1 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
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<strong>CONSELHO</strong> <strong>FE<strong>DE</strong>RAL</strong> <strong>DE</strong> <strong>MEDICINA</strong><br />
Ementa: EDIÇÃO, PELO MUNICÍPIO <strong>DE</strong> ESTEIO, NO ESTADO DO RIO<br />
GRAN<strong>DE</strong> DO SUL, <strong>DE</strong> LEI LOCAL Nº 2.794, QUE TORNA OBRIGATÓRIO O<br />
USO <strong>DE</strong> LETRA DATILOGRAFADA OU INFORMATIZADA, NAS RECEITAS<br />
MÉDICAS E ODONTOLÓGICAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS –<br />
CONSTITUIÇÃO <strong>FE<strong>DE</strong>RAL</strong> – INCISO I DO ART. 30 – COMPETÊNCIA<br />
LEGISLATIVA DOS MUNICÍPIOS – TEMA QUE REFOGE AO INTERESSE<br />
LOCAL – LEGIFERAÇÃO QUE EXTRAPOLA OS LIMITES TRAÇADOS PELO<br />
ENUNCIADO CONSTITUCIONAL – <strong>DE</strong>SNECESSIDA<strong>DE</strong>, A<strong>DE</strong>MAIS, <strong>DE</strong><br />
REGULAR O ASSUNTO, JÁ DISPOSTO EM LEGISLAÇÃO <strong>FE<strong>DE</strong>RAL</strong> –<br />
<strong>DE</strong>CRETO Nº 793, <strong>DE</strong> 5 <strong>DE</strong> ABRIL <strong>DE</strong> 1993, LEI Nº 5.991, <strong>DE</strong> 17 <strong>DE</strong><br />
<strong>DE</strong>ZEMBRO <strong>DE</strong> 1973 E, POR FIM, ARTIGO 39 DO CÓDIGO <strong>DE</strong> ÉTICA<br />
MÉDICA.<br />
PARECER 488.98 SJ<br />
EXPEDIENTE 007445, de 21 de setembro de 1998<br />
Interessado: Conselho Regional de Medicina<br />
Aprovado em Reunião de Diretoria do dia 24/3/1999.<br />
RELATÓRIO<br />
1. O 1º Secretário do Conselho Regional de Medicina, Dr. C.B. S. F.,<br />
solicita material concernente ao tema tratado na Lei Municipal nº 2.794, de 10 de agosto<br />
de 1998, que torna obrigatório o uso de letra datilografada ou informatizada nas receitas<br />
médicas e odontológicas dentro do Município de Esteio.<br />
2. Do artigo 1º do referido diploma legal, depreende-se que as<br />
mencionadas receitas deverão ser emitidas em letra de forma, datilografada ou<br />
informatizada.<br />
3. Já o artigo 2º do mesmo codex atribui ao profissional infrator uma multa<br />
de 100 (cem) UFIRs. A receita obtida com as multas será destinada às entidades<br />
assistenciais devidamente cadastradas naquele Município, ex vi do artigo 4º da mesma<br />
lei.<br />
PARECER<br />
DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE<br />
4. A questão suscita, primeiramente, uma análise da eventual<br />
preexistência de legislação federal cuidando do mesmo tema.<br />
4.1 Do material amealhado pela Assessoria Jurídica, anexo ao presente<br />
parecer, verifica-se que o Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932, que regula e<br />
fiscaliza o exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das<br />
profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, no Brasil, estatui, na alínea "b" do<br />
artigo 15, que é dever dos médicos "escrever as receitas por extenso, legivelmente,<br />
em vernáculo, nelas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, o nome e a<br />
residência do doente, bem como a própria residência ou consultório;"<br />
4.2 Já a Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o<br />
controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e<br />
correlatos, cuida, em seu artigo 35, da forma como deve ser aviado o receituário, verbis<br />
1
"Art. 35. Somente será aviada a receita:<br />
a) que tiver escrita a tinta, em vernáculo, por extenso e de modo legível,<br />
observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais;<br />
4.3 O artigo 39 do Código de Ética Médica, por seu turno, proíbe a<br />
emissão de receitas ilegíveis ou secretas.<br />
4.4 Por fim, o Decreto nº 793, de 5 de abril de 1993, que altera os<br />
Decretos nº 74.170, de 10 de junho de 1974 e 79.094, de 05 de janeiro de 1977, que<br />
regulamentam, respectivamente, as Leis nºs 5.991, de 17 de janeiro de 1973, e 6.630, de<br />
23 de setembro de 1976, e dá outras providências, estabelece, no inciso II do seu artigo<br />
35, que, verbis<br />
"somente será aviada a receita médica ou odontológica que estiver escrita<br />
à tinta, de modo legível, observadas a nomenclatura e o sistema de pesos e<br />
medidas oficiais, indicando a posologia e a duração total do tratamento".<br />
5. Vigente, portanto, este último Decreto nº 793, o qual enfatiza o que já<br />
constava do artigo 35 da Lei nº 5.991, i.e., a obrigatoriedade de a prescrição estar escrita<br />
à tinta e de modo legível, tornando, assim, a legibilidade o ponto comum de todos os<br />
dispositivos aqui transcritos.<br />
DA AUTONOMIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR<br />
6. Em consonância com o inciso I do artigo 30, da Constituição Federal,<br />
compete aos Municípios "legislar sobre assuntos de interesse local". O inciso II do<br />
