-8. Como a paraibana Maria Lúcia, cantora com<br />
passagem pelas rádios de Bauru, Marília, Votuporanga e até na Rádio Nacional do<br />
Rio de Janeiro e também Maria Luzia, descoberta no programa de calouros da PRB-<br />
8, Degraus do Sucesso, e presença freqüente em A Tenda do Adib.<br />
O público infantil tinha espaço na programação da Rádio Rio Preto com O<br />
Clube da Cirandinha. Um concurso de talentos mirins no qual os concorrentes<br />
cantavam, dançavam ou declamavam. Havia também a eleição da rainha do<br />
programa que ao final desfilava com coroa, cetro e capa de veludo. As finalistas<br />
ficavam com o título de princesas e ganhavam uma boneca.<br />
Um terceiro irmão Muanis, o caçula César, também atuava na rádio como<br />
locutor de programas musicais. No álbum Astros e Estrelas de Nosso Rádio, ele<br />
aparece fazendo pose de galã, aos 20 anos. A publicação foi organizada pelo<br />
radialista Zacharias Waldomiro do Vale que fazia muito sucesso na rádio<br />
encarnando o caipira Chico Berlamino no programa A Fazendinha do Chico<br />
Berlamino, todas as manhãs. Na apresentação da revista, o público radiouvinte era<br />
convocado a valorizar os artistas locais.<br />
Aqui estão em dados sintéticos as biografias de todos aqueles que, de<br />
algum modo ou de outro, com menor ou maior destaque, emprestam sua<br />
colaboração à radiofonia rio-pretense. São eles, prezado leitor, os astros e<br />
estrelas do nosso rádio, um rádio modesto, mas que é nosso, e como tal<br />
deve sempre ser encarado por você, que precisa continuar como até aqui, a<br />
estimulá-lo com o seu incentivo e a querê-lo como se deve querer tudo<br />
aquilo que nos pertence. (Trecho do texto de apresentação do álbum Astros<br />
e estrelas de nosso rádio, assinado por Wilson Guimarães, p. 5)<br />
A PRB-8 Rádio Rio Preto reinava absoluta junto ao público do Noroeste<br />
Paulista que ao mesmo tempo recebia a influência econômica e cultural irradiada<br />
pela cidade de São José do Rio Preto. Por causa deste prestígio, a emissora era<br />
parada obrigatória dos artistas famosos de passagem pela região, sobretudo<br />
sertanejos como Cascatinha e Inhana, Vieira e Vierinha e as Irmãs Galvão.<br />
Rádio Difusora foi a segunda emissora local<br />
Em 1957, a PRB-8 passou a ter a concorrência de outra emissora, quando<br />
entrou no ar a rádio Difusora, montada por Egydio Lofrano, radialista que iniciou a<br />
31
carreira na Rádio Difusora de Mirassol, cidade distante 15 quilômetros de Rio Preto.<br />
A disputa pela audiência não era tão acirrada já que ambas faziam parte da Rede<br />
Piratininga de Rádio. Eram, portanto co-irmãs, como se dizia nos jornais da época,<br />
cada uma atuando num segmento de programação.<br />
O forte da Difusora de Rio Preto eram as radionovelas, escritas por Luisbino<br />
Pinto da Costa, que faziam muito sucesso na cidade conforme a coluna Rádio &<br />
Discos, publicada diariamente no jornal A Notícia:<br />
Borrasca é o grande sucesso do Teatro do Café Cimo, às segundas,<br />
quartas e sextas feira, pela Difusora, às 19:00. Parabéns a Luisbino Pinto<br />
da Costa por esta magnífica novela, que nos traz uma história violenta e<br />
diferente, tendo por cena o cais do Porto de Santos. (27/01/1962, p.6)<br />
Ben-Hur, uma história dos tempos de Cristo está no momento mais<br />
interessante da novela sob patrocínio do Pastifício Rio Preto, pois atingindo<br />
o capítulo 51, mostra os sofrimentos de Jesus Cristo em direção a cruz e a<br />
terrível ansiedade de Ben-Hur, muito bem vivido por César Muanis,<br />
coadjuvado por todo o elenco da Difusora. Mais uma produção e direção de<br />
Luizbino Pinto da Costa. (17/02/1962, p5)<br />
Em 1960, foi a vez da Rádio Cultura ZYR 242 entrar no ar, mas ela também<br />
fazia parte da Rede Piratininga de Rádio, não abrindo por isso concorrência com as<br />
outras emissoras. No total, a rede era formada por cerca de 30 emissoras de rádio<br />
em várias cidades do interior do estado de São Paulo, controlada pelo médico<br />
Miguel Leuzzi, que chegou a suplente de senador na década de 60. Em Rio Preto,<br />
as três rádios monopolizavam o mercado radiofônico, no entanto, não eram<br />
sinônimos de qualidade técnica, pelo menos é o que deixou claro esta dura nota da<br />
coluna Rádio & Discos, em A Notícia.<br />
Me contaram coisas de arrepiar a respeito da parte técnica das três<br />
emissoras locais. Aparelhagem velha, mesa de sons só com o prato<br />
funcionando; isso, quando funciona; pick-up defeituosa, agulha defeituosa,<br />
microfones enguiçados, transmissores que não mantêm rendimento<br />
necessário. Enfim, uma verdadeira decadência. E o pior é que os coitados<br />
dos operadores é que pagam o pato. Vejam bem: para dar vazão aos<br />
jingles, eles têm que rodar o prato com o dedo. Como não poderia deixar de<br />
ser, a rotação não sai certa e ouvem-se vozes em 33, 45 e 78 rotações num<br />
mesmo jingle. Que isso pessoal... Essa é a melhora que os senhores<br />
prometeram aos ouvintes? Três emissoras, cada uma pior do que a outra?<br />
Será que o superintendente sabe disso? É preciso melhorar mesmo, não só<br />
na conversa e, sim, na ação! 3 (11/04/1962, p. 5)<br />
3 As colunas Rádio & Discos do jornal A Notícia, citadas neste artigo, não traziam nenhuma assinatura<br />
do responsável pelos comentários. Um dia o autor escreveu que preferia ficar incógnito para não<br />
sofrer pressões: ―Há muito radialista curioso por saber quem é o responsável por esta secção de<br />
32
A Rádio Difusora Rio-Pretense e a PRB-8 Rádio Rio Preto funcionaram até<br />
1974. Há controvérsia quanto às razões do fechamento das duas emissoras. Os<br />
antigos funcionários acreditam que foi perseguição do Regime Militar. Há quem diga<br />
que as concessões não foram renovadas por causa de dívidas para com a<br />
Previdência Social. Independente disso, o fato é que as duas rádios pioneiras nunca<br />
mais voltaram a transmitir e nada do que elas produziram foi guardado. A Rádio<br />
Cultura trocou de dono, pertenceu ao empresário Luis Homero que trocou o nome<br />
para Rádio Brasil Novo. Em 2000, a emissora foi vendida para a Rede Jovem Pan,<br />
de São Paulo, que transmite programação via satélite sem espaço para programas<br />
locais.<br />
Independência: modernização do rádio<br />
A hegemonia das emissoras da Rede Piratininga em Rio Preto foi afetada de<br />
fato no ano de 1962, quando surgiu a Independência AM com um projeto novo de<br />
rádio, mais sintonizado com as transformações que a televisão provocara na<br />
audiência desde a sua implantação no Brasil em 1950, por Assis Chateaubriand.<br />
Como se sabe, por causa do novo meio de comunicação, houve quem<br />
apostasse no fim do rádio. Em 1952, diante da concorrência com um veículo que<br />
além de sons transmitia também imagens, o escritor Cassiano Gabus Mendes<br />
decretou: ―O rádio vai sumir dentro de dez anos‖ (Apud Tavares, 1997). A profecia<br />
não se concretizou até porque o rádio se reestruturou a tempo, adotando o perfil<br />
informativo e, ao mesmo tempo, companheiro, reforçado pela invenção do transistor<br />
que tornou o aparelho portátil. O rádio cedeu o espaço da sala para a televisão, mas<br />
tomou conta dos quartos, da cozinha, dos carros, dos passeios ao ar livre. Além<br />
disso, no início da década de 60, a televisão ainda não havia chegado a São Paulo,<br />
e o rádio ainda era o principal meio de comunicação.<br />
A Independência AM implantou em Rio Preto o estilo de rádio que era<br />
praticado em São Paulo. Seu proprietário, o deputado federal pelo PTN (Partido<br />
Trabalhista Nacional) Maurício Goulart, não economizou na contratação de<br />
profissionais da capital para colocar o projeto em prática. Para a direção da<br />
rádio. Acho que vai ser difícil descobrir a minha identidade porque o papai aqui é vivaldino e não<br />
dorme na jogada. O melhor mesmo é você ler a coluna e deixar de ser curioso‖ (24/01/1962, p.3)<br />
33
emissora, trouxe o experiente Júlio Cosi, ex-diretor da Rádio América e fundador da<br />
Rádio Pan-Americana de São Paulo, atual Rádio Jovem Pan.<br />
A cobertura desportiva seria um dos pontos altos da programação e, por isso,<br />
o comando da equipe ficou a cargo do narrador esportivo Nelson Antonio Gonçalves,<br />
que pertencia à Rádio Difusora de São Paulo. Vários profissionais que atuavam na<br />
PRB-8 se transferiram para a nova emissora. Entre eles, o jovem repórter Jota<br />
Hawilla, que atualmente é dono de uma rede regional de televisão afiliada da TV<br />
Globo, a TV TEM. 4<br />
Hawilla começou a carreira profissional no rádio com apenas 15 anos como<br />
locutor da PRB-8 e integrante da equipe esportiva da emissora. Ele comenta as<br />
dificuldades de se fazer rádio na época, lembrando, por exemplo, que havia apenas<br />
duas cadeiras no estúdio da rádio Rio Preto para apresentação do programa A<br />
Marcha do Esporte (já mencionado neste artigo) e que, por isso, tinha que dividir<br />
uma delas com um dos apresentadores, de preferência Alexandre Macedo que era<br />
mais magro.<br />
Na verdade o programa era um pastelão, um improviso só. Na abertura do<br />
programa, o Rubens [Munis] e o Alexandre anunciavam ‗Está no ar a<br />
Marcha do Esporte, um programa...‘, e aí falavam o nome do patrocinador,<br />
quem apresentava, o operador, aquela coisa toda. Aí entrava uma música<br />
de fundo, daquelas de banda, e falavam as manchetes do programa. Estas<br />
manchetes eram escritas à mão pelo Rubens que nem sempre caprichava<br />
na caligrafia. Então era uma complicação.Tinha que chegar sempre antes<br />
para ler e discutir o que estava escrito. 5<br />
A chegada da Independência a Rio Preto obrigou as outras emissoras da<br />
cidade a se profissionalizar um pouco mais. Segundo Jota Hawilla, por ser uma<br />
emissora mais rica, a Independência investiu forte na qualidade.<br />
Ali [na Independência] se começou a fazer alguma coisa mais organizada<br />
em termos de equipe esportiva. Era o Nelson Antonio, tinha um<br />
comentarista que era o Alexandre [Macedo], tinha o plantonista, tinha dois<br />
repórteres, tinha negócio de meta, ficar um atrás de cada gol. Já começou<br />
um negócio assim mais organizadinho. 6<br />
4 Em 2004 a TV TEM possuía emissoras em São José do Rio Preto, Sorocaba, Bauru e<br />
Itapetininga.<br />
5 Depoimento ao Projeto Memória do Rádio do CONDEPHACT – São José do Rio Preto,<br />
gravado em setembro de 1990.<br />
6 Idem<br />
34
Além de forte financeiramente, a Rádio Independência tinha prestígio político<br />
que ficou demonstrado na inauguração da emissora quando o deputado Maurício<br />
Goulart trouxe, para as solenidades, o seu amigo e Presidente da República, João<br />
Goulart, que ocupava o cargo após a renúncia de Jânio Quadros. No dia nove de<br />
dezembro de 1962, o avião da Força Aérea Brasileira pousou no aeroporto de São<br />
José do Rio Preto trazendo a comitiva presidencial que seguiu de carro para o<br />
centro da cidade onde ficavam os estúdios da emissora. A cobertura montada para o<br />
evento previa repórteres posicionados ao longo do percurso e um locutor no estúdio<br />
fazia a passagem entre as entradas ao vivo. Este locutor era um novato, Pedro<br />
Lopes, que se viu surpreendido na época com a missão de ser o primeiro a<br />
entrevistar o presidente da república.<br />
Acontece que quando da chegada do presidente, a caravana foi muito<br />
extensa, os carros que vinham do aeroporto até o centro da cidade eram<br />
muitos. E a equipe de reportagem da rádio Independência acabou ficando<br />
presa no trânsito e não deu tempo deles chegarem ao estúdio da rádio em<br />
que fariam a recepção ao presidente e inaugurariam oficialmente a<br />
emissora. Adivinha pra quem sobrou? Sobrou para mim receber o<br />
presidente. Eu realmente senti uma emoção muito grande me vendo diante<br />
do presidente da república e tendo que saudá-lo, fazendo as vezes de<br />
mestre de cerimônia da rádio Independência. 7<br />
Em 1969, o diretor da Independência AM, Júlio Cosi, decidiu voltar para São<br />
Paulo. Seu sócio, o deputado Maurício Goulart, já não se dedicava tanto ao negócio.<br />
Os dois deram preferência de venda ao diretor artístico da emissora Alexandre<br />
Macedo que chamou o radialista Rubens Muanis e Alberto Cecconi para sócios na<br />
empreitada. O trio manteve-se à frente da Independência durante 15 anos, período<br />
em que a rádio investiu forte na cobertura jornalística com programas como o<br />
noticiário Hora da Verdade, ao meio dia e o policial Hora Fantástica, às quatro da<br />
tarde. Em 1985, a Independência AM foi vendida para o empresário e dirigente do<br />
Palestra Esporte Clube de Rio Preto, José Luis Spotti que manteve a programação<br />
diversificada até o início da década de 90, quando a emissora mudou de dono mais<br />
uma vez. A Igreja Adventista do Sétimo Dia assumiu o controle da emissora que<br />
passou a integrar a Rede Novo Tempo mudando completamente seu perfil: tornou-<br />
se uma emissora evangélica.<br />
7 Depoimento ao Projeto Memória do Rádio – CONDEPHACT – São José do Rio Preto gravado<br />
em 1989.<br />
35
Até o ano de 2002, seus dirigentes mantinham um total de seis horas de<br />
programação local, apesar do caráter religioso dos programas. Foi quando a rádio<br />
interrompeu a transmissão dos programas locais e passou a transmitir direto de<br />
Brasília, sede da rede. Na ocasião, o diretor da rádio Laércio Mazaro explicou que a<br />
ordem veio da Igreja Adventista do Sétimo Dia por razões financeiras. Segundo ele<br />
os custos com a produção local e de rede não estavam sendo cobertos pelo<br />
faturamento publicitário.<br />
Púlpito eletrônico<br />
Não podemos aceitar qualquer tipo de anunciante. Não podemos veicular<br />
propaganda de cigarro, bebidas alcoólicas, shows, festas de rodeio, tudo<br />
que não combine com a doutrina. A questão da audiência não é uma<br />
preocupação. Nossa mensagem é para todos, mas é o público evangélico<br />
que mais nos ouve devido a programação com músicas evangélicas,<br />
estudos bíblicos, testemunhos de fé. 8<br />
A trajetória da Independência AM reflete o processo de mudanças que o<br />
mercado de rádio do país tem passado. Não é de hoje que igrejas, evangélica e<br />
católica, investem no rádio para difundir a religião. Mas partir da década de 90 o<br />
processo de aquisição de emissoras pelas igrejas ganhou força. Além da<br />
Independência AM, outra emissora rio-pretense que também não resistiu ao assédio<br />
das igrejas eletrônicas foi a Studio I FM, implantada pelo empresário João Roberto<br />
Curti em 1990, com uma programação musical sofisticada voltada para o público<br />
adulto. Com o falecimento do fundador no ano de 2001, a família optou por arrendá-<br />
la à Igreja Universal do Reino de Deus. Desde então, a grade da emissora (agora<br />
apenas FM 91,7) é ocupada por pastores e obreiros da igreja que se revezam ao<br />
microfone pregando a Bíblia. Os fiéis participam pelo telefone com testemunhos de<br />
fé e pedindo músicas evangélicas. A emissora integra a Rede Aleluia, o braço<br />
radiofônico da seita religiosa criada pelo bispo Edir Macedo.<br />
O crescimento da participação das igrejas na mídia eletrônica é um fenômeno<br />
que ocorre no Brasil paralelamente ao da globalização. Para Sonia Virgínia Moreira,<br />
católicos e evangélicos travam uma ―guerra santa‖ para conquistar e manter fiéis<br />
sendo que o predomínio no setor radiofônico é da Igreja Católica.<br />
8 Entrevista concedida a autora, por telefone, em 23 de agosto de 2002.<br />
36
Em 1997, 181 rádios eram controladas por grupos católicos; 100 emissoras<br />
seguiam linha da Igreja Batista; 70 rádios (entre próprias e arrendadas)<br />
funcionavam segundo as orientações da Igreja Universal; 21 rádios<br />
pertenciam à Igreja Adventista do 7º Dia; 12 emissoras disseminavam as<br />
pregações da Assembléia de Deus; seis rádios eram da Igreja Renascer em<br />
Cristo e quatro estações pertenciam à igreja Evangelho Quadrangular.<br />
A Igreja Católica não possuía nenhuma emissora comercial em São José do<br />
Rio Preto. A Diocese controlava uma emissora comunitária, a Espaço Aberto FM,<br />
que é administrada pela Associação Comunitária São José, ligada à paróquia<br />
Imaculada Conceição. A rádio entrou no ar no segundo semestre de 2003,<br />
devidamente autorizada pelo Ministério das Comunicações, depois de anos de<br />
burocracia federal e funciona em parceria com cinco paróquias. A jornalista Cecília<br />
Demian, da Pastoral da Comunicação da Diocese de Rio Preto, destacou o caráter<br />
plural da FM Espaço Aberto, em matéria publicada no informativo da Paróquia<br />
Menino Jesus de Praga, que fica na Zona Sul da cidade (10/2003, p. 3):<br />
Estas comunidades vão preencher 20 horas de programação, das seis as<br />
vinte quatro horas, com música popular brasileira, informação e participação<br />
do ouvinte. O fato de estar em parceria com paróquias não significa que terá<br />
só programação religiosa. Nem pode. Os que quiserem momentos de<br />
reflexão e oração vão encaminhar esta solicitação a um só programa de<br />
uma hora que vai constar da programação. Para ser autorizada pelo poder<br />
público, a emissora comunitária não deve ter vínculos políticos e religiosos.<br />
A orientação editorial da rádio comunitária Espaço Aberto era resultado da<br />
posição adotada pelo Bispado de São José do Rio Preto. O bispo Dom Orani<br />
Tempesta tinha consciência da influência dos meios de comunicação sobre as<br />
pessoas e admitia que sempre quis que a diocese tivesse uma emissora de rádio.<br />
Ressaltava, no entanto, que a mídia não podia se prestar ao proselitismo e nem<br />
devia ser usada para levar mais gente para dentro das igrejas.<br />
De um lado, ela [a mídia] nos serve para nos comunicarmos com as<br />
pessoas que são da igreja, até porque hoje com 90% dos católicos que não<br />
vão à missa têm que ter um jeito de comunicar com eles também, não é?<br />
Mas a gente vê [a mídia] muito mais como uma construção de uma<br />
civilização do amor. Uma civilização um pouco mais justa. A gente vê a<br />
utilização disso para uma sociedade melhor. 9<br />
9 Em depoimento gravado pela autora em Julho de 2002 na Diocese de São José do Rio Preto.<br />
37
A disposição com que as igrejas tomaram conta do rádio para difundir suas<br />
idéias é preocupante não apenas pela falta de diversidade no dial que limita as<br />
opções do ouvinte. Para Venício A. de Lima, a situação é preocupante: ―Corremos,<br />
de fato, o risco de estar assistindo a um processo de concentração da propriedade,<br />
(...) que pode se constituir em ameaça concreta, não só para a liberdade de<br />
expressão, mas para a própria democracia no Brasil‖.<br />
Outras emissoras rio-pretenses<br />
Ao todo, estão sediadas em São José do Rio Preto, atualmente, cinco<br />
emissoras de rádio FM e quatro AM. A FM Independência, a primeira a transmitir<br />
em freqüência modulada da cidade, tem no radialista Roberto Toledo a sua<br />
