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Texto Completo - Projeto HAM - História e Análise Midiática

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82 - Memória e conflito no Partido dos Trabalhadores<br />

partido, a origem do presidente também é operária.<br />

Mas, se formos pensar bem, o ex-metalúrgico, hoje<br />

Presidente, não deve entrar em uma fábrica para<br />

trabalhar há no mínimo duas décadas. Porém, a ênfase<br />

dada a essa questão dá a impressão de que Lula saiu da<br />

linha de montagem ontem. A construção/fabricação<br />

desta identidade de classe, de tipo economicista,<br />

afirma-se/reafirma-se como alternativa na<br />

manutenção de alguma espécie de identidade de<br />

classe com os trabalhadores brasileiros, haja vista a<br />

33<br />

experiência do ex-operário Lula e, assim como ele, a<br />

de tantos outros dirigentes petistas, ex-operários, exguerrilheiros,<br />

não se aparentarem, nem de longe, com<br />

a de um trabalhador metalúrgico dos dias de hoje. Na<br />

falta de aspectos hodiernos para relacionar o<br />

presidente à classe trabalhadora, como uma política<br />

da classe, a memória tenta se impor à política e o<br />

“mito fundador” se vincula ao projeto antagônico ao<br />

da fundação desta mesma memória. Igualmente<br />

fizeram alguns seguidores de Fernando Henrique,<br />

relacionando-o ao seu passado de tradição no campo<br />

da esquerda, ou da oposição democrática.<br />

A origem proletária choca-se com as novas<br />

condições do PT hoje. Este constitui um corpo sólido<br />

de parlamentares, prefeituras, governo e presidência<br />

da república, um aparato institucional gigantesco,<br />

uma fundação – a Perseu Abramo –, um largo leque de<br />

empresários como aliados, milhões e milhões em<br />

dívidas contraídas para as mega campanhas eleitorais<br />

realizadas com marqueteiros e agências de<br />

comunicação, optando assim, pelas mesmas<br />

estratégias eleitorais da burguesia, ao invés da velha<br />

criatividade proletária desenvolvida na campanha de<br />

1989, financiada, realizada e elaborada por<br />

34<br />

trabalhadores .<br />

Memória e pragmatismo político<br />

Percebe-se a dificuldade em “refundar” o<br />

partido – ainda que nem para os petistas essa<br />

refundação tenha sido clara – quando da dificuldade<br />

de traduzir essa memória para uma linguagem do<br />

PT/governo. Surgem, assim, novos valores que são<br />

apontados como valores políticos da época da<br />

fundação, tais quais: “O PT como partido do<br />

reformismo radical”; “valores humanísticos e<br />

civilizatórios que estão na sua origem”; “um partido<br />

identificado pela inclusão social, pela distribuição de<br />

33 No sentido que Thompson dá ao termo, do sentir e dar respostas cotidianas a<br />

determinadas relações sociais e de produção como formas de expressão comum<br />

de uma vivência material e cultural.<br />

34 Essa atividade de comunicação ganhou o nome de “Rede Povo”. A mesma,<br />

parodiava a Rede Globo e o seu velho e reconhecido “plim-plim”. Fitas VHS<br />

dos programas eleitorais das campanhas do PT de 1989. Em todos os cartazes<br />

da campanha de 1989 havia um recado direcionado ao trabalhador que pedia<br />

renda e pela constituição da cidadania”; ou como um<br />

partido “que aceitou as premissas do jogo político<br />

35<br />

democrático até as últimas conseqüências” .<br />

Toda organização política, por exemplo –<br />

sindicato, partido, etc. -, veicula seu próprio<br />

passado à imagem que a forjou para si mesmo.<br />

Ela não pode mudar de direção e de imagem<br />

brutalmente a não ser sob o risco de tensões<br />

difíceis de dominar, de cisões e mesmo de seu<br />

desaparecimento, se os aderentes não puderem<br />

mais se reconhecer na imagem, nas novas<br />

interpretações de seu passado individual e do<br />

36<br />

grupo .<br />

A confusão acerca da funcionalidade da<br />

memória de fundação é tamanha que papéis<br />

foram/são trocados indiscriminadamente, ao ponto de<br />

Carlos Nelson Coutinho, dissidente do PT, – que não é<br />

nenhum extremista de esquerda – mencionar o expresidente<br />

do PT para denunciar que a ressignificação<br />

da memória, operada por José Genoíno, confundia-se<br />

ao sabor de suas intenções políticas.<br />

Quando fazia parte da extrema esquerda do PT,<br />

que combatia a idéia de democracia como valor<br />

universal e entendia a revolução socialista no<br />

Brasil como algo semelhante à tomada de poder<br />

do Palácio de Inverno, Genoíno certamente<br />

defendia os interesses da minoria do interior do<br />

partido e teve estes direitos respeitados.<br />

Ninguém nunca pensou em expulsá-lo, nem a<br />

ele nem ao partidinho ao qual pertencia. Agora,<br />

porém, que chegou ao palácio do planalto,<br />

tornou-se o algoz de seus companheiros<br />

dissidentes e minoritários. Essa drástica<br />

conversão de Genoíno é o emblema da trajetória<br />

37<br />

do PT .<br />

Mais do que a trajetória do PT, esta citação<br />

assinala a trajetória do uso da memória do PT para os<br />

fins de determinados políticos, principalmente<br />

aqueles que aderiram ao campo majoritário. O que o<br />

PT já foi um dia para Genoíno, não é mais.<br />

Sintomaticamente, a sua concepção a respeito do PT e<br />

o sentido atribuído por ele à fundação do partido<br />

também mudaram, juntamente com a sua prática<br />

política. Enveredou por uma linguagem generalizante<br />

para atribuir ao governo petista e aos rumos atuais do<br />

PT a linha de continuidade do sentido histórico de sua<br />

fundação, mesmo que ele tenha estado durante uma<br />

década na contramão do que defende hoje, como<br />

informou Coutinho.<br />

colaboração financeira para a campanha. Trata-se de uma diferença real da<br />

relação estratégica do PT com a classe trabalhadora.<br />

35GENOÍNO, José. A Esquerda e as Reformas. In: Folha de São Paulo,<br />

07/06/2003.<br />

36 POLLAK, Michael. Op. Cit. 1989, p. 08.<br />

37 COUTINHO, Carlos Nelson. Respostas de Carlos Nelson Coutinho ao<br />

Jornal do Brasil. In. Sitio do PSOL. www.psol.org.br. S/D.

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