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A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

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polegadas, apertado em um sapatinho <strong>de</strong> cetim, e que estava mesmo pedindo um... <strong>de</strong>z... cem... mil<br />

beijos; mas, quem o pensaria? não foram beijos o que <strong>de</strong>sejou o estudante outorgar àquele precioso<br />

objeto; veio-lhe ao pensamento o prazer que sentiria dando-lhe uma <strong>de</strong>ntada... Quase que já se não<br />

podia suster... já estava <strong>de</strong> boca aberta e para saltar... Porém, lembrando-se da exótica figura em que se<br />

via, meteu a roupa que tinha enrolada entre os <strong>de</strong>ntes e, apertando-os com força, procurava iludir sua<br />

imaginação.<br />

- Quem me <strong>de</strong>ra já casar!... repetiu D. Clementina.<br />

- Isto é fácil, disse D. Gabriela; principalmente se <strong>de</strong>vemos dar crédito aos que tanto nos<br />

perseguem com finezas. Olhem, eu vejo-me doida!... mais <strong>de</strong> vinte me atormentam! Querem saber o<br />

que me suce<strong>de</strong>u ultimamente?... Eu confesso que me correspondo com cinco... isto é só para ver qual<br />

dos cinco quer casar primeiro; pois bem, ontem, uma preta que ven<strong>de</strong> empadas e que se encarrega das<br />

minhas cartas, recebeu da minha mão duas...<br />

- Logo duas?...<br />

- Ora pois, apesar <strong>de</strong> todas as minhas explicações, a maldita estava <strong>de</strong> mona. Mesmo dizendolhe<br />

eu <strong>de</strong>z vezes: a <strong>de</strong> lacre azul é do Sr. Joãozinho e a <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> é do Sr. Juca, sabem o que fez?... Trocou<br />

as cartas!<br />

- E o resultado?...<br />

- Ei-lo aqui, respon<strong>de</strong>u D. Gabriela, tirando um papel do seio; ao vir embarcar, e quando <strong>de</strong>scia<br />

a escada, a tal preta, com a <strong>de</strong>streza precisa, entregou-me este escrito do Sr. Joãozinho: “Ingrata! Ainda<br />

tremem minhas mãos, pegando no corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito da tua perfídia! Escreves a outro? Compareces por<br />

tão horrível crime perante o júri do meu coração; e, bem que tenhas nesse tribunal a tua beleza por<br />

advogada, o meu ciúme e justo ressentimento, que são os juízes, te con<strong>de</strong>nam às perpétuas galés do<br />

<strong>de</strong>sprezo; e só te po<strong>de</strong>rás livrar <strong>de</strong>las se apelares <strong>de</strong>ssa sentença para o po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rador <strong>de</strong> minha cega<br />

paixão.”<br />

- Bravo, D. Gabriela! o Sr. Joãozinho é sem dúvida estudante <strong>de</strong> jurisprudência?<br />

- Não, é doutor.<br />

- Bem mostra pelo bem que escreve.<br />

- Mas eu sou bem tola! conto tudo o que me suce<strong>de</strong> e ninguém me confia nada!<br />

- Isso é razoável, disse D. Clementina; nós <strong>de</strong>vemos pagar com gratidão a confiança <strong>de</strong> D.<br />

Gabriela. Eu começo <strong>de</strong>clarando que estou comprometida com o Sr. Filipe a <strong>de</strong>ixar esta noite, embaixo<br />

da quarta roseira da rua do jardim, que vai direita ao caramanchão, um embrulhozinho com uma trança<br />

<strong>de</strong> meus cabelos.<br />

- Que asneira?... por que lhe não entrega ou não lho manda entregar?...<br />

- Ora... eu tenho muita vergonha... antes quero assim; até parece romântico.<br />

- São caprichos <strong>de</strong> namorados! falou D. Quinquina; havia tanto tempo para isso! mas, enfim, <strong>de</strong><br />

futilida<strong>de</strong>s é que amor se alimenta. Querem ver uma <strong>de</strong>ssas? O meu predileto está <strong>de</strong> luto e por isso<br />

exige que eu vá à festa <strong>de</strong>... com uma fita preta no cabelo, em sinal <strong>de</strong> sentimento; exige ainda que eu<br />

não valse mais, que não tome sorvetes, para não constipar, que não dê dominus tecum a moço nenhum<br />

que espirrar ao pé <strong>de</strong> mim, e que jamais me ria quando ele estiver sério; e a tudo isso julga ele ter muito<br />

direito por ser tenente da Guarda Nacional! Pois, por isso mesmo, ando agora <strong>de</strong> fita branca no cabelo,<br />

valso todas as vezes que posso, tomo sorvetes até não po<strong>de</strong>r mais, dou dominus tecum aos moços<br />

mesmo quando eles não espirram e não posso ver o Sr. Tenente Gusmão sério sem soltar uma gargalhada.<br />

- Olhem lá o diabinho da sonsa! murmurou consigo mesmo Augusto, embaixo da cama.<br />

- E você, mana, não diz nada?... perguntou ainda ela a D. Joaninha.<br />

- Eu?... o que hei <strong>de</strong> dizer? respon<strong>de</strong>u esta; digo que ainda não amo.<br />

- É a única que ama <strong>de</strong>veras! pensou o estudante, a quem já doíam as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> tanto agacharse.

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