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DO GRAFISMO INDÍGENA AO COBOGÓ<br />

From indigenous writings onto cobogo<br />

Carvalho, Francielle Stephanie Leandro; FEC, UNICAMP<br />

francielle.steph@gmail.com<br />

Harris, Ana Lucia Nogueira de Camargo; Profa. Dra; FEC, UNICAMP<br />

luharris@fec.unicamp.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apresenta uma pesquisa de iniciação científica onde o foco principal foi o resgate de<br />

grafismos indígenas para a aplicação em elementos arquitetônicos contemporâneos. Durante esta<br />

pesquisa realizou-se um levantamento bibliográfico entre inúmeras tribos brasileiras com o<br />

objetivo de se detectar e coletar grafismos que se repetem e seus significados. A partir daí,<br />

escolheu-se, dentre eles, alguns desenhos significativos como linguagem e iniciou-se o<br />

desenvolvimento de um método para a geração de elementos vazados do tipo cobogó. Neste<br />

artigo é descrito o processo de criação de um dos modelos desenvolvidos.<br />

Palavras Chave: grafismo indígena; cobogó, elemento arquitetônico.<br />

Abstract<br />

This paper presents an undergraduate research where the main approach was the redemption of<br />

indigenous writings to be applied to contemporary architectonic elements. During this research a<br />

bibliographical survey was undertaken among a great number of Brazilian tribes aiming at the<br />

discovery and collection of aboriginal writings and drawings that repeat themselves and their<br />

meanings. From there onwards some of the more meaningful drawings regarding language were<br />

chosen among them and the development of a method to generate hollow elements of the cobogo<br />

kind was begun. This paper describes the creation process of one of the developed models.<br />

Keywords: indigenous writing; cobogo; architectonic element.


Desenvolvimento geométrico de elementos vazados com base em padrões indígenas<br />

1. Introdução<br />

O uso de elementos vazados como soluções de projeto para a filtragem excessiva da luz,<br />

ou mesmo com objetivos puramente estéticos, é uma prática comum na arquitetura brasileira que<br />

por algum tempo foi deixada de lado e agora vem sendo retomada (GOMES, 2008).<br />

Um elemento vazado bastante conhecido é o COBOGÓ 1 , geralmente feito em cimento,<br />

porém encontrado também em materiais como: gesso, vidro, cerâmica etc. O COBOGÓ é<br />

considerado, por alguns autores (LEITE, 2003 apud GOMES, 2008), como um tipo de brisesoleil<br />

2 , um elemento arquitetônico para controle da passagem de luz e da ventilação.<br />

Sua aplicação resulta em inúmeras soluções construtivas, como a atenuação do calor em<br />

regiões de clima quente, garantindo circulação cruzada do ar, que pode entrar pelas janelas e sair<br />

através das fendas do COBOGÓ, diminuindo o consumo de ar condicionado e auxiliando na<br />

climatização interna do edifício. Pode ser destinado à canalização da luz solar, assistindo na<br />

eficiência energética da construção, ou para a separação de ambientes internos ou externos, sem<br />

se perder por completo o acesso ao espaço vizinho (Figuras 1-2). Em muitos casos essa aplicação<br />

tem função puramente estética, quando, através da composição geométrica de unidades<br />

modulares, pode-se criar uma gama de possibilidades criativas para a sua adequação nas<br />

edificações. Porém, poucas são as opções estéticas disponíveis no mercado para este elemento<br />

construtivo (Figura 3).<br />

Figura 1: Aplicação visando à circulação cruzada do ar<br />

em uma edificação residencial<br />

(Revista Construção Mercado – jun, 2004)<br />

9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design<br />

Figura 2: Aplicação visando à separação de um<br />

ambiente externo.<br />

(Revista Construção Mercado - março de 2005)<br />

Figura 3: Exemplos de COBOGÓS disponíveis no Brasil (GOMES, 2008)<br />

1 COBOGÓ – São elementos vazados usados em fachadas, que podem apresentar diferentes<br />

formas de dimensões. Além das possibilidades estéticas, os COBOGÓS tem potencialidades para<br />

serem aplicados como controladores de iluminação e ventilação. (GOMES, 2008)<br />

2 Brise-soleil – É um dispositivo arquitetônico utilizado para impedir a incidência direta de<br />

radiação solar nos interiores de um edifício, de forma a evitar aí a manifestação de um calor<br />

excessivo. Caracterizam-se como uma série de lâminas localizadas em frente às aberturas dos<br />

edifícios.


