27.12.2013 Views

estudo intertextual do monólogo effis nacht de rolf hochhuth

estudo intertextual do monólogo effis nacht de rolf hochhuth

estudo intertextual do monólogo effis nacht de rolf hochhuth

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

RUI MANUEL COUTINHO NASCIMENTO DE CAMPOS<br />

ESTUDO INTERTEXTUAL<br />

DO MONÓLOGO<br />

EFFIS NACHT<br />

DE ROLF HOCHHUTH<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Estu<strong>do</strong>s Alemães apresentada à<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Porto, 2004


Rui Manuel Coutinho Nascimento <strong>de</strong> Campos<br />

ESTUDO INTERTEXTUAL<br />

DO MONÓLOGO<br />

EFFISNACHT<br />

DE ROLF HOCHHUTH<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Estu<strong>do</strong>s Alemães apresentada à<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Porto, 2004


»Geboren, neun Jahre bevor Bismarck<br />

preupischer Ministerprãsi<strong>de</strong>nt wur<strong>de</strong>,<br />

gestorben, als A<strong>de</strong>nauer schon drei Jahre<br />

Kanzler war, hat , die bis zum<br />

To<strong>de</strong> klar war, die radikalsten Verãn<strong>de</strong>rungen -<br />

auch die technischen - erlebt, die je in einem<br />

Jahrhun<strong>de</strong>rt auf Er<strong>de</strong>n vor sich gegangen sind.<br />

Es gibt literarisch kein uberzeugen<strong>de</strong>res Mittel,<br />

als anhand eines langen Lebens das Zeitalter<br />

zu beleuchten, <strong>de</strong>ssen Zeuge dieser Mensch war«<br />

Wellen, 160-161.<br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne no seu <strong>do</strong>micílio em Lindau<br />

(Franke, 1995: 190).


Indice<br />

Introdução 1<br />

Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 5<br />

1.1 A <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> 5<br />

1.1.1 Formas <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> ] 0<br />

1.1.1.1 A palintextualida<strong>de</strong> 12<br />

1.1.1.2 A metatextualida<strong>de</strong> 15<br />

1.1.2 Funções da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> 17<br />

1.1.3 A recepção ou leitura <strong>intertextual</strong> 18<br />

1.2 A referencialida<strong>de</strong> 19<br />

A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 25<br />

2.1 >Effis Nacht


6.7 Teoria da Literatura: <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, referencialida<strong>de</strong><br />

e teoria dramática 145<br />

6.8 Estu<strong>do</strong>s vários 149<br />

6.8.1 A Alemanha imperial: o duelo, a situação da mulher<br />

e o anti-semitismo 149<br />

6.8.2 A Alemanha nazi: a Segunda Guerra Mundial,<br />

a resistência e o holocausto 151<br />

6.9 Dicionários, enciclopédias e outras obras <strong>de</strong> consulta 154


Introdução<br />

1<br />

0. Introdução<br />

O primeiro contacto que estabeleci com o <strong>monólogo</strong> dramático >Effis Nacht< x<br />

(1996) <strong>de</strong> Rolf Hochhuth (n.1931), durante o ano curricular <strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> em Estu<strong>do</strong>s<br />

Alemães (1998/2000), no âmbito <strong>do</strong> seminário subordina<strong>do</strong> ao tema da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

e com o título sugestivo Intertextualida<strong>de</strong>s na literatura alemã, ditou o rumo da minha<br />

investigação futura. A leitura difícil que o <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth propõe, porque<br />

repleto <strong>de</strong> evocações, alusões e citações, logra uma recepção mais sucedida se o<br />

exercício contemplar uma releitura <strong>do</strong> romance >Effi Briest< (1895) <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r<br />

Fontane (1819-1898), com o qual o <strong>monólogo</strong> estabelece uma relação primordial <strong>de</strong><br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>. Uma análise <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth afígurava-se-me<br />

especialmente sugestiva já que me prometia não apenas o aprofundar <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos teóricos sobre a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, bem como sobre a dramaturgia <strong>de</strong><br />

Hochhuth <strong>de</strong> uma forma geral, mas também revisitar o romance fontaniano e<br />

reencontrar o perío<strong>do</strong> literário <strong>do</strong> Realismo burguês. Tratava-se <strong>de</strong> um tema<br />

relativamente original, até mesmo pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da obra <strong>de</strong> Hochhuth, mas não<br />

totalmente <strong>de</strong>scura<strong>do</strong> pela crítica, ten<strong>do</strong>-se-me revela<strong>do</strong> alguns trabalhos já existentes<br />

como fecundamente nortea<strong>do</strong>res.<br />

Começarei por referir ainda <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> >Effis Nacht< (1996), o<br />

artigo <strong>do</strong> próprio Rolf Hochhuth que, inseri<strong>do</strong> na obra ensaística >Wellen< 2 , adiantaria<br />

algumas coor<strong>de</strong>nadas sobre o percurso criativo <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> e revelaria o fascínio <strong>do</strong><br />

escritor pela história pessoal <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne. Além <strong>de</strong> manifestar a sua simpatia<br />

pelo romance <strong>de</strong> adultério fmissecular, o que o leva directamente à eleição da obra <strong>de</strong><br />

Theo<strong>do</strong>r Fontane como pretexto a privilegiar, Hochhuth preocupa-se em valorizar<br />

outras das suas fontes (cf. W, 160). O apontamento crítico <strong>de</strong> Hochhuth tem a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

orientar o senti<strong>do</strong> da recepção <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>; a i<strong>de</strong>ia chave é explicada no artigo à figura<br />

emblemática <strong>de</strong> Marianne Hoppe (1911-2002), nem mais nem menos, que a actriz<br />

responsável pelo papel <strong>de</strong> Effi no filme >Der Schritt vom Wege< (1939) <strong>de</strong> Gustaf<br />

Griindgens (1899-1963), com o intuito <strong>de</strong>: »durch Effi Briest nach <strong>de</strong>m Zweiten<br />

Weltkrieg Rúckschau auf die neunzig Jahre ihres Lebens halten zu lassen« (W, 160).<br />

' Será utilizada a sigla £7Vpara o <strong>monólogo</strong> dramático >Effis NachtWellen< ( 1996).


Introdução 2<br />

Note-se ainda que o apego a Fontane e à corrente estética <strong>do</strong> Realismo se encontra<br />

patente noutros escritos mais recentes <strong>de</strong> Hochhuth, <strong>de</strong> que são exemplo as palestras<br />

sobre poética, reunidas pelo escritor no livro >Die Geburt <strong>de</strong>r Tragõdie aus <strong>de</strong>m<br />

KriegEffi<br />

BriestEffis NachtDer Stellvertreter< (1963) e >Soldaten< (1967), também no <strong>monólogo</strong><br />

dramático a dimensão ficcional se impõe na relação complexa com a realida<strong>de</strong>,<br />

contrastan<strong>do</strong> com os registos biográficos já existentes e que dão conta <strong>de</strong> pormenores<br />

fundamentais da vida real da baronesa Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne. Atkins <strong>de</strong>staca a<br />

preocupação <strong>do</strong> dramaturgo em fundamentar a sua ficção através <strong>de</strong> fontes<br />

<strong>do</strong>cumentais. Sem nunca mencionar o fenómeno da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> como responsável<br />

directo pelos <strong>de</strong>senvolvimentos temáticos ocorri<strong>do</strong>s no discurso <strong>de</strong> Else, o crítico<br />

britânico admite a importância da discussão <strong>do</strong> romance fontaniano para a afirmação<br />

ficcional <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. São compara<strong>do</strong>s os elementos que compõem o triângulo<br />

amoroso em ambas as obras mas a conclusão sobre o suporte mais verosímil <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong> apenas serve para negar a pretensão <strong>do</strong> estatuto <strong>de</strong> biografia e afirmar como a<br />

fronteira entre arte e realida<strong>de</strong> é relativa e estimulante <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista estético.<br />

A sigla GTK cobre o ciclo <strong>de</strong> aulas proferidas por Hochhuth na aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Frankfurt: >Die Geburt <strong>de</strong>r Tragõdie<br />

aus <strong>de</strong>m Krieg. Frankfurter Poetikvorlesungen< (2001 ).


Introdução 3<br />

Um outro <strong>estu<strong>do</strong></strong> comparativo publica<strong>do</strong> mais recentemente por Anja<br />

Restenberger, intitula<strong>do</strong> "Effi Briest: Historische Realitàt und literarische Fiktion in<br />

<strong>de</strong>n Werken von Fontane, Spielhagen, Hochhuth, Bruckner und Keuler" (2001), procura<br />

também assinalar as diferenças entre o <strong>monólogo</strong> dramático <strong>de</strong> Hochhuth e o romance<br />

<strong>de</strong> Fontane no tratamento ficcional da realida<strong>de</strong> histórica, bem como analisar o<br />

alargamento da figura da protagonista. A investiga<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>senvolve especialmente a<br />

questão central da culpa individual na tragédia pessoal <strong>de</strong> Else e como esta é<br />

transformada numa culpa colectiva pela catástrofe <strong>do</strong> Terceiro Império, ou como o<br />

duelo e o conceito da honra conduzem anos mais tar<strong>de</strong> ao assassínio indiscrimina<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

civis em nome da honra militar e <strong>do</strong> orgulho nacional. Restenberger não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> notar<br />

como Hochhuth falha uma compreensão verda<strong>de</strong>ira da obra <strong>de</strong> Fontane, nomeadamente<br />

a sua técnica da Verklãrung. Controversas neste <strong>estu<strong>do</strong></strong> são também as posições críticas<br />

assumidas pela autora em relação à função <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> Else no <strong>monólogo</strong> que, para<br />

Restenberger, permanece secundário em relação aos reduzi<strong>do</strong>s movimentos cénicos da<br />

protagonista, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao curativo <strong>do</strong> jovem paciente mas com a função <strong>de</strong> enfatizar a<br />

morte e o sofrimento. Esta visão redutora <strong>de</strong> >Effis Nacht< não consagra a<br />

contemporaneida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> e é indiferente ao processo <strong>intertextual</strong>, gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

paralelismos e construtor das pontes semânticas entre as duas obras.<br />

Nesta resenha da bibliografia crítica existente sobre >Effis Nacht< <strong>de</strong> Rolf<br />

Hochhuth, não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar alguns artigos <strong>de</strong> opinião publica<strong>do</strong>s na<br />

imprensa e que reflectem o impacto cultural e teatral que o <strong>monólogo</strong> atingiu, logo após<br />

a sua publicação. Trata-se necessariamente <strong>de</strong> uma selecção que norteei pelo intuito <strong>de</strong><br />

mencionar aqueles que mais pistas me <strong>de</strong>ram para o meu trabalho. A 31 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong><br />

1996, Werner Fuld assina um texto ("Im Korsett <strong>de</strong>s Kanzleistils") no semanário Die<br />

Woche, sublinhan<strong>do</strong> o pen<strong>do</strong>r <strong>de</strong> pesquisa <strong>do</strong> trabalho dramático, mas marcan<strong>do</strong> a<br />

diferença da ficção <strong>de</strong> Hochhuth em relação às biografias existentes sobre Else von<br />

Ar<strong>de</strong>nne. No mesmo ano, a 7 <strong>de</strong> Agosto, Thomas David escreve no Neue Zùricher<br />

Zeitung ("Drei Tage sterben") como o adultério e o duelo unem os <strong>do</strong>is textos literários<br />

e como a catástrofe familiar <strong>de</strong> Else se fun<strong>de</strong> com a catástrofe mundial da guerra, que<br />

Hochhuth faz questão <strong>de</strong> não esquecer. O artigo ("Effi Briest ais Zeitzeugin") <strong>de</strong><br />

Wolfgang Kopplin, publica<strong>do</strong> a 7 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1997, no Bayern Kurier, discute o<br />

fascínio <strong>do</strong> dramaturgo pela figura literária <strong>de</strong> Fontane, à luz <strong>do</strong>s acontecimentos


Introdução<br />

4<br />

históricos que marcaram a Alemanha na primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século vinte: o <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> aristocrata, <strong>do</strong> império guilhermino, a ascensão nazi, a guerra e o holocausto<br />

levam o leitor a reflectir sobre o problema <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, a sua duração, a força <strong>de</strong><br />

manipulação das i<strong>de</strong>ologias e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> procura da verda<strong>de</strong> biográfica a partir<br />

da arte e da vida, <strong>do</strong> simbolismo e <strong>do</strong>s exemplos concretos. Finalmente, na revista<br />

mensal Theater heute, <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1998, Armin Eichholz propõe-se <strong>de</strong>svendar em "Wat<br />

nu?" a verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da protagonista, sugerin<strong>do</strong>: »Effí Briest ist eine geborene<br />

Hochhuth«. A sua vida pessoal contém os germens da História, as cinco guerras que<br />

passou, as recordações <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> priva<strong>do</strong> e político não cabem no tratamento curto,<br />

neurológico <strong>do</strong> solda<strong>do</strong> e levam a Else <strong>de</strong> Hochhuth à sua principal ocupação: pensar.<br />

Embora a selecção <strong>de</strong>stes artigos <strong>de</strong> opinião seja questionável, os assuntos neles<br />

referi<strong>do</strong>s lançam pistas para um trabalho <strong>de</strong> análise crítica mais aprofunda<strong>do</strong> sobre<br />

>Effis Nacht


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

5<br />

1. Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

1.1 A <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

Perante a questão fundamental (o que <strong>de</strong>fine um texto como sen<strong>do</strong> <strong>intertextual</strong>?),<br />

os estudiosos <strong>do</strong> fenómeno da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> têm, ao longo das últimas décadas,<br />

procura<strong>do</strong> respostas, as quais não se adivinham fáceis, pois que suscitam, por sua<br />

vez, outras questões, seja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo: como <strong>de</strong>limitar a área <strong>de</strong> influência da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>?<br />

Quais as formas classificáveis <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>? Que funções e estratégias<br />

específicas estruturam o processo <strong>intertextual</strong>? Qual a intenção <strong>do</strong> autor e que papel<br />

tem o leitor na produção <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>?<br />

Uma explicação simples <strong>do</strong> fenómeno po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>fini-lo como a relação existente<br />

entre textos. Todavia, esta <strong>de</strong>finição gerou uma bipolarização entre os que enten<strong>de</strong>m o<br />

conceito como global e abrangente e os que, pelo contrário, o preten<strong>de</strong>m analisar como<br />

um fenómeno restritivo e localiza<strong>do</strong>. O senti<strong>do</strong> lato <strong>do</strong> conceito não impõe, a priori,<br />

limite no jogo <strong>intertextual</strong>, encaran<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste incluir o diálogo com outros<br />

sistemas ou códigos estéticos e culturais, reclinan<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

se constituir apenas como um fenómeno específico entre textos literários. A esta<br />

conceptualização gerida por preocupações <strong>de</strong> raiz mais ontológica, ce<strong>do</strong> se contrapôs<br />

uma crítica plural que pretendia <strong>de</strong>limitar o uso abusivo e exoliterário da<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, preferin<strong>do</strong> esta contracorrente <strong>de</strong>stacar antes a primazia das relações<br />

entre textos literários, assinalan<strong>do</strong> a gramática <strong>intertextual</strong>, i.e., a marcação explícita ou<br />

implícita que revela a presença intencional <strong>de</strong> um texto ou conjunto <strong>de</strong> textos pré-existentes<br />

no intertexto. De ín<strong>do</strong>le estruturalista, esta contracorrente parte <strong>do</strong> pressuposto<br />

que a literatura é um sistema autónomo e mo<strong>de</strong>lizante, constituí<strong>do</strong> por unida<strong>de</strong>s semânticas<br />

esteticamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, por sua vez regidas por um código próprio. Des<strong>de</strong><br />

logo, a relação entre textos literários po<strong>de</strong>rá coexistir <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mesmo sistema, manifestan<strong>do</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong> mas reproduzin<strong>do</strong> uma dinâmica original.<br />

Embora a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> seja um termo relativamente novo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre se<br />

manifestou na literatura uma maior ou menor implicação entre textos. Nos primórdios


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 6<br />

da conceptualização <strong>do</strong> fenómeno <strong>intertextual</strong>, a circunscrição <strong>do</strong> perímetro <strong>de</strong> influência<br />

da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> encontrava-se apenas <strong>de</strong>finida no senti<strong>do</strong> lato <strong>do</strong> termo, como,<br />

aliás, sugere o título <strong>de</strong> Umberto Eco, >Obra AbertcK, <strong>de</strong> 1962. O interesse específico<br />

pelo fenómeno surge tardiamente, a partir <strong>do</strong>s anos sessenta, liga<strong>do</strong> ao <strong>estu<strong>do</strong></strong> da linguagem<br />

poética e aos <strong>de</strong>senvolvimentos teóricos <strong>do</strong> pós-estruturalismo. O <strong>estu<strong>do</strong></strong> pioneiro<br />

<strong>de</strong> Ferdinand Saussure 1 no campo da linguística e especificamente o seu trabalho<br />

com anagramas influenciou teses posteriores como as <strong>de</strong> Julia Kristeva ou <strong>de</strong> Jacques<br />

Derrida, centradas na ambiguida<strong>de</strong> <strong>do</strong> significante e na sua capacida<strong>de</strong> em resistir a<br />

noções <strong>de</strong> comunicação directa ou lógica e, por isso, <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> (cf. Allen, 2000:<br />

44). A aproximação semiótica <strong>de</strong> Kristeva pretendia estudar o texto como uma<br />

configuração textual <strong>de</strong> elementos que possuem duplo senti<strong>do</strong>: um senti<strong>do</strong> no texto propriamente<br />

dito e um senti<strong>do</strong> que a investiga<strong>do</strong>ra apelidava <strong>de</strong> histórico e social (cf.<br />

1980, apud Allen, 2000: 37). Estas primeiras referências ao conceito <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

no final <strong>do</strong>s anos sessenta, por Julia Kristeva, <strong>de</strong>stacavam o potencial dialógico <strong>do</strong><br />

texto literário e davam a conhecer à França, através <strong>do</strong> ensaio >Bakhtine, le mot, le<br />

dialogue et le roman< (1967), a obra <strong>do</strong> teórico literário russo Michail Bachtin. Todavia,<br />

mesmo o conceito <strong>de</strong> dialogismo literário proposto por Bachtin divergia da generalização<br />

radical avançada por Kristeva e por outros escritores <strong>do</strong> círculo <strong>de</strong> influência<br />

>Tel QueK Na noção explicada por Bachtin para o romance confluíam vozes <strong>de</strong> outros<br />

textos linguísticos, num to<strong>do</strong> citável que incluía dialectos, sociolectos ou i<strong>de</strong>olectos,<br />

numa abertura a todas as vozes socio-i<strong>de</strong>ológicas da época (cf. 1979, apud Stocker,<br />

1998: 18-19). O conceito textual <strong>de</strong> Kristeva propunha uma generalização mais radical<br />

ao encontro <strong>de</strong> uma semiótica cultural 2 , não distinguin<strong>do</strong>, como faz Bachtin, entre a<br />

realida<strong>de</strong> com a sua história e socieda<strong>de</strong>, por um la<strong>do</strong>, as palavras, o discurso e a língua,<br />

por outro.<br />

Depois <strong>de</strong> Kristeva e a partir <strong>do</strong> seu conceito dialógico, i.e., da convicção da<br />

existência <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes em diálogo no interior <strong>de</strong> um só texto, multipli-<br />

Saussure em >Cours <strong>de</strong> linguistique générale< (1915) <strong>de</strong>bruçou-se sobre uma questão fundamental: O que é um<br />

sinal linguístico? E imagina uma nova ciência, a semiologia, que estudaria a vida <strong>do</strong>s sinais em socieda<strong>de</strong>. Os actos<br />

<strong>de</strong> comunicação linguística (parole) são enuncia<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> sistema sincrónico <strong>de</strong> linguagem (langue). Ainda <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com Saussure, os sinais são <strong>de</strong> natureza nâo-referencial, uma vez que em sistemas como o literário a<br />

referência <strong>do</strong>s sinais não visa objectos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real mas a literatura, a partir da qual o texto é produzi<strong>do</strong> (cf. 1974<br />

apto/Allen, 2000: 8-11).<br />

* A noção <strong>de</strong> texto é generalizada e entendida como um to<strong>do</strong> que inclui: »le texte dans l'histoire et dans la société,<br />

envisagée elles-mêmes comme textes que l'écrivain lit et dans lesquels il s'insère en les récrivant« (Sémeiotiké Paris<br />

1969, apud Ffister, 1985:7).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 7<br />

caram-se as teorias sobre o potencial <strong>intertextual</strong> <strong>do</strong> texto literário, procuran<strong>do</strong>-se explicar<br />

a razão <strong>do</strong> fenómeno pela sua proveniência exoliterária, focan<strong>do</strong> maior atenção nos<br />

problemas ontológicos e relegan<strong>do</strong> para segun<strong>do</strong> plano uma compreensão da relação<br />

específica entre textos literários. Jacques Derrida fazia incluir to<strong>do</strong>s os elementos culturais<br />

como parte <strong>de</strong> um to<strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> "texte général", em que a realida<strong>de</strong> se dilui,<br />

estan<strong>do</strong> a comunicação reduzida a um jogo livre <strong>do</strong> significante (cf. 1973, apud Broich<br />

e Pfíster, 1985: 9). O intertexto era também visto por Roland Barthes como um gran<strong>de</strong><br />

espaço partilha<strong>do</strong> entre o novo texto e as partes estranhas, previamente existentes,<br />

funcionan<strong>do</strong> como um soni<strong>do</strong> que alerta e articula cada texto 3 (cf. 1975, apud Broich e<br />

Pfíster, 1985: 13).<br />

Partin<strong>do</strong> da noção <strong>de</strong> diálogo implícito, Renate Lachmann foi pioneira no espaço<br />

alemão na distinção entre <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> classificada, por um la<strong>do</strong>, como categoria<br />

que permite implicar uma dimensão mais generalizada <strong>de</strong> textos ou na aplicação <strong>de</strong> um<br />

conceito restrito que estabelece uma categoria <strong>de</strong>scritiva para textos cuja estrutura está<br />

organizada <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a interferência <strong>de</strong> textos ou elementos textuais (cf. Lachmann,<br />

1984: 133). Tiran<strong>do</strong> proveito da terminologia utilizada por Kristeva, Lachmann<br />

<strong>de</strong>dicou-se à análise da organização <strong>intertextual</strong> <strong>do</strong> texto literário, distinguin<strong>do</strong> entre<br />

"fenotexto" ou texto que evi<strong>de</strong>ncia o fenómeno <strong>intertextual</strong> e "texto <strong>de</strong> referência" ou<br />

texto estranho implica<strong>do</strong> (cf. ibi<strong>de</strong>m: 136). Também no espaço alemão, Manfred Pfíster<br />

salvaguarda a relação especial que um texto po<strong>de</strong>rá manter com outros textos, no seio<br />

da literatura. De facto, fez-se sentir uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação <strong>do</strong>s termos <strong>de</strong><br />

utilização <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, ligada a uma análise cuidada <strong>do</strong> texto 5 . Terá<br />

Em >Roland Barthes par Roland Barthes< Barthes esclarece o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> jogo <strong>intertextual</strong>: »L'intertexte ne<br />

comprend pas seulement <strong>de</strong>s textes délicatement choisis, secrètement aimés, libres, discrets, généreux, mais aussi <strong>de</strong>s<br />

textes communs, triomphants« (Barthes, 1975 : 52) e posteriormente no ensaio explica o senti<strong>do</strong> figurativo <strong>do</strong><br />

significante: »l'intertexte n'est pas forcément un champ d'influences; c'est plutôt une musique <strong>de</strong> figures, <strong>de</strong><br />

métaphores, <strong>de</strong> pensées-mots; c'est le signifiant comme sirènes (ibi<strong>de</strong>m: 129).<br />

4 No <strong>estu<strong>do</strong></strong> sobre a estrutura <strong>intertextual</strong> <strong>do</strong> "fenotexto", Lachmann <strong>de</strong>scortina duas formas distintas que or<strong>de</strong>nam os<br />

sinais <strong>de</strong> referência: a "contaminação" e o "anagrama". Quan<strong>do</strong> há uma selecção <strong>do</strong>s elementos provenientes <strong>de</strong><br />

várias partes <strong>de</strong> textos referenciais, então, assiste-se a uma "contaminação" ou a uma montagem que prescin<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

valor original correspon<strong>de</strong>nte à totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> texto referencia<strong>do</strong>, uma vez que está em contacto com outras partes ou<br />

elementos estranhos. O "anagrama", pelo contrário, reproduz no "fenotexto" uma estrutura coerente <strong>do</strong> mesmo texto<br />

estranho, repartida por diferentes elementos (cf. Lachmann, 1984: 137). A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma análise <strong>intertextual</strong><br />

mais restritiva não impediu que a investiga<strong>do</strong>ra absorvesse conceitos tão dispersos como os <strong>de</strong> Kristeva e a sua<br />

análise semiótica <strong>do</strong>s textos ou mesmo que convertesse a recepção <strong>de</strong> Jean Starobinski (cf. 1969, apud Stocker, 1998:<br />

19-20) <strong>do</strong>s conhecimentos sobre o anagrama <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s por Saussurre para uma teoria da linguística estruturalista<br />

numa análise <strong>intertextual</strong> em busca <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s ocultos, numa interpretação aproximada da hermenêutica<br />

revela<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> texto por <strong>de</strong>svendar.<br />

Segun<strong>do</strong> Renate Lachmann, a perspectiva <strong>de</strong> análise <strong>do</strong> texto ocupa-se com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um aparato<br />

<strong>de</strong>scritivo, influencia<strong>do</strong> pela pesquisa nos <strong>do</strong>mínios da retórica e da anagramática, com o objectivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />

estratégias específicas da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> e as suas funções (cf. Lachmann, 1984: 134).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

si<strong>do</strong> essa a principal razão que levou alguns teóricos mais restritivos a procurar<br />

constituir uma gramática, um sistema <strong>de</strong> indica<strong>do</strong>res e categorias analíticas que<br />

acreditam ajudar a compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>intertextual</strong> (cf. Plett, 1991: 4). De um<br />

mo<strong>do</strong> particular, os investiga<strong>do</strong>res alemães posicionam-se entre os que, na encruzilhada<br />

da teorização sobre a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, premeiam a relação <strong>de</strong> excelência entre textos<br />

literários e evitam uma utilização <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> alargada <strong>do</strong> conceito.<br />

As reflexões <strong>de</strong> Lachmann, bem como as <strong>de</strong> Stierle ou <strong>de</strong> Pfíster, ten<strong>do</strong> por base<br />

as noções <strong>de</strong>senvolvidas por Gérard Genette e que apontavam para relações primárias<br />

entre textos literários, procuram restringir o conceito <strong>de</strong> texto geral proposto pelo pósestruturalismo<br />

e pelo <strong>de</strong>construtivismo. Será essa orientação restrita, analisável nas suas<br />

categorias processuais, que servirá como ponto <strong>de</strong> partida para este <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>intertextual</strong>.<br />

Darei especial atenção à classificação, para muitos referencial, <strong>de</strong> Gérard Genette que,<br />

ao afastar-se das teses pós-estruturalistas <strong>de</strong>fensoras <strong>do</strong> texto universal, imanente e<br />

transcen<strong>de</strong>nte, inspiran<strong>do</strong>-se na visão estruturalista 6 da literatura como campo semifecha<strong>do</strong><br />

e supostamente autónomo, procurou <strong>de</strong>limitar a fronteira da textualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um sistema recorrente, vin<strong>do</strong> a inspirar numerosos <strong>estu<strong>do</strong></strong>s 7 que se lhe seguiram. Os<br />

cinco tipos <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> que distingue, e que à frente referirei, constituirão<br />

também um mo<strong>de</strong>lo base que seguirei no meu trabalho.<br />

O princípio comunicativo da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> proposto pelos <strong>estu<strong>do</strong></strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s<br />

ao longo <strong>do</strong>s anos oitenta <strong>de</strong>riva especialmente a sua atenção para a produção<br />

textual e para os princípios que regem o acto da escrita <strong>intertextual</strong>. Todavia, o papel<br />

também relevante <strong>do</strong> leitor fundamentou a pesquisa <strong>de</strong> cariz semiótico <strong>de</strong> Susanne<br />

Holthuis em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos noventa, preocupada com o mo<strong>do</strong> como as diversas funções<br />

das relações intertextuais são assimiladas (cf. Holthuis, 1993: 6). Mesmo reconhecen<strong>do</strong><br />

que as estruturas organizadas <strong>intertextual</strong>mente se po<strong>de</strong>m manifestar <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong><br />

explícito no texto, Holthuis reitera que as mesmas têm que ser reconhecidas pelo leitor 8<br />

como tais e trabalhadas para que o diálogo <strong>do</strong>s textos seja <strong>de</strong>preendi<strong>do</strong> e posto em<br />

Graham Allen explica esta antinomia conceptual como a oposição entre a disseminação ou explosão textual<br />

concebida por Barthes e o reagrupamento e sistematização <strong>de</strong> Genette que, apesar <strong>de</strong> longe <strong>de</strong> uma resolução, propõe<br />

uma visão aberta e estruturalista no âmbito <strong>do</strong> vasto campo da teoria da literatura actual (cf. Allen, 2000: 102).<br />

Cite-se, a título <strong>de</strong> exemplo, o caso <strong>de</strong> Heinrich Plett (cf. Plett, 1991: 5-8).<br />

8 Segun<strong>do</strong> Susanne Holthuis a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> constitui-se como relação entre textos no continuum da recepção-<br />

»Demzufolge mup auch Intertextualitãt verstan<strong>de</strong>n wer<strong>de</strong>n ais eine Texten nicht inhárente Eigenschaft auch hier<br />

mup davon ausgegangen wer<strong>de</strong>n, da(3 intertextuellen Qualitãten zwar vom Text motiviert wer<strong>de</strong>n kõnnen, aber<br />

vollzogen wer<strong>de</strong>n in <strong>de</strong>r Interaktion zwischen Text und Leser, seinen Kenntnismengen und Rezeptionserwartungen«<br />

6<br />

(Holthuis, 1993:31).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

9<br />

movimento (cf. Holthuis, 1993: 31-32). Porém, a perspectiva avançada por esta investiga<strong>do</strong>ra<br />

alemã enfatiza <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> da recepção, pois preten<strong>de</strong> aplicar a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

como mecanismo base a todas as leituras. Peter Stocker, no seu <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong>s<br />

mo<strong>de</strong>los e teoria das leituras intertextuais, <strong>de</strong>nuncia uma compreensão enfática da<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> em Holthuis 9 , reafirman<strong>do</strong> que a leitura, apesar <strong>de</strong> ter um cunho pessoal,<br />

é conduzida pelo texto, como asseguram os trabalhos anteriores da escola <strong>de</strong><br />

Constança sobre estética da recepção ou os <strong>de</strong> Umberto Eco sobre semiótica literária:<br />

»dap neben <strong>de</strong>r Leserabhãngigkeit immer eine gewisse Textabhãngigkeit <strong>de</strong>r Lektúre<br />

besteht« (Stocker, 1998: 90).<br />

Inspira<strong>do</strong> pelo <strong>estu<strong>do</strong></strong> sobre palimpsestes <strong>de</strong> Genette, Stocker aprofunda a análise<br />

das formas intertextuais. Para este investiga<strong>do</strong>r, a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá ser<br />

consi<strong>de</strong>rada como uma estratégia textual que, através da marcação <strong>de</strong> campos <strong>de</strong><br />

relações intertextuais e aliada a outras estratégias textuais, influencia as condições <strong>de</strong><br />

experimentação <strong>do</strong> respectivo pós-texto. Contrarian<strong>do</strong> as conclusões <strong>de</strong> Wolfgang Iser 10<br />

que apontam para o potencial <strong>de</strong>terminante <strong>do</strong> texto sobre o leitor, Stocker admite<br />

apenas que a estratégia textual possa influenciar mas nunca <strong>de</strong>terminar a recepção. Um<br />

texto dispõe, além <strong>do</strong> mais, e em regra, não só <strong>de</strong> uma estratégia mas <strong>de</strong> uma "mão<br />

cheia" <strong>de</strong> estratégias textuais (cf. Stocker, 1998: 92). As conclusões <strong>de</strong> Stocker<br />

procuram sintetizar o percurso da teoria <strong>intertextual</strong> nos últimos trinta anos, exploran<strong>do</strong><br />

os diversos conceitos propostos e o contributo que legaram, porém, na hora <strong>de</strong> escolher<br />

a via mais certa, o investiga<strong>do</strong>r alemão reconhece a falibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um conceito global<br />

único e atribui às <strong>de</strong>finições particulares e plurais a responsabilida<strong>de</strong> pela organização<br />

profunda <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> (cf. Stocker, 1998: 20).<br />

Assumin<strong>do</strong> os riscos <strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong>scritiva em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma visão mais<br />

ontológica e global, também o meu <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>intertextual</strong> procurará ancorar as suas<br />

convicções e o seu suporte teórico na classificação <strong>de</strong> Genette e na síntese fundamental<br />

<strong>de</strong> Stocker, permanecen<strong>do</strong> eu convicto <strong>de</strong> que a citação e a alusão formam um núcleo<br />

essencial <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>: »Die rhetorischen Figuren Zitat und Anspielung bil<strong>de</strong>n<br />

eine Art von Kernbereich <strong>de</strong>r Intertextualitát. Sie stehen also genau <strong>do</strong>rt, wo die<br />

9 Peter Stocker integra o <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Susanne Holthuis no que apelida como "estilística da leitura", marginalizan<strong>do</strong>-a<br />

por ser <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> teórica, pouco pragmática e pouco esclarece<strong>do</strong>ra (cf. Stocker, 1998: 12).<br />

Segun<strong>do</strong> Iser, o texto comunica ao leitor um "código" e esta estratégia textual (Textstrategie) permite <strong>de</strong>senvolver<br />

o potencial <strong>de</strong> influência (Wirkungspotential) da recepção ou leitura: »Textstrategien entwerfen die<br />

Erfahrungsbedingungen <strong>de</strong>s Textes ( 1990, apud Stocker, 1998: 91 ).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 10<br />

Intertextualitãtstheorie durch nuanciertes Differenzieren und Textnahes Arbeiten an literarischen<br />

Details fur die nõtige Jiefe' <strong>de</strong>s theoretischen Entwurfs zu sorgen hat«<br />

(Stocker, 1998:21).<br />

1.1.1 Formas <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

Gérard Genette, publica em 1982 >Palimpsestes


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

11<br />

global <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> em pequenas incógnitas (cf. Stocker, 1998: 50). A<br />

preocupação com a certeza nominal das classificações levou Stocker a procurar na raiz<br />

etimológica <strong>de</strong> prefixos gregos ou latinos o po<strong>de</strong>r para a exactidão das formas<br />

intertextuais. Assim, a palintextualida.<strong>de</strong>, que se encontra no núcleo central <strong>do</strong> campo<br />

vasto da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, engloba citações e alusões e preten<strong>de</strong> a partir da <strong>de</strong>finição<br />

sugerir o seu carisma, i.e., a repetição (cf. Stocker, 1998: 51). A metatextualida<strong>de</strong><br />

coinci<strong>de</strong> em parte com a explicação genettiana para esta forma <strong>intertextual</strong>, sen<strong>do</strong><br />

necessário distingui-la da citação e da utilização que esta faz <strong>do</strong> material verbal<br />

disponível a partir <strong>do</strong> pretexto. Contrariamente, as palavras utilizadas pelo metatexto<br />

preten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cifrar o pretexto, nomean<strong>do</strong>-o apenas para po<strong>de</strong>r reflectir sobre ele através<br />

<strong>de</strong> uma metalinguagem. Neste grupo são ainda incluí<strong>do</strong>s os apêndices <strong>do</strong> texto ou<br />

aqueles elementos extratextuais que Genette <strong>de</strong>nomina por paratextuais e que, segun<strong>do</strong><br />

Stocker, fazem, pelo contrário, parte integrante <strong>do</strong> texto, manifestan<strong>do</strong> também<br />

metatextualida<strong>de</strong>. A partir <strong>do</strong> <strong>estu<strong>do</strong></strong> das práticas hipertextuais, são reveladas mais duas<br />

formas <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>: a hipertextualida<strong>de</strong> propriamente dita e a similtextualida<strong>de</strong>.<br />

A diferenciá-las está a fronteira entre a relação com um só texto ou, porventura, com<br />

uma classe <strong>de</strong> textos (cf. Stocker, 1998: 64). Quer se <strong>de</strong>signem paródia, quer travestie,<br />

pastiche, caricatura, contrafactura, ou recebam o nome <strong>de</strong> transposições, em comum,<br />

todas elas parecem ter a arte da imitação 11 . Por último, Stocker distingue ainda entre a<br />

tematextualida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>motextualida<strong>de</strong> para explicitar a primeira como o caso das formas<br />

que ao invés <strong>de</strong> tratarem tematicamente um só texto relaciona<strong>do</strong>, tal acontece com<br />

a metatextualida<strong>de</strong>, explorarem o mo<strong>de</strong>lo estilístico, textual ou a forma <strong>de</strong> escrita. No<br />

caso da <strong>de</strong>motextualida<strong>de</strong>, essa interrelação não se processa pela temática ou pela<br />

reflexão mas, antes, pela <strong>de</strong>monstração efectiva <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong> textos (cf. Stocker,<br />

1998: 65-68).<br />

Stocker sublinha que a imitação hipertextual segue o postula<strong>do</strong> da dissimulação e que <strong>de</strong>ve ser encarada como um<br />

instrumento <strong>de</strong> evolução literária: »Literarhistorisch ist sie oftmals vielmehr ein Instrument <strong>de</strong>r literanschen<br />

Entwicklung durch Aufhebung von Tradition« (Stocker, 1998: 61).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 12<br />

1.1.1.1 A palintextualida<strong>de</strong>: citação e alusão<br />

De acor<strong>do</strong> com Genette, a transtextualida<strong>de</strong> assume uma classificação mais simples<br />

<strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> pratica a sua forma mais explícita e literal, i.e., a citação,<br />

que segun<strong>do</strong> os cânones tradicionais, parte <strong>de</strong> um texto estranho anterior: um da<strong>do</strong><br />

elemento <strong>do</strong> pretexto ou hipotexto (conforme a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> Genette) é integra<strong>do</strong> no<br />

intertexto ou hipertexto, sen<strong>do</strong> respeita<strong>do</strong> integralmente o seu conteú<strong>do</strong> e forma; se essa<br />

evocação não for <strong>de</strong>clarada mas ainda literal, então, estamos perante o plágio, uma<br />

forma menos explícita e menos canónica; a alusão constitui uma forma ainda menos<br />

explícita e menos literal, um enuncia<strong>do</strong> a necessitar <strong>de</strong> uma percepção inteligente que<br />

<strong>de</strong>scortine a ligação entre os textos a partir das suas inflexões, <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>, não<br />

receptíveis (cf. Genette, 2000: 8). Da fórmula mais directa à mais implícita, todas estas<br />

manifestações intertextuais preten<strong>de</strong>m implicar o pretexto, repetin<strong>do</strong>-o, reproduzin<strong>do</strong>-o<br />

as vezes que forem esteticamente necessárias. Uma citação é, numa abordagem simples,<br />

a repetição <strong>de</strong> uma exteriorização.<br />

A citação recebe, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Stocker, em conjunto com a alusão o nome <strong>de</strong><br />

palintextualida<strong>de</strong>, queren<strong>do</strong> o prefixo "palin" sublinhar a repetição como principal<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> conceito (cf. Stocker, 1998: 51). A terminologia utilizada por Stocker<br />

não só con<strong>de</strong>nsa na repetição a principal característica da citação e da alusão, como<br />

preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar a "Kernzone" ou o núcleo central, distinguin<strong>do</strong> a palintextualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> outros campos mais vastos <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>. Apesar da repetição ser condição<br />

essencial para que a palintextualida<strong>de</strong> aconteça, esse requisito não supõe um<br />

or<strong>de</strong>namento semântico <strong>do</strong> discurso fiel ao pretexto. Segun<strong>do</strong> Stocker, a repetição<br />

palintextual <strong>de</strong> exteriorizações <strong>do</strong> discurso não implica a repetição <strong>de</strong> exteriorizações <strong>de</strong><br />

conteú<strong>do</strong> 12 , contu<strong>do</strong>, é postula<strong>do</strong> <strong>do</strong> valor da palintextualida<strong>de</strong> que um texto<br />

(palintexto) cite elementos textuais específicos <strong>de</strong> um ou mais textos (pretextos) <strong>do</strong><br />

discurso ou os repita <strong>de</strong> forma transformada (cf. Stocker, 1998: 53-54).<br />

- Heinnch Plett sublinha ser necessário distinguir entre <strong>do</strong>is níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>intertextual</strong>: o da expressão e o <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong>, ou a superfície e a estrutura profunda das citações. Enquanto que a estrutura <strong>de</strong> superfície produz<br />

transformações (adições, subtracções, substituições, permutações e repetições) sobre as unida<strong>de</strong>s linguísticas <strong>de</strong><br />

referencia, a estrutura profunda da citação intervém sobre os vários níveis <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>, i.e., é empreendi<strong>do</strong> um<br />

diálogo para além <strong>do</strong> elemento cita<strong>do</strong> e que compreen<strong>de</strong> o contexto primário mas também o secundário (cf. Plett,


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

13<br />

A citação é, assim, o exemplo mais concreto da relação <strong>de</strong> implicação entre<br />

textos literários. Reduzi<strong>do</strong> a um fragmento, que po<strong>de</strong> ser muito pequeno, o primeiro<br />

texto é integra<strong>do</strong> no novo contexto, preparan<strong>do</strong>-se para assumir uma nova função.<br />

Segun<strong>do</strong> Stierle, a citação renuncia metonimicamente ao contexto <strong>de</strong> origem, sem nunca<br />

prescindir da riqueza <strong>do</strong> seu potencial, que está <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> novo contexto e da capacida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> leitor em interpretar os sinais que a relacionam com o contexto anterior (cf.<br />

Stierle, 1984: 148). De facto, as citações, por serem elementos estranhos, requerem uma<br />

integração no novo contexto. Plett <strong>de</strong>screve como esta integração se processa em três<br />

fases: com a intrusão <strong>do</strong> elemento estranho, ocorre uma interrupção no continuum precepcional<br />

e, consequentemente, urge verificar e interpretar o elemento estranho, viajan<strong>do</strong><br />

até ao pretexto. Numa fase final, o elemento estranho é integra<strong>do</strong> no continuum<br />

percepcionai, já num nível avança<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência <strong>do</strong> valor da citação no contexto (cf.<br />

Plett, 1991: 16). Plett <strong>de</strong>dicou particular atenção à estrutura mais profunda das citações,<br />

i.e., ao sinal duplo, como Michael Riffaterre (1980) <strong>de</strong>nominou o sinal emiti<strong>do</strong> pelo<br />

texto cita<strong>do</strong> (cf. Plett, 1991: 10). Os níveis <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> esten<strong>de</strong>m-se para além <strong>de</strong> uma<br />

única isotopia, são poliisotópicos, pois compreen<strong>de</strong>m um primeiro contexto <strong>do</strong> elemento<br />

cita<strong>do</strong>, mas também um segun<strong>do</strong>. O diálogo <strong>intertextual</strong> será mais complexo<br />

quanto mais citações houver no texto poético 13 e quanto maior for a sua frequência.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o teor iterativo 14 que caracteriza algumas citações faz <strong>de</strong>las o campo <strong>de</strong><br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> com maior influência.<br />

De notar ainda, a eventual presença <strong>de</strong> marca<strong>do</strong>res explícitos a assinalar citações<br />

tanto <strong>de</strong>ntro como fora <strong>do</strong> texto (as notas marginais ou os prefácios são marca<strong>do</strong>res<br />

extratextuais que ganham segun<strong>do</strong> Plett o estatuto <strong>de</strong> subtexto). Na ausência <strong>de</strong><br />

marca<strong>do</strong>res, cabe ao receptor, na sua competência <strong>de</strong> leitor experimenta<strong>do</strong> 15 , <strong>de</strong>cidir se<br />

»The more quotations are enco<strong>de</strong>d in a poetical text, the more complex will be its <strong>intertextual</strong> <strong>de</strong>ep structure the<br />

more polyphonic the textual dialogue« (Plett, 1991: 10). O envolvimento da citação no texto poético é <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

pela frequência com que segmentos <strong>do</strong> pretexto sào cita<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o seu impacto na estrutura e significa<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

texto ser menor se a sua ocorrência for também pequena. Plett alerta para o facto <strong>do</strong> contexto da citação ser nesse<br />

caso <strong>de</strong> maior influencia <strong>do</strong> que a própria citação. Se as interpolações <strong>do</strong> pretexto ocorrerem, pelo contrário em<br />

maior rrequencia, a influencia <strong>do</strong> contexto diminui em proporção (cf. Plett, 1991: 11)<br />

A confirmação <strong>do</strong> valor da citação surge por intermédio da componente iterativa que a caracteriza É a repetição<br />

que permite o processo <strong>de</strong> inquirição e a posterior leitura correcta da citação (cf. Benninghoff-Luhl 1998- 90-102)<br />

Segun<strong>do</strong> Benn.nghoff-Luhl, a citação é acolhida pelo leitor que a recebe impressiona<strong>do</strong> pelo seu tom provoca<strong>do</strong>r<br />

antes <strong>de</strong> propriamente a reconhecer como tal: »Die Nahme entspncht <strong>de</strong>r Gabe: ein gelungenes Zitat nimmt nicht nur<br />

geschickt son<strong>de</strong>rn sçhlágt und trifft <strong>de</strong>n Léser mit <strong>de</strong>m Genommenen, es unterw.rft ihn, bevor es erkannt wird«<br />

(Benninghoff-Luhl, 1998: 68). Perante o discurso cita<strong>do</strong>, o leitor entra numa espécie <strong>de</strong> jogo mascara<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s entre a evocação original que por sua vez motiva a interpolação e o metatexto consequente que produz<br />

respostas. Assim se comporta a reprodução em relação à fonte original, modifican<strong>do</strong>-a e geran<strong>do</strong> um novo texto (cf<br />

Benninghoff-Luhl, 1998: 119).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

14<br />

um da<strong>do</strong> segmento é ou não citação (cf. Plett, 1991: 12). Quan<strong>do</strong> presentes, os<br />

marca<strong>do</strong>res explícitos indicam directamente uma citação. Trata-se <strong>de</strong> uma chamada <strong>de</strong><br />

atenção para a presença da citação, quer se trate <strong>de</strong> simples unida<strong>de</strong>s morfológicas ou<br />

unida<strong>de</strong>s sintácticas citadas, quer incluam secções <strong>de</strong> texto mais alargadas. À medida<br />

que se transita da citação para a alusão, a presença <strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>res é menos visível,<br />

mais implícita e a fusão <strong>do</strong>s elementos linguísticos <strong>do</strong> pretexto no intertexto ocorre<br />

sem um reconhecimento imediato da presença <strong>de</strong> um elemento <strong>de</strong>rivativo ou intruso.<br />

Dentro da perspectiva recepcionai que orienta o seu <strong>estu<strong>do</strong></strong>, Susanne Holthuis<br />

explica como o leitor participa na construção <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s, alian<strong>do</strong> à função da<br />

recepção um elemento constituinte <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> (cf. Holthuis, 1993: 114).<br />

Holthuis refere que a <strong>de</strong>cisão que presi<strong>de</strong> à avaliação da forma <strong>intertextual</strong> específica<br />

presente no texto, se citação, plágio, paródia, alusão, etc., <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong>s horizontes ou<br />

<strong>do</strong>s conhecimentos da recepção, das competências <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong> leitor e não<br />

unicamente da estrutura <strong>de</strong> superfície <strong>do</strong> intertexto ou <strong>do</strong> texto referencial (cf. Holthuis,<br />

1993: 122). A i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> referência está <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos <strong>do</strong> leitor 17 . Uma leitura <strong>de</strong>sta natureza compreen<strong>de</strong> a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong><br />

estratégias <strong>de</strong> análise textual que, por sua vez, permitam a produção <strong>de</strong> uma coerência<br />

local e global, bem como um processo 18 <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>de</strong> "cotextualização" e <strong>de</strong><br />

"contextualização" (cf. Holthuis, 1993: 195). Todavia, a competência <strong>do</strong> leitor<br />

especializa<strong>do</strong> em reconstruir os mun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> texto está sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r<br />

referencial <strong>do</strong> próprio texto ou, em suma, da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> micro instâncias como<br />

citações ou alusões em comunicarem as visões imaginárias <strong>do</strong>s pretextos, com os quais<br />

se encontram em relação.<br />

Na análise <strong>de</strong> Susanne Holthuis, po<strong>de</strong>r-se-ão esperar marca<strong>do</strong>res intertextuais implícitos se ocorrerem <strong>de</strong>svios<br />

específicos como <strong>de</strong>terminadas incompatibilida<strong>de</strong>s na estrutura <strong>de</strong> superfície (através das indicações <strong>de</strong> personagens<br />

ficcionais, indicações temáticas, assuntos específicos, estruturas <strong>de</strong> enre<strong>do</strong>, etc.); como apontamentos meta<br />

discursivos no título ou no subtexto; ou a partir <strong>de</strong> outras estratégias <strong>de</strong> referência como as alusões; pela ruptura das<br />

normas ou da coerência textual, através <strong>de</strong> indicações contextualmente motivadas. E sintetiza: »Im Unterschied zu<br />

expliziten o<strong>de</strong>r quasi-expliziten Markierungsformen indizieren sie [implizierte Intertextualitátsmarke] zwar eine<br />

moghche intertextuelle Referenz, nicht aber die spezifische Stratetegie und kõnnen daher je nach Typus auch fur<br />

an<strong>de</strong>re Mamfestationsformen referentieller Intertextualitãt angenommen wer<strong>de</strong>n« (Holthuis, 1993: 111).<br />

Umberto Eco <strong>de</strong>fine o leitor crítico como um "leitor-mo<strong>de</strong>lo" que, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitor-Vicção <strong>do</strong> autor, se orienta<br />

para o leitor i<strong>de</strong>al, que é capaz <strong>de</strong> colaborar na actualização <strong>do</strong> texto tal como o autor imaginou, progredir na<br />

interpretação no senti<strong>do</strong> que o autor <strong>de</strong>ixou marca<strong>do</strong> na obra e que <strong>de</strong>ve também ser entendi<strong>do</strong> como estratégia<br />

textual (cf. 1990, apud Holthuis, 1993: 227-228).<br />

O processo <strong>de</strong> inclusão e compreensão da citação no intertexto já foi anteriormente <strong>de</strong>scrito (cf. supra p 13) na<br />

explicação <strong>de</strong> Holthuis sobre a "<strong>intertextual</strong>izaçâo", esta é <strong>de</strong>finida como uma complexa macroestratégia dá recepção<br />

que compreen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ntificação no texto <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res intertextuais, a i<strong>de</strong>ntificação e reactivação <strong>do</strong> texto <strong>de</strong><br />

referência, a selecção para análise textual <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s textuais externos mais relevantes e a sua integração ten<strong>do</strong> em<br />

vista a construção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto (cf. Holthuis, 1993: 197).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

15<br />

1.1.1.2 A metatextualida<strong>de</strong>: interpretação, comentário, crítica e paratexto<br />

O código da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina que quantas mais citações a remeterem<br />

para o pretexto tanto mais intensa será a relação <strong>intertextual</strong>. Na observação <strong>de</strong> Pfíster,<br />

nessa crescente referência ao contexto <strong>de</strong> origem, o intertexto transforma-se em<br />

metatexto, ou está presente uma certa metatextualida<strong>de</strong> que interpreta e comenta o<br />

pretexto (cf. Broich e Pfíster, 1985: 26). Como forma particular <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, a<br />

metatextualida<strong>de</strong> diferencia-se, tanto para Genette como para Stocker, <strong>de</strong> outras<br />

marcações mais visíveis como a palintextualida<strong>de</strong>, pois nela não se utilizam palavras<br />

estranhas <strong>do</strong> pretexto, antes se fala sobre ele. Em contrapartida, no metatexto, mesmo as<br />

palavras que se relacionam com o texto trata<strong>do</strong>, asseguram não uma utilização citada<br />

mas uma nomeação metalinguística. O recurso a expressões citadas é na<br />

metatextualida<strong>de</strong> apenas aci<strong>de</strong>ntal enquanto na palintextualida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> a uma<br />

característica essencial (cf. Stocker, 1998: 58).<br />

A metatextualida<strong>de</strong> ambiciona a interpretação <strong>do</strong> texto referencia<strong>do</strong>. O<br />

metatexto transforma-se num instrumento <strong>de</strong> reflexão. Os <strong>estu<strong>do</strong></strong>s <strong>de</strong> Stierle assinalam a<br />

presença da interpretação como um metatexto que ilumina premissas e outros aspectos<br />

implícitos <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo textual (cf. Stierle, 1984: 149). Já o comentário<br />

procura <strong>do</strong>minar as lacunas <strong>do</strong> texto comenta<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong> implícito tema das suas<br />

explicações. O comportamento entre comentário e texto comenta<strong>do</strong> não é, na opinião <strong>de</strong><br />

Stierle, o <strong>de</strong> um jogo livre <strong>de</strong> diferenças, mas, pelo contrário, o <strong>de</strong> uma ligação ao<br />

objecto, i.e., ao texto comenta<strong>do</strong>, através <strong>de</strong> uma <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> subjugante (cf.<br />

Stierle, 1984: 149). Finalmente a crítica situa-se, ainda segun<strong>do</strong> Stierle, num campo<br />

aberto. Ela não é só o garante da constituição textual, mas é também o garante <strong>do</strong><br />

assunto que é concretiza<strong>do</strong> linguisticamente no texto e a prova <strong>do</strong> momento estético da<br />

obra atravessa<strong>do</strong> por uma relação <strong>intertextual</strong> que não está preocupada em marcar a<br />

diferença mas da qual brotam interesses por coisas nomeáveis (cf. Stierle, 1984: 149).<br />

A <strong>de</strong>nominação utilizada por Genette prevê uma outra forma <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

que estabelece a ponte com o texto central mas que se refere a elementos que não<br />

pertencem ao texto. A paratextualida<strong>de</strong> preten<strong>de</strong> ser, segun<strong>do</strong> o teórico francês, um<br />

segun<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> transtextualida<strong>de</strong> constituída pela relação menos explícita e mais


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

16<br />

distante entre o texto e o seu paratexto, o qual engloba os elementos que estão na<br />

periferia <strong>do</strong> texto e que ajudam os leitores a direccionar e a controlar a sua recepção 19<br />

(cf. Genette, 2000: 10). Elementos paratextuais compreen<strong>de</strong>m o título e subtítulo,<br />

prefácio e posfácio, mote, subtexto, anotações ou ainda o <strong>de</strong>senho da capa sobre a qual<br />

recai também um significa<strong>do</strong>, uma vez que assinala, por exemplo, o lugar <strong>do</strong> texto numa<br />

série <strong>de</strong> textos. Com o objectivo <strong>de</strong> iluminar a leitura, o paratexto ajuda a estabelecer as<br />

intenções <strong>do</strong> texto, como <strong>de</strong>ve ou não <strong>de</strong>ve ser li<strong>do</strong>, formulan<strong>do</strong> um conjunto simples <strong>de</strong><br />

questões relacionadas com o seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> existência: quan<strong>do</strong> foi publica<strong>do</strong>? Por quem?<br />

Com que propósito? Mas, como ressalva Genette, »La paratextualité est surtout une<br />

mine <strong>de</strong> questions sans réponses« (Genette, 2000: 11).<br />

A partir das legendas disponibilizadas pelos elementos periféricos <strong>do</strong> texto,<br />

Stocker preten<strong>de</strong> contrariar Genette e o estabelecimento <strong>de</strong>sta forma individualizada <strong>de</strong><br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>. Para o teórico alemão, anotações ou rodapés são metatextos com uma<br />

componente especial, sub-or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s tipograficamente, não pertencentes ao texto mas a<br />

ele liga<strong>do</strong>s. O paratexto é uma componente extratextual intimamente relacionada com o<br />

texto através <strong>do</strong>s seus varia<strong>do</strong>s elementos que, no seu conjunto, constroem com o texto<br />

principal uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> livro (cf. Stocker, 1998: 59). Ao recusar um estatuto<br />

privilegia<strong>do</strong> das relações <strong>do</strong> texto com o paratexto, Stocker contesta a incoerência <strong>de</strong><br />

um relacionamento <strong>intertextual</strong> entre elementos intratextuais: »Wie sollten sich<br />

wiíratextuelle Elemente wie Titel, Zwischentitel und Motto wtertextuell auf <strong>de</strong>n Text,<br />

zu <strong>de</strong>m sie gehóren, beziehen kõnnen?« (Stocker, 1998: 59). A <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />

mo<strong>do</strong> manifestada não procura, assim, relacionar elementos pertencentes ao mesmo<br />

corpo, como Genette sugere entre paratexto e texto literário, mas antes interagir<br />

metatextualmente com o pretexto. A marcação <strong>de</strong> um da<strong>do</strong> pretexto conhece no título<br />

<strong>de</strong> um texto o meio mais directo e frequente <strong>de</strong> sinalização. Como reconhece Broich,<br />

um autor tem ainda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> accionar outras marcações paralelas, que incluem<br />

para além <strong>do</strong> título e subtítulo, um mote indica<strong>do</strong>r <strong>de</strong> relações intertextuais e um<br />

subtexto ou texto adjacente que po<strong>de</strong> também evi<strong>de</strong>nciar a presença <strong>do</strong> pretexto, quer na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> metatexto, quer como citação ou alusão (cf. Broich e Pfíster, 1985: 32-37).<br />

Allen, na análise que faz da taxionomia avançada por Genette, ilustra com varia<strong>do</strong>s exemplos a dimensão<br />

vastíssima da paratextualida<strong>de</strong>, referin<strong>do</strong> que o apontamento com os objectivos da série ou edição publicada e a<br />

<strong>de</strong>scrição sumária <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> na contracapa servem, na realida<strong>de</strong>, como elementos paratextuais, pois são concebi<strong>do</strong>s<br />

para assistir o leitor no estabelecimento <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> texto está a presenciar e como <strong>de</strong>ve lê-lo (cf. Allen, 2000:


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

17<br />

1.1.2 Funções da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong><br />

Consciente <strong>de</strong> que a relação <strong>intertextual</strong> não se po<strong>de</strong> cingir unicamente à construção<br />

<strong>de</strong> uma relação semiótica e fenomenológica, Karlheinz Stierle atribuiu, tal como<br />

Renate Lachmann, importância especial à relação hermenêutica ou pragmática da<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>. O mo<strong>do</strong> como um texto actualiza outro texto revela como este se<br />

relaciona com o texto que evoca. Não há ausência <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> ou referência<br />

20<br />

inocente no fenómeno <strong>intertextual</strong> (cf. Stierle, 1984: 145).<br />

A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas intertextuais observáveis no texto remete, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />

para um igualmente número variável <strong>de</strong> funções aliadas ao fenómeno. Partin<strong>do</strong> da<br />

análise <strong>do</strong> romance >Berlin Alexan<strong>de</strong>rplatz< (Dõblin, 1929), Stocker isola alguns<br />

exemplos <strong>de</strong> polivalência intratextual tais como: a caracterização <strong>de</strong> personagens ou a<br />

<strong>de</strong>scrição. Também o comentário <strong>intertextual</strong> oferece uma alternativa ao velho<br />

comentário <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r convencional. Stocker <strong>de</strong>screve ainda a capacida<strong>de</strong> que a<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> tem em antecipar acontecimentos ou em dramatizar quan<strong>do</strong> o pretexto<br />

é evoca<strong>do</strong> (cf. Stocker, 1998: 73-75). A esta panóplia <strong>de</strong> funções interinas alia-se a<br />

função cultural ao encontro <strong>de</strong> uma semiótica que <strong>de</strong>scodifica os sinais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da<br />

cultura. Para Stocker a função cultural da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> revela antes <strong>de</strong> mais a<br />

capacida<strong>de</strong> da literatura como porta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> memória. Recorda o que já passou,<br />

ressuscitan<strong>do</strong>-o, simulan<strong>do</strong> a sua presença, numa espécie <strong>de</strong> simulacro que renova o<br />

retrato <strong>do</strong>s ausentes. Por outro la<strong>do</strong>, a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> permite à cultura afirmar e<br />

potenciar a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a sua continuida<strong>de</strong> (cf. Stocker, 1998: 76-78). Se a<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> é capaz <strong>de</strong> armazenar património cultural também a ela se reserva o<br />

direito <strong>de</strong> contestar e <strong>de</strong> quebrar o processo cultural, apresentan<strong>do</strong>-se como contracultura.<br />

A ambivalência faz da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo miniatura das oscilações<br />

semióticas, representan<strong>do</strong> o jogo cultural num processo <strong>de</strong> constante "<strong>de</strong>ssemiotização"<br />

e "ressemiotização" (cf. Stocker, 1998: 79).<br />

Harold Bloom procurou <strong>de</strong>monstrar no seu ensaio <strong>de</strong> 1973, >The Anxiety of Influence^ como toda a escrita está<br />

antes sujeita a um jogo psicanalítico <strong>de</strong> permanente confronto, recusa ou sublimação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> escritores anteriores-<br />

«Poetic influence - when it involves two strong, authentic poets,- always proceeds by a misreading of the prior poet<br />

an act of creative correction that is actually and necessarily a misinterpretation. The history of fruitful poetic<br />

influence, which is to say the main tradition of Western poetry since the Renaissance, is a history of anxiety and selfsaying<br />

caricature, of distortion, of preverse, wilful revisionism without which mo<strong>de</strong>rn poetry as such could not exist«<br />

(The Anxiety of Influence, 30).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

18<br />

1.1.3 A recepção ou leitura <strong>intertextual</strong><br />

De acor<strong>do</strong> com a perspectiva recepcionai <strong>de</strong> Wolfgang Iser, o conceito da<br />

estratégia <strong>do</strong> texto não preten<strong>de</strong> que um texto comunique senti<strong>do</strong> mas sim que crie<br />

condições <strong>de</strong> experiência junto <strong>do</strong> leitor. O "código" <strong>do</strong> texto é comunica<strong>do</strong> ao leitor,<br />

permitin<strong>do</strong>-lhe <strong>de</strong>scobrir e interpretar o potencial <strong>de</strong> efeito {Wirkungspotentiat) conti<strong>do</strong><br />

no texto (cf. Iser, 1990: 156). Assim, em vez <strong>de</strong> um código com um efeito <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>,<br />

a estratégia <strong>do</strong> texto apenas influencia a recepção. Na opinião <strong>de</strong> Stocker, a<br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>, neste senti<strong>do</strong>, ser compreendida como uma estratégia possível<br />

<strong>do</strong> texto, que através da marcação <strong>do</strong>s campos <strong>de</strong> relação <strong>intertextual</strong> irá influenciar<br />

juntamente com outras estratégias <strong>de</strong> texto as condições <strong>de</strong> experiência <strong>do</strong> pós-texto (cf.<br />

Stocker, 1998: 92).<br />

O papel fundamental <strong>do</strong> leitor na recepção e interpretação <strong>do</strong>s sinais polissémicos<br />

emiti<strong>do</strong>s em potência pelo texto, que atrás já mencionei (cf. supra, 13-15), não<br />

esgota a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s que a teoria da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve contemplar.<br />

O reconhecimento da competência 21 <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> receptor não significa que a sua<br />

especialida<strong>de</strong> seja insuperável. Haverá sempre traços in<strong>de</strong>finíveis, relações quase<br />

imperceptíveis <strong>de</strong> implicância que ficarão por <strong>de</strong>monstrar. Ao leitor crítico cabe<br />

<strong>de</strong>scortinar as relações intertextuais <strong>de</strong>terminantes, gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s<br />

fundamentais para o processo <strong>de</strong> recepção 22 e compreensão da obra. Referin<strong>do</strong>-se ao<br />

sistema alusivo, U<strong>do</strong> Hebel explica que este pressupõe um comportamento dinâmico <strong>de</strong><br />

associações, conotações e implicações a vários níveis <strong>de</strong> referência, contan<strong>do</strong> com o<br />

dinamismo da leitura <strong>do</strong> receptor, que participa interpretan<strong>do</strong> e actualizan<strong>do</strong> o seu<br />

potencial evocativo (cf. Hebel, 1991: 140).<br />

- De acor<strong>do</strong> com Susanne Holthuis, uma vez que o texto nâo consegue criar to<strong>do</strong>s os pressupostos necessários a uma<br />

leitura completa na sua recepção, terá que ser o leitor a proce<strong>de</strong>r a uma apreensão exterior, recorren<strong>do</strong> a diferentes<br />

sistemas <strong>de</strong> conhecimento. Para uma a<strong>de</strong>quada compreensão da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> inerente são requesta<strong>do</strong>s não só<br />

, ^ ...,„„ ^, U4MIVA1UBUUOUV minium sau icqucsiauus nao SO<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s conhecimentos linguísticos que permitem ao leitor reconhecer os sinais intertextuais mas também um<br />

conhecimento cultural específico que irá garantir a comprovação da presença sinalizada <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pretexto<br />

(cf. Holthuis, 1993: 196).<br />

22 Influencia<strong>do</strong> pelas leituras <strong>de</strong> Riffaterre (1979), Stocker alia a recepção múltipla e evolutiva à complexida<strong>de</strong> que o<br />

acto da leitura em si encerra. Nâo é exclusivamente o intertexto que é transforma<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>senvolvimentos no<br />

horizonte da recepção mas também o pretexto com que se relaciona é atingi<strong>do</strong> por uma vaga <strong>de</strong> transformações<br />

<strong>de</strong>correntes da sua interpretação. A partir <strong>do</strong> exemplo <strong>de</strong> figuras retóricas como a metáfora ou a silepse, ambas <strong>de</strong><br />

codificação dupla e revela<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> distúrbios na coerência textual, é possível comprovar, ainda que <strong>de</strong>' um mo<strong>do</strong><br />

difuso, a dimensão profundamente semântica da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> e a operação labiríntica a cargo da leitura<br />

<strong>intertextual</strong> (cf. Stocker, 1998: 10-13).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos<br />

19<br />

Toda e qualquer análise <strong>intertextual</strong> <strong>de</strong>ve, assim, partir <strong>de</strong> micro instâncias como<br />

a citação, a alusão, o comentário, a paródia, a crítica, o paratexto e outros tantos mecanismos<br />

tópicos que explo<strong>de</strong>m em pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s no texto, para construir pontes<br />

<strong>de</strong> significação, para estabelecer uma relativa unida<strong>de</strong> na recontextualização, atribuin<strong>do</strong><br />

priorida<strong>de</strong> na relação <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> com os pretextos implica<strong>do</strong>s. A dupla codicida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> intertexto revelará um diálogo profícuo em confrontar e <strong>de</strong>bater i<strong>de</strong>ias, mas também<br />

interessa<strong>do</strong> em sublimar e impor novos para<strong>do</strong>xos: »puis ce para<strong>do</strong>xe s'empoisse,<br />

<strong>de</strong>vient lui-même concrétion nouvelle, nouvelle <strong>do</strong>xa, et il me faut aller plus loin vers<br />

un nouveau para<strong>do</strong>xe« (Barthes, 1975: 71).<br />

1.2 A referencialida<strong>de</strong><br />

Na análise que faz sobre a emancipação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, Peter<br />

Stocker começa por levantar questões que se pren<strong>de</strong>m, entre outras, com a possibilida<strong>de</strong><br />

da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> significar uma crise ou mesmo o fim da referencialida<strong>de</strong>, enquanto<br />

conceito liga<strong>do</strong> à mimese (cf. Stocker, 1998: 17). A noção <strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> abalou,<br />

<strong>de</strong> facto, com o conceito tradicional <strong>de</strong> referencialida<strong>de</strong>, ao concentrar as atenções nas<br />

referências específicas a universos literários ou na relação primordial com um<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pretexto. Todavia, a referencialida<strong>de</strong>, que submete a literatura e os seus<br />

códigos estéticos à influência <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> referência múltiplos, internos e externos,<br />

i.e., compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> não só a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um texto literário se auto-referir, mas<br />

também <strong>de</strong> suplantar as suas fronteiras, <strong>de</strong> comunicar com as coisas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ou as<br />

suas representações e <strong>de</strong> se relacionar <strong>intertextual</strong>mente com outros textos, não po<strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>r o seu lugar fulcral, pelo contrário, a <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> faz parte da<br />

referencialida<strong>de</strong>.<br />

Lembre-se que já a noção antiga e aristotélica pretendia abranger os <strong>do</strong>is<br />

fenómenos da <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> e da referencialida<strong>de</strong>, ambas assumidas como relações<br />

extra-textuais, numa só expressão: mimesis. Todavia, ao duplo significa<strong>do</strong> da palavra<br />

ce<strong>do</strong> prevaleceu, como sublinha Peter Stocker, uma concepção <strong>de</strong> arte imitativa que, a<br />

partir <strong>do</strong>s clássicos franceses e alemães ou correntes literárias como o Realismo burguês


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 20<br />

e socialista, orientava a arte para a realida<strong>de</strong> empírica, concebia a mimesis sob o<br />

fundamento da estética <strong>do</strong> real, através da imitação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, da natureza, da realida<strong>de</strong><br />

(cf. Stocker, 1998: 28-29). O segun<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> à noção aristotélica, que<br />

recua ao tempo <strong>de</strong> Horácio e estabelecia o conceito <strong>de</strong> imitação literária <strong>de</strong> autores<br />

mo<strong>de</strong>lo, será promovi<strong>do</strong> pela poética medieval e pelo Renascimento, tornan<strong>do</strong>-se<br />

gradualmente restrito (cf. Stocker, 1998: 29). No <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s últimos séculos, apesar<br />

<strong>de</strong> subavalia<strong>do</strong> e preteri<strong>do</strong> pela interpretação da estética <strong>do</strong> real, o conceito <strong>de</strong> imitatio<br />

sobreviveu, contribuin<strong>do</strong> para uma re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s pela literatura<br />

ficcional. Com o advento <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rnismo, o conceito positivista <strong>de</strong> real, que fazia<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r a produção <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma directa a<strong>de</strong>quação da obra aos da<strong>do</strong>s<br />

objectivos e empíricos, <strong>de</strong>smorona-se. Na análise evolutiva <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> referência, a<br />

investiga<strong>do</strong>ra Rosa Maria Martelo explica a relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> existente entre a<br />

crise da mimese <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada por movimentos como o simbolismo ou a tradição<br />

mo<strong>de</strong>rnista e o surgimento <strong>de</strong> uma ciência literária, <strong>de</strong> uma teoria da literatura, que, a<br />

partir <strong>do</strong>s <strong>estu<strong>do</strong></strong>s formalistas e estruturalistas, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o papel mo<strong>de</strong>lizante <strong>do</strong>s<br />

sistemas linguístico e literário (cf. Martelo, 1998: 34-35). A subalternização da forma<br />

em relação ao real e às suas representações dava lugar a um movimento introspectivo,<br />

adverso à conceptualização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> físico e a<strong>de</strong>pto da emancipação formal 23 . Através<br />

da auto-referência, os textos constituíam-se como representações autónomas e não se<br />

<strong>de</strong>ixavam reduzir a uma função única <strong>de</strong> imitação da realida<strong>de</strong>. Ao longo das últimas<br />

décadas, reacen<strong>de</strong>u-se o <strong>de</strong>bate não consensual sobre referência, no seio da filosofia da<br />

linguagem, da semiótica, da linguística, da literatura crítica ou da teoria da literatura,<br />

procuran<strong>do</strong> analisar-se o comportamento entre linguagem e realida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>finir,<br />

então, o que são referentes, se os mesmos, <strong>de</strong> facto, existem e como são aplicadas as<br />

diferentes formas referenciais na relação textual.<br />

Uma das conclusões que parece gerar algum consenso, parte <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong><br />

que na interpretação <strong>de</strong> um texto literário são diversos os campos <strong>de</strong> referência a<br />

consi<strong>de</strong>rar e que a sua complementarida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>cisiva. O privilégio ofereci<strong>do</strong> às formas<br />

<strong>de</strong> <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, i.e., como forma <strong>de</strong> referencialida<strong>de</strong>, às referências <strong>de</strong> um texto a<br />

Theo<strong>do</strong>r A<strong>do</strong>rno foi um <strong>do</strong>s acérrimos <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong> prima<strong>do</strong> da forma e no ensaio crítico >Erprefite Versòhnung<<br />

(1958) fundamenta as razões <strong>de</strong> uma arte avantgar<strong>de</strong> pela oposição i<strong>de</strong>ológica e conceptual ao anti-formalismo e ao<br />

realismo socialista, engagé, <strong>de</strong> outros intelectuais como Georg Lukács: «Seine Antithèse zur empirischen Realitát, die<br />

<strong>do</strong>ch in es fállt, ist gera<strong>de</strong>, dap es nicht, wie geistige Formen, die unmittelbare auf die Realitãt gehen, diese ein<strong>de</strong>utig<br />

ais dies o<strong>de</strong>r jenes bestimmt. Es spricht keine Urteile; Urteile wird es ais Ganzes« (Noten zur Literatur II, 270).


