Orações de sapiência - Universidade de Coimbra

ORAÇÃO DE TODAS AS PARTES DA FILOSOFIA
Ouçamos agora a que nos conduz do começo da fé à idade perfeita 78 e, impondo
preceitos a todas as fases da vida, instrui, por nós cristãos, os outros.
É ela que descreve o reino espiritual da Igreja e da Jerusalém Celeste, 79 inspira
à nossa mente a verdadeira doutrina da sabedoria e assuntos os mais inacessíveis
à ciência humana, 80 tudo isto inflamado por impulsos divinos. Uma tal irrupção de
fogo divino desce ao íntimo do peito, para que um espírito íntimo passe a animar o
céu, as terras, as superfícies líquidas, o disco luminoso da lua, os astros grandiosos,
e, difundindo-se por todos os pontos, esse espírito-pensamento agite toda a massa,
vindo a fundir-se num grande corpo. 81
Que grande graça eu conseguiria, se me fosse possível pôr-vos diante dos olhos
um quadro perfeito daquela Trindade Divina!
Aqui já me não é lícito exercitar-me com flores de retórica e afagar os ouvidos
com uma redundante linguagem oratória e adaptar ao meu pensamento textos que
não condigam.
Poderíamos, por exemplo, chamar a Virgílio um cristão sem Cristo por ter escrito:
Já regressa a Virgem, volta o reino de Saturno,
Uma nova raça desce já do alto do céu.
E referir ao Pai Eterno em conversa com o Filho:
Filho, tu só és a minha força, o meu grande poder.
E como sendo do Salvador na cruz as palavras:
Continuava a recordar tais coisas e permanecia pregado. 82
Como se fosse sistema de ensino notável e não antes muito defeituoso torcer
os pensamentos e repuxar aos nossos desejos textos incompatíveis. Como diz
S. Jerónimo, interessa conhecer o pensamento dos Apóstolos e dos Profetas, sobre
o Pai Eterno que indicou o Filho como mestre desta sacratíssima disciplina dizendo:
[20] Este é o meu Filho muito amado, ouvi-o! 83 Sobre aquele Divino Espírito que
finalmente ensinou tudo, 84 e sobre o próprio Cristo, antístite desta sabedoria, que a
nossa sacrossanta teologia celebra, como descido do céu à terra, para repelir todo
o erro e libertar das trevas o género humano.
Efectivamente vendo aquele mestre celestial a inteligência dos homens enredada
em muitos erros e presa a pecados sem conta, movido por divina benignidade,
assumiu inexplicavelmente a natureza humana, para que, escondendo-se sob o
aspecto e forma humana, nos arrebatasse da misérrima escravidão que nos oprimia
e nos restituísse à liberdade celeste. 85
Foi ele que expiou, com o seu sangue, os nossos crimes e extinguiu o império
do pestífero inimigo, para finalmente esconjurar a peste das nossas cabeças.
E foi não só por este meio que quis tratar as incuráveis doenças do género
humano, mas também mediante esta celeste disciplina e pelo exemplo da sua virtude
e santidade divinas. Ele mesmo, com a sua presença, dissipou a fuligem espalhada
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