Desenvolvimento geométrico de elementos vazados com base em padrões indígenas<br />

Considerando-se o aspecto cultural de uma “padronagem”, pode-se verificar diversas<br />

possibilidades e eventuais cargas culturais que as compõe.<br />

Este artigo apresenta o estado atual de uma pesquisa de iniciação científica inspirada na<br />

pesquisa de Gomes (2008) onde foram apresentados métodos para se desenvolver projetos de<br />

COBOGÓS com potencialidades compositivas distintas. O foco nessa pesquisa é a aplicação da<br />

metodologia criada para desenvolvimento dos COBOGÓS a partir da arte do grafismo indígena<br />

brasileiro.<br />

2. Grafismo Indígena<br />

Com a finalidade de se resgatar padrões indígenas realizou-se uma pesquisa bibliográfica<br />

na busca da compreensão e escolha de grafismos significativos.<br />

A arte indígena está presente no adorno do corpo com pinturas, no uso de penas, ossos e<br />

dentes de animais, na decoração de utensílios domésticos, como a pintura da cerâmica e no<br />

trançado de cestos e redes, dentre outros. A aplicação de cada uma destas expressões artísticas<br />

tem um contexto, que é particular de cada tribo. Este contexto está relacionado a diversos fatores<br />

do universo indígena, como a esfera social, planos mitológicos e religiosos.<br />

Através do levantamento bibliográfico, notou-se que o modo artístico não exibe muitas<br />

alterações ao longo do tempo, isto é, os motivos representados são repetidos por muitas gerações.<br />

Quando ocorrem mudanças, elas são sutis e gradativas, preservando o perfil estilístico tribal.<br />

A reiteração de motivos e significados confere uma homogeneidade visual ao universo<br />

tribal, que milita a favor de sua diferenciação em relação às demais tribos. Segundo Ribeiro<br />

(1989), desde cedo os indivíduos se habituam a ver e a desenhar padrões convencionais, a<br />

produzir artefatos peculiares a cada tribo, familiarizando-se com essas imagens que passam a ser<br />

a forma de expressão de seu modo de ser, sua personalidade cultural. Nesse sentido, a arte, tal<br />

como a língua, as crenças, as narrativas míticas e outros elementos da cultura vem a ser um<br />

mecanismo ideológico que reforça a etnicidade e a resistência à dissolução dessa etnia.<br />

2.1. Arte do Trançado<br />

A arte do trançado é uma das mais antigas manufaturas que a humanidade conhece e<br />

representa. Os padrões decorativos atuam como veículo para a transmissão de mensagens de<br />

ordem cosmológica ou social. Entre as tribos indígenas, os Wayana são conhecidos pela<br />

requintada certaria. Um dos mais requintados objetos de cestaria é o katari anon, o “cesto<br />

cargueiro pintado”. É usado pela esposa do artesão para transporte, em viagens, de redes ou<br />

outras alfaias, mas na aldeia acondiciona os beijus. Este artefato é considerado como a mais<br />

laboriosa peça de certaria do repertório Wayana, tanto pela complexidade da decoração, como<br />

pela multiplicidade dos arremates, Figura 4.<br />

Figura 4: Cestaria Wayana (GRUPIONI,2005)<br />

9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design


Desenvolvimento geométrico de elementos vazados com base em padrões indígenas<br />

2.2. Pintura Corporal<br />

Foram realizados estudos que relacionam a imitação do desenho do couro de animais, na<br />

pintura do corpo, às atividades de caça. Estes estudos mostram que a representação de animais é<br />

um aspecto importante, senão decisivo, na pintura corporal dos aborígenes da América do Sul.<br />

Segundo Ribeiro (1987), algumas instâncias indicam que não se trata propriamente da<br />

representação da caça, e sim da identificação com o “senhor dos bichos” ou com o espírito<br />

auxiliar do caçador, que assume, geralmente, a forma de cobra ou de onça. No caso da pintura<br />

