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Manuel Bandeira e suas inovações na criação poética - Unorp

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<strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> e <strong>suas</strong> <strong>inovações</strong> <strong>na</strong><br />

<strong>criação</strong> <strong>poética</strong>: elementos<br />

constitutivos da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

Etiene Maria BOSCO BREVIGLIERI<br />

Graduada em Letras pela UNESP de São José do Rio Preto. Mestranda em Teoria da Literatura<br />

pela UNESP de São José do Rio Preto e professora da área de Letras e Direito da UNORP.<br />

RESUMO: O que nos interessa no presente estudo é apontar, ainda que de maneira<br />

introdutória, as <strong>inovações</strong> <strong>na</strong> <strong>criação</strong> <strong>poética</strong>, introduzidas por <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>, e<br />

que tiveram início no movimento modernista. Dentre tais <strong>inovações</strong> temos o uso do<br />

verso livre como forma criadora de imagens e de sobreposição de idéias, a temática<br />

cotidia<strong>na</strong>, a<strong>na</strong>logias, crítica social e outros que vieram a incorporar-se no conceito<br />

de poesia modernista e da poesia concreta, consolidando-se como parte da identidade<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e cultural brasileiras. Tais observações foram introduzidas <strong>na</strong>s análises<br />

dos poemas “Momento num Café” e “Camelôs”, apoiadas nos teóricos descritos em<br />

nossa bibliografia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Poesia; modernismo; verso livre; “Camelôs”; “Momento num Café”.<br />

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BOSCO BREVIGLIERI, Etiene M. <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> e <strong>suas</strong> <strong>inovações</strong> <strong>na</strong> <strong>criação</strong> <strong>poética</strong>. Revista UNORP, v1(1):21-40, dezembro 2002.<br />

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A partir de um conceito amplo de identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, podemos dizer<br />

que a identidade cultural do Brasil é muito diversificada. Nossa cultura abarca<br />

as mais diversas formas de arte, passando pela música, teatro, manifestações<br />

folclóricas diversas, literatura...Assim, teríamos um conjunto de valores culturais<br />

constituintes da chamada “unidade” cultural brasileira.<br />

Para Hall (1999:10) e, conforme apontaremos no estudo do modernismo<br />

como elemento da cultura e identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a formação da unidade cultural<br />

brasileira segue uma reunião de valores individuais, como as opiniões do povo e<br />

valores coletivos demarcados pelos movimentos sociais; e no caso do<br />

modernismo, elencados como parte de um contexto literário.<br />

O que nos interessa no presente estudo é apontar, diante de tantos<br />

elementos que compõem a cultura brasileira, a forma como um deles, a literatura,<br />

se tor<strong>na</strong> um elemento integrante e formador da identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e cultural<br />

de um país.<br />

Tomaremos assim, como idéia inicial, o conceito de identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

como um conjunto de valores sociais, políticos, culturais e históricos que se<br />

solidificaram com o tempo, fixando raízes, criando costumes e gerando aceitação<br />

junto ao povo, termi<strong>na</strong>ndo por determi<strong>na</strong>r sua identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, neste caso, a<br />

identidade brasileira.<br />

Para tanto, nesta tarefa que pretendemos cumprir, a de demonstrar a<br />

ligação entre a literatura e a identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, delimitamos dentre tantas<br />

opções, a poesia modernista, mais precisamente a de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>, para<br />

apontar os reflexos desta <strong>na</strong> literatura e <strong>na</strong> identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

A identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de um país pode ser formada através de elementos<br />

que farão parte de sua cultura como a literatura, e também de fatores que<br />

contribuem para a <strong>criação</strong> de opiniões e preferências da população como fatores<br />

históricos, políticos etc.<br />

No caso do Brasil, como em outros países da América Lati<strong>na</strong>, temos, em<br />

geral, a procura pela <strong>criação</strong> de uma cultura “típica”, própria, que vá se afastando<br />

da cultura trazida pelas <strong>suas</strong> ex-metrópoles.<br />

Este processo de formação de uma cultura própria desencadeia, com<br />

relação à elaboração de identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de um país, num processo que,<br />

segundo Lotmam (1981:101), denomi<strong>na</strong>-se “processo de acumulação e<br />

transmissão de conhecimento de cultura” ou, <strong>na</strong>s palavras do autor, “conjunto<br />

de informação não genética, como a memória comum da humanidade ou de


BOSCO BREVIGLIERI, Etiene M. <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> e <strong>suas</strong> <strong>inovações</strong> <strong>na</strong> <strong>criação</strong> <strong>poética</strong>. Revista UNORP, v1(1):21-40, dezembro 2002.<br />

coletivos mais restritos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is ou sociais.”<br />

Esse processo de inovação ocorre como forma de afirmação da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e que no caso de Brasil e Portugal, recebe observações<br />

como estas de Sílvio Romero:<br />

Há somente a ponderar que o fato da limitação e deturpamento das tradições portuguesas,<br />

longe de ter sido um mal foi um benefício inconsciente elaborado pela história, porquanto<br />

por outra forma o elemento português teria suplantado todos os outros, e nós não<br />

passaríamos agora de cópia servil de Portugal, o que por certo seria ainda pior que o nosso<br />

atual estado (Lotman, 1981:101).<br />

Essa busca por uma formação de literatura e identidade próprias gerou<br />

grandes manifestações em diferentes períodos ou “escolas” literárias e, sem<br />

dúvida, teve seu grande auge no modernismo.<br />

No entanto, toda tentativa de inovação artística pleiteada no modernismo<br />

possuiu, ainda que pouco, um ranço de cultura principalmente européia. Quais<br />

seriam as relações existentes entre as idéias modernistas e a formação da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l?<br />

Partiremos da afirmação de que a renovação artística do período<br />

modernista acompanhou uma série de elementos, como a renovação política do<br />

momento histórico em que se deu, mais precisamente a do ano de 1922, em que<br />

se comemorava o centenário da república.<br />

Surgindo assim de um momento em que vigorava a insatisfação política<br />

de uma parcela da população conde<strong>na</strong>da à margi<strong>na</strong>lização, os elementos que<br />

compunham a identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l até então, começariam a receber influências<br />

que se revelariam <strong>na</strong> literatura, através de uma espécie de rebeldia que se<br />

baseava <strong>na</strong> busca por novos conceitos, movimentação esta, tamanha, que<br />

desembocou <strong>na</strong> Sema<strong>na</strong> de Arte Moder<strong>na</strong>, realizada em fevereiro de 1922.<br />

