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Revista da Abordagem Gestáltica - ITGT

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A r t i g o<br />

aí do ser, ou seja, que se rege na proximi<strong>da</strong>de do ser, do<br />

ser não como funcionali<strong>da</strong>de, mas do ser como eventoapropriador<br />

(Ereignis).<br />

Se essa for a questão, então o humano que hoje vigora<br />

não é tanto presença, mas ausência (Heidegger, 1994b,<br />

323). O que hoje celebramos como ser não é tanto ser,<br />

mas na<strong>da</strong>; o que hoje consideramos um na<strong>da</strong>, não é tanto<br />

um na<strong>da</strong>, mas ser numa plenitude ain<strong>da</strong> não pressenti<strong>da</strong>.<br />

Esta passagem é, portanto, uma guina<strong>da</strong> (Kehre) no<br />

ser e no humano. E a crise de nosso tempo pode guar<strong>da</strong>r<br />

em si a prenhez de uma decisão, que versa sobre esta<br />

passagem, ou seja, se ela acontece ou não, quer dizer, se<br />

aquela guina<strong>da</strong> se consuma ou não. Ou então, a decisão<br />

que versa sobre o fato de se esta decisão mesma acontece<br />

ou se ela simplesmente não acontece e o homem e o<br />

ser sigam vigorando como vigoram (ou como não vigoram)<br />

na hegemonia <strong>da</strong> funcionali<strong>da</strong>de. Em todo o caso,<br />

pensar em face a essa decisão que é um poder-ser, significa,<br />

sempre renunciar a to<strong>da</strong> futurologia e cálculo sobre<br />

o futuro e a aguar<strong>da</strong>r, na vigilância, o inesperado de<br />

uma outra parusia do ser e, por conseguinte, de uma outra<br />

essencialização do humano. A questão é: se <strong>da</strong> crise<br />

que abala os fun<strong>da</strong>mentos mesmos de uma história que<br />

vigora há cerca de dois milênios e meio, pode irromper<br />

uma outra regência do ser e uma outra vigência do humano.<br />

Neste contexto, se o pensamento também encontra<br />

um caminho de passagem para outro início em diálogo<br />

com as fontes do primeiro início, de onde vivem as<br />

possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> metafísica, cuja última ressonância é<br />

o domínio absoluto <strong>da</strong> tecnociência e o controle do real<br />

pelo virtual.<br />

À luz desta situação epocal, há que se ler de modo diverso<br />

o sentido de uma ontologia-fun<strong>da</strong>mental. Para começar,<br />

ontologia não é, aqui, uma disciplina que estu<strong>da</strong> o<br />

ente, mas sim um pensar que busca, pergunta, questiona,<br />

investiga o sentido do ser. Enquanto tal, ela fun<strong>da</strong>menta<br />

e supera, ao mesmo tempo, to<strong>da</strong> ontologia (Heidegger,<br />

1994b, p. 305). O que está em jogo aqui é, na ver<strong>da</strong>de,<br />

uma transformação no próprio perguntar do pensamento:<br />

a passagem do questionamento que pergunta pelo ser do<br />

ente (o que é o ente enquanto ente, isto é, o que é o ente<br />

no tocante ao ser?), que visa o ser como enti<strong>da</strong>de, para o<br />

questionamento que pergunta pela ver<strong>da</strong>de do ser mesmo,<br />

de seu desencobrimento e encobrimento, ou melhor, de<br />

seu abrir-se e clarear-se e de seu resguar<strong>da</strong>r-se e ocultarse.<br />

Isto significa: estar atento à ver<strong>da</strong>de do ser, ao modo<br />

como o ser, <strong>da</strong>ndo-se, se retrai; presenteando-se, se subtrai;<br />

destinando-se, se resguar<strong>da</strong>. Pensar é, neste sentido,<br />

deixar-se atrair pela força de tração do retraimento do<br />

mistério do ser nas destinações de nosso tempo. É estar<br />

atento ao na<strong>da</strong> na vigência do ser, ou seja, à ausência na<br />

presença e à presença na ausência, seguindo, nos cursos,<br />

percursos e discursos <strong>da</strong> linguagem, a dinâmica do tempo.<br />

Pensar é, pois, fun<strong>da</strong>r, no humano, o “medium” para<br />

o <strong>da</strong>r-se <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de do ser. É, por conseguinte, cofun<strong>da</strong>r<br />

o humano como presença: ser o aí-do-ser. Neste sentido, a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> Abor<strong>da</strong>gem <strong>Gestáltica</strong> – XVII(2): 158-171, jul-dez, 2011<br />