principal atração. Ele comanda um programa diário de manhã, no qual toca<br />
música, lê e comenta notícias dos jornais, conversa com ouvintes e entrevista<br />
personalidades. Toledo ressalta que o assédio das igrejas é muito forte e os<br />
empresários de rádio não conseguem resistir. ―As igrejas acabaram salvando os<br />
donos de emissoras de ondas médias e de algumas FMs. Elas compraram as<br />
rádios de empresários que não ―nasceram para a coisa‖ e apostavam no só lucro<br />
fácil. Diante de propostas irrecusáveis, eles entregaram as emissoras‖.<br />
Trabalhando no rádio rio-pretense há 40 anos, Toledo lamenta o baixo<br />
investimento publicitário no rádio, mas admite que as emissoras têm parcela de<br />
culpa nisso.<br />
Os donos de rádio de Rio Preto querem ganhar dinheiro, mas não investem.<br />
Hoje, fazer rádio com a cara da cidade não é uma tarefa tão árdua em FM;<br />
é uma coisa simples de fazer, só que quem pode fazer não faz. Por<br />
exemplo, a rádio Independência FM teria toda essa condição só que a<br />
direção não abre espaço na gestão do negócio e não contrata um gerente<br />
comercial. Ele quer ter o domínio da emissora tocando só música. É um<br />
conceito de rádio de cidade pequena. 10<br />
Pelo menos duas emissoras FM de Rio Preto têm programação voltada para<br />
o público jovem tocando, essencialmente músicas das paradas de sucesso nacional<br />
e internacional. Elas estão vinculadas às redes de emissoras de rádio Band e Líder<br />
com sede em São Paulo.<br />
10 Em depoimento gravado pela autora em julho de 2002 em seu escritório em São José do Rio<br />
Preto.<br />
38
A FM Onda Nova foi criada em 1981 pelo empresário paulistano Luis Homero<br />
que, três anos, depois revolucionou o mercado programando música caipira em FM.<br />
A Onda Nova foi a primeira emissora do país a tocar música 100% sertaneja, 24<br />
horas por dia. Hoje, a Música Popular Brasileira, em especial o sertanejo urbano,<br />
ainda é o carro chefe da Onda Nova FM, ao lado de comunicadores como Gentil<br />
Rossi pela manhã e Moacir Santos à tarde, que fazem programas com a<br />
participação do ouvinte, boletins jornalísticos, brincadeiras e prestação de serviço. A<br />
rádio mantém uma estrutura de 40 pessoas, entre contatos comerciais,<br />
comunicadores que também são permissionários, pessoal técnico, equipe esportiva<br />
e jornalística.<br />
O empresário Luis Homero era proprietário também da rádio Brasil Novo AM,<br />
já citada anteriormente. Vale acrescentar que no ano de 2001 ele decidiu vendê-la,<br />
para a Rede Jovem Pan de São Paulo, alegando prejuízos. A rádio passou a se<br />
chamar Jovem Pan Rio Preto e, desde então, transmite a programação jornalística<br />
em rede via satélite direto de São Paulo sem horários locais. Assim, ao ouvir a<br />
emissora, o público rio-pretense sabe dos problemas urbanos da capital, e nada do<br />
que acontece na sua cidade e região. Um paradoxo ainda sem solução, pois até a<br />
fase da produção deste artigo ainda não havia projeto de criação de programas<br />
locais na Jovem Pan Rio Preto.<br />
Outra emissora AM ainda não mencionada é a Centro América, nos 810 KHz,<br />
da UNORP, Centro Universitário do Noroeste Paulista que funcionava como rádio-<br />
laboratório do curso de Comunicação Social oferecido pela instituição. No primeiro<br />
semestre de 2004, ela perdeu esta característica ao coligar-se à Rede Canção Nova<br />
de Rádio, ligada à igreja católica.<br />
Por fim, a Rádio Metrópole AM que dedica 13 horas da programação diária à<br />
prestação de serviço e jornalismo informativo e opinativo. A emissora dispõe de uma<br />
equipe de 12 pessoas, entre radialistas, estagiários e técnicos. Não há jornalistas<br />
profissionais contratados. O forte da programação é a participação do ouvinte pelo<br />
telefone, sobretudo nos dois horários do Classificados Metrópole, que funciona como<br />
um balcão de vendas e trocas, no qual as pessoas ligam para emissora e anunciam<br />
de viva voz o que querem vender. Vale tudo: de carrinho de bebê e cadeira de rodas<br />
até carro usado ou estoque de roupas de loja que fechou. Ninguém paga nada e a<br />
grande procura obrigou a rádio Metrópole a fazer duas rodadas de uma hora de<br />
Classificados, de manhã e à tarde.<br />
39
FM Diário: mídia viável<br />
Não há como analisar o mercado radiofônico de São José do Rio Preto sem<br />
mencionar a Rádio FM Diário, pertencente ao Grupo Diário de Comunicação que<br />
controla também uma gráfica, um jornal diário e um portal na Internet. Mesmo<br />
estando instalada em Mirassol, a FM Diário tem como principal foco o público e os<br />
anunciantes de Rio Preto.<br />
Na direção da emissora está o ex-DJ e ex-operador Cacá Rossete, um<br />
apaixonado pelo rádio que não tem dúvida quanto a viabilidade do veículo como<br />
mídia publicitária. Segundo ele, o problema é que os próprios publicitários relutam<br />
em investir. Por trás disso estaria a comissão de 20% que a agência recebe pela<br />
produção e veiculação do anúncio.<br />
Vinte por cento de um anúncio de rádio é ―nada‖. Vinte por cento de uma<br />
produção de TV e de uma veiculação de TV é muita coisa. Então a agência<br />
força TV sim! E com certeza por causa da comissão. Tanto é que a gente<br />
tem muitos clientes diretos que têm agência e a agência nem se preocupa<br />
em atendê-los com o rádio. (...) Se o cliente está disposto a comprar nosso<br />
produto e nós temos uma equipe para vender, se agência não lhe oferecer,<br />
nós temos profissionais gabaritados para isso. Obviamente que a gente<br />
entra em contato com agência, depois, que leva a comissão mesmo sem ter<br />
feito o negócio. Aí, diante do retorno eles percebem que o rádio é viável e<br />
passam a programar mais vezes. 11<br />
Ações como esta fazem parte da estratégia da FM Diário para convencer<br />
anunciantes e agências de que o rádio é o único veículo capaz de dar retorno<br />
imediato, a um custo baixo. Rossete revela que existe fila de empresas esperando<br />
para anunciar nos horários de maior audiência da emissora. A programação é<br />
essencialmente musical com um mínimo de jornalismo exigido por lei. DJs se<br />
revezam ao microfone, ao vivo, conversando com ouvintes pelo telefone, sorteando<br />
brindes e entrevistando artistas que visitam a rádio. Pesquisa do IBOPE, realizada<br />
em julho de 2003, apontou a FM Diário como líder de audiência em São José do Rio<br />
Preto.<br />
Conclusão<br />
Ao analisar o mercado de rádio comercial rio-pretense, verifica-se que o setor<br />
viveu momentos de glória no passado quando ainda não enfrentava a concorrência<br />
11 Em depoimento gravado pela autora, em setembro de 2003, na Rádio FM Diário.<br />
40
com a televisão. O surgimento da rádio Independência AM, no início da década de<br />
60, demonstrou a capacidade de renovação. Mas, na medida em que os meios de<br />
comunicação passaram a evoluir mais rapidamente, graças às novas tecnologias, as<br />
emissoras pioneiras demoraram a reagir e custaram a se adaptar ao novo contexto.<br />
Resultado: perderam espaço entre os anunciantes, ficaram vulneráveis aos<br />
pregadores eletrônicos e aos políticos que vêem o rádio não como um negócio, mas,<br />
sim, como palanque e púlpito.<br />
Apesar de a Jovem Pan Rio Preto ainda não ter implantado horários de<br />
produção local, a expectativa quanto a investimentos na emissora continua.<br />
Enquanto isso, a FM Diário se prepara para entrar na era do rádio digital, devendo<br />
adquirir em breve transmissor novo que vai possibilitar a criação de diferentes canais<br />
de música na mesma emissora.<br />
A Onda Nova FM por sua vez adota ações de marketing criativas para ampliar<br />
a audiência, entre elas a parceria com a empresa concessionária do transporte<br />
urbano da cidade, que garante a sintonia fixa na emissora nos rádios dos 400 ônibus<br />
da frota.<br />
Para se adequar aos novos tempos, as emissoras de rádio da maior cidade<br />
do Noroeste Paulista não têm como fugir destas três alternativas: modernização<br />
tecnológica, identidade local e estratégias de marketing diferenciadas.<br />
41
Referências bibliográficas<br />
ARANTES, L. Dicionário Riopretense, a história de São José do Rio Preto, de A a Z.<br />
São José do Rio Preto: Casa do Livro, 2001.<br />
DIÁRIO DA REGIÃO – Suplemento Especial 151 anos de São José do Rio Preto, 19<br />
de março de 2003.<br />
GOMES, L. Gente que ajudou a fazer uma grande cidade, Rio Preto. São Paulo:<br />
Editora Gráfica São José, 1975.<br />
Informativo da Paróquia Menino Jesus de Praga – Outubro de 2003 . Ano VI, n 62 p.<br />
3 ―Dom Orani preside missa inaugural da Espaço Aberto‖.<br />
LIMA, V.A. Mídia – Teoria e Política. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.<br />
MOREIRA. S.V. O Rádio No Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991.<br />
_____________. Rádio Palanque. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 1998.<br />
TAVARES, R. C. História que o Rádio não contou: do Galena ao Digital,<br />
desvendando a Radiodifusão no Brasil e no Mundo. São Paulo: Negócio, 1997.<br />
42
__________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
O PAPEL DO CIDADÃO E SUA RESPONSABILIDADE EM GERAR E<br />
GERIR INFORMAÇÕES DE CARÁTER PÚBLICO<br />
*Graduado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.<br />
Especialista em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA/USP.<br />
Mestre no programa de pós-graduação em Comunicação Midiática daUNESP/Bauru.<br />
Professor do curso de Jorna-lismo da UNORP.<br />
Docente do Pro-Jovem e Faculdade Panamericana de Ji-Paraná (UNIJIPA).<br />
43<br />
*Marcos Vicente Coffani LOCK<br />
Resumo: Este trabalho menciona como a comunicação de interesse público e, em particular, a<br />
fabricação de notícias, está passando por uma reformulação de conceitos. As novas tecnologias, que<br />
dão voz midiática a cidadãos comuns, somam-se às estratégias dos produtores da notícia artificial e à<br />
consciência das fontes em interagir intensamente com as redações movidas por interesses<br />
particulares. Questiona-se, então, se este jogo será benéfico para a democracia e para o exercício do<br />
Jornalismo e para a circulação de informações de caráter público.<br />
Palavras-chave: Fonte; Repórter; Notícia; Liberdade; Mediação; Informação.<br />
ABSTRACT: This work mentions how the public benefit communication and particularly the news are<br />
going through a concept reformulation. The news technologies which attribute mediatic voice to<br />
common citizens are summed up to the artificial news producer´s strategies and to the consciousness<br />
of the sources in interacting intensively with the editorial staff moved by private benefits. So we<br />
question whether this game will be useful for the democracy and for the Journalism practice, besides<br />
the circulation of public trait information.<br />
KEYWORDS: source; reporter; news; freedom; mediation; information.
No campo da Comunicação, acredito, nada é tão relevante quanto à<br />
consciência do valor da informação na sociedade atual. Onde quer que se esteja,<br />
pode-se ser alcançado pela tecnologia que presta ou recolhe material informativo,<br />
seja na calota polar, no meio do Pacífico ou na imensidão do Saara. Constatações<br />
como esta levam a mudanças na esfera política, como, por exemplo, uma que foi<br />
proposta em Brasília, a extinção do cargo de vice-presidente. O argumento é que<br />
hoje em dia, com o arsenal midiático e tecnológico à sua disposição, o presidente<br />
não mais deixa de acompanhar a realidade de seu país onde quer que esteja no<br />
globo terrestre e pode transmitir suas orientações a qualquer instante, on line ou ao<br />
vivo.<br />
A percepção de informação, farta e variada, fator preponderante para uma<br />
existência social dinâmica e engajada, está colocando na ordem do dia, tendo os<br />
meios de comunicação como mediadores, muitos assuntos e intenções que outrora<br />
estavam reservados a determinados grupos. As trancas do acesso à esfera pública<br />
rompem-se umas depois das outras. Editores de jornais e revistas, produtores de<br />
rádio e TV, professores, dirigentes culturais, os próprios Estados e até os grandes<br />
grupos de comunicação não podem mais controlar, nem medir e muito menos<br />
dirigir, as informações e mensagens de todos os tipos que circulam na nova esfera<br />
pública. De acordo com Lévy, esta seria uma visão da situação:<br />
Com a previsível perda da influência dos mediadores culturais tradicionais,<br />
esta nova situação anuncia um salto sem precedentes na liberdade de<br />
expressão. (...) Pois o que se oferece ao consumidor é precisamente a mais<br />
ampla liberdade de expressão e de navegação. De fato, a diversidade<br />
informacional e a libertdade de expressão continuam a aumentar<br />
rapidamente apesar dos movimentos de fusão entre as grandes<br />
corporações da comunicaçã. (LÉVY,2003, p.371-72).<br />
Os cada vez mais freqüentes exemplos de agitação informacional, que por<br />
vezes expressam uma sensação de desorientação coletiva e que têm contribuído<br />
para o excesso de dados circulantes, representam em alguma instância o fim da<br />
era de um modo de intermediação que está sendo ultrapassado. Está-se deixando<br />
para a trás a visão clássica deste processo, ou seja, aquela que baseia sua<br />
organização de informações através de uma prévia seleção institucional por<br />
organismos especializados, tendo como principal representante a mídia. Um caso<br />
notório e recente é do relatório sobre o caso Clinton-Lewinsky, que foi<br />
disponibilizado na internet pela comissão federal que investigava o caso. Milhões<br />
44
de pessoas puderam ter acesso diretamente às informações, uma vez que elas<br />
foram oferecidas não aos jornalistas, mas a todo os internautas através da rede<br />
mundial de computadores. Os órgãos jornalísticos para essas pessoas não<br />
funcionaram como gatekeepers 1 .<br />
O advento das novas linguagens, com destaque para a praticada pela<br />
internet, em paralelo, trazido à tona entre outros questionamentos, a questão da<br />
credibilidade da informação. São temores legítimos. Eles concernem em particular<br />
aos documentos não assinados ou que podem ser atribuídos a uma instituição que<br />
ponha sua credibilidade em jogo nas informações que coloca à disposição do<br />
público. É preciso dizer, no entanto, que a verdade resulta de um processo coletivo<br />
de busca e de produção que, quanto mais livre e múltipla é a palavra, mais eficaz<br />
é. Além do mais, uma ampliação da liberdade de expressão e de acesso à<br />
informação implica necessariamente, com um aumento de riscos, uma<br />
transferência de responsabilidade para os indivíduos e os múltiplos atores sociais.<br />
O fato é que os internautas estão expondo suas idéias em seus websites e a<br />
prática do diálogo nas comunidades virtuais parece que os está habituando à um<br />
tipo de discussão e deliberação pública. Sendo capazes de exprimir-se, eles<br />
esperam agora ser ouvidos. As novas formas de governança, as organizações e<br />
também as universidades deverão encontrar lugar para este novo tipo de cidadão,<br />
conectado, relativamente informado e portador e freqüentador contumaz da grande<br />
rede. Recentes pesquisas norte-americanas mostraram que os internautas são<br />
mais interessados pela atualidade política e votam mais do que os cidadãos não<br />
conectados. Os sites de informação política e de promoção da democracia<br />
eletrônica florescem na web americana e também na Europa. Vários deles,<br />
notadamente nos EUA, dão ao cidadão instrumentos para que se organizem em<br />
defesa de uma idéia e os ajudam a interpelar seus representantes. Porém, a<br />
principal inovação em matéria de deliberação democrática vem das chamadas<br />
ágoras comerciais que propõem instrumentos de organização e ação política,<br />
1 Termo gerado pelo psicólogo David Manning White nos anos 50, com o qual ele concluiu que o<br />
processo de seleção de notícias por parte dos jornalistas é arbitrário e subjetivo. Ele acompanhou<br />
durante uma semana o processo de escolha de notícias de um jornalista de meia-idade de um jornal<br />
médio norte-americano. A cada escolha, o profissional deveria anotar as razões pelas quais aceitava<br />
ou não uma notícia vinda de uma agência. White deixou transparecer que o processo de seleção é<br />
pessoal, baseado em convicções próprias e no conhecimento social particular. Sendo assim, de<br />
acordo com a teoria resultante do estudo, o editor é um gatekeeper, um porteiro, que abre e fecha a<br />
porta para notícias, publicando aquelas que parecem mais interessantes para serem divulgadas,<br />
esquecendo as demais.<br />
45
fóruns de discussão, informações de atualidade estruturadas e bases de dados<br />
políticos de todos os tipos. Elas contribuem igualmente para o desenvolvimento da<br />
cultura do diálogo remoto que, em última instância, fortalece a democracia onde o<br />
ato essencial não é o voto, mas a deliberação, o saber e o exercício da inteligência<br />
coletiva.<br />
Nas ágoras clássicas entre os gregos, a prática da comunicação era na<br />
base de um para todos, ou seja, alguém discursava e a platéia ouvia. Com o<br />
advento de jornais de massa e de outras mídias, inverteu-se o conceito, passando-<br />
se a praticar a comunicação de todos para um, na medida em que o<br />
leitor/espectador, separado do ponto de vista físico, era individualizado em sua<br />
atenção. Hoje vê-se sendo implementada a comunicação de todos para todos,<br />
com uma interatividade inédita e muito interessante para o estímulo do debate<br />
social. Neste sentido Martin-Barbero traz para esta discussão alguns conceitos<br />
igualmente importantes quando o assunto é a comunicação pública, endereçada de<br />
todos para todos.<br />
O que os processos e práticas da comunicação coletiva põem em jogo não<br />
são unicamente os deslocamentos do capital e as inovações tecnológicas,<br />
mas sim profundas transformações na cultura cotidiana das maiorias: nos<br />
modos de se estar junto e tecer laços sociais, nas identidades que plasmam<br />
tais mudanças e nos discursos que socialmente os expressam e legitimam.<br />
(...) A comunicação é percebida como o cenário cotidiano do<br />
reconhecimento social, da constituição e expressão dos imaginários a partir<br />
dos quais as pessoas representam aquilo que temem ou que têm direito de<br />
esperar, seus medos e suas esperanças. (MARTIN-BARBERO, p. 62-85).<br />
Este autor nos diz que a nova ordem comunicacional e seu aparato<br />
tecnológico está redimensionando o dia-a-dia dos cidadãos, colocando-os diante<br />
do desafio de incorporar novos comportamentos, sob o risco de serem excluídos da<br />
agenda global. A comunicação pública de todos com todos deverá ser cada vez<br />
mais exercida pelas pessoas comuns de posse de seus pequenos, mas possantes<br />