A partir daí temos ligada à idéia de identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a idéia de<br />

consciência criadora <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l através da qual o modernismo seria um<br />

instrumento que fez, também, da poesia o retrato fiel dos valores brasileiros da<br />

época e que, como outras manifestações artísticas, não retrata ape<strong>na</strong>s a<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do país em um determi<strong>na</strong>do momento histórico, mas gera<br />

reflexos para a constante construção de uma identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ao longo da<br />

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história, agregando diversos valores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Em respeito à forma, a poesia modernista passou a adotar elementos<br />

que a caracterizaram como inovadora e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista, como o verso livre, o<br />

ritmo pessoal, as formas fixas, temas ligados ao cotidiano <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, valorização<br />

da língua pátria, utilização nova do espaço e da figurativização; elementos estes<br />

que elevaram a poesia modernista de mania passageira para poesia<br />

verdadeiramente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, feita ao gosto e modo brasileiros.<br />

Assim temos <strong>na</strong> poesia modernista, de modo geral, uma preocupação<br />

com a língua e a expressão <strong>poética</strong> de uma temática alicerçada <strong>na</strong> simplicidade,<br />

praticidade e atualidade que englobam o cotidiano e o prosaico <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong>s<br />

palavras de Oswald de Andrade aos jovens pintores da época:<br />

...se desembaracem das recordações de motivos picturais que tiveram e<br />

incorporados ao nosso meio, à nossa vida, tirem dos recursos imensos do país,<br />

dos tesouros de cor, de luz, de bastidores que os circundam, a arte nossa que<br />

afirme, ao lado do nosso intenso trabalho material de construção de cidades, e<br />

desbravamento de terras uma manifestação superior de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidade.<br />

Quanto à linguagem, o movimento modernista contribuiu para a alteração<br />

de alguns padrões até então estáticos no campo da <strong>criação</strong> <strong>poética</strong> e do uso da<br />

língua portuguesa, alterando, conseqüentemente, a identidade cultural do país e<br />

as obras que viriam futuramente, dentre elas a de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>.<br />

Como poeta de várias vertentes, citado dentre os grandes autores da<br />

nossa Literatura, <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> figura, sem dúvida, com brilho intenso: poeta,<br />

cronista, ensaísta, crítico, historiador literário e tradutor, um poeta que<br />

demonstraria em sua obra um grande conjunto de idéias, cuja sensibilidade e<br />

multiplicidade foram constantes.<br />

Segundo Yudith Rosenbaum “ o estudo da obra de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong><br />

impõe-nos, de imediato, um espaço configurado por várias vertentes estilísticas:<br />

par<strong>na</strong>sianismo, simbolismo, penumbrismo, as vanguardas européias e o<br />

modernismo brasileiro.”<br />

<strong>Bandeira</strong> foi, portanto, um poeta que, atravessando diferentes períodos<br />

literários, realizou uma poesia de transição entre os mesmos, de forma que, ao<br />

iniciar <strong>suas</strong> obras, como “ A cinza das horas”, em 1917, trouxe em sua poesia<br />

elementos de cunho par<strong>na</strong>siano e simbolistas enquanto, em 1919, ao publicar


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“Car<strong>na</strong>val”, o poeta apontasse já <strong>suas</strong> preferências por <strong>inovações</strong> estéticas<br />

que lhe renderiam o título de “o São João Batista do modernismo”, dado<br />

futuramente pelos participantes da “Sema<strong>na</strong> de Arte Moder<strong>na</strong>”, em 1922.<br />

Nessa obra <strong>Bandeira</strong> inicia <strong>suas</strong> experiências com o verso livre, dando<br />

início a uma relação que marcaria sua poesia e as dos demais poetas a partir de<br />

então. Essa relação inovadora passou por testes nos poemas “Debussy” e<br />

“Epílogo”, ainda produzidos numa fase de transição entre o verso livre e o<br />

metrificado, embora <strong>suas</strong> experiências com o verso livre já datassem de 1912,<br />

passaram a tomar forma através do poema “ Carinho Triste”, pertencente à<br />

obra “O ritmo dissoluto”, publicada em 1924; fato declarado pelo autor em sua<br />

biografia <strong>poética</strong> intitulada “Itinerário de Pasárgada”.<br />

Essa relação entre poesia e modernismo buscava novas concepções que,<br />

para Menotti Del Picchia, consistiam em: “A fórmula do futurismo paulista<br />

encerra-se, pois, nisto: máxima liberdade dentro da mais espontânea<br />

origi<strong>na</strong>lidade”, tal origi<strong>na</strong>lidade tomou forma através do uso do verso livre<br />

introduzido e conduzido por <strong>Bandeira</strong>, alterando assim a poesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Para Davi Arrigucci Jr. “ a penetração desse novo e poderoso instrumento<br />

[verso livre] no quadro da literatura brasileira, ... dependeu em grande parte,<br />

como se sabe, do esforço pessoal de <strong>Bandeira</strong>”. Ainda para o mesmo crítico,<br />

<strong>Bandeira</strong> progrediu aos poucos em busca do uso do verso livre passando por<br />

aquilo que o crítico chama de “versos polimétricos, ou no fundo sujeitos ao<br />

senso da medida”, ou da seguinte forma:<br />

...com passos seguros no progressivo domínio do verdadeiro verso livre, com<br />

sua cadência rítmica irregular, mas ainda deliberada; <strong>suas</strong> rimas aleatórias ou<br />

ausentes; sua multiplicidade de tom; seu corte arbitrário, mas quase sempre em<br />

aliança com a sintaxe e o sentido, <strong>na</strong> busca de adequada expressão para o<br />

impulso lírico; sua aproximação à prosa, contrariada pela prosódia visual,<br />

destacada pela convenção tipográfica do alinhamento paralelístico.<br />

Com o avanço de sua nova técnica, aos poucos, a obra de <strong>Bandeira</strong><br />

tor<strong>na</strong>-se, em quase sua totalidade, realizada em verso livre, abando<strong>na</strong>ndo a<br />

mecânica tradicio<strong>na</strong>l, como se nota <strong>na</strong>s palavras do poeta no “Itinerário de<br />

Pasárgada”: “Só em 1921 ... fui conseguindo libertar-me da força do hábito.<br />

