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A QUESTÃO DOS VALORES NA CIÊNCIA DO DIREITO THE ... - Fa7

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Resumo:<br />

A <strong>QUESTÃO</strong> <strong><strong>DO</strong>S</strong> <strong>VALORES</strong> <strong>NA</strong> <strong>CIÊNCIA</strong> <strong>DO</strong> <strong>DIREITO</strong><br />

<strong>THE</strong> QUESTION OF VALUES IN <strong>THE</strong> SCIENCE OF LAW<br />

Nathalie de Paula Carvalho 1<br />

Este estudo tem por objetivo analisar a influência dos valores no Direito, de que forma isto se verifica e qual o<br />

posicionamento dos principais doutrinadores sobre o assunto. Buscar-se-á a analisar a questão da neutralidade<br />

das ciências, concluindo-se pela impossibilidade. Ao final, será abordada a visão axiológica do Direito, à luz de<br />

paradigmas valorativos e da teoria tridimensionalista.<br />

Palavras-chave: Ciência, Direito. Valores.<br />

Abstract:<br />

This paper analyzes the values’ influence in Law, verifying the position of many theories. Science would be<br />

contaminated by values, because the neutrality it’s impossible. At last, will be proved that Law isn’t s neutral<br />

science and values be part of it by tridimensional theory.<br />

Key-words: Science. Law. Values.<br />

INTRODUÇÃO<br />

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Na análise do fenômeno jurídico em sua complexa estrutura, certamente são<br />

encontrados valores sociais que cultivam no Poder Legislativo o interesse e a necessidade<br />

da inclusão no ordenamento jurídico. A influência social da norma jurídica se reveste de<br />

legitimidade quando encontra amparo nos braços da sociedade e por ela é reconhecida<br />

como justa.<br />

Além disso, não devem ser esquecidos os elementos econômicos, religiosos, políticos,<br />

biológicos, culturais, filosóficos, os quais, dentro de uma abordagem interdisciplinar,<br />

complementam a análise do Direito, que não pode ser concebido de forma isolada. Isso é<br />

importante quando se impõe a questão da legitimidade, política ou jurídica, que, para se<br />

manifestar, exige a compatibilização dos valores existentes no grupo social. A concepção de<br />

valor no estudo do Direito é condicionada pelas questões econômicas, sociais e políticas de<br />

um determinado contexto histórico.<br />

1 Especilaista em Direito e Processo Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Especialista em Direito e<br />

Processo do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú. Bolsista FUNCAP. Mestranda em Direito<br />

Constitucional pela Universidade de Fortaleza.


Nesse contexto, o conteúdo da norma jurídica representa a vontade da sociedade que<br />

foi reconhecida pelo corpo legislativo, que exerce essa função de legislar por delegação. Se<br />

não for assim, ou seja, a norma emanar de alguma outra fonte que não seja a vontade do<br />

meio social reconhecida pelo Poder legislativo, carece de legitimidade. O legislado é<br />

sensibilizado pela importância social da norma jurídica e para isso reconhece os valores<br />

como norteadores da sua atividade legiferante.<br />

Desta forma, pretende-se verificar no presente estudo, a questão dos valores na<br />

ciência do Direito, abordando o pensamento dos doutrinadores Miguel Reale, Hans Kelsen e<br />

Arnaldo Vasconcelos, passando por uma abordagem da neutralidade das ciências e<br />

concluindo pela visão axiológica do Direito.<br />

1 A <strong>QUESTÃO</strong> <strong><strong>DO</strong>S</strong> <strong>VALORES</strong><br />

O Direito possui uma complexidade de elementos que torna dificultosa a sua<br />

definição, o que não impede de serem expostas algumas considerações iniciais. Faz-se<br />

necessário explicar o fenômeno jurídico como pressuposto de entendimento, extraído da<br />

fórmula concebida por Arnaldo Vasconcelos: a norma incide sobre o fato, dando-se uma<br />

prestação; dada a não-prestação, segue-se a sanção e, se esta for descumprida, surge a<br />

coação.<br />

É tarefa do filósofo questionar sobre os princípios lógicos, éticos e histórico-culturais<br />

que norteiam a ordem jurídica. Numa tentativa de separar os conceitos acima demonstrados,<br />

Miguel Reale (2002, p.17) assevera que:<br />

A ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço<br />

e no tempo, enquanto que a Filosofia do Direito indaga das condições mediante as<br />

quais essa concretização é possível. [...] Donde poder-se dizer que a ciência do<br />

Direito é uma forma de conhecimento positivo da realidade social segundo normas ou<br />

regras objetivadas, ou seja, tornadas objetivas, no decurso do processo histórico.<br />