aparelhos como celulares, notebooks, palmtops e outros que estão por vir; e,<br />
portanto, poderão contribuir mais com o pensamento coletivo porque<br />
simplesmente têm mais acesso a ele, a um custo relativamente baixo. Da mesma<br />
forma, serão influenciados pelo macro-ambiente remoto que apresenta modelos<br />
comparativos até então inéditos para os seus padrões locais.<br />
46
Há que se observar que jornalistas, por exemplo, estariam com sua<br />
importância diminuída enquanto gestores privilegiados dos fluxos de informação do<br />
tecido social. Ficaria para eles um outro papel, não menos importante, porém mais<br />
especializado, de analistas, seletores e comentaristas do cotidiano ao invés de<br />
geradores de dados. Afinal, os cidadãos, que estão em todos os lugares, que<br />
conhecem como ninguém a realidade à sua volta, têm maior capacidade de evitar o<br />
―crivo‖ jornalístico no que diz respeito à obtenção da informação. O fato é que,<br />
impulsionada pela internet, a geração de notícias está deixando de ser uma<br />
exclusividade dos profissionais dos meios de comunicação e está se configurando<br />
como mais um produto que vem servir à interatividade social. Ainda mais porque<br />
está se tornando um bem oferecido cada vez de forma gratuita. Se pensarmos<br />
sobre a informação de mundo com as quais lidamos ela é aparentemente gratuita.<br />
Na internet, a idéia de pagar pela informação tem dificuldades de vingar e aceita-se<br />
pagamento muito mais pelos serviços agregados ao noticiário do que pelas notícias<br />
propriamente ditas. Torna-se daí possível a inferência de que tudo que é gratuito é<br />
público; e tudo o que é público pertence à comunidade e de forma equânime aos<br />
cidadãos que nela habitam. Portanto, se as notícias são uma mercadoria pela qual<br />
paga-se cada vez menos, ou nada, então ela pertence a todos e por todos poderá<br />
ser gerida.<br />
Este novo conceito já possui tentativas bem sucedidas em curso e se apóia<br />
na participação ativa de grande parcela do público, que até então limitava-se a um<br />
papel nada aconselhável de passividade. O OhmyNews 2 , da Coréia do Sul, é uma<br />
experiência desta nova condição dentro do jornalismo e a primeira tentativa bem<br />
sucedida na internet de revolucionar o processo de garimpagem de notícias. Seu<br />
slogan: ―Cada cidadão é um repórter‖. Ao ser lançado em fevereiro de 2000, 727<br />
cidadãos se apresentaram como repórteres enquanto o staff do site não passava<br />
de quatro jornalistas. Hoje, decorridos quatro anos, a redação conta com 35<br />
profissionais e o corpo de ―cidadãos repórteres‖ já chegou a 35 mil nomes, que<br />
enviam em média 200 notícias diárias para as edições on line, impressas e em<br />
vídeo. O material é revisado e minimamente checado antes de ser posto no ar. A<br />
partir daí tem início um processo de avaliação da informação pelos próprios leitores<br />
cujos comentários, correções e adendos influem diretamente na relevância que o<br />
² O site do jornal é o www.ohmynews.com<br />
47
tema assume na pauta do jornal. Todo o processo é acompanhado pelos jornalistas<br />
da redação, que também são responsáveis pela produção de matérias de agenda<br />
não cobertas pelos ―cidadãos-repórteres‖. O grande desafio é o de manter e<br />
verificar a autenticidade das informações. Esta experiência está chamando a<br />
atenção de especialistas de todo o mundo por conta de seu crescimento rápido e<br />
vigoroso — e por atropelar todos os esquemas convencionais em matéria de<br />
relacionamento entre jornalistas e leitores.<br />
No Brasil, há a figura do ―ouvinte repórter‖ em algumas emissoras AM de<br />
São Paulo, como a Rádio Eldorado, a Bandeirantes e a CBN. Eles são convidados<br />
a entrar em contato com a emissora no horário de pico do trânsito e, pelo celular,<br />
dar um boletim das condições do trânsito por onde estão transitando com seus<br />
veículos.<br />
A tecnologia coloca esta possibilidade de participação social, em particular a<br />
internet, acrescida dos weblogs, que criaram ferramentas que deram ao usuário a<br />
capacidade de publicar suas opiniões e informações de forma fácil e imediata.<br />
Portanto, se parece inevitável que todos teremos um comprometimento<br />
inquestionável e inalienável com o processo de geração das informações, que<br />
podem ser apropriadas pela mídia de massa e de pós-massa (internet), já caberiam<br />
estas questões: quais as dimensões deste envolvimento? Que grau de<br />
complexidade atingirá? Como ele pode servir bem aos propósitos da sociedade e<br />
como ele pode até alavancar carreiras profissionais? Neste sentido, tal qual<br />
expressa Lévy, será preciso preparar as pessoas do mercado de trabalho não<br />
apenas para exercitar o discernimento no momento em que consomem as<br />
informações que chegam pela mídia, mas também para saber relacionar-se com ela<br />
e extrair dividendos positivos deste processo.<br />
A intencionalidade da notícia<br />
No mercado das empresas não-jornalísticas, verifica-se o mesmo movimento<br />
no que tange ao efeito que poderia ser chamado de artificialidade da notícia e que<br />
estaria causando no mercado jornalístico, propriamente dito, um efeito que pode vir<br />
a causar preocupações. Cada vez mais, o noticiário da mídia está sendo invadido<br />
48
pelos chamados acontecimentos programados, em detrimento daqueles<br />
espontâneos. Então,<br />
torna-se essencial compreender que o Jornalismo não é um discurso<br />
autônomo. São muitos, cada vez mais, os sujeitos sociais competentes que<br />
ousam agir e interagir no mundo presente. O Jornalismo teria na sua<br />
natureza, a aptidão de captar, compreender, reorganizar e difundir os<br />
discursos que a sociedade produz, agregando-lhes a credibilidade de uma<br />
mediação crítica (CHAPARRO, 1994, p. 132-154).<br />
Por este entendimento, ele seria um ambiente de macrointerlocuções e com<br />
elas elaboraria significados e construiria sentidos, lidando, como já dito, com dois<br />
tipos básicos de acontecimentos, os imprevistos e os planejados. Estes últimos são<br />
produzidos e controlados por pessoas ou instituições com aptidão para tal, do qual<br />
fazem parte a divulgação de oportunidade, tendo sempre em vista a divulgação de<br />
aspectos positivos em um primeiro momento, sem nenhum caráter de denúncia e<br />
dispensando aspectos de contextualização que levem a reflexões de ordem crítica e<br />
comparativa. Com a instauração de focos de emissão informativo-jornalística fora<br />
das redações em grande escala, fenômeno que está se verificando com grande<br />
freqüência também no Brasil, cada vez mais o espaço das pautas do jornalismo<br />
diário é ocupado pelos acontecimentos programados. Gostem os editores e<br />
pauteiros, ou não, os produtores competentes de acontecimentos exercem<br />
influência crescente e irrecusável nas decisões jornalísticas. Os veículos jornalísticos<br />
investigam, num primeiro momento, o que tem interesse para o bem público até<br />
depararem-se com os interesses próprios dos entrevistados, observados,<br />
pesquisados e envolvidos na pauta jornalística. No momento de elaborar ou atribuir<br />
significados à mensagem, as habilidades mais valiosas são as que acabam por<br />
interferir na escolha daquilo que irá para o ar. Se se fizer uma análise detida do<br />
conteúdo dos jornais de hoje, certamente uma característica se pronunciará com<br />
força: boa parte, senão a maioria, daquilo que é oferecido à opinião pública são<br />
relatos ou análises de acontecimentos planejados e controlados por instituições ou<br />
pessoas que decidiram promovê-los e sabiam como fazê-lo. Dos acontecimentos<br />
não previstos e não programados, só as grandes tragédias e acidentes ainda<br />
ocupam espaço e posições de destaque na imprensa.<br />
As pautas jornalísticas estão contando com a presença dos pauteiros<br />
externos à redação, em cujas aptidões se inclui, hoje, o domínio das habilidades<br />
49
jornalísticas, a consciência do valor da informação, o senso de oportunidade e o<br />
domínio da tecnologia de transmissão de dados remotos.<br />
Este fenômeno ultrapassa nossas fronteiras, como demonstra um artigo<br />
recente de Líriam Spnholz 3 , em que argumenta que mais da metade das notícias<br />
publicadas nos jornais americanos e alemães provêm de assessorias de imprensa<br />
ou foi ―provocada‖ por estratégias de relações públicas. Segundo ela, desde o<br />
começo dos anos 90, nos EUA há mais assessores de relações públicas e de<br />
imprensa do que jornalistas empregados em redações. Estudos das fontes das<br />
notícias contribuiriam para mostrar o quanto a influência externa é forte. Uma<br />
pesquisa americana nos anos 70 já apontava para isso: mesmo em jornais como o<br />
The New York Times ou The Washington Post, 60% do material das redações<br />
tinham origem em assessorias de imprensa.<br />
Neste sentido, alinha-se a perigosa, porém, oportuna argumentação de<br />
Chaparro 4 , de que não existiria fronteira entre jornalismo e propaganda. Frisou na<br />
ocasião que em qualquer entrevista, se faz propaganda O professor, no entanto,<br />
fez uma ressalva: a de que é preciso haver uma ―fronteira de intenções‖, com a<br />
devida identificação do profissional com o conteúdo jornalístico exigido por uma<br />
sociedade em busca de notícias que a transformem.<br />
Max Weber sintetiza muito bem a questão da intencionalidade que precisa<br />
ser depositada no ato da projeção social ao indicar a profunda alteração no modo<br />
de colocação do indivíduo na sociedade:<br />
Já não são mais os laços de sangue ou os valores da tradição que<br />
determinarão a inserção no contexto público, mas trata-se agora de um<br />
problema que cada indivíduo tem diante de si, e que não pode ser resolvido<br />
sem levar em consideração a vontade racional de se inserir na coletividade.<br />
Dito de outro modo, os valores da tradição não garantem mais a colocação<br />
da pessoa no espaço coletivo, pois este ultrapassa o âmbito da simples<br />
comunidade. (...)<br />
Desse modo, o indivíduo não tem seu vínculo coletivo, nem sua identidade<br />
assegurados de antemão pela tradição, mas deve construí-los através de<br />
seu engajamento espontâneo na diversidade das formas coletivas de<br />
agrupamento. O processo comunicativo deixa de ser analisado em sua<br />
generalidade, não sendo mais tratado como o fundamento da consciência<br />
humana (quer em sua forma coletiva ou individual); ele passa a ser investido<br />
³ Jornalista, mestre em História, Cultura e Poder e doutoranda em Comunicação pela Universidade de<br />
Lipsia, na Alemanha<br />
4 Afirmação proferida durante palestra intitulada ―Como estruturar uma estratégia vitoriosa de<br />
relacionamento com a imprensa‖, proferida no 6º Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial,<br />
Assessoria de Imprensa e Relações Públicas, realizado em abril de 2003, em São Paulo<br />
4<br />
50
como estratégia racional de inserção do indivíduo no meio social. (WEBER,<br />
2002, p. 32-33)<br />
As fontes teriam, diante do exposto neste e no primeiro capítulo, a capacidade<br />
de produzir conteúdos noticiosos, embutidos muitos vezes em ações e falas<br />
recheadas de ingredientes jornalísticos. Incorporaram a notícia aos acontecimentos<br />
que produzem e pela notícia, de forma cada vez mais eficaz, os sujeitos<br />
institucionais exercem o sagrado direito de dizer. Novamente, ousa-se colocar<br />
algumas questões: será isto prejudicial ao ambiente de liberdade próprio das<br />
democracias? Seria preferível uma sociedade em que o poder de dizer pertencesse<br />
somente aos comunicadores institucionalizados?<br />
O que se vê é uma escalada sem precedentes do poder de interferência que<br />
as fontes estão passando a deter e a exercer nos processos de comunicação, em<br />
particular, nos meios jornalísticos. O poder das fontes, entre outros exemplos,<br />
estaria se manifestando na capacidade de gerar e alimentar fatos cujo sucesso<br />
comunicacional interessa ao relato jornalístico por excelência. Os que estariam<br />
cultivando aquela imagem idealizada do jornalista investigativo ou aventureiro, que<br />
procura situações arriscadas e instigantes, guiado pelo poder mítico da procura<br />
pela verdade, baliza maior do repórter, certamente ficarão perplexos diante da nova<br />
realidade. Para Chaparro (2003, p. 2).<br />
as fontes estão fazendo uma revolução nos processos comunicacionais. (...)<br />
o jornalismo vive agora sua quarta grande revolução, cada uma delas<br />
vinculada a um determinado momento tecnológico ou político-cultural da<br />
civilização moderna: a revolução da notícia, que o telégrafo viabilizou; a<br />
revolução das tiragens, na fase da industrialização, com a rotativa, a linotipo<br />
e a zincogravura: a revolução da reportagem literária, nos ventos<br />
democráticos do pós-guerra; e, agora, a revolução das fontes, sob o<br />
impulso das tecnologias de difusão (as tais que criaram a possibilidade da<br />
notícia em tempo real, com instantaneidade universal), e da acelerada<br />
institucionalização da sociedade.<br />
x<br />
Apesar de desprezadas pela cultura arrogante dos manuais de redação, as<br />
fontes se organizaram, adquiriram competência e querer, transformando o<br />
jornalismo no espaço público das suas ações discursivas e incorporaram a notícia<br />
ao acontecimento que estão produzindo.<br />
51
Conclusão<br />
É notório que apesar de todas as desconfianças com que jornalistas tratam<br />
certas fontes, elas são instâncias interdependentes e dentro, da nova ótica que este<br />
trabalho discute, ambos estão interessados mutuamente, ou seja, o jornalista está<br />
tão interessado nas fontes como as fontes, agora, estão interessadas nos<br />
jornalistas. Segundo Sousa, os jornalistas procuram as chamadas fontes abertas,<br />
capazes de providenciar toda a informação crível de que eles necessitam<br />
―desesperadamente‖ para que o produto noticioso possa ser fabricado. Por outro<br />
lado, as fontes estão pretendendo com um caráter intencional cada vez mais<br />
planejado, que os jornalistas aproveitem tudo o que elas pretendem, ou seja, que<br />
toda as informações que disponibilizam passem pelos ―portões‖. A identificação do<br />
jornalista com a fonte ou com o material informativo oferecido por esta pode<br />
propiciar um perigoso efeito para a democracia e para o bom jornalismo, que é o<br />
controle da fonte sobre os conteúdos da informação. E poderá também levar o<br />
jornalista a ser acrítico para com a fonte, deixando-se dominar por sua influência.<br />
Porém, nada parece deter o avanço das fontes, que se organizam, treinam-<br />
se, profissionalizam-se e estão muito disponíveis para, não apenas prestar<br />
informações, como para exercer também o ofício de comunicadores. Vários meios<br />
de comunicação estão se rendendo à nova realidade, posicionando-se com mais<br />
proximidade junto às fontes. A TV Tem, de São José do Rio Preto, vem divulgando,<br />
em alguns de seus noticiários locais, um telefone para que os telespectadores<br />
possam sugerir reportagens, institucionalizando seus canais de contato com elas e,<br />
em alguns casos, como visto neste trabalho, na primeira parte, até delegando a<br />
função de repórter.<br />
A informação tornou-se um dos bens mais conhecidos e aceitos da sociedade<br />
moderna. A notícia consolidou-se como um produto tendente à gratuidade. A<br />
tecnologia encurtou o mundo e fraturou as distâncias. E os cidadãos já não são mais<br />
os mesmos. Uma nova ótica para a transmissão, a geração e a gerência de<br />
informações, e especificamente do jornalismo, se impõe neste cenário. Os<br />
jornalistas estão vendo fugir o seu papel de gatekeeper privilegiado da informação<br />
pública. O que será da notícia? O que será da reportagem e do repórter? Questões<br />
como estas estão bem guardadas no futuro, mas já há fortes indícios do que este vai<br />
acontecer em breve.<br />
52
A consciência de que é possível dosar, dirigir, intensificar, separar, omitir,<br />
manipular a informação a partir das fontes vai se fortalecendo. Cresce também a<br />
demanda por informação e posicionam-se para atendê-la todos aqueles que estão<br />
compreendendo qual revolução está em curso dentro desta esfera comunicacional.<br />
As demais fontes, que ainda não participam deste entendimento, certamente<br />
poderão ser capacitadas para esta missão. Afinal, a informação, um bem<br />
verdadeiramente público, pode ser gerada e gerida por todos.<br />
53
Referências bibliográficas<br />
CASTILHO, C. Cada cidadão é um repórter. São Paulo, 4 maio 2004. Disponível em:<br />
http.observatoriodaimprensa. Acesso em 25 maio 2004.<br />
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Disponível em: http.observatoriodaimprensa. Acesso em 20 dez 2003.<br />
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MORAES, D. de. Por uma outra Comunicação – Mídia, mundialização cultural e<br />
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MORAES, D. de (org). Por Uma outra Comunicação – Mídia, mundialização cultural<br />
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SOUSA, J. P. Teorias da Notícia e do Jornalismo. Florianópolis: Argos, 2002<br />
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Comunicação – Conceitos, escolas e tendências. Rio de Janeiro: Vozes, 2002<br />
WURMAN, R. S. Ansiedade de Informação – Como transformar informação em<br />
compreensão. São Paulo: Cultura, 1991.<br />
54
__________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
O MITO DA IMPARCIALIDADE NAS MANCHETES, TÍTULOS E<br />
SUBTÍTULOS DOS TEXTOS NOTICIOSOS<br />
55<br />
Marcelo Henrique MARTINS*<br />
Célia Regina Cavícchia VASCONCELOS**<br />
* Graduado em Letras pela FAFICA/Catanduva. Aluno de pós-graduação (strictu sensu) em<br />
Lingüística da UNESP/Araraquara. Professor de Português e Inglês do Ensino Fundamental e Médio<br />
da rede estadual de ensino. Aluno do terceiro ano de jornalismo da UNORP.<br />
** Graduada em Jornalismo-ECA-USP, Letras e Pedagogia – Jales. Mestre em Literatura Brasileira –<br />
Unesp/ S.J. Rio Preto. Professora nos Cursos de Letras e Jornalismo – <strong>Unorp</strong>.<br />
Resumo: O presente trabalho procura identificar, principalmente nas manchetes, títulos e subtítulos<br />
das matérias jornalísticas, outras funções da linguagem, além da referencial. Assim, procura<br />
desmistificar a idéia de que o texto jornalístico é imparcial e objetivo e que, portanto, por trás das<br />
palavras, reside a intencionalidade.<br />
Palavras-Chave: funções; manchetes; títulos; subtítulos; intencionalidade.<br />
Abstract: The present work aims to identify mainly in headlines, titles and subtitles of newspaper news<br />
other language functions besides the referential one. Therefore, it aims to demystify the idea of the<br />
newspapers being impartial and objective and that behind the words it lays the intentionality.<br />
Keywords: functions; headlines; titles; subtitles; intensionality.
