09.06.2013 Views

Revista da Abordagem Gestáltica - ITGT

Revista da Abordagem Gestáltica - ITGT

Revista da Abordagem Gestáltica - ITGT

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O Cui<strong>da</strong>do como Amor em Heidegger<br />

possibili<strong>da</strong>des de atualização <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de uso<br />

e desfrute. Ele se empenha todo em atender e providenciar<br />

as condições destas possibili<strong>da</strong>des. Os cálculos sobre<br />

as chances de realizar tal atendimento e providência caracteriza<br />

a expectativa deste modo de se relacionar com<br />

a existência. Contudo, este modo de ser ansioso não se<br />

relaciona com o futuro como futuro, quer dizer, o futuro<br />

que aí está em questão não é o porvir <strong>da</strong> presença, ou<br />

seja, o vir a si-mesma <strong>da</strong> presença, mas o prolongamento<br />

<strong>da</strong> atualização. Portanto, na compreensão <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des<br />

de ocupação em que a presença se esquece de<br />

seu poder-ser mais próprio, vigora, na ver<strong>da</strong>de, uma incompreensão,<br />

um trancamento para a regência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

do si-mesmo. O cálculo <strong>da</strong>s expectativas conta<br />

com to<strong>da</strong>s as chances, só não conta com a morte. É que<br />

a morte apresenta-se como a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de<br />

(Heidegger, 1989, p. 46), ou seja, como aquela<br />

possibili<strong>da</strong>de latente, que é radical, pois é insuperável e<br />

irremissível, a possibili<strong>da</strong>de que anula to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des.<br />

A morte revela assim a niili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência,<br />

mostra o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> factici<strong>da</strong>de como abismo e recolhe<br />

a presença na sua finitude.<br />

A compreensão <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de, portanto, ou seja, o<br />

ser para aquele poder-ser que nadifica todo o poder-ser, é<br />

um abismar-se no qual a presença se desvia do adiantarse<br />

e antecipar-se que prolonga a atualização no arrebatamento<br />

do mundo e no esquecimento do si-mesmo; mas é<br />

também, ao mesmo tempo, um abismar-se que reenvia a<br />

presença para assumir aquele adiantar-se e antecipar-se<br />

no qual a presença se destranca para o poder-ser si-mesma.<br />

A compreensão <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de, portanto, enquanto<br />

possibili<strong>da</strong>de impossível se revela, paradoxalmente, como<br />

impossibili<strong>da</strong>de possível, ou seja, como impossibili<strong>da</strong>de<br />

possibilitadora do poder-ser si-mesmo. Com efeito, com a<br />

compreensão <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de, a finitude urge <strong>da</strong> presença<br />

o bem-viver, contudo, não mais um bem-viver que é interpretado<br />

a partir <strong>da</strong>s ocupações como uso e desfrute, mas<br />

um bem-viver que é interpretado a partir <strong>da</strong> obediência<br />

(ausculta) à voz silenciosa que conclama a presença para<br />

o poder-ser mais próprio. Assim, o abismar-se <strong>da</strong> compreensão<br />

<strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de se torna salto gracioso e gratuito<br />

<strong>da</strong> decisão, entendi<strong>da</strong> não como escolha disso ou <strong>da</strong>quilo,<br />

mas como escolha do poder-ser si-mesmo. A compreensão<br />

<strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de, portanto, é o aguilhão que deixa<br />

e faz a presença abrir-se para o seu poder-ser si-mesma.<br />

Isto quer dizer: ela é a provocação para a singularização<br />

<strong>da</strong> presença e, nessa singularização, para assumir a pertença<br />

ao mistério do ser, cujo véu se dá como mortali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> existência. O singular que a morte traz consigo é<br />

o fato de ela ser o convite para se deixar apropriar pela<br />

ver<strong>da</strong>de do ser, tanto em sua dimensão de desvelamento<br />

(apolínea), quanto em sua dimensão de velamento (hermética).<br />

A morte revela o mistério <strong>da</strong> existência, ou seja,<br />

ela mostra que o desvelado se enraíza no velamento, que<br />

o aberto está radicado no ocluso. Ela é o supremo estranhamento<br />

<strong>da</strong> familiari<strong>da</strong>de do ser-no-mundo. Ela é o baú<br />

do na<strong>da</strong>, do não-ente, e, enquanto tal, a testemunha do ser<br />

em seu caráter abissal. Paradoxalmente, porém, a compreensão<br />

do caráter abissal do ser não retira <strong>da</strong> presença<br />

o seu poder-ser si-mesma, antes, é ela que lhe possibilita<br />

esta possibili<strong>da</strong>de. Ela liberta, no sentido de destrancar<br />

a presença para o seu poder-ser si-mesma, ou seja, para<br />

a regência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, que é o acontecer <strong>da</strong> pertença<br />

