A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
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Era uma gruta pouco espaçosa e cavada na base <strong>de</strong> um rochedo que dominava o mar. Entrava-se<br />
por uma abertura alta e larga, como qualquer porta ordinária. Ao lado direito havia um banco <strong>de</strong> relva,<br />
em que po<strong>de</strong>riam sentar-se a gosto três pessoas; no fundo via-se uma pequena bacia <strong>de</strong> pedra, on<strong>de</strong><br />
caía, gota a gota, límpida e fresca água que do alto do rochedo se <strong>de</strong>stilava; preso por uma corrente à<br />
bacia <strong>de</strong> pedra estava um copo <strong>de</strong> prata, para servir a quem quisesse provar da boa água do rochedo.<br />
Foi este lugar escolhido por Augusto para fazer suas revelações à digna hóspeda.<br />
O estudante, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certificar-se <strong>de</strong> que toda a companhia estava longe, veio sentar-se junto<br />
da Sra. D. Ana, no banco <strong>de</strong> relva, e começou a história dos seus amores.<br />
7<br />
Os Dois Breves, Branco e Ver<strong>de</strong><br />
Negócios importantes, minha senhora, tinham obrigado meu pai a <strong>de</strong>ixar sua fazenda e a vir<br />
passar alguns meses na Corte; eu o acompanhei, assim como toda a nossa família. Isto foi há sete anos,<br />
e nessa época houve um dia... mas que importa o dia?... eu o po<strong>de</strong>ria dizer já; o dia, o lugar, a hora, tudo<br />
está presente à minha alma, como se fora sucedido ontem o acontecimento que vou ter a honra <strong>de</strong><br />
relatar; é uma loucura a minha mania... embora... Foi, pois, há sete anos, e tinha eu então treze <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />
que, brincando em uma das belas praias do Rio <strong>de</strong> Janeiro, vi uma menina que não po<strong>de</strong>ria ter ainda<br />
oito.<br />
Figure-se a mais bonita criança do mundo, com um vivo, agradável e alegre semblante, com<br />
cabelos negros e anelados voando ao <strong>de</strong>rredor <strong>de</strong> seu pescoço, com o fogo do céu nos olhos, com o<br />
sorrir dos anjos nos lábios, com a graça divina em toda ela, e far-se-á ainda uma idéia incompleta <strong>de</strong>ssa<br />
menina.<br />
Ela estava à borda do mar e seu rosto voltado para ele; aproximei-me <strong>de</strong>vagarinho. Uma criança<br />
viva e espirituosa, quando está quieta, é porque imagina novas travessuras ou combina os meios para<br />
executar alguma a que se põe obstáculos; eu sabia isto por experiência própria, e cheguei-me, pois, para<br />
saber em que pensava a menina; a pequena distância <strong>de</strong>la parei, porque já tinha adivinhado seu<br />
pensamento.<br />
Na praia estava <strong>de</strong>posta uma concha, mas tão perto do mar, que quem a quisesse tomar e não<br />
fosse ligeiro e experiente, se expunha a ser apanhado pelas ondas, que rebentavam com força, então.<br />
Eu vi a travessa menina hesitar longo tempo entre o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> possuir a concha e o receio <strong>de</strong> ser<br />
molhada pelas vagas; <strong>de</strong>pois pareceu haver tomado uma resolução: o capricho <strong>de</strong> criança tinha vencido.<br />
Com suas lindas mãozinhas arregaçou o vestido até aos joelhos, e quando a onda recuou, ela fez um<br />
movimento, mas ficou ainda no mesmo lugar, inclinada para diante e na ponta dos pés; segunda, terceira,<br />
quarta, quinta onda, e sempre a mesma cena <strong>de</strong> ataque e receio do inimigo. Finalmente, ao refluxo da<br />
sexta, ela precipitou-se sobre a concha, mas a areia escorregou <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> seus pés; e a interessante<br />
menina caiu na praia, sem risco e com graça; erguendo-se logo e espantada ao ver perto <strong>de</strong> si a nova<br />
onda, que <strong>de</strong>ssa vez vinha mansa e fraca como respeitosa, correu para trás e sem pensar atirou-se nos<br />
meus braços, exclamando:<br />
- Ah!... eu ia morrer afogada!...<br />
Depois, vendo-se com o vestido cheio <strong>de</strong> areia, começou a rir-se muito, sacudindo-o e dizendo<br />
ao mesmo tempo:<br />
- Eu caí! eu caí!...<br />
E como se não bastasse esta passagem rápida do susto para o prazer, ela olhou <strong>de</strong> novo para o<br />
mar, e tornando-se levemente melancólica, balbuciou com voz pesarosa, apontando para a concha.