Introdução<br />
São seis os fatores que sustentam o modelo de comunicação: emissor,<br />
receptor, canal, código, referente e mensagem.<br />
Segundo McLuhan (apud ARANHA, 1.989, p. 79) ―a mensagem é o meio‖. Já<br />
Jakobson (apud CHALHUB, 2.001, p. 6) enfoca o perfil da mensagem conforme a<br />
meta ou Einstellung (orientação dessa mesma mensagem de acordo com a função<br />
predominante). Para o primeiro, é a própria estrutura da mensagem que permite<br />
uma determinada organização de signos e não outra; para o segundo, a mensagem<br />
estrutura-se em função do fator para o qual está inclinada.<br />
No texto jornalístico noticioso, percebe-se como função predominante para a<br />
verificação da mensagem a função referencial ou denotativa. Aquela com ênfase no<br />
referente, com destaque em o que, ou seja, no acontecido ou no sujeito desse<br />
acontecimento.<br />
Com a função de ―anunciar o acontecimento e resumir a notícia‖, (BAHIA, 1990,<br />
p. 48) isto é, de informar, o título (ou a manchete) também está compromissado com<br />
o fato, com o acontecimento. Privilegia-se, portanto, o referente.<br />
Nos exemplos de manchetes e títulos, a seguir, observamos o uso da<br />
linguagem com a preocupação de informar:<br />
―Aposentado morre em fila no Rio‖ (FOLHA DE SÃO PAULO –<br />
10/01/1992).<br />
―Aposentado morre na fila de espera pelos pagamentos‖(O ESTADO DE<br />
SÃO PAULO – 10/01/1992).<br />
As manchetes da Folha de S.Paulo e do Estadão referem-se à luta dos<br />
aposentados pelo pagamento de um aumento de 147% em suas aposentadorias e<br />
que não estavam sendo pagas pelo governo Collor. Elas são bons exemplos que<br />
demonstram a função referencial ou denotativa. A linguagem jornalística é<br />
referencial por natureza. Tanto a Folha de São Paulo como O Estado de São Paulo<br />
prezaram a objetividade e impessoalidade para a manchete relacionada aos fatos,<br />
preocupando-se em informar. Procuraram responder objetivamente a quem? o quê?<br />
onde? Interessante observar como os dois títulos funcionam até como título-lead,<br />
isto é, anunciam a idéia central específica do próprio lead da notícia.<br />
56
O jornal Folha de S.Paulo, do dia 12/08/03, traz, na primeira página, o título:<br />
―Estudante atira galinha preta viva em Marta‖<br />
Esse título impessoal, objetivo e até descritivo, apresenta como predominante a<br />
função referencial ou informativa. A Folha de São Paulo prezou a informação de<br />
que, quando discursava para estudantes e professores de Direito na comemoração<br />
do Centenário do Centro Acadêmico de Agosto, no largo São Francisco, a prefeita<br />
fora alvo de protestos e do estudante, que é também determinado no título da<br />
página interna – C4 (―Estudante de Direito joga galinha em Marta‖).<br />
O jornal O Estado de São Paulo, do dia 11/08/03, traz na página interna – C3 o<br />
seguinte título: ―Diminui volume de entulho nas margens do Rio Pinheiros‖. E como<br />
intertítulo (olho) ―Projeto Pomar fez campanha para alertar a população sobre o<br />
problema do lixo‖.<br />
Esse título e ―olho‖ de O Estado de São Paulo informam sobre os efeitos da<br />
campanha do Projeto Pomar e seu objetivo por se referirem à situação atual do Rio<br />
Pinheiros. Por conseguinte, é impessoal, sem marcas do emissor, o que confere<br />
neutralidade à informação impressa. Logo, a função referencial se apresenta no<br />
título de forma predominante, o que garante informação definida, clara e<br />
transparente.<br />
Além da função referencial centrada na informatividade, o jornalista ou editor-<br />
chefe podem orientar as manchetes e títulos para outras funções da linguagem<br />
marcantes no discurso jornalístico, como para a emotiva, (com ênfase no emissor)<br />
para a conativa, (com ênfase no receptor) e para a metalingüística, (com ênfase no<br />
código).<br />
O objetivo deste trabalho é analisar, de acordo com Roman Jakobson, algumas<br />
manchetes e títulos dos principais jornais impressos brasileiros, principalmente de O<br />
Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, para mostrar que, além da função<br />
referencial ou denotativa predominante na linguagem jornalística, outras funções<br />
dialógicas da linguagem, como as citadas acima, também são utilizadas pelo editor<br />
e/ou jornalista com a finalidade estratégica de conduzir a leitura e atingir uma<br />
intencionalidade.<br />
Perfil emotivo ou expressivo<br />
57
Segundo Jakobson (1999, p.123-4), ―a chamada função emotiva ou<br />
‗expressiva‘, centrada no remetente, visa a uma expressão direta da atitude de quem<br />
fala em relação àquilo sobre o que se está falando. Tende à impressão de certa<br />
emoção‖.<br />
Da mesma forma, Chalhub (2001, p. 17-8) diz que ―a função emotiva tem seu<br />
Einstellung no emissor que deixa transparente as intenções do seu dizer, marcando-<br />
a em 1ª pessoa. A função emotiva implica, sempre, uma marca subjetiva de quem<br />
fala, no modo como fala‖.<br />
Assim, podemos afirmar, repetindo o professor e linguista Lopes (1995, p. 61),<br />
que ―essa função revela o estado emocional do falante perante o objetivo de sua<br />
comunicação. A mensagem com função emotiva não vale pelo conteúdo intelectual,<br />
que veicula, mas sim pela sua carga emocional‖.<br />
Há também manchetes e títulos nos quais percebe-se que o jornalista faz uso<br />
da função emotiva como preponderante. São os chamados títulos expressivos:<br />
―Velhinho morre na fila dos 147%‖ (Folha da Tarde - SP - 10/01/1992).<br />
―INSS mata aposentado na fila‖ (O Dia - RJ – 10/01/92)<br />
As manchetes da Folha da Tarde e de O Dia-RJ referem-se ao mesmo fato<br />
informado pela Folha e pelo Estadão, visto anteriormente. Mas, diferentemente,<br />
apresentam carga emotivo-expressiva. A Folha da Tarde usa a palavra velhinho e,<br />
de acordo com Luís Agostinho Cadore (2000, p. 24), o diminutivo é um recurso<br />
gramatical que pode ser usado para promover a comunicação emotivo-expressiva. O<br />
Dia usa o verbo mata, de forte intensidade expressiva, e chega a ser hiperbólico e<br />
sensacionalista. O conteúdo de sua manchete é altamente ideológico, funciona<br />
como um contraponto ao INSS.<br />
Nas duas manchetes, a função emotiva é predominante. Carregam marcas<br />
expressivas do emissor.<br />
O título „IPI menor de carros é só aspirina‟, diz Furlan, (Folha de S.Paulo, B4,<br />
12/08/03) é construído a partir do discurso direto do ministro. Apresenta o<br />
Einstellung centrado no emissor; tem-se a função emotiva ou expressiva da<br />
linguagem de forma marcante. O título deixa transparente o juízo de autoridade,<br />
ponto de vista do ministro: a redução do IPI para o setor automotivo é qualificada<br />
metaforicamente como comprimido /aspirina, passando a ser configurada como<br />
paliativa.<br />
58
Perfil conativo ou persuasivo<br />
Conativo ―nasceu‖ do termo latino conatum, que significa tentar influenciar<br />
alguém por meio de um esforço. É pela persuasão que percebemos, como disse<br />
Roland Barthes (apud CHALHUB, 2001, p. 12), que o signo não é neutro... nem<br />
inocente. Por isso é mais comum encontrar a função conativa em anúncios<br />
publicitários, como nos exemplos abaixo:<br />
59<br />
Você vai freqüentar tantos lugares legais que é bom mesmo<br />
estar bem-informado. Estadão: é muito mais jornal (O Estado<br />
de São Paulo – C5, 11/08/03).<br />
Além de receber em casa a melhor informação, assinar O<br />
Estado de S. Paulo tem muitas outras vantagens.<br />
Os anúncios publicitários, por natureza, apresentam perfil conativo. O anúncio<br />
de O Estado de S. Paulo procura seduzir o leitor, mostrando a necessidade de estar<br />
bem-informado, já que se vai freqüentar diversos lugares ―legais‖ e O Estadão, que<br />
segundo o anúncio é o jornal de qualidade superlativa e de muitas vantagens,<br />
possibilita aos leitores a boa informação. O anúncio expressa que o jornal é uma<br />
mercadoria de concorrências, comercializável e a ser consumida pelos leitores.<br />
O Estado de São Paulo, do dia 23/03/03, traz no caderno Economia, página B5,<br />
o seguinte anúncio:<br />
Assine Broadcast e faça a diferença você também (A Agência<br />
Estado – solução em informações On-Line).<br />
Há um seleto grupo de executivos financeiros fazendo a<br />
diferença no Brasil. Eles assinam Broadcast, da Agência<br />
Estado.<br />
Broadcast é líder em informações financeiras em tempo real<br />
para negócios e ideal para você, executivo financeiro, que quer<br />
alcançar os melhores resultados para a empresa.<br />
Ligue e solicite uma apresentação sobre como aumentar as<br />
margens de rentabilidade na gestão dos recursos financeiros<br />
de sua empresa e ganhe 15 dias de utilização da Broadcast.<br />
O anúncio da Broadcast, da Agência Estado, apresenta, por natureza<br />
(publicitária), perfil conativo, pois está direcionado para o receptor (você), executivo<br />
financeiro que quer alcançar os melhores resultados para a empresa. Tem a
intenção de convencê-lo a assinar o pacote líder de informações financeiras ideal<br />
para negócios, o Broadcast, e a se tornar um do seleto grupo de executivos<br />
financeiros que ―estão fazendo a diferença‖ no Brasil.<br />
Os usos do imperativo, como assine, faça, e do pronome você, que<br />
discursivamente é de 2º pessoa, são ―marcas registradas‖ que caracterizam o perfil<br />
conativo da comunicação. O desfecho, com a seqüência de imperativos ligue,<br />
solicite, ganhe, torna o anúncio atraente e convidativo para o receptor almejado.<br />
A Folha de S. Paulo, do dia 13/03/03, traz no caderno Ilustrada, página E5, o<br />
seguinte anúncio: ―Todos os dias acontecem 0800 703 8000 coisas. Assine a Folha‖.<br />
―Folha, não dá pra não ler‖.<br />
O seu perfil conativo define-se pelo uso do imperativo assine que se direciona<br />
ao receptor, a fim de convencê-lo.<br />
O perfil conativo além dos anúncios publicitários<br />
Além dos anúncios publicitários, uma manchete ou um título de matéria<br />
jornalística podem apresentar o perfil conativo, ou seja, podem estar marcados<br />
fundamentalmente pela persuasão, pela intenção de seduzir o receptor-alvo.<br />
O suplemento econômico Painel de Negócios, do Estadão, do dia 7/10/03, traz<br />
em sua primeira página, a seguinte manchete: ―Empresas buscam ajuda nas<br />
incubadoras‖.<br />
E, na página interna, p2, tem-se o seguinte título da matéria sobre as<br />
incubadoras: ―As vantagens de estar em uma incubadora‖.<br />
Além da função referencial, que informa uma nova estratégia de<br />
gerenciamento, os títulos se caracterizam também pelo efeito persuasivo, confirmam<br />
o uso de elementos característicos da função persuasiva. Percebe-se que foram<br />
organizados e estruturados com a finalidade de atingir especificamente o pequeno e<br />
médio empresário, como que convidando-o a fazer uso dessa nova estratégia.<br />
As palavras vantagens e incubadora expressam, dentro da sintaxe do título<br />
sobre as incubadoras da página interna, uma relação de pressuposição: possíveis<br />
vantagens se estiver numa incubadora. A relação é lógica, envolve/seduz o receptor-<br />
alvo que fatalmente se interessará pela incubadora como uma alternativa de acesso<br />
à solução ou de crescimento considerável no mercado.<br />
60
O mesmo suplemento econômico, na página interna 4, traz o seguinte título da<br />
matéria sobre flexibilização nas franquias: ―Flexibilização é palavra de ordem nas<br />
franquias‖.<br />
O título é iniciado por um termo específico da economia, que se qualifica<br />
relevante pelo predicado nominal. Apresenta perfil conativo (conação) por promover,<br />
de forma propagandística, a flexibilização como estratégia de sustentação,<br />
expressão comercial e destaque na concorrência em tempos de crise. E, também<br />
apresenta um diferencial (flexibilização) que possibilita uma maior diversificação e<br />
aumento da comercialização de novas franquias como redes menores, Casa do Pão<br />
de Queijo, Nossa Soja (rede de venda de cosméticos), Sol & Sabão Lavanderia. O<br />
título, dentro da página Franquias & Novos Negócios, tem um efeito conativo de<br />
exortação, que leva o receptor a entender a flexibilização como uma forte tendência<br />
atual do mercado de franquias.<br />
O perfil metalingüístico<br />
O lingüista Edward Lopes explica, em sua obra Fundamentos da Lingüística<br />
Contemporânea, que a função metalingüística é a função da mensagem que se<br />
dirige para o código. O homem comunica-se para dois fins básicos: ou para falar<br />
acerca de um referente (função referencial) ou para falar acerca da própria<br />
linguagem (função metalingüística).<br />
61<br />
A função metalingüística pressupõe a existência de uma<br />
língua-objeto (aquela de que eu falo), cujo funcionamento ou<br />
cujo código se quer decifrar. É necessário, para tanto, que se<br />
utilize um outro sistema lingüístico, a meta-língua, com que eu<br />
falo da língua-objeto, meta-língua esta que, por ser melhor<br />
conhecida, vem proposta como um modelo decodificador da<br />
língua-objeto (1995, p. 65).<br />
O jornal O Estado de São Paulo, do dia 9/03/03, traz, no caderno Cidades,<br />
página C3, o seguinte título: ―Polícia é polícia, soldado é soldado‖.<br />
Esse título, tese do coronel da reserva, ex-integrante do Estado-Maior do<br />
Exército, Rubens Tavares, é da notícia referente à presença das Forças Armadas
nas ruas do Rio, agindo como polícia por ―tempos indeterminados‖, como queria a<br />
então governadora Rosinha Matheus Garotinho.<br />
Tal título apresenta perfil metalingüístico, pelo seu retorno aos signos polícia e<br />
soldado, explicitando a distinção entre um e outro pela ênfase dos mesmos. Sua<br />
notícia esclarece que o Exército não está preparado para esse tipo de tarefa, os<br />
soldados reagem pesadamente como se estivessem numa guerra; os policiais,<br />
agentes de segurança pública, treinados para executar operações de controle e<br />
repressão ao crime, usam equipamentos mais adequados às ações armadas na<br />
malha urbana. O título já determina que é importante não confundir os dois papéis.<br />
Toda polícia é soldado, mas nem todo soldado é agente de segurança pública<br />
urbana.<br />
O jornal Folha de São Paulo, do dia 15/06/03 traz, na editoria Cotidiano,<br />
página C1, o seguinte título: ―Poluição por ozônio sufoca Ibirapuera‖. E, como<br />
subtítulo: ―Porque 1,1 milhão de metros quadrados, localizados em S. Paulo ficou<br />
em estado de atenção em 26 dos 351 dias que a CETESB colheu amostras‖.<br />
O título, por ser formado por um termo específico da Química inorgânica, ozônio,<br />
relacionado à ciência, vem acompanhado de ilustração e imagens<br />
predominantemente metalinguísticas, com a finalidade de esclarecer ao receptor o<br />
que é o ozônio (―gás instável formado por três átomos de oxigênio; um agente<br />
oxidante extremamente poderoso‖) e o seu processo físico-químico formador.<br />
A ilustração traz também os efeitos no organismo humano, pauta bastante<br />
comentada por especialistas da USP ao longo da matéria como: ―o ozônio, de fato,<br />
pode atacar o material genético celular. Pode, portanto, formar um tumor‖, diz o<br />
pesquisador Carlos Menck, do Instituto Brasileiro de Ciências Biomédicas da USP‖.<br />
―O ozônio vem acompanhado de uma série de outros oxidantes fotoquímicos. Lesa o<br />
organismo pela capacidade que tem de retirar um elétron de lipídios, das proteínas e<br />
do DNA. Por isso, está relacionado às mutações e, dependendo do lugar onde isso<br />
ocorre, pode gerar um câncer‖ (Folha de S. Paulo. 15/06/03, p1).<br />
Paralelamente à tal ilustração, a Folha traz o subtítulo de classificação feita<br />
por ela mesma; OZÔNIO RUIM, que é esclarecido metalingüísticamente ao leitor:<br />
―sua alta reatividade o torna um elemento tóxico capaz de atacar proteínas, lipídios<br />
(gordura) e, segundo estudos, o DNA. Na troposfera (camada mais baixa da<br />
atmosfera), é capaz de prejudicar o crescimento dos vegetais‖. Observação: neste<br />
contexto, há um processo metalingüístico que traduz lipídios, termo técnico da<br />
62
química orgânica, para gordura, e troposfera, termo técnico de Geografia física, para<br />
camada mais baixa da atmosfera a fim de tornar a matéria editorial inteligível, e<br />
instrucional. Há também o subtítulo OZÔNIO BOM, que é: ―na estratosfera, zona da<br />
atmosfera situada acima da troposfera, caracterizada por um pequeno crescimento<br />
da temperatura, o gás que bloqueia a radiação ultravioleta do sol, formando a<br />
camada de ozônio. A exposição direta aos raios ultravioletas pode causar câncer‖.<br />
Traçados o perfil e a função metalingüística da Folha, concluímos que o jornal<br />
acaba assumindo a função didática, sobretudo quando trata de assuntos das áreas<br />
científica e econômica, marcadas por termos específicos, os chamados termos<br />
técnicos, que acabam levando o jornal a realizar tarefas instrucionais e de infografia<br />
como definição, esquematização, ilustração, exemplificação, artes gráficas, etc.<br />
Quando o jornal decide abordar assuntos da área econômica, principalmente, é<br />
regra cumprir a função didática. É o que acontece com a Folha de São Paulo do dia<br />
26/01/03, editoria Brasil, página A8, na matéria de Clóvis Rossi: ―Superávit será<br />
superior a 4%, diz Meirelles‖. Além das funções referencial e emotiva, o título, pelo<br />
uso da expressão latina superávit, prenuncia a necessidade de um esclarecimento<br />
sobre o significado da própria palavra. O que, de fato, é feito logo no início do lead.<br />
Este funciona como extensão do título: ―O Superávit fiscal primário (receitas menos<br />
despesas do governo, excluídos os juros) será neste ano superior a 4% do PIB<br />
(Produto Interno Bruto) e, portanto, acima da meta de 3,75% acertada pelo governo<br />
de Fernando Henrique Cardoso com o Fundo Monetário Internacional‖. O Lead<br />
orienta-se para a função metalingüística. É o código traduzindo o código econômico.<br />
Conclusão<br />
Os exemplos de manchetes, títulos, subtítulos (intertítulos ou ‗olho‘) e inícios<br />
de ―leads‖ que foram utilizados neste trabalho configuram-se como algumas<br />
modestas expressões dentre as muitas possibilidades no noticiário do nosso<br />
cotidiano. Serviram, porém, para comprovar que a imparcialidade e a<br />
impessoalidade, apesar do propósito do jornalismo, não ocorrem efetivamente.<br />
O texto noticioso jornalístico não é o fato, mas a representação do fato.<br />
(LUSTOSA, 1996, p. 21). E, como representação, está sujeito às intenções da<br />
empresa e de quem o produz. E é essa carga de intencionalidade que, antes de ser<br />
63
um problema no mercado dos meios de comunicação, faz o jornalista e a empresa<br />
ousarem, inovarem e criarem. Para isso, utilizam-se de processos estratégicos na<br />
condução da leitura que incluem não só a intenção de informar, mas também a de<br />
opinar, persuadir e explicar.<br />
Conhecer e principalmente dominar as funções da linguagem em suas<br />
estruturas e dialogismo são tarefas básicas e obrigatórias na vida diária do<br />
profissional do jornalismo. Afinal, por trás da intencionalidade do emissor/jornalista<br />
está não só a informação, mas, e principalmente, a formação e a orientação do<br />