Kayapó, nota-se que o motivo peixe está relacionado à lenda da transformação, em tempos<br />

míticos, de homens em animais.<br />

2.3. Signo, ícone e significado na arte indígena<br />

“O símbolo é usado como meio de comunicação e principalmente o homem primitivo o<br />

usa constantemente, pois inegavelmente, é o símbolo a melhor linguagem para comunicar o que<br />

racionalmente é incomunicável”. (Yolanda Lhullier dos Santos apud Ribeiro, 1987).<br />

Desde muito cedo, os antropólogos que estudaram a arte indígena procuraram inferir o<br />

significado semântico de padrões ornamentais qualificados à primeira vista, como geométricos ou<br />

abstratos. Na verdade, a representação estilizada, principalmente no caso da cestaria, reproduz<br />

metonimicamente os elementos definidores do motivo que se deseja retratar.<br />

A forma do peixe é insinuada por seu contorno losangular; a da cobra, por sua<br />

sinuosidade ziguezagueante; a do quelônio pelas manchas quadriculares do seu casco; ao passo<br />

que a onça é representada pelas manchas do couro.<br />

Segundo Ribeiro (1987), embora aparentemente geométricos ou abstratos, os grafismos<br />

são na verdade ‘figurativos’, na medida em que caracterizam um objeto por um traço básico<br />

definidor da forma e portanto, classificados como desenhos semânticos, contendo um motivo<br />

central e elementos acessórios ou apêndices.<br />

Através do levantamento bibliográfico, pode-se enquadrar a representação indígena em<br />

dois grandes grupos.<br />

O primeiro seria uma linguagem visual para identificar-se uma ordem social. Ou seja,<br />

para caracterizar o sexo do individuo, sua idade, condição social ou a tribo a qual pertence. Os<br />

motivos também podem ser diferentes de acordo com a ocasião em que são utilizados, se é uma<br />

cerimônia religiosa, casamento, funeral, comemorações, realização de um ritual, uma caça, etc.<br />

Não tendo o dever de significar algo, e sim simbolizar. Há grupos indígenas em que se predomina<br />

na arte corporal, a manifestação de ordem social como os Kayapó-Xikrin, tribo localizada no Sul<br />

do Pará e também no Mato Grosso, com população de aproximadamente 5900 pessoas.<br />

Já o segundo grupo englobaria a arte gráfica que está vinculada a um sistema de<br />

significação, cujo conteúdo se encontra, no domínio da natureza, na cosmologia, na mitologia, e<br />

em experiências alucinógenas. Os mitos tribais influenciam fortemente na sua arte.<br />

A natureza é largamente representada na arte indígena, variando de acordo com a<br />

localização das tribos e sua forma de alimentação.<br />

Observa-se um predomínio da representação animal em detrimento dos elementos da<br />

flora. Há diversas teorias sobre esta questão, segundo Berta Ribeiro uma possível explicação<br />

seria o fato de a coleta de frutos e atividades horticultoras, como o plantio e a colheita, serem<br />

atividades tipicamente femininas, assim como a atividade artística.<br />

Estas teorias provêm de estudos de campo em tribos indígenas, realizadas por<br />

pesquisadores da área, nos quais os próprios índios explicam os significados de sua arte. Contudo<br />

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Desenvolvimento geométrico de elementos vazados com base em padrões indígenas<br />

cada tribo possui sua particularidade e estes aspectos não podem ser generalizados para todo o<br />

universo indígena.<br />

Os desenhos simbólicos de um grupo indígena são representações iconográficas,<br />

profundamente enraizadas nas suas vivências e na sua mitologia e, em virtude disso, emblemas<br />

de identidade étnica.<br />

3. Criação de COBOGÓS através de Grafismos Indígenas<br />

Tendo por objetivo aprender os procedimentos necessários para realizar a prototipagem<br />

rápida de elementos vazados, como cobogós, foram realizados os seguintes passos:<br />

1 – Escolha de um motivo geométrico: A partir da pesquisa realizada escolheu-se um<br />

desenho com grau de significância expressivo. Este desenho (Figura 5) é denominado kaikui<br />

apoeká e pertence ao plano de representação mitológico. O motivo foi extraído da iconografia<br />

Wayana, população indígena que habita o norte do Estado do Pará e Amapá, no curso superior do<br />