mesmo artigo 30, por sua vez, autoriza o Município a "suplementar a legislação federal<br />
e a estadual no que couber".<br />
Assim, uma pergunta exsurge: está o Município, ao editar a Lei nº<br />
2.794, legiferando sobre tema de interesse local e/ou suplementando a legislação federal<br />
ou estadual acerca do assunto?<br />
7. De pronto, urge conceituar autonomia.<br />
"Maurice Block, no Pequeno dicionário político e social, assegura<br />
precisamente: "A autonomia é uma palavra de origem grega. Literalmente esta palavra<br />
significa: legislação independente 1 ".<br />
"Littré, no Dicionário da língua francesa, comentando o verbete<br />
"Autonomia", esclarece: "Direito que os romanos deixaram a certas cidades gregas para<br />
se governarem por suas próprias leis. A autonomia comunal, direito da comuna de se<br />
governar por si própria 2 ".<br />
8. Definida a autonomia dos Municípios como a competência legiferante<br />
que atenda à cláusula de peculiar interesse (inciso I do art. 30, CF), é preciso verificar a<br />
necessidade de legislar sobre o tema.<br />
8.1 Ora, quer nos parecer, da análise do texto legal municipal, que o<br />
legislador local objetivou apenas repetir o que já vem expresso em legislação federal.<br />
8.2 Melhor dizendo, tratou de incluir no texto legal as certidões de óbitos e<br />
requisições emitidas por profissionais de saúde.<br />
8.3 Se a autonomia do Município para legislar tem como limite o<br />
interesse local, temos, nas precisas palavras do jurista Pinto Ferreira, que a sua<br />
1 In Comentários à Constituição Brasileira, Pinto Ferreira, ed. Saraiva, 1990, pág. 249<br />
2 idem, pág. 250<br />
2
competência "não pode ser maior do que a sua autonomia, e, como esta só se refere aos<br />
seus interesses peculiares, a faculdade de organizar ou de regular os serviços de sua<br />
competência só pode envolver os serviços que lhe sejam próprios ou peculiares, isto<br />
é, separados e distintos, ou de que não participem outros Municípios, ou que não<br />
sejam comuns a ele e a outros Municípios. Esta, a esfera, precisamente definida<br />
pela Constituição Federal, da competência dos Municípios. A estes cabe o governo,<br />
dentro dos limites do seu espaço territorial, dos negócios que lhes sejam próprios<br />
ou peculiares, a faculdade de regular esses negócios, assim como a de 'organizar<br />
os serviços da sua competência', ou seja, os serviços de caráter local, isto é, de<br />
interesse puramente local e circunscrito às raias territoriais do município. 3 "<br />
8.4 Por isto há de se entender que, ao editar a lei em comento, o<br />
Município extrapolou o limite da sua competência territorial, fixada no inciso I do artigo 30<br />
da Constituição Federal, porquanto pretendeu regular matéria que foge as raias do<br />
interesse local.<br />
8.5 Nesse mesmo diapasão, "se a autonomia do Município tem por limite<br />
a peculiaridade dos seus interesses; se peculiares aos Municípios só podem ser, como é<br />
óbvio, os interesses de caráter local, isto é, condicionados e definidos pelas circunstâncias<br />
próprias, individuais ou locais dos municípios; se os serviços que são da sua alçada<br />
organizar, nos termos do art. 13, n. III, da Constituição Federal (vetusta), são os serviços<br />
da sua competência, e como a sua competência, que é expressão do seu governo, tem<br />
por limite os limites desse governo, e este só envolve, no enunciado constitucional, os<br />
interesse que lhe sejam peculiares, os serviços cuja organização compete aos<br />
Municípios hão de ser, portanto, apenas os serviços locais, ou os serviços<br />
circunscritos ao seu território" 4 .<br />
9. Ora, se o Decreto nº 793, de 5 de abril de 1993, já regula o tema,<br />
impondo ao menos uma caligrafia legível aqueles profissionais de saúde que emitem<br />
receituário médico ou odontológico, não vemos razão para a edição de legislação local<br />
que venha tratar de matéria eminentemente de interesse geral, já regulada pelo Decreto<br />
acima referido.<br />
CONCLUSÃO<br />
10. Diante do exposto, como a matéria tratada na Lei nº 2.794, editada<br />
pelo Município de Esteio, a nosso ver, refoge ao âmbito de interesse local, delimitado no<br />
inciso I do artigo 30 da Constituição Federal e, ainda, porque o tema já se encontra<br />
regulado em legislação federal, entende esta Assessoria Jurídica, salvo melhor juízo, que<br />
a edição da legislação local viola o limite de sua competência territorial do município.<br />
Brasília, 6 de outubro de 1998<br />
Rubem Dario F. Brisolla<br />
Assessor Jurídico<br />
De acordo:<br />
Giselle Crosara Lettieri Gracindo<br />
Chefe do Setor Jurídico<br />
3 ob. cit. pág. 258<br />
4 in Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1956, 2.v., v.1., p. 378, apud ob. cit., Pinto Ferreira,<br />
pág. 258<br />
3