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Mas não sei se não ficou sempre como uma saudade a repontar aqui e ali... não<br />

me lembro de problemas dentro da metrificação, que eu não tivesse resolvido<br />

prontamente”. Para o poeta, sua concepção de verso livre era a de que este<br />

apesar de se distanciar da tirania métrica deveria, no entanto, manter a ento<strong>na</strong>ção<br />

do verso, tal concepção é fruto da experiência do metro que o levou a concluir<br />

que o movimento rítmico não está preso à metrificação.<br />

Mas as <strong>inovações</strong> de <strong>Bandeira</strong> não param por aí; além de introduzir o<br />

verso livre em nossa poesia, outro elemento passaria a fazer parte da <strong>criação</strong><br />

<strong>poética</strong> a partir de então: a temática banderia<strong>na</strong>, caracterizada pela escolha de<br />

um estilo humilde de elevar ce<strong>na</strong>s do cotidiano <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l; a busca pelo poético<br />

no dia a dia, o desentranhar da poesia presente <strong>na</strong>s coisas mais simples.<br />

Desse processo constante de busca das relações entre seus versos e o<br />

dia a dia temos as seguintes invocações: de sonhos ou trechos de sonhos<br />

(“Palinódia”, “O lutador”), de prosa literária, notícias de jor<strong>na</strong>l: (“O homem e a<br />

morte”, “Poema tirado de uma notícia de jor<strong>na</strong>l”, “Namorados”, “Pneumotórax”),<br />

além do uso de frases da fala <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, propaganda de produtos, letras de samba,<br />

frases pertencentes ao universo infantil e tantos outros elementos do dia a dia<br />

das pessoas mais comuns.<br />

Como elementos que alteraram o modo de <strong>criação</strong> <strong>poética</strong> provenientes<br />

do modernismo, e que aproximaram a arte da cultura popular temos a tendência<br />

em tor<strong>na</strong>r cada vez menos nítida a delimitação entre os domínios da língua<br />

escrita e da língua falada, pelo acolhimento, <strong>na</strong> língua literária, de termos e<br />

expressões usados <strong>na</strong> linguagem cotidia<strong>na</strong>, bem como a aproximação dos temas<br />

à vida comum; senso de pesquisa estética, constante uso de técnicas de<br />

renovação artística representados pela irreverência formal, em muito devidas<br />

ao uso do verso livre.<br />

Quanto a estas mudanças, podemos citar palavras de <strong>Bandeira</strong>: “A vida<br />

não me chegava pelos jor<strong>na</strong>is nem pelos livros, vinha da boca do povo...ao<br />

passo que nós o que fazemos é macaquear a sintaxe lusita<strong>na</strong>...”<br />

Em um ensaio sobre a poesia de 30, Mário de Andrade, ao lidar com o<br />

verso livre enquanto aquisição de ritmo pessoal, chamou atenção para um aspecto<br />

de <strong>Bandeira</strong>, onde a principal característica dessa nova estética se baseia <strong>na</strong><br />

mescla entre prosa e poesia, resultando numa poesia que contém elementos do<br />

cotidiano sem deixar de ser poesia da mais alta qualidade.<br />

Essa nova tendência trazia em si elementos da fala brasileira, isto é, com


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o discurso falado não artístico, que parece brotar da boca do povo e que, até<br />

então, jamais seria aceito como arte, no entanto, <strong>na</strong> opinião de <strong>Bandeira</strong>, a<br />

língua falada tem grande valor: “Porque ele (o povo) é que fala gostoso o<br />

português do Brasil”.<br />

Assim o modernismo foi portador de uma nova visão artística que alterou<br />

a identidade cultural de nosso país, sendo responsável por <strong>inovações</strong> técnicotemáticas<br />

que aproximaram mundos até então distintos, trazendo a poesia para<br />

o cotidiano brasileiro.<br />

Seria desnecessário comentar que a obra de um grande poeta deveria<br />

ser a<strong>na</strong>lisada como um todo. No entanto, vemos aqui a necessidade de relatar<br />

mais resumidamente a genialidade deste poeta, em sua poesia, em especial a<br />

de cunho modernista e pré-modernista, que marcaram com <strong>suas</strong> particularidades,<br />

tendências e um gênero de poetizar que integraram a chamada identidade<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Para tanto, temos, neste capítulo, alguns poemas de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>,<br />

que apontam para essa “mudança” gerada pelo modernismo quanto ao conceito<br />

de poesia presente <strong>na</strong> identidade cultural do país, até então.<br />

Sua obra possui poemas que englobam uma participação psicológica do<br />

poeta, com atitudes que abrangem a contemplação, a passividade e a instigação<br />

crítica sobre valores como a vida e a morte, fazendo, no entanto, com que tais<br />

análises sejam feitas através de elementos e fatos transcorridos no cotidiano<br />

das pessoas. Como exemplo desta temática temos:<br />

Momento num café<br />

Quando o entêrro passou<br />

Os homens que se achavam no café<br />

Tiraram o chapéu maqui<strong>na</strong>lmente<br />

Saudavam o morto distraídos<br />

Estavam todos voltados para a vida<br />

Absortos <strong>na</strong> vida<br />

Confiantes da vida.<br />

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado<br />

Olhando o esquife longamente<br />

Êste sabia que a vida é uma agitação feroz e sem fi<strong>na</strong>lidade<br />

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Que a vida é traição<br />

E saudava a matéria que passava<br />

Liberta para sempre da alma extinta.<br />

Estrela da vida inteira<br />

O tema central do poema, muitas vezes evocado pelo poeta em sua obra,<br />

é o da valorização do instante, da sublimação do cotidiano. <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong><br />

retrata, neste poema, a utilização do instante cotidiano como forma de evasão<br />

do sublime.<br />

Daí a escolha da palavra “momento” utilizada no título como forma de<br />

efetuar um recorte, fragmentação do dia em um pequeno e valoroso momento,<br />

instante de vida usado para apontar a valorização desta mesma vida, da qual o<br />

“momento” foi retirado.<br />

O perso<strong>na</strong>gem principal a ser destacado no poema, assim como o<br />

