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Setembro - Outubro - Novembro 1999 - ABRACOR

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tir de uma oposição entre<br />

sociedade e comunidade.<br />

Foi com esta forma que o<br />

pensamento no Ocidente<br />

conseguiu trabalhar duas<br />

idéias tão distintas. É importante<br />

enfocar características<br />

básicas pertencentes<br />

à estrutura comunitária<br />

e que se opõem às relações<br />

contratuais vigentes<br />

na estrutura social, marcada<br />

ainda pelo atomismo<br />

social, já que os indivíduos<br />

pouco afeitos às trocas<br />

reais e simbólicas uns com<br />

os outros deixam de compartilhar<br />

o quotidiano comum,<br />

consequentemente<br />

abrem mão do projeto da<br />

construção de sua história.<br />

Reunidos em comunidade,<br />

os indivíduos encontram-se<br />

vinculados a partir<br />

da proposta maior do<br />

bem comum, e para alcançá-lo,<br />

o consenso é a regra<br />

número um. Em resumo,<br />

as relações comunitárias<br />

são afetivas, pessoais,<br />

clânicas e familiares, ao<br />

passo que as relações societárias<br />

são instrumentais,<br />

estratégicas e táticas. Entretanto,<br />

resgatar a idéia<br />

comunitária na atualidade,<br />

quando somos regidos pela<br />

lógica do mercado financeiro<br />

e perde-se paulatinamente<br />

a vivência de entidades<br />

identificatórias<br />

como o trabalho, a família,<br />

o território não significa<br />

propor um retorno a um<br />

momento em que supostamente<br />

vivíamos irmanados,<br />

ou seja o paraíso terrestre<br />

apregoado pela igreja<br />

católica. Olhar nesta direção<br />

significa buscar uma<br />

forma de vida mais integrada,<br />

principalmente entre os<br />

indivíduos. Significa também<br />

procurar formas de<br />

gerenciamento do quotidiano<br />

e do espaço urbano<br />

mais participativas e solidárias.<br />

E essa possibilidade<br />

operativa é muito importante<br />

porque, ao longo da<br />

História do Ocidente, a<br />

idéia de comunidade sempre<br />

ficou no lugar de algo<br />

perdido, como o paraíso,<br />

com uma feição muito positiva,<br />

já que vinculada à<br />

comunhão entre os homens.<br />

E por ter ficado na<br />

memória coletiva como lugar<br />

perfeito também comporta<br />

um quê de inatingível<br />

e distanciado da realidade,<br />

principalmente hoje<br />

em dia, quando os indivíduos<br />

estão, por princípio,<br />

encerrados em si mesmos.<br />

Um outro argumento que<br />

reforça o distanciamento<br />

para a implementação da<br />

força comunitária nas práticas<br />

diárias é o fato de que<br />

a idéia de comunidade esteja<br />

historicamente relacionada<br />

a sistemas reacionários,<br />

como o nazi-facismo,<br />

já que em sua temática<br />

evoca valores relativos ao<br />

território, à tradição, à família<br />

e a idéia de nação.<br />

***** Entretanto, o<br />

que se propõe aqui é trabalhar<br />

com materiais que<br />

possam propiciar uma saída<br />

para o atual esvaziamento<br />

de sentido e de força<br />

dos objetos no espaço<br />

sócio-cultural. O interesse<br />

é apresentar uma alternativa<br />

para a padronização e<br />

exclusão sociais. Além disso,<br />

o pensamento em torno<br />

do patrimônio pretende<br />

resgatar uma historicidade<br />

perdida, porque não mais<br />

possui força decisória.<br />

Caso contrário, patrimônio<br />

significaria apenas coisa<br />

antiga ou COISA VELHA,<br />

sem relação operativa com<br />

o quotidiano.<br />

É preciso situar ainda a<br />

questão na composição do<br />

atual espaço urbano, que<br />

se apresenta partido, uma<br />

vez que, ao lado dos antigos<br />