Marcos A. Fernandes<br />

ontologia fun<strong>da</strong>mental é uma arranca<strong>da</strong> para a passagem,<br />

um embalar-se para o salto, um primeiro movimento em<br />

favor <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de do ser no humano como<br />

presença. Isso comporta uma transformação do humano<br />

de senhor do ente em pastor do ser:<br />

O homem foi ‘lançado’ pelo próprio Ser na Ver<strong>da</strong>de<br />

do Ser, a fim de que, ec-sistindo nesse lançamento,<br />

guarde a Ver<strong>da</strong>de do Ser; a fim de que, na luz do Ser,<br />

o ente apareça como o ente que é. Se e como o ente<br />

aparece, se e como Deus e os deuses, a História e a<br />

natureza ingressam, se apresentam e se ausentam<br />

<strong>da</strong> clareira do Ser, isso não é o homem quem decide.<br />

O advento do ente repousa no destino do Ser. Para o<br />

homem, a questão é, se ele encontra o que é ‘destinado’<br />

à sua Essência, correspondente ao destino do Ser. Pois<br />

é de acordo com esse destino, que, como ec-sistente,<br />

ele tem de guar<strong>da</strong>r a Ver<strong>da</strong>de do Ser. O homem é o<br />

pastor do Ser. É somente nessa direção que pensa Ser e<br />

Tempo, ao fazer, ‘na Cura’, a experiência <strong>da</strong> existência<br />

ec-stática (Heidegger, 1967, p. 50s).<br />

Partindo, pois, destas indicações de Heidegger sobre<br />

a “Sorge” (cura, cui<strong>da</strong>do) em seu sentido ontológico, tentemos<br />

aprofun<strong>da</strong>r a sua compreensão e ver o que ela tem<br />

a ver com o amor.<br />

2. presença e ausência<br />

A primeira indicação diz: “Sorge” (cura, cui<strong>da</strong>do) é o<br />

nome para a constituição extático-temporal do traço fun<strong>da</strong>mental<br />

<strong>da</strong> presença (Dasein), a saber, <strong>da</strong> compreensão<br />

do ser. Como entender esta indicação?<br />

Em primeiro lugar, o que quer dizer presença (Dasein)?<br />

Em sentido usual na língua alemã Dasein significa estar<br />

aí. Heidegger usa a palavra francesa “présence” (presença),<br />

aludindo ao significado usual de Dasein. Aqui convém<br />

apresentar a citação na língua alemã, segui<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua<br />

tradução em língua portuguesa, para que apreen<strong>da</strong>mos<br />

este uso <strong>da</strong> palavra.<br />

No significado costumeiro, porém, quer dizer, por exemplo:<br />

a cadeira “está aí”; o tio “está aí”, ele chegou e está<br />

presente; <strong>da</strong>í: presença (Heidegger, 1994b, p. 300). 2<br />

No significado usual, pois, o verbo <strong>da</strong>sein quer dizer<br />

“estar aí”: presença. Em grego seria parousia. O nome parousia<br />

significa presença, aparecimento, vin<strong>da</strong>. A tradução<br />

para o latim é: adventus. Parousia remete ao verbo<br />

pareimi, estar presente, ter vindo. O que está aí é pensado,<br />

pois, como o que adveio ou sobreveio. Presença é<br />

a vigência do que advém e sobrevém. Perdendo-se de<br />

2 In der gewöhnlichen Bedeutung jedoch meint es z.B.: der Stuhl<br />

“ist <strong>da</strong>”; der Onkel “ist <strong>da</strong>”, ist angekommen und anwesend; <strong>da</strong>her<br />

présence. Grifos de Heidegger.<br />

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