O Direito, na verdade, é um dever-ser, ou seja, em virtude de ter sido reconhecido um<br />

valor como razão determinante de um comportamento que é considerado obrigatório,<br />

encontram-se nessa regra um juízo de valor. Um “juízo” pode ser definido como a atribuição<br />

de certa qualidade a um ente. Acerca da atividade legiferante, Miguel Reale (2002, p.35)<br />

assevera que:<br />

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O legislador não se limita a descrever um fato tal como ele é, à maneira do sociólogo,<br />

mas baseando-se naquilo que é, determina que algo deva ser, com a previsão de<br />

diversas conseqüências, caso se verifique a ação ou omissão, a obediência à norma<br />

ou a sua violação.<br />

Interessante se faz neste momento apresentar as posições dos principais<br />

doutrinadores acerca da questão dos valores na ciência do Direito.<br />

a) Em Miguel Reale<br />

Em sua obra Filosofia do Direito, Miguel Reale (1990, p.190) considera que os valores<br />

são entidades vetoriais, tendo por principal função guiar o indivíduo, apontando sempre para<br />

um sentido que é reconhecível como fim. Assim, “toda sociedade obedece a uma tábua de<br />

valores, de maneira que a fisionomia de uma época depende da forma como seus valores se<br />

distribuem ou se ordenam.” (REALE, 1990, p.191). Para ele, o fato humano assume uma<br />

dimensão valorativa que resulta da sua referibilidade a valores. Analisando a posição de<br />

Reale, Agostinho Ramalho Marques Neto considera que:<br />

Para Reale, as normas jurídicas constituem o objeto específico da ciência do Direito,<br />

mas não as normas consideradas em si mesmas. Qualquer análise jurídica deve<br />

considerar necessariamente o complexo das normas em função das situações<br />

normadas, isto é, deve apreender o objeto do Direito em sua estrutura tridimensional,<br />

porquanto é só através de suas relações com o fato a que se refere e com os valores<br />

que consagra, que a norma jurídica pode fazer sentido. (MARQUES NETO, 2001, p.<br />

175).<br />

Apresenta como características dos valores os seguintes termos, também<br />

mencionados por Machado Paupério (1977, p.15-16): bipolaridade; implicação; referibilidade;<br />

preferibilidade; incomensurabilidade; graduação hierárquica, objetividade, realizabilidade e<br />

inexauribilidade.<br />

A bipolaridade é essencial nos valores. Significa que a um valor sempre se contrapõe<br />

um desvalor, se implicando em um processo dialético. Nas palavras de Reale (1990, p.189),<br />

“a dialeticidade que anima a vida jurídica, em todos os seus campos, reflete a bipolaridade<br />

dos fatores que a informa.” Por isso sempre existe certo e errado; autor e réu; belo e feio;<br />

nobre e vil.<br />

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A implicação representa o fato de que os valores, vistos sob essa lente, se implicam<br />

reciprocamente, na medida em que nenhum deles se realiza sem influir na realização dos<br />

demais, sendo este conceito correlacionado com a bipolaridade.<br />

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A referibilidade se relaciona com uma necessidade de sentido, tendo em vista que os<br />

valores traduzem a natureza da condicionalidade humana, que só se realiza quando se<br />

inclina a um “ser como deve ser”. É nesse sentido que os valores são definidos como<br />

entidades vetoriais, de ser um sentido para alguém. E por conta disso, é que são<br />

determinantes para a conduta humana:<br />

Viver é tomar posição perante valores e integrá-los em nosso ‘mundo’, aperfeiçoando<br />

nossa personalidade na medida em que damos valor às coisas, aos outros homens e<br />

a nós mesmos. Só o homem é capaz de valores e somente em razão do homem a<br />

realidade axiológica é possível. (REALE, 1990, p.190).<br />

Uma quarta característica dos valores é a preferibilidade. Por ela, a teoria do valor tem<br />

como conseqüência uma teleologia, ou seja, uma teoria dos fins. Diante dessa realidade o<br />

fim não é senão um valor enquanto racionalmente reconhecido como motivo de conduta.<br />

Pelo fato de o valor ser o reflexo de uma época ou realidade histórica, tem-se a possibilidade<br />

de ordenação (graduação hierárquica), revelando também a incomensurabilidade e<br />

historicidade, expressada por uma tábua de valores que reflete os interesses predominantes<br />

em um determinado lapso temporal. Trata-se do historicismo axiológico:<br />

No nosso modo de ver, os valores não possuem uma existência em si, ontológica,<br />

mas se manifestam nas coisas valiosas. Trata-se de algo que se revela na experiência<br />

humana, através da História. Os valores não são uma realidade ideal que o homem<br />

contempla como se fosse um modelo definitivo, ou que só possa realizar de maneira<br />

indireta, como quem faz uma cópia. Os valores são, ao contrário, algo que o homem<br />

realiza em sua própria experiência e que vai assumindo expressões diversas e<br />

exemplares, através do tempo. (REALE, 1990, p.208).<br />

Pela objetividade, os valores se impõem objetivamente às experiências subjetivas,<br />

exigindo que sejam analisados sob a doutrina da força vinculante ou normativa dos valores.<br />