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 21<br />

outros textos, ou a formas mais herméticas que asseguram referências a um corpo<br />

textual fecha<strong>do</strong>, centra<strong>do</strong> nos seus constituintes e não volta<strong>do</strong> para fora, não po<strong>de</strong><br />

excluir, <strong>de</strong> facto, a comunicação com a realida<strong>de</strong> extra-literária. E se muitas teorias <strong>de</strong><br />

correntes realistas, dispersas no tempo, mas fiéis ao mesmo princípio, sustentam que a<br />

obra literária se po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve relacionar exclusivamente com a realida<strong>de</strong> extra-literária,<br />

nota-se agora que a re<strong>de</strong> complexa <strong>de</strong> relações com outros sistemas como o <strong>do</strong>cumental<br />

ou o histórico não permite à literatura a<strong>do</strong>ptar uma única referência inequívoca.<br />

De facto, nos textos ficcionais reflectem-se diferentes realida<strong>de</strong>s, que po<strong>de</strong>m<br />

provir <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio social, <strong>do</strong> universo <strong>do</strong>s sentimentos, das emoções, etc. Pessoas,<br />

lugares e acontecimentos da realida<strong>de</strong> são mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong>s pelo discurso ficcional que está,<br />

por sua vez, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das intenções e motivações <strong>do</strong> escritor. O real é no contexto<br />

circundante da obra entendi<strong>do</strong> como o mun<strong>do</strong> exterior à obra, gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s<br />

para o texto e construtor <strong>do</strong>s seus campos <strong>de</strong> interligação. De acor<strong>do</strong> com Wolfgang<br />

Iser, os campos da realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser tanto sistemas racionais, sistemas sociais ou<br />

retratos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como, porventura, outros textos, nos quais seja dispendida uma<br />

interpretação específica da realida<strong>de</strong>. O real constitui-se, consequentemente, no<br />

pluralismo <strong>do</strong>s discursos, os quais validam a <strong>de</strong>dicação <strong>do</strong> autor ao mun<strong>do</strong> (cf. Iser,<br />

1991: 20). Rainer Baasner e Maria Zens notam como no processo das leituras da<br />

literatura é apresentada, em regra, uma relação silenciada com uma <strong>de</strong>terminada<br />

percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. As ficções literárias são posicionadas em continuida<strong>de</strong> com o<br />

processo prévio <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que cada indivíduo e cada comunida<strong>de</strong><br />

cultural naturalmente exercem (cf. Baasner, Zens, 2001: 14-15).<br />

E, se é certo que os textos remetem para uma realida<strong>de</strong> extra-literária, eles<br />

abrangem muito para além <strong>de</strong>sta mera alusão ou simples referência. A verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

textos literários po<strong>de</strong> naturalmente ser comparada com a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> extratextual,<br />

mas Gonçalo Vilas-Boas sublinha que os textos literários criam um novo mun<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> contrastes, mesmo quan<strong>do</strong> parte da informação dada é passível <strong>de</strong> ser verificada. Os<br />

comentários e as reflexões que nos textos alu<strong>de</strong>m à realida<strong>de</strong> re-construída referem o<br />

mun<strong>do</strong> exterior, porém, há que notar que o mun<strong>do</strong> só existe filtra<strong>do</strong> por alguém. A<br />

referência exterior, experienciada pelo leitor, é trazida para o texto e re-contextualizada<br />

agora num contexto ficcional (Vilas-Boas, 2000: 186). De referir ainda que, para a<br />

análise que a seguir farei, no caso <strong>de</strong> referências históricas, o autor colhe muitas das


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 22<br />

informações que traz para o seu texto em textos outros, ficcionais ou não. O texto não<br />

mostra o mun<strong>do</strong> mas um mun<strong>do</strong> possível, combina<strong>do</strong> com elementos referencia<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> exterior. No interior <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ficcional há uma reivindicação <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que<br />

apenas tem prossecução sob os princípios que a própria ficção cria. Baasner e Zens<br />

<strong>de</strong>screvem a ficcionalida<strong>de</strong> da obra literária na sua impossibilida<strong>de</strong> em comprovar o<br />

conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> relativamente à realida<strong>de</strong> sugerida. Os requisitos ficcionais e a<br />

lógica interna da obra literária, alimentada por discrepâncias e ambiguida<strong>de</strong>s, não<br />

obrigam a uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> com o mun<strong>do</strong> exterior (cf. Baasner, Zens, 2001:<br />

15). A literatura alcança um mo<strong>do</strong> particular <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> ao produzir acontecimentos que<br />

se <strong>de</strong>senrolam no enre<strong>do</strong> ficcional sob o lema: o que é <strong>de</strong>scrito é verda<strong>de</strong>iro e <strong>de</strong>ve ser<br />

como tal assumi<strong>do</strong>. A espécie <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> da literatura é diferente da lógica da ciência<br />

ou <strong>do</strong> quotidiano empírico e mesmo das ficções religiosas, uma vez que a literatura não<br />

formula uma pretensão <strong>de</strong> fé ou crença. A literatura e a experiência da realida<strong>de</strong><br />

revelam um comportamento mútuo <strong>de</strong> tensão irresolúvel, pois a realida<strong>de</strong> literária é<br />

parte da realida<strong>de</strong> e, simultaneamente, distancia-se das suas normas vigentes, uma vez<br />

que reclama para si uma outra visão e mo<strong>do</strong> discursivo. Esta pretensão literária que cria<br />

autonomia é, todavia, ambivalente, pois a vonta<strong>de</strong> que impele a literatura ao<br />

distanciamento reflecte igualmente uma obrigação <strong>de</strong> pertença e comunhão com a<br />

realida<strong>de</strong> (cf. Baasner, Zens, 2001: 16). A tensão verificada entre os elementos<br />

miméticos, provenientes da interpretação imitada da natureza e da realida<strong>de</strong><br />

experimentada, e os elementos poéticos, concebi<strong>do</strong>s pela realização livre <strong>do</strong> escritor,<br />

tem um peso variável segun<strong>do</strong> o programa literário em questão. Mas mesmo uma<br />

literatura orientada para um compromisso maior com a realida<strong>de</strong>, mais sensível aos<br />

pormenores realistas, não consegue atenuar a força <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> ficcional.<br />

O texto poético significa, assim, segun<strong>do</strong> Paul Ricoeur, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

constituição <strong>de</strong> uma referência <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau a partir <strong>de</strong>sse fenómeno observável em<br />

toda a obra literária: a articulação entre o texto e o mun<strong>do</strong> (cf. 1992, apud Martelo,<br />

1998: 51). O texto mostra um mun<strong>do</strong> que não existe, mas que se alimenta <strong>de</strong> fragmentos<br />

retira<strong>do</strong>s da realida<strong>de</strong> e que constituem um novo mun<strong>do</strong>, um mun<strong>do</strong> feito <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s. A obra é um espaço <strong>de</strong> tensão entre o seu movimento centrípeto <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> e o seu carácter <strong>de</strong> valor relacional que lhe possibilita referir ou<br />

aludir a um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>s potencialmente ilimita<strong>do</strong> (cf. 1975, apud Martelo, 1998:


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 23<br />

47-49). A nova dimensão <strong>de</strong> referencialida<strong>de</strong> projectada no texto resulta, assim, da<br />

liberda<strong>de</strong> ficcional <strong>do</strong> texto e da sua capacida<strong>de</strong> em suspen<strong>de</strong>r, mas não <strong>de</strong> anular, a<br />

referencialida<strong>de</strong> empírica. A liberda<strong>de</strong> ficcional tem, todavia, um preço a pagar pela<br />

pretensão em suspen<strong>de</strong>r a referência directa à realida<strong>de</strong>. Ao conceber um mun<strong>do</strong> à parte,<br />

a ficção faz tensão <strong>de</strong> afirmar que na realida<strong>de</strong> as coisas acontecem <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>,<br />

crian<strong>do</strong>, assim, distância e in<strong>de</strong>pendência em relação ao empírico. Por muito que a obra<br />

literária se refira ao mun<strong>do</strong> e queira expandir o seu significa<strong>do</strong>, nenhuma ficção po<strong>de</strong> ter<br />

a pretensão <strong>de</strong> produzir afirmações falsas ou verda<strong>de</strong>iras. Mesmo aquelas tendências ou<br />

correntes estéticas que estabelecem uma relação mais próxima com a historicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos, mesmo nessa literatura, o senti<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong> permanece aberto na sua<br />

relação com o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> quotidiano.<br />

A fíccionalida<strong>de</strong> não constrói, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, uma relação essencial entre o texto e<br />

o mun<strong>do</strong>, mas uma relação específica <strong>de</strong> comunicação entre o texto e o leitor, sob o<br />

pressuposto <strong>de</strong> que a certeza factual <strong>do</strong> que é dito se encontra suspensa. Neste contexto,<br />

não po<strong>de</strong>mos esquecer que se o texto literário parte, na sua origem, da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> autor<br />

em transmitir algo, na forma escolhida, a exteriorização <strong>do</strong> texto é <strong>de</strong>pois alvo da<br />

atribuição <strong>de</strong> novo significa<strong>do</strong> na passagem para o contexto da sua recepção. As<br />

questões que um leitor levanta na recepção <strong>de</strong> um texto literário não se pren<strong>de</strong>m, na<br />

análise <strong>de</strong> Gunter SaPe, com o fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>rá relacionar os<br />

acontecimentos narra<strong>do</strong>s com a realida<strong>de</strong> acontecida, mas com a forma estética, como o<br />

leitor dirige a sua atenção para o conteú<strong>do</strong> e mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> processamento literário (Sa(3e,<br />

1986: 16). Para a fíccionalida<strong>de</strong> se apresentar como solução literária <strong>do</strong> factual através<br />

<strong>do</strong> revestimento poético, entram em jogo não só as estratégias intencionais <strong>do</strong> autor que<br />

seleccionam e combinam os elementos discursivos, mas <strong>do</strong> leitor, como indivíduo<br />

pertencente a uma comunida<strong>de</strong>, sujeito também ele a idêntico processo <strong>de</strong> selecção e<br />

combinação, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> este, muito embora, <strong>de</strong>sligar-se <strong>do</strong> texto que tem para<br />

analisar.<br />

Os sinais que o autor e o público partilham, indicam não só a este a condição <strong>de</strong><br />

fíccionalida<strong>de</strong>, como obe<strong>de</strong>cem a convenções históricas variáveis, requisitadas no acto<br />

<strong>de</strong> leitura. Os textos literários são compreendi<strong>do</strong>s porque fazem parte <strong>de</strong> um lega<strong>do</strong><br />

colectivo, <strong>de</strong> um conhecimento que não se alimenta <strong>de</strong> factos objectivos mas <strong>de</strong> um<br />

trabalho cognitivo <strong>de</strong> experiência. O <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Baasner e Zens <strong>de</strong>monstra como as


Pressupostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos 24<br />

partículas da realida<strong>de</strong> recolhidas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sensorial para a ficção não modificam a<br />

raiz ficcional <strong>do</strong> texto (cf. Baasner, Zens, 2001: 13-14). Da mesma forma, a História<br />

tem para a literatura um objectivo que apelidarei <strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minantemente funcional. A<br />

realida<strong>de</strong> histórica funciona como pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> para o autor escrever sobre algo <strong>de</strong><br />

bem diferente. O mo<strong>do</strong> como o autor analisa os acontecimentos históricos e se apoia na<br />

referencialida<strong>de</strong> explica o mo<strong>do</strong> como o leitor terá <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r esses mesmos<br />

acontecimentos da realida<strong>de</strong> se quiser aproximar a sua interpretação da intencionalida<strong>de</strong><br />

textual. Vilas-Boas salienta que o factual serve como propósito para uma fábula, para<br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>. Assim sen<strong>do</strong>, a História é um meio e não um fim (Vilas-Boas,<br />

2000: 186-190). Os lugares evoca<strong>do</strong>s <strong>de</strong>spertam recordações no leitor, mas o exercício<br />

da memória requer, por sua vez, reflexão. Em suma, através da literatura vai-se<br />

constituin<strong>do</strong> o conhecimento colectivo <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> e, simultaneamente, esse<br />

conhecimento é impregna<strong>do</strong>, lega<strong>do</strong> e comprova<strong>do</strong>. Como concluem Baasner e Zens, a<br />

competência literária compreen<strong>de</strong> o reconhecimento das características referenciais<br />

únicas da literatura que possibilitam, assim, uma experiência secundária e livre <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>: »Die medialen Eigenschaften <strong>de</strong>r Literatur ermõglichen eine freie - weil<br />

sekundãre und nicht sachbezogene - Welterfahrung; darin liegt ihre Leistung und<br />

zugleich ihre Beschrànkung« (Baasner, Zens, 2001: 17).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 25<br />

2. A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

2.1 >Effis NachtEffis Nacht< <strong>de</strong> Rolf Hochhuth (n.1931) surge pela primeira vez<br />

publica<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 1996 e dá voz ao discurso da protagonista Else von Ar<strong>de</strong>nne. No<br />

seguimento <strong>de</strong> um rol extenso <strong>de</strong> obras dramáticas, publicadas por Hochhuth ao longo<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duas décadas, >Effis Nacht< mantém-se fiel ao <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r temático<br />

comum que as une, i.e., as reflexões históricas sobre o tempo <strong>de</strong> guerra. Ainda que<br />

distante <strong>do</strong> primeiro texto dramático publica<strong>do</strong> por Rolf Hochhuth em 1963, >Der<br />

Stellveríreter


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 26<br />

<strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne, história essa que não seduziu apenas Hochhuth mas foi<br />

igualmente motivo <strong>de</strong> inspiração, no século <strong>de</strong>zanove, para Theo<strong>do</strong>r Fontane (1819-<br />

1898), >Effi Briest< (1895); Friedrich Spielhagen (1829-1911), >Zum Zeitvertreib<<br />

(1897); e, no século XX, Christine Bruckner (1921-1996), >Triffst du nur das<br />

Zauberwort. Effi Briest an <strong>de</strong>n tauben Hund Rollo< x (1983) e Dorothea Keuler<br />

(n. 1951), >Die wahre Geschichte <strong>de</strong>r Effi Briest< (1996). Os <strong>do</strong>is primeiros escritores<br />

terão si<strong>do</strong> para Hochhuth uma fonte valiosa <strong>de</strong> informação, paralelamente à recolha e<br />

selecção <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s biográficos da baronesa colhi<strong>do</strong>s em outros <strong>do</strong>cumentos que a seu<br />

tempo referirei (cf. infra, 51). Particularmente com Fontane, o <strong>monólogo</strong> explora<br />

campos extraliterários que ultrapassam a relação <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> <strong>intertextual</strong> pré<strong>de</strong>fínida<br />

pelos limites ficcionais da narrativa >Effi BriestWenn Du gere<strong>de</strong>t hottest, Des<strong>de</strong>mona. Ungehaltene Re<strong>de</strong>n ungehaltener Frauen< (1983).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 27<br />

discurso, Else reforce a evocação <strong>do</strong> seu encontro com Fontane e que aos comentários<br />

sobre a vida e obra <strong>do</strong> escritor prussiano sucedam outras referências a escritores e<br />

pensa<strong>do</strong>res, como Jakob Burckhardt (1818-1897), Bertha von Suttner (1843-1914),<br />

Sigmund Freud (1856-1939), Thomas Mann (1875-1955), Helene Herrmann (1877-<br />

1942), Otto Flake (1880-1963), Gottfried Benn (1886-1956) ou Golo Mann (1909-<br />

1994), to<strong>do</strong>s eles, um reflexo na personagem das leituras <strong>de</strong> Rolf Hochhuth.<br />

Em >Effis NachtEffis NachtEffis Nacht< recai na sub<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> <strong>monólogo</strong><br />

accionai ou não accionai, que Pfister distingue também. De acor<strong>do</strong> com a sua<br />

" Na análise <strong>de</strong> Mukarovsky, essa singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> discurso da figura po<strong>de</strong> gerar múltiplos contextos e situações e o<br />

falante <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> po<strong>de</strong> inclusive dirigir-se a um "tu", crian<strong>do</strong> um carácter dialogante em contextos <strong>de</strong> raiz


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 28<br />

classificação, os <strong>monólogo</strong>s não accionais distinguem-se <strong>do</strong>s accionais por não se<br />

verificar neles uma alteração na situação, embora permitam o seu <strong>de</strong>senrolar (cf. Pfister,<br />

2001: 191). Os <strong>monólogo</strong>s não accionais repartem-se ainda em duas subcategorias: os<br />

<strong>monólogo</strong>s informativos e os <strong>monólogo</strong>s comenta<strong>do</strong>res. Os primeiros revelam ao<br />

especta<strong>do</strong>r novida<strong>de</strong>s da acção dramática, pormenores da<strong>do</strong>s a conhecer pela primeira<br />

vez, enquanto que nos <strong>monólogo</strong>s <strong>de</strong> tipo comentativo, são comentadas circunstâncias<br />

já conhecidas <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r. Estes são, todavia, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>monólogo</strong>s que em<br />

concreto, e tal como atrás se notou para os <strong>monólogo</strong>s convencionais e os <strong>monólogo</strong>s<br />

motiva<strong>do</strong>s, se manifestam em conjunto numa relação <strong>de</strong> maior ou menor grau <strong>de</strong><br />

contaminação (cf. Pfister, 2001: 191). >Effis Nacht< po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>finir-se, assim, como um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>monólogo</strong> não accionai em que se conjugam elementos informativos e<br />

comenta<strong>do</strong>res. No <strong>monólogo</strong> articula-se o propósito informativo, Else transmite<br />

pormenores biográficos por certo <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> leitor, com as correcções que a<br />

protagonista sente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer das i<strong>de</strong>ias sobre a sua vida que consi<strong>de</strong>ra<br />

erradas e que nomeadamente Fontane difundiu - lembrem-se os traços caracteriológicos<br />

<strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong> amante e os pormenores sobre a morte <strong>de</strong>ste (cf. infra, 75 s.). De facto,<br />

com o longo discurso <strong>de</strong> Else, não há <strong>de</strong>cisões a tomar que impliquem uma alteração<br />

situacional, Else ocupa-se quase só com o pensamento, a sua principal distracção:<br />

Endlich schlãft er - noch nicht zum letztenmal, obgleich er heute - bis jetzt -<br />

ganz ohne Angst war. Schrecklich, daB ich die Nachrichten... die englischen,<br />

ganz unbesorgt hõren darf, weil ja <strong>de</strong>r arme Junge nicht mehr <strong>de</strong>nunzieren<br />

kõnnte, daB ich <strong>de</strong>n -Sen<strong>de</strong>r hõre, heute hier in diesem frem<strong>de</strong>n<br />

Hause... (EN, 10).<br />

A peça está essencialmente <strong>de</strong>terminada pela vigília <strong>do</strong> jovem solda<strong>do</strong> moribun<strong>do</strong>,<br />

numa noite, condicionada pelo avançar <strong>do</strong>s bombar<strong>de</strong>amentos sobre Lindau, em que a<br />

velha Else reflecte sobre a sua vida.<br />

Estabelecida esta primeira tentativa classificativa <strong>do</strong> momento dramático, refírase,<br />

como <strong>de</strong>terminante <strong>do</strong> texto, o seu forte cariz epicizante 3 . Seguin<strong>do</strong> a tendência <strong>do</strong><br />

dialéctica: <strong>de</strong> alma e corpo, coração e razão, <strong>de</strong>ver e inclinação, <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alma anteriores e actuais, ou outras<br />

direcções semânticas mais radicais (cf. 1967, apud Pfister, 2001: 182).<br />

Segun<strong>do</strong> Aguiar e Silva, a progressiva epicização <strong>do</strong> texto dramático, verificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século<br />

XIX, caracteriza-se pela relevância funcional em alguns textos dramáticos <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r-comenta<strong>do</strong>r que apresenta,<br />

explica e critica a fábula e as personagens (cf. Aguiar e Silva, 1997: 605).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 29<br />

drama contemporâneo, afirma-se em >Effis Nacht< um texto secundário 4 que interfere<br />

com o discurso <strong>de</strong> Else, comentan<strong>do</strong>-o. De acor<strong>do</strong> com os <strong>estu<strong>do</strong></strong>s realiza<strong>do</strong>s por<br />

Pfister, o comentário épico autoral subjacente ao texto secundário adquire por vezes em<br />

textos mais mo<strong>de</strong>rnos um alargamento <strong>de</strong>scritivo e comenta<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> tal forma amplo, que<br />

dificulta uma realização frequente em palco (cf. Pfister, 2001: 107). Por outro la<strong>do</strong>, a<br />

sua dimensão épica anuncia um sistema intermediário <strong>de</strong> comunicação alternativo, que<br />

cria significa<strong>do</strong>s, interpretan<strong>do</strong> e asseguran<strong>do</strong> simultaneamente uma recepção orientada<br />

<strong>do</strong> texto principal (cf. Pfister, 2001: 106-107). Em >Effis Nacht


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 30<br />

Estas preocupações cénicas, que <strong>de</strong>screvem o espaço e a movimentação da<br />

personagem, são antecedidas por um registo mais cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos que<br />

envolvem historicamente a protagonista (cf. EN, 8). No cenário da guerra, a alusão aos<br />

bombar<strong>de</strong>amentos <strong>do</strong>s aviões alia<strong>do</strong>s ultrapassa, porém, a mera informação e preten<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, <strong>de</strong>nunciar esses ataques aéreos, as bombas <strong>de</strong>flagradas <strong>de</strong> alta potência, que<br />

não visam unicamente alvos militares mas alvos civis, vítimas inocentes no coração das<br />

cida<strong>de</strong>s alemãs e que po<strong>de</strong>rão ser tornadas visíveis em palco e <strong>de</strong> diferentes formas<br />

(projecções, placards, gravações, etc) mas às quais não irei <strong>de</strong>dicar maior atenção (cf.<br />

por ex. Pfister, 2001: 107-108):<br />

Es dauert noch ein Jahr, bis britische Bomber - die amerikanischen fliegen ihre<br />

Angriffe auf Deutschland am Tage und zielen Fabriken und Bahnhõfe an -<br />

selbst bei Nacht ihre Opfer, die Innenstãdte, in die sie ungezielt hineinbomben,<br />

dank neuer Gerãte so muhelos anpeilen kõnnen, ais lãgen sie im Sonnenlicht<br />

unter ihnen (EN, 8).<br />

De referir ainda a dimensão proléptica que po<strong>de</strong> revestir estes passos epicizantes, bem<br />

como a sua capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>screver cenas <strong>de</strong> massas, não passíveis <strong>de</strong> ser<br />

representáveis em palco, subverten<strong>do</strong>, assim, algumas das condicionantes limitativas da<br />

transposição <strong>do</strong> texto dramático para cena 5 . A prolepse regista, assim, os<br />

acontecimentos históricos posteriores ao tempo <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>: os bombar<strong>de</strong>amentos<br />

maciços durante a noite sobre o coração <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s alemãs pelas forças britânicas. À<br />

informação alia-se uma crítica severa que distingue entre os bombar<strong>de</strong>amentos feitos à<br />

luz <strong>do</strong> dia por americanos ten<strong>do</strong> como alvo fábricas ou meios <strong>de</strong> transporte e os<br />

bombar<strong>de</strong>amentos mais cruéis e aleatórios <strong>do</strong>s britânicos sobre alvos civis à noite.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, a informação histórica apoia, a partir da instância secundária, o discurso<br />

<strong>de</strong> Else, fornecen<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s reais que possam <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista<br />

aparentemente mais neutro, os argumentos da personagem, sempre mais subjectivos e<br />

pessoais. A presença <strong>de</strong> uma instância narra<strong>do</strong>ra manifesta-se ainda pela omnisciência<br />

O próprio Hochhuth, consciente das dificulda<strong>de</strong>s que a técnica dramática enfrenta, afirma em >Die Geburt <strong>de</strong>r<br />

Tragõdie aus <strong>de</strong>m Krieg< (2001): »Also Ablauf <strong>de</strong>r Zeit, Uberbriickung weiter Zeitrãume in Dramen und Massen-<br />

Szenen auf <strong>de</strong>r Biihne: zwei enorm heikle Fragen <strong>de</strong>r Dramen-Technik« (GTK, 85).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 31<br />

com que no texto secundário se explora a interiorida<strong>de</strong> da personagem, num registo por<br />

vezes próximo <strong>do</strong> discurso indirecto livre:<br />

Sie geht im Raum, auch einmal auf <strong>de</strong>n Balkon. Unrast ist in ihr, seit sie sich<br />

sagen muB, da(3 vielleicht <strong>do</strong>ch <strong>de</strong>r Soldat - kaum mehr ais halb so alt wie ihre<br />

Enkel - <strong>de</strong>n Tag nicht mehr erleben wird. Sie reinigt (<strong>de</strong>sinfiziert) <strong>de</strong>n<br />

Tracheotomiebereich, in<strong>de</strong>m sie mit einer Pinzette vorsichtig <strong>de</strong>n<br />

Schutzverband lost... (EN, 74), (itálicos meus).<br />

A função <strong>de</strong> narração implícita contribui para um enriquecimento épico <strong>do</strong> texto que<br />

ultrapassa as suas virtu<strong>de</strong>s meramente dramáticas. O texto em >Effis Nacht< revela-se,<br />

assim, varia<strong>do</strong> e pleno <strong>de</strong> funções, tanto informativas como comenta<strong>do</strong>ras, prontas a<br />

estimular e orientar o leitor/especta<strong>do</strong>r, asseguran<strong>do</strong> uma continuida<strong>de</strong> na produção<br />

dramática <strong>de</strong> Hochhuth, fiel ao compromisso histórico.<br />

2.2 Teatro <strong>do</strong>cumental ou drama histórico?<br />

A conjunção <strong>de</strong> meios estritamente dramáticos com registos narrativos <strong>de</strong><br />

carácter informativo remonta em Hochhuth aos anos sessenta e às suas primeiras<br />

publicações. Logo após o primeiro êxito literário, >Der Stellvertreter< (1963), para o<br />

qual muito contribui a encenação da peça por Erwin Piscator (1893-1966) no teatro<br />

Westberliner Freien Volksbuhne no mesmo ano 6 , os textos dramáticos <strong>de</strong> Hochhuth<br />

foram engloba<strong>do</strong>s pela crítica na <strong>de</strong>nominação comum <strong>de</strong> teatro <strong>do</strong>cumental 7 . Já em<br />

1962, Piscator assinalava na sua recepção crítica as características épicas <strong>do</strong> texto<br />

dramático <strong>do</strong> novo autor:<br />

6 Reagin<strong>do</strong> contra a proliferação <strong>do</strong> teatro subvenciona<strong>do</strong> na Alemanha, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos, Hochhuth<br />

lamenta o quase <strong>de</strong>saparecimento <strong>do</strong> teatro autónomo, livre e em >Die Geburt <strong>de</strong>r Tragòdie aus <strong>de</strong>m Krieg< (2001)<br />

recorda como a sua primeira obra dramática >Der Stellvertreter< foi levada aos palcos pela iniciativa <strong>de</strong> Piscator<br />

num teatro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte: »Auch mein Stellvertreter kam nur zur Welt, weil Piscator in einem von Parteien<br />

unabhángigen Privattheater, <strong>de</strong>r Westberliner Freien Volksbuhne, ihn inszenieren "durfte". In die Hauptprobe am 18.<br />

Februar 1963 kam <strong>de</strong>r CDU-K.ultursenator Tiburtius und beanstan<strong>de</strong>te: "Das mag ja ganz intéressant sein, gehõrt aber<br />

<strong>do</strong>ch nicht in ein õffentliches Theater"« (GTK, 26).<br />

Sobre Teatro <strong>do</strong>cumental ver, por exemplo, os <strong>estu<strong>do</strong></strong>s <strong>de</strong> Rolf-Peter Carl: Dokumentarisches Theater. In: Die<br />

<strong>de</strong>utsche Literatur <strong>de</strong>r Gegenwart, Manfred Durzak (Hrsg.), Philipp Reclam jun. Stuttgart 1971.


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 32<br />

Hochhuths Stuck ist bereits in seiner literarischen<br />

Fixierung vollgiiltig episch. In <strong>de</strong>n Dialog sind die auGerst wesentlichen<br />

Szenen- und Regie-Anweisungen, die Personen-Charakteristiken etc<br />

eingeblen<strong>de</strong>t ais unauflõslicher Bestandteil <strong>de</strong>s Stiickes selbst. (Dazu gehõrt<br />

auch <strong>de</strong>r <strong>do</strong>kumentarische Anhang.) Die Tatsachenfulle <strong>de</strong>s Stoffes wird<br />

gehalten durch die versifizierte Sprache (Piscator, 1962: 14).<br />

Rolf-Peter Carl salienta que, no senti<strong>do</strong> lato <strong>do</strong> termo, "<strong>do</strong>cumental" fazia incluir na<br />

mesma <strong>de</strong>signação publicações com diferentes características: romances com enorme<br />

teor factual, pesquisas históricas, <strong>estu<strong>do</strong></strong>s científicos, reportagens, revistas políticas,<br />

montagens <strong>de</strong> notícias e mesmo <strong>do</strong>cumentos oficiais (cf. Carl, 1971: 99). No teatro, as<br />

atenções viravam-se para as intenções políticas <strong>do</strong> autor e para a utilização eficaz nas<br />

peças teatrais <strong>do</strong> material factual. Era uma revolução protagonizada nos palcos alemães,<br />

entre os anos <strong>de</strong> 1963-65, por uma nova geração <strong>de</strong> dramaturgos que escrevia dramas<br />

histórico-políticos a partir <strong>de</strong> fontes <strong>do</strong>cumentais, incentivan<strong>do</strong> os especta<strong>do</strong>res e os<br />

leitores a uma atitu<strong>de</strong> crítica. O fenómeno <strong>do</strong> teatro <strong>do</strong>cumental era, na opinião crítica<br />

<strong>de</strong> Wolfgang Nehring, uma <strong>de</strong>scoberta essencialmente alemã: as peças <strong>de</strong> jovens<br />

autores como Rolf Hochhuth (n.1931), >Der Stellvertreter< (1963), Heinar Kipphardt<br />

(1922-1982), >In <strong>de</strong>r Sache J. Robert Oppenheimer< (1964) ou Peter Weiss (1916-<br />

1982), >Die Ermittlung< (1965) procuravam questionar a base histórica e o mo<strong>de</strong>lo<br />

teórico <strong>do</strong> novo esta<strong>do</strong> alemão, entretanto consolida<strong>do</strong> (cf. Nehring, 1977: 69-70).<br />

Respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a um contexto geográfíco-político varia<strong>do</strong>, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelo protagonismo<br />

americano, pela revolução soviética, a prevalência das colónias portuguesas e a guerra<br />

<strong>do</strong> Vietname, a situação <strong>de</strong> Cuba e outros conflitos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> difícil resolução, as<br />

peças <strong>de</strong> raiz <strong>do</strong>cumental elegiam ainda como matéria política controversa e sensível a<br />

questão <strong>do</strong> Terceiro Império e da Segunda Guerra Mundial. O revivalismo da<br />

conjuntura complexa da Alemanha nazi contava com um tema preferencial, o assassínio<br />

em massa <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us. Rechea<strong>do</strong> por um vasto suporte <strong>do</strong>cumental, o reflexo dramático<br />

<strong>de</strong>ste tema era ainda estimula<strong>do</strong> por acontecimentos exteriores, como a abertura <strong>do</strong><br />

processo contra A<strong>do</strong>lf Eichmann, em Jerusalém, no ano <strong>de</strong> 1961, e a renovada discussão<br />

pública sobre os atenta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> regime <strong>de</strong> Hitler (cf. Nehring, 1977: 71). As novas<br />

directrizes <strong>do</strong>cumentais <strong>do</strong> teatro socialmente comprometi<strong>do</strong> distanciavam-se das<br />

formas mais simbólicas e parabólicas sugeridas pelas peças <strong>do</strong>s suíços Max Frisch<br />

(1911-1991) e Friedrich Dúrrenmatt (1921-1990) e o distanciamento era ainda maior em


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 33<br />

relação ao teatro <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong> por Samuel Beckett (1906-1989) ou Eugene<br />

Ionesco (1912-1994), tão em voga na Alemanha <strong>do</strong>s anos sessenta.<br />

O drama realista era encara<strong>do</strong> pela nova geração <strong>de</strong> dramaturgos, e em especial<br />

por Hochhuth, como uma alternativa legítima ao teatro <strong>do</strong> absur<strong>do</strong>. A oposição frontal a<br />

este teatro <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> justifícava-se pela crença no drama que <strong>de</strong>veria funcionar como<br />

um tribunal ou uma plataforma moral para o autor. Segun<strong>do</strong> Hochhuth, uma peça na<br />

tradição absurda nunca seria censurada pelos políticos porque a crítica nela gerada<br />

permanecia não nomeada:<br />

Und wer nicht <strong>de</strong>n Papst auftreten làpt und nicht einen Krupp-Ingenieur,<br />

son<strong>de</strong>m vorsichtshalber und sagen wiir<strong>de</strong>: «Der Herr <strong>de</strong>s<br />

Orakels» und: ein «Ephore <strong>de</strong>r Heloten» - <strong>de</strong>r diirfte nicht nur <strong>de</strong>n Beifall <strong>de</strong>r<br />

Wurzbiirger Sonntagszeitung und <strong>de</strong>r Arbeitgeberverbãn<strong>de</strong>, <strong>de</strong>r Zuricher<br />

Weltwoche und <strong>de</strong>r CDU-Fraktion einstreichen, son<strong>de</strong>m er hátte auch noch<br />

eine metapherngesãttigte - wie man gem sagt: dichterische Sprachvorlage<br />

ubernehmen kõnnen, etwa aus <strong>de</strong>m (Die Hebamme, 323) 9 .<br />

Impelida pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s factos, a geração <strong>de</strong> sessenta reagia<br />

contra o in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e o mal esclareci<strong>do</strong>, pois atrevia-se a olhar para trás, sem<br />

condicionalismos, para uma infância sacrificada pelo regime <strong>de</strong> Hitler. Reinhart<br />

Hoffmeister afirma que, nesse exercício <strong>de</strong> introspecção, nenhum dramaturgo mostrou<br />

<strong>de</strong> forma tão minuciosa e tão fiel como Rolf Hochhuth a realida<strong>de</strong> banal e infernal <strong>do</strong><br />

fascismo alemão, contrastan<strong>do</strong> com obras anteriores, como as <strong>de</strong> Siegfried Lenz, >Zeit<br />

<strong>de</strong>r Schuldlosen< (1961), ou <strong>de</strong> Max Frisch, >An<strong>do</strong>rra< (1960), ambos menos<br />

interessa<strong>do</strong>s em nomear as coisas pelo seu nome, quedan<strong>do</strong>-se na esfera da parábola 10<br />

ou fábula generaliza<strong>do</strong>ra (cf. Hoffmeister, 1980: 24). O caminho trilha<strong>do</strong> pelo drama<br />

politicamente comprometi<strong>do</strong> adivinhava-se difícil. Se a generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s textos<br />

8 Para um <strong>estu<strong>do</strong></strong> mais aprofunda<strong>do</strong> das orientações <strong>do</strong> teatro <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> vd. Poppe, Reiner: Absur<strong>de</strong>s Theater,<br />

Artaud - Camus - Beckett - Ionesco, Interpretationen und Materialen. Beyer Verlag, 1993.<br />

9 Cf. Hochhuth, Rolf: Soil das Theater die heutige Welt darstellen? In: Die Hebamme. Komodie - Erzãhlungen,<br />

Gedichte, Essays. Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg, 1971: pp. 317-326. Será utilizada a sigla H para a<br />

componente ensaística da obra <strong>de</strong> Hochhuth >Die HebammeAn<strong>do</strong>rra< (1960) ou a <strong>de</strong> Martin Walser >Der Schwarze Schwan< (1964), como refere Irène Tie<strong>de</strong>r,<br />

sem nunca se <strong>de</strong>screver directamente ou abordar os factos concretos, em contraste com outras peças, como >Der<br />

Stellvertreter< (1963) <strong>de</strong> Rolf Hochhuth ou >Die Ermittlung< (1965) <strong>de</strong> Peter Weiss, com um propósito didáctico<br />

claro: mostrar o horror, responsabilizar os culpa<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>nunciar os atenta<strong>do</strong>s pratica<strong>do</strong>s durante a Alemanha nazi (cf.<br />

Tie<strong>de</strong>r, 1996:330).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 34<br />

dramaticamente produzi<strong>do</strong>s reflectia a incapacida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> alemã em se libertar<br />

da geração anterior, a coragem e o afrontamento político das peças <strong>de</strong> Rolf Hochhuth,<br />

Heinar Kipphardt e Peter Weiss pretendiam, em contraste, fazer o processo da<br />

socieda<strong>de</strong> alemã (cf. Weber, 1997: 412). A pesquisa exaustiva <strong>do</strong>s factos, quer no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> apurar a sua autenticida<strong>de</strong> histórica, na visão <strong>de</strong> Hochhuth, quer com o<br />

intuito <strong>de</strong> convencer politicamente, na propaganda i<strong>de</strong>ologicamente comprometida <strong>de</strong><br />

Weiss, obe<strong>de</strong>cia a critérios objectivos e assegurava um lugar para as peças <strong>do</strong>cumentais<br />

na tradição genérica <strong>do</strong> drama histórico. Rainer Kolk refere a importância da opção<br />

"científica" na consciência pessoal <strong>do</strong>s novos autores, na senda <strong>do</strong> que o naturalismo<br />

literário advogava no último quartel <strong>do</strong> século XIX, à luz <strong>do</strong>s avanços científicos e<br />

sociológicos das ciências humanas (cf. Kolk, 1998: 56). Na perspectiva avançada por<br />

Nehring, a produção <strong>do</strong> teatro <strong>do</strong>cumental pretendia colmatar o <strong>de</strong>ficit <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> no<br />

drama, construin<strong>do</strong> peças provadas por factos e testemunhos reais, levan<strong>do</strong> o público a<br />

reconhecer a realida<strong>de</strong> literária como singular e não como uma literatura qualquer que o<br />

pu<strong>de</strong>sse privar da sua responsabilida<strong>de</strong> (cf. Nehring, 1977: 72).<br />

Um recuo no século passa<strong>do</strong>, até aos anos vinte, permite compreen<strong>de</strong>r melhor as<br />

raízes <strong>do</strong> drama com suporte <strong>do</strong>cumental e com o <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> afrontamento directo <strong>do</strong>s<br />

conflitos e questões polémicas não resolvidas na socieda<strong>de</strong> alemã <strong>do</strong>s anos sessenta.<br />

Nessa época, a figura incontornável <strong>de</strong> Erwin Piscator (1893-1966) iria revolucionar os<br />

palcos, trazen<strong>do</strong> a política para a discussão central das peças dramáticas, a arte<br />

politicamente comprometida gerava um teatro parlamentar. No livro publica<strong>do</strong> por<br />

Piscator em 1929, >Das Politische Theater


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 35<br />

fílmicas, que provocavam no especta<strong>do</strong>r uma necessária ruptura com a ilusão<br />

envolvente <strong>do</strong>s acontecimentos dramáticos 11 .<br />

O próprio Hochhuth não é parco em elogios quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver os<br />

esforços empreendi<strong>do</strong>s por Piscator nos anos vinte em prol <strong>de</strong> uma estética teatral<br />

sensível aos problemas sociais, e, segun<strong>do</strong> o autor <strong>do</strong> ensaio >Die Geburt <strong>de</strong>r Tragõdie<br />

aus <strong>de</strong>m Krieg< (2001), actual ainda para o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje:<br />

In Berlin 1929 hat Piscator aus <strong>de</strong>m Anblick menschlischer Not und aus<br />

revolutionãrem Feuer in ihm selbst: vier Millionen Arbeitslose, <strong>de</strong>ren viele<br />

schon zu Hitler aufsahen, in einer Zeitungsnotiz von beleidigen<strong>de</strong>r<br />

Unbekummertheit um die ùberlieferte Àsthetik <strong>de</strong>s Theaters fur die<br />

Generation, die <strong>de</strong>n Schùtzengraben <strong>de</strong>s Ersten Weltkriegs entkommen war,<br />

und zehn Jahre vor <strong>de</strong>m Zweiten Weltkrieg die Aufgaben <strong>de</strong>s Theaters - giiltig<br />

auch fur heute noch - formuliert (GTK, 48).<br />

0 teatro com gran<strong>de</strong> travejamento <strong>do</strong>cumental <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> por Piscator contemplava a<br />

escolha <strong>de</strong> um assunto político polémico, a utilização <strong>de</strong> material <strong>do</strong>cumental e,<br />

segun<strong>do</strong> Cari, uma <strong>de</strong>terminada propaganda com o objectivo <strong>de</strong> convencer<br />

politicamente (cf. Carl, 1971: 102). Em Hochhuth a convergência <strong>de</strong>sses pontos faz-se<br />

sentir <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> muito particular na proliferação <strong>do</strong> material <strong>do</strong>cumental ao longo da<br />

peça. O material <strong>do</strong>cumental está amplamente presente na informação que apoia o texto<br />

principal, nas <strong>de</strong>scrições e apontamentos cénicos ou nas exteriorizações das próprias<br />

personagens. A introdução <strong>de</strong>ste material <strong>do</strong>cumental evi<strong>de</strong>nciava a intenção <strong>do</strong> autor<br />

em influenciar num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> a avaliação das figuras e acontecimentos<br />

históricos propostos no texto, o que, para Peter Bekes, <strong>de</strong>terminou a eleição por Piscator<br />

da peça >Der Stellvertreter< como o primeiro exemplo <strong>de</strong> teatro politico-<strong>do</strong>cumental a<br />

ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> na República Fe<strong>de</strong>ral Alemã (cf. Bekes, 1991: 3).<br />