“momento” valorizado dentro do cotidiano foi também a<strong>na</strong>lisado de forma<br />

singular, destacado do resto do povo e daqueles que pensam de acordo com a<br />

“massa”, representado no poema pelo pequeno grupo de cavalheiros que se<br />

encontrava no café no “momento” em que o esquife passava. Assim, o poeta<br />

realiza recortes dentre as ce<strong>na</strong>s que compõem o poema e aponta para tal técnica<br />

desde o início do poema, pelo seu título.<br />

No caso, o perso<strong>na</strong>gem destacado se vê valorizado pela sua sensibilidade<br />

em perceber, diferentemente dos demais, a profundidade da ce<strong>na</strong> que assistia,<br />

apesar desta fazer parte da vida e do cotidiano das pessoas. Temos aqui um<br />

ente que não se embriagou <strong>na</strong> avidez da vida.<br />

Desta forma, por meio das apresentações das diferentes ce<strong>na</strong>s dentro<br />

do poema, temos a apresentação das diferentes opiniões dos homens do café<br />

diante de um mesmo tema, a vida e a morte, colocadas frente a frente, a<br />

sublimação do momento cotidiano como instrumento de elucidação dos grandes<br />

segredos da vida, tão constantemente emaranhados em discussões filosóficas,<br />

apresentados, agora, segundo a visão de <strong>Bandeira</strong> como tema presente no diaa-dia.<br />

Através da “sacralização” do “momento” aqui descrito pelo poeta temos<br />

a valorização do instante, o apontamento para temas como o “carpe diem”<br />

colocados de forma questio<strong>na</strong>dora frente à presença da morte inevitável.<br />

No poema acima, o poeta utiliza a sobreposição de fragmentos que nos<br />

levam à construção de imagens dispostas em dois blocos, a imagem da maioria


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dos homens do café, que “Tiraram o chapéu maqui<strong>na</strong>lmente” e do homem que<br />

“no entanto se descobriu num gesto largo e demorado, olhando o esquife<br />

longamente...”, realizando, assim, através da descrição de seus gestos, um<br />

relacio<strong>na</strong>mento paradoxal de atitudes diante da vida e da morte. Apontandonos<br />

dois elementos humanos distintos, os que não se dão conta da morte e os<br />

que meditam sobre a <strong>na</strong>tureza da vida e da morte. Este tipo de tematização<br />

passaria a integrar a poesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de forma nova, modernista.<br />

Através do uso do verso livre e da realização orde<strong>na</strong>da e cadencial dos<br />

versos, temos as “quebras” usadas no discurso criando assim um ritmo no<br />

poema. Tais quebras realizam “cortes” que fi<strong>na</strong>lizam conclusões ou afirmações<br />

do poeta de forma a termi<strong>na</strong>r as estrofes apontando para a estrofe seguinte e<br />

direcio<strong>na</strong>ndo à conclusão fi<strong>na</strong>l. Nota-se tal recurso, principalmente, no uso do<br />

verso: “Um no entanto...” que aponta para o segundo grupo de imagens e por<br />

conseqüência da segunda visão a respeito do mesmo tema, a vida diante da<br />

morte.<br />

Outro aspecto importante no ritmo do poema em análise é o uso dos<br />

sufixos “mente”, usados a fim de dar ao aspecto temporal, o da duração das<br />

ações dentro do poema, o tempo determi<strong>na</strong>do pelo poeta com o objetivo de<br />

“casar” o tempo de cada ação com seu respectivo grupo (o dos homens do<br />

café e do último homem) para, assim, dar ênfase ao movimento de cada grupo<br />

em consonância com sua reação diante do tema vida e morte.<br />

Enquanto o grupo dos homens que se achavam no café olha o enterro<br />

passar e tira os chapéus “maqui<strong>na</strong>lmente”, o leitor ainda sobre o efeito do<br />

sufixo “mente”, já reflete sobre o conteúdo da ação descrita, acarretando um<br />

prolongamento temporal e sensorial aos versos, a fim de cumprir a intenção do<br />

poeta em criticar tal ato mecânico diante da vida e da morte.<br />

O mesmo ocorre quando o leitor se depara com o olhar do segundo<br />

homem que “longamente” olha, e digamos que aqui é óbvio que o poeta quis<br />

dizer “olhava e refletia”, sobre o esquife que passava, de forma que, por meio<br />

do uso do sufixo, o poeta atribuiu características especiais de reflexão sobre o<br />

olhar do homem pertencente ao segundo grupo descrito, o dos que percebem a<br />

grandiosidade da vida e a sombra da morte em cada “momento” do dia-a-dia.<br />

A mudança constante dos temas podia alter<strong>na</strong>r entre os temas “nobres”,<br />

como vida e morte, para temas cotidianos, tão presentes <strong>na</strong> poesia modernista,<br />

como as recordações da infância, elementos que integram o dia-a-dia das<br />

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pessoas que o eu-lírico no presente evoca.<br />

Desta forma, <strong>Bandeira</strong> se utiliza do procedimento discursivo da comparação,<br />

uma forma de a<strong>na</strong>logia, através de uma superposição de valores, virtudes e defeitos<br />

do ser amado que se projeta numa possível discussão de um sentimento amoroso<br />

futuro e mais maduro. Tal como ocorre em Porquinho da Índia:<br />

Quando eu tinha seis anos<br />

Ganhei um porquinho - da - índia.<br />

Que dor de coração me dava<br />

Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!<br />

Levava ele pra sala<br />

Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos<br />

Ele não gostava:<br />

Queria era estar debaixo do fogão.<br />

Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...<br />

____ O meu porquinho- da- índia foi a minha primeira <strong>na</strong>morada.<br />

(Liberti<strong>na</strong>gem)<br />

Vimos, portanto, como por meio de elementos como a temática do<br />

cotidiano, o uso do verso livre e da linguagem coloquial, <strong>Bandeira</strong>, instituiu novos<br />

conceitos de poesia, agora mais próximos do dia-a-dia das pessoas e, portanto,<br />

mais próximo da vida dos habitantes de seu país.<br />

A partir do modernismo como um todo, e em especial de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>,<br />

a literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l passou a abarcar, dentre seus temas, os costumes do povo<br />

e, por outro lado, tornou-se um veículo de crítica social, principalmente quanto<br />

ao governo, a forma de vida de diversas camadas sociais, e até à valorização<br />

da cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e à produção de literatura no país.<br />

Elementos como o verso livre tomaram forma constante em nossa poesia<br />

a partir de então, dando, inclusive, impulsão à poesia concreta que viria a seguir,<br />

poesia condensadora de todas as <strong>inovações</strong> que teve início com o modernismo.<br />