Surge desse fenômeno a não coincidência integral com a consciência de cada indivíduo,<br />

ocorrendo sempre uma superação na forma de processo dialético, envolvido pela dimensão<br />

histórica do homem, em referência a um sujeito. Assim, a objetividade dos valores é relativa,<br />

embora não lhes falte imperatividade.<br />

A realizabilidade e inexauribilidade devem ser analisadas em conjunto, pois a<br />

realidade e o valor se implicam e se complementam, sendo correto afirmar que “o mundo da<br />

cultura obedece a um desenvolvimento dialético de complementaridade.” (REALE, 1990,<br />

p.207).<br />

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Aliado a essas considerações, Miguel Reale é sempre lembrado pela sua teoria da<br />

tridimensional do Direito, que agrega fato – valor – norma. Na forma do seu entendimento, o<br />

qual é acolhido por muitos doutrinadores, o Direito seria o resultado da soma dos três fatores<br />

expostos: o fato é representado pela conduta humana; a norma é a ordenação bilateralatributiva<br />

de fatos segundo valores e o valor seria a concretização da idéia de justiça. Nas<br />

palavras do autor:<br />

Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato<br />

subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.); um<br />

valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a<br />

ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e<br />

finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um<br />

daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. Tais elementos ou fatores (fato, valor e<br />

norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade<br />

concreta. Mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente,<br />

mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade<br />

histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e<br />

dialética dos três elementos que a integram. (REALE, 2002, p.65).<br />

“O Direito há de ser tomado numa tríplice dimensão: como fato, como norma e como<br />

valor, no exato sentido em que a desenvolveu a teoria tridimensional do Direito de Frechner e<br />

do insigne jusfilósofo brasileiro que é o Prof. Miguel Reale.” (PAUPÉRIO, 1977, p.121).<br />

Diante dessa concepção, Reale considera o Direito como uma ordem garantida do bem<br />

comum com a estrutura tridimensional bilateral-atributiva do Direito, segundo a interação<br />

normativa de fatos segundo valores. O ser humano seria a fonte dos valores que se agregam<br />

a ordem jurídica vigente, sem esquecer a realidade histórica da época.<br />

b) Em Hans Kelsen<br />

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Hans Kelsen concebia o Direito como uma ciência pura, pregando a sua avaloração.<br />

Pelo seu entendimento, o valor somente poderia ser encontrado no “ser” e o Direito era um<br />

“dever-ser” (KELSEN, 2001, p.205). Assumindo tal postura, o próprio Kelsen afirma que sua<br />

intenção é atingir a teoria pura por meio de um método puro: “O Direito não é puro, somente<br />

a teoria do Direito pode ser pura.” (KELSEN, 1986, p.56). A essa mesma conclusão chega<br />

Arnaldo Vasconcelos no seu repasse crítico a teoria kelseniana. (VASCONCELOS, 2003, p.<br />

111).<br />

A Teoria Pura do Direito, concebida por Hans Kelsen (2006, p.65), é marcada por um<br />

caráter formalista e purista, que tinha como principal objetivo afastar os valores e garantir a<br />

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neutralidade da ciência do Direito. Nesse contexto, o Direito era considerado, “um recorte do<br />

quadro geral do conhecimento científico." (VASCONCELOS, 2003, p.35).<br />

Kelsen baseava-se na existência de uma norma hipotética fundamental que servia de<br />

sustentáculo para qualquer ordenamento jurídico, cuja função era assegurar a unidade<br />

formal do ordenamento e não era posta, mas sim pressuposta: “uma norma que cria a<br />

suprema fonte do direito, isto é, a que autoriza ou legitima o supremo poder existente num<br />

dado ordenamento a produzir normas jurídicas.” (BOBBIO, 2006, p. 201).<br />

Na forma do seu pensamento, o motivo de validade de uma norma é sempre outra<br />

norma e não um fato. A função deste seria condicionar a existência da norma (conditio sine<br />

qua non). Invocando a norma hipotética fundamental, “a norma jurídica inferior possui<br />

validade porque foi criada em conformidade com as cláusulas da norma superior.” (KELSEN,<br />

2001, p. 213).<br />

Era uma concepção puramente normativista, que tendia a retirar qualquer<br />

possibilidade de incidência de valores na esfera jurídica, bem como os elementos históricos,<br />

sociológicos, políticos, psicológicos. É uma força política capaz de pôr normas para toda a<br />

sociedade e de impor-lhes observância. Pode-se assim definir essa norma fundamental:<br />

Esta norma-base não é positivamente verificável, visto que não é posta por outro<br />

poder superior qualquer, mas sim suposta pelo jurista para poder compreender o<br />

ordenamento: trata-se de uma hipótese, um postulado ou um pressuposto do qual se<br />

parte no estudo do direito. (BOBBIO, 2006, p.201).<br />

O postulado que domina o pensamento de Hans Kelsen (VASCONCELOS, 2003,<br />

p.82) é o da intransitividade dos mundos do “ser” e “dever-ser” e por isso concebeu em sua<br />

teoria a norma hipotética fundamental como o último critério de validade do ordenamento<br />

jurídico. Nesses termos, uma norma apenas pode ser deduzida de outra norma e um dever-<br />

ser só pode ser derivado de outro dever-ser. Kelsen considerava que o jurista deveria se<br />

limitar à própria ordem jurídica, sem se importar com as finalidades de sua criação.<br />

Em apertada síntese, pode-se afirmar que as características da Teoria Pura do Direito<br />

são as seguintes: como ciência, tinha por objetivo manejar o senso crítico a partir de uma<br />

racionalidade que guiava seu instrumental teórico; o jurista deveria se fechar no mundo<br />

jurídico e não deixar que searas de outras disciplinas interferissem na sua atividade e tinha<br />