Rio Tapajós, em uma área de 3,8 milhões de hectares e com população de 317 habitantes,<br />

segundo dados da FUNAI.<br />

<br />

Figura 5: Desenho decorativo, Tribo Indígena Wayana, Pará (RIBEIRO, 1989)<br />

Este desenho provém do seguinte mito: Conta-se que havia um tempo em que os Wayana<br />

não se pintavam. Um dia, uma jovem ao se banhar, viu boiando na água vários frutos de<br />

jenipapo, e ela automaticamente pensou em se pintar. Nesta mesma noite, um rapaz a procurou na<br />

aldeia e eles tornaram-se amantes encontrando-se frequentemente, contudo, ao alvorecer o rapaz<br />

sempre ia embora. Uma noite, o pai da moça ordenou que ele ficasse, quando clareou,<br />

perceberam que seu corpo era inteiramente decorado com meandros negros. Como todos o<br />

acharam belo, o jovem os ensinou a arte e os pintou. Um dia o jenipapo terminou, e o casal foi à<br />

sua procura. Próximo ao jenipapeiro, o rapaz pediu que a moça o aguardasse enquanto colhia os<br />

frutos, ela contudo não obedeceu e foi vê-lo subir na árvore. O que viu, não foi seu amante, e sim<br />

uma imensa lagarta, toda pintada com os mesmos motivos. Enfurecida, pediu-lhe para não a<br />

procurar mais, arrecadou os jenipapos e voltou sozinha para a aldeia.<br />

Este mito marca o início da pintura corporal Wayana. O motivo acima está incluso no<br />

repertório tupelerê imirikut, que inclui seres antropomórficos, e neste caso significa “jaguar<br />

bicéfalo”.<br />

2 – Desenho e análise estética do motivo gráfico: Escolhido o desenho, sua unidade<br />

modular foi desenhada no software AutoCAD e depois trabalhada com o uso de operações de<br />

espelhamento e repetição, com o objetivo de gerar uma superfície de parede (WONG, 1989),<br />

como ilustra a Figura 6.<br />

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Figura 6: desenho decorativo, Tribo Indígena Wayana, Pará (RIBEIRO, 1989).<br />

Após a vetorização, foi realizada a tridimensionalização da unidade modular e a geração<br />

de paredes de cobogós com o uso do aplicativo Skech Up (Google). A partir daí foram realizados<br />

estudos de simulação de luz e sombra, como mostra a Figura 7.<br />

Figura 7: Desenho decorativo, Tribo Indígena Wayana, Pará (RIBEIRO, 1989)<br />

4. Resultados Parciais<br />

O motivo ilustrado neste artigo é denominado “jaguar bicéfalo”. Este motivo foi estudado<br />

para o pré-projeto de cobogós em modelos virtuais e físicos. Estes resultados preliminares<br />

apontam para uma gama de possibilidades estéticas em desenvolvimento, que apresentam<br />

potencial, não apenas para fachadas de cobogós, mas também para design de superfícies em<br />

geral.<br />

5. Referências<br />

GOMES, G. C. Desenvolvimento de uma metodologia pra o projeto de paredes de elementos<br />

vazados fundamentada na gramática compositiva das simetrias planas. Campinas: Iniciação<br />

Científica, FEC-UNICAMP, orient- Profa. Dra. Ana Lúcia N.C. Harris, Relatório final, 2008.<br />

VIDAL, Lux Beatriz. Grafismo Indígena - Estudos de Antropologia Estética. São Paulo:<br />

Studio Nobel/FAPESP/EDUSP, 1992.<br />

RIBEIRO, Berta G. Arte Indígena, Linguagem Visual. São Paulo/Belo Horizonte:<br />

Universidade de São Paulo/Itatiaia, 1989.<br />

RIBEIRO, Berta G. As artes da vida do indígena brasileiro. In: Índios no Brasil. GRUPIONI,<br />

Luís Donisete B. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1994..<br />

RIBEIRO, Berta G. Suma Etnológica Brasileira: Volume III. Petropolis: Vozes: FINEP, 1987.<br />

SANTOS, Yolanda Lhullier dos. Cultura e Arte no Alto Xingu. São Paulo: Universidade de<br />

São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, Departamento de Jornalismo e Editoração, 1972<br />

WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

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