Hochhuth rejeitou, todavia, rapidamente o rótulo generaliza<strong>do</strong> nos anos sessenta<br />

que associava as suas peças dramáticas ao teatro <strong>do</strong>cumental. O seu cepticismo em<br />

relação a factos e <strong>do</strong>cumentos revelava, pelo contrário, uma crença na liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

escritor em transformar a matéria bruta da realida<strong>de</strong> através da arte, como afirma na<br />

1 Depois <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> convida<strong>do</strong> para dirigir a encenação da peça >Fahnen< <strong>de</strong> Alfons Paquet no teatro Berliner<br />

Volksbûhne em 1924, Piscator comentava <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong> a inovação trazida aos palcos nessa altura: »Worum han<strong>de</strong>lte es<br />

sich? Kurz gesagt um die Ausweitung <strong>de</strong>r Handlung und die Aufhellung ihrer Hintergriin<strong>de</strong>, also eine Fortfuhrung<br />

<strong>de</strong>s Stuckes iiber <strong>de</strong>n Rahmen <strong>de</strong>s nur Dramatischen hinaus. Aus <strong>de</strong>m Schau-Spiel entstand ein Lehrstuck. Daraus<br />

ergab sich ganz selbst-verstãndlich die Verwendung von szenischen Mitteln aus Gebieten, die bisher <strong>de</strong>m Theater<br />

fremd waren« (1963, apud Goertz, 1974: 36).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

36<br />

entrevista concedida ao professor Martin Esslin em 1967, sublinhan<strong>do</strong> ser limita<strong>do</strong> o<br />

seu interesse pelos <strong>do</strong>cumentos e conduzi<strong>do</strong> apenas pelo objectivo <strong>de</strong> edificar a obra<br />

dramática através da matéria-prima <strong>do</strong>cumental:<br />

Ich bin võllig unabsichtlich ein Reprãsentant <strong>de</strong>s <strong>do</strong>kumentarischen Theaters<br />

gewor<strong>de</strong>n (...) Reine Dokumentation kann nie mehr sein ais ein Biin<strong>de</strong>l von<br />

Akten. Etwas mufi stets hinzukommen, damit ein Stuck daraus wird (...) Je<strong>de</strong>r<br />

Dramatiker, <strong>de</strong>r je historische Stúcke schrieb, muCte Quellen studieren. Doch<br />

dann muBte er aus <strong>de</strong>n Dokumenten etwas machen. Daher ist das Schlagwort<br />

ohne Inhalt 12 .<br />

O verda<strong>de</strong>iro interesse <strong>de</strong> Hochhuth residia na guerra, no porquê da guerra e no que<br />

fazia tragicamente os homens serem arrasta<strong>do</strong>s e con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s por ela 13 . A realida<strong>de</strong><br />

trágica da guerra, provocada por <strong>de</strong>cisões políticas erradas, conduz o autor a uma forma<br />

<strong>de</strong> teatro político que não preten<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> Cari, reproduzir a realida<strong>de</strong> política mas<br />

sim projectar uma nova realida<strong>de</strong> (cf. Carl, 1971: 104). Toda a informação trazida <strong>do</strong><br />

real é utilizada ao longo <strong>do</strong> texto dramático, <strong>de</strong> uma forma manipulada, para que a sua<br />

influência seja circunscrita a uma i<strong>de</strong>ia. Cari <strong>de</strong>fine este processo <strong>hochhuth</strong>iano como<br />

estética ou teatralização da informação. A vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r em divulgar o fruto da<br />

sua investigação é <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> pelo dramaturgo que há em Hochhuth e que procura<br />

configurar esteticamente a informação. São duas motivações intrínsecas à sua produção<br />

dramática que se completam: o propósito informativo não impe<strong>de</strong> a intenção <strong>de</strong><br />

escrever uma peça teatral com um enre<strong>do</strong> ficcional (cf. Carl, 1971: 107-108). Neste<br />

contexto é da<strong>do</strong> especial relevo ao po<strong>de</strong>r interventivo <strong>do</strong> texto secundário que, entre as<br />

cenas, introduz citações <strong>de</strong> fontes históricas ou excertos <strong>de</strong> diários, memórias ou<br />

biografias , não se sobrepon<strong>do</strong> à acção dramática, contribuin<strong>do</strong>, antes, para uma<br />

interpretação iluminada <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong> pela valorização da História. Como salienta<br />

Peter Bekes, é este fluxo <strong>do</strong>cumental que conduz o <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong>s diálogos, permitin<strong>do</strong><br />

ao texto <strong>hochhuth</strong>iano oscilar numa fusão <strong>de</strong> formas trágica e épica (cf. Bekes, 1991: 2-<br />

3). O material histórico surge recombina<strong>do</strong>, revesti<strong>do</strong> por comentários <strong>do</strong> autor e<br />

Entrevista conduzida pelo Professor Martin Esslin a Hochhuth, com o título "Ein Dramatiker, <strong>de</strong>r politische<br />

Bomben leg(\ incluída no posfácio da tragédia <strong>de</strong> Hochhuth, >SoldatenThe New<br />

York Times Magazine< em 19.11.1967.<br />

[i<br />

Ibi<strong>de</strong>m p. 315.<br />

Sobre as outras funções <strong>do</strong> texto secundário e suas características, nomeadamente em >Effis Nacht


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 37<br />

manusea<strong>do</strong> pelo discurso das personagens (cf. Kolk, 1998: 59-60). Hochhuth está ciente<br />

que o conhecimento puro <strong>do</strong>s factos acarreta o perigo da banalização e da trivialida<strong>de</strong>.<br />

O conhecimento profun<strong>do</strong> da História, escreve Ferdinand Fasse, revelar-se-á inútil no<br />

drama se não tiver como fundamento uma componente poética ou artística, mas também<br />

humana e moral (cf. Fasse, 1983: 219, 234). A resposta <strong>de</strong> Hochhuth ao impasse cria<strong>do</strong><br />

pela incompatibilida<strong>de</strong> entre a verda<strong>de</strong> histórica e a liberda<strong>de</strong> poética jaz algures na<br />

escrita sintética, construída pelos seus dramas históricos. A inclinação pela matéria<br />

histórica, pela verda<strong>de</strong> extraída das suas pesquisas e <strong>do</strong> <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> fontes, não o leva a<br />

renunciar ao conto <strong>de</strong> uma história, mas o texto imagina<strong>do</strong> <strong>de</strong>verá obe<strong>de</strong>cer a critérios<br />

objectivos, <strong>de</strong>verá transparecer verda<strong>de</strong> (cf. Fasse, 1983: 188).<br />

O <strong>monólogo</strong> >Effis Nacht< não constitui, no conjunto das obras <strong>hochhuth</strong>ianas,<br />

excepção e foi igualmente concebi<strong>do</strong> por uma percepção fiel da História, mas<br />

submeti<strong>do</strong> a uma i<strong>de</strong>ia dramática in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. A citação inicial <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> reproduz<br />

as palavras <strong>do</strong> professor Manfred von Ar<strong>de</strong>nne, que informam o leitor sobre alguns<br />

factos na vida histórica da sua avó Else von Ar<strong>de</strong>nne: »(...) Am 4. Februar 1952 starb<br />

sie neunundneunzigjáhrig in Lindau am Bo<strong>de</strong>nsee« (EN, 7). Logo <strong>de</strong>pois, o contexto<br />

histórico é submeti<strong>do</strong> à regência <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> âmbito ficcional: »Die - heute hier,<br />

1943 - Neunzigjáhrige sieht mehr ais zehn Jahre junger aus und hat auch bis vor<br />

kurzem noch Nachtdienste bei Schwerkranken geleistet« (EN, 7). A apresentação da<br />

protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> é acompanhada, como foi analisa<strong>do</strong> anteriormente (cf. supra,<br />

29), por uma longa <strong>de</strong>scrição cénica que contém não somente indicações da composição<br />

<strong>do</strong> palco, mas igualmente informações sobre o tempo histórico em que <strong>de</strong>corre a acção.<br />

Estes apontamentos, que diferentes encenações po<strong>de</strong>rão tornar visíveis para o<br />

especta<strong>do</strong>r e que se <strong>de</strong>stinarão também ao encena<strong>do</strong>r e aos actores, visam ainda, muito<br />

especialmente o leitor. De resto, Hochhuth é o primeiro a apelidar as suas peças teatrais<br />

<strong>de</strong> romances dramáticos e explica como procura escrever, ten<strong>do</strong> em mente não somente<br />

o público-alvo <strong>do</strong>s especta<strong>do</strong>res mas igualmente <strong>do</strong>s leitores:<br />

Das ist eine Pédanterie o<strong>de</strong>r eine Sucht nach Grundlichkeit zuzuschreiben, die<br />

mit <strong>de</strong>n Jahren bei mir beãngstigend wird (...) Also schreibe ich auch fur<br />

Leser, nicht nur fur Theaterzuschauer, und <strong>de</strong>n Lesern mõchte ich die Sache<br />

mõglichst anschaulich machen. Das schafft auf <strong>de</strong>r Biihne <strong>de</strong>r Schauspieler<br />

samt Dialog. Aber in <strong>de</strong>r Buchform miissen die erzãhlen<strong>de</strong>n Zwischentexte <strong>de</strong>n<br />

fehlen<strong>de</strong>n Schauspieler ersetzen. Tatsãchlich glaube ich, da!3 diese Stiicke


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 38<br />

gera<strong>de</strong> soviel gelesen wer<strong>de</strong>n wegen ihrer essayistischen Einschube und<br />

Erweiterungen; sie sind dramatische Romane 15 .<br />

A obra dramática <strong>de</strong> Hochhuth oferece, por esta razão, um igual apelo à leitura e à<br />

representação. O gran<strong>de</strong> impulsiona<strong>do</strong>r da sua aventura dramática, Erwin Piscator,<br />

sublinha esse apelo à totalida<strong>de</strong>, numa peça épica <strong>de</strong>stinada a um teatro político 16 , uma<br />

peça total para um teatro total, <strong>de</strong>cidida a confrontar o público com o que o autor tem<br />

para dizer: »Nicht wie lang ein Publikum zuhõren kann, ist entschei<strong>de</strong>nd, son<strong>de</strong>m<br />

wieviel ein Autor <strong>de</strong>m Publikum zu sagen hat« (Piscator, 1962: 13).<br />

As atenções <strong>de</strong> Hochhuth viram-se, como disse já, para o passa<strong>do</strong> relativamente<br />

recente, para um tempo marca<strong>do</strong> pela Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra, o que reflecte a<br />

preocupação <strong>do</strong> autor com momentos da História que ameaçam mergulhar no<br />

esquecimento ou que foram recalca<strong>do</strong>s pela consciência colectiva. As memórias da<br />

infância marcaram profundamente o escritor, que, com catorze anos, assistiu à total<br />

capitulação da Alemanha, à <strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong> um regime que entregou milhares <strong>de</strong> pessoas<br />

ao <strong>de</strong>stino trágico da guerra:<br />

DaB ich ais ehemaliger Pimpf im Kin<strong>de</strong>rgarten <strong>de</strong>r Hitlerjugend, im Jungvolk,<br />

nun diesen historischen Erdrutsch erlebte, dann auch erlebte, wie im Sommer<br />

1954 das harmlose, ungebombte Eschwege Grenzort zwischen <strong>de</strong>r<br />

amerikanischen und russischen Besatzungszone wur<strong>de</strong> - diese Anschauung<br />

von im Wortsinn: unerhõrten Begebenheiten, hat mich gepragt fúr immer' 7 .<br />

Este momento da história alemã, presente na memória pessoal <strong>de</strong> Hochhuth, faz com<br />

que a História seja o tema central <strong>do</strong> autor, sempre renovadamente a História, como<br />

refere ReinoB, com especial prepon<strong>de</strong>rância para a que foi tragicamente erguida por<br />

Entrevista conduzida por Jost Noite a Rolf Hochhuth em 1985, com o título "Gesprãch mit Rolf Hochhuth ûber<br />

", publicada no posfácio da obra >JudithDer StellvertreterRolf Hochhuth - Eingriffin die Zeitgeschichte


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

39<br />

1 X<br />

Hitler (cf. ReinoB, 1991: 768). Os extractos <strong>do</strong> tempo histórico que selecciona<br />

reflectem o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> gente inocente sacrificada pela opressão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e pelas<br />

<strong>de</strong>cisões políticas <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>s. Hanno Beth afirma ser o <strong>de</strong>stino irremediável da História<br />

segun<strong>do</strong> Hochhuth: uma colecção <strong>de</strong> erros humanos, <strong>de</strong> fanatismos e <strong>de</strong> lutas pelo po<strong>de</strong>r<br />

que ocupam ciclicamente o tempo gasto pelo Homem, impedin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> dar um salto<br />

qualitativo no seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida (cf. Beth, 1978: 55). Para Hochhuth, há um tempo <strong>de</strong><br />

mudança mas não propriamente <strong>de</strong> melhoramento e, por essa razão, a História não faz<br />

qualquer senti<strong>do</strong>. As palavras <strong>do</strong> autor em um <strong>do</strong>s seus ensaios, >Wellen< (1996), são<br />

esclarece<strong>do</strong>ras quanto ao pessimismo que a sua mundivisão encerra:<br />

So sind <strong>de</strong>r Naturantrieb zum Akt und seine Zwecklosigkeit und seine endlosen<br />

Wie<strong>de</strong>rholungen - endlos, ziellos, zwecklos wie die Wellen ans Ufer schlagen<br />

-, exemplarisch auch fúr <strong>de</strong>n Willen <strong>de</strong>r Geschichte o<strong>de</strong>r sogar fur <strong>de</strong>n <strong>de</strong>s<br />

Menschen in <strong>de</strong>r Geschichte, was ja vielleicht keineswegs dasselbe ist: wie<br />

sollten wir das wissen! Geschichte je<strong>de</strong>nfalls ist insofern i<strong>de</strong>ntisch mit <strong>de</strong>m<br />

Akt, ais sie Aktion um ihrer selbst willen ist, nicht mit <strong>de</strong>m Ziel - sie hat<br />

keines - <strong>do</strong>ch mit <strong>de</strong>m Résultat <strong>de</strong>s PotenzverschleiBes (W, 26).<br />

O Homem é arrasta<strong>do</strong> para um ciclo da História repetitivo, para um continuum perpétuo<br />

que gera como único resulta<strong>do</strong> visível a <strong>de</strong>struição. Uma vez que a História não tem um<br />

fim em si mesmo, o resulta<strong>do</strong> das acções humanas que a corporizam está<br />

irremediavelmente perdi<strong>do</strong>. Hochhuth não vê escapatória possível para um processo que<br />

à <strong>de</strong>riva conduz a um só final - a morte. O autor recorre a Kant (1724-1804) para<br />

explicar a urgência <strong>de</strong> uma humanização da História que responsabilize o Homem e<br />

que, tal como a mãe natureza que estimula a evolução óptima das espécies, proceda à<br />

extinção total das armas e das guerras, promoven<strong>do</strong> a aliança <strong>do</strong>s povos (cf. W, 15). A<br />

tendência auto<strong>de</strong>strutiva <strong>do</strong> Homem, o aprisionamento a um ciclo histórico que se<br />

movimenta em círculo, não significa, porém, que não haja esperança no pensamento <strong>de</strong><br />

Hochhuth. Os sinais positivos resi<strong>de</strong>m, todavia, não na socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong><br />

organiza<strong>do</strong>, mas no indivíduo enquanto ser capaz <strong>de</strong> lutar contra o rumo <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos através das <strong>de</strong>cisões que toma com base na sua consciência (cf. infra,<br />

50). A História <strong>de</strong>ixa-se interpretar pelo reina<strong>do</strong> caótico <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que, por sua vez,<br />

po<strong>de</strong>rão ganhar senti<strong>do</strong> no plano i<strong>de</strong>ológico ou nas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s personalida<strong>de</strong>s. De<br />

»Der erste, <strong>de</strong>r sich in einem Felsennest verbarg, war <strong>de</strong>r Installateur von Auschwitz« (Judith, 134).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 40<br />

acor<strong>do</strong> com Reinhold, a síntese da História como po<strong>de</strong>r cego correspon<strong>de</strong> em Hochhuth<br />

à i<strong>de</strong>ia das personalida<strong>de</strong>s históricas, que não são entendidas pelo dramaturgo como<br />

representantes ou porta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma constelação <strong>de</strong> forças, antes como senhoras <strong>de</strong> uma<br />

individualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, capaz <strong>de</strong> dar senti<strong>do</strong> e orientação ao percurso<br />

histórico. A influência na História <strong>do</strong> movimento das classes é <strong>de</strong>preciada e o papel das<br />

personalida<strong>de</strong>s como factor que origina mudança histórica é hipervaloriza<strong>do</strong> (cf.<br />

Reinhold, 1977: 104; 107).<br />

A crença no indivíduo e nas suas capacida<strong>de</strong>s individuais <strong>de</strong> resistência e<br />

perseverança <strong>de</strong>notam a influência no pensamento <strong>de</strong> Hochhuth da corrente históricofílosófíca<br />

<strong>de</strong> alguns historia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zanove como Theo<strong>do</strong>r Mommsen (1817-<br />

1903) ou Jacob Burckhardt (1818-1897). Deste último, Hochhuth terá herda<strong>do</strong> uma<br />

visão pessimista da História pela observação <strong>do</strong> fenómeno contínuo, da já referida<br />

repetição e constância 19 . A presença <strong>de</strong>sse historia<strong>do</strong>r faz-se sentir inclusivamente em<br />

>Effis NachK, no <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Else, que não só nomeia >Weltgeschichtliche<br />

Betrachtungen< (1870) <strong>de</strong> Burckhardt (cf. EN, 81), como parte igualmente da citação<br />

<strong>de</strong>sta obra para <strong>de</strong>senvolver o seu próprio raciocínio sobre a repercussão da História em<br />

ondas sem senti<strong>do</strong>, sem qualquer objectivo que não a <strong>de</strong>struição:<br />

Nach nur neunzig bis hun<strong>de</strong>rt Metern ist eine Welle wie<strong>de</strong>r verrõchelt, nur um<br />

ihrer selbst willen da, nicht uferwãrts gerichtet, nicht Zielen zu o<strong>de</strong>r gar auf<br />

einen Sinn... nein: um ihrer selbst willen wie - <strong>de</strong>r Akt. Denn wie selten<br />

kõnnen wir uns dabei einre<strong>de</strong>n, wir taten's um zu zeugen! Und wenn: Um zu<br />

zeugen - wohin dann und fur wen? Fur jene, die sie dann, wie meine zwei<br />

Enkel und diesen Jungen, auf <strong>de</strong>m Schlachtfeld vernutzen?... (EN, 82).<br />

Uma vez mais a guerra surge como o único fim previsível da História. Else testemunha,<br />

pela sua experiência pessoal, esse fim trágico e irremediável <strong>do</strong>s homens quan<strong>do</strong><br />

informa o especta<strong>do</strong>r/leitor sobre a morte <strong>do</strong>s seus <strong>do</strong>is netos que, tal como o solda<strong>do</strong><br />

moribun<strong>do</strong> a seu cuida<strong>do</strong>, sofreram as consequências <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a<br />

repercutir historicamente o acto <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>struição a que a humanida<strong>de</strong> ciclicamente se<br />

entrega. Já em >WellenWeltgeschichtliche BetrachlungenUber<br />

Studium <strong>de</strong>r Geschichte


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 41<br />

<strong>de</strong>screver o processo <strong>de</strong> aniquilação a que o Homem está con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>. Na análise <strong>de</strong><br />

Durzak, Hochhuth reconhece mesmo a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong> indivíduo ou<br />

como as forças <strong>de</strong> propulsão mundiais, refugiadas em instituições e aglomera<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, não po<strong>de</strong>m mais ser comunicadas através <strong>do</strong> campo subjectivo, feito da<br />

experiência das pessoas (cf. Durzak, 1981: 162). Este cepticismo profun<strong>do</strong> intrínseco ao<br />

seu pensamento, crescente <strong>de</strong> obra para obra e implacável nas suas últimas publicações,<br />

a percepção da História como algo <strong>de</strong> completamente absur<strong>do</strong>, leva Hochhuth a recusar<br />

toda e qualquer visão optimista, alimentada por uma esperança profética no "homem<br />

novo" , como <strong>de</strong>fendia Herbert Marcuse (1898-1979).<br />

Em >Der alte Mythos vom «neuen» Menschen< (1971), Hochhuth dispara um<br />

violento ataque contra as promessas utópicas <strong>de</strong> Marcuse que sonhava com uma<br />

socieda<strong>de</strong> sem guerra, sem miséria, sem opressão:<br />

Je<strong>de</strong>r Sohn muP wan<strong>de</strong>rn, bis er ein ist: sonst lohnt kaum, da0 er<br />

wie<strong>de</strong>rkommt. Nur sollte ein alter Mann wie Marcuse ihm nicht weismachen,<br />

dieses Eiland sei fíndbar auf diesem Planeten... was er damit lehrt, ist geistige<br />

Weltraumfahrt, die nicht weniger ruchlos ist ais die von Wernher von Braun<br />

angestiftete technische (H, 421).<br />

O ensaio anti-Marcuse <strong>de</strong> Hochhuth acaba por inserir o pensa<strong>do</strong>r na linha i<strong>de</strong>ológica<br />

utópica <strong>do</strong>s filósofos Her<strong>de</strong>r (1744-1803) - Fichte (1762-1814) - Hegel (1770-1831) -<br />

Marx (1818-1883). Raddatz salienta que a última das utopias, construída pelo<br />

marxismo, merece a total <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> Hochhuth por se <strong>de</strong>sviar <strong>do</strong> que é analisável e<br />

concrescível, preferin<strong>do</strong> Marx o esboço profético, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia vaga<br />

e pouco precisa quanto ao futuro da humanida<strong>de</strong> (cf. Raddatz, 1981: 35). Também o<br />

caminho <strong>de</strong> cura e <strong>de</strong> rejuvenescimento proposto por Marcuse em direcção a um futuro<br />

melhor é recusa<strong>do</strong> por Hochhuth, por ser irrealista e agarra<strong>do</strong> à ilusão mórbida da<br />

i<strong>de</strong>ologia, principal agente <strong>de</strong> falsificação da realida<strong>de</strong>.<br />

Herbert Marcuse <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em >Der eindimensionale Mensch< as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma evolução qualitativa na vida<br />

humana pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à sua execução: »Wie kõnnen dièse Ressourcen fur die optimale<br />

Entwicklung und Befriedigung individueller Bedurfhisse und Anlagen bei einem Minimum an schwerer Arbeit und<br />

Elend ausgenutzt wer<strong>de</strong>n? Die Gesellschaftstheorie ist eine historische Théorie, und die Geschichte ist das Reich <strong>de</strong>r<br />

Notwendigkeit. Daher ist zu fragen: welche unter <strong>de</strong>n verschie<strong>de</strong>nen mõglichen und wirklichen Weisen, die<br />

verfiigbaren Ressourcen zu organisieren und nutzbar zu machen, bieten die grõBte Chance einer optimalen<br />

Entwicklung?« (Marcuse, 1964: 13).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 42<br />

Note-se, todavia, que o confronto <strong>de</strong> Hochhuth com diferentes i<strong>de</strong>ologias não se<br />

pautou exclusivamente pelo rebater <strong>do</strong> optimismo <strong>de</strong> teses utópicas, mas ce<strong>do</strong> se<br />

manifestou no pós-guerra, com a tomada <strong>de</strong> posição <strong>do</strong> escritor perante uma discussão<br />

acesa entre intelectuais no <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> uma recepção da herança literária <strong>do</strong>s conceitos<br />

<strong>de</strong> Avantgar<strong>de</strong> e Realismo <strong>do</strong>s anos trinta. Em 1958, Georg Lukács (1885-1971) lança<br />

um violento ataque contra as teses vanguardistas <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r A<strong>do</strong>rno (1903-1969) na<br />

monografia > Wi<strong>de</strong>r <strong>de</strong>n mifiverstan<strong>de</strong>nen RealismusDie Zerstòrung <strong>de</strong>r VernunftErprefite<br />

Versóhnung< (1958), Theo<strong>do</strong>r A<strong>do</strong>rno contra argumenta, recusan<strong>do</strong> a representação<br />

vulgar e materialista <strong>do</strong> Realismo socialista, exaltan<strong>do</strong> a orientação estética da<br />

avantgar<strong>de</strong>:<br />

Die Zerstòrung <strong>de</strong>r Vernunft, 1962: 219, apud Lukács, Die Théorie <strong>de</strong>s Romans ( Vorwort), 2000 [ 1963] : 16.


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

43<br />

Der monologue intérieur, die Weltlosigkeit <strong>de</strong>r neuen Kunst, iiber die Lukács<br />

sich entrustet, ist bei<strong>de</strong>s, Wahrheit und Schein <strong>de</strong>r losgelòsten Subjektivitàt.<br />

Wahrheit, weil in <strong>de</strong>r allerorten atomistischen Weltverfassung die<br />

Entfremdung iiber <strong>de</strong>n Menschen waltet und weil sie - wie man Lukács<br />

konzedieren mag - daruber zu Schatten wer<strong>de</strong>n. Schein aber ist das losgelõste<br />

Subjekt, weil objektiv die gesellschaftliche Totalitàt <strong>de</strong>m Einzelnen<br />

vorgeordnet ist und durch die Entfremdung hindurch, <strong>de</strong>n Gesellschaftlichen<br />

Wi<strong>de</strong>rspruch, zusammengeschlossen wird und sich reproduziert (NzL, 262). 22<br />

Esta discussão <strong>de</strong> ín<strong>do</strong>le estético-fílosófíca seria renovada por Hochhuth, que, por sua<br />

vez, toma o parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lukács, escreven<strong>do</strong> um artigo para a revista >Theater heute<<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> >Das Absur<strong>de</strong> in <strong>de</strong>r Geschichte< (1963), on<strong>de</strong> reacen<strong>de</strong> a polémica com<br />

A<strong>do</strong>rno no círculo da crítica literária. Os argumentos apresenta<strong>do</strong>s por Hochhuth nesse<br />

artigo são alarga<strong>do</strong>s a uma segunda publicação em 1965, por ocasião da comemoração<br />

<strong>do</strong>s oitenta anos <strong>de</strong> Lukács, e dão conta <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> urgente em salvar as<br />

características individuais e subjectivas <strong>de</strong> cada homem face a uma iminente submersão<br />

em valores colectivos uniformiza<strong>do</strong>s e anónimos, como o título elucidativo <strong>do</strong> ensaio<br />

>Die Rettung <strong>de</strong>s Menschen< (1965) sugere 23 : »Uniformen haben am Hals ihre Grenze.<br />

Gesichter erscheinen nur <strong>de</strong>m unterschiedlos, <strong>de</strong>r sie so oberfláchlich betrachtet wie<br />

reisen<strong>de</strong> Europáer die Asiaten, die scheinbar alie gleich aussehen« (//, 320). Lukács e<br />

Hochhuth estão, pois, conscientes das dificulda<strong>de</strong>s que as suas orientações estéticas<br />

enfrentam, já que, como sugere Bekes, face a um mun<strong>do</strong> cada vez mais <strong>de</strong>sumano,<br />

confronta<strong>do</strong> com a coacção <strong>de</strong> instituições anónimas, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />

experiências humanas concretas e <strong>do</strong> foro individual parece ser cada vez mais estreita<br />

(cf. Bekes, 1978: 13). Na carta aberta dirigida a Hochhuth (1967), A<strong>do</strong>rno argumenta:<br />

»Keine traditionalistische Dramaturgie vom Hauptakteuren leistet es mehr. Die<br />

Absurditãt <strong>de</strong>s Realen drángt auf eine Form, welche die realistische Fassa<strong>de</strong> zerschlãgt«<br />

{NzL: 595). Aí resi<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> a posição contrária <strong>de</strong> A<strong>do</strong>rno, o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia que, ao acreditar no papel insubstituível <strong>do</strong> Homem, na liberda<strong>de</strong> total <strong>do</strong><br />

sujeito, na preservação da individualida<strong>de</strong>, peca por ser tradicionalista, <strong>de</strong>scrente e<br />

autista face aos comportamentos sociais, face ao absur<strong>do</strong> <strong>do</strong> real, tal como a História o<br />

testemunha diariamente (cf. ibi<strong>de</strong>m: 595-596). Numa análise breve da socieda<strong>de</strong><br />

22 Erprefite Versõhmmg, 1958. In: Theo<strong>do</strong>r A<strong>do</strong>rno, Noten zur Literatur, 1981 [ 1961 ], p.262. Será utilizada a sigla<br />

NzL para o conjunto ensaístico <strong>de</strong> A<strong>do</strong>rno, >Nolen zur Literatura.<br />

23 Posteriormente compila<strong>do</strong> em 1971 com o título igualmente sugestivo: Soil das Theater die heutige Welt<br />

darstellen? Antworten aufFragen <strong>de</strong>r Zeitschrift >Theater heute


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 44<br />

mo<strong>de</strong>rna, A<strong>do</strong>rno constata o Homem aprisiona<strong>do</strong> ao aparato da produção, priva<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

um individualismo que rapidamente entrou em <strong>de</strong>clínio e proclama a literatura absurda<br />

como a única capaz <strong>de</strong> assumir esta consciência correcta na sua forma e conteú<strong>do</strong> (cf.<br />

ibi<strong>de</strong>m: 592). Como explica Margaret Ward, A<strong>do</strong>rno negava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

existência <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> individual na era atómica e, por isso, face ao horror <strong>do</strong><br />

anonimato da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna industrial, acreditava não ser possível conceber um<br />

drama que lidasse com a realida<strong>de</strong>, retratan<strong>do</strong>-a por intermédio <strong>de</strong> personagens e<br />

acções, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> semelhantes dramas uma verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sgraça, uma distorção pura<br />

da realida<strong>de</strong> (cf. Ward, 1977: 18).<br />

Todavia, o verda<strong>de</strong>iro fundamento da dramaturgia <strong>hochhuth</strong>iana parte <strong>de</strong>ssa<br />

recusa <strong>de</strong> uma concepção histórica que reduz a humanida<strong>de</strong> ao cinzento <strong>do</strong> anonimato.<br />

As convicções humanistas e a crença na liberda<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> escolha conduziram o<br />

dramaturgo a uma estética inspirada em Schiller (1759-1805) e na senda <strong>do</strong> escritor<br />

clássico, Hochhuth estava convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que, para obter a verda<strong>de</strong> no drama, teria que<br />

haver um processo <strong>de</strong> personalização <strong>do</strong> conflito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias na História humana (cf.<br />

Ward, 1977: 19). Sem este tipo <strong>de</strong> personalização não po<strong>de</strong>ria haver, <strong>de</strong> forma alguma,<br />

drama:<br />

Also: Es gibt angeblich kein Leben mehr, Personen sind nicht mehr sie selber,<br />

son<strong>de</strong>m allein noch Bestandteile <strong>de</strong>r Maschinerie, und wer die Wahrheit<br />

erfahren will, <strong>de</strong>r darf sie nicht mehr unmittelbar im Leben suchen, son<strong>de</strong>m<br />

muP <strong>de</strong>n objektiven Mãchten nachforschen - sagte <strong>do</strong>ch A<strong>do</strong>rno nur, (...) Der<br />

Professor hat tatsãchlich nie gesehen, wie sehr er jene Mãchte damit<br />

freispricht, die <strong>de</strong>n Menschen in Berufen wie in Konzentrationslagern ihre<br />

Individualitãt wegzunehmen versucht haben, (...) Weil also in <strong>de</strong>n KZs<br />

Menschen bis zur totalen Entwiirdigung zu Numern entpersonalisiert wor<strong>de</strong>n<br />

sind, wur<strong>de</strong> das Nichts, die Nichtigkeit, zu <strong>de</strong>nen man sie machte, diese<br />

»Subjekte«, auch zur For<strong>de</strong>rung an die Kunst, <strong>de</strong>n Menschen, <strong>de</strong>n einzelnen<br />

aus ihr zu verbannen, ihn nicht mehr gelten zu lassen! (GTK, 57).<br />

Através <strong>do</strong> levantar <strong>de</strong> questões, a obra dramática <strong>de</strong> Hochhuth gera uma corrente moral<br />

que apela à responsabilida<strong>de</strong> individual. Karl Jaspers realça essa qualida<strong>de</strong> fundamental<br />

da escrita <strong>de</strong> Hochhuth que, na opinião <strong>de</strong>ste pensa<strong>do</strong>r, obe<strong>de</strong>ce toda ela ao mesmo<br />

princípio: »Die For<strong>de</strong>rung Hochhuths ist: nicht schweigen« (Jaspers, 1963: 504-505). O<br />

acto corajoso <strong>de</strong> não se calar preten<strong>de</strong> ser mais <strong>do</strong> que um princípio, é, na realida<strong>de</strong>, um


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 45<br />

imperativo para a escrita <strong>de</strong> Hochhuth. O esquecimento é o mesmo que ingratidão e a<br />

gratidão é para o escritor uma virtu<strong>de</strong>. Ao refutar as teses <strong>de</strong> A<strong>do</strong>rno, Hochhuth apela na<br />

sua antítese ao <strong>de</strong>ver único da dramaturgia: »Das ist <strong>do</strong>ch die wesentliche Aufgabe <strong>de</strong>s<br />

Dramas: darauf zu bestehen, daB <strong>de</strong>r Mensch ein verantwortliches Wesen ist: o<strong>de</strong>r trug<br />

Truman keine Verantwortung fur die Vernichtung Hiroshimas?« (H, 319s.). O apelo à<br />

responsabilida<strong>de</strong> individual <strong>do</strong> Homem faz-se sob uma forma dramática que respeita e<br />

tem simpatia pelo peso da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Hochhuth procura uma<br />

solução para o para<strong>do</strong>xo existencial que aprisiona o Homem ao <strong>de</strong>vir trágico da<br />

História. Os protagonistas <strong>do</strong>s seus textos dramáticos trazem, segun<strong>do</strong> Raddatz, a<br />

resposta a esse enigma, na medida em que são seres pacientes, que suportam a História,<br />

intervin<strong>do</strong> sempre temporariamente, limita<strong>do</strong>s a pequenas partículas <strong>de</strong> energia (cf.<br />

Raddatz, 1981: 51). Hochhuth parte <strong>de</strong> uma antropologia bíblica profunda que assume o<br />

princípio <strong>de</strong> que o Homem é fraco e peca<strong>do</strong>r, com propensão para a iniquida<strong>de</strong>, não<br />

conseguin<strong>do</strong> apartar-se da sua baixeza mesmo quan<strong>do</strong> é bom e íntegro. Neste<br />

pessimismo crescente e mais cinzento <strong>de</strong> obra para obra resi<strong>de</strong>, no entanto, a esperança<br />

numa revolução da consciência cristã 24 , no melhoramento <strong>do</strong>s comportamentos<br />

individuais.<br />

2.3 Teatro político e moral<br />

A procura compulsiva da verda<strong>de</strong> está, em Hochhuth, orientada para o interior e<br />

expressa <strong>de</strong> forma individualizada. Como autor e cidadão, este nunca assumiu<br />

publicamente solidarieda<strong>de</strong> para com um grupo, um movimento religioso ou uma<br />

facção política, sublinha Margaret Ward, nem sentiu, porventura, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fundamentar i<strong>de</strong>ologicamente as suas convicções políticas (cf. Ward, 1977: 73). O<br />

caminho traça<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s anos obe<strong>de</strong>ceu sempre a uma orientação muito pessoal, a<br />

Ursula Reinhold <strong>de</strong>screve a questão da consciência cristã em Hochhuth a partir da responsabilida<strong>de</strong> moral<br />

empreendida num acto subjectivo <strong>de</strong> auto-realização e segun<strong>do</strong> os mandamentos cristãos que exigem contenção e<br />

<strong>de</strong>cisão responsável. O compromisso humano e cristão <strong>de</strong> Hochhuth parte <strong>de</strong> situações no <strong>de</strong>curso da História que<br />

envolvem tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Do i<strong>de</strong>alismo puro <strong>do</strong> seu drama emanam exemplos individuais que pela força da<br />

<strong>de</strong>cisão moral resistem à contaminação histórica <strong>de</strong> políticas fracas e traiçoeiras. A moral permanece para o escritor<br />

como uma capacida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo para uma realização humana e responsável (cf. Reinhold 1977' 102-<br />

103).


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 46<br />

uma moral ou a um verda<strong>de</strong>iro norte localiza<strong>do</strong> em si mesmo. De acor<strong>do</strong> com esta<br />

perspectiva, no prefácio à sua obra >Guerillas< 25 (1970), Hochhuth clarifica a função<br />

<strong>do</strong> teatro político na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um espaço próprio <strong>de</strong> influência<br />

sobre o especta<strong>do</strong>r que não sob a forma política e eloquente <strong>de</strong> um ora<strong>do</strong>r em tempo <strong>de</strong><br />

eleições, mas sim sob a forma moral:<br />

Politisches Theater kann nicht die Aufgabe haben, die Wirklichkeit - die ja<br />

stets politisch ist - zu reproduzieren, son<strong>de</strong>m hat ihr entgegenzutreten durch<br />

Projektion einer neuen. Und nur <strong>do</strong>rt, wo es moralisch, anstatt politisch<br />

agitiert, trifft es <strong>de</strong>n Zuschauer und bewahrt es seinen eigenen Raum, <strong>de</strong>r nicht<br />

jener <strong>de</strong>s Wahlredners ist (G, 20).<br />

Hochhuth <strong>de</strong>nuncia abertamente, como Brecht (1898-1956) ou Durrenmatt (1921-1990)<br />

o fizeram, a opressão <strong>do</strong> regime nazi e a consequente manipulação das pessoas através<br />

da intromissão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em todas as esferas e manifestações sociais. Todavia, ao<br />

contrário <strong>do</strong> proposto por estes autores, <strong>de</strong> quem explicitamente se <strong>de</strong>marca, dispõe-se a<br />

salvar o i<strong>de</strong>al humano através da moral individual:<br />

Ich wie<strong>de</strong>rhole: Mein Glaube an die Krãfte <strong>de</strong>s einzelnen ist gering. Daraus<br />

ergibt sich aber keineswegs, dal3 man nicht - wie ich hoffe, ohne irgendwie<br />

zum Heuchler zu wer<strong>de</strong>n - Stúcke schreiben soil iiber Menschen, die das<br />

Gegenteil beweisen. Ich bin nicht <strong>de</strong>r Meinung jener Dramatiker wie zum<br />

Beispiel Durrenmatt, die das En<strong>de</strong> <strong>de</strong>r Tragõdie verkun<strong>de</strong>n mit <strong>de</strong>m Hinweis,<br />

die Tage <strong>de</strong>s Individuums seien gezáhlt, niemand kõnne noch irgend etwas<br />

tun, niemand sei mehr verantwortlich 26 .<br />

A concepção estética <strong>de</strong> Hochhuth converte individualmente as suas personagens<br />

dramáticas em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. O sujeito é valoriza<strong>do</strong> nas suas características<br />

únicas e subjectivas, sen<strong>do</strong> simultaneamente protegi<strong>do</strong> e liberta<strong>do</strong> <strong>do</strong> anonimato<br />

castra<strong>do</strong>r resultante da omnipresença, po<strong>de</strong>r e autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Hochhuth preten<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nunciar a acumulação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e a <strong>de</strong>sumanização nos sistemas políticos, duas<br />

variantes ontológicas que, segun<strong>do</strong> o autor, se repercutem na História. Para<br />

Mennemeier, esta preocupação constante no pensamento <strong>de</strong> Hochhuth revela a procura<br />

<strong>de</strong> uma alternativa i<strong>de</strong>alista para a sua estética, que não se revê na quimera da realida<strong>de</strong><br />

" Será utilizada a sigla G para a obra dramática <strong>de</strong> Rolf Hochhuth: Guerillas ( 1970).<br />

" 6 Entrevista conduzida pelo Professor Martin Esslin a Hochhuth, com o título >Ein Dramatiker, <strong>de</strong>r politische<br />

Bomben legtSoldaten< (1967), 315 e publicada igualmente no<br />

>The New York Times Magazine< em 19.11.1967.