indivíduo para o exercício de sua cidadania. Tarefa que exige um sério compromisso<br />
com o modo como se usa a linguagem.<br />
64
Referências bibliográficas<br />
ARANHA, M. L. de A. Filosofia da <strong>Educação</strong>. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 1989.<br />
BAHIA, J. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. São Paulo: Ática,<br />
1990.<br />
BELTRÃO, L.; QUIRINO, N. de O. Subsídios para uma teoria da comunicação de<br />
massa. 3ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1986.<br />
CHALHUB, S. Funções da linguagem. 11ª ed. São Paulo: Ática, 2001.<br />
CADORE, L. A. Curso prático de português. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2000.<br />
CITELLI, A. <strong>Linguagem</strong> e persuasão. São Paulo: Ática (série princípios), 2004.<br />
COHN, G. Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora<br />
Nacional, 1975.<br />
FARIA, M. A. Como usar o jornal na sala de aula. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1998.<br />
FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa.<br />
3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.<br />
JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1999.<br />
LOPES, E. Fundamentos da Lingüística Contemporânea. 14ª ed. São Paulo: Cultrix,<br />
1995.<br />
LAGE, N. Estrutura da notícia. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2002. (Série Princípios).<br />
_____. <strong>Linguagem</strong> jornalística. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção<br />
Primeiros Passos, 15).<br />
LUSTOSA, E. O texto da notícia. Brasília: Unb, 1996.<br />
ROSSI, C. O que é jornalismo. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção<br />
Primeiros Passos, 15.).<br />
65
__________________________________________________________<br />
ARTIGO<br />
TRADUÇÃO, CULTURA E MÍDIA:<br />
UM ENFOQUE NA LINGUAGEM<br />
* Graduado em Letras pela UNESP. Mestre em Teoria da<br />
Literatura (UNESP). Doutorando na Universidade de<br />
Londrina (UEL). Docente no Ensino Superior na Uni –<br />
versidade Estadual de Minas Gerais,em Frutal (UEMG)<br />
e no Inst. Mun. De Ensino Superior de Catanduva<br />
(IMES).<br />
*Marcelo PESSOA<br />
Resumo: Nossa proposta é investigar, por meio das teorias pós-coloniais e de elementos da<br />
semiótica peirceana, procedimentos lingüísticos parodísticos e ideológicos que foram adotados na<br />
produção de uma paródia em parte do texto do Hino Nacional Brasileiro difundida pela internet. Essas<br />
teorias são metodologicamente distintas, mas complementares em nossa pesquisa, pois é por meio<br />
delas que acreditamos que nuances da produção de linguagem colonizada serão objetivamente<br />
sustentadas e evidenciadas. Abordando a questão da tradução e da apropriação como auxiliares na<br />
compreensão do problema, esperamos poder identificar, ainda, o percurso que um produto comercial<br />
percorre para se transformar em produto cultural e de consumo de massa dentro da sociedade<br />
capitalista pós-colonial.<br />
Palavras-chave: Publicidade; Pós-colonialismo e Semiótica; Hino Nacional Brasileiro; América Latina;<br />
Internet.<br />
Abstract: Our proposal is to investigate, by means of the theories after-colonials and of elements of<br />
the peirceana semiotics, paroditics and ideological linguistic procedures that had been adopted in the<br />
production of a parody in part of the text of the Brazilian National Hymn spread out by the Internet.<br />
These theories are metodologicaly distinct, but complementary in our research, therefore it is by<br />
means of them that we believe that nuances of the production of colonized language objective will be<br />
supported and evidenced. Approaching the question of the translation and the appropriation as<br />
assistant in the understanding of the problem, we wait to be able to identify, still, the passage that a<br />
commercial product covers to inside changed into cultural product and of consumption of mass of the<br />
capitalist society after-colonial.<br />
Key words: Advertising; After-colonialism and Semiotics; Brazilian National hymn; Latin America;<br />
Internet.<br />
66
1. Introdução<br />
Ao depararmo-nos com a teoria pós-colonial, realizando um trabalho de<br />
pesquisa e análise de texto na esfera da publicidade, o que nos perguntamos,<br />
primeiramente, é do que essa teoria trata, e, depois, como esse assunto se<br />
relacionaria com as estratégias da propaganda e do marketing 1 .<br />
Em linhas gerais, pode-se dizer que essa teoria, dentre outras maneiras, vem<br />
culturalmente à tona por meio das campanhas publicitárias e dos signos da cultura,<br />
os quais desenvolvem uma trama de apropriações sócio-culturais recíprocas que<br />
engendram as dinâmicas de sobrevivência de colonizadores e colonizados.<br />
Contemporaneamente, esta relação assume cunho imperialista por parte do<br />
colonizador e uma identidade consumista por parte do colonizado dentro de um<br />
mesmo paradigma – o mercado. Desse modo, esse lugar cultural subjetivo, ―o<br />
mercado‖, sugere-nos uma intervenção mais bem vista, de um lado, pela ótica da<br />
teoria pós-colonial:<br />
A perspectiva pós-colonial nos força a repensar as profundas limitações de uma<br />
noção ―liberal‖ consensual e conluiada de comunidade cultural. Ela insiste que a<br />
identidade cultural e a identidade política são construídas através de um processo de<br />
alteridade (BHABHA, 2003, p. 244).<br />
E, de outro lado, percebemos que a alteridade (o outro) de que nos fala<br />
Bhabha, se trazida à discussão para análise dentro do universo da mídia, não é um<br />
ente possível, mensurável, pois a alteridade não existe efetivamente, mas consiste<br />
justamente numa ilusão criada pela mídia em torno da cultura capitalista – o<br />
mercado, ou seja, o grande comerciante de felicidades instantâneas e<br />
aparentemente a todos acessível. O consumidor, também, tanto pode ser uma<br />
pessoa determinável, como ninguém em particular, e isso torna a ambos, mercado e<br />
consumidor, entidades de existência efêmera ou meramente casual, de acordo com<br />
as vontades que precisam ser correspondidas no jogo social que os envolve e que<br />
se completa na tríade imperialismo colonizador/mercado/colonizado consumista:<br />
As mercadorias têm um desempenho bem menor daquele que realmente deveriam<br />
ter, até mesmo no sentido imanente ao sistema: se não oferecesse ininterruptamente<br />
1 Termo em inglês que designa todas as atividades de uma empresa associadas com a distribuição e venda<br />
de seus produtos. Ela tem ampla abrangência e cobre atividades como a promoção de vendas,<br />
publicidade e propaganda, pesquisa de mercado, pós vendas e o descobrimento de novas<br />
tendências de mercado e preferências dos consumidores (SANDRONI, 2007, p. 514).<br />
67
aos compradores a ideologia da felicidade, as mercadorias dificilmente suscitariam o<br />
sentimento da felicidade. O conteúdo de realidade torna-se cada vez mais sutil, e vêse<br />
então que o mundo das mercadorias chegou a um ponto no qual simplesmente<br />
precisa romper com a realidade (WILHELM ALFF, 1971, p. 23, apud HAUG, 1997, p.<br />
47).<br />
Portanto, de um lado, apoiando-nos nos pressupostos da teoria pós-colonial,<br />
e, de outro lado, nos parâmetros da estética do consumo, o que nos propomos,<br />
nesse momento, é entender de que maneira nós nos apropriamos dos signos<br />
culturais dispersos na sociedade para compor uma paródia 2 do Hino Nacional<br />
Brasileiro 3 , a qual é, há algum tempo, veiculada pela internet (ver textos da paródia<br />
mais adiante).<br />
Ao lado dessa proposta de análise, antes de irmos diretamente ao texto<br />
parodiado propriamente dito, declinaremos algumas palavras em uso no Brasil<br />
oriundas do idioma inglês (empregadas das mais diversas formas, mas,<br />
principalmente, no ambiente da publicidade), a título ilustrativo, e que nos permitam<br />
antever por meio delas, de um lado, o viés da aceitação cultural passiva e, de outro<br />
lado, o viés da apropriação cultural ativa que se opera pela ação dos usuários da<br />
internet brasileira, contudo, aparentemente orquestrada pela batuta silente do capital<br />
internacional.<br />
A visualização inicial da tríade indústria/mercado/consumo nos permite<br />
perceber uma outra estrutura triádica, aceitação/apropriação/tradução cultural, que<br />
emerge como derivação de alguns vocábulos estrangeiros em uso na língua<br />
cotidiana, a partir dos quais cremos nos será possível depreender e compreender<br />
melhor a maneira pela qual um trecho do texto do Hino Nacional Brasileiro, ora<br />
analisado, ressurge no cenário da cultura brasileira como produto ímpar (uma<br />
mensagem publicitária parodística difundida aleatoriamente pelos sites da internet e<br />
à revelia de qualquer campanha de marketing das empresas cooptadas pela<br />
2 O vocábulo paródia, segundo Massaud Moisés, vem do grego paroidia, e quer dizer canto ao<br />
lado do outro. Continua Moisés, dizendo que o vocábulo também designa a composição<br />
literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema ou a forma de uma obra séria. O intuito da<br />
paródia, conclui Moisés, geralmente é o de ridicularizar uma tendência ou um estilo que, por<br />
qualquer motivo, se torna conhecido e dominante (p. 388).<br />
3 A música do Hino Nacional Brasileiro é de Francisco Manuel da Silva, e a letra do poema é de<br />
Joaquim Osório Duque Estrada. O Hino foi instituído oficialmente em 20/01/1890, e ratificado<br />
pelo Decreto 15.671, de 06/09/1922.<br />
68
paródia) e, ao mesmo tempo, plural (a partir do reaproveitamento da mensagem<br />
publicitária parodiada emerge um novo texto revestido de ideologia capitalista).<br />
Por isso, nesse momento, por centrarmos nosso trabalho de análise<br />
predominantemente na palavra escrita, julgamos pertinente nos aproximar de uma<br />
definição de palavra 4 , que pudesse dar conta também das logomarcas 5 impressas<br />
na paródia, e de uma acepção mais ampla de texto 6 , a fim de que, acrescentando-as<br />
ao aporte da teoria pós-colonial e do perfil semiótico 7 da linguagem da sociedade de<br />
consumo, tenhamos uma idéia mais precisa e sintética à qual nos apegar para<br />
empreender a compreensão da natureza do problema da tradução cultural que<br />
estamos estudando, ajudando-nos a entender o universo de informações que se<br />
veicula via mass media.<br />
2. O Merchandising 8 Sócio-cultural na Paródia do Hino Nacional à Luz da<br />
Semiótica<br />
Inúmeras versões de uma paródia do poema do Hino Nacional Brasileiro<br />
circulam em vários sites da internet 9 . Ao contrário do Hino, cuja autoria de letra e<br />
4 Palavra, segundo DUBOIS (1973, p. 449), ―é um elemento lingüístico significativo composto<br />
de um ou mais fonemas, expostos numa transcrição ideogramática, silábica ou alfabética,<br />
compreendida entre dois espaços em branco‖.<br />
5 Marca comercial de uma empresa ou de uma idéia industrial que reúne letras do nome da<br />
empresa ou idéia a elementos formais abstratos, como desenhos, cores, gráficos, etc.<br />
6 Texto, segundo BARROS (1994, p. 7), se define, de um lado, pela estrutura de seus<br />
elementos internos, pela ―organização que faz dele um todo de sentido, como objeto da<br />
comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário‖, e, de outro lado, pelos<br />
elementos externos que o compõem, tais como o contexto histórico de produção,<br />
conhecimento de mundo dos interlocutores, perfil cultural, etc.<br />
7 Não é demais lembrar que, historicamente, os estudos semióticos são mais antigos do que a<br />
brevidade do nosso texto faz supor. Nöth (1995, p. 18), diz que a semiótica aparece,<br />
inicialmente, no pensamento de John Locke (1632-1704), numa obra denominada Essay on<br />
Human Understanding, de 1690. Nesse seu texto, Locke teria acenado com certa ―doutrina dos<br />
signos‖, à qual dá o nome de Semeiotiké. Há, também, segundo Nöth, o nome de Johann<br />
Heinrich Lambert (1728-1777), que escreveu um dos primeiros tratados específicos sobre o<br />
tema semiótico, intitulado Semiotik. Dentre os pensadores semióticos modernos (Julia Kristeva,<br />
Jacques Derrida, Algirdas Julien Greimas, o próprio Ferdinand Saussure, e, ainda, os<br />
formalistas russos, só para citar alguns), escolhemos nos apoiar, em nossa presente análise,<br />
nos conceitos de Charles Sanders Pierce (1839-1914). Diz-se que esse semioticista tem uma<br />
visão pansemiótica do universo, pois toda as manifestações humanas, incluindo o próprio<br />
homem, para ele, são signos, portanto, cultura, história, ciências, símbolos, manifestações<br />
artísticas, jogos, imagens, textos, mass media, constituem um objeto de estudo passível de ser<br />
analisado. De seu arcabouço, nos apropriaremos indireta e subjetivamente, isto é, sem<br />
explicitações patentes, da categoria legi-signo (da primeira tricotomia), da categoria ícone ou<br />
quali-signo-icônico (da segunda tricotomia), e a categoria argumento (da terceira tricotomia).<br />
8 Conjunto de técnicas de marketing que consiste num esforço adicional à campanha<br />
publicitária normal de um produto, com o objetivo de cristalizar sua imagem de forma subliminar<br />
(SANDRONI, 2007, p. 535).<br />
69
música são publicamente sabidos, a paternidade dessa paródia é apócrifa, senão,<br />
apenas anônima.<br />
Mesmo assim, selecionamos, dentre um rol imenso de ofertas no meio<br />
eletrônico web, uma paródia que nos apareceu em duas versões, porém, com<br />
ligeiras diferenças na recomposição parodística dos representamens 10 . Uma<br />
constando várias substituições no texto original por palavras usadas como<br />
logotipos 11 de grandes empresas:<br />
Num posto da Ipiranga, às margens plácidas,<br />
De um Volvo heróico Br<br />
ahma retumbante,<br />
Skol da liberdade em Rider fúlgido<br />
Brilhou no Shell da pátria nesse instante<br />
Se o Knorr dessa igualdade<br />
Conseguimos conquistar com braço Ford<br />
Em teu Seiko, ó liberdade<br />
Desafia o nosso peito à Microsoft<br />
Ó Parmalat, Mastercard, salve a Sharp<br />
Amil um sonho intenso, um rádio Phillips<br />
De amor e Lufthansa à terra desce<br />
Intel formoso céu risonho Olympicus<br />
A imagem do Bradesco resplandece<br />
Gillette pela própria natureza<br />
És belo Escort impávido colosso<br />
E o teu futuro espelha essa Grendene<br />
Cerpa gelada!<br />
Entre outras mil, és Suvinil, Compaq amada,<br />
Do Philco deste Sollo és mãe Doril<br />
Coca-cola, Bombril!<br />
(Paródia do Hino Nacional Brasileiro, 2004)<br />
9 A idéia de rede está implícita na denominação geral do sistema: www é uma sigla para a<br />
designação world wide web que, ao pé da letra, seria traduzido por ―teia mundial da rede‖, mas<br />
que os usuários conhecem melhor por rede mundial de computadores, ou simplesmente web.<br />
10 Representamen, é o nome peirceano do ―objeto perceptível‖ que serve como signo para o<br />
receptor, é o veículo que traz para a mente algo de fora, é o signo considerado do ponto de<br />
vista ―da sua própria natureza material‖ ou ―como é em si mesmo‖ (NÖTH, 1995, p. 66-67).<br />
11 Grupo de letras que formam uma sigla ou uma palavra reconhecida usualmente como marca<br />
comercial de uma empresa ou idéia industrial.<br />
70
E outra, que se apropria das mesmas idéias presentes na primeira versão,<br />
mas vincula às palavras ou representamens que pretende substituir as logomarcas<br />
das empresas, tornando visualmente mais atraente a subversão parodística que se<br />
operou no excerto do texto oficial:<br />
(Paródia do Hino Nacional Brasileiro, 2004)<br />
O resultado dessas operações textuais parodísticas dá-nos conta inicialmente<br />
de um efeito cômico. Entretanto, ao dedicarmos uma atenção maior aos textos<br />
acima, o que percebemos é que neles ocorreu um interessante jogo de imagens,<br />
palavras e sons, cuja complexidade psico-sócio-cultural coletiva contribuiu para que<br />
se retirasse o texto do Hino Nacional Brasileiro do paradigma da referencialidade<br />
histórica e cultural à qual se prende, recolocando-o num patamar conotativo,<br />
antropológico e metafórico, que se traduz aos olhos do leitor por meio da forma<br />
textual paródia.<br />
71
Nos termos da teoria semiótica de Peirce, o que se conseguiu por meio desse<br />
artifício lingüístico-semântico foi um questionamento do representamen por sua<br />
ausência na letra do Hino Nacional, cuja nova letra deixa de ter o referente histórico<br />
imediato originário, assumindo criativamente os contornos semânticos da conotação<br />
publicitária mediata de legi-signos 12 , materializando-se por meio deles a<br />
mediatização que desencadeia a tradução cultural via mass media.<br />
O caráter metafórico do novo texto transgride o contexto sócio-cultural de<br />
produção do texto oficial do Hino, subvertendo-o via reificação no mass media,<br />
vinculando-o aos objetivos da ideologia de mercado. Embora o texto integral do Hino<br />
Nacional ainda disponha de muitos outros representamens para serem substituídos,<br />
o processo de paródia parcialmente operado em sua letra é suficientemente<br />
conclusivo para que possamos dizer que o que se tem é o que Peirce chama de<br />
semiose, ou seja, uma ―série de sucessivos interpretantes ad infinitum‖ (NÖTH,<br />
1995, p. 107).<br />
O mecanismo difusor (a web) da idéia transgredida (o Hino Nacional<br />
parodiado) é a alegoria da qual se reveste a mensagem publicitária, e que fica<br />
ideologicamente escondida atrás da força do capitalismo (via logomarcas e<br />
logotipos), mas levada adiante pela sutileza da linguagem poemática (elementos<br />
poéticos, como o rimário do texto original do Hino):<br />
Considerado em si mesmo, o representamen que ora discutimos é um quali-signo, um<br />
sin-signo ou um legi-signo. As transformações criativas do representamen aparecem<br />
em todas essas três conformações.<br />
Pela simples inversão ótica das letras impressas, o poema torna-se, à primeira vista,<br />
enigmático; e aí a possibilidade de compreensão se dá apenas do quali-signo. Com a<br />
reversão da imagem refletida num espelho, o quali-signo é transformado em legisigno,<br />
ou seja, em letras e palavras que formam o poema.<br />
Os signos da linguagem na semiose cotidiana funcionam largamente por convenção.<br />
Na medida em que uma palavra está regularmente associada a um dado significado,<br />
ela passa a funcionar como legi-signo (NÖTH, 1995, p. 107-8).<br />
O feedback esperado - compreensão do novo significado do poema Hino<br />
Nacional - é fornecido pelo leitor/consumidor/colonizado, que consome o produto<br />
final – a paródia -, difundindo-o inadvertidamente pela internet. Contudo, o efeito<br />
metafórico não é rapidamente compreendido, não podendo, portanto, ser medido<br />
materialmente (materialmente isso se apresentaria sob a forma do aumento de<br />
consumo dos bens veiculados pelas marcas, por exemplo), pois, implicitamente, o<br />
12 Legi-signo é a palavra, é a lei, é o sentido do dicionário, enquanto que o representamen, é o<br />
que ela quer dizer no contexto em que se aplica.<br />
72
que a paródia revela-nos é que existe um aparato social de aceitação e de<br />