Tudo isso talvez tenha contribuído para que hoje se faça poesia sem ponderar<br />

sobre os caminhos que foram abertos <strong>na</strong> literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l a partir do<br />

modernismo e das <strong>inovações</strong> de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>. Isso tudo faz desse poeta<br />

parte fundamental da consolidação da literatura como parte integrante da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>, conceituado por Arrigucci como o


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“...poeta ponte <strong>na</strong> passagem da poesia brasileira para a modernidade”.<br />

Ainda quanto ao lado crítico de <strong>Bandeira</strong> temos o tom de observação em<br />

conseqüência da visão social modernista; este tipo de poesia incorporou-se <strong>na</strong><br />

identidade cultural e, portanto, também, <strong>na</strong> identidade literária de nosso país,<br />

engendrando, assim, as crônicas sociais e outros gêneros que continuariam a<br />

crítica ao funcio<strong>na</strong>mento político da sociedade. Para tanto, <strong>Bandeira</strong> usava de<br />

tom irônico, audacioso, traço típico modernista que o autor vinha a i<strong>na</strong>ugurar,<br />

mesmo antes da Sema<strong>na</strong> de Arte Moder<strong>na</strong> de 1922, e que se relacio<strong>na</strong>va com<br />

o movimento de classes sociais insatisfeitas com a política econômica que<br />

vigorava <strong>na</strong> época.<br />

Assim, o poeta penetra <strong>na</strong> crítica social. Contudo, sua visão é lírica. O<br />

sofrimento não é ape<strong>na</strong>s o do homem, mas o do poeta, numa forma de protesto<br />

que não ataca as classes domi<strong>na</strong>ntes com protestos duros e com nomes, mas<br />

faz do poeta uma ferramenta de luta social e, por extensão, faz da literatura<br />

uma expressão de identidade, onde a literatura deixava-se contami<strong>na</strong>r pelo meio<br />

em que viviam os poetas. Enfim, o fluxo da comunicação é interrompido somente<br />

para dar vazão ao desenlace irônico do poeta. Como exemplo desta vertente<br />

temos : O bicho.<br />

Vi ontem um bicho<br />

Na imundície do pátio<br />

Catando comida entre os detritos.<br />

Quando achava alguma coisa,<br />

Não exami<strong>na</strong>va nem cheirava:<br />

Engolia com voracidade.<br />

O bicho não era um cão,<br />

Não era um gato,<br />

Não era um rato.<br />

O bicho, meu Deus, era um homem.<br />

(<strong>Bandeira</strong>, 1947)<br />

Fi<strong>na</strong>lmente retrataremos no poema Camelôs, poema abrangido pela obra<br />

Liberti<strong>na</strong>gem, publicada em 1930, e que inclui poemas escritos de 1924 a 1930.<br />

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Estes poemas são vistos pela crítica como a obra mais madura e modernista<br />

em sua maioria, de forma que em um só poema encontramos, do tema aos<br />

aspectos formais, o retrato fiel da mudança sofrida pela obra do poeta, bem<br />

como a presença de elementos que fariam parte do modernismo e que marcaram<br />

a literatura e a identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Camelôs<br />

Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:<br />

O que vende balõezinhos de cor<br />

O macaquinho que trepa no coqueiro<br />

O cachorrinho que bate com o rabo<br />

Os homenzinhos que jogam boxe<br />

A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado<br />

E as canetinhas - tinteiro que jamais escreverão coisa alguma<br />

Alegria das calçadas.<br />

Uns falam pelo cotovelos:<br />

___ “ O cavalheiro chega em casa e diz: ‘Meu filho, vai buscar um pedaço<br />

de ba<strong>na</strong><strong>na</strong> para eu acender o charuto.”<br />

Naturalmente o menino pensará: ‘Papai está malu...’”<br />

Outros, coitados, têm a língua atada.<br />

Todos porém sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de<br />

[ demiurgos de inutilidades.<br />

E ensi<strong>na</strong>m no tumulto das ruas os mitos heróicos da meninice...<br />

E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição<br />

[de infância.<br />

Um dos temas preferidos pelo poeta M. <strong>Bandeira</strong> é a descrição de ce<strong>na</strong>s<br />

do cotidiano, o resgate de valores deixados <strong>na</strong> infância, a valorização de figuras<br />

pertencentes aos mais diversos meios sociais que freqüentou. O poeta, diversas<br />

vezes, apontou seu desejo de retratar ce<strong>na</strong>s do dia-dia, eternizar palavras e<br />

gestos que formaram sua infância, como meio de “cristalização” das ce<strong>na</strong>s<br />

vividas por ele.<br />

Em conformidade com estas idéias, falou diversas vezes em entrevista<br />

concedida, em sua autobiografia <strong>poética</strong> intitulada Itinerário de Pasárgada,


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sobre a evocação freqüente de pessoas pertencentes ao seu passado, dentre<br />

elas, sua irmã, seu pai, a cozinheira Tomázia, a ama-seca Rosa e Totônio<br />

Rodrigues (uma espécie de tio), realizando assim uma aproximação entre o<br />

mundo do eu lírico e sua obra.<br />

Como extensão deste processo temos em “Camelôs”, figura tão presente<br />

no cotidiano das grandes cidades como o Rio de Janeiro, Recife, locais onde o<br />

poeta morou, aqui representados especificamente como “aqueles dos brinquedos<br />

de tostão” (apesar destes perso<strong>na</strong>gens não adquirirem nomes próprios neste<br />

poema), e escolhidos como foco das memórias a serem retratadas neste poema.<br />

Camelôs foi escrito enquanto o autor ainda residia no Rua do Curvelo<br />

(RJ), incluído <strong>na</strong> obra Liberti<strong>na</strong>gem,obra que segundo o próprio autor ficou<br />

impreg<strong>na</strong>da do cotidiano que o cercava: “A Rua do Curvelo ensinou-me muitas<br />

coisas. Couto foi avisada testemunha disso e sabe que o elemento de humilde<br />

quotidiano que começou desde então a se fazer sentir em minha poesia não<br />

resultava de nenhuma intenção modernista. Resultou muito simplesmente, do<br />

ambiente do morro do Curvelo.”<br />

A rua do Curvelo, em Santa Teresa, repleta de pessoas simples,<br />

trabalhadores e crianças, estas últimas, figuras de recorrentes observações do<br />

poeta, tornou-se presente em sua obra, principalmente <strong>na</strong>s obras que escreveu<br />

enquanto ali vivia.<br />

“Camelôs” está enquadrado nesse tipo de poema que se vale da descrição<br />

desse elemento tão presente <strong>na</strong>s cidades e <strong>na</strong> infância de todos nós. Assim o<br />

título anuncia a descrição desta figura simples e cotidia<strong>na</strong> que compõe, em<br />

grande parte, o que denomi<strong>na</strong>mos de “economia informal”, como aquela que<br />

gera circulação de capital e de lucro, sem, no entanto, possuir registro junto aos<br />

