Texto Completo - Projeto HAM - História e Análise Midiática
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enquanto puder berrar, que ninguém use a classe<br />
trabalhadora como massa de manobra. Esse<br />
negócio de pregar a revolução na língua e depois<br />
está com o bolso cheio de dinheiro não dá. Cara<br />
que prega a revolução aqui e dorme em Ipanema,<br />
dorme no Morumbi. Vai tomar no cu, porra! Ou<br />
esta putada respeita a classe trabalhadora, com o<br />
valor que ela tem, com o que ela é, ou realmente<br />
vamos para o pau, pra valer mesmo. Hoje tenho<br />
uma convivência melhor com esses grupos. Tem<br />
alguns deles dentro do PT trabalhando na linha<br />
do partido e não tenho dúvidas de que na hora<br />
em que algum mijar fora do penico vai me ter<br />
23<br />
como inimigo .<br />
Pode-se notar nas duas citações de Lula a<br />
estratégia na luta pela condução do Partido. 1)<br />
Tendências são os outros, enquanto que os legítimos<br />
fundadores, no caso os “petistas autênticos”, são o<br />
PT; 2) Lula e seu grupo, mesmo reconhecendo a<br />
participação desses grupos na construção do Partido –<br />
na verdade, precisavam deles para fundar o Partido<br />
nacionalmente, onde não tinham forças –,<br />
determinavam que os pressupostos desses eram<br />
grupos incompatíveis com a classe trabalhadora, até<br />
mesmo porque estes deviam ter meios de vida mais<br />
satisfatórias que a dos operários; 3) O processo de<br />
disputas de projetos políticos junto às diversas<br />
posições existentes no movimento dos trabalhadores<br />
foi descartado. Nem sequer é aventada a<br />
possibilidade da classe optar por um programa<br />
alternativo ao “petismo autêntico”.<br />
A referência ao passado serve para manter a<br />
coesão dos grupos e as instituições que compõe<br />
uma sociedade para definir seus lugares<br />
respectivos, sua complementaridade, mas<br />
também as posições irredutíveis. Manter a<br />
coesão interna e defender as fronteiras daquilo<br />
que um grupo tem em comum (...) Isto significa<br />
fornecer um quadro de referência e de pontos de<br />
24<br />
referências .<br />
A fala emana de uma autoridade<br />
“incontestável”, a da matriz fundamental da memória.<br />
Lutadores e lutadoras sociais, criadores do PT tanto<br />
quanto qualquer outro militante, devido às suas<br />
associações a algum tipo de tradição teóricarevolucionária,<br />
tal qual o trotskismo ou o leninismo,<br />
tiveram sua memória, em função da disputa política<br />
interna, apagadas ou escamoteadas. No dizer de<br />
Polack, tiveram suas memórias transformadas em<br />
clandestinas. Ficaram para a posterioridade como<br />
25<br />
aqueles que se “abrigaram” dentro do Partido ,<br />
“acolhidos” pelos “autênticos”, de tão democráticos<br />
23 MOREL, Mário. Lula o metalúrgico – Anatomia de uma liderança. Rio de<br />
Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 146.<br />
24 POLLAK, Michael. Op. Cit. 1989, p. 07.<br />
que estes eram.<br />
<strong>História</strong> & Luta de Classes - 79<br />
Muitas vezes se acirraram velhos<br />
preconceitos, típicos de uma sociedade na qual uma<br />
das fundamentais cisões entre grupos sociais é a<br />
divisão social do trabalho. A separação entre nós –<br />
peões, torneiros mecânicos, sindicalistas, os de<br />
macacão – e eles – intelectuais, marxistas, teóricos,<br />
vanguardistas – muitas vezes operou pela recusa,<br />
“espontânea”, de que no espaço do trabalhador, no<br />
caso, o Partido dos Trabalhadores, o conhecimento<br />
viesse a servir como fonte de opressão, através da<br />
“imposição” de algum tipo de “dialeto” que<br />
intelectualizasse a política e a tirasse do terreno do<br />
aprendizado “espontâneo” do trabalhador.<br />
Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para<br />
o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a<br />
iniciativa histórica de propor a construção do PT<br />
já sabiam disso muito antes de sequer terem a<br />
idéia da necessidade do Partido. E, por isso,<br />
sabemos também que é falso dizer que os<br />
trabalhadores, em sua espontaneidade, não são<br />
capazes de passar ao plano da luta dos partidos<br />
(...). Do mesmo modo, sabemos que é falso dizer<br />
que os trabalhadores brasileiros, deixados a sua<br />
própria sorte, se desviarão do rumo de uma<br />
26<br />
sociedade justa, livre e igualitária .<br />
Algumas cenas do filme Peões, onde alguns<br />
trabalhadores falam com emoção de Lula, chegando<br />
mesmo a relacioná-lo com a figura de um pai, mesmo<br />
sendo alguns desses trabalhadores mais velhos, é<br />
compreendido neste trabalho como parte<br />
representativa da funcionalidade prática do “mito<br />
fundador”. O “petismo autêntico” criou um discurso<br />
de proteção do trabalhador ao que foi estabelecido<br />
como “de fora” do trabalhador, assim, a maior<br />
representatividade da organização dos trabalhadores,<br />
o PT, deveria ser protegido dos elementos externos. A<br />
infalibilidade do mito consistia no aspecto da<br />
autoridade do pai fundador, do protetor.<br />
As disputas da memória em momentos de crise<br />
Após a ressaca da derrota eleitoral de 1989,<br />
o PT passaria por significativas transformações. A<br />
avaliação das eleições consolidou uma reflexão de<br />
que a derrota eleitoral da Frente Brasil Popular,<br />
encabeçada por Lula, se deveu aos votos dos<br />
“descamisados”. Em entrevista para André Singer,<br />
publicada num livro intitulado Sem Medo de Ser<br />
Feliz. Cenas de Campanha, Lula ressalta o papel dos<br />
setores desorganizados e das camadas de “mais baixa<br />
25 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Prefácio de KECK, Margaret. Op. Cit, p. 05.<br />
26 PARTIDO DOS TRABALHADORES. Op. Cit, p. 114, grifos meus.