apropriação ideológica da cultura estrangeira, o qual não se deixaria ver facilmente<br />
fora de uma atmosfera virtual como é a web.<br />
A partir desse momento, portanto, deixamos um pouco de lado os<br />
pressupostos pansemióticos de Peirce, e nos reaproximamos aos ditames da<br />
tradução cultural, nos termos da antropofagia Oswaldiana:<br />
Em sucinto resumo das idéias antropofágicas, verificamos que o que assim se<br />
chamou era um conjunto de procedimentos artísticos através dos quais se objetivava<br />
―deglutir‖ o que, para a época do advento do Modernismo no Brasil, era moderno e<br />
desenvolvido ou simplesmente estrangeiro, para depois fazê-lo retornar, revestindo-o<br />
com o nosso subdesenvolvimento tecnológico e com os nossos arcaísmos sócioculturais<br />
impregnados de nossa vivência sob os auspícios do colonialismo (PESSOA,<br />
2003, p. 50).<br />
E também aos procedimentos da domesticação preconizada pelos estudiosos<br />
das teorias da tradução:<br />
The effect of this domestication, as Venuti points out, is that the humour of the piece is<br />
removed, giving priority instead to a familiar and acceptable representantion of the<br />
family – in his view, an undesirable treatment of the foreign text 13 (SCOTT, 1998, p.<br />
05).<br />
Velemo-nos aqui do procedimento antropofágico, uma vez que é importante<br />
coadjuvante à teoria pós-colonial, pois ajuda-nos a entender como se<br />
operacionalizou a tradução cultural por meio da inserção dos logotipos e logomarcas<br />
no texto do Hino Nacional. Esse processo de tradução é também antropofágico<br />
porque parece que contou com certa anuência do leitor/consumidor/colonizado pelas<br />
marcas e, por isso, preferimos lidar em nosso presente texto, com a idéia de<br />
apropriação, conceito mais íntimo da Estética da Recepção 14 e que pressupõe uma<br />
13 Numa tradução livre da citação, temos que; ― a evidência da domesticação, segundo<br />
os apontamentos de Venuti, quando em detrimento da concórdia, prefere-se a<br />
instabilidade familiar e as representações mais adequadas ao contexto do texto<br />
traduzido‖. Ou seja, o tradutor domestica o texto de partida aos moldes da cultura de<br />
chegada quando outros interesses que não os necessariamente do autor estiverem<br />
subjacentes ao momento da tradução. É o que normalmente ocorre nas traduções que<br />
de textos em contextos de lutas étnicas, contexto que exige do tradutor muito mais do<br />
que habilidade na língua de chegada, mas, sobretudo, de muita diplomacia, evitando<br />
contrariar ou interpor-se com seu texto em temas conflitantes.<br />
14 Em português, dentre outros sentidos, o vocábulo recepção quer dizer receber. No entanto,<br />
no sentido como veio do alemão, vinculado aos pressupostos da Estética da Recepção de<br />
73
postura mais ativa por parte do leitor/consumidor/colonizado, e não com a<br />
domesticação, que diz respeito mais ao procedimento empregado pelos tradutores<br />
profissionais, mesmo porque, entendemos que a paródia ora analisada não trata de<br />
uma simples tradução, mas de uma descaracterização jocosa do texto, que pode<br />
representar ou traduzir, ainda, um pouco dos gostos, costumes e comportamentos<br />
culturais e de consumo de certa sociedade num dado momento da história:<br />
As pessoas não se aborrecem lendo. Podem ouvir por educação, num jantar,<br />
jactâncias de personalidades, relatos biográficos, etc. Mas, para ler, escolhem<br />
somente seus convivas, seus próprios assuntos. Querem divertir-se ou lucrar.<br />
Querem economia, beleza, menos trabalho, boas coisas de comer e de usar<br />
(HOPKINS, s/d, p. 45).<br />
Esse procedimento de apropriação cultural ativa permite, por meio da paródia,<br />
que o leitor reconstrua semiologicamente em sua mente uma mensagem que não é<br />
mais a publicitária imperativa – consuma! -, mas a ideológica – você é consumido<br />
pelos produtos e nem percebe. O caráter cômico que a tal mensagem inicialmente<br />
acoplou-se alavanca o efeito multiplicador das idéias de consumo dispersas pelos<br />
ícones do texto e, sem se dar conta, o leitor/consumidor/colonizado, acaba agindo<br />
como agente retransmissor de um conjunto maciço de idéias que não é<br />
necessariamente uma piada, cuja aparência primeira deixa transparecer, mas uma<br />
perpetuação da depauperação colonial de sua própria cultura:<br />
No colonialismo clássico, a população nativa de um país é subjugada por um grupo<br />
de colonizadores. Já no colonialismo interno, os grupos colonizadores são minorias<br />
que vivem sob o controle burocrático dos brancos; conquistados e levados à força<br />
para os Estados Unidos, sua cultura, durante esse processo, foi depreciada ou até<br />
mesmo destruída (CASHMORE, 2000, p. 135).<br />
Equivale dizer-se que, agindo como multiplicador, o leitor/<br />
consumidor/colonizado das mensagens publicitárias contidas na paródia do Hino<br />
Nacional acaba cindindo sua percepção da realidade criando uma marca fictícia que<br />
distingue, de um lado, o contexto do empreendimento colonizador, e, de outro lado,<br />
o contexto do povo colonizado. Ou seja, ―o desenvolvimento é uma viagem com<br />
mais náufragos do que navegantes‖ (GALEANO, 2002, p. 188). O resultado dessa<br />
Jauss, a palavra tem um significado que não é tão usual em língua portuguesa, o de apropriarse<br />
(PEREIRA, 1995, p. 109). Portanto, apropriar-se é o sentido cultural do qual nos valemos<br />
aqui, pois parece ter um valor muito mais ativo por parte do interlocutor, enquanto que o<br />
receber, no sentido como temos a palavra recepção, nos parece ser mais restrito à passividade<br />
e, portanto, pouco útil para o contexto da operação cultural ora estudada.<br />
74
viagem ao mundo do mercado e do consumo é que a depreciação sócio-cultural da<br />
etnia latino-americana não apenas tem nome e sobrenome, mas tem logotipo,<br />
logomarca, e CGC (Cadastro Geral de Contribuinte).<br />
3. A Recepção 15 de Algumas Palavras Estrangeiras no Brasil<br />
Sem esgotar as palavras que aparecem na paródia, e os significados de todos<br />
os vocábulos ingleses ou de outros idiomas em uso na língua portuguesa,<br />
exporemos, agora, alguns dados preliminares de nossa pesquisa. Esse pequeno<br />
número de palavras que, isoladamente, constituem apenas palavras, conforme a<br />
definimos anteriormente, quando vinculadas a grandes empresas multinacionais ou<br />
a determinados bens de consumo, assumem um significado não apenas voltado ao<br />
marketing, mas também ideológico, significado que tende a transcender o nível da<br />
referencialidade na cultura de chegada – a brasileira -, representando nela uma<br />
noção mais conotada, mormente sustentada pelo sistema de idéias do capitalismo e<br />
do lucro da cultura de partida – a política do neo-colonialismo imperialista estados-<br />
unidense.<br />
Essa conotação ideológica entende-mo-la melhor ao olharmos para o<br />
contexto das transformações pós-coloniais do povo latino-americano, empreendidas,<br />
no passado, essencialmente pelos europeus, e, modernamente, a partir dos<br />
acontecimentos dos anos 90, pelos estados-unidenses 16 e pela força do capital das<br />
grandes empresas multinacionais. Se essas transformações ainda não terminaram,<br />
é porque estão em curso, e se estão em curso, nós ainda não somos, estamos<br />
numa condição, num desconfortável entre-lugar, envoltos numa aura de indefinição,<br />
em que um dos signos reveladores dessa circunstância aparece sob o rótulo da<br />
miscigenação latina, que se não serve para justificar nosso subdesenvolvimento,<br />
também não explica nossa dependência ou falta de coragem para dela se apoderar<br />
de forma criativa, inovadora, transcriadora:<br />
15 O vocábulo recepção, aqui, o entendemos nos termos engendrados pela Estética da<br />
Recepção, ou seja, como apropriação, e, ainda, nos termos da Antropofagia, assim sendo,<br />
como deglutição, ingestão e devolução transformada em novidade e genuíno.<br />
16 ―Nesse contexto, os EUA e o Ocidente surgem de modo evidente como os vencedores da<br />
guerra fria‖ (LAMAZIÈRE, 1998, p. 14). E qual esse contexto? ―O desenlace não-militar da<br />
guerra fria deixa de pé por algum tempo as estruturas básicas do Estado soviético – permitindo<br />
prorrogar a ficção de seu status de superpotência [...], inaugurando segundo alguns a era<br />
histórica em que o poder econômico seria mais decisivo do que o militar‖ (Op. Cit, p. 16).<br />
75
Em que formas híbridas, portanto, poderá emergir uma política da afirmativa teórica?<br />
Que tensões e ambivalências marcam esse lugar enigmático de onde fala a teoria?<br />
Falando em nome de alguma contra-autoridade ou do horizonte do verdadeiro [...], o<br />
empreendimento teórico tem de representar a autoridade antagônica (do poder e/ou<br />
do conhecimento) que, em um gesto duplamente inscrito, tenta simultaneamente<br />
subverter e substituir (BHABHA, 2003, p. 47).<br />
Vejamos um pouco da montagem desse quebra-cabeças cultural do qual<br />
somos peças, e que organiza a aceitação e a apropriação, a troca e a subversão,<br />
que se nos mostra no caso da palavra Tang. No idioma inglês, esse vocábulo está<br />
relacionado à idéia de aroma, em português está atrelada à logomarca de um pó<br />
solúvel em água para refrescos de frutas. O que une as acepções em inglês e<br />
português, portanto, pode ser a noção de que o produto preservaria dentro das<br />
embalagens de papel a fragrância natural das frutas que a empresa de sucos<br />
desejaria, assim, vincular à sua marca.<br />
E como proceder quanto à associação da palavra Rider ao conceito original<br />
de cavaleiro? No Brasil, Rider é logomarca de sandálias. As ditas sandálias,<br />
normalmente, são acopladas a momentos de lazer, de descanso, e não a atividades<br />
que exijam algum esforço, como sugere-nos a virilidade associada ao ato de<br />
cavalgar. O que podemos fazer é nos apegar a um sentido menos usual, que vincula<br />
a tradução do vocábulo Rider à idéia de viajante. Aí, sim, o conjunto palavra e<br />
significado fariam algum sentido para o consumidor.<br />
Chop, segundo Carvalho (2004, p. 49), não tem nada a ver com bar, pois quer<br />
dizer cortar, picar. Para que disséssemos em inglês chope, que em português é o<br />
líquido fermentado com cereais, teríamos de usar a palavra draft. Na recepção<br />
dessa palavra houve uma apropriação e não apenas uma aceitação. Isso se deu<br />
devido à semelhança fonética entre chope, em português, e chop, em inglês.<br />
A uma fita adesiva transparente, que serve para fechar pacotes, damos o<br />
nome de durex. Esse nome é usado no país todo, com variações, do tipo ―fita<br />
colante‖ ou ―fita adesiva‖. Entretanto, no inglês, lembra-nos Carvalho ( p. 101), durex<br />
está relacionada, na Inglaterra, a uma marca de preservativos. Nos EUA,<br />
preservativo é condom. O que entendemos como durex (fita colante ou adesiva), por<br />
aqui, deveria ser chamado, se tivéssemos realmente que emprestar um vocábulo da<br />
Inglaterra, esse vocábulo seria sellotape. E se quiséssemos efetivamente continuar<br />
usando um vocábulo estados-unidense, deveríamos usar a expressão scoth tape.<br />
76
O vocábulo citizen já foi até parte de nome de filme. Citizen Kane (Cidadão<br />
Kane, de Orson Welles, 1941). Contudo, o vocábulo citizen tornou-se mais popular<br />
entre nós no Brasil por ser uma marca de relógios. O vínculo entre os dois sentidos<br />
– a idéia de cidadão e o conceito de relógio – provavelmente guarde semelhança na<br />
medida em que o homem moderno, contemporâneo da era industrial, tenha seus<br />
valores e personalidade mensuráveis pela dinâmica do tempo. E mais, ―time is<br />
money‖, dizem os capitalistas; logo, portanto, depreendemos na idéia de que ―tempo<br />
é dinheiro‖ um viés fortemente marcado pela ideologia de mercado nessa marca de<br />
relógio, sentido talvez ignorado pelo homem comum.<br />
Já a palavra Gap, que em inglês relaciona-se ao sema da diferença, da<br />
abertura, aqui virou marca de roupa cara, de grife. Logo, vemos que se preservou,<br />
de algum modo, a idéia original da distinção, da diferenciação que o termo trouxe<br />
consigo, tendo em vista que roupas originais da marca gap são de acesso restrito a<br />
poucos endinheirados no país.<br />
Shell, a seu turno, quer dizer concha. Uma concha é também a logomarca da<br />
empresa multinacional que comercializa petróleo e derivados automotivos pelo<br />
mundo. As conchas vêm do mar. A impressão que nos fica na mente é a de que a<br />
escolha do nome concha para ser associado ao produto deveu-se minimamente por<br />
dois motivos. Primeiro, ao fato de que parte do petróleo é extraído do fundo mar.<br />
Segundo, o de que o que vem do mar é bom, puro, abundante e vivo como a água –<br />
a concha vive na água -, condições que seriam perfeitamente associadas à gasolina<br />
numa campanha publicitária bem feita. Contudo, não temos notícia de que tal<br />
campanha já tenha acontecido.<br />
Dove, por lá, quer dizer pombo, mas, aqui, é marca de sabonete. A ligação<br />
entre os dois conceitos, talvez fique por conta da noção de brancura que alguns<br />
pombos têm, ou também na leveza do vôo das aves, de forma genérica. Porém, no<br />
quesito higiene, se associássemos o nome de dove à idéia dos pombos que<br />
emporcalham nossos carros e praças todos os dias, sem falar nas doenças,<br />
provavelmente o consumo do sabonete sofreria muitas baixas.<br />
Sharp quer dizer agudo, penetrante. No Brasil, Sharp é palavra mais<br />
conhecida como marca de televisor e de alguns aparelhos eletroeletrônicos. No<br />
momento, a idéia que une os dois paradigmas lingüísticos, pode ser a noção de que<br />
o aparelho de tevê penetra, ele entra, enfim, na casa das pessoas. E, segundo<br />
77
nosso presente estudo sócio-cultural, ela, a logomarca e a televisão realmente<br />
adentraram na vida dos brasileiros.<br />
O nome da cantora jovem pop Sandy, da dupla brasileira Sandy e Júnior,<br />
também tem seu segredo. Sand, em inglês, quer dizer areia. Há bem pouco tempo,<br />
muito se alardeou sobre a pureza angelical da donzela Sandy. No entanto, nada foi<br />
dito sobre a associação da brancura da areia (sand, no inglês) ao nome da cantora –<br />
que reserva forte semelhança fonética com a pronúncia do vocábulo /saend/.<br />
Ideologicamente, contudo, temos que à donzela Sandy, nenhum outro nome<br />
provavelmente fosse tão adequado quanto o de sand, ou seja, areia (branca, pura,<br />
limpa, virgem). Não menos importante é a presença ao seu lado de seu fiel<br />
escudeiro, aquele que jamais a irá violar, o irmão Júnior. Júnior é a garantia que o<br />
público adolescente masculino tem, de que qualquer um deles poderá desposar a<br />
jovem Sandy. Daí, a veia ideológica que se sustenta a partir do ―nome arenoso‖ da<br />
jovem, é que a dupla Sandy e Júnior reifica o mito do casal adâmico. Sandy e Júnior<br />
recuperam arquetipicamente a mesma alegoria de Adão e Eva. Eva, portanto, pode<br />
ser qualquer mocinha da platéia dos espetáculos da dupla, todas se comprazem<br />
simbolicamente com a idéia de serem arrebatadas dos perigos pelo redentor Júnior.<br />
Potencialmente, todos os mocinhos da platéia podem ser Júnior, encarnando os<br />
protetores da donzela Sandy, só que eles não têm a competência do dever-fazer de<br />
perpetuar a pureza daquela areia em particular. Com isso o círculo mítico nunca se<br />
fecha e a expectativa feminina de proteção e o desejo masculino de violação se<br />
reavivam ideologicamente a cada show da dupla, retroalimentando o eterno retorno<br />
do mito adâmico da criação da humanidade. Os jovens cantores cresceram, logo, a<br />
dupla não tem mais o gancho simbólico para continuar existindo dessa forma no<br />
imaginário coletivo, o que deixa como alternativa apenas a possibilidade de saída de<br />
cena dos cantores.<br />
Um caso interessante, ainda, é o da palavra hope. Ela quer dizer esperança.<br />
Como ela é usada numa marca de lingerie, a idéia da esperança ganha uma<br />
conotação sensual, pois, ao associarmos a vontade de vestir a roupa que as<br />
mulheres acabam tendo ao ver as propagandas das lingeries daquela marca, à<br />
expectativa masculina de tirá-las, obtém-se um efeito contrário e complementar, no<br />
mínimo bizarro. A convergência semântica dos dois significados institui um paradoxo<br />
que se anula diante de uma mesma mensagem publicitária: enquanto a mulher tem<br />
a esperança de vestir a lingerie hope, o homem tem a esperança de desvestir.<br />
78
Interessante, também, é o caso da palavra Ford. Famosa logomarca dos<br />
carros Ford, sinônimo de qualidade em automóveis no mundo inteiro, vinculada,<br />
historicamente ao pensamento industrial de Henry Ford nos anos 50, ela<br />
simplesmente quer dizer vadear. Ou seja, um dos símbolos do capitalismo industrial<br />
mundial, o fordismo 17 , se traduzido ao pé da letra por nós, seria lido como vadiagem.<br />
Tradução que iria de encontro ao sentido político e econômico que a ela se vincula.<br />
Um laboratório farmacêutico 18 usa o logotipo Ache. Ache quer dizer dor,<br />
sofrimento. A ponte entre os dois significados é mais direta nesse caso, embora o<br />
grande público talvez não tenha noção disso, nem nesse caso e nem nos demais.<br />
Nada mais apropriado ao laboratório farmacêutico, contudo, do que associar-se aos<br />
remédios que produzem, o sema do próprio mal que pretende por meio deles<br />
extirpar.<br />
4. A Operação Pós-colonial dentro da Cultura<br />
79<br />
[...] the experience of colinialism is the problem of<br />
living in the ‗midst of the incomprehensible‘ (BHABHA,<br />
1994)‖ 19 .<br />
Homi Bhabha dá-nos a entender na epígrafe que a raiz do problema colonial<br />
talvez esteja em descobrir-se uma maneira de viver em meio ao ―incompreensível‖.<br />
Perguntamo-nos, então, o que seria essa sua categoria do ―incompreensível‖?<br />
O problema desse olhar sócio-cultural sobre as sociedades pós-coloniais<br />
ganha corpo e necessidade de ser quando o colonizador, ou porque já extraíra os<br />
recursos de que precisava, ou porque simplesmente resolveu voltar para o berço<br />
17 O Fordismo foi um sistema de organização idealizado pelo norte americano Henry Ford, e<br />
que se baseia na transformação da matéria prima, desde as operações mais elementares até o<br />
completo acabamento. Caracteriza-se, essencialmente, por uma forte divisão do trabalho,<br />
trabalho contínuo, trabalho em cadeia, e produção em massa (CALDERELLI, s/d, p. 357).<br />
HOBSBAWM (1995, p. 298), diz mais sobre os efeitos do fordismo: ―A imensa fábrica de<br />
produção em massa construída em torno da correia de transmissão, a cidade ou região<br />
dominada por uma só indústria, no caso de Detroit ou Turim na área automobilística, a classe<br />
operária local unida pela segregação residencial e o local de trabalho numa unidade de muitas<br />
cabeças pareciam ter sido características da era industrial clássica. Era uma imagem irrealista,<br />
mas representava mais que uma verdade simbólica‖.<br />
18 Aché Laboratórios Farmacêuticos Ltda. Via Dutra, Km 222,2 – Guarulhos – SP.<br />
19 No texto traduzido, temos o trecho assim: ―A experiência do colonialismo é o problema de<br />
viver ‗em meio ao incompreensível‖ (BHABHA,2003, p. 213).