órgãos competentes; o que já apresenta aqui uma das características de <strong>Bandeira</strong>:<br />

a valorização de figuras que fizeram parte do seu mundo, não importando o<br />

quanto estas mesmas figuras recebam como reconhecimento da comunidade<br />

em geral; a exaltação do simples, do elemento mágico, criador de imagens que<br />

se aliam às imagens pessoais que cada um traz em si, e que farão parte do<br />

processo de recepção do leitor diante da obra.<br />

Essa utilização de elementos simples das grandes cidades se reflete <strong>na</strong><br />

linguagem por meio de um afastamento dos temas sublimes; a humildade<br />

banderia<strong>na</strong> se utiliza em seus textos de uma forma literária “baixa”, diz Arrigucci:<br />

Com olhos voltados para o presente, confiantes <strong>na</strong> realidade brasileira do tempo,<br />

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sem prejuízo da visão histórico-cultural da tradição do país que tanto enfatizam,<br />

buscando resgatá-la para a atualidade, eles deslocam o interesse da <strong>criação</strong><br />

rumo à experiência cotidia<strong>na</strong> do escritor, que é, no caso, em grande parte uma<br />

experiência coletiva.”<br />

O poema se inicia com uma espécie de frase bíblica, utilizando a expressão<br />

“Abençoado seja”, apresentando assim os Camelôs como parte de uma atividade<br />

importante e louvável da sociedade, como um elemento que merece destaque,<br />

de forma que o tom bíblico eleva os camelôs a seres divinos que possuem <strong>na</strong>s<br />

mãos os dons, em especial a arte de lidar com os sonhos das pessoas, como<br />

veremos mais ao fim do poema.<br />

O camelô é, ainda, mais especificado como aquele que vende os<br />

“brinquedos de tostão”. Neste caso, há uma valoração ainda maior do sujeito,<br />

uma vez que apresenta que este vive de pouco dinheiro (lucro); consagrado<br />

para muitos como sem importância, mas de grande valor sentimental para as<br />

crianças, e ainda um grupo seleto de observadores que, como o poeta, dão<br />

importância a elementos deixados no passado, <strong>na</strong> infância. Esta, talvez, seja a<br />

primeira antítese do poema, a do valor econômico em choque com o valor<br />

sentimental e afetivo.<br />

Em seguida, temos versos que complementam o primeiro como forma<br />

de enumeração expositiva, de explicação mais detalhada. Assim os demais<br />

versos irão apontar, com pormenores, os elementos que compõem a roti<strong>na</strong> de<br />

venda dos camelôs de tostão, seus produtos.<br />

Temos neste rol: os balõezinhos de cor, o macaquinho que trepa no<br />

coqueiro, o cachorrinho que bate com o rabo, os homenzinhos que jogam boxe,<br />

elementos pertencentes ao mundo infantil apresentados de forma a se aproximar<br />

do mundo atual do poeta. Nota-se que todas as ações dos brinquedos são<br />

descritas no tempo presente, dando-nos a sensação de que o poeta mostra que<br />

tais elementos ainda vivem no mundo de cada criança, que os enxerga <strong>na</strong>s<br />

calçadas e <strong>na</strong> mente daqueles que trazem consigo as memórias da infância,<br />

podendo uma destas pessoas ser representada pelo eu-lírico.<br />

Temos, ainda, dois elementos que fazem parte desta enumeração e que<br />

receberam destaque do poeta e uma explicação para sua importância <strong>na</strong> vida<br />

das crianças e dos futuros adultos, vejamos: “A perereca verde que de repente<br />

dá um pulo que engraçado”; neste verso, o brinquedo citado também possui


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uma ação descritiva no presente (dá um pulo). O mais intrigante está <strong>na</strong> parte<br />

“que engraçado”, uma espécie de exclamação implícita, demonstrando uma<br />

surpresa, uma alegria, um contentamento um tanto comedido pelo eu-lírico, que<br />

não utilizou a pontuação necessária (parágrafo e ponto de exclamação);<br />

mostrando que o poeta, que agora transitava pelas calçadas, ainda se encanta<br />

com tais brinquedos.<br />

Aqui poderia se indagar se a pausa presente no fi<strong>na</strong>l deste verso não<br />

indica uma intenção (implícita) do poeta em perguntar ao leitor: Não é mesmo?,<br />

como forma de participação da emoção do eu-lírico em relação ao leitor.<br />

O próximo verso aponta para o último elemento a ser descrito “e as<br />

canetinhas-tinteiros que jamais escreverão coisa alguma”. Neste caso, o<br />

elemento “canetinha”, aponta para uma reflexão, um ato de consciência do eulírico,<br />

que considera a carga das canetinhas-tinteiro tão efêmeras quanto a<br />

duração das idéias infantis e da própria infância. Tais objetos ficariam presos<br />

aos desenhos, sem compromissos e sem sentido, e se acabariam antes da<br />

aquisição da escrita, e dos compromissos dos adultos.<br />

A forma como a figura do camelô é construída, tor<strong>na</strong>-se interessante à<br />

medida que esse processo de construção vai se dando a partir do detalhamento<br />

e descrição dos elementos de trabalho dos camelôs, seus brinquedos de tostão.<br />

Assim, ocorre um processo de colagem onde a disposição dos brinquedos e<br />

sua descrição, as ce<strong>na</strong>s incluídas no poema, vão, aos poucos, criando a imagem<br />

fi<strong>na</strong>l do camelô.<br />

Desta forma, o poema vem cumprindo seu papel de apresentar (e não de<br />

representar) a imagem, o camelô é formado ou imagi<strong>na</strong>do <strong>na</strong> mente do leitor no<br />

momento em que este entra em contato com o poema. A imagem tem <strong>na</strong>tureza<br />

