Texto Completo - Projeto HAM - História e Análise Midiática
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78 - Memória e conflito no Partido dos Trabalhadores<br />
Lins. Neste Congresso, o Presidente do Sindicato de<br />
Santo André, Benedito Marcílio, lançou a proposta<br />
que fora aprovada na plenária.<br />
Em poucas palavras, sua proposta era<br />
caracterizar o PT como um partido de classe,<br />
aberto a todos os trabalhadores e assalariados,<br />
excluindo-se apenas os empregadores. Sua<br />
missão seria a de levar a classe trabalhadora à<br />
20<br />
sua independência política .<br />
Depois da Carta de Lins, ficou decidido que<br />
uma comissão faria uma carta de princípios. É claro,<br />
havia muitos impasses ideológicos, estratégicos e<br />
táticos naquele momento: negociações com<br />
parlamentares do MDB, a questão do socialismo, se o<br />
partido deveria ser um partido de sindicalistas, etc.<br />
A resolução deste impasse veio na forma de<br />
uma carta de princípios que acendeu os debates<br />
novamente dentro da formação do Partido. A carta de<br />
princípios lançada por sindicalistas “radicais”, no<br />
dizer registrado em Oliveira, contrariava algumas<br />
posições do grupo que se constituiria no futuro como<br />
os “autênticos”, que rapidamente voltaram a<br />
acompanhar mais de perto as atividades do<br />
movimento pró-PT.<br />
Acendia-se a luta que marcaria toda a<br />
trajetória do PT: a disputa pelos rumos do partido<br />
entre as organizações clandestinas (e hoje entre as<br />
tendências) que fundaram o PT e os “petistas<br />
autênticos”. De certa forma, podemos achar nessa<br />
disputa pelas características da formação do partido o<br />
amanhecer deste conflito.<br />
João Paulo Pires Vasconcelos afirmava que a<br />
publicação do documento violava um acordo<br />
segundo o qual se deveria discutir a proposta do<br />
partido com as bases sindicais, antes de se fazer<br />
qualquer coisa com relação a sua<br />
implementação. Ele acusava o “Grupo dos<br />
Quatro” de vanguardismo, não só por causa de<br />
sua ação de esvaziamento preventivo, mas<br />
também, porque muitos dos seus membros<br />
pertenciam a partidos clandestinos<br />
21<br />
trotskistas ou eram deles simpatizantes .<br />
A partir daí surgiram alguns ataques às<br />
vacilações dos sindicalistas, principalmente na figura<br />
de Lula, considerado um grande líder operário, no<br />
empenho em fundar o Partido. E por outro lado, as<br />
críticas às “esquerdas”, feitas principalmente por<br />
Lula, vinham do entendimento de que “as esquerdas”<br />
queriam impor um ritmo teórico e político nas<br />
manifestações de massa para formar o Partido dos<br />
20 Idem. Ibidem, p. 122.<br />
21 KECK, Margaret E. A Lógica da Diferença: o Partido dos Trabalhadores na<br />
Trabalhadores, estabelecendo verdades e princípios<br />
esquematizados em teorias revolucionárias que<br />
estariam para além do trabalhador. Vemos neste<br />
conflito a necessidade de Wladmir Pomar adiar para<br />
outubro de 1979 o anúncio e o vínculo da “estrela de<br />
Lula” com o PT, desprivilegiar ou desmemoriar a<br />
atuação importante, e às vezes até central, que<br />
tomaram as esquerdas no início da construção do PT.<br />
Uma das características do mito apoiava-se<br />
num certo anticomunismo. Vinculava a imagem dos<br />
partidos de vanguarda a autoritarismo e imposição de<br />
doutrinas. Gerava um forte sentimento de<br />
representatividade dos trabalhadores manuais, que se<br />
expressavam através dos sindicalistas operários<br />
vinculados a Lula, guardiões da fala e do lugar<br />
operário no partido. Garantia de que os de baixo<br />
teriam lugar frente ao “dialeto” que os militantes das<br />
organizações revolucionárias traziam de fora. Vale a<br />
pena observar as duas citações abaixo para deixar<br />
claro como esse processo de diferenciação política se<br />
fortaleceu em uma autoridade autoproclamada de<br />
fundador, de “petista autêntico”:<br />
Interessa-nos que os companheiros não queiram<br />
fazer de nosso partido massa de manobra de suas<br />
propostas. Não aceitaremos, jamais, que os<br />
interesses dessas tendências se sobreponham,<br />
dentro do PT, aos interesses do Partido.<br />
Denunciaremos quantas vezes for preciso,<br />
certos desvios a que todos nós estamos sujeitos,<br />
como o economicismo, que pretende restringir a<br />
luta dos trabalhadores às conquistas imediatas<br />
de sua sobrevivência; o politicismo que de cima<br />
para baixo quer impor o seu dialeto ideológico<br />
aos nossos militantes, como se o discurso<br />
revolucionário fosse sinônimo de prática<br />
revolucionária; o colonialismo daqueles que se<br />
autodenominam vanguarda do proletariado sem<br />
que os trabalhadores sequer o conheçam; o<br />
esquerdismo, que exige do partido declarações<br />
ou posições que não se coadunam com seu<br />
caráter legal e a sua natureza popular; o<br />
voluntarismo dos que querem caminhar mais<br />
rápido que o movimento social; o eleitoralismo<br />
dos que desejam reduzir o PT a um trampolim de<br />
cargos eletivos e de projeções políticas; o<br />
burocratismo dos que nos criticam por ir as<br />
portas de fábrica e querem um partido bem<br />
organizado, mas sem bases populares; o<br />
oportunismo dos que só põem um pé dentro do<br />
PT e mantém o outro pronto a correr quando<br />
sentem que suas intenções não são aceitas pelos<br />
22<br />
trabalhadores .<br />
Eu só não permito, enquanto puder evitar,<br />
construção da Democracia Brasileira. São Paulo: Ática, 1991, p. 84.<br />
22 PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções... Op. Cit, p. 112.