natal, deixa o contexto colonizado sem se preocupar em restabelecer, pelo menos<br />
em parte, as desordens que até então operou na alteridade local.<br />
Esse momento é crítico para o contexto da cultura colonizada, porque ela<br />
ficará temporariamente sem um modelo que a identifique sócio-culturalmente. Antes<br />
da chegada do colonizador, ela tinha um modelo de interação com a natureza<br />
pautado pela liberdade plena, e de liderança, pautado pelo primitivo, pelo mágico.<br />
Esse sistema é rudimentar, porém eficiente dentro daquele contexto social, é<br />
fundamentado na ausência de cercas e fronteiras geográficas e na figura central do<br />
cacique e do pajé. Essa comunidade não reconhece na alteridade uma ameaça,<br />
mas uma complementaridade de sua própria existência.<br />
Com a chegada do europeu, os aborígenes foram lançados subitamente para<br />
dentro de um modelo que trazia uma conformação geopolítica e religiosa<br />
hierarquizada que eles não compreendiam, mas que, mesmo assim, foram<br />
obrigados ou educados para aceitar. Eles não viam no Outro uma ameaça, enquanto<br />
que o Outro via neles uma fonte de renda e de satisfação.<br />
Depois, com o final do ciclo exploratório e a subseqüente retirada do<br />
colonizador, o que se viu foi um vácuo, um hiato temporal instransponível num<br />
espaço curto de tempo. Esse vazio se nos apresenta pela falta de um modelo sócio-<br />
político e cultural que pudesse ser adotado pela civilização da ex-colônia,<br />
substituindo a antiga estrutura de organização social que se interpôs entre a<br />
estrutura tribal original e o oco pós-colonial. Ficou no território colonizado um cavo<br />
de poder e de religião, que a cultura, até então entorpecida pela ação colonial não<br />
consegue restabelecer rapidamente. O resultado aparente desse processo é o de<br />
que o povo colonizado nem se reconhece herdeiro de seu próprio sistema cultural<br />
ancestral (degradado no tempo pela duração da ação exploratória colonial), e nem<br />
reúne condições suficientes para continuar exercendo o controle social dentro dos<br />
moldes do colonizador.<br />
Essa é uma face da natureza da transformação do contexto pós-colonial em<br />
termos do ―incompreensível‖ ao qual alude Homi Bhabha. O ―incompreensível‖ é<br />
entendido como sendo os fatos que se passam quando do final da intromissão do<br />
colonizador no contexto da cultura de chegada, e que depois abandona. A categoria<br />
do incompreensível difere da categoria da miscigenação. Enquanto que a<br />
miscigenação é um fato, é uma constatação, é uma definição, ou pelo menos aponta<br />
numa direção cultural, política e genética, é a percepção e aceitação de um espaço<br />
80
híbrido, o incompreensível é o desconforto do ser/estar num entre-lugar, num<br />
espaço desconhecido e familiar. Não à procura de si mesmo, como ocorre no<br />
processo da miscigenação, mas no convívio com a turbulência de tentar descobrir<br />
no que se tornou, e se no que se tornou após a colonização ainda é possível ser o<br />
que era antes dela. O incompreensível não se encaixa no espaço/tempo da cultura<br />
transformada, a miscigenação sim, o que não quer dizer que ambos os processos<br />
não sejam agressivos para todos os atores neles envolvidos.<br />
Em nosso presente estudo, percebemos que esse processo de substituição<br />
se materializou na subversão lingüística do Hino Nacional Brasileiro. As palavras<br />
inglesas em uso no português, apresentadas anteriormente, quando a serviço<br />
apenas da divulgação de suas marcas e da publicidade, agem no sistema cultural<br />
como uma espécie de longa manus do colonizador ou da insaciedade detrativa<br />
capitalista. A teoria pós-colonial, se nos ajuda a perceber esse vazio estrutural<br />
deixado como rastro e ao mesmo tempo dentro do modelo colonial, por outro lado,<br />
suscita-nos questionamentos:<br />
Não passará a linguagem da teoria de mais um estratagema da elite ocidental<br />
culturalmente privilegiada para produzir um discurso do Outro (sic) que reforça sua<br />
própria equação conhecimento-poder? (BHABHA, 2003, p. 45).<br />
Essa operação lingüística pode dar-se, ou por meio de uma aceitação passiva<br />
ou de uma apropriação ativa no meio sócio-cultural.<br />
Por isso é que, quando as palavras inglesas empregadas na publicidade de<br />
conglomerados financeiros são utilizadas para subverter um símbolo nacional<br />
brasileiro, o que notamos é a ocorrência de uma recepção. Essa recepção<br />
pressupõe um ato voluntário dos agentes sócio-culturais que delas se valeram, e<br />
que caminham à contramão do processo de degradação cultural até então vivido<br />
pacificamente por eles mesmos.<br />
É também um processo antropofágico, por meio do qual se revela a<br />
apropriação do elemento estrangeiro e o seu enquadramento dentro de um modelo<br />
nacional. O elemento estrangeiro passa, assim, a ser reconhecido como estranho<br />
dentro do contexto da subversão. Contudo, tanto o modelo nacional (Hino Nacional<br />
Brasileiro), quanto as marcas de certas empresas foram subvertidos, foram<br />
deglutidos antropofagicamente um pelo outro, e devolvidos aos seus respectivos<br />
81
contextos sócio-culturais revestidos de uma de uma aura cultural brasileira que<br />
inverte o rio da história da colonização predatória.<br />
Ou seja, com essa paródia houve uma apropriação cultural, que se deu por<br />
meio das mesmas armas do colonizador: o consumo de massa. O capital<br />
imperialista queria que comêssemos e usássemos seus produtos e bens, mas nós<br />
simplesmente a devoramos, estamos nos apropriando de sua cultura, reelaborando-<br />
a, transformando-a, impregnando-a de brasilidade. Por meio de nossa máquina<br />
eletrônica de publicidade (a internet), popularizamos as prosódias e paródias de um<br />
de nossos maiores símbolos: o Hino Nacional Brasileiro.<br />
Encerramos nossos comentários com a interrogação que nos propõe Galeano<br />
(2002, p.232): ―Qual bandeira tremula sobre as máquinas?‖. Responder essa<br />
questão é necessário, pois é partir do reconhecimento dessa bandeira que o povo<br />
latino-americano romperá com a realidade pós-colonial e criará seu próprio<br />
paradigma. Mas a resposta sugere-nos outra empreitada de investigações.<br />
5. Conclusão<br />
A maior parte de nós não tem a mínima consciência do mecanismo que se<br />
opera na escolha dos nomes dos produtos e das empresas, principalmente se forem<br />
grafados em outra língua. Mas é importante que se depreenda, por intermédio de<br />
nosso presente trabalho, que existe um critério que orienta o mercado na escolha de<br />
determinados nomes de organizações e de alguns produtos à nossa disposição para<br />
mera interação ou para consumo diário.<br />
Um redator de propaganda, para ter uma possibilidade de sucesso, deve obter<br />
informações completas sobre o seu assunto. A biblioteca de uma agência de<br />
propaganda deveria ter livros sobre todos os campos que exigissem pesquisa<br />
(HOPKINS, s/d, p. 77) .<br />
Embora possa parecer em alguns momentos, face ao caráter próximo à sátira<br />
de algumas relações que fizemos, a escolha dos nomes de algumas empresas ou<br />
de certos produtos comerciais não sofrem sempre do efeito parodístico.<br />
Diferentemente do que ocorreu na apropriação lingüística e conseqüente subversão<br />
do trecho do Hino Nacional Brasileiro.<br />
82
A propaganda se assemelha à guerra, salvo na virulência (p. 82). Muitos nomes<br />
inventados, sem nenhum significado, alcançam êxito. Kodak, Karo, Mazda, etc. São<br />
nomes exclusivos. Mas um nome significativo que ajude a realçar uma alegação<br />
preponderante é certamente uma grande vantagem (p.83) (HOPKINS, s/d).<br />
Nesse tocante é importante ressaltarmos o que foi dito na introdução de<br />
nosso trabalho. O mercado aparentemente oferece a todos, via divulgação de<br />
massa, a ilusão do acesso à felicidade que os produtos veiculados nas propagandas<br />
pode proporcionar a quem os consuma. No entanto, nem todo mundo pode adquirir<br />
o bem que deseja – fecha-se o ciclo que começa com a realidade virtual da web,<br />
que passa pela venda de ilusões de propriedade fácil, e desemboca na decepção<br />
pelo desejo não satisfeito.<br />
Se, de um lado, a paródia do Hino Nacional se apresenta como uma<br />
subversão de linguagem, de outro lado, revela-nos também um pouco do grau de<br />
infelicidade que o consumidor experimenta, diante de tantas ofertas captadas pelos<br />
olhos, que se contrapõem à sua realidade financeira. Isto quer dizer que, no caso da<br />
paródia do Hino, o que podemos ter é um preocupante sintoma 20 psíquico de<br />
insatisfação social camuflado por detrás de uma piada.<br />
Os movimentos undergrounds dos anos sessenta espelharam um pouco<br />
dessa rebeldia com relação aos padrões da civilização. Mas o que é<br />
interessante notar é que essa atitude revolucionária é inata no homem, e essa<br />
insurgência é bastante forte nele quando acredita ser através dela o meio<br />
pelo qual vai conseguir ser feliz ou libertar-se daquilo que acredita o estar<br />
oprimindo. Ele deseja a felicidade, a liberdade, e tende a destruir aquilo que<br />
aparentemente se ofereça como um obstáculo à consecução ou livre<br />
execução desses seus propósitos. Mesmo que seja a sociedade ou os pilares<br />
sobre os quais ela se sustenta: a moral, a família, a dignidade, a justiça, etc<br />
(PESSOA, 2004, p. 125).<br />
Não obstante, percebe-se que nesses textos (consideramos as marcas<br />
comerciais como texto) operou-se a paródia, e que o efeito parodístico, precípua e<br />
aparentemente, não foi intencionalmente pretendido pelos detentores das<br />
logomarcas e dos logotipos, mas sofreu, não obstante, um efeito reverso, uma<br />
contaminação da própria paródia operada no Hino Nacional. Assim, conclui-se que,<br />
20 Freud, ao explicitar a natureza do problema sintoma, como material psicossocial acumulado<br />
na mente em distúrbio, assim nos fala: ―O material reprimido luta contra esse destino. Cria para<br />
si próprio, ao longo de caminhos sobre os quais o ego tem poder, uma representação<br />
substitutiva (que impõe ao ego mediante uma conciliação) – o sintoma‖ (FREUD, 1969, p. 190).<br />
A representação substitutiva ou conciliação, cremos que seja a paródia do Hino Nacional.<br />
83
quer no caso do Hino Nacional Brasileiro, quer no caso das logomarcas e dos<br />
logotipos, houve subversão de sentido e todos os textos – no de partida (o texto<br />
original do Hino) e no de chegada, ou seja, o hino nacional parodiado.<br />
Esses mecanismos de escolha, se não se valeram de uma determinada teoria<br />
específica da construção ou da tradução textual, apegaram-se, no mínimo, ao<br />
critério subjetivo da tradução cultural e das ideologias hegemonicamente dominantes<br />
cujo interesse principal é o lucro financeiro e a espoliação da cultura.<br />
À diferença do antigo, este novo imperialismo implicaria uma ação em verdade<br />
civilizadora, uma benção para os países dominados, de modo que pela primeira vez a<br />
letra das declarações de amor da potência dominante de turno coincidiria com suas<br />
intenções reais. Já as consciências culpadas não necessitariam de álibis, senão não<br />
seriam culpadas: o imperialismo atual irradiaria tecnologia e progresso, e até seria de<br />
mau gosto utilizar esta velha e odiosa palavra para defini-lo. Cada vez que o<br />
imperialismo exalta suas próprias virtudes, convém revistar os bolsos (GALEANO,<br />
2002, p. 225).<br />
Se observar esse fenômeno na mídia não nos ajuda a ter uma explicação<br />
sobre o nosso sentido de ser e agir no mundo, pelo menos temos reiterada, por meio<br />
desse olhar parodístico, a consciência de que, ao nos apropriarmos intensamente de<br />
elementos estrangeiros, estamos buscando transformá-los num pouco do que nós<br />
somos, embora ainda não saibamos. Nos termos de Homi Bhabha (1994), isso é<br />
simplesmente o contexto e o desafio de ter de viver em meio ao incompreensível.<br />
84
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85
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SODRÉ, M. A Máquina de Narciso – televisão, indivíduo e poder no Brasil. São<br />
Paulo: Cortez, 1994.<br />
86
RESENHA<br />
__________________________________________________________________________<br />
Uma análise do papel do conhecimento na escola<br />
Autor: CORTELLA, Mário Sérgio.<br />
Obra: A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos.<br />
0ª edição. São Paulo: Cortez Editora – Instituto Paulo Freire, 2006.<br />
Coleção Prospectiva: 5.<br />
* Docente do Centro Universitário do Norte Paulista (<strong>Unorp</strong>).<br />
Pesquisadora docente na área de <strong>Educação</strong>. Coordenadora<br />
do Núcleo de apoio pedagógico ao docente.<br />
* Maria Aparecida PIMENTEL<br />
87
O livro A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos,<br />
de autoria do professor Mário Sérgio Cortella, é resultante da última tese de<br />
doutoramento orientada pelo saudoso professor Paulo Freire. O texto propicia uma<br />
leitura prazerosa e estimulante, obra plena de humanismo, de ‗sedução da<br />
esperança‘ herança freireana e rompe com antigos paradigmas da academia, entre<br />
eles a neutralidade e o racionalismo, defendidos como se ambos fossem possíveis<br />
de convivência harmoniosa.<br />
Os cenários educacionais descritos pelo autor na 1ª edição do livro, em 1999,<br />
estão praticamente ainda conservados no momento da 10ª edição, em 2006, o que<br />
torna atual o objetivo do livro. Cortella localiza a escola e sua eterna "crise"<br />
educacional, em um panorama amplo, marcado, principalmente, pela injustiça social<br />
resultante de um eficaz projeto de dominação, elaborado e executado por uma<br />
minoria gerando, em contraposição, uma massa de excluídos. Diante desse<br />
cenário, apresenta a análise do papel do conhecimento no interior da escola, na<br />
conservação ou transformação da dinâmica social como objetivo central do livro.<br />
Desvenda de modo articulado e claro uma gama enorme de informações sobre<br />
escola e conhecimento em uma análise pertinente que, sem deixar de conter críticas<br />
meticulosas, não cai no desalento e na crítica pessimista. Desconstrói discursos e<br />
jargões cristalizados e, com força ideológica, engendra ações, atribui valores,<br />
determina e impõe o ser humano na realidade, revelando suas fragilidades e,<br />
consequentemente, apontando espaços para transformação daquilo que parece<br />
possuir perenidade.<br />
Adverte também para a repetição, no micro-universo da escola, dos equívocos<br />
cometidos pelos professores ao serem levados pelo drama pessimista e ingênuo<br />
que os envolve: aniquila-se o verdadeiro sentido de trabalho educacional na escola e<br />
despreza-se a capacidade de transformar a situação que nos oprime e exclui.<br />
Na introdução, o autor aponta a urbanização acelerada e desorganizada que<br />
marcou a história social e econômica do Brasil, nos últimos cinquenta anos, como<br />
um dos fatores determinantes dos descalabros observáveis em nosso sistema<br />
educacional. Associado à urbanização (e também por ela responsável), o modelo<br />
econômico desenvolvimentista, que privilegiou a alocação de recursos para criação<br />
de infra-estrutura indispensável à industrialização do país, contribuiu para a falência<br />
do sistema público de ensino. Por outro lado, lembra que esse modelo também teve<br />
88
seu aspecto positivo, pois contribuiu para a ampliação do acesso de um grande<br />
número de pessoas à escolarização.<br />
O capítulo 1 (Humanidade, cultura e conhecimento) retoma a premissa de que<br />
― não há conhecimento sem a ação consciente do ser humano‖ e busca estabelecer<br />
as bases de uma antropologia filosófica explorando pela história civilizatória a<br />
definição do que é ser humano, e como ocorreu essa humanização. Nos dizeres de<br />
Álvaro Vieira Pinto, deixar de ser ―produzido pelo produzido pela natureza” e tornar<br />
um “ produzido produtor do que o produz” . Percorre um "passeio histórico" e vai<br />
coletando e relacionando elementos fundamentais, como as origens e a evolução<br />
biológica das espécies; a cultura do homem produto e produtor; a ação<br />
transformadora do homem sobre a natureza por meio do trabalho, enquanto<br />
atividade humanizadora; o conhecimento e os valores como construção coletiva e<br />
balizadores da existência humana; e, finalmente, a não-neutralidade dos processos<br />
educativos e da ação da escola.<br />
O capítulo 2 (Conhecimento e verdade: a matriz da noção de descoberta)<br />
explora a história da civilização grega, a produção de conhecimento por meio das<br />
indagações da filosofia grega e, mais especificamente, do paradigma que possibilita<br />
a construção da idéia de verdade como "descoberta contemplativa" ou como<br />
―revelação divina‖ originárias da atividade de uma escola dissociada da prática<br />
produtiva, fruto do ócio (tempo livre) e riqueza da aristocracia. Sendo assim, a<br />
vivência e os conhecimentos adquiridos na escola/ócio possibilitavam o domínio da<br />
arte de falar, sensibilizar e argumentar bem, e esse era um fator decisivo para o<br />
domínio e poder nas Ágoras Gregas. Também rejeita o conhecimento apenas como<br />
produto científico, sistemático, metódico e deliberado, apartado paulatinamente da<br />
metafísica aristotélica. Por isso, situa sua concepção de conhecimento,<br />
contrapondo-se à desgastada idéia de verdade. Aborda o conhecimento com suas<br />
múltiplas dimensões, como algo a ser construído pelo sujeito sobre o objeto, com<br />
caráter social-político que se constrói a partir da relação entre o sujeito crítico e o<br />
objeto de estudo, na vivência do coletivo daquele contexto histórico. Cortella afirma<br />
que ―O principal canal de conservação e inovação dos valores e conhecimentos são<br />
as instituições sociais como a família e a igreja, o mercado profissional, a mídia, a<br />
escola etc. ... Desse prisma, a educação é instrumento basilar para nós‖ ( p.49).<br />
O capítulo 3 ( A escola e a construção do conhecimento) trata da mitificação<br />
da ciência e dos cientistas - como mundo e seres fantásticos, respectivamente - na<br />
89
atualidade, lembrando o quanto os professores contribuem, para tanto, quando<br />
deixam de situar as reais condições de produção do conhecimento. Essa mitificação<br />
atinge vários campos do conhecimento, desde a matemática e a física, até a história<br />
e a geografia. Ela interfere na compreensão de conceitos e fatos, mas mais ainda<br />
determina um distanciamento entre o aprendiz e o conhecimento, respaldado pelo<br />
senso comum de que ciência é coisa para "gênios" e alerta contra o pedagocídio, e<br />
reprodução das estórias de descobertas "fantásticas" que nos foram contadas e que,<br />
por considerá-las interessantes, reconta-se aos alunos. O professor CorteIla sugere<br />
revalorizar o prazer de conhecer e desvelar a luta pelo poder que envolve o<br />
conhecimento e finaliza o capítulo com a perspectiva de um conhecimento como<br />
ferramenta da liberdade e de um poder como amálgama da convivência igualitária.<br />
No capítulo 4 ( Conhecimento Escolar: epistemologia e política), para concluir<br />