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

47<br />

proposta por outros autores da actualida<strong>de</strong>, mas que reivindica a legítima herança da<br />

tradição aristotélica <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização (cf. Mennemeier, 1975: 261-262). A<br />

essa quimera da realida<strong>de</strong>, Hochhuth contrapõe o seu teatro político, que o autor<br />

preten<strong>de</strong> que seja veículo da i<strong>de</strong>ia, medium <strong>do</strong> espírito. A negação estética <strong>do</strong> autor<br />

pren<strong>de</strong>-se, como vimos, não somente com toda a forma <strong>de</strong> arte que procura reproduzir<br />

directamente a realida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>marca-se também <strong>do</strong> naturalismo anuncia<strong>do</strong> pelo<br />

Realismo socialista <strong>de</strong> Georg Lukács, e revela-se igualmente contra utopias. Hochhuth<br />

refere o teatro épico <strong>de</strong> Brecht 27 como o exemplo paradigmático <strong>de</strong> um teatro utópico,<br />

con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pela ilusão <strong>do</strong> seu optimismo histórico:<br />

Der wesentliche Grund aber, weshalb ich zu <strong>de</strong>m Stuckeschreiber Brecht <strong>de</strong>n<br />

Zugang nicht fin<strong>de</strong>, liegt im Optimismus seiner Geschichtsauffassung... Ais<br />

Marxist mul3 er sich einre<strong>de</strong>n, es gehe mit <strong>de</strong>r Menschheit aufwãrts. Es geht<br />

aber nur weiter. Weiter auf <strong>de</strong>n ewiggleichen wegen, <strong>de</strong>ren je<strong>de</strong>r das<br />

Individuum wie die Võlker und alie ihre Werke und Hoffnungen am En<strong>de</strong><br />

wie<strong>de</strong>r ruiniert in einer tragischen Sackgasse 28 .<br />

Se o respeito pela fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> histórica 29 significa em Hochhuth a recusa <strong>do</strong> caminho<br />

utópico <strong>do</strong> pensamento <strong>de</strong> Brecht, também é verda<strong>de</strong> que, como disse já, não é a<br />

realida<strong>de</strong> que o autor <strong>de</strong>seja reproduzir, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> assinalar-se, pelo contrário, o seu<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar ficção através <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia que seja realmente transparente, tal como o<br />

<strong>de</strong>screve em >Guerillas


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 48<br />

que Ortega y Gasser (1883-1955) estipula para o historia<strong>do</strong>r: particularizar no<br />

indivíduo o que nele é mais característico e procurar na História o que se repete e<br />

regressa continuamente (cf. G, 20).<br />

A i<strong>de</strong>ia que presi<strong>de</strong> à construção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ficcional promove o palco da<br />

dramaturgia como autorida<strong>de</strong> moral. Em Hochhuth, argumenta Schrimpf, o palco<br />

<strong>de</strong>sempenha um papel mais representativo, assumin<strong>do</strong> a sua função <strong>de</strong> instância moral,<br />

<strong>de</strong> tribunal que, perante a <strong>de</strong>cadência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, coloca o Homem diante <strong>de</strong> um espelho,<br />

forçan<strong>do</strong> pessoas individuais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong> social à autoanálise,<br />

ao posicionamento, à tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões perante os factos, à autocrítica e à<br />

responsabilização (cf. Schrimpf, 1981: 90). Já no distante ano <strong>de</strong> 1784, Schiller (1759-<br />

1805) proclamava em >Die Schaubuhne ais eine moralische Anstalt betrachtet< ser esse<br />

o <strong>de</strong>ver e a função <strong>do</strong> teatro, <strong>de</strong>scrito pelo dramaturgo como tribunal e sátira, como foro<br />

<strong>do</strong> julgamento posterior:<br />

Die Gerichtsbarkeit <strong>de</strong>r Biihne fángt an, wo das Gebiet <strong>de</strong>r weltlichen Gesetze<br />

sich endigt. Wenn die Gerechtigkeit fur Gold verblin<strong>de</strong>t und im Sol<strong>de</strong> <strong>de</strong>r<br />

Laster schwelgt, wenn die Frevel <strong>de</strong>r Mãchtigen ihrer Ohnmacht spotten und<br />

Menschenfurcht <strong>de</strong>n Arm <strong>de</strong>r Obrigkeit bin<strong>de</strong>t, ûbernimmt die Schaubuhne<br />

Schwert und Wage und reifít die Laster vor einen schrecklichen Richterstuhl.<br />

Das ganze Reich <strong>de</strong>r Phantasie und Geschichte, Vergangenheit und Zukunft<br />

stehen ihrem Wink zu Gebot. Kiihne Verbrecher, die lãngst schon im Staub<br />

vermo<strong>de</strong>rn, wer<strong>de</strong>n durch <strong>de</strong>n allmàchtigen Ruf <strong>de</strong>r Dichtkunst jetzt<br />

vorgela<strong>de</strong>n, und wie<strong>de</strong>rholen zum schauervollen Unterricht <strong>de</strong>r Nachwelt ein<br />

7 1<br />

schãndliches Leben<br />

Hochhuth segue o exemplo clássico da dramaturgia <strong>de</strong> Schiller, atribuin<strong>do</strong> à escrita<br />

histórica responsabilida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r. Em ambos é exalta<strong>do</strong> o conceito mais eleva<strong>do</strong> <strong>do</strong> ser<br />

humano, a sua moral. Em ambos se assiste a uma <strong>de</strong>rrocada <strong>do</strong>s valores morais. Schiller<br />

analisa o comportamento frágil e problemático existente entre po<strong>de</strong>r e i<strong>de</strong>ia particularmente<br />

nas obras >Don Carlos< (1787) e >Wallenstein< 32 (1799). Também em<br />

Ortega y Gasset, no famoso trata<strong>do</strong> sociológico <strong>de</strong> 1930, >La Rebelión <strong>de</strong> las Masas< afirma: »A Europa não tem<br />

remissão se o seu <strong>de</strong>stino não for posto nas mãos <strong>de</strong> pessoas verda<strong>de</strong>iramente "contemporâneas" que sintam palpitar<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>las to<strong>do</strong> o subsolo histórico, que conheçam a altitu<strong>de</strong> presente da vida e repugnem to<strong>do</strong> o gesto arcaico e<br />

silvestre. Precisamos da história íntegra para vermos se logramos escapar <strong>de</strong>la, não recair nela« (A Rebelião das<br />

Massas, 101-102).<br />

" Friedrich Schiller (1999), Die Schaubuhne ais eine moralische Anstalt betrachtet, 13.<br />

- Em >Don Carlos< o príncipe her<strong>de</strong>iro, filho <strong>do</strong> rei Filipe II <strong>de</strong> Espanha, é vítima <strong>de</strong> uma conspiração palaciana e<br />

no diálogo com o confessor <strong>do</strong> monarca, Padre Domingo, são notórias as suas preocupações com a corrupção que<br />

paira sobre a corte: »So, sagt ich. O, zu gut, zu gut WeiB ich, daB ich an diesem Hof verraten bin - ich weiB, daB<br />

hun<strong>de</strong>rt Augen gedungen sind, mich zu bewachen, weiB, daB Kónig Philipp seinen einzigen Sohn an seiner Knèchte<br />

schlechtesten verkaufte, und je<strong>de</strong> von mir aufgefangne Silbe <strong>de</strong>m Hinterbringer fúrstlicher bezahlt, ais er noch keine


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth<br />

49<br />

Hochhuth transparece a noção <strong>de</strong> que a i<strong>de</strong>ia é corrompida, usurpada <strong>do</strong> seu valor<br />

moral, quan<strong>do</strong> tomada pelo po<strong>de</strong>r. A crítica aos sistemas comunistas ou capitalistas, ou<br />

mesmo à instituição da Igreja e ao seu Papa<strong>do</strong> como em >Der StellvertreterIVallenstein


A dramaturgia <strong>de</strong> Hochhuth 50<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pelo autor como igualmente pertinente e essencial. A acção moral <strong>do</strong> herói<br />

dilui-se no exercício constante da informação 34 .<br />

A consciência <strong>do</strong> autor dita que este assuma uma posição crítica, distanciada, e<br />

escreva a verda<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> se tornar cúmplice da mentira. Em >Krieg und<br />

Klassenkrieg< (1971), Hochhuth <strong>de</strong>screve o compromisso político como um<br />

imperativo moral: »Ein Autor muB nicht politisch schreiben, um die Wahrheit zu sagen<br />

- aber er kann auch ais unpolitischer Dichter die Wahrheit nicht schreiben, wenn er ais<br />

Staatsburger komplice von Lugern ist« {KK, 61). O trabalho <strong>de</strong> Hochhuth é, <strong>de</strong>ste<br />

mo<strong>do</strong>, um trabalho exigente na clarificação e na transparência, que o autor reconhece<br />

ser árduo e punitivo tal como o <strong>de</strong>stino dita<strong>do</strong> à figura mitológica <strong>de</strong> Sísifo, que pagou a<br />

sua rebelião contra os Deuses com a con<strong>de</strong>nação ao Ha<strong>de</strong>s, à escravidão, ao peso<br />

infidável <strong>do</strong> roche<strong>do</strong> (cf. H, 421). Para Hanno Beth, esta equiparação a Sísifo como<br />

i<strong>de</strong>al político traduz o reconhecimento por Hochhuth <strong>de</strong> que o preço para um<br />

compromisso político <strong>de</strong>sta dimensão só po<strong>de</strong>rá ser muito alto, pois coli<strong>de</strong> na sua<br />

missão revela<strong>do</strong>ra com os interesses <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res instala<strong>do</strong>s (cf. Beth, 1978: 53). Um<br />

não conformismo que revela uma atracção <strong>de</strong>smesurada pelo mais íntimo da vida<br />

humana, a biografia da consciência, e que à luz da tradição filosófica <strong>do</strong> i<strong>de</strong>alismo <strong>de</strong><br />

Kant e Schiller procura humanizar a História, sublinhan<strong>do</strong> as capacida<strong>de</strong>s morais <strong>do</strong><br />

Homem. Todavia, a crença no indivíduo não apaga em Hochhuth o seu profun<strong>do</strong><br />

pessimismo perante uma História que se repete em ciclos <strong>de</strong> guerra e que catapulta o<br />

Homem para a morte e <strong>de</strong>struição: »So bedrángt, ja bedruckt uns heute kaum eine<br />

an<strong>de</strong>re Frage so sehr wie diese: Was o<strong>de</strong>r wer bewirkt diese I<strong>de</strong>en, die ganze Zeitalter<br />

aufmarschieren lassen, erst zu Para<strong>de</strong>n, dann zu Totentánzen?« (W, 13).<br />

O fascínio pela estética clássica não se manifesta exclusivamente no esforço por uma caracterização individual das<br />

figuras. No seu <strong>estu<strong>do</strong></strong> sobre a obra >GnerillasKrieg und Klassenkrieg


As fontes biográficas 51<br />

3. As fontes biográficas<br />

O <strong>monólogo</strong> >Effis Nacht< <strong>de</strong> Rolf Hochhuth preten<strong>de</strong>, ab initio, ser testemunha<br />

da realida<strong>de</strong> e propõe, ainda que sob regência ficcional, uma aproximação a factos que<br />

comprovam a veracida<strong>de</strong> histórica. A figura histórica que Hochhuth reivindica como<br />

porta-voz <strong>do</strong> seu <strong>monólogo</strong> é, como já referi, Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne, o mo<strong>de</strong>lo real em<br />

que Fontane se inspirou para criar a personagem principal <strong>do</strong> romance >Effi BriestEffi<br />

Briest< <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane e >Zum Zeitvertreib< <strong>de</strong> Friedrich Spielhagen, que a utilizaram<br />

como mo<strong>de</strong>lo. Trata-se <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r Hans Werner Seiffert, o qual<br />

após um perío<strong>do</strong> extenso <strong>de</strong> pesquisa biográfica e <strong>de</strong> livre acesso ao arquivo priva<strong>do</strong> e<br />

familiar <strong>do</strong> físico Manfred von Ar<strong>de</strong>nne, neto <strong>de</strong> Elisabeth, expõe em 1964 o percurso<br />

biográfico da baronesa, <strong>de</strong>dican<strong>do</strong> particular atenção à sua troca <strong>de</strong> correspondência


As fontes biográficas 52<br />

com Spielhagen e <strong>de</strong>ste com Fontane (cf. Seiffert, 1964: 258). Segun<strong>do</strong> Rolf Christian<br />

Zimmermann, este interesse renova<strong>do</strong> da crítica literária pelo material referenciável em<br />

>Effi Briest< nasceu numa conjuntura particular, no seio <strong>de</strong> uma germanística <strong>de</strong> orientação<br />

marxista e a partir da influência <strong>de</strong> Georg Lukàcs e <strong>de</strong> uma perspectiva que via na<br />

literatura a reprodução <strong>de</strong> comportamentos reais observa<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> uma óptica<br />

sócio-económica (cf. Zimmermann, 1997: 91). O contributo <strong>de</strong> Seiffert foi <strong>de</strong>cisivo para<br />

que também pesquisas <strong>de</strong> cariz exoliterário e mais biográfico iluminassem factos da<br />

vida <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne, ensombra<strong>do</strong>s que estavam pela popularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> >Effi<br />

BriestEffls NachtFontane nannte sie Effi Briest<<br />

(1985) <strong>de</strong> Horst Budjuhn e >Leben und Roman <strong>de</strong>r Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne Fontanes<br />

„Effi Briest"< (1994) <strong>de</strong> Manfred Franke. Falarei ainda <strong>do</strong> arquivo da família von<br />

Ar<strong>de</strong>nne, nomeadamente <strong>do</strong> registo autobiográfico concebi<strong>do</strong> na velhice por Else von<br />

Ar<strong>de</strong>nne, entre os anos <strong>de</strong> 1931 e 1934, conserva<strong>do</strong> juntamente com as suas cartas,<br />

apontamentos e <strong>do</strong>cumentos oficiais no espólio familiar em Dres<strong>de</strong>n e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

biográficos disponibiliza<strong>do</strong>s pelo Professor Manfred von Ar<strong>de</strong>nne, reputa<strong>do</strong> físico da<br />

ex-República Democrática Alemã e neto da protagonista da história real.<br />

A referência a uma fonte mais directa, constituída pelos relatos orais e escritos<br />

<strong>de</strong> Manfred von Ar<strong>de</strong>nne bem como pelos escritos da própria Else, não significa que<br />

Hochhuth tenha, todavia, permaneci<strong>do</strong> indiferente às publicações que, no <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong><br />

século XX, fizeram justiça à história trágica e esquecida da baronesa Elisabeth von<br />

Ar<strong>de</strong>nne. O crítico Jean Leventhal adianta que foi Helene Herrmann quem primeiro<br />

concluiu que a história narrada em >Effl BriesK era baseada em factos reais 1 . Este<br />

primeiro <strong>estu<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong>s factos reais que subjazem ao romance <strong>de</strong> Fontane intitulava-se<br />

>Theo<strong>do</strong>r Fontanes . Die Geschichte eines Romans< e foi publica<strong>do</strong> em<br />

Berlim no distante ano <strong>de</strong> 1912, um ano também marca<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>bate aceso sobre a<br />

Sem, contu<strong>do</strong>, revelar os nomes <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los inspira<strong>do</strong>res, a investiga<strong>do</strong>ra salientaria que, no caso real, a diferença<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s entre mari<strong>do</strong> e mulher era apenas <strong>de</strong> cinco anos e não <strong>de</strong> vinte anos como no romance (cf. 1912, apud<br />

Leventhal, 1991: 181). Dos principais factos relaciona<strong>do</strong>s por Herrmann, Hans Werner Seiffert dá especial relevo à<br />

tendência <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne para o cumprimento escrupuloso <strong>do</strong>s seus <strong>de</strong>veres como militar, o interesse na prossecução da<br />

carreira e ao duelo com final trágico (cf. 1912, apud Seiffert, 1964: 258).


As fontes biográficas 53<br />

questão <strong>do</strong> duelo no parlamento imperial alemão. Herrmann teve o apoio editorial <strong>de</strong><br />

Hélène Lange, que não hesitou em publicar o seu <strong>estu<strong>do</strong></strong> na revista mensal 2 >Die Frau.<br />

Monatsschrift fiir das gesamte Frauenleben unserer Zeit< A activista Hélène Lange,<br />

por ser uma célebre <strong>de</strong>fensora <strong>do</strong>s direitos das mulheres, precursora <strong>do</strong> movimento na<br />

Alemanha, é natural que fosse especialmente sensível à história pessoal <strong>de</strong> Else, uma<br />

história <strong>de</strong> sofrimento pelas circunstâncias da separação matrimonial, mas também <strong>de</strong><br />

emancipação pelo divórcio e pelo trabalho.<br />

A perspectiva <strong>do</strong>cumental <strong>de</strong> Hochhuth levou-o a incluir referências a este primeiro<br />

<strong>estu<strong>do</strong></strong> publica<strong>do</strong>, reforçan<strong>do</strong> a posição crítica <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> em relação à ficção<br />

fontaniana. Leia-se a referência a Helene Herrmann no texto secundário:<br />

Thomas Mann, <strong>de</strong>r nicht einmal von <strong>de</strong>n russischen Epikern nachhaltiger<br />

geprãgt wor<strong>de</strong>n ist ais durch Fontane, hat nicht mehr erfahren, dafi Dr.<br />

Helene Herrmann: Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nnes «Ent<strong>de</strong>ckerin» ais Effis Ur-Figur,<br />

1944 in Auschwitz vergast wor<strong>de</strong>n ist. Auch Elisabeth, die sie sogleich hier<br />

erwáhnen wird, hat das nie mehr erfahren, aber vermutlich geahnt... Thomas<br />

Mann hatte am 21. Januar 1920 notiert: «Dr. Helene Hermann schickte ihren<br />

groflen Essay iiber , <strong>de</strong>r sehr gut ist.» Er schhrieb Hermann -<br />

statt Herrmann. Sie war 1877 geboren. In Leipzig ist 1988 ihr Reclambandchen:<br />

erschienen (EN<br />

43).<br />

As palavras elogiosas <strong>de</strong> Thomas Mann parecem não impressionar muito Hochhuth que<br />

as utiliza unicamente para comentar as lacunas <strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong>ste, que ignora a<br />

morte da investiga<strong>do</strong>ra Helene Herrmann nas câmaras <strong>de</strong> gás nazis em Auschwitz. Pelo<br />

contrário, a referência à data <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> Helene, no ano <strong>de</strong> 1877, preten<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstrar a aptidão <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> para um melhor conhecimento da vida <strong>de</strong> Else von<br />

Ar<strong>de</strong>nne e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos com ela privaram. Os da<strong>do</strong>s biográficos <strong>de</strong> Helene<br />

- O nome <strong>de</strong> Helene Lange (nasceu em Ol<strong>de</strong>nburg em 1848 e faleceu em Berlim em 1930) está directamente<br />

relaciona<strong>do</strong> com a reforma <strong>do</strong> ensino e a formação feminina na Alemanha, que teve um impulso significativo a partir<br />

<strong>de</strong> 1887. Lange lutou toda uma vida em prol das suas convicções <strong>de</strong>mocráticas, pelos direitos <strong>de</strong> cidadania das<br />

mulheres e contra velhos preconceitos comodamente instala<strong>do</strong>s na política, nos círculos comunitários e em socieda<strong>de</strong>.<br />

Na biografia sobre a activista <strong>do</strong>s direitos das mulheres, >Helene Lange - Ein Leben fir das volle Biirgerrecht <strong>de</strong>r<br />

FraiK, Dorothea Frandsen escreve: »Als die Zeitschrift [Die Frau] im Oktober 1893 erstmalig erschien, lagen die<br />

Anfánge <strong>de</strong>r Frauenbewegung schon weit zuriick; selbst die organisierte Frauenbewegung konnte damais schon auf<br />

die stattliche Zeitspanne von fast 30 Jahren zuruckblicken. (...) Helene Lange selbst war an <strong>de</strong>r „Frau" mit 321,<br />

Gertrud Báumer, <strong>de</strong>ren Name erstmalig im Jahrgang 1898/99 ais Autorin erscheint, mit 502 Beitrágen beteiligt; bei<br />

letzterer nahmen die einfiihlsamen biographischen Aufsãtze, Lebensbil<strong>de</strong>r von Politikern, Frauenrechtlerinnen,<br />

Dichtern und Dichterinnen, die auf die spatere Kunstlerische Richtung ihres Schaffens hinweisen, mit <strong>de</strong>n Jahren zu«<br />

(Frandsen, 1999:95-97).


As fontes biográficas 54<br />

Herrmann apresenta<strong>do</strong>s revertem novamente a autorida<strong>de</strong> crítica em favor <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong>. O interesse pela escritora é ainda assumi<strong>do</strong> pela alusão final à publicação <strong>de</strong><br />

um livro <strong>de</strong> Helene Herrmann em Leipzig no ano <strong>de</strong> 1988. A referência no texto<br />

secundário <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> à horrível morte <strong>de</strong> Helene Herrmann orienta o senti<strong>do</strong> que o<br />

discurso <strong>de</strong> Else irá também tomar:<br />

Die Herrmanns entkamen nicht. Die Herrmanns, <strong>de</strong>ren Tochter Helene so<br />

ergreifend schõn war, an<strong>de</strong>rs kann man's nicht ncnnen, dafi Menzel sie mehrmals<br />

zeichnete. Die Helene wird nun vergast; meine erste Biographin; sie<br />

zuerst hat publiziert, da(3 es meine Geschichte ist, die Fontane verwen<strong>de</strong>t hat.<br />

Und so korrespondierte ich mit ihr - und weiB nun, dafi sie voriges Jahr<br />

<strong>de</strong>portiert wur<strong>de</strong> ab Bahnhof Grunewald. Mit zwanzig Pfund Gepàck... wie<br />

ich schon verdrãngt hatte (EN, 44-45)!<br />

O <strong>de</strong>stino cruel <strong>de</strong> Helene é fatalmente igual ao <strong>de</strong> tantos outros que sofreram o holocausto.<br />

Else faz, todavia, questão <strong>de</strong> individualizar essa catástrofe. O nome <strong>do</strong>s Herrmann<br />

é antecipa<strong>do</strong> no discurso pelo <strong>do</strong>s Lessing e é segui<strong>do</strong> posteriormente pela alusão<br />

ao escritor Wiechert (cf. EN, 44-45). To<strong>do</strong>s eles vítimas <strong>do</strong>s campos <strong>de</strong> concentração,<br />

to<strong>do</strong>s eles recorda<strong>do</strong>s e homenagea<strong>do</strong>s por Else. Em itálico é presta<strong>do</strong> um verda<strong>de</strong>iro<br />

tributo à beleza física <strong>de</strong> Helene, tantas vezes retratada pelo pintor Menzel.<br />

O <strong>de</strong>staque da<strong>do</strong> ao ensaio crítico <strong>de</strong> Helene Herrmann revela gran<strong>de</strong> conhecimento<br />

<strong>de</strong> causa <strong>de</strong> uma Else ficcional que afirma, por último, ter-se correspondi<strong>do</strong><br />

com a investiga<strong>do</strong>ra, antes da sua morte. A investigação cuidada <strong>de</strong> Hochhuth é caracterizada<br />

por Robert Atkins como a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> escritor em entretecer na sua obra<br />

fontes <strong>do</strong>cumentais. De facto, Hochhuth é cuida<strong>do</strong>so em relação ao que constitui<br />

realida<strong>de</strong>, nomeadamente se essa realida<strong>de</strong> for histórica ou política (cf. Atkins, 1999:<br />

99). Utilizan<strong>do</strong> o suporte <strong>do</strong>cumental, toda a informação transmitida se torna mais<br />

credível. Todavia, estas situações apresentadas como reais não o são na totalida<strong>de</strong>.<br />

Como Robert Atkins sublinha, a pretensa maior veracida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> cai em<br />

contradição perante a atribuição a Else <strong>de</strong> uma clara consciência <strong>do</strong> holocausto no<br />

<strong>monólogo</strong>, que a leva a um forte sentimento <strong>de</strong> culpa pessoal por ter feito muito pouco<br />

pelos ju<strong>de</strong>us que conheceu pessoalmente e que eram amigos da família (cf. Atkins,


As fontes biográficas 55<br />

1999: 110), consciência essa que nenhum <strong>do</strong>cumento nem referência comprovam e que,<br />

pelo contrário, entra em oposição com o pensamento <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne:<br />

Unser Fiihrer ais ein Werkzeug Gottes, das dazu ausersehen ist, mit seinem<br />

<strong>de</strong>utschen Volk Wegbereiter fur die neuen Wege u[nd] Ziele zu sein, [das] ist<br />

ein groses Gottesgeschenk. An uns ist es nun, Gottes Wille [zu] erkennen<br />

u[nd] Seinen Weg getreu u[nd] getrost [zu] gehen u[nd] dadurch Hitler die<br />

sicherste u[nd] beste Gefolgschaft zu leisten 3 (1938, apud Franke, 1995: 191-<br />

192).<br />

Acresce ainda <strong>de</strong> que a referência à viúva <strong>do</strong> pintor Max Liebermann, que Else terá<br />

conheci<strong>do</strong> e que se suici<strong>do</strong>u para evitar a <strong>de</strong>portação, po<strong>de</strong> ser comprovada pelos<br />

<strong>estu<strong>do</strong></strong>s biográficos sobre Else von Ar<strong>de</strong>nne, mas já o suposto conhecimento <strong>de</strong> Helene<br />

Herrmann e <strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong>, o académico berlinense Max Herrmann é, na realida<strong>de</strong>,<br />

improvável e apenas fruto da ficção <strong>de</strong> Hochhuth.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, parece-me possível afirmar que os da<strong>do</strong>s biográficos regista<strong>do</strong>s<br />

por Seiffert e as biografias <strong>de</strong> Budjuhn e Franke, embora nunca menciona<strong>do</strong>s por<br />

Hochhuth, contêm <strong>de</strong> facto informações sobre a vida da figura histórica que terão si<strong>do</strong><br />

fonte <strong>de</strong> informação para o dramaturgo, uma vez que coinci<strong>de</strong>m com os da<strong>do</strong>s<br />

apresenta<strong>do</strong>s no <strong>monólogo</strong>. De facto, alguns <strong>do</strong>s pormenores fundamentais que irradiam<br />

<strong>de</strong>stes <strong>estu<strong>do</strong></strong>s têm um lugar semelhante no discurso da Else <strong>de</strong> Hochhuth, corrigin<strong>do</strong><br />

informações e situações <strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Fontane que se preten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>nunciar como<br />

menos exactas. Cabem nestas correcções as referências alargadas a Ar<strong>de</strong>nne e a<br />

Hartwich, as alusões ao contexto <strong>do</strong> duelo, com a <strong>de</strong>scoberta das cartas pelo mari<strong>do</strong>, a<br />

morte <strong>do</strong> amante e o afastamento força<strong>do</strong> <strong>de</strong> Else da convivência com os seus filhos.<br />

Elisabeth Freiin von Plotho nasceu próximo <strong>de</strong> Mag<strong>de</strong>burg, no Elbe, no ano <strong>de</strong><br />

1853: »sie erhielt frúhzeitig - zu ihrem Leidwesen - <strong>de</strong>n Rufnahmen Else« (Seiffert,<br />

1964: 260). Irmã mais nova <strong>de</strong> cinco <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, numa família aristocrata, a sua história<br />

pessoal será marcada pelo relacionamento com Armand von Ar<strong>de</strong>nne e Emil<br />

Hartwich, que em conjunto formam o triângulo amoroso <strong>de</strong>ste romance real. O noiva<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Else e Armand dura <strong>do</strong>is anos e o casamento realiza-se em 1873 na pequena<br />

localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Zerben. Na vitalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seus oitenta e um anos, Else regista as memó-<br />

Arquivo da família Ar<strong>de</strong>nne: carta <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne ao neto Gothilo von Ar<strong>de</strong>nne datada <strong>de</strong> 1/10/1938.


As fontes biográficas 56<br />

rias <strong>de</strong>sse tempo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>: »Wie<strong>de</strong>r ist es mein liebes Stechow, das ich nennen<br />

mufl, weil ich mich am 7.2.[1871] <strong>do</strong>rt, im blauen Zimmer unter Palmen und <strong>de</strong>n herrlichsten<br />

Gewáchsen mit Armand von Ar<strong>de</strong>nne verlobte« {apud Franke, 1995: 55).<br />

Como oficial <strong>do</strong> exército, Armand von Ar<strong>de</strong>nne mudava frequentemente <strong>de</strong> residência,<br />

obrigan<strong>do</strong> a família a uma permanência temporária em Berlim e em Dussel<strong>do</strong>rf. É<br />

precisamente no círculo <strong>de</strong> amigos <strong>do</strong> palácio Benrath, nas terras <strong>do</strong> Reno, habita<strong>do</strong><br />

pela família Ar<strong>de</strong>nne, no princípio <strong>do</strong>s anos oitenta, que Else conhece o juiz <strong>de</strong> comarca<br />

Emil Hartwich. O convívio social aproxima-os gradualmente e o magistra<strong>do</strong> <strong>de</strong>pressa<br />

conquista a simpatia da aristocrata. Em 1884, Armand von Ar<strong>de</strong>nne é <strong>de</strong> novo envia<strong>do</strong><br />

pelo ministério <strong>de</strong> guerra em funções militares para Berlim. A mudança <strong>do</strong> casal para a<br />

capital não termina, no entanto, com a relação extra-conjugal. Else leva uma vida dupla<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o convívio proporciona<strong>do</strong> no palácio <strong>de</strong> Benrath: oficialmente a baronesa surge<br />

como esposa <strong>de</strong> um general e mãe <strong>de</strong> duas crianças; o la<strong>do</strong> mais íntimo da sua vida<br />

escon<strong>de</strong> a relação amorosa com o juiz Hartwich. As visitas suce<strong>de</strong>m-se e nos<br />

apontamentos escritos <strong>de</strong> Else surgem referências a esse tempo passa<strong>do</strong> em Berlim na<br />

companhia <strong>de</strong> Hartwich:<br />

Er bringt mich wie<strong>de</strong>r zuruck, springt in <strong>de</strong>r BurgstraBe noch einmal halb<br />

betãubt aus <strong>de</strong>m Wagen, zieht mich noch einmal im Uberschwang seiner<br />

Gefuhle an seine Brust - das letzte Mal! Eben lauert... <strong>de</strong>r 12... hier voruber,<br />

<strong>de</strong>r ihn mir niemals... stiehlt, <strong>de</strong>r mein Herz noch jahrelang beben lãBt, <strong>de</strong>r<br />

mich so... seiner Nãhe fin<strong>de</strong>n lãBt {apud Budjuhn, 1985: 107).<br />

Um mês <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste encontro <strong>de</strong> Else com Emil, no ano <strong>de</strong> 1886, Ar<strong>de</strong>nne <strong>de</strong>scobre<br />

num aglomera<strong>do</strong> <strong>de</strong> cartas a correspondência compromete<strong>do</strong>ra entre os <strong>do</strong>is amantes. O<br />

epílogo trágico <strong>de</strong>sta história levará Ar<strong>de</strong>nne a alvejar mortalmente Hartwich num<br />

duelo. Um ano <strong>de</strong>pois, consuma-se o divórcio, fican<strong>do</strong> Else privada por longos anos <strong>de</strong><br />

qualquer contacto próximo com os filhos Margot e Egmont, entregues à tutela <strong>do</strong> pai.<br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne resiste à separação, trabalha emancipadamente como enfermeira e<br />

vive até muito perto <strong>do</strong>s cem anos, falecen<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 1952 em Lindau no lago <strong>de</strong><br />

Constança.<br />

Há que salientar, pelo que importa para uma futura equacionação com a situação<br />

<strong>de</strong> Else no texto <strong>de</strong> Hochhuth, que Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne viveu os últimos anos <strong>de</strong> sua


As fontes biográficas 57<br />

vida em Lindau, <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se como enfermeira ao acompanhamento <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ente <strong>do</strong><br />

foro nervoso, Margarethe Weyersberg (cf. Franke, 1995: 177). De referir também que, a<br />

26 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1943, o neto Manfred von Ar<strong>de</strong>nne festeja com a família os noventa<br />

anos <strong>de</strong> Elisabeth e, em conversa com a avó, manifesta a sua admiração por um <strong>do</strong>s<br />

livros pedagógicos escritos por Hartwich (cf. Franke, 1995: 199). A pequena referência<br />

a Hartwich <strong>de</strong> então foi o suficiente para quebrar em Else o silêncio <strong>de</strong> tantos anos. As<br />

palavras <strong>do</strong> neto Manfred, »Ich hátte damais genauso gehan<strong>de</strong>lt wie du!« (Budjuhn,<br />

1985: 222), ecoaram no mais profun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Else, e algumas semanas <strong>de</strong>pois, Manfred<br />

von Ar<strong>de</strong>nne recebe uma correspondência <strong>de</strong> sua avó, conten<strong>do</strong> cartas <strong>de</strong> Hartwich que<br />

lhe foram dirigidas entre o ano <strong>de</strong> 1883 e 1885, as mesmas cartas que antece<strong>de</strong>ram o<br />

trágico duelo <strong>de</strong> 1886. O diálogo e as palavras <strong>do</strong> neto foram <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> significativas<br />

para Else, que a <strong>do</strong>ação das cartas ao neto só po<strong>de</strong>ria funcionar como uma libertação:<br />

Nach einem Vierteljahr schick sie ihm zu seinem 37. Geburtstag ein Páckchen<br />

mit Briefen, die sie schon verbrennen wollte, ais sie sich <strong>de</strong>s Gespràchs mit<br />

Manfred entsinnt. In ihren Begleitworten heipt es : »Du bist <strong>de</strong>r einzige, <strong>de</strong>r<br />

mich nach ihm gefragt hat, so sollst du auch das Wenige bekommen, das mir<br />

ein hartes Schicksal von <strong>de</strong>m strahlen<strong>de</strong>n Menschen gelassen« (Budjuhn<br />

1985:222).<br />

A carta <strong>de</strong> Elisabeth ao neto Manfred, <strong>de</strong> que aqui se transcreve um excerto, data <strong>de</strong> 20<br />

<strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1944 e é um testemunho claro da forte ligação a Hartwich, mesmo<br />

passa<strong>do</strong>s tantos anos.<br />

As origens <strong>do</strong> triângulo amoroso remontam ao tempo passa<strong>do</strong> em Dussel<strong>do</strong>rf<br />

pelo casal Ar<strong>de</strong>nne. Terá si<strong>do</strong> no convívio com um círculo <strong>de</strong> amigos <strong>do</strong> palácio<br />

Benrath que a baronesa conheceu o juiz Emil Hartwich. Os registos escritos da baronesa<br />

transcritos nas biografias dão um testemunho alegre <strong>do</strong> tempo vivi<strong>do</strong> pelo casal em<br />

Dussel<strong>do</strong>rf:<br />

»Benrath ist ein entzucken<strong>de</strong>s RococoschlõBchen, inmitten eines herrlichen,<br />

groBen Parks, <strong>de</strong>r bis zum Rhein herunter fúhrt. SchloB und Cavalierhãuser<br />

liegen an einem See, in <strong>de</strong>m wir die wun<strong>de</strong>rbarsten roten Sonnenuntergánge<br />

erlebten. Um uns versammelte sich oft die Benrather Tafelrun<strong>de</strong>, besthend aus<br />

Kunstlern, Juristen und nur einem auserwãhlten« (apud Franke, 1995: 88).