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por escopo principal a purificação do método jurídico, eliminando elementos estranhos à<br />

essa natureza. Veja-se o que diz Agostinho Ramalho Marques Neto sobre a teoria<br />

kelseniana:<br />

A grande preocupação de Kelsen é construir uma ciência do Direito que tenha um<br />

objeto puro, livre de qualquer contaminação ideológica, política, econômica, etc,<br />

essencialmente jurídico e, como tal, passível de ser identificado sem maiores<br />

dificuldades. (MARQUES NETO, 2001, p.163).<br />

Considera que todo valor surge em função de interesses (desejos, volições, v.g.), a<br />

que denomina atitude motor-afetiva: “um valor existe quando um interesse, isto é, um fato<br />

psíquico, existe; deixa de existir quando esse fato psíquico desaparece ou se modifica.”<br />

(KELSEN, 2001, p.205). A essa constatação ele denominou teoria do interesse.<br />

Complementando seu raciocínio, arremata:<br />

A aplicação da teoria do interesse aos valores de Direito é o resultado de uma<br />

identificação falaciosa da norma jurídica com o ato por meio do qual ela é criada. A<br />

norma e o ato que cria a norma são duas entidades que devem ser mantidas<br />

nitidamente separadas. Não fazer essa distinção torna impossível obter uma descrição<br />

satisfatória do fenômeno do Direito. (KELSEN, 2001, p.207).<br />

De posse desses argumentos, divide os valores em duas espécies: valores de justiça<br />

(lícito e ilícito) e valores de direito (justo e injusto), analisando-os sob a ótica de um juízo<br />

atributivo. Assim, como o juízo de valor é enunciado de um “ser” e não de um “dever-ser”,<br />

resulta todo o processo de cognição em uma vontade despiscologizada. Diferencia ainda<br />

valores subjetivos e objetivos. Aqueles se verificam quando seu objeto é valorável apenas<br />

para os que estão interessados (teoria do interesse); estes surgem quando seu objeto for<br />

valorável para todos, sendo o caso da norma, determinada por fatos objetivamente<br />

verificáveis.<br />

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que Hans Kelsen pregava a existência da<br />

ciência do Direito desvinculada dos pontos de vista político, moral, econômico. Kelsen foi<br />

alvo de muitas críticas, pois é inconcebível analisar o ordenamento jurídico isoladamente.<br />

c) Em Arnaldo Vasconcelos<br />

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Em sua obra Teoria da Norma jurídica, Arnaldo Vasconcelos considera que a<br />

normatividade é essencialmente valorativa, servindo de critério para a juridicidade. Chama de<br />

fato sociológico da eficácia (VASCONCELOS, 2006, p.19) a ingerência dos fatos sociais na<br />

fundamentação da justiça na norma.<br />

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Nas suas palavras, como este valor decorre do fato, não há como deixar de ressaltar a<br />

importância de sua seleção. Não se deve olvidar a necessidade de legitimidade que deve ser<br />

conferida ao Direito, “seja política ou jurídica, resolvendo-se sempre pela compatibilização<br />

dos valores dos sistemas respectivos com os valores do grupo social que os mantém.”<br />

(VASCONCELOS, 1998, p. 26).<br />

Concorda com Miguel Reale sobre a tridimensionalidade do Direito, afirmando que<br />

este também é um fato, imprescindível ao progresso social e se impõe através da força<br />

normativa dos fatos. Para ele, o fenômeno jurídico é um processo dialético e a norma é<br />

produto da interação “implicação – polaridade”, que existe entre fato e valor. Nesse contexto,<br />

a base da norma é o fato axiologicamente dimensionado, ocorrendo uma renovação com a<br />

aplicação cotidiana. Este processo evidencia o dinamismo do Direito e sua força social,<br />

respondendo por sua vitalidade por meio de uma interpretação evolutiva. Nas suas palavras:<br />

Fica manifesto, pois, que o Direito, visualizado sob o prisma de sua tridimensional<br />

estrutura axiológica, reveste configuração eminentemente humanista e democrática.<br />

Não há como tergiversar: a prova dos fatos é patética. Considere-se, ao caso,<br />

qualquer regime autoritário da época que se desejar, de direita ou de esquerda, tanto<br />

faz, e observar-se-á como o Direito, aí manipulado é flagrantemente antidemocrático e<br />

anti-humanístico. Desse modo, para que o homem preserve sua dignidade de ser<br />

racional, não há escolha: a via única é a da concepção tridimensional do Direito na<br />

qual superiormente se realiza a compatibilização dos valores da juridicidade, da<br />

justiça e da legimitidade. (VASCONCELOS, 1998, p.27).<br />

O Direito é, portanto, um complexo totalizante que agrega os aspectos normativos,<br />

axiológicos e fáticos de uma sociabilidade. No primeiro plano, a conduta se caracteriza como<br />

humana; em seguida recebe o qualitativo de social; depois será econômica, religiosa, política<br />

e finalmente, esse ato humano, social, econômico, político, religioso se torna jurídico, para<br />

ser objeto de proteção jurisdicional (VASCONCELOS, 2003, p.118). Uma abordagem sem<br />

essa interdisciplinaridade será incompleta e parcial, pois o universo jurídico é muito mais<br />

amplo do que o âmbito puramente normativo.<br />

2 NEUTRALIDADE DA <strong>CIÊNCIA</strong><br />

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O cientista tem como principal objetivo encontrar uma teoria que seja pura e<br />

abrangente para explicar um determinado fenômeno observado. O conhecimento “constitui o<br />

instrumento pelo qual a consciência cognoscente apreende o seu objeto.” (HESSEN, 1964,<br />

p.27). Sobre as teorias científicas, Agostinho Ramalho Marques Neto (2001, p.47) considera<br />