à ver<strong>da</strong>de (desvelamento-velamento) do ser. Ela singulariza<br />

na solidão. Mas esta solidão é condição para to<strong>da</strong> e<br />

qualquer comunhão ver<strong>da</strong>deira.<br />

Graças à solidão e à singularização que se abre com<br />

a compreensão <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência, a presença<br />

pode se tornar, de fato e propriamente histórica. Histórica<br />

se torna a presença não quando entra em cena no palco<br />

<strong>da</strong> “história mundial”, a partir de seus feitos. Histórica<br />

se torna a presença quando seu existir se torna constante<br />

numa temporali<strong>da</strong>de originária. Originária é a temporali<strong>da</strong>de<br />

quando ela acontece a partir do porvir; quando<br />

o futuro deixa de ser o prolongamento <strong>da</strong> atualização e<br />

passa a ser a antecipação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do poder-ser; quando<br />

o passado deixa de ser esquecimento e passa a ser retoma<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> factici<strong>da</strong>de; quando o presente deixa de ser<br />

o atual e o atuante e passa a ser o instante. Só se torna<br />

histórica a presença que se recolhe no vigor do instante<br />

(Heidegger, 1989, p. 135).<br />

Por instante entende-se aqui, porém, não o instantâneo,<br />

o fugaz momento, o agora do tic-tac do relógio.<br />

Instante é, aqui, a coincidência, o encontro, a identi<strong>da</strong>de<br />

de futuro (como porvir, poder-ser, lance de abertura)<br />

e passado (como factici<strong>da</strong>de, ter-sido, ser-lançado). Este<br />

encontro, porém, se dá como decisão <strong>da</strong> presença, ou<br />

seja, como destrancamento <strong>da</strong> existência. Trata-se, porém,<br />

não <strong>da</strong> decisão como escolha disso ou <strong>da</strong>quilo, mas<br />

<strong>da</strong> decisão em que a presença se torna decidi<strong>da</strong>, isto é,<br />

livre para o poder-ser si mesma e para assumir a factici<strong>da</strong>de<br />

abissal <strong>da</strong> existência. Instante é o advir <strong>da</strong> joviali<strong>da</strong>de<br />

de ser, que assume a abissali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência<br />

como mistério <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de. Instante é o momento azado,<br />

o kairós, <strong>da</strong> libertação e <strong>da</strong> maturação <strong>da</strong> presença<br />

na ver<strong>da</strong>de do ser.<br />

5. Cui<strong>da</strong>do como Ser-com-o-outro<br />

O mundo que se abre com a própria abertura <strong>da</strong> presença<br />

a partir <strong>da</strong> temporali<strong>da</strong>de é também e de modo<br />

igualmente originário o mundo <strong>da</strong> convivência, do sercom-os-outros<br />

(Heidegger, 1988, p. 168-178). Se factual e<br />

onticamente o outro pode faltar, estar ausente, fáctica e<br />

ontologicamente o outro é sempre presente, melhor, copresente.<br />

O ser-com não é o resultado <strong>da</strong> ocorrência de<br />

uma plurali<strong>da</strong>de de sujeitos. O ser-com é estrutura a priori<br />

<strong>da</strong> existência. Neste sentido, duas coisas que ocorrem<br />

aí ou que estão à mão não são propriamente uma com<br />

a outra. Neste contexto, só são um com o outro aqueles<br />

entes que são no modo de ser <strong>da</strong> presença, que igual-<br />

167 <strong>Revista</strong> <strong>da</strong> Abor<strong>da</strong>gem <strong>Gestáltica</strong> – XVII(2): 158-171, jul-dez, 2011<br />

A r t i g o

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!