as reflexões, resgata o tema a partir das concepções sobre a relação entre a escola<br />
e a sociedade. Chama atenção para três delas que alteram doses de otimismo,<br />
pessimismo, ingenuidade e criticidade. Destaca o que denomina otimismo crítico,<br />
como a concepção que considera "a natureza contraditória das instituições sociais"<br />
(p. 135). Nela, apesar de estar contida uma dimensão conservadora, há também o<br />
espaço para inovação. Para que seja possível criar e inovar, é necessário rever a<br />
maneira de avaliar, as concepções prévias sobre a criança, os métodos e tantas<br />
outras questões que se apresentam cristalizadas.<br />
Três idéias são particularmente caras e instigadoras de reflexões fundamentais<br />
para a contemporaneidade. A primeira retoma a importância das mídias na<br />
construção do imaginário social: a propaganda promove nosso consumo de<br />
mercadorias ou ela mesma nos consome? Onde fica a subjetividade em meio ao<br />
duelo e império das marcas que nos invadem pelos ouvidos e olhos, em casa ou<br />
fora dela, com ou sem consentimento?<br />
A segunda (p. 126) e a terceira, distanciadas no texto (p.156), mas<br />
profundamente próximas, tratam da substituição do embate homem versus mundo,<br />
pelo embate homem versus homem e da tão "gasta" e questionada liberdade.<br />
Entretanto, é possível constatar que aceitar, respeitar e conviver com as<br />
diferenças continua sendo um grande desafio. Ao tratar da liberdade e de nossa<br />
capacidade singular de dizer ―não‖, apresenta uma idéia preciosa: ―Ser humano é<br />
ser justo‖ (p. 156). A partir dela, constrói um olhar radical sobre questões como<br />
violência, injustiça e miséria, que ajudará a encontrar soluções para os impasses<br />
90
que afetam desde pequenos grupos até nações e a redefinir o papel da escola, uma<br />
vez que ela continua sendo o espaço legítimo de formação do cidadão.<br />
Só assim é possível vislumbrar o fim do ―vício do circulo vicioso‖, aquela<br />
atitude, pouco edificante, de atribuir o fracasso a tudo que está em volta e que vem<br />
antes de nossa ação, e assumir a perspectiva de um conhecimento como ferramenta<br />
da liberdade e de um poder como amalgama da convivência igualitária.<br />
Com um domínio de conteúdo e de linguagem próprio de quem vive<br />
plenamente os sabores e dissabores da educação, o professor Cortella realizou um<br />
pequeno livro, mas um grande trabalho!<br />
91
RESUMO<br />
___________________________________________________________________<br />
Obra: Rota 66 – A história da polícia que mata<br />
Autor: Cláudio Barcelos de Barcellos (Caco Barcellos)<br />
Editora: Globo S.A<br />
Alunos do 2º ano de Comunicação Social<br />
*Bruno Gonçalves da CRUZ<br />
*Luis Eduardo BERGAMASCHI<br />
* Wilton Vicente Figueiredo HERMES<br />
Na infância, Caco Barcellos, um típico menino pobre da periferia de Porto Alegre,<br />
presencia uma cena de abuso de autoridade por parte do delegado da polícia civil, Dr.<br />
Barriga. Anos mais tarde já exercendo a profissão de jornalista, Caco se depara com uma<br />
situação inusitada. A Rota 66 (uma das viaturas das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar)<br />
matara três jovens da classe média/alta de São Paulo alegando troca de tiros. Mesmo sendo<br />
comprovado que os jovens nem armas possuíam, e que foram executados sem clemência,<br />
os PM‘s envolvidos no caso foram absolvidos em um julgamento tendencioso feito pelos<br />
próprios militares, e tendo aval até do governo do estado. Caco começa assim uma<br />
investigação perigosa e reveladora. Com a ajuda de alguns jornalistas e amigos, Barcellos<br />
cria um banco de dados com os nomes dos policiais que se envolveram em tiroteios com<br />
―bandidos‖, traça um perfil dos mortos, e ao final, descobre que a maioria dos assassinados<br />
que os policiais afirmavam serem bandidos perigosos, na verdade nunca tiveram nem<br />
passagem pelos arquivos da polícia, e que as vítimas em potencial eram negros e pardos da<br />
periferia de São Paulo. A frase ―primeiro atiram para depois perguntar‖ é constatada mais de<br />
uma vez pelo jornalista em seus cinco anos de investigação sobre o grupo de extermínio da<br />
polícia militar, a Rota. Um filho de PM, um ator de cinema, estudantes, trabalhadores,<br />
menores de idades, são algumas das vítimas da Polícia Militar de São Paulo, são tachados<br />
de criminosos, porém, sem nada a dever à sociedade.<br />
A investigação termina quando Caco Barcellos consegue imagens de PM‘s<br />
espancando dois jovens, tentando persuadi-los a força a confessarem um crime que não<br />
92
cometeram. As imagens foram divulgadas para todo o Brasil, e depois para o mundo,<br />
causando a expulsão dos envolvidos do corpo da Polícia Militar.<br />
93
RESUMO<br />
___________________________________________________________________<br />
Obra: Jornalismo Investigativo<br />
Autor: Leandro Fortes<br />
Editora: Contexto<br />
*Alunos do 2º ano de Comunicação Social / <strong>2010</strong><br />
94<br />
*Higor RIENTE<br />
*Juliano GOMES<br />
* Lucas CAMACHO<br />
* Renan de ARAÚJO<br />
Um cão foi o centro da primeira investigação jornalística de Leandro Fortes.<br />
Tinha 20 anos e era recém-formado. Na redação era o único estagiário, alvo fácil<br />
das pautas menores. No dia seguinte, a foto do cachorro ficou estampada na<br />
primeira página do Jornal Tribuna, da Bahia.<br />
Ele não sabia, mas, naquele tempo, o termo ―jornalismo investigativo‖ era mais<br />
uma marca do que um conceito. O que caracteriza essa modalidade é o objetivo, o<br />
método de apuração, a forma e o conteúdo final com que a reportagem se<br />
apresenta.<br />
O que diferencia o jornalismo investigativo dos demais são as circunstâncias.<br />
Dividindo em fases, temos: pesquisa minuciosa, paciência e concentração,<br />
insistência e perseverança, frieza e objetividade, dentre outras citadas pelo autor.<br />
O autor faz referência às vinte e três dicas citadas pelo jornalista americano<br />
Jonh Hatcher para se fazer um bom jornalismo investigativo. A principal é ―Leia,<br />
primeiro, o parágrafo de um artigo. Agora, pergunte a si mesmo se essa frase o<br />
incentiva a ler a próxima frase e o restante do texto‖.<br />
Cita como exemplo de matéria investigativa o caso LBA, envolvendo Rosane<br />
Collor com desvios de verbas para empresas de fachada, em 1991. Alerta sobre a<br />
polêmica que envolve o jornalismo investigativo: até onde é permitido ao repórter<br />
dissimular atitudes, usar câmeras e gravadores escondidos, mentir e omitir. Diz que<br />
é por isso que constantemente se fala na também polêmica criação de um Conselho<br />
Federal de Jornalismo, para orientar e fiscalizar a imprensa brasileira.
Como exemplo, lembra-nos de dois casos: Cayman; o dossiê do medo, em<br />
2002, e o OFF partido, que fala sobre o grande jornalista Luis Cláudio Cunha, que<br />
um dia abriu uma informação em off, em 2003, ambos envolvendo o senador<br />
Antonio Carlos Magalhães.<br />
Finaliza lembrando que a busca enlouquecida pela verdade, por mais digna<br />
que seja, não pode tomar o lugar da responsabilidade profissional, muito menos<br />
expor um repórter à sandice de criminosos, como aconteceu com o jornalista Tim<br />
Lopes.<br />
95
RESUMO<br />
___________________________________________________________________<br />
Obra: Jornalismo na era da publicidade<br />
Autor: Leandro Marshall<br />
Editora: Summus<br />
* Alunas do 2º ano de Comunicação Social / <strong>2010</strong><br />
*Fabiana Mingoni RODRIGUES<br />
*Karichele Lauana MARTINS<br />
O livro O jornalismo na era da publicidade, de Leandro Marshall, é o volume<br />
70 da coleção ―Novas buscas de comunicação‖ e sua primeira edição foi em 2003.<br />
Publicado pela editora Summus, o livro tem 172 páginas.<br />
O autor faz uma análise sobre a influência da publicidade no jornalismo. O<br />
livro mostra que os fatores publicitários conquistaram um espaço tão grande na<br />
imprensa que hoje chegam a ter mais força do que a própria informação. E faz com<br />
que uma empresa jornalística raramente fale sozinha. Faz referência às mudanças<br />
sofridas no jornalismo, na informação, no jornalista, no jornal, e mostra, por<br />
pesquisa, que isso fez com que algumas pessoas se tornassem extremamente<br />
céticas quanto à imprensa.<br />
O segundo capítulo conta a história da imprensa, desde a pré-história, quando<br />
aconteceram as primeiras manifestações do que se pode considerar o embrião da<br />
imprensa. Já o capítulo seguinte conta a história da publicidade, que obteve um<br />
crescimento grande e rápido tal que considera-se a atual era como a da<br />
publicidade.<br />
No mundo contemporâneo, a empresa jornalística vende o corpo da notícia e<br />
coloca no lugar uma publicidade disfarçada, é o que chamam de ―Publicidade paga,<br />
que aparece disfarçada de notícia‖. As notícias hoje têm caráter publicitário, usando<br />
de recursos que motivam o leitor ao consumo. São características do chamado<br />
―jornalismo cor-de-rosa‖, termo que apareceu com ―a queda do muro‖ que separava<br />
o jornalismo da publicidade.<br />
96
O livro de Leandro Marshall traz ainda, em cada capítulo, uma frase de<br />
grandes comunicadores, como esta de Ciro Marcondes Filho: ―O leitor torna-se um<br />
objeto de mercado que paga até mesmo pelo papel no qual ele é embrulhado‖.<br />
97
RESUMO<br />
___________________________________________________________________<br />
Obra: Jornalismo de Revista<br />
Autor: Marília Scalzo<br />
Editora: Contexto<br />
* Alunas do 2º ano de Comunicação Social / <strong>2010</strong><br />
98<br />
* Janaína Ap. Pereira da SILVA<br />
* Gabriela da Silva ALVES<br />
* Daniela Cristina da SILVA<br />
A jornalista Marília Scalzo, em Jornalismo de Revista, da editora Contexto,<br />
conta tudo ―o que as revistas não contaram em seus bastidores‖, ou seja, a arte de<br />
escrever jornalismo em revistas e os segredos de como a linguagem visual e textual<br />
dos periódicos atrai os leitores.<br />
Mostra por que a revista ganhou espaço na comunicação editorial. Segundo a<br />
autora, ―é quase uma relação passional dos leitores para com suas revistas<br />
favoritas, são vínculos e laços de empatia bem visíveis, principalmente, quando o<br />
leitor se vê com o periódico debaixo do braço, acompanhando-o para todos os<br />
lados‖. Aborda os problemas financeiros das publicações que não conseguiram<br />
sobreviver no mercado editorial. Cita o curioso exemplo das revistas Realidade e<br />
Life, que, mesmo com grande número de tiragem e não apresentando problemas<br />
financeiros, tiveram que deixar de ser editadas.<br />
Depois de fazer um breve histórico da trajetória das revistas no mundo e no<br />
Brasil, mostra como passaram por transformações e como com a chegada da<br />
tecnologia ganharam um novo conceito. Se antes os textos vendiam o produto<br />
midiático, com o aperfeiçoamento das artes gráficas, as imagens passaram a dar<br />
mais informações e lucros.<br />
Marília relata curiosidades das revistas que mais fizeram sucesso no passado,<br />
no presente, no Brasil e no mundo. Jornalismo de Revista também fala de O<br />
Cruzeiro, um fenômeno editorial do passado. Idealizada pelo jornalista Assis
Chateaubriand, a revista estabeleceu uma nova linguagem na Imprensa Nacional<br />
por meio da publicação de grandes reportagens, através do fotojornalismo. No<br />
apogeu, chegou a vender, na década de 50, a marca de 700 mil exemplares<br />
semanais. No livro, a escritora apresenta a importância do jornalista em mídias<br />
impressas, oferecendo uma espécie de manual com princípios básicos sobre<br />
responsabilidade social, credibilidade e ética. A autora salienta a importância da<br />
apuração e da quantidade de informações qualificadas para produzir um bom texto<br />
que venda a ideia, a notícia ou a ideologia. De acordo com a autora, não adianta<br />
querer ficar ―bordando um texto vazio de informação‖, pois jornalismo não é<br />
literatura.<br />
Portanto, Marília Scalzo desvenda os segredos do jornalismo de revista,<br />
discute as técnicas de construção de um texto mais arejado, específico ao gênero, e<br />
chama atenção para os elementos básicos da esmerada linguagem visual, tão<br />
característica do produto.<br />
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO – REVISTA UNORP<br />
_________________________________________________________________<br />
1. TIPOS DE TRABALHOS CIENTÍFICOS ACEITOS<br />
Artigos inéditos no Brasil. Em caso de divulgação prévia sob forma de<br />
palestra, comunicações, informar em nota à parte;<br />
Comunicações ou notas, contendo uma ou várias informações científicas<br />
novas, detalhadas ou não, com a finalidade de comunicar pesquisa em<br />
andamento;<br />
Revisões de Literatura;<br />
Resumos de trabalhos publicados (livros, dissertações, teses, etc.);<br />
Relatos de casos (casos clínicos);<br />
Resenhas;<br />
Entrevistas.<br />
2. FORMATAÇÃO<br />
Artigos com no mínimo 06 e no máximo 20 páginas.<br />
Fonte: Arial; tamanho 12; espaçamento 1,5; alinhamento justificado; margens<br />
esquerda e superior 3cm, direita e inferior 2cm.<br />
Exceções: Resumos e abstracts dos artigos devem ser digitados com<br />
espaçamento simples. Notas de rodapé e citações com mais de três linhas<br />
devem ser digitadas em tamanho 10, espaçamento simples.<br />
Idiomas: Português ou Inglês;<br />
Os artigos devem estar de acordo com a norma culta e obedecer as novas<br />
regras ortográficas.<br />
3. ESTRUTURA DOS TRABALHOS<br />
Título – em caixa alta, negritado e centralizado – deverá ser claro e objetivo,<br />
expressando o conteúdo do texto. Pode ser acompanhado de um subtítulo.<br />
Deve-se evitar título extenso, abreviações, parênteses e fórmulas que<br />
dificultem a compreensão;<br />
100
Nomes do(s) autor(es) deve vir abaixo do título, alinhado à direita, com o<br />
último sobrenome em caixa alta. Em caso de mais de um autor, a ordem<br />
deverá ser direta;<br />
Indicar, em nota de rodapé, as credenciais dos autores, constando: cargo que<br />
ocupa; instituição a que pertence e/ou formação acadêmica.<br />
O resumo e o abstract, ambos devem conter no máximo 10 (dez) linhas cada,<br />
em espaço simples (alinhamento justificado). Abaixo do resumo deverão estar<br />
as palavras-chave, e do abstract, keywords – 3 a 5 palavras representativas<br />
do assunto tratado no trabalho, separadas entre si por ponto e vírgula(;);<br />
O texto deve ter introdução, desenvolvimento e conclusão, podendo ou não conter<br />
subtítulos, de acordo com o tamanho do texto. Os textos pequenos não precisam,<br />
necessariamente, conter subdivisões. Os casos especiais deverão ser esclarecidos<br />
diretamente com o Conselho da Revista. Em caso de pesquisas de campo, que<br />
exijam esta especificidade, o artigo científico deve seguir a ordem: introdução,<br />
material e método, resultados, discussão e conclusão.<br />
O uso de aspas deve ser restrito aos casos de citações com menos de 3 (três)<br />
linhas.<br />
Destaque e diferenciações de palavras. Os nomes científicos de espécies, as<br />
palavras em outros idiomas, o termo que se quer enfatizar, etc., devem ser grafados<br />
em itálico, sem aspas.<br />
Notas de rodapé: chama-se notas apenas as informações explicativas (comentários /<br />
observações complementares). Devem ser colocadas ao final do texto, em<br />
espaçamento simples, tamanho 10. Para separar as notas entre si, usa-se 01 espaço<br />
simples.<br />
Pós-texto: Anexos (materiais complementares, não produzidos pelo autor) ou<br />
apêndices (materiais complementares, produzidos pelo autor) devem ser incluídos<br />
apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto, e deverão estar localizados<br />
imediatamente após as referências.<br />
3. REGRAS PARA CITAÇÕES<br />
3.1. Citações com menos de 3 (três) linhas<br />
As citações com menos de 3 (três) linhas deverão ser feitas no corpo do próprio texto,<br />
101
destacadas por aspas em caso de citações diretas, seguidas da referência bibliográfica<br />
simplificada (sistema autor/data). Citações diretas são transcrições literais que devem<br />
especificar a página. Ex: Numa outra definição, violência é a ―qualidade de violento; ato<br />
violento; constrangimento; emprego de força; ato de violentar‖ (BUENO, 1980, p. 498).<br />
Obs: As citações em língua estrangeira devem ser traduzidas como notas.<br />
3.2. Citações com mais de 3 (três) linhas<br />
As citações com mais de 3 (três) linhas deverão ser feitas de modo especial: parágrafo<br />
isolado, recuo de 4 cm da margem esquerda, margem direita acompanhando o texto, sem<br />
aspas, tamanho 10.<br />
Ex:<br />
4. REFERÊNCIAS<br />
102<br />
Os assassinatos, torturas e maus-tratos a que estes [crianças e<br />
adolescentes] são violentamente submetidos têm-se apresentado com um<br />
certo caráter de normalidade [...] tais ações [contudo] não são cometidas<br />
de forma individual, mas são conseqüências de um imaginário construído<br />
historicamente que concebe a violência como elemento estruturador e<br />
organizador das relações sociais. (ROURE, 1996, p. 23)<br />
Apenas obras / documentos citados no trabalho devem ser referenciados. As referências, ao<br />
final do texto, deverão ser feitas de forma completa, contendo todos os elementos exigidos<br />
pela ABNT, conforme exemplos a seguir:<br />
Citação de livro com apenas um autor<br />
FALCON, F. J. C. Mercantilismo e transição. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.<br />
Citação de livro com dois autores<br />
MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 4. ed. São Paulo:<br />
Atlas, 1998.
Citação de livro com mais de dois autores<br />
OLIVEIRA, A. S., et al. Introdução ao pensamento filosófico. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1998.<br />
Citação de capítulo de livro<br />
PEREIRA, T. S. A convenção e o estatuto. In: MARCONI, M. A (org.). Estatuto da criança e<br />
do adolescente: lei 8.069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 64-<br />
115.<br />
Citação de artigo de jornal<br />
ESCÓSSIA. F. 40% das crianças do país são pobres. Folha de São Paulo, São Paulo, 18<br />
nov. 1997. Cotidiano, p. 1.<br />
Citação de artigo de Revista<br />
JOHNSON, P. O islã na mira. Veja, São Paulo, ano 34, nº 38, p. 9-13, 26 set. 2001.<br />
Citação de artigo de jornal na Internet<br />
MOREIRA, E. C. Hipocondria por procuração em crianças: relato de dois casos. Jornal de<br />
Pediatria, [S.l.], 1999. Disponível em: http://www.sbp.com.br/jornal/99-09.10/relcas3.html.<br />
Acesso em: 24 jun. 2001.<br />
5. FORMAS DE ENVIO<br />
Os trabalhos devem ser submetidos via email (revista@unorp.br), no formato Word (.doc).<br />
6. DIREITOS AUTORAIS<br />
Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao autor, com direito de 1ª publicação<br />
para a Revista <strong>Unorp</strong>. A reprodução total dos artigos da Revista em outras publicações ou<br />
para qualquer outra utilidade, está condicionada à autorização, por escrito (carta de<br />
encaminhamento da Revista).<br />
OBS: Especificidades em relação à formatação e envio dos artigos deverão ser esclarecidos<br />
diretamente com o Conselho da Revista.<br />
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