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que estas resultam sempre de um processo ativo de construção. A característica<br />

fundamental de uma ciência é a sua avaloratividade, que reside na distinção entre juízos de<br />

fato, que representam uma tomada de conhecimento da realidade, cuja finalidade é apenas<br />

informar uma constatação, e juízos de valor, que são uma tomada de posição frente à<br />

realidade, de forma a influir sobre as escolhas dos indivíduos.<br />

Na ciência não se incluem os juízos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento<br />

puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos são sempre subjetivos ou pessoais e<br />

conseqüentemente contrários à exigência da objetividade. (BOBBIO, 2006, p.135). Veja-se o<br />

que afirma Arnaldo Vasconcelos sobre o processo científico:<br />

A ciência, vista fundamentalmente como atividade, é algo da ordem do agir, do fazer.<br />

Nesse sentido, é processo, vale dizer, empreendimento desdobrável em diversas<br />

fases. Pelo menos quatro: 1) o período inicial da valoração e coleta de dados; 2)<br />

aquele concernente à formulação da hipótese ou teoria; 3) o período dedicado à sua<br />

refutação, geralmente o mais longo deles; 4) a fase final destinado à elaboração das<br />

leis ou normas respectivas, com o qual se conclui o ciclo do trabalho científico.<br />

(VASCONCELOS, 2008, p. 28)<br />

Para estudar um objeto cientificamente, deverá ser adquirido o conhecimento<br />

necessário para tanto, sabendo o que deverá refutar para conseguir o maior grau de pureza<br />

possível (POPPER, 1982, p.284). Através de métodos científicos, que sofrem constantes<br />

evoluções com a apreensão de diferentes constatações, o mesmo cientista pode ter uma<br />

impressão nova por utilizar um método diverso do anteriormente aplicado. Um mesmo objeto<br />

pode ser analisado sob diferentes primas, que podem ser metaforicamente comparados a<br />

lentes de cores diferentes: “a experiência revela-nos que um processo segue o outro”<br />

(HESSEN, 1964, p.59). Interessante notar o posicionamento de Machado Paupério:<br />

Assim, as essências de valor não são infensas à experiência científica. Os programas<br />

para a reforma progressiva, à guisa de melhoramento do direito, orientados por juízos<br />

estimativos, implicam em si a consideração dos conhecimentos sociológicos gerais e,<br />

portanto, a investigação social concreta sobre o fato que se deseja disciplinar.<br />

(PAUPÉRIO, 1977, p.05).<br />

[...]<br />

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Afinal, também a objetividade e a neutralidade axiológica constituem em si valores. E<br />

como a neutralidade axiológica é em si mesma um valor, a exigência de uma total<br />

ausência de valores, de uma completa neutralidade valorativa é paradoxal.<br />

(PAUPÉRIO, 1977, p.22).<br />

Infere-se deste fato que a tentativa do conhecimento não é uma mera reprodução da<br />

realidade, mas sim uma transfiguração em estruturas teóricas que o transformam através da<br />

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ação. Invocando Platão, aquilo que é encontrado no mundo são aparências do que se pensa<br />

ver, localizado no mundo das idéias. No mundo real, este mesmo objeto é valorado pelos<br />

indivíduos, que, sobre ele, emitem um juízo de valor. Para Johannes Hessen (1964, p.28) os<br />

objetos podem ser reais ou ideais. Chama-se real a tudo o que é dado pela experiência<br />

externa ou interna, ou dela se infere. Os objetos ideais apresentam-se pelo contrário, como<br />

irreais, como meramente pensados.<br />

Com relação à neutralidade da ciência, pelo fato de o estudo ser uma interação entre<br />

“indivíduo – método – objeto”, elementos que, por sua natureza, são passíveis de valoração,<br />

confirmando a impossibilidade de se atribuir neutralidade axiológica ao processo científico.<br />

Imagine-se a situação de um magistrado que, ao proferir uma decisão, se afaste totalmente<br />

da sua cultura, moral, crenças.<br />

Pelo fato de se tratar de um ser humano, é influenciado constantemente pelo meio<br />

social, devendo, ser imparcial no seu ofício, por exigência da legitimidade de sua atividade<br />

jurisdicional. Nesse contexto a neutralidade é impossível. Especificamente na ciência do<br />