As fontes biográficas 58<br />

O conhecimento exaustivo <strong>do</strong>s apontamentos <strong>de</strong> Elisabeth, bem como <strong>de</strong> toda a correspondência<br />

e <strong>do</strong>cumentos escritos relaciona<strong>do</strong>s com Hartwich e Ar<strong>de</strong>nne, permitiu<br />

incluir nas biografias pormenores sobre os vértices masculinos <strong>do</strong> triângulo, bem como<br />

retratar o perfil biográfico <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong> amante 4 .<br />

Para Else von Ar<strong>de</strong>nne, o contraste entre Emil e Armand era acentua<strong>do</strong>: a<br />

postura militar, mais rígida <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> era ofuscada aos seus olhos por um liberalismo<br />

civil mais extravagante no amante. Para além <strong>de</strong> magistra<strong>do</strong>, Hartwich era um pensa<strong>do</strong>r<br />

atento, um pedagogo entusiasta <strong>de</strong> uma reforma urgente no ensino <strong>do</strong> império e<br />

igualmente um amante fervoroso das artes, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> um ouvi<strong>do</strong> extremamente<br />

sensível para a música, exímio executante <strong>do</strong> seu instrumento preferi<strong>do</strong>, o violoncelo<br />

(cf. Franke, 1995: 102-103). Igualmente o exercício físico e a saú<strong>de</strong> corporal mostravam<br />

ser temas a que Hartwich dava especial atenção. Franke assinala no ano <strong>de</strong> 1877 a<br />

publicação <strong>de</strong> um artigo por Ferdinand August Schmidt sobre os contributos <strong>de</strong> Emil<br />

Hartwich para a educação física na Alemanha. Com Schmidt, Hartwich funda<br />

igualmente a revista Kõrper und Geist (cf. Franke, 1995: 111). Hartwich não se<br />

limitava, no entanto, às capacida<strong>de</strong>s referidas, mostran<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> inclinação para as<br />

artes e a pintura, utilizan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s esses <strong>do</strong>tes para se aproximar <strong>de</strong> Else:<br />

Da <strong>de</strong>r Wunsch, mit Else von Ar<strong>de</strong>nne auszureiten, unerfïïllt blieb, weil sie<br />

liber kein Pferd verfugte, fand Hartwich eine an<strong>de</strong>re Mõglichkeit, mit <strong>de</strong>r<br />

verehrten Frau ofter als iiblich zusammen sein zu kõnnen: er portraitierte sie.<br />

Allen, die von <strong>de</strong>m Plan erfuhren, muBte einleuchten, dieses Bildnis wer<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>m Kunstamateur nicht von heute auf morgen gelingen (Franke, 1995: 106).<br />

Por outro la<strong>do</strong>, na correspondência entre os amantes, sempre muito cuidada e<br />

receosa, Hartwich dá sinais <strong>de</strong> estar a sofrer com a separação: »<strong>de</strong>shalb will ich lieber<br />

warten, bis ein gutes Schicksal mich mal wie<strong>de</strong>r in ihre Náhe fuhrt« (apud Franke,<br />

1995: 128). No que respeita à morte <strong>de</strong> Hartwich, são reunidas nas biografias várias<br />

notícias e registos da altura que se referem à sua morte trágica no dia 27 <strong>de</strong> Novembro<br />

O leitor fica assim a saber, entre outros pormenores, que o juiz Hartwich casou no ano <strong>de</strong> 1870 com Hero Jung em<br />

Colónia e que <strong>do</strong> casamento nasceram quatro filhos (cf. Franke, 1995: 91). O casamento com Hero Hartwich revela<br />

ligações familiares importantes: Hero é apresentada como prima <strong>de</strong> Mathil<strong>de</strong> Wesen<strong>do</strong>nks, a esposa <strong>de</strong> Richard<br />

Wagner (cf. Schellens, 1927: 14). Algumas das curiosida<strong>de</strong>s biográficas <strong>de</strong> Emil Hartwich foram extraídas <strong>do</strong> livro<br />

<strong>de</strong> Franz Schellens, que se interessou pelos escritos pedagógicos e reformistas <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>.


As fontes biográficas 59<br />

<strong>de</strong> 1886 em Berlim. Hartwich era um atira<strong>do</strong>r experiente, no entanto, conce<strong>de</strong>u ao seu<br />

adversário Ar<strong>de</strong>nne o direito à primazia, atiran<strong>do</strong> para o ar: »Jetzt stand ihm, <strong>de</strong>m<br />

ausgezeichneten Pistolenschiitzen, <strong>de</strong>r mit seinen Freu<strong>de</strong>n oft im Garten<br />

UbungsschiePen veranstaltet hatte, das Recht auf <strong>de</strong>n ersten Schu|3 zu - und gab ihn<br />

ungezielt in die Luft ab« (Franke, 1995: 149). Vítima <strong>de</strong> um ferimento profun<strong>do</strong> tem<br />

ainda forças para se <strong>de</strong>sculpar perante Ar<strong>de</strong>nne. A sua morte iria ser lenta e <strong>do</strong>lorosa,<br />

falecen<strong>do</strong> três dias <strong>de</strong>pois, como relata o único <strong>do</strong>cumento oficial <strong>do</strong> processo: »Am 27.<br />

November fand zwischen <strong>de</strong>m Ehemann von Ar<strong>de</strong>nne und Hartwich ein Zweikampf<br />

statt, bei <strong>de</strong>ssen Beendigung <strong>de</strong>r schwer verwun<strong>de</strong>te Hartwich seinen Gegner wegen <strong>de</strong>r<br />

ihm angetanenen schweren Kránkung noch um Verzeihung bat« (apud Seiffert, 1964:<br />

265). Emil Hartwich faleceu no dia 1 <strong>de</strong> Dezembro <strong>do</strong> mesmo ano. Em vários jornais da<br />

época foi noticia<strong>do</strong> o trágico acontecimento.<br />

Para Ar<strong>de</strong>nne estava cumpri<strong>do</strong> o seu <strong>de</strong>ver e <strong>de</strong>sagrava<strong>do</strong> o seu pun<strong>do</strong>nor.<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas as cartas <strong>do</strong>s amantes, o seu rancor ditava uma vingança que<br />

honrasse o código militar (cf. Franke, 1995: 148). O zelo disciplinar <strong>de</strong> Armand von<br />

Ar<strong>de</strong>nne era fruto da paixão com que se <strong>de</strong>dicava às questões <strong>do</strong> exército. Ar<strong>de</strong>nne<br />

gozava <strong>de</strong> uma profunda admiração e apreço entre os seus colegas militares. Era um<br />

oficial <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, com talento para a escrita <strong>de</strong> temática militar. A pedi<strong>do</strong> pessoal <strong>do</strong><br />

príncipe Friedrich Karl da Prússia escreve em 1874 a história <strong>do</strong> Regimento <strong>de</strong><br />

Cavalaria <strong>de</strong> Zieten e narra a sua vitória esmaga<strong>do</strong>ra sobre o exército francês no campo<br />

<strong>de</strong> batalha <strong>de</strong> Metz a 18 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1870 (cf. Franke, 1995: 32-33). A participação<br />

heróica <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne na guerra franco-prussiana <strong>de</strong> setenta valeu-lhe ser reconheci<strong>do</strong><br />

como valente combatente e patriota prussiano 5 . E seriam os ferimentos <strong>de</strong> guerra a<br />

antecipar o regresso <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne a casa <strong>de</strong> seus pais em Leipzig e a ditar o casamento<br />

com Else (cf. Seiffert, 1964: 261-262). Depois <strong>do</strong> duelo e da separação, Armand von<br />

Ar<strong>de</strong>nne prosseguiu a sua carreira <strong>de</strong> oficial, até ser <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> pelo próprio impera<strong>do</strong>r<br />

Guilherme II, em 1906. A oposição irredutível à opção bélica <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, que<br />

pretendia recorrer aos canhões concebi<strong>do</strong>s por Krupp em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> projecto <strong>de</strong><br />

Ehrhardt, ter-lhe-á custa<strong>do</strong> o cargo <strong>de</strong> oficial <strong>do</strong> exército:<br />

3 O facto <strong>de</strong> Hochhuth transcrever um excerto da canção <strong>do</strong> Reno <strong>de</strong> Max Schneckenburger vem ao encontro da<br />

minha suposição <strong>de</strong> que o dramaturgo conheceria bem o trabalho <strong>de</strong> Franke (cf. Franke, 1995: 49): »lch dummes<br />

Kùken damais war stolz, mich mit einem Verwun<strong>de</strong>ten zu verloben! Und wie hat <strong>de</strong>r sich - «es braust ein Ruf wie<br />

Donnerhall!» - verklãrt, dieser krieg von siebzig / einundsiebzig, obgleich er, schnell vergessen, <strong>de</strong>r bis dahin<br />

blutigste <strong>de</strong>r Geschichte war, gemessen an <strong>de</strong>r zeitlichen Kurze <strong>de</strong>r Kampfhandlungen« (EN, 75).


As fontes biográficas 6(1<br />

Bei <strong>de</strong>r abschhliePen<strong>de</strong>n Manõverkritik befragt ihn <strong>de</strong>r ubelgelaunte Kaiser<br />

nach Beschaffenheit und Feuerstãrke <strong>de</strong>r Artillerie. Wahrheitsgemãp erwi<strong>de</strong>rt<br />

Armand von versammelter Generalitàt: »Majestát, dieser Truppenteil hat kein<br />

Vertrauen mehr zu seinen Kanonen. Mit solchen Geschiitzen wer<strong>de</strong>n Sie<br />

schwerlich einen Krieg gewinnen«. Schroff weist ihn Wilhelm II. Zurecht:<br />

»Wissen Sie nicht, dap ich an<strong>de</strong>rer Meinung bin?« Armands Hand schnellt an<br />

<strong>de</strong>n Mùtzenrand, wáhrend er sich unerschrocken verteidigt: »Majestãt haben<br />

nach meiner Meinung gefragt«. Aufs hõchste irritiert, wen<strong>de</strong>t sich <strong>de</strong>r Kaiser<br />

abrupt ab (Budjuhn, 1985: 158).<br />

Os últimos anos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Armand von Ar<strong>de</strong>nne não amenizaram o seu<br />

relacionamento distante com Elisabeth. Sem nunca respon<strong>de</strong>r a qualquer um <strong>do</strong>s apelos<br />

da mãe <strong>de</strong> seus filhos, permaneceu incomunicável, preocupa<strong>do</strong> apenas com os seus<br />

escritos militares, até à sua morte em 1919 (cf. Seiffert, 1964: 265). Quanto à relação<br />

com os filhos, ela é difícil e <strong>do</strong>lorosa. Somente <strong>de</strong>zasseis anos após o duelo, em 1904, é<br />

permiti<strong>do</strong> a Else ver e visitar a filha Margot: »Ûber 17 Jahre hat sie ihre Kin<strong>de</strong>r nicht<br />

gesehen, auf sie verzichten miissen. Vermutlich unter <strong>de</strong>m EinfluP ihres Gatten Eduard<br />

von Langs<strong>do</strong>rff sucht Margot, die váterliche Quarantãne nie<strong>de</strong>rreipend, als erste wie<strong>de</strong>r<br />

Kontakt zu ihrer Mutter« (Budjuhn, 1985: 159). Apesar <strong>de</strong> toda a perseverança da<br />

baronesa, o reencontro com Egmont, seu filho mais novo, seria apenas possível em<br />

1909, após vinte e um anos <strong>de</strong> separação e com o total <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne. A<br />

ligação afectiva aos filhos mantinha-se, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, muito distante, afastamento esse<br />

agrava<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1888, pelo segun<strong>do</strong> casamento <strong>do</strong> general com Julia Peters,<br />

progressivamente mais próxima <strong>de</strong> Margot e <strong>de</strong> Egmont (cf. Franke, 1995: 184-185). O<br />

casamento celebra-se a 5 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1888 e não <strong>de</strong>morará muito até os próprios filhos<br />

se habituarem a tratar Julia por "Mama".<br />

De especial interesse é ainda a referência no texto <strong>de</strong> Hochhuth a uma figura real<br />

que marcou a vida pessoal <strong>de</strong> Else num momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> angústia. O padre Christoph<br />

Blumhardt acompanhou e confortou Else num perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> emocional,<br />

resultante da separação violenta <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong> (cf. Franke, 1995: 172-174). Refugiada<br />

em casa da irmã Luise von Gers<strong>do</strong>rff, em Bad Boll, na região <strong>de</strong> Wúrttemberg, conhece<br />

o padre Blumhardt que a ajuda a ultrapassar a crise <strong>de</strong>pressiva em que se encontrava:<br />

»Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne blieb einige Zeit in Bad Boll, bis sie dank Blumhardts<br />

helfen<strong>de</strong>n Worten wie<strong>de</strong>r festen Bo<strong>de</strong>n unter <strong>de</strong>n FúBen fand« (1988, apud Franke<br />

1995: 173). Hochhuth não hesita em explorar a simpatia social-<strong>de</strong>mocrata <strong>do</strong> padre


As fontes biográficas 61<br />

Blumhardt no <strong>monólogo</strong>. Diga-se num aparte, que a individualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta figura<br />

permite estabelecer paralelismos históricos com a era guilhermina, com a figura<br />

incontornável <strong>de</strong> Bismarck e a sua política social, época essa que tanto fascinava<br />

Hochhuth (cf. W, 23):<br />

Blumhardt, <strong>de</strong>m ais Sozial<strong>de</strong>mokrat sein Amt ais Pfarrer genommen wur<strong>de</strong>,<br />

hat mir erst die Augen dafúr geõffnet - <strong>do</strong>ch wie spãt! -, da[3 die Armen die<br />

Zahlreichsten sind, und erzãhlte belustigt, Bismarck habe in seinen Memoiren<br />

mit keiner Silbe das erwãhnt, was allein ihn unsterblich machte: seine<br />

Zwangsversicherungs-Gesetze zum Schutze <strong>de</strong>r Unversorgten im Alter und bei<br />

Invaliditãt (EN, 88).<br />

Note-se ainda que, como refere Budjuhn e a própria Else repete no <strong>monólogo</strong>,<br />

Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne testemunhou o <strong>de</strong>spoletar <strong>de</strong> cinco guerras ao longo da sua vida<br />

(cf. Budjuhn, 1985: 217). Todavia, a opção profundamente pacifista que Hochhuth lhe<br />

atribui não correspon<strong>de</strong> à opção i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne. De facto, nem o<br />

marchar bélico das tropas <strong>de</strong> Hitler nem a queda <strong>do</strong>s netos em combate a afastaram <strong>de</strong><br />

uma admiração convicta pelos feitos <strong>do</strong> regime nazi: »Das trugerische Abkommen von<br />

Miinchen, das die europãischen Gro|3mãchte am griinen Tisch zusammengebracht und<br />

<strong>de</strong>n Nationalsozialisten gleichsam ais Vorspeise einen Teil <strong>de</strong>r Tschechoslowakei in<br />

<strong>de</strong>n Rachen geworfen hat, erscheint <strong>de</strong>r Baronin ais Menschheitserlosung« (Budjuhn,<br />

1985: 215). O perfil da Else <strong>de</strong> Hochhuth é i<strong>de</strong>ologicamente oposto ao <strong>de</strong> Elisabeth von<br />

Ar<strong>de</strong>nne. O seu discurso no <strong>monólogo</strong> é uma arma <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia contra a propaganda<br />

nazi e contra um regime <strong>de</strong> <strong>de</strong>portações e assassínios em massa. Seguin<strong>do</strong>, mais uma<br />

vez, a tendência para utilizar um <strong>de</strong>stino pessoal, dan<strong>do</strong>-lhe contornos políticos,<br />

Hochhuth parte <strong>do</strong>s pormenores biográficos <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne não se cingin<strong>do</strong>,<br />

todavia, à história triangular que opôs mari<strong>do</strong> e amante em duelo. Os conhecimentos da<br />

baronesa ao nível social (a relação com algumas personalida<strong>de</strong>s históricas como os<br />

Lessing, os Liebermann, o funda<strong>do</strong>r da cruz vermelha Henri Dunant ou o padre<br />

Blumhardt) permitiram ao <strong>monólogo</strong> um tratamento histórico mais alarga<strong>do</strong> que, ao<br />

contrário <strong>do</strong> que sugere o texto, não estará <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o pensamento <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo real.


As fontes biográficas 62<br />

O arquivo da família Ar<strong>de</strong>nne, um património priva<strong>do</strong> em Dres<strong>de</strong>n que reúne<br />

um leque vasto <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos, - incluin<strong>do</strong> a correspondência íntima <strong>de</strong> Else von<br />

Ar<strong>de</strong>nne, <strong>de</strong> que atrás fui citan<strong>do</strong> alguns excertos, fotografias e outros registos formais -<br />

terá si<strong>do</strong> o principal recurso <strong>do</strong>cumental <strong>de</strong> Hochhuth para a escrita <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. O<br />

acesso livre <strong>do</strong> dramaturgo ao espólio da família terá incluí<strong>do</strong> também conversas com o<br />

físico Manfred von Ar<strong>de</strong>nne, neto da baronesa, legítimo her<strong>de</strong>iro e responsável máximo<br />

pela conservação <strong>do</strong> património familiar. O diálogo manti<strong>do</strong> com o professor,<br />

assinala<strong>do</strong> logo nas primeiras páginas <strong>de</strong> >Effis Nacht< como uma fonte principal <strong>de</strong><br />

informação, seria complementa<strong>do</strong> pelo recurso às suas memórias escritas,<br />

nomeadamente ao livro <strong>de</strong> cariz autobiográfico da autoria <strong>de</strong> Manfred von Ar<strong>de</strong>nne,<br />

publica<strong>do</strong> em Munique no ano <strong>de</strong> 1984 e intitula<strong>do</strong>: >Mein Leben fur Fortschritt und<br />

Forschung


As fontes biográficas 63<br />

Refira-se ainda como conclusão, que o espólio <strong>do</strong>cumental e os textos críticos ao<br />

dispor <strong>do</strong> dramaturgo são apenas o ponto <strong>de</strong> partida para a configuração <strong>de</strong> uma<br />

personagem ficcional que encorpora nas suas memórias o retrato histórico e talvez a<br />

consciência, assim preten<strong>de</strong> Robert Atkins acentuar, <strong>de</strong> uma era <strong>de</strong> guerras e <strong>de</strong><br />

convulsões políticas e sociais (cf. Atkins, 1999: 110). Ao criar a sua versão da<br />

realida<strong>de</strong>, Hochhuth procura complementar as experiências <strong>de</strong> Else com o significa<strong>do</strong><br />

político e cultural das suas vivências e das figuras históricas que ela recorda, bem como<br />

com o espectro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e correntes intelectuais que floresceram durante a sua vida,<br />

mas que, como vimos, nem sempre terão correspondi<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s factos. Como<br />

foi possível constatar a partir da análise <strong>do</strong> programa estético <strong>de</strong> Hochhuth, e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

com Gùnther Sa|3e, a liberda<strong>de</strong> ficcional <strong>do</strong> texto encontra-se condicionada por uma<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberada em marcar a relação <strong>do</strong> texto dramático com a realida<strong>de</strong> (cf. SaPe,<br />

1986: 17-18). A referencialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que atrás se notaram as condicionantes, está activa<br />

e é conscientemente pensada por Hochhuth: a factualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos é<br />

encarada como uma instância obrigatória a que o dramaturgo recorre, pois a ela está<br />

irremediavelmente liga<strong>do</strong>: »<strong>de</strong>nn Autoren sind unbe<strong>de</strong>nkliche Diebe, an<strong>de</strong>rerseits<br />

zuweilen auch hilflose Sklaven <strong>de</strong>r Stoffe, die sie bewáltigen wollen, um dann oft genug<br />

von <strong>de</strong>nen úberwàltigt zu wer<strong>de</strong>n« (GTK, 84). O drama <strong>hochhuth</strong>iano não vive, no<br />

entanto, exclusivamente <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s por facto e ficção, mas suplanta-os.<br />

Como já foi dito, <strong>do</strong> princípio teórico-dramático partilha<strong>do</strong> com Luckács que estabelece<br />

a particularida<strong>de</strong> como o facto empírico a ser relaciona<strong>do</strong>, a singularida<strong>de</strong> como o que<br />

será apresenta<strong>do</strong> em contexto dramático e a generalida<strong>de</strong> como o que será abstraí<strong>do</strong> da<br />

singularida<strong>de</strong> no acto <strong>de</strong> significação, Hochhuth concebe uma dramaturgia que exige<br />

aos seus protagonistas tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e que vive da exactidão factual das afirmações<br />

centrais (cf. Sape, 1986: 18-19). Na apreciação que Robert Atkins faz <strong>de</strong> >Effis<br />

NachtDer Stellvertreter< ou em >Soldaten


As fontes biográficas 64<br />

Hochhuth consi<strong>de</strong>ra as próprias biografias falíveis na objectivida<strong>de</strong> pretendida. Repudia<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> umas pretensas memórias ou <strong>de</strong> uma autobiografia por estarem imiscuídas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>masiada subjectivida<strong>de</strong> e no <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong>clara-se satisfeita com o lega<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumental<br />

<strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> ao critério <strong>do</strong> neto Manfred von Ar<strong>de</strong>nne (cf. EN, 35). Recorren<strong>do</strong> a Sigmund<br />

Freud (1856-1939), mas também a Otto Flake 7 (1880-1963), Else apresenta as razões<br />

que a levam a <strong>de</strong>sconfiar das biografias, limitadas pela visão <strong>de</strong> outros, mas igualmente<br />

sacrificadas pela incapacida<strong>de</strong> da escrita transcrever correctamente as próprias<br />

impressões. No caso das autobiografias, mais notório o me<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Freud, <strong>de</strong> não se<br />

ser sincero consigo mesmo e <strong>de</strong> não conseguir, em suma, transcrever a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

factos biográficos:<br />

Kommt aber nicht zustan<strong>de</strong>, dièse Biographie, weil Freud ebensoviel Angst<br />

davor hat, wie er ehrlich ist. Und noch viel mehr Angst miiflte einem die<br />

Selbstbiographie machen, schreibt er sarkastisch in <strong>de</strong>m Brief, weil die biographische<br />

Wahrheit niemals zu haben sei. Sicher. Sicher ist das so. Denn kõnnte<br />

man sich ais Ausflucht noch einre<strong>de</strong>n, <strong>de</strong>r Biograph habe eben nicht nach<br />

aliem gefragt - sich selber kann man ja solche Unterschlagungen nicht durchgehen<br />

lassen (EN, 35-36).<br />

Perante a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> biográfica total, a ficção apresenta-se como o<br />

meio literário eficaz que permite difundir realmente a verda<strong>de</strong> histórica através <strong>do</strong> distanciamento<br />

da liberda<strong>de</strong> poética. O repúdio da biografia, na sua impossibilida<strong>de</strong> em<br />

gerar objectivida<strong>de</strong>, não significa, porém, que outros da<strong>do</strong>s biográficos não possam ser<br />

trata<strong>do</strong>s. Eles são um instrumento valioso ao serviço da ficção. Cartas pessoais, diários<br />

ou apontamentos <strong>de</strong> trabalho individual servem para moldar dramaticamente<br />

personagens singulares. Esse é o propósito único <strong>do</strong> dramaturgo, como Hochhuth refere<br />

Otto Flake (1880-1963) nasceu em Metz, capital <strong>do</strong> distrito <strong>de</strong> Lothringen, frequentou o liceu em Colmar na Alsácia<br />

e <strong>estu<strong>do</strong></strong>u germanística, filosofia e história <strong>de</strong> arte em Estrasburgo. Em 1902 fun<strong>do</strong>u com René Schickele e Ernst<br />

Stadler a revista >Der Stiirmer< Foi colabora<strong>do</strong>r permanente em Paris e Berlim <strong>do</strong> jornal >Neue Rundschau< e em<br />

1918 alinhou com o movimento <strong>do</strong> dadaísmo em Zurique, um movimento literário que preconizava a máxima<br />

liberda<strong>de</strong> na relação <strong>do</strong> pensamento com a expressão literária. Em 1928, Flake regressa <strong>de</strong>finitivamente a Ba<strong>de</strong>n-<br />

Ba<strong>de</strong>n. A a<strong>de</strong>são a Hitler e ao nacional-socialismo ditou o seu isolamento literário e o <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> outros escritores<br />

como Thomas Mann, Berthold Brecht ou Alfred Dõblin. Re<strong>de</strong>scoberto por Rolf Hochhuth no final <strong>do</strong>s anos<br />

cinquenta, viria a publicar ainda os romances autobiográficos >Es wird Abend< (1960) e >Der PianisK (1960),<br />

ambos biografias ficcionais, repletas <strong>de</strong> heroínas e heróis aventureiros, entregues a vivências emocionantes em<br />

diferentes lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas dispostos a regressar às origens, à paisagem <strong>do</strong> Alto Reno e <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>n, on<strong>de</strong> Flake<br />

viveu longos anos, também ela palco <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s seus romances.


As fontes biográficas 65<br />

no seu ensaio recente, ao dar o exemplo da figura histórica <strong>de</strong> Káthe Kollwitz 8 (1867-<br />

1945): »lhre Briefe, Tagebucher, Arbeitsnotizen sind Bekenntnisse und Chroniken, die<br />

sich aufdrãngen, um szenisch umgesetzt zu wer<strong>de</strong>n; ihre Bil<strong>de</strong>r (...) sind aber - noch<br />

wichtiger - <strong>de</strong>r Spiegel nicht nur ihres Wirkens, son<strong>de</strong>m <strong>de</strong>r Zeitgeschichte« (GTK, 87).<br />

Káthe Kollwitz foi uma reputada artista e conhecida antifascista ao tempo da República <strong>de</strong> Weimar e durante a<br />

ditadura <strong>de</strong> Hitler.


O <strong>monólogo</strong> dramático D □ Effis Nacht 66<br />

4. O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht<br />

4.1 O pretexto Effi Briest e o programa estético fontaniano<br />

A <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, logo assinalada pelo título <strong>do</strong> texto dramático >Effis<br />

NachtEffi BriesK <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane (cf. supra, 26). De facto, o texto <strong>hochhuth</strong>iano<br />

procura estabelecer pontes com o seu antecessor, não se submeten<strong>do</strong>, todavia, a este,<br />

mas crian<strong>do</strong> autonomia estética e semântica, apresentan<strong>do</strong>, como veremos, uma protagonista<br />

e um enre<strong>do</strong> que não só contrastam com os <strong>do</strong> romance fontaniano, como questionam<br />

a sua valida<strong>de</strong>.<br />

Em >Effi Briest< é narrada a história da jovem aristocrata Effi que, perante a<br />

perspectiva <strong>de</strong> um casamento conveniente, aceita <strong>de</strong>ixar a protecção da casa <strong>de</strong> seus pais<br />

para assumir o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s adultos e das responsabilida<strong>de</strong>s sociais: »Je<strong>de</strong>r ist <strong>de</strong>r Richtige.<br />

Naturlich muB er von A<strong>de</strong>l sein und eine Stellung haben und gut aussehen« {EB,<br />

18). A consciência social <strong>de</strong> Effi, ilustrada por este pequeno extracto, é alimentada pela<br />

mãe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito ce<strong>do</strong>, na infância, e, com apenas <strong>de</strong>zassete anos, a protagonista <strong>do</strong><br />

romance <strong>de</strong> Fontane prepara­se para casar com o Barão von Innstetten. Disposta a cumprir<br />

esse <strong>de</strong>sígnio na sua vida, Effi, todavia, levará consigo para Kessin a ingenuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma infância feliz vivida no locus amenus <strong>de</strong> Hohen­Cremmen.<br />

Estão assim coloca<strong>do</strong>s os carris que, na opinião <strong>do</strong> crítico Walter Mùller­Sei<strong>de</strong>l,<br />

ditam o aparecimento e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um antagonismo, divisor <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong><br />

e socieda<strong>de</strong>, natureza e convenção que Effi carrega como um far<strong>do</strong> antagónico (cf.<br />

Mùller­Sei<strong>de</strong>l, 1975: 369). Kurt Wólfel conclui que o princípio realista <strong>de</strong> Fontane faz<br />

das suas personagens seres sociais que suportam a discrepância entre natureza humana e<br />

or<strong>de</strong>m social no interior <strong>de</strong> si mesmas, sen<strong>do</strong> a sua humanida<strong>de</strong> alienada por uma or<strong>de</strong>m<br />

social inumana (cf. Wõlfel, 1993: 349). Em Kessin a jovem Effi está entregue à solidão<br />

<strong>de</strong> uma casa assombrada e é sensível à ausência permanente <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Innstetten sacrifica<br />

a convivência familiar em prol <strong>de</strong> um carreirismo que o levará a ascen<strong>de</strong>r a um alto<br />

cargo ministerial no esta<strong>do</strong> prussiano. À luz <strong>de</strong>stes factores externos e respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 67<br />

uma sensibilida<strong>de</strong> interior que manifesta a sua natureza humana, aflora o envolvimento<br />

emocional da protagonista com o major Crampas.<br />

O <strong>de</strong>sfecho <strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Fontane <strong>de</strong>screve a consequência trágica <strong>de</strong> um conflito,<br />

não <strong>de</strong> classes sociais, mas da esfera privada. Como Kurt Wõlfel sugere, o<br />

processo <strong>de</strong> transformação da Effí - "Tochter <strong>de</strong>r Luft" em - "Dame <strong>de</strong>r Gesellschaft" '<br />

gera um conflito interior na personagem que só é suaviza<strong>do</strong> pelo relacionamento<br />

adúltero com Crampas, uma reacção afectiva mais institiva e natural (cf. Wõlfel, 1993:<br />

347-349). Obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> ao apelo <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver e da honra como imperativo da aliança <strong>do</strong><br />

indivíduo com a or<strong>de</strong>m social estabelecida, a sentença <strong>do</strong> "Gesellschaft-Etwas" dita a<br />

reacção violenta <strong>de</strong> Innstetten ao adultério <strong>de</strong> sua mulher, <strong>de</strong>scoberto sete anos <strong>de</strong>pois e<br />

numa fase harmoniosa <strong>do</strong> casal em Berlim. A morte <strong>do</strong> amante em duelo, o afastamento<br />

da mãe adúltera da filha Annie, a exclusão que a levará à periferia <strong>de</strong> Berlim são<br />

factores posteriores na narrativa que concorrem para a agudização <strong>do</strong> conflito interior<br />

em Effi e, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, o processo <strong>de</strong> abatimento da personagem toraa-se irreversível. O<br />

regresso a Hohen-Cremmen é um regresso ao espaço idílico da infância 2 , agora<br />

converti<strong>do</strong> em local <strong>de</strong> último repouso. Effi vem em liberda<strong>de</strong> mas <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong><br />

esperança. Uma Effi resignada e <strong>do</strong>ente que regressa livre apenas para morrer.<br />

Hochhuth cria com >Effis Nacht< um <strong>monólogo</strong> que, um século mais tar<strong>de</strong>, à<br />

sombra <strong>do</strong> romance >Effi Briest< <strong>de</strong> Fontane e à luz <strong>de</strong> factos da vida <strong>de</strong> Elisabeth von<br />

Ar<strong>de</strong>nne, comprova<strong>do</strong>s historicamente pela consulta <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos (cf. supra, 51 s.),<br />

dá vida dramática a uma personagem mais próxima da existência real, oferecen<strong>do</strong> o<br />

<strong>monólogo</strong> ab initio alguns indica<strong>do</strong>res que fazem correspon<strong>de</strong>r a história da protagonista<br />

com a história real da baronesa Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne. Paralelamente às críticas<br />

ao tratamento da<strong>do</strong> por Fontane à história <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne e às quais a seu<br />

tempo regressarei (cf. infra, 72 s.), o texto <strong>de</strong> Hochhuth remete também para o próprio<br />

programa poético <strong>de</strong> Fontane, nomeadamente para a sua concepção <strong>de</strong> Realismo. No<br />

discurso <strong>de</strong> Else, essa referência específica manifesta-se em alongamentos sucessivos<br />

em tom <strong>de</strong> reflexão e crítica, que não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser curiosos, conhecen<strong>do</strong>-se a<br />

correspondência parcial entre a estética <strong>de</strong> Hochhuth e o programa literário <strong>do</strong> Realismo<br />

poético, o qual mo<strong>de</strong>lizava a relação absoluta entre realida<strong>de</strong> e ficção: »Warum muBte<br />

1 Sobre as diferentes leituras/papel <strong>de</strong> Effi vd. Oliveira, 2000: 215-218.<br />

Sobre a relação entre a heroína e o espaço em >Effi BriesK, especialmente, no que diz respeito à ambivalência<br />

espacial <strong>de</strong> Hohen-Cremmen vd. Delille, 1987: 207-210.


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 68<br />

Fontane Effis Geliebten a<strong>de</strong>lnl Warum durfte mein Hartwich nicht Richter bleiben,<br />

son<strong>de</strong>m muBte Major wer<strong>de</strong>n und von Crampas? So stecken wir alie in Konventionen -<br />

sogar Fontane« (EN, 26-27). Se os porquês insistentes <strong>de</strong> Else questionam o processo<br />

criativo <strong>de</strong> Fontane, uma vez que a concretização <strong>do</strong> real foi relegada para segun<strong>do</strong><br />

plano e a ficção foi moldada por um certo convencionalismo afecto ao escritor, por<br />

outro la<strong>do</strong>, o retorno a Fontane ao longo <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> e alguns comentários finais não<br />

<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> trair uma simpatia cúmplice que Hochhuth nutre pelo romancista (cf. EN,<br />

87). Esta simpatia pelo programa não apenas literário <strong>do</strong> Realismo leva também<br />

Hochhuth a <strong>de</strong>dicar o ensaio >Menzel Maler <strong>de</strong>s Lichts< (1991) à figura e obra <strong>do</strong><br />

pintor A<strong>do</strong>lf Menzel (1815-1905), precursor <strong>do</strong> programa realista na pintura 3 . Lembrese,<br />

todavia, que para Fontane, o conceito <strong>de</strong> Realismo se <strong>de</strong>finia muito para além <strong>de</strong><br />

uma reposição nua e crua da realida<strong>de</strong> da vida quotidiana. No ensaio >Unsere lyrische<br />

und epische Poésie seit 1848< (1853), Fontane reclama para o Realismo o imperativo<br />

estético <strong>de</strong> uma transformação <strong>do</strong> real, um trabalho laborioso <strong>de</strong> lapidação que inclui o<br />

conceito <strong>de</strong> Verklãrung, ou seja, uma transfiguração da realida<strong>de</strong> (cf. infra, 116):<br />

Vor alien Dingen verstehen wir nicht darunter das nackte Wie<strong>de</strong>rgeben<br />

alltãglichen Lebens, am wenigsten seines Elends und seiner Schattenseiten.<br />

(...) Diese Richtung verhãlt sich zum echten Realismus wie das rohe Erz zum<br />

Metal: die Láuterung fehlt. (...) Das Leben ist <strong>do</strong>ch immer nur <strong>de</strong>r Marmorsteinbruch,<br />

<strong>de</strong>r <strong>de</strong>n Stoff zu unendlichenn Bildwerken in sich trãgt. 4<br />

Este programa fontaniano é, porém, o ponto <strong>de</strong> discórdia no <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth,<br />

sen<strong>do</strong> severamente critica<strong>do</strong> por Else (cf. EN, 52), enquanto princípio geral que não<br />

estabelece uma relação prioritária com o real e se reserva o direito a uma intervenção<br />

ficcional "distorcida" da realida<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> Hochhuth, a escrita <strong>de</strong> Fontane acaba por ir<br />

- Como em obras anteriores, parece ser este o assunto preferencial <strong>do</strong> dramaturgo: »DaB aber in einer Epoche, die <strong>de</strong>n<br />

Realismus so hartnackig bekãmpte wie die victorianische, jemand sich dazu aufschwingt, diese Wirklichkeit auch<br />

<strong>do</strong>rt ins Kunstwerk hineinzunehmen, ja aus ihr das Kunstwerk zu machen: Dazu gehõrt als oberste Tugend Mut\<br />

Denn noch stimmte, was <strong>de</strong>n Kunstler an <strong>de</strong>r Wirklichkeit reizte - son<strong>de</strong>rn er Realist ist - mit <strong>de</strong>m uberein, was die<br />

Òbrigkeit, die Gesellschaft, die Konvention von ihr wahrhaben und wahrnehmen wollten! Und gar in einem<br />

Kunstwerk. Und am wenigsten das 19. Jahrhun<strong>de</strong>rt!« (MML, 49). Hochhuth não se limita a associar Menzel a<br />

Fontane, como dispõe-se a ser testemunha textual da admiração <strong>do</strong> escritor pelo pintor (cf. MML, 147), enaltece a sua<br />

coragem estética, elege-o como vanguardista na pintura <strong>de</strong> um progTama disposto a quebrar barreiras e convenções,<br />

ávi<strong>do</strong> <strong>do</strong> real intimista como matéria-prima da arte.<br />

4 Unsere lyrische und epische Poésie seit 1848. [1853] In: Theo<strong>do</strong>r Fontane - Sàmtliche Werke. Edgar GroG (Hrsg.),<br />

Vol. 21/1 Nymphenburger Verlag, Munchen 1959, p. 12. Apud Restenberger, 2001: 171.