edifícios, erguem-se<br />

também os prédios de arquitetura<br />

arrojada e ultramoderna.<br />

Essa concepção,<br />

compreende passado e<br />

presente como coisas distintas<br />

e não relacionáveis,<br />

necessita – como faz com<br />

os edifícios históricos –<br />

montar construções de novíssima<br />

arquitetura, que<br />

têm por função produzir a<br />

“sensação” de modernidade<br />

e progresso e um certo<br />

olhar em direção ao futuro.<br />

Os exemplos estão por<br />

toda parte, nos edifícios<br />

das grandes metrópoles<br />

globais ou mesmo de bairros<br />

inteiros construídos<br />

para este fim, como o “La<br />

Défense”, em Paris.<br />

A contribuição que o<br />

viés comunitário oferece é<br />

o entendimento de que preservação<br />

se faz por meio<br />

da via afetiva. Assumir<br />

esta idéia significa não se<br />

contentar mais em ver ilhas<br />

museificadas na abstração<br />

do espaço urbano, como<br />

se estivessem fincadas<br />

apenas para demonstrar<br />

tecnicamente a nossa origem.<br />

E, para se revitalizar o<br />

conceito, é preciso também<br />

revitalizar a prática<br />

preservacioniosta: revendo,<br />

reinterpretando. Neste<br />

sentido, me parece extremamente<br />

interessante metaforizar<br />

a crítica feita em<br />

um jornal da cidade mineira<br />

Tiradentes por um leitor<br />

que falava sobre os altos<br />

aluguéis cobrados no centro<br />

histórico. Em função<br />

dos preços altos, muitas<br />

casas terminam ficando fechadas.<br />

A reivindicação do<br />

leitor era que as casas precisam<br />

de ar, ou seja, necessitam<br />

respirar. Eu complemento<br />

dizendo: precisam<br />

manter em dia a troca<br />

entre o ar dos tempos<br />

passados e os ares da modernidade.<br />

É dessa forma<br />

que se faz a sua preservação,<br />

ou seja, na medida em<br />

que se consegue manter o<br />

diálogo intergeracional.<br />

Daí, a importância da<br />

escola secular que vimos<br />

em Zagora, na porta do<br />

deserto: histórica e efetivamente,<br />

integra-se na paisagem<br />

e na vida quotidiana<br />

dos indivíduos. O uso<br />

15<br />

comunitário daquele espaço<br />

garante a sua preservação.<br />

Referência Bibliográfica:<br />

1 – PAIVA, Raquel. O<br />

espírito comum – mídia,<br />

globalismo e comunidade.<br />

Petrópolis,<br />

Editora Vozes, 1998.<br />

2 – SODRÉ, Muniz. A<br />

verdade seduzida – por<br />

um conceito de cultura no<br />

Brasil.<br />

Rio de Janeiro, Codecri,<br />

1983, 215 p.<br />

3 - ___________, O terreiro<br />

e a cidade – a forma<br />

social negro-brasileira.<br />

Petrópolis,<br />

Vozs, 1988, 165 p.<br />

4 – VATTIMO, Gianni.<br />

As aventuras da diferença<br />

– o que significa pensar<br />

depois de Heidegger<br />

e Nietzsche. Trad. José<br />

Eduardo Rodil. Lisboa,<br />

Edições, 70, 1988, 187<br />

p.<br />

5 - ___________ Etica<br />

dell’interpretazione. Torino,<br />

Rosenberg e Sellier,<br />

1989, 147 p.<br />

6 - ___________ Oltre<br />

l’interpretazione – il significato<br />

dell’ermeneutica<br />

per la filosofia. Roma: Laterza<br />

e Figli Editori, 1994,<br />

151 p.<br />

7 – TONNIES, Ferdinand.<br />

Communidad y asociación<br />

el comunismo y el<br />

socialismo como formas<br />

de vida social. Trad. José<br />

Francisco Ivars. Barcelona,<br />

Ediciones Peninsula,<br />

1979, 282 p.<br />

8 – APEL, Karl Otto.<br />

Communità e comunicazione.<br />

Trad. Roberto Salizone,<br />

Torino, Rosenberg e<br />

Sellier, 1991.<br />

* Professora da Escola<br />

de Comunicação da<br />

UFRJ, autora do livro “O<br />

Espírito Comun”, pela Ed.<br />

Vozes.

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