Direito, sob o olhar de Claus-Wilhelm Canaris:<br />

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A hipótese de que a adequação do pensamento jurídico-axiológico ou teleológico seja<br />

demonstrável de modo racional e que, com isso, possa abarcar num sistema<br />

correspondente, está suficientemente corroborada para poder ser utilizada como<br />

premissa científica. (CA<strong>NA</strong>RIS, 2002, p.74).<br />

Isso porque o juiz encontra-se sempre condicionado pelos seus valores ético-políticos,<br />

fatores que lhe retiram a neutralidade para julgar, o que não se identifica com sua<br />

imparcialidade, indispensável para o exercício da jurisdição. Agostinho Ramalho Marques<br />

Neto (2001, p.129-130) considera que só há Direito dentro do espaço social e o fenômeno<br />

jurídico existe dentro dessa tessitura e não num estado puro. Ressalta ainda o papel da<br />

Dialética no Direito, ao asseverar que:<br />

A dialética, tanto em sua feição genética, como, sobretudo em suas modalidades<br />

histórica e crítica, é que melhor fornece referencial teórico para o seu estudo,<br />

questionando inúmeras verdades estabelecidas e contribuindo para destruir muito do<br />

dogmatismo secularmente tem caracterizado a formação do jurista. A dialética estuda<br />

o Direito dentro do processo histórico em que ele surge e se transforma, e não a partir<br />

de concepções metafísicas formuladas a priori. (MARQUES NETO, 2001, p.131).<br />

A neutralidade da ciência é uma questão que se relaciona com a objetividade<br />

científica, sendo esta entendida como um processo de constante objetivação, devendo<br />

ocorrer uma abstração do objeto (BACHELAR, 2007). Também vale ressaltar o processo de<br />

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inacabamento das ciências, que sempre estão se aperfeiçoando para ser possível adequarse<br />

à realidade, em constante movimento. Segundo Urbano Zilles (2006, p.237), o<br />

conhecimento científico é uma concordância aproximada com o seu objeto, tendo como<br />

pontos de partida as idéias. Nesse contexto, a neutralidade axiológica não passa de uma<br />

miragem, mistificação, mantida a serviço de escolhas políticas ou ideológicas. Hilton<br />

Japiassú é bastante claro ao asseverar que:<br />

[...] a atividade científica não pode ser considerada como um templo sagrado. Ela é<br />

uma atividade humana e social como qualquer outra. Está impregnada de ideologias,<br />

de juízos de valor, de argumentos de autoridade, de dogmatismos ingênuos,<br />

chegando mesmo a ser desenvolvida em instituições fechadas, verdadeiras ‘seitas’<br />

científicas, com suas linguagens próprias, para não dizer ‘dialetos’. (JAPIASSÚ, 1981,<br />

p.58-59).<br />

Tem-se, diante de tais argumentos, que os valores estão intrinsecamente ligados ao<br />

processo científico, por envolver o homem na sua estrutura e, diante das condições sociais,<br />

sofrer a inevitável interferência dos valores que envolvem um meio em determinado período<br />

histórico.<br />

3 A VISÃO AXIOLÓGICA <strong>DO</strong> <strong>DIREITO</strong><br />

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A Axiologia ou Teoria dos Valores pressupõe problemas que se relacionam à essência<br />

de algo que se valora, levando em consideração a projeção histórica que circunda o homem<br />

e determinando um foco de estimativa que dá sentido ao seu conceito de vida. Surgem duas<br />

formas de abordagem do Direito: as definições valorativas (ideológicas, deontológicas) e as<br />

avalorativas (fatuais, ontológicas). As valorativas possuem uma estrutura teleológica e<br />

definem o Direito como um ordenamento que serve para conseguir certo valor. As<br />

avalorativas analisam o Direito de forma estritamente fatual, como uma simples técnica,<br />

independente de propósito ou valor.<br />

Como defensores das definições valorativas podem ser citados como exemplos<br />

Aristóteles, Gustav Radbruch (1997, p.110) - “Direito é a realidade que tem seu significado<br />

no servir ao valor jurídico, isto é, à idéia de justiça” -, Immanuel Kant (2003, p.76) – “O Direito<br />

é o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio de um pode entrar em acordo com o<br />

arbítrio do outro, segundo uma lei universal da liberdade”. Já das avalorativas tem-se os<br />

nome de Thommas Hobbes, Hans Kelsen (1995, p.19) – “O Direito é a técnica social que<br />

consiste em obter a desejada conduta dos homens mediante a ameaça de uma coerção a<br />

ser aplicada em caso contrário”-, Austin.<br />

11


“O Direito é uma modalidade de expressão do comportamento social: onde há ação<br />

humana, existe o Direito para regulamentá-la.” (REALE, 1990, p.373). A experiência jurídica<br />

deve ser avaliada à luz de duas premissas: análise fenomenológica da realidade e a reflexão<br />

como vigência no processo das idéias. Isso quer dizer que o Direito possui um forte elemento<br />

histórico, que deve ser analisado em conjunto com significações (valorações) aliado ao<br />

contexto da época em que o fato se verificou. Miguel Reale é bastante claro ao asseverar<br />

que:<br />

O Direito, portanto, possui conteúdo histórico que nos cabe analisar como conjunto de<br />

significações, e não apenas como seqüência mais ou menos regular de fatos. Não<br />

basta, por conseguinte, acolher um fato como se fosse jurídico, pois importa verificar<br />

como é que foi ‘recebido’ como tal através do tempo. A compreensão históricoaxiológica<br />

deve completar a outra, ou seja, a resultante da descrição e da redução<br />

fenomenológica, insuficiente porque revelada de maneira estática, posto entre<br />

parêntesis o elemento dinâmico da História: no ato em que o objeto de uma pesquisa<br />

histórico-cultural se reflete na consciência transcendental, esta se põe como<br />

temporalidade. (REALE, 1990, p.368).<br />

Na acepção jurídica, os valores podem ser considerados sob a ótica de uma realidade<br />

observável, aprovando ou desaprovando a avaliação comum de determinadas condutas<br />

humanas. Nesse sentido, o Direito é, na verdade, um dever-ser e não um ser, na medida em<br />

que baliza a atuação social dos que se encontram sob o seu manto. “De certo modo, o<br />