<strong>poética</strong>, emotiva, a ce<strong>na</strong> do camelô se forma para o leitor com base no que o<br />

texto apresenta, no contato com as palavras sem, no entanto, haver uma imagem<br />

visual que o direcione durante a leitura . Não há figuras, gravuras, desenhos ou<br />

mesmo uma disposição do poema <strong>na</strong> pági<strong>na</strong> que indique a formulação da imagem<br />

do “camelô”.<br />

A segunda estrofe continua com as afirmações/opiniões do eu-lírico a<br />

respeito dos camêlos, a afirmação “alegria das calçadas” aponta para a<br />

importância destes perso<strong>na</strong>gens <strong>na</strong> vida das grandes cidades. Para tanto, inicia<br />

a descrição dos camelôs não ape<strong>na</strong>s quanto a sua “figura” mas, também, quanto<br />

ao seu comportamento: “uns falam pelos cotovelos” mostrando a agilidade que<br />

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deve ser acrescida à imagem já construída <strong>na</strong> estrofe, o camêlo que se formou<br />

anteriormente ganha mais vida.<br />

Neste momento o poema apresenta uma pausa que vai introduzir uma<br />

ruptura <strong>na</strong> <strong>na</strong>rração/descrição da ce<strong>na</strong>s do camelô <strong>na</strong>s ruas, apontando para a<br />

conseqüência da existência e participação dos camelôs <strong>na</strong> vida dos cidadãos e<br />

dos transeuntes que parecem levar para casa um pouco desta “alegria das<br />

calçadas” descrita anteriormente, isto se dá quando o poeta utiliza o travessão<br />

e as aspas e abre um novo quadro, uma nova imagem dentro do poema.<br />

Temos, então, a <strong>na</strong>rração da seguinte ce<strong>na</strong>: “O cavalheiro (pessoa<br />

distinta nos moldes urbanos) chegando em casa e dizendo: “meu filho, vai<br />

buscar um pedaço de ba<strong>na</strong><strong>na</strong> para eu acender o charuto. Naturalmente<br />

o menino pensará: ‘Papai está malu’”. esse verso tem a estrutura de uma<br />

ce<strong>na</strong> que chega a se assemelhar a uma ce<strong>na</strong> descrita num texto teatral,<br />

incluindo, novamente, a opinião do eu-lírico, <strong>na</strong> expressão “Naturalmente o<br />

menino pensará...”, uma vez que a opinião do menino surge como extensão<br />

da opinião do poeta.<br />

Aqui o quadro introduzido pelo poeta no meio do poema faz com que as<br />

afirmações feitas anteriormente com respeito à valorização das coisas simples,<br />

do cotidiano, assim como a valorização dos camêlos <strong>na</strong> vida das grandes cidades,<br />

possa, enfim, realmente tomar forma no dia a dia das pessoas. Isso ocorre<br />

quando a visão dos brinquedos observados pelos transeuntes parece penetrar<br />

<strong>na</strong> mente dos mesmos e chegar, através de frases, aparentemente sem sentido,<br />

em seus lares.<br />

O camelô e seu “macaquinho que trepa no coqueiro” se cristalizam<br />

<strong>na</strong> mente do transeunte que passou pela sua banca e chegou em casa trocando<br />

as palavras e introduzindo novos elementos (do mundo infantil) no mundo real,<br />

adulto e cotidiano.<br />

Há, portanto, a inversão de palavras que leva ao questio<strong>na</strong>mento da<br />

inversão de valores, da apresentação da antítese infância/vida adulta, alegria/<br />

responsabilidades e até da loucura/lucidez, quando o menino, assustado com a<br />

fala do pai, afirma que ele está ficando maluco.<br />

Assim, o próximo verso fecha a ce<strong>na</strong> descrita <strong>na</strong> estrofe anterior com a<br />

afirmação “outros, coitados, têm a língua atada”. A utilização da palavra “outros”<br />

remete ao processo que estava sendo feito anteriormente, ainda <strong>na</strong> descrição do<br />

comportamento dos camelôs revelando a oposição dos camelôs que falam pelos


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cotovelos, com outros que têm a língua atada, classificando-os como coitados.<br />

Uma observação aqui é pertinente, este verso, ao mesmo tempo que continua<br />

a descrição dos camelôs, refere-se perfeitamente também ao “cavalheiro” do<br />

verso anterior que, como outros da cidade, perderam, coitados, a riqueza da<br />

linguagem infantil, a expressão e o sonho, ficando com a língua atada.<br />

O último verso fecha o poema com a conclusão “Todos porém sabem<br />

mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos de inutilidades”. Assim,<br />

temos a última imagem a ser construída de forma conclusiva, temos os camelôs<br />

( os que falam pelos cotovelos e os de língua atada) como sujeitos capazes de<br />

mexer nos cordéis, com tino ingênuo (aí uma nova antítese), uma vez que a<br />

palavra “tino” remete à esperteza, tão presente <strong>na</strong> figura do camelô que vende<br />

seus produtos com agilidade e tino comercial, em oposição à ingenuidade tanto<br />

dos brinquedos, que representam tantos sonhos e desejos infantis, ali expostos<br />

<strong>na</strong>s calçadas, como dos próprios camelôs que, ingenuamente, vendem sonhos e<br />

fantasia, e que, portanto sabem mexer nos cordéis, aqui representando os sonhos.<br />

Fi<strong>na</strong>lizando com esta expressão <strong>na</strong>da acidental, “demiurgos de<br />

inutilidades”, o poeta pretende, ao usar a palavra “demiurgo” dotada da seguinte<br />

definição: artesão divino, modelador da matéria caótica, divindade intermediária<br />

junto a Deus <strong>na</strong> <strong>criação</strong> do mundo; fazer com que a figura dos camelôs adquira,<br />

fi<strong>na</strong>lmente, um aspecto mítico declarado.<br />

Isso ocorre, quando, <strong>na</strong> última estrofe, o poeta fecha o poema apontando<br />

os camelôs como seres divinos que possuem um valor mítico, como demiurgos<br />

que trabalham com um material caótico, aqui representado pelo caos social,<br />

pela vida das grandes cidades; o camelô adquire, portanto, a função de<br />

administrador do dia-a-dia caótico dos grandes centros, introduzindo nestes um<br />

pouco de “inutilidades”, aqui simbolizadas como a falta de comprometimento<br />

com o lucro em <strong>suas</strong> atividades cotidia<strong>na</strong>s; o retorno a elementos da infância.<br />