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 69<br />

ao encontro ou revelar-se ao serviço <strong>de</strong> forças <strong>do</strong>minantes da época. As críticas <strong>de</strong><br />

Hochhuth a Fontane, que revelam uma visão quiçá superficial <strong>do</strong> autor oitocentista,<br />

preten<strong>de</strong>m reclamar para o texto dramático <strong>hochhuth</strong>iano a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objectivo e <strong>do</strong><br />

real. Todavia, também a construção <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Hochhuth obe<strong>de</strong>ce a um programa que<br />

ultrapassa a mera <strong>de</strong>scrição da realida<strong>de</strong>. Para Hochhuth, como vimos já, o drama surge<br />

com a missão clara <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar e <strong>de</strong> colocar o homem perante a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão:<br />

»Wi<strong>de</strong>rstand gegen herrschen<strong>de</strong> Ten<strong>de</strong>nzen und Personen und wenigstens in Grenzen<br />

Freiheit zur und <strong>de</strong>r Entscheidung: Sie allein ermõglichen Dramen. Dramatisch aber ist<br />

generell nicht Ûbereinstimmung« (GTK, 55). Assim sen<strong>do</strong>, também para ele o processo<br />

criativo pressupõe uma transformação estética <strong>do</strong> real à luz da i<strong>de</strong>ia, como realça <strong>de</strong><br />

novo em >Die Geburt <strong>de</strong>r Tragòdie aus <strong>de</strong>m Krieg< (2001): »Was ist, in die Sprache<br />

von heute ubersetzt, ein "schõnes, belebtes Ganzes"? Es ist die sprachlich komprimierte<br />

und von Zufálligkeiten entschlackte Realitát - durchaus die umgestaltete, verdichtete<br />

Realitát, nicht die vom Licht <strong>de</strong>s Tages, son<strong>de</strong>m vom Licht <strong>de</strong>r I<strong>de</strong>e erhellte« {GTK,<br />

105). Nas várias lições sobre poética dirigidas por Hochhuth à Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Frankfurt, a<br />

problemática da relação arte/realida<strong>de</strong> volta a ser, como anteriormente para Fontane, um<br />

tema central no seu pensamento.<br />

4.2 O intertexto Effis Nacht<br />

4.2.1 O título <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong><br />

A marcação paratextual explícita <strong>do</strong> título alerta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, para a presença <strong>do</strong><br />

pretexto . É o sinal mais directo da intencionalida<strong>de</strong> <strong>intertextual</strong> <strong>de</strong> Hochhuth. Ao<br />

nomear Effi, Hochhuth estabelece a priorida<strong>de</strong> temática <strong>do</strong> seu <strong>monólogo</strong>, uma relação<br />

<strong>intertextual</strong> por excelência com o pretexto <strong>de</strong> Fontane e, em especial, com a sua<br />

personagem principal. Estabelecida a relação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, directamente no título, cons-<br />

A este respeito, Broich afirma que a marcação <strong>intertextual</strong> assume no título a sua referência mais clara. O título é<br />

mesmo consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o meio mais utiliza<strong>do</strong> para a sinalização da relação com um da<strong>do</strong> pretexto (cf Broich e Pfister<br />

1985:33-36).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 70<br />

titui-se o campo <strong>de</strong> significação que, contu<strong>do</strong>, sofre imediatamente uma erosão 6 . A<br />

inclusão no título da palavra Nacht <strong>de</strong>scentraliza o pretexto, produzin<strong>do</strong> o efeito <strong>de</strong><br />

estranhamento inverso às isotopias iniciais a ele associadas. Ao per<strong>de</strong>r a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />

o pretexto >Effi Briest< ganha uma nova actualida<strong>de</strong> literária, um novo campo semântico.<br />

A questão que emerge, pren<strong>de</strong>-se agora com o rumo que o sema noite trará ao<br />

<strong>monólogo</strong> anuncia<strong>do</strong> pelo título. Será essa uma noite <strong>de</strong>cidida a explorar uma relação<br />

exclusivamente hermenêutica com o pretexto fontaniano? A carga simbólica <strong>do</strong> sema<br />

noite por si só explica muito <strong>do</strong> discurso da protagonista no <strong>monólogo</strong>. Propícia à reflexão,<br />

pelo seu apelo mais intimista, a noite dispõe temporalmente o <strong>monólogo</strong> para o<br />

exercício <strong>do</strong> pensar. No refúgio da noite, é o discurso <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne que tem voz,<br />

o discurso <strong>de</strong> uma mulher avançada em ida<strong>de</strong> e que, na vitalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seus noventa<br />

anos, tem um sem número <strong>de</strong> dias vivi<strong>do</strong>s para recordar, uma outra versão da história<br />

narrada em >Effi Briest< para contar. De igual importância simbólica é para o título a<br />

conotação negativa associada semanticamente ao vocábulo noite. Inseparável <strong>de</strong>sse significa<strong>do</strong><br />

mais sombrio da noite parece ser a isotopia que o associa ao perío<strong>do</strong> histórico<br />

das trevas, um tempo pouco promissor para a humanida<strong>de</strong> e que culmina com a<br />

Segunda Guerra Mundial, um capítulo negro da História. Esta é uma noite que<br />

Hochhuth preten<strong>de</strong> iluminar e não fazer esquecer. A escolha individual recaiu sobre<br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne, <strong>de</strong>stinada a representar dramaticamente esta noite <strong>de</strong> vigília, dan<strong>do</strong><br />

voz a todas as noites e a todas as vítimas.<br />

De igual importância paratextual parece ser o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> mote que, não se referin<strong>do</strong><br />

especificamente ao pretexto >Effi Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 71<br />

Fontane e como a nova personagem assume direitos sobre a figura real que terá servi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para a caracterização <strong>de</strong> Effi. No ar pairam igualmente algumas questões que<br />

se pren<strong>de</strong>m com o <strong>do</strong>mínio i<strong>de</strong>ológico <strong>do</strong> texto e que a contracapa <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong><br />

preten<strong>de</strong> assegurar e formalizar, orientan<strong>do</strong> a leitura <strong>intertextual</strong> através da opinião<br />

transcrita <strong>do</strong> encena<strong>do</strong>r August Everding: »Wenn Hochhuth schreibt, weip man, dap<br />

Historisches, Gegenwãrtiges, Politisches, Menschlisches Thema sein wird. Bei <br />

spielt <strong>de</strong>r Krieg in ein Krankenzimmer, enthullt sich ein Frauenleben, wird Vergangenes<br />

gegenwártig und Gegenwãrtiges wird relativiert« (EN, contracapa).<br />

4.2.2 A figura da protagonista<br />

Reconhecida a marcação <strong>do</strong> paratexto é activa<strong>do</strong> o processo <strong>intertextual</strong> que<br />

conhece novos <strong>de</strong>senvolvimentos no discurso <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne e no texto<br />

secundário. O interesse que Else manifesta pela figura da Effi fontaniana assume no seu<br />

discurso variadas formas e todas elas contribuem no seu to<strong>do</strong> para uma reflexão<br />

contínua sobre o pretexto. Revestin<strong>do</strong>-se quer <strong>de</strong> comentários e <strong>de</strong> críticas, quer <strong>de</strong><br />

interpretações, explicações ou, em referência directa, <strong>de</strong> citações, o discurso <strong>de</strong> Else<br />

adquire ainda o estatuto <strong>de</strong> metatexto. O questionar permanente <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como a narrativa<br />

<strong>de</strong> Fontane se perspectivou, o levantar <strong>de</strong> dúvidas insistentes sobre o comportamento<br />

e o <strong>de</strong>stino das personagens, proporciona um meio excelente <strong>de</strong> metatextualida<strong>de</strong>.<br />

Sem procurar <strong>de</strong>stituir o pretexto <strong>do</strong> seu valor literário, sem procurar <strong>do</strong>miná-lo, o<br />

discurso metatextual <strong>de</strong> Else ao recordá-lo, não está simplesmente a activar a memória,<br />

mas abre-o a novas perspectivas hermenêuticas, sugere-lhe novos rumos interpretativos.<br />

São preenchidas lacunas semânticas e o discurso afirma-se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, livre, capaz <strong>de</strong><br />

assegurar o seu próprio percurso estético 7 .<br />

Afirman<strong>do</strong>-se como a verda<strong>de</strong>ira protagonista da história narrada por Fontane, a<br />

preocupação constante <strong>de</strong> Else é distanciar-se da personagem ficcional fontaniana, procuran<strong>do</strong><br />

encontrar lacunas no pretexto que possam ser preenchidas pelas informações<br />

7 O comentário, a interpretação ou a crítica, como os caracteriza Stierle, preenchem lacunas <strong>de</strong> significação, tornan<strong>do</strong><br />

o implícito tema da sua explicação. Com funções metatextuais distintas, iluminam variavelmente o pretexto que<br />

relacionam e são garante <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> e da coesão textual (cf. Stierle, 1984: 149).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 72<br />

diversas oriundas da realida<strong>de</strong>, revela<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> Hochhuth pela História. Os<br />

propósitos intertextuais que relacionam directamente o <strong>monólogo</strong> com o pretexto fontaniano<br />

não surgem referi<strong>do</strong>s explicitamente no início <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> Else, marca<strong>do</strong> que<br />

está pelo presente ficcional <strong>de</strong> uma vigília árdua em tempo <strong>de</strong> guerra e aos noventa anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mas sim, posteriormente, com um recuo efectivo no tempo, pelo avivar da<br />

memória sobre os acontecimentos que realmente marcaram a sua vida pessoal. O primeiro<br />

registo <strong>de</strong>ssa sua intenção passa quase <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong> ao leitor, mas marca implicitamente<br />

a orientação <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> Else:<br />

, schrieb Otto Flake, seien ! Witzig und entlarvend, Flakes mul3 ich wie<strong>de</strong>r lesen, das beste Frauenbuch, seit meiner Geschichte...<br />

(EN, 16).<br />

O tom apreciativo com que Else cita o escritor Flake ilustra simultaneamente o<br />

distanciamento irónico em relação à sua própria história romanceada, limitada e mal<br />

interpretada pelos escritores. O que está em causa é a adulteração que a sua história<br />

pessoal sofreu. Else está manifestamente interessada em repor a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s factos. O<br />

confronto com a sua homóloga <strong>do</strong> romance fontaniano é por isso inevitável. A história<br />

que preten<strong>de</strong> recontar fielmente <strong>de</strong>bate-se com uma outra personalida<strong>de</strong> que não a sua, a<br />

<strong>de</strong> Effi, com as suas características, opções e percurso trágico <strong>de</strong> vida. Todavia, não é só<br />

com Effi que Else se confronta, nem é apenas ela que Else questiona, mas sim to<strong>do</strong> o<br />

meio envolvente, o universo <strong>de</strong> personagens que gira em re<strong>do</strong>r da protagonista <strong>do</strong><br />

romance e que influenciou negativamente o seu <strong>de</strong>stino. A relação triangular <strong>de</strong> Effi<br />

com Innstetten e Crampas constitui parte fundamental da crítica <strong>de</strong> Else. A figura <strong>do</strong><br />

mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong> amante estão também presentes na sua história pessoal. O triângulo<br />

amoroso que formam obriga Else ao constante estabelecimento <strong>de</strong> comparações. No<br />

entanto, esta obsessão com o romance <strong>de</strong> Fontane é também ela fruto da imaginação <strong>de</strong><br />

Hochhuth. Como <strong>de</strong>staca Atkins, a Else real terá provavelmente presta<strong>do</strong> pouca atenção<br />

ao romance <strong>de</strong> Fontane, pelo que a crítica <strong>de</strong> Else ao romance é subjectiva e é<br />

proveniente da situação ficcional que Hochhuth criou, fazen<strong>do</strong> parte da sua<br />

caracterização enquanto personagem <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> (cf. Atkins, 1999: 102-105). A


O <strong>monólogo</strong> dramático □ □ Effis Nacht 73<br />

autorida<strong>de</strong> com que Else discorre sobre os factos pretensamente adultera<strong>do</strong>s no romance<br />

<strong>de</strong> Fontane é pura ilusão ficcional, resultante da opção estética <strong>de</strong> Hochhuth.<br />

4.2.3 Os elementos masculinos <strong>do</strong> triângulo amoroso<br />

Effi, Innstetten e Crampas são as personagens <strong>do</strong> pretexto >Effi Briest< que se<br />

constituem como o alvo preferencial da crítica presente no discurso <strong>de</strong> Else. De facto, a<br />

análise metatextual valoriza especialmente este triângulo amoroso que compõe o<br />

romance <strong>de</strong> Fontane. A composição das personagens, as características que manifestam,<br />

é alvo das críticas e <strong>do</strong>s comentários irónicos <strong>de</strong> Else. Innstetten e Crampas, a figura <strong>do</strong><br />

mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong> amante, são comparadas por Else com as suas pretensas figuras reais:<br />

Ar<strong>de</strong>nne e Hartwich. Sempre copresentes, os elementos masculinos <strong>do</strong> triângulo amoroso<br />

<strong>do</strong> romance revelam­se frequentemente por trás das novas personagens, como se <strong>de</strong><br />

um jogo <strong>de</strong> espelhos se tratasse, acompanhan<strong>do</strong> o propósito <strong>de</strong> Else em mostrar a<br />

dimensão real <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne e Hartwich no <strong>monólogo</strong>. Quem foram e o que foram são<br />

perguntas insistentes que surgem no discurso <strong>de</strong> Else directamente ligadas às suas funções<br />

no triângulo, à sua relação com a protagonista. Eles são, em última análise, o<br />

resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma intensa pesquisa <strong>do</strong>cumental realizada por Hochhuth, que preten<strong>de</strong>,<br />

como já foi referi<strong>do</strong> anteriormente (cf. supra, 58 s.), contrariar a ficção literária <strong>de</strong> >Effi<br />

Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht<br />

IA<br />

Neste processo metatextual que preten<strong>de</strong> aparentemente <strong>de</strong>stituir o pretexto <strong>do</strong><br />

seu valor semântico, para assim fazer vingar o universo da nova protagonista, o ponto<br />

<strong>de</strong> partida é o motivo <strong>do</strong> adultério, factor essencial para o <strong>de</strong>senvolvimento narrativo no<br />

romance <strong>de</strong> Fontane. Na verda<strong>de</strong>, Else assegura uma reinterpretação <strong>do</strong> motivo <strong>do</strong> pretexto<br />

fontaniano, actualiza a sua importância literária ao estabelecer comparações entre<br />

a sua relação com Ar<strong>de</strong>nne e Hartwich e a relação triangular em >Effi Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático D □ Effis Nacht 75<br />

pretexto. A data da morte <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne é Maio <strong>de</strong> 1919, no final da Primeira Guerra<br />

Mundial (cf. EN, 47). Else informa o leitor <strong>do</strong> percurso <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne para além <strong>do</strong>s anos<br />

da fundação presentes no pretexto <strong>de</strong> Fontane. O leitor fica a saber quão invulgarmente<br />

ce<strong>do</strong> Ar<strong>de</strong>nne foi nomea<strong>do</strong> general <strong>do</strong> exército imperial e, também, como resistira<br />

heroicamente aos anos sangrentos da guerra <strong>de</strong> setenta (cf. EN, 75). As qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

serviço e <strong>de</strong>dicação <strong>do</strong> jovem oficial haviam­lhe causa<strong>do</strong> sequelas físicas profundas,<br />

que foram motivo <strong>de</strong> orgulho para Else, outrora, no distante ano <strong>do</strong> seu noiva<strong>do</strong>, em<br />

1870. A passagem pelo exército <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Império constitui um <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong><br />

aproximação entre as personagens <strong>do</strong>s mari<strong>do</strong>s <strong>do</strong> romance e <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. O barão<br />

Geert von Innstetten tinha si<strong>do</strong> um antigo e laurea<strong>do</strong> oficial, mas, após formação<br />

jurídica, o mari<strong>do</strong> <strong>de</strong> Effi Briest optou pela carreira <strong>de</strong> alto funcionário ao serviço <strong>de</strong><br />

Bismarck. A sua origem nobre, filho da velha aristocracia fundiária prussiana, os<br />

Junker, permitiu ao barão Innstetten aspirar a altos cargos <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> o seu<br />

zelo profissional, primeiro, como conselheiro provincial e, <strong>de</strong>pois, como ministerial. A<br />

ambição profissional que mo<strong>de</strong>la a personagem fontaniana é, assim, o principal factor<br />

<strong>de</strong> distanciamento em relação às principais características da personagem apresentada<br />

por Else. É­nos <strong>de</strong>scrito um homem mais livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> que a figura <strong>do</strong><br />

mari<strong>do</strong> no romance fontaniano:<br />

Gut ist <strong>do</strong>ch und freut mich fiir die Enkel, daG ihrem GroBvater auch Riihmliches<br />

nachzusagen ist. Sagte ais namenloser Offízier <strong>de</strong>m Kaiser ins Gesicht,<br />

Krupp­Kanonen taugten nichts ­ und wur<strong>de</strong> prompt hinausgeworfen, ais noch<br />

junger Mann entlassen (EN, 78).<br />

A oposição entre os <strong>do</strong>is textos atinge, com estas revelações, novamente o pico da<br />

intensida<strong>de</strong>. Ar<strong>de</strong>nne dispôs­se a enfrentar o impera<strong>do</strong>r Guilherme, confrontan<strong>do</strong>­o com<br />

as suas i<strong>de</strong>ias próprias, às quais foi fiel. Contu<strong>do</strong>, estas custaram­lhe o cargo <strong>de</strong> oficial<br />

no exército (cf. EN, 78).<br />

Não foi seguramente esta a opção <strong>de</strong> Innstetten que, como referi<strong>do</strong>, com<br />

objectivos bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s numa carreira como alto funcionário <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> prussiano,<br />

sacrificou toda a sua vida quer emocional, quer privada, moldadas em termos <strong>de</strong><br />

carreirismo. Por <strong>de</strong>trás da sua movimentação social está um enorme receio <strong>de</strong> que a opinião<br />

pública o julgue <strong>de</strong>sfavoravelmente, <strong>de</strong> se tornar ridículo aos olhos da socieda<strong>de</strong>,


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 76<br />

que surge como a mais alta instância <strong>de</strong> controlo comportamental (cf. Oliveira, 2000:<br />

272). As normas que regem o comportamento social <strong>de</strong> Innstetten são as mesmas a que<br />

faz submeter a sua vida pessoal e familiar. Effi é vítima directa <strong>de</strong>sses<br />

condicionalismos, como mais adiante se verá (cf. infra, 94-95). Num momento interior<br />

<strong>de</strong> enorme revolta e <strong>do</strong>r, a heroína <strong>do</strong> romance acusa directamente Innstetten <strong>de</strong><br />

cruelda<strong>de</strong> intencionada ao moldar a filha Annie aos seus próprios ensinamentos e requisitos,;,<br />

tal como outrora o fizera consigo mesma:<br />

Denn das hier, mit <strong>de</strong>m Kind, das bist nicht du, Gott, <strong>de</strong>r mich strafen will, das<br />

ist er, bloG er! Ich habe geglaubt, da(3 er ein edles Herz habe, und habe mich<br />

immer klein neben ihm gefiihlt; aber jetzt weil3 ich, dafl er es ist, er ist klein.<br />

Und weil er klein ist, ist er grausam. Alies, was klein ist, ist grausam. Das hat<br />

er <strong>de</strong>m Kin<strong>de</strong> beigebracht, ein Schulmeister war er immer (EB, 313).<br />

As acusações <strong>de</strong> Effi contra o mari<strong>do</strong> realçam os princípios rígi<strong>do</strong>s pelos quais ele se<br />

rege. De acor<strong>do</strong> com Stern, Innstetten é marca<strong>do</strong> pelo plano social e <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

sensibilida<strong>de</strong> moral. O código que <strong>de</strong>termina a sua conduta é to<strong>do</strong>-po<strong>de</strong>roso e iníquo<br />

(cf. Stern, 1981: 331). Alguns críticos seguem mais <strong>de</strong> perto as orientações <strong>do</strong> próprio<br />

Fontane e encontram na personagem traços mais humanos, explican<strong>do</strong> a rigi<strong>de</strong>z no<br />

carácter <strong>de</strong> Innstetten como fruto da antiga paixão <strong>do</strong> barão pela mãe <strong>de</strong> Effi e pelo<br />

contexto sócio-moral da socieda<strong>de</strong> prussiana (cf. Holbeche, 1987-88: 21-32). Walter<br />

Muller-Sei<strong>de</strong>l <strong>de</strong>fine o carácter <strong>de</strong> Innstetten pela sua representativida<strong>de</strong> social. A<br />

socieda<strong>de</strong> como centro orienta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> pensamento conserva a última palavra. Apesar <strong>de</strong><br />

ser acusada <strong>de</strong> dita<strong>do</strong>ra pelo próprio barão - "ein tyrannisieren<strong>de</strong>s Gesellschafts-Etwas"<br />

(cf. EB, 268) os seus códigos são reconheci<strong>do</strong>s e aceites como os únicos possíveis (cf.<br />

Muller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 366-367). Ao contrário <strong>do</strong> julgamento <strong>de</strong> Effi sobre Innstetten, o<br />

inconformismo e irreverência <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne aliviam positivamente a avaliação que Else<br />

faz <strong>do</strong> seu comportamento. Ar<strong>de</strong>nne encontra-se no la<strong>do</strong> oposto a Innstetten, pela sua<br />

Em 19 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1895 Fontane <strong>de</strong>screvia assim ao seu amigo Joseph Viktor Widmann a injustiça <strong>de</strong> alguns<br />

leitores perante Innstetten: »Was mich ganz beson<strong>de</strong>rs gefreut hat, ist, daB Sie <strong>de</strong>m armen Innstetten so schõn gerecht<br />

wer<strong>de</strong>n. Eine reizen<strong>de</strong> Dame hier, die ich ganz beson<strong>de</strong>rs liebe und verehre, sagte mir:>Ja, Effi; aber Innstetten ist ein<br />

"Ekel"Ekel< empfun<strong>de</strong>n wird, ais Mensch aber mach't mich die<br />

Sache stutzig« (1969, apud Schafarschik, 1999: 112-113).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 11<br />

in<strong>de</strong>pendência, pelo seu espírito inova<strong>do</strong>r e crítico, pela coragem com que enfrenta os<br />

seus superiores.<br />

As qualida<strong>de</strong>s realçadas por Else no mari<strong>do</strong> não a impe<strong>de</strong>m, contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> apontar<br />

os seus <strong>de</strong>feitos, que afloram mais a título priva<strong>do</strong>, no foro familiar. A morte trágica <strong>de</strong><br />

Hartwich, a ruptura afectiva imposta à mãe adúltera, com o afastamento <strong>do</strong>s filhos,<br />

revelará um outro Ar<strong>de</strong>nne, vingativo e impie<strong>do</strong>so. A esse mesmo la<strong>do</strong> sombrio <strong>do</strong><br />

mari<strong>do</strong> é alia<strong>do</strong> um comentário irónico à sua ascendência nobre, que segun<strong>do</strong> Else, seria<br />

<strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua mãe muito duvi<strong>do</strong>sa:<br />

Auch die Grotesken, die ich dann spãter iiber ihn hõrte: Sein A<strong>de</strong>lsdunkel, wie<br />

er nur vorkommt, nach meiner Erfahrung, bei jenen, die selber von Mutterseite<br />

keinen A<strong>de</strong>l haben, Brockhaus hie/3 seine Mutter, immerhin mit Richard Wagner<br />

verschwagert, <strong>de</strong>ssen Schwester <strong>de</strong>n Bru<strong>de</strong>r meiner Schwiegermutter<br />

geheiratet hat (EN, 79).<br />

As informações extra que Else transmite sobre a família materna <strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong> <strong>de</strong>smistificam<br />

o sobrenome Brockhaus, <strong>de</strong>stituin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> qualquer pretensão aristocrata. Inevitavelmente<br />

estabelecem-se comparações com o estatuto <strong>do</strong> barão Innstetten, queri<strong>do</strong><br />

na casa <strong>do</strong>s Briest, preferi<strong>do</strong> pela sua alta ascendência nobre, motivo <strong>de</strong> orgulho e<br />

jamais contestada. A ligação <strong>de</strong> parentesco <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne com Richard Wagner (1813-<br />

1883) merece uma referência especial por parte <strong>de</strong> Else, pois não só indicia um comportamento<br />

anti-semita 9 enraiza<strong>do</strong> no seu mari<strong>do</strong>, mas evoca implicitamente o pretexto<br />

fontaniano. Innstetten era igualmente um simpatizante confesso da obra musical <strong>de</strong><br />

Wagner. Em >Effl BriesK, o narra<strong>do</strong>r levanta a questão <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us e o anti-semitismo<br />

surge como um preconceito que aproxima Innstetten da i<strong>de</strong>ologia wagneriana:<br />

So bat er Effi, daB sie was spiele, aus >Lohengrin< o<strong>de</strong>r aus <strong>de</strong>r >WalkiireRichard Wagner und <strong>de</strong>r Antisemitismus< <strong>de</strong>monstra como as convicções anti-semitas <strong>de</strong> Wagner se encontravam<br />

intimamente ligadas à sua obra musical: »Wagners "ganz normaler" Antisemitismus war in <strong>de</strong>n Opern dieser fruhen<br />

Schaffensperio<strong>de</strong> etwas besser kaschiert, aber <strong>de</strong>nnoch zeigen sie ansatzweise, daB sich ihr Komponist die<br />

antijudische Gesinnung <strong>de</strong>r <strong>de</strong>utschen Revolutionsverfechter zu eigen gemacht hatte. Ein Zeichen dafiir sind die<br />

verschie<strong>de</strong>nen Abwandlungen <strong>de</strong>s Ahasverus-Mythos, <strong>de</strong>r in vielen seiner Opern wie<strong>de</strong>rkehrt« (Rose, 1999: 64).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 78<br />

Também em >Effis Nacht


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 79<br />

históricos relaciona<strong>do</strong>s com a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Heydrich no extermínio <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us<br />

surgem alia<strong>do</strong>s a uma objectivida<strong>de</strong> pretendida para o <strong>monólogo</strong>.<br />

O contraste <strong>intertextual</strong> entre as figuras <strong>do</strong>s mari<strong>do</strong>s adquire uma relevância<br />

semântica fulcral para a compreensão <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth. A composição da<br />

personagem fontaniana encontra-se ajustada aos mol<strong>de</strong>s realistas, transmitin<strong>do</strong> um<br />

retrato fiel <strong>do</strong> oficial e alto funcionário prussiano, à época <strong>de</strong> Fontane, entre 1871 e<br />

1900. Muito embora as suas inquietações interiores apontem para uma diferente<br />

compreensão social, Innstetten correspon<strong>de</strong>, como explica Schuster, no seio da<br />

autorida<strong>de</strong> patriarcal assegurada pela socieda<strong>de</strong> burguesa na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século<br />

<strong>de</strong>zanove, a um papel absoluto <strong>de</strong> Senhor-Deus-Pai com reivindicação <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> sobre a mulher (cf. Schuster, 1978: 65). Comparativamente, a irreverência<br />

<strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne, <strong>de</strong> que Else é testemunha no seu discurso monológico e que terá custa<strong>do</strong> ao<br />

mari<strong>do</strong> da baronesa a promoção social esperada para um oficial <strong>de</strong> tão alta patente,<br />

surge em contraposição com o pretexto fontaniano, transmitin<strong>do</strong> Else ao leitor informações<br />

históricas da vida pessoal <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> Ar<strong>de</strong>nne e que revelam comportamentos<br />

atípicos, características individuais únicas e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> frontalida<strong>de</strong> face ao status quo<br />

vigente. A visão mais particular da Else <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> é simultaneamente mais alargada,<br />

correspon<strong>de</strong>nte a toda uma era, abrangen<strong>do</strong> a época guilhermina mas estabelecen<strong>do</strong><br />

sempre uma relação causa-efeito com o presente da Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra. Anja<br />

Restenberger alerta para uma crítica cuidada no discurso <strong>de</strong> Else, disposta a estabelecer<br />

pontes semânticas permanentes, pois, apesar da protagonista visar o comportamento <strong>do</strong>s<br />

generais no seio da tradição militar prussiana, uma vez que conhece e está pessoalmente<br />

implicada com o meio, a culpa individual <strong>do</strong>s generais é transferida no presente da<br />

guerra para uma culpa a assumir individualmente por cada um pela catástrofe <strong>do</strong><br />

Terceiro Império (cf. Restenberger, 2001: 220). Logo nas suas primeiras páginas, Else<br />

vê na guerra iniciada por Hitler uma culpa a repartir igualmente pelos pequenos, "die<br />

kleinen Leute", implica o povo na pequenez da sua mentalida<strong>de</strong>, to<strong>do</strong>s os que na<br />

verda<strong>de</strong> tiveram peso e responsabilida<strong>de</strong> pela tragédia:<br />

Doch eine Kaste - ich sage das nicht, weil's meine war - verantwortlich<br />

machen fur Hitlers Krieg, auch dafúr, daB diese Kaste <strong>de</strong>m Ósterreicher nie in<br />

<strong>de</strong>n Arm fiel, ist schon <strong>de</strong>shalb eine Geschichtsfalschung, weil kein zugeben<br />

will, daB beson<strong>de</strong>rs die Kleinen Leute es sind, die beinahe allesamt je<strong>de</strong>n<br />

totschlugen, <strong>de</strong>r sich an ihrem Fiihrer vergriffe, weil sie ihren Fùhrer so lieben<br />

wie ihr Bier und <strong>de</strong>n Geschlechtsverkehr! (EN, 15).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht<br />

SO<br />

A partir da crítica aos pormenores mo<strong>de</strong>lizantes <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> <strong>de</strong> Effí, e necessariamente às<br />

opções literárias <strong>de</strong> Fontane, o leitor acompanha o esforço da Else <strong>de</strong> Hochhuth em <strong>de</strong>scortinar<br />

a História, informan<strong>do</strong> sobre pormenores individuais mas que correspon<strong>de</strong>m a<br />

um sério compromisso igualmente político <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>do</strong> presente, <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

oprimida, que her<strong>do</strong>u <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> uma classe militarista, oligárquica, controlada por<br />

oficiais e homens <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>, contaminada por estereótipos que no tempo presente <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong> fomentam uma i<strong>de</strong>ologia anti-semita, com <strong>de</strong>portação e extermínio em massa<br />

<strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us.<br />

Se o objectivo <strong>do</strong> jogo <strong>intertextual</strong> é a reflexão histórica, então faz senti<strong>do</strong> Else<br />

continuar no seu discurso a explorar metatextualmente o pretexto, procuran<strong>do</strong> numa<br />

atitu<strong>de</strong> quase maniqueísta encontrar no passa<strong>do</strong> as raízes <strong>do</strong> mal vivi<strong>do</strong> no presente <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong>. Porém, o exercício da memória que <strong>de</strong>safia a protagonista não se afigura<br />

simplista, é, antes, estimula<strong>do</strong> pela moral kantiana que rege o pensamento <strong>de</strong> Hochhuth<br />

como princípio gera<strong>do</strong>r da verda<strong>de</strong>. Entre o bem e o mal há a verda<strong>de</strong> histórica, que no<br />

<strong>monólogo</strong> surge impulsionada pela visão individual <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne e em<br />

contradição com >Effi BriestEffi Briest< é sujeita a uma equacionação com<br />

o seu mo<strong>de</strong>lo histórico. Major Crampas tinha na sua vida real o nome <strong>de</strong> Emil Hartwich.<br />

Mas não é só a mudança <strong>de</strong> nome que preocupa Else. São muitas as características da<br />

personagem fontaniana que merecem o <strong>de</strong>sprezo da protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong><br />

Hochhuth. Pormenores que, segun<strong>do</strong> Else, Fontane <strong>de</strong>liberadamente forjou. O estatuto<br />

<strong>de</strong> Crampas como major <strong>do</strong> exército e nobre não correspon<strong>de</strong>ria à verda<strong>de</strong>ira condição<br />

social <strong>do</strong> amante. O Hartwich que Else <strong>de</strong>screve não era um nobre mas um burguês, não<br />

um militar mas um juiz:<br />

Mein Zorn dann auch gegen Fontane , weil er nicht riskiert hat, meinen Freund<br />

sein zu lassen, wer er war; was er war! «Nur», in Anfiïhrungszeichen, ein Biirgerlicher,<br />

«nur» ein Amtsrichter; und wuBte naturlich, daB Hartwich so ein<br />

ganz gewõhnlicher Jurist auch nicht war, son<strong>de</strong>m ein Pádagoge (EN, 25).


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 81<br />

Com a pretensão <strong>de</strong> apresentar um retrato mais próximo da pessoa real, Else preocupase<br />

em focar o la<strong>do</strong> mais original <strong>de</strong> Hartwich, procuran<strong>do</strong>, simultaneamente, <strong>de</strong>stituir a<br />

personagem fontaniana <strong>do</strong> seu valor e significação. Hartwich era, para além <strong>de</strong> jurista,<br />

um pedagogo com i<strong>de</strong>ias revolucionárias e um pintor:<br />

Auch <strong>de</strong>r Sechstage-Krieg gegen Õsterreich, sechsundsechzig, sei schon so<br />

fúrchterlich gewesen... UnvergeBlich, dièse nie von ihm ausgestellten Aquarelle<br />

auf Stroh sterben<strong>de</strong>r Soldaten, die Menzel in Bõhmen gemalt hat und die<br />

ich nur <strong>de</strong>shalb zu sehen bekam, weil Hartwich ais Maler Zugang zu <strong>de</strong>r<br />

kleinen Exzellenz gefun<strong>de</strong>n hatte. Was <strong>do</strong>ch auch sehr fur meinen Geliebten<br />

spricht, daB er von Menzel vorgelassen wur<strong>de</strong>, obgleich er ais Maler keinen<br />

Namen hatte, nur ais Pàdagoge (EN, 75-76).<br />

A faceta criativa <strong>de</strong> Hartwich surge associada a A<strong>do</strong>lf Menzel (cf. supra, 68) e parece<br />

contrastar implicitamente com o <strong>de</strong>sinteresse face à vida <strong>do</strong> major Crampas, o que<br />

correspon<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> Hochhuth a uma percepção <strong>de</strong>liberadamente limitada da<br />

dimensão da personagem fontaniana. Neste exemplo extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, o talento<br />

artístico <strong>de</strong> Hartwich é exalta<strong>do</strong> pela protagonista Else com o propósito <strong>de</strong> aludir à<br />

guerra e à propensão belicista, alimentada já anteriormente pela era guilhermina. A<br />

evocação da morte inocente <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s, retratada num quadro <strong>de</strong> Menzel, repercute-se<br />

até ao presente <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. Também Else cuida e assiste à morte lenta <strong>de</strong> um solda<strong>do</strong><br />

feri<strong>do</strong> na guerra. Mais uma vez se nota a simpatia pessoal que Hochhuth nutre pelo<br />

Realismo (cf. supra, 69-71), pelo que o seu programa estético representa, quer na<br />

literatura, quer nas belas artes, em termos <strong>de</strong> compromisso com a História. O propósito<br />

último da escrita hocnhuthiana é, como dito, <strong>de</strong>nunciar o presente através da evocação<br />

<strong>do</strong>s exemplos históricos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Assim, à luz <strong>do</strong> retrato social consegui<strong>do</strong> pelo<br />

Realismo, evoca<strong>do</strong> neste extracto <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> pelo significa<strong>do</strong> da morte <strong>do</strong>s jovens<br />

solda<strong>do</strong>s no quadro <strong>de</strong> Menzel, Hochhuth apresenta o caso individual <strong>de</strong> Else von<br />

Ar<strong>de</strong>nne, articulan<strong>do</strong>-o com a morte <strong>de</strong> Hartwich. Na análise <strong>de</strong> Restenberger, é esse o<br />

único senti<strong>do</strong> da peça >Effis Nacht


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 82<br />

partilha <strong>de</strong>ssa mágoa <strong>do</strong> presente da guerra e os seus milhares <strong>de</strong> vítimas com a mágoa<br />

<strong>de</strong> um passa<strong>do</strong> pessoal atribula<strong>do</strong>, gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um conflito que levou Hartwich à morte,<br />

Else sente necessida<strong>de</strong> no <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> exaltar as qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> amante para <strong>de</strong> algum<br />

mo<strong>do</strong> aliviar o seu sentimento <strong>de</strong> culpa. A relação <strong>intertextual</strong> com o pretexto >Effl<br />

Briest< assume-se como o recurso estético perfeito para, por um la<strong>do</strong>, enriquecer<br />

ficcionalmente o <strong>monólogo</strong> e, por outro, aproximá-lo da realida<strong>de</strong> biográfica. O la<strong>do</strong><br />

artístico e rebel<strong>de</strong> <strong>de</strong> Hartwich surge por oposição associa<strong>do</strong> a um Crampas <strong>de</strong>masia<strong>do</strong><br />

conforma<strong>do</strong> e conserva<strong>do</strong>r. As pretensões metatextuais <strong>do</strong> intertexto não são inocentes.<br />

Inerente ao discurso <strong>de</strong> Else está uma leitura interpretativa <strong>do</strong> romance que é <strong>de</strong>sviante,<br />

mas que se integra em pleno na estratégia <strong>de</strong>lineada para essa <strong>de</strong>smontagem <strong>do</strong><br />

pretexto. A relação extra-conjugal <strong>de</strong> Effí parece igualmente ficar ligada a uma mera<br />

atracção física, como preten<strong>de</strong> Else sublinhar ao querê-la diferenciar <strong>do</strong> seu caso<br />

pessoal:<br />

Nein, so schlicht gestrickt waren wir drei nicht... gera<strong>de</strong> die geistige Energie,<br />

die von Hartwich ausging, hat mich noch starker an ihn gefesselt als sogar<br />

seine Schõnheit! (EN, 46).<br />

A visão que Else nos revela da figura <strong>do</strong> major no romance <strong>de</strong> Fontane é redutora, todavia,<br />

ela faz parte <strong>de</strong> um jogo <strong>intertextual</strong> que preten<strong>de</strong> diminuir a figura <strong>do</strong> pretexto para<br />

realçar as qualida<strong>de</strong>s da <strong>do</strong> intertexto, reivindican<strong>do</strong> toda a autorida<strong>de</strong> para si. Fingin<strong>do</strong>se<br />

no limiar da ficção, a frontalida<strong>de</strong> crítica <strong>de</strong> Else faz contracenar Crampas com<br />

Hartwich trazi<strong>do</strong> aparentemente em directo da realida<strong>de</strong>. Os argumentos que Else<br />

contrapõe ao <strong>monólogo</strong> em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> seu amante Hartwich, por mais verosímeis, por<br />

mais frontais e objectivos que sejam, provêm, porém, <strong>de</strong> uma harmonização estética<br />

subjectiva. De facto, os registos biográficos e as fontes <strong>do</strong>cumentais referentes à vida<br />

real da baronesa apontam para um quase completo silêncio por parte <strong>de</strong> Elisabeth von<br />

Ar<strong>de</strong>nne em relação ao seu amante. Como excepção, há a referir o pequeno episódio das<br />

cartas enviadas ao neto Manfred na sequência <strong>de</strong> um comentário <strong>de</strong>ste e que atrás referi<br />

(cf. supra, 58). As características individuais únicas <strong>de</strong> Hartwich, confirmadas<br />

historicamente, são razão suficiente para que Hochhuth as utilize no <strong>monólogo</strong> e, assim,


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 83<br />

ilumine o presente com o exemplo <strong>de</strong> alguém que no seu tempo foi contra-corrente, um<br />

herói aos olhos <strong>de</strong> Else:<br />

Hàtte nicht die Wahrheit <strong>de</strong>n Roman uberzeugen<strong>de</strong>r gemacht: Dali eben nicht<br />

ein erfun<strong>de</strong>ner Major und Adliger mein Geliebter war, son<strong>de</strong>m ein Rebell, <strong>de</strong>r<br />

zwar sein Geld ais Amtsrichter verdienen muBte, aber <strong>do</strong>ch ein kantiger Einzelgãnger<br />

war, und ein Kunstler... <strong>de</strong>r Anti-Spiel3er schlechthin, weshalb er<br />

sich ja auch die Pãdagogen vornahm, ais ihr Reformer. Hartwichs Kampf<br />

gegen die Lehrer, ais die neben <strong>de</strong>n Feldwebeln schlimmsten Ausgeburten <strong>de</strong>s<br />