Direito não se pode compreender senão no círculo de comportamento impregnado de valor.”<br />

(PAUPÉRIO, 1977, p.121).<br />

A atitude dos intérpretes/aplicadores jurídicos deve se pautar por uma tomada de<br />

posição perante os fatos que, na conduta humana, se referem a valores, evidenciando desta<br />

forma a importância da Axiologia ou Teoria dos Valores para a ciência do Direito, uma vez<br />

que esta enuncia um dever-ser: “um ser que deve ser é o que é a norma, sem mais nem<br />

menos.” (VASCONCELOS, 2003, p.99).<br />

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Nas palavras de Arnaldo Vasconcelos (1998, p.18), “o Direito penetra no mundo social<br />

quando ocorre o fato, suporte da norma. Isso se dá tanto por pura convenção humana, o que<br />

é comum, quanto por obra da natureza erigida em critério humano, o que é excepcional”. O<br />

Direito é incapaz de se expressar por si mesmo, sendo indispensáveis as exigências<br />

axiológicas para dimensionar o seu conteúdo. O conceito de justo e legítimo, embora de<br />

complexa definição, se relacionam diretamente com essa concepção: “o Direito, inclusive<br />

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para merecer o acatamento geral que o tornará eficaz, deve, pois, requalificar-se. Precisa ser<br />

também justo. Direito justo.” (VASCONCELOS, 1998, p.23).<br />

As considerações acima ressuscitam a discussão entre o direito natural e o direito<br />

positivo (BOBBIO, 2006, p.135), haja vista que os jusnaturalistas negam a qualidade de<br />

Direito aos que consideram como Direito injusto, dado que, para eles, o justo é o próprio<br />

Direito. Em contrapartida, os positivistas, ancorados no pensamento kelseniano, afirmam que<br />

a noção de justiça é estranha ao conceito de Direito, podendo ser justo ou injusto e continuar<br />

sendo Direito.<br />

A unidade do ordenamento jurídico não é uma concepção exclusiva do positivismo. A<br />

diferença de abordagem entre jusnaturalistas e juspositivistas se dá nos seguintes termos:<br />

para os primeiros, se trata de uma unidade substancial, que se relaciona diretamente com o<br />

conteúdo; para os positivistas é uma unidade formal, o modo pelo qual as normas são<br />

postas. Para Hugo de Brito Machado Segundo (2008, p.46), “as normas jurídicas são muito<br />

importantes, o que não quer dizer que sejam o exclusivo objeto das atenções do cientista do<br />

Direito, que há de compreendê-las há luz da realidade factual nelas disciplinadas e dos<br />

valores que orientam esse disciplinamento”.<br />

Resta clara a importância da escolha do fato para servir de suporte à norma jurídica,<br />

exigindo uma apreciação de índole axiológica. Quando ocorre a positivação, não devem ser<br />

olvidados os ditames que justificam o humanismo e a democracia, diretamente vinculados à<br />

dignidade da pessoa humana. Sobre esse aspecto, Claus-Wilhelm Canaris assevera que:<br />

Deve-se por isso, quando não se queira negar radicalmente o entendimento<br />

tradicional da Ciência do Direito, enquanto empreendimento metodologicamente<br />

orientado, assente em argumentos racionais, apoiar a possibilidade de um sistema<br />

axiológico ou teleológico, pelo menos por hipótese. (CA<strong>NA</strong>RIS, 2002, p.71).<br />

O Direito, para ser justo e legítimo, deve ser somado a outros elementos, de forma a<br />

contemplar a denominada Tridimensionalidade jurídica, ancorada pelo trinômio “fato – valor –<br />

norma”. Entre esses elementos ocorre uma interação, interdependência e relação de<br />

complementaridade. Pode-se afirmar que o Direito não existe sem essa configuração. Essa<br />

doutrina possui em Miguel Reale um dos expoentes mais significativos, enaltecendo o<br />

caráter de juridicidade do Direito. Para ele, “fatos, valores e normas se implicam e se exigem<br />

13


eciprocamente, o que, como veremos, se reflete também no momento em que o jurisperito<br />

interpreta uma norma ou regra de direito para dar-lhe aplicação.” (REALE, 2002, p.66).<br />

A idéia central do Direito é a aplicação dos seus ditames ao caso concreto,<br />

representando, desta forma, um valor na vida: “a ordenação sistemática inclui valores em si e<br />

isso não vale apenas para a formação do sistema através da ciência e da jurisprudência,<br />

mas também para as construções do legislador.” (CA<strong>NA</strong>RIS, 2002, p.179). Reconhecendo a<br />

importância desse tridimensionalismo, Arnaldo Vasconcelos (2006, p.17) afirma que:<br />