Assim, a construção do poema é realizada de forma a apontar aquilo que o<br />

poeta define como felicidade.<br />

As imagens vão se construindo ao longo do poema à medida que a figura<br />

dos camelôs vai sendo construída para, fi<strong>na</strong>lmente, atingir uma conclusão fi<strong>na</strong>l,<br />

uma imagem fi<strong>na</strong>l <strong>na</strong> última estrofe, que se diferencia da imagem que temos<br />

dos camelôs no início do poema. O camelô passa de vendedor e elemento<br />

participante das grandes cidades, para um ser mítico e fundamental da<br />

manutenção dos sonhos e da imagi<strong>na</strong>ção no dia-a-dia dos grandes centros.<br />

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Ocorre aqui o que Arrigucci define como: “Forma-se, então, uma imagem<br />

súbita do despertar da consciência, momento de recolhimento humilde do vivido,<br />

instante de ilumi<strong>na</strong>ção lírica dentro do cotidiano mais prosaico, recorte de uma<br />

emoção recolhida <strong>na</strong> recordação” (Abbag<strong>na</strong>no, 19 :736-41).<br />

Dessa forma, cabe em “ Camelôs” a idéia de Abbag<strong>na</strong>no, segundo a<br />

qual a poesia é conceituada como “modo definido e diferencial de expressão<br />

lingüística” (1970:736-41), forma de expressão que se utiliza de palavras para<br />

atingir a sonoridade e a produção de imagens desejadas, no caso, para que<br />

<strong>Bandeira</strong> desse aos camelôs a condição mítica de “demiurgos de inutilidades”.<br />

E ainda, a apresentação e construção de imagens determi<strong>na</strong> a forma com que<br />

o poeta quer que os camelôs sejam vistos, “como forma de poesia como<br />

expressão da sua verdade,” da sua idéia de valorização do cotidiano, de forma<br />

a estimular, participar <strong>suas</strong> idéias junto aos leitores.<br />

No poema, a <strong>na</strong>tureza <strong>poética</strong> das imagens está demonstrada <strong>na</strong> <strong>criação</strong><br />

das figuras, dos elementos revividos pelo poeta. Na poesia, a imagem alcança<br />

sua função de apresentação, de personificação da expressão <strong>poética</strong> do autor;<br />

numa composição provinda das palavras no poema.<br />

Outro ponto interessante e subentendido no poema é a comparação<br />

possível entre as figuras dos camelôs, e a dos poetas em geral, já que para<br />

Octavio Paz: “cada imagem - ou cada poema composto de imagens- contém<br />

muitos significados contrários ou díspares, aos quais abarca ou reconcilia sem<br />

suprimí-los”.<br />

Assim como os “vendedores de brinquedos de tostão”, os poetas são<br />

pessoas que trabalham num tipo de “economia informal” dos grandes centros,<br />

isto porque o que o poeta vende, seu material de trabalho, a poesia, é também<br />

um elemento que se relacio<strong>na</strong> com os sonhos, com a ilusão de cada um de nós;<br />

o poeta se utiliza de sua ferramenta de trabalho, as palavras, as imagens e os<br />

sons para atingir o objetivo de se tor<strong>na</strong>r um “demiurgo”, lidar também com a<br />

matéria caótica do dia-a-dia da vida adulta de todos nós.<br />

Para muitos, a poesia pode ser algo inútil, e o poeta, um vendedor de<br />

sonhos e palavras que se equivalem aos brinquedos de tostão. No entanto, a<br />

poesia possui em si a função de trazer ao cotidiano um pouco de emoção e<br />

sentimento, ou como o próprio <strong>Bandeira</strong> cita Válery: “poesia é a tentativa de<br />

representar ou de restituir por meio da linguagem articulada aquelas coisas ou<br />

aquela coisa que os gestos, as lágrimas, as carícias, os beijos, os suspiros


BOSCO BREVIGLIERI, Etiene M. <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> e <strong>suas</strong> <strong>inovações</strong> <strong>na</strong> <strong>criação</strong> <strong>poética</strong>. Revista UNORP, v1(1):21-40, dezembro 2002.<br />

procuram obscuramente exprimir”.<br />

<strong>Bandeira</strong>, com sua poesia desafiou a poesia contemporânea. À medida<br />

que inicia o uso do verso livre apontando para a inevitável modernização da<br />

poesia, o poeta realiza, através de meios inovadores a construção de uma poesia<br />

calcada em uma temática simples mas de grande teor poético, uma vez que<br />

resgata o “sublime” do cotidiano mais prosaico.<br />

Sua relação com o verso livre abriria as portas para o modernismo e até<br />

mesmo para a chamada “poesia concreta” sem, no entanto, abando<strong>na</strong>r a<br />

qualidade no ato de <strong>criação</strong> <strong>poética</strong>, sempre aliado ao ritmo nos versos à escolha<br />

absolutamente apropriada da palavra.<br />

Falar de poesia ou de modernismo sem a<strong>na</strong>lisar as <strong>inovações</strong> <strong>poética</strong>s de<br />

<strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong> é querer esclarecer o imponderável.<br />

_______________<br />

O conteúdo deste artigo é parte integrante do projeto de Mestrado da autora<br />

intitulado :“A <strong>na</strong>tureza da imagem <strong>na</strong> poesia de <strong>Manuel</strong> <strong>Bandeira</strong>”, desenvolvido <strong>na</strong><br />

UNESP- Ibilce- sob orientação da Prfª Drª. Susan<strong>na</strong> Busato Feitosa, <strong>na</strong> área de teoria da<br />

Literatura.<br />

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Paulo: Cia. Das Letras, 1999.<br />

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LOTMAM, I. O problema do signo <strong>na</strong> tipologia da cultura anterior ao século XX. In:<br />

Lotmam, I. Lisboa: Editorial Estampa, 1978<br />

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PECCHIA D. M. Arte Moder<strong>na</strong>. São Paulo: Correio Paulistano, 17.02.1922, p.2. Apud<br />

Coutinho, Afrânio (dir.). A literatura no Brasil. 2. ed. Vol.V- São Paulo: Ed. Global, 1997.<br />

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UNSPENSKII, B. Ivnov, V. Ensaios de semiótica soviética. Trad. V. Navas e S. T. de<br />

Menezes. Lisboa: Livros Horizonte, 1981.<br />

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