Reside a originalidade da teoria de Miguel Reale, como ele mesmo o ressalva, em ser<br />

concreto e dinâmico o seu tridimensionalismo. Essas qualidades se manifestam<br />

mediante duas postulações básicas: 1ª – ‘Fato, valor e norma estão sempre presentes<br />

e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, seja ela estudada pelo<br />

filósofo ou o sociólogo do Direito, ou pelo jurista como tal [...]; 2ª – ‘A correlação entre<br />

aqueles três elementos é de natureza funcional e dialética, dada a implicaçãopolaridade<br />

existente entre fato e valor, de cuja tensão resulta o momento normativo,<br />

como solução superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e de tempo.<br />

(grifos originais).<br />

[...]<br />

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A base da norma é o fato, sem dúvida, mas o fato axiologicamente dimensionado.<br />

Essa apreciação se dá quando do surgimento da norma, renova-se todas as vezes<br />

que ela é aplicada: os fatos e valores originais são trazidos à compatibilização com os<br />

fatos e os valores do momento presente. Esse processo evidencia o dinamismo do<br />

Direito e responde por sua vitalidade. (VASCONCELOS, 2006, p. 18).<br />

Essa dinâmica implica ainda na existência de ordem e justiça quando se verifica a<br />

segurança e certeza numa dada ordem social, sendo conceitos interdependentes: “sem<br />

ordem não há como fazer justiça e sem justiça não há meio de manter a ordem.”<br />

(VASCONCELOS, 2006, p.18). O que se faz na prática jurídica é a normatização dos<br />

princípios gerais do Direito, objetivando adequar os valores que eles carregam no seu âmago<br />

às situações advindas do convívio social, resultando o Direito de uma multiplicidade de<br />

elementos. Não se devem olvidar as influências de questões morais, religiosas, políticas e<br />

econômicas no ordenamento, que muitas vezes são determinantes na esfera legislativa e<br />

dão mobilidade ao mundo jurídico. Nas palavras de Machado Paupério:<br />

O direito positivo, ainda que não se constitua de meras essências de valor, é uma<br />

obra humana de interpretação e de realização valorativa, dentro das circunstâncias<br />

históricas que encontra. Em sua relação recíproca com a justiça, nem sempre direito<br />

positivo alcança o grau desejável, para tornar-se o direito justo a que todos nós<br />

aspiramos. Contudo, não existe norma de direito positivo sem valoração. A norma<br />

positiva é sempre expressão de um juízo de valor. Sem este, não existiria o próprio<br />

direito positivo. (PAUPÉRIO, 1977, p.163).<br />

14


Diante do exposto, não resta outro caminho senão concluir que, por meio do<br />

tridimencionalismo do Direito, se chega à compatibilização dos valores da juridicidade, justiça<br />

e legitimidade, devendo a ciência jurídica ser visualizada sob o prisma de sua estrutura<br />

axiológica.<br />

CONCLUSÃO<br />

Resta claro que o Direito não está restrito ao ordenamento jurídico, pelo contrário:<br />

engloba não só o previsto na legislação, mas também os elementos que, em conjunto,<br />

formam a sociedade, cumprindo a esta o papel de legitimar os balizamentos jurídicos<br />

existentes em dado Estado. O art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil versa que quando<br />

a lei for omissa, o juiz decidirá com base nos costumes, princípios gerais do direito e<br />

analogia.<br />

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A explicação para esta constatação reside no fato de existirem valores diversos que,<br />

amparados na teoria tridimensional do Direito, forma um elo com os fatos e as normas,<br />

construindo o trinômio fato – valor – norma, dando sustentáculo para o caráter axiológico da<br />

ciência jurídica. O Direito assim visualizado passa a ter um delineamento humanista e<br />

democrático, passando a ser justo e legítimo. Os valores existem nesse âmbito para<br />

legitimar a vontade legislativa, que nada mais faz senão reconhecer e representar os anseios<br />

sociais, que se expressam através dos valores. Sendo assim, a visão axiológica do Direito é<br />

uma postura que se coaduna com as exigências de um Estado Democrático de Direito.<br />

Os fatos valorados ensejam a criação das normas, sendo uma espécie de matéria<br />

prima do Direito, representando a forma de aderência ao mundo social. Na vivência do<br />

Direito, através dos fatos sociais, encontram-se os valores humanos, orientadores da<br />

vontade legislativa. Os valores representam, em outras palavras, a influência social nas<br />

normas jurídicas, que despertam no legislador a importância de sua inclusão no<br />

ordenamento.<br />

Assim, é notória a influência dos valores no âmbito do Direito, pois a vivência em uma<br />

sociedade complexa, formada por diversas ideologias, buscando objetivos nem sempre<br />

convergentes, torna necessária a existência de um ordenamento jurídico que, ao almejar<br />

promover a pacificação social, não pode ser concebido à base de uma ciência pura, isolando<br />

a realidade que o cerca.<br />

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REFERÊNCIAS<br />

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