Wilhelminismus, wàre heroisch gewesen, hàtte er nicht so viele Sympathisanten<br />

gefun<strong>de</strong>n! Denn wo sonst tobt bei uns das SpieGburgertum sich so furchtbar<br />

aus wie in Schulen und auf Kasernenhõfen! {EN, 25-26).<br />

Para o leitor, Hochhuth recria uma figura histórica que rompeu com o anonimato e se<br />

bateu pelas suas i<strong>de</strong>ias reforma<strong>do</strong>ras numa época guilhermina culturalmente rica, mas<br />

conserva<strong>do</strong>ra e avessa a mudanças, conten<strong>do</strong> em si as sementes <strong>de</strong> um mal que se manifestaria<br />

<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> radical no presente vivi<strong>do</strong> pelo <strong>monólogo</strong>. Else alerta para as dificulda<strong>de</strong>s<br />

que o espírito liberal <strong>de</strong> Hartwich sentiu numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> reinava a intolerância<br />

<strong>do</strong> provincianismo burguês e o anquilosamento aristocrático. O seu discurso<br />

refere-se objectivamente aos sinais preocupantes <strong>de</strong> uma uniformização <strong>de</strong> pensamento,<br />

ao aparecimento <strong>de</strong> uma opinião pública formada no seio das escolas, das casernas <strong>do</strong><br />

exército, gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> posições extremas e que remonta ao tempo <strong>de</strong> vida <strong>do</strong> amante<br />

Hartwich. A evolução negativa <strong>de</strong>sse comportamento social prolongar-se-ia tragicamente<br />

até ao tempo presente <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, até à Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra, como a noite<br />

<strong>de</strong> vigília <strong>de</strong> Else faz questão <strong>de</strong> não esquecer, recordan<strong>do</strong> Hartwich, a sua luta contra o<br />

status quo guilhermino e estabelecen<strong>do</strong> um paralelismo entre o conserva<strong>do</strong>rismo <strong>de</strong>ssa<br />

época e o regime opressor <strong>de</strong> Hitler.<br />

Contrariamente ao que a protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> afirma quan<strong>do</strong> se refere ironicamente<br />

a Crampas, sublinhan<strong>do</strong> as suas características banais e conserva<strong>do</strong>ras como<br />

major e nobre (cf. EN, 25), a personagem fontaniana revela semas distintos <strong>de</strong>ssa distorção<br />

metatextual, os <strong>de</strong> um rebel<strong>de</strong> e um galantea<strong>do</strong>r persistente. Se em >Effi Briest<<br />

a presença inicial <strong>de</strong> Crampas tem o propósito aparentemente inocente <strong>de</strong> ajudar Effí a<br />

preencher as longas horas <strong>de</strong> espera e aban<strong>do</strong>no a que a ocupação profissional <strong>do</strong><br />

mari<strong>do</strong> a con<strong>de</strong>nou, essa convivência torna-se cada vez mais próxima, obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a um<br />

jogo sedutor <strong>de</strong> avanços e recuos. Peter von Matt classifica este comportamento <strong>de</strong><br />

Crampas, enquadran<strong>do</strong>-o na arte <strong>do</strong> sedutor que, uma vez insinua<strong>do</strong> na companhia da


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effls Nacht 84<br />

heroína, impõe a sua imagem e a sua influência, como experiente conhece<strong>do</strong>r da psicologia<br />

feminina. Muito activo na arte <strong>de</strong> bem seduzir, o major contém traços <strong>de</strong> figura<br />

<strong>de</strong>moníaca. Fontane não apresenta, todavia, Crampas como um sedutor jovem e belo,<br />

antes constrói uma personagem que dialoga criticamente com este paradigma (cf. Matt,<br />

1989: 319-335). Não se está diante <strong>do</strong> arquétipo <strong>de</strong> beleza e juventu<strong>de</strong> que a imagem <strong>de</strong><br />

Lúcifer transmite, mas, como explica Schuster, restabelece-se a aproximação paradigmática<br />

com a figura <strong>de</strong> Satanás através <strong>do</strong> nome, da ida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> <strong>de</strong>feito físico que inutiliza<br />

o braço <strong>de</strong> Crampas (cf. Schuster, 1978: 93-94). No romance <strong>de</strong> Fontane, Crampas<br />

cumpre o papel <strong>de</strong> um Don Juan mais velho. A sua história familiar e pessoal, o casamento<br />

fracassa<strong>do</strong> com uma mulher ciumenta e a mutilação <strong>do</strong> braço num duelo passional<br />

são objecto da compreensão <strong>do</strong> leitor e aproximam-no naturalmente <strong>de</strong> Effi.<br />

Seguin<strong>do</strong> o exemplo <strong>do</strong> sedutor clássico 10 , Crampas contém em si elementos naturais <strong>de</strong><br />

resistência e oposição às normas sociais, que cativam Effi. Crampas é, por oposição a<br />

Innstetten, um Prinzipienverachter, assim o <strong>de</strong>fine Walter Mùller-Sei<strong>de</strong>l, que vê nele<br />

um <strong>do</strong>s poios presentes na dicotomia interior <strong>de</strong> Effi, que vive entre existência social e<br />

naturalida<strong>de</strong>, entre o rígi<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> prussiano e luterano e o espaço mitológico e pagão<br />

(cf. Mûller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 359-360). Effi procura em Crampas esse outro la<strong>do</strong> da vida,<br />

mais <strong>de</strong>spreocupa<strong>do</strong> e fútil, mais jovial e inconsciente, correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à sua ânsia <strong>de</strong><br />

ternura e aventura. Crampas representa, tal como Innstetten, uma faceta caracterológica<br />

polar da heroína, a alegoria <strong>de</strong> uma das faces <strong>do</strong> seu comportamento ambivalente.<br />

Com a intenção <strong>de</strong> realçar as qualida<strong>de</strong>s artísticas <strong>de</strong> Hartwich, Else oculta,<br />

todavia, propositadamente, este pen<strong>do</strong>r mais fantasista <strong>de</strong> Crampas. Quan<strong>do</strong> enaltece os<br />

<strong>do</strong>tes pictóricos, os <strong>de</strong> reforma<strong>do</strong>r pedagógico ou os atributos musicais <strong>de</strong> Hartwich, dá<br />

ênfase a uma união intelectual e espiritual com Else, menosprezan<strong>do</strong> aparentemente a<br />

existência da mesma na relação entre Effi e Crampas (cf. EN, 46). Mas é precisamente a<br />

arte, através <strong>do</strong> teatro e da poesia, um <strong>do</strong>s meios utiliza<strong>do</strong>s pelo amante para seduzir a<br />

jovem adúltera no romance <strong>de</strong> Fontane:<br />

»Nein, es ist eigentlich kurz, etwas lànger ais >Du hast Diamanten und Perlen<<br />

o<strong>de</strong>r >Deine weichen Lilienfínger


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 85<br />

Piitz vê na utilização que o major faz das citações literárias, nomeadamente da lírica<br />

heiniana, uma forma calculada <strong>de</strong> sedução (cf. Piitz, 1989: 174-185). Grawe vai mais<br />

longe na análise da paráfrase <strong>do</strong>s poemas heinianos (os títulos <strong>do</strong>s poemas que Crampas<br />

cita: "Du hast Diamanten und Perlen"; "Deine weifien Lilienfínger" e "Seegespenst"),<br />

sublinhan<strong>do</strong> neles a clara atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação por parte <strong>do</strong> sedutor (cf. Grawe,<br />

1982: 148-170). Os poemas <strong>de</strong> Heine" (1797-1856) sugerem ao leitor conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong>les<br />

o prenúncio <strong>do</strong> fim trágico da protagonista. Todavia, a omissão <strong>de</strong> certos passos compromete<strong>do</strong>res<br />

permitem ao major suavizar a carga negativa <strong>do</strong>s poemas e iludir Effi<br />

com o seu encanto romântico. Tal como Hartwich em relação a Else, também Crampas<br />

atrai esteticamente o sentimento afectivo <strong>de</strong> Effi, pela paráfrase <strong>do</strong>s poemas heinianos<br />

como pela produção cénica da peça >Ein Schritt vom Wege< (1872) <strong>de</strong> Ernst Wichert<br />

(1831-1902) (cf. EB, 162). Maria Teresa <strong>de</strong> Oliveira sublinha claramente que esta peça<br />

teatral se encontra intimamente ligada ao motivo <strong>do</strong> adultério, não tanto pelo conteú<strong>do</strong>,<br />

mas pela sua encenação proporcionar o prosseguir da sedução <strong>de</strong> Crampas (cf. Oliveira,<br />

2000: 310). Presente em citação, o título da peça é utiliza<strong>do</strong> ironicamente no intertexto,<br />

revelan<strong>do</strong> mais uma vez a familiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Else com o motivo central <strong>de</strong> >Effi Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 86<br />

Neste passo, Else critica Fontane por alterar a ida<strong>de</strong> <strong>do</strong> amante e <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Na realida<strong>de</strong>,<br />

Hartwich era mais velho cinco anos que Ar<strong>de</strong>nne e não mais novo. A diferença<br />

etária entre mari<strong>do</strong> e mulher, presente no romance fontaniano, surge como uma das justificações<br />

<strong>do</strong> adultério, submeten<strong>do</strong>-se, na opinião da protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, o<br />

escritor a um cliché propaga<strong>do</strong> na época. Socialmente estereotipada, a diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s<br />

terá leva<strong>do</strong> a jovem Effí a um envolvimento extra-conjugal. As conclusões <strong>de</strong><br />

Hochhuth são intencionais, pois visam enaltecer os da<strong>do</strong>s biográficos utiliza<strong>do</strong>s no<br />

<strong>monólogo</strong>, oriun<strong>do</strong>s da história pessoal <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne. A interpretação justa<br />

<strong>do</strong> romance fontaniano é, no entanto, outra, pois Crampas é igualmente muito mais<br />

velho que Effí e apenas <strong>do</strong>is anos mais novo que Innstetten. Walter Mùller-Sei<strong>de</strong>l<br />

classifica esse <strong>de</strong>staque atribuí<strong>do</strong> à diferença acentuada <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s como a intenção<br />

<strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> Fontane em projectar a história privada <strong>de</strong> um casal para uma dimensão<br />

social generalizada, atribuin<strong>do</strong> a essa diferença culpa no <strong>de</strong>sfecho da relação<br />

matrimonial (cf. Mùller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 361). É notório no romance fontaniano como<br />

Innstetten se enten<strong>de</strong>ria na perfeição com a Senhora von Briest e como o primo Briest<br />

se relaciona bem com Effí. Por outro la<strong>do</strong>, o velho Briest, o pai <strong>de</strong> Effí, tem simpatia<br />

pela sua juventu<strong>de</strong> e compreen<strong>de</strong>-a melhor que to<strong>do</strong>s os outros. Mùller-Sei<strong>de</strong>l salienta<br />

como o narra<strong>do</strong>r atribui a essas associações temporais a maior das importâncias. Innstetten<br />

afigura-se como o mais velho das personagens. Os seus princípios são os <strong>de</strong> uma<br />

or<strong>de</strong>m social envelhecida, que ele próprio, no final, consi<strong>de</strong>ra ser obsoleta (cf. Mùller-<br />

Sei<strong>de</strong>l, 1975: 361).<br />

O apego literário <strong>de</strong> Hochhuth ao escritor prussiano não serve apenas para contra-argumentar<br />

as opções literárias <strong>de</strong> Fontane, imiscuin<strong>do</strong> os factos históricos da vida<br />

real da baronesa no discurso ficcional <strong>de</strong> Else, mas serve, igualmente, para estabelecer<br />

uma vez mais uma ponte <strong>de</strong> passagem entre o passa<strong>do</strong> e o presente <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. A<br />

revolta <strong>de</strong> Else, se bem que, aparentemente focada nesse pormenor da troca das ida<strong>de</strong>s,<br />

revela uma preocupação maior, relacionada, sim, com a evolução negativa <strong>do</strong>s clichés,<br />

com os preconceitos alimenta<strong>do</strong>s e propaga<strong>do</strong>s por uma socieda<strong>de</strong> conserva<strong>do</strong>ra e masculina.<br />

Hochhuth propõe em cada uma das suas obras, na opinião <strong>de</strong> Ueding, um trabalho<br />

esclarece<strong>do</strong>r, cujo campo <strong>de</strong> acção não é o passa<strong>do</strong>, mas o presente vivi<strong>do</strong> e cuja<br />

linha programática <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a <strong>de</strong>smistificação e <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> clichés resistentes, preconceitos<br />

públicos, corrigin<strong>do</strong> e clarifican<strong>do</strong> a História, critican<strong>do</strong> a sua influência (cf.


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 87<br />

Ueding, 1991: 757). Seguin<strong>do</strong> essa linha programática, Else faz questão <strong>de</strong> sublinhar<br />

como os estereótipos masculinos, humilhantes para a condição da mulher, associam o<br />

homem ao po<strong>de</strong>r e à <strong>de</strong>struição. A mulher surge no discurso feminino <strong>de</strong> Else como a<br />

emissária da paz, afastada no presente <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>do</strong> campo da guerra, um campo<br />

<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à violência perpetrada pelos homens:<br />

Der Brieftrãger... diese meist nur irrwitzige Hoffnung <strong>de</strong>r Frauen, er habe<br />

einen Brief fur sie\ Und die furchtbar berechtigte Panik, wenn im biergelben<br />

Rock <strong>de</strong>r Partei <strong>de</strong>r alte Ortsgruppenleiter - hier immerhin ein Mensch, <strong>de</strong>r<br />

einem schon leid tut - in einer StraBe sich blicken lãflt, verschrien ais >Totenvogel<<br />

weil <strong>de</strong>r die fúrchterliche Last hat, <strong>de</strong>n Leuten sagen zu mussen, <strong>de</strong>r<br />

Mann, <strong>de</strong>r Sohn sei gefallen o<strong>de</strong>r vermiBt (EN, 45-46).<br />

Com a ajuda <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ícticos heute e hier, Else coloca o discurso na sua situação presente<br />

e recorda a guerra infindável, provocada pela obsessão bélica <strong>do</strong>s homens. Este olhar<br />

marcadamente feminino <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne reflecte, segun<strong>do</strong> Atkins, uma linha <strong>de</strong><br />

pensamento constante na escrita <strong>de</strong> Hochhuth, e que se po<strong>de</strong> encontrar em peças tão<br />

distantes como >Lysistrate und die Nato< (1973, reintitulada >InselkomòdieJudith< (1984) ou ainda na recente história >Julia< (1994). Apesar <strong>de</strong> concebi<strong>do</strong><br />

esteticamente, este ressentimento contra uma socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>minada pelos homens parece<br />

ser natural à luz da vida pessoal <strong>de</strong> Else e da sua observação <strong>do</strong>s acontecimentos políticos<br />

(cf. Atkins, 1999: 109). Na oscilação temporal <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, entre o presente e os<br />

anos <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Else, a mulher é apresentada como vítima <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r masculino. A<br />

Segunda Guerra Mundial, inteiramente da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens, antece<strong>de</strong> no<br />

discurso a referência irónica aos estereótipos alimenta<strong>do</strong>s por Fontane no seu romance e<br />

é completa<strong>do</strong> sequencialmente pelo hino à mulher, como ser pacifista (cf. EN, 47). Else<br />

dá o exemplo heróico <strong>de</strong> Bertha von Suttner (1843-1914), a primeira mulher a receber o<br />

Prémio Nobel da Paz, para distinguir claramente a racionalida<strong>de</strong> feminina, promotora<br />

<strong>de</strong>ssa mesma paz, da irracionalida<strong>de</strong> masculina, provoca<strong>do</strong>ra da guerra. A referência<br />

adicional ao manifesto >Die Waffen nie<strong>de</strong>r


O <strong>monólogo</strong> dramático D D Effis Nacht 88<br />

blemas que elas reflectem em socieda<strong>de</strong>. Não são os pormenores da história pessoal <strong>de</strong><br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne que interessam ao romancista, como Fontane explica numa carta dirigida<br />

a Friedrich Stephany no ano <strong>de</strong> 1894:<br />

Die Details sind mir ganz gleichgiiltig - Liebesgeschichten, in ihrer schau<strong>de</strong>rõsen<br />

Àhnlichkeit, haben was Langweiles -, aber <strong>de</strong>r Gesellschaftszustand, das<br />

Sittenbildliche, das versteckt und gefáhrlich Politische, das diese Dinge haben<br />

(...), das ist es, was mich so sehr daran interessiert 12 .<br />

O jogo <strong>de</strong> papéis assumi<strong>do</strong> pelos elementos <strong>do</strong> triângulo amoroso na esfera privada<br />

escon<strong>de</strong> regras e códigos rígi<strong>do</strong>s manipula<strong>do</strong>s pela or<strong>de</strong>m social. São esses códigos que<br />

Fontane preten<strong>de</strong> criticar, sem moralizar ou <strong>de</strong>nunciar abertamente, mas acentuan<strong>do</strong> as<br />

consequências trágicas <strong>de</strong> comportamentos que ousaram quebrar as barreiras sociais <strong>do</strong><br />

moralismo prussiano. Os <strong>do</strong>is elementos masculinos, tal como a figura principal, estão<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s pelos códigos sociais, manipula<strong>do</strong>s exteriormente para aceitarem o <strong>de</strong>vir da<br />

sua condição, não ten<strong>do</strong> coragem para se libertarem <strong>do</strong> jugo institucional. Innstetten<br />

executa fielmente as or<strong>de</strong>ns ditadas pela socieda<strong>de</strong>, não conseguin<strong>do</strong> viver fora das<br />

mesmas e Crampas procura apenas em Effí paixão e aventura, aceitan<strong>do</strong> passivamente a<br />

morte ditada num duelo regi<strong>do</strong> por códigos <strong>de</strong> honra masculinos intransigentes.<br />

Pela sobreposição das novas figuras, o intertexto vai crian<strong>do</strong> o seu próprio<br />

espaço <strong>de</strong> valorização estética, submeten<strong>do</strong>, simultaneamente, o leitor a uma<br />

manipulação <strong>intertextual</strong>, na qual, este é leva<strong>do</strong> a <strong>de</strong>svalorizar o pretexto, para aten<strong>de</strong>r<br />

às preocupações emergentes no <strong>monólogo</strong> e que se pren<strong>de</strong>m com a catástrofe da<br />

Segunda Guerra Mundial e a responsabilida<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> cada um pela hécatombe. O<br />

peso <strong>de</strong>stes acontecimentos brutais impele Hochhuth a um refinamento histórico <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong>. Os pormenores da vida pessoal <strong>de</strong> Else coadunam-se simultaneamente com a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximar o <strong>monólogo</strong> da verda<strong>de</strong> histórica e com a igual necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> encontrar um testemunho individual. Os elementos masculinos <strong>do</strong> triângulo amoroso,<br />

Ar<strong>de</strong>nne e Hartwich, parecem estar mais próximos <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los reais. Os pormenores<br />

das suas vidas revelam um gran<strong>de</strong> conhecimento da biografia <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne.<br />

O discurso <strong>de</strong> Else parece querer autoproclamar uma maior proximida<strong>de</strong> e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao<br />

Carta a Friedrich Stephany, 2 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1894, vd. Fontane (1976), Briefe. Hanser, Abt. IV, Munchen, p. 495.


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 89<br />

real, mas, na verda<strong>de</strong>, o propósito estético <strong>de</strong> Hochhuth é outro. Else é porta-voz<br />

ficcional das i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> escritor Hochhuth. Os factos sobre a vida <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne e Hartwich<br />

são interpreta<strong>do</strong>s à luz <strong>do</strong>s acontecimentos da Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra. A importância<br />

social <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne como general, a sua coragem e <strong>de</strong>terminação, por um la<strong>do</strong>, bem<br />

como o espírito liberal e reforma<strong>do</strong>r <strong>do</strong> juiz Hartwich, por outro, são valoriza<strong>do</strong>s pelo<br />

<strong>monólogo</strong> e confronta<strong>do</strong>s com o relativo <strong>de</strong>sinteresse <strong>do</strong>s elementos masculinos <strong>do</strong><br />

pretexto fontaniano: Innstetten e Crampas, que Hochhuth não compreen<strong>de</strong>u ou não quis<br />

compreen<strong>de</strong>r. No entanto, o relevo da<strong>do</strong> às suas particularida<strong>de</strong>s únicas apenas tem<br />

como finalida<strong>de</strong> iluminar o cinzento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> conserva<strong>do</strong>ra que alimentou e<br />

radicalizou clichés e preconceitos, levan<strong>do</strong>-os ao extremo <strong>de</strong> uma guerra, à morte <strong>de</strong><br />

milhares <strong>de</strong> inocentes. Ao retratar a época guilhermina, o romance fontaniano vai ao<br />

encontro da finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth: rebuscar o passa<strong>do</strong> para revelar a raiz<br />

<strong>do</strong> mal vivi<strong>do</strong> no presente.<br />

4.2.4 A questão <strong>do</strong> adultério<br />

O adultério, tema central <strong>do</strong> romance fontaniano 13 , é também assunto central nas<br />

reflexões da Else <strong>de</strong> Hochhuth. A marcação <strong>intertextual</strong> não é, <strong>de</strong>sta vez, realizada a<br />

partir da citação, ou com o apoio <strong>do</strong> seu valor metonímico, mas sim recorren<strong>do</strong> à crítica,<br />

situada como Stierle bem a <strong>de</strong>finiu, em campo aberto, permitin<strong>do</strong> ao texto maior<br />

liberda<strong>de</strong> para se relacionar com as suas próprias premissas (cf. Stierle, 1984: 149) e<br />

maior in<strong>de</strong>pendência no tratamento das isotopias aliadas ao motivo. As referências às<br />

cartas que Innstetten <strong>de</strong>scobre e que <strong>de</strong>svendam a relação adúltera <strong>de</strong> Effí e Crampas<br />

(cf. EB, 262) alargam-se no intertexto, ajudan<strong>do</strong> a compreen<strong>de</strong>r o motivo <strong>do</strong> adultério,<br />

mas apelan<strong>do</strong> a novos significa<strong>do</strong>s. Else afirma que a morte <strong>de</strong> Hartwich po<strong>de</strong>ria ter<br />

si<strong>do</strong> evitada se ela própria não o tivesse traí<strong>do</strong> ao conservar as cartas: »DaB ich ihn ans<br />

Messer lieferte, weil ich seine Briefe aufbewahrte, war nichts ais mein Leichtsinn« (EN,<br />

Maria Teresa Oliveira <strong>de</strong>screve os romances <strong>de</strong> adultério como um <strong>do</strong>s mais interessantes fenómenos literários da<br />

segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zanove e acrescenta: »Na mira <strong>do</strong>s escritores está, antes, a <strong>de</strong>núncia <strong>do</strong>s motivos que<br />

levam à não concretização <strong>de</strong>ssa premissa necessária à felicida<strong>de</strong> conjugal, a <strong>de</strong>scrição da forma pela qual os<br />

membros <strong>do</strong> casal se vão progressivamente alhean<strong>do</strong>, bem como a procura <strong>do</strong>s motivos que conduzem ao adultério«<br />

(Oliveira, 2000: 45).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 90<br />

22). A referência às cartas <strong>do</strong> amante acentua a diferença comportamental entre Effi e<br />

Else. Na sua condição <strong>de</strong> adúltera, Else não remete os seus sentimentos <strong>de</strong> culpa para o<br />

acto em si, mas para as suas consequências trágicas. Hartwich morreu por sua causa e<br />

essa é a única culpa que ela <strong>de</strong>ve sentir.<br />

Pela referência às cartas, o seu discurso revela igualmente uma crítica directa à<br />

conduta moral <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Ao abrir as cartas, Ar<strong>de</strong>nne é acusa<strong>do</strong> <strong>de</strong> violar a privacida<strong>de</strong><br />

da mulher e <strong>de</strong> quebrar, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, o código ético <strong>de</strong> cavalheiro. Para Else, semelhante<br />

procedimento é, tal como o guardar das cartas, sinónimo <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> confiança: »<strong>de</strong>nn<br />

Briefe aufheben ist Vertrauensbruch« (EN, 51). O envolvimento extra-conjugal <strong>de</strong> Else<br />

parte, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> uma relação matrimonial difícil. São as cartas que revelam a<br />

Ar<strong>de</strong>nne o adultério; todavia, são as mesmas cartas que revelam uma relação<br />

apaixonada e verda<strong>de</strong>ira entre os amantes, em tu<strong>do</strong> diferente <strong>do</strong> seu casamento: »Eben<br />

aus <strong>de</strong>n Briefen hat er ja ablesen mússen, was ihm fehlte an Feuer und Liebe und<br />

Phantasie« (EN, 50). Else <strong>de</strong>nuncia abertamente um casamento on<strong>de</strong> o amor está<br />

ausente e culpa o mari<strong>do</strong> pela crise conjugal, pelo clima <strong>de</strong> suspeição e <strong>de</strong>sconfiança<br />

entre os <strong>do</strong>is. No entanto, como se verá posteriormente (cf. infra, 99 s.), a razão maior<br />

para o seu sofrimento e a sua revolta está na cruelda<strong>de</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />

O adultério não provoca sinais <strong>de</strong> um conflito interior em Else. A cumplicida<strong>de</strong><br />

entre os amantes é assumida. Não é algo que a envergonhe mas, inversamente, fonte <strong>de</strong><br />

orgulho e <strong>de</strong>terminação. Else dispõe-se a fornecer pormenores <strong>do</strong> lugar real on<strong>de</strong> o<br />

adultério ocorreu que se afastam da informação tímida contida no romance <strong>de</strong> Fontane.<br />

O lugar real que estabelece a ligação afectiva com Hartwich foi, na sua opinião crítica,<br />

propositadamente dissimula<strong>do</strong> pelo escritor: »Meine Erleichterung, daB Fontane nach<br />

Mecklenburg-Pommern verlegte, was <strong>do</strong>ch im Rheinland - ja: und auf <strong>de</strong>r Hasenhei<strong>de</strong><br />

sich abgespielt hatte« (EN, 25). A composição <strong>do</strong> espaço no romance <strong>de</strong>sviou<br />

geograficamente para o norte, na Pomerânia, o que, na realida<strong>de</strong>, aconteceu na região da<br />

Renânia. Semelhante transformação é consi<strong>de</strong>rada pela protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong><br />

Hochhuth como uma alteração ao mo<strong>de</strong>lo real, que ela própria preten<strong>de</strong> corrigir. A<br />

referência histórica no <strong>monólogo</strong> não coinci<strong>de</strong> com o espaço menciona<strong>do</strong> em >Effi<br />

Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 91<br />

intertexto da corte <strong>de</strong> Crampas a Effi no círculo <strong>de</strong> amigos <strong>do</strong> anfitrião Gieshúbler em<br />

Kessin (cf. EB, 159-170), a presença em Berlim <strong>do</strong>s amantes constitui novida<strong>de</strong>. A<br />

mudança <strong>do</strong> casal para Berlim não é sinónimo <strong>de</strong> fuga e fim da relação adúltera, mas<br />

sim <strong>de</strong> continuação da mesma. Do <strong>monólogo</strong> compreen<strong>de</strong>-se que a ligação afectiva ao<br />

amante levou Else a prolongar a sua vida dupla na capital (cf. EN, 38). Em Berlim, os<br />

<strong>de</strong>scui<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s jovens amantes aumentam consi<strong>de</strong>ravelmente à medida que se expõem<br />

socialmente:<br />

Und ais wir dann sogar blõd genug gewesen sind, in Berlin gemeinsam - und<br />

zu spãt - zu einem Souper zu erscheinen, auch mein Mann lãngst da, neben <strong>de</strong>n<br />

warten<strong>de</strong>n Gásten, sah er mit <strong>de</strong>r Hellsichtigkeit <strong>de</strong>s Betrogenen, dafi wir aus<br />

<strong>de</strong>m Bett kamen (EN, 38).<br />

Das palavras <strong>de</strong> Else conclui-se, pois, que não são unicamente as cartas que informam o<br />

mari<strong>do</strong> traí<strong>do</strong> da iminência <strong>de</strong> um flagrante <strong>de</strong>lito. As suspeitas <strong>do</strong> adultério são em<br />

Ar<strong>de</strong>nne anteriores e recaem sobre o convívio <strong>de</strong>spreocupa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s amantes em Berlim.<br />

Não se trata <strong>de</strong> uma relação esporádica como em >Effi Briest


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 92<br />

acaba quan<strong>do</strong> o casal von Innstetten se estabelece em Berlim. Fontane transforma, <strong>de</strong>ste<br />

mo<strong>do</strong>, o adultério num episódio <strong>de</strong> curta duração, sugerin<strong>do</strong>-o sem pormenores, na<br />

brevida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas linhas (cf. EB, 182), preferin<strong>do</strong> filtrar o seu conteú<strong>do</strong> pela<br />

sensibilida<strong>de</strong> programática da Verklárung, focan<strong>do</strong> a atenção nas consequências <strong>do</strong><br />

mesmo, no seio <strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>rismo da socieda<strong>de</strong> prussiana que retrata. A mudança<br />

espacial para Berlim é acompanhada <strong>de</strong> uma separação temporal <strong>de</strong> seis anos e meio,<br />

até à <strong>de</strong>scoberta aci<strong>de</strong>ntal por Innstetten <strong>do</strong>s indícios <strong>do</strong> adultério, no conteú<strong>do</strong> das<br />

cartas:<br />

Ais er das sagte, wand er <strong>de</strong>n roten Fa<strong>de</strong>n ab und lieG, wãhrend Johanna das<br />

Zimmer verlieB, <strong>de</strong>n ganzen Inhalt <strong>de</strong>s Pãckchens rasch durch die Finger<br />

gleiten. Nur zwei, drei Briefe waren adressiert: »An Frau Landrat von<br />

Innstetten.« Er erkannte jetzt auch die Handschrift; es war die <strong>de</strong>s Majors.<br />

Innstetten wuBte nichts von einer Korrespon<strong>de</strong>nz zwischen Crampas und Effi,<br />

und in seinem Kopfe begann sich ailes zu drehen (EB, 262).<br />

No romance fontaniano, o prolongamento temporal até à <strong>de</strong>scoberta da infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> no<br />

passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Effi é <strong>de</strong> máxima utilida<strong>de</strong> para uma discussão sobre o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> duelo e a<br />

radicalização das normas sociais. O distanciamento temporal confronta o leitor com a<br />

discussão sobre a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> semelhante acto violento e premedita<strong>do</strong> como o<br />

duelo. O diálogo com o amigo Wúllers<strong>do</strong>rf (cf. EB, 267) acentua ainda mais, como<br />

adiante se verá (cf. infra, 97-98), a encruzilhada no pensamento <strong>de</strong> Innstetten que,<br />

feri<strong>do</strong> pelo orgulho <strong>de</strong> mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelos preceitos <strong>de</strong> honra, é incapaz <strong>de</strong><br />

raciocinar objectivamente e <strong>de</strong> aceitar o adultério <strong>de</strong> Effi como um episódio fugaz,<br />

distante no tempo. O comportamento zeloso e normativo <strong>de</strong> Innstetten tem graves<br />

consequências, não só porque causa a morte <strong>de</strong> Crampas, mas porque interrompe o novo<br />

ciclo na vida <strong>do</strong> casal em Berlim, conduzin<strong>do</strong> a um isolamento progressivo <strong>de</strong> Effi que,<br />

sozinha, já não tem forças para viver (cf. infra, 94-95).<br />

Contrarian<strong>do</strong> o pu<strong>do</strong>r <strong>de</strong>scritivo <strong>do</strong> pretexto 15 , Else discorre com maior<br />

frontalida<strong>de</strong> sobre o adultério. Else acusa o escritor aparentemente <strong>de</strong> ser conserva<strong>do</strong>r e<br />

A este propósito Maria Teresa Oliveira explica que o adultério não surge explicitamente no romance fontaniano,<br />

mas constitui-se em alusões leves <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, das personagens ou nas reflexões da heroína sobre a sua própria culpa.<br />

Qualquer relato <strong>de</strong> cariz erótico era impensável pelo romancista alemão, pois consi<strong>de</strong>rava, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o programa<br />

<strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> pelo Realismo burguês, tais <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong>selegantes (cf. Oliveira, 2000: 293).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 93<br />

mesmo pouco <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong>, evitan<strong>do</strong> <strong>de</strong>screver toda e qualquer cena mais sensual da sua<br />

relação adúltera:<br />

Auch daB er je<strong>de</strong> erotische Szene vermei<strong>de</strong>t - persõnlich hat mich das<br />

unendlich erleichtert, aber mein Persõnliches ist ein mediokrer Gesichtspunkt,<br />

je<strong>de</strong>nfalls kein literarischer, fur Fontane nicht mitsprechend. Nur dreiBig Jahre<br />

spãter - was hãtte da <strong>de</strong>r Lady Chatterley-Lawrence aus unseren Bett-Mittagen<br />

gemacht... (EN, 52).<br />

Else compara Fontane com outros escritores seus contemporâneos, nomeia Gustave<br />

Flaubert 16 (1821-1880) ou o exemplo mais tardio <strong>de</strong> D. H. Lawrence 17 (1885-1930),<br />

para consi<strong>de</strong>rá-los justamente mais vanguardistas e livres no tratamento <strong>do</strong> motivo <strong>do</strong><br />

adultério. Contu<strong>do</strong>, a discrição <strong>de</strong> Fontane para com o acto em si alivia positivamente o<br />

<strong>de</strong>scontentamento da protagonista para com o escritor. No <strong>monólogo</strong>, são as<br />

consequências trágicas <strong>do</strong> mesmo e o <strong>de</strong>stino involuntário da personagem Effi que dão<br />

razão <strong>de</strong> ser ao seu discurso crítico. Else dá voz a um direito seu <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa que é nega<strong>do</strong><br />

a Effi no pretexto. Assume em pleno o papel <strong>de</strong> adúltera e não revela, como se viu,<br />

qualquer sentimento <strong>de</strong> arrependimento. Pelo contrário, Effi centra a culpa em si - ainda<br />

que não a sinta como verda<strong>de</strong>iramente sua -, e no jogo amoroso <strong>de</strong> mentiras que<br />

alimentou:<br />

»Und habe die Schuld auf meiner Seele«, wie<strong>de</strong>rholte sie. »Ja, da hab ich sie.<br />

Aber lastet sie auch auf meiner Seele? Nein. Und das ist es, warum ich vor mir<br />

selbst erschrecke. Was da lastet, das ist etwas ganz an<strong>de</strong>res - Angst,<br />

To<strong>de</strong>sangst und die ewige Furcht: es kommt <strong>do</strong>ch am En<strong>de</strong> noch an <strong>de</strong>n Tag.<br />

Und dann auBer <strong>de</strong>r Angst... Scham. Ich scháme mich. Aber wie ich nicht die<br />

rechte Reue habe, so hab ich auch nicht die rechte Scham. Ich scharne mich<br />

bloB von wegen <strong>de</strong>m ewigen Lug und Trug« (EB, 247/8).<br />

Este pequeno extracto <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> interior <strong>de</strong> Effi é ilustrativo das suas dúvidas e<br />

receios e nele se enfatiza, principalmente, a dimensão social. O peso da<br />

responsabilida<strong>de</strong> recai totalmente sobre a posição social <strong>de</strong> Effi. É o sentimento <strong>de</strong><br />

vergonha perante os outros que mais afecta a sua estabilida<strong>de</strong> emocional. O <strong>de</strong>sencontro<br />

16 Publica<strong>do</strong> em 1856, o romance >Madame Bovary< <strong>de</strong> Gustave Flaubert obteve um êxito sem prece<strong>de</strong>ntes, sen<strong>do</strong>,<br />

simultaneamente, persegui<strong>do</strong> judicialmente uma vez que consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um atenta<strong>do</strong> contra a moral pública.<br />

17 >Lady Chatterley's Lover< foi primeiro publica<strong>do</strong> por D.H. Lawrence em priva<strong>do</strong> em 1928, mas só em 1960,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um julgamento controverso, terá obti<strong>do</strong> autorização para ser publica<strong>do</strong> na Grã-Bretanha.


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 94<br />

das palavras Schuld, Scham e Angst reflectem, na opinião <strong>do</strong> crítico Miiller-Sei<strong>de</strong>l, um<br />

percurso interior <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>. Tu<strong>do</strong> o que Effí diz é novamente contradito, modifica<strong>do</strong><br />

e corrigi<strong>do</strong>. O seu me<strong>do</strong> renova-se e revela um outro me<strong>do</strong>, o da mentira, e o me<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

que a socieda<strong>de</strong> venha a <strong>de</strong>scobrir a sua falta 18 (cf. Múller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 369). A esta<br />

<strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> emocional <strong>de</strong> Effi, Else contrapõe no seu discurso a <strong>de</strong>fesa da sua condição<br />

<strong>de</strong> mulher adúltera (cf. EN, 38). O jogo <strong>de</strong> mentiras alimenta<strong>do</strong> pelo adultério fez parte<br />

<strong>do</strong> seu esforço individual em construir uma relação <strong>de</strong> amor verda<strong>de</strong>ira. Os rumores<br />

sobre a relação extra-matrimonial propagam-se, não <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> outra alternativa a Else<br />

que não o divórcio, um mecanismo legal que permite a sua libertação <strong>do</strong> jugo<br />

masculino, promoven<strong>do</strong>, oficialmente, a emancipação feminina.<br />

No romance <strong>de</strong> Fontane, Effi oferece apenas uma resistência momentânea e não<br />

mais <strong>do</strong> que verbal à pressão social. A exclusão, após a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> adultério pelo<br />

mari<strong>do</strong>, remete Effi para o silêncio <strong>de</strong> um recanto discreto em Berlim, que a<br />

marginaliza, mas, nesse mesmo espaço limita<strong>do</strong>, Effi goza o seu único momento <strong>de</strong><br />

distanciamento crítico, força<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>silusão <strong>do</strong> seu breve encontro com Annie. O<br />

capítulo trinta e <strong>do</strong>is <strong>de</strong>screve uma pequena casa mo<strong>de</strong>sta, que a heroína, na companhia<br />

fiel <strong>de</strong> Roswitha, ocupa na periferia <strong>de</strong> Berlim, e que resulta <strong>de</strong> um <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro esforço<br />

em sobreviver à exclusão (cf. EB, 294-309). Mas, nem mesmo gozan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa relativa<br />

in<strong>de</strong>pendência, lhe é permiti<strong>do</strong> o acesso a uma ocupação que a liberte <strong>do</strong> peso da sua<br />

condição <strong>de</strong> adúltera:<br />

»Nun siehst du, du weiBt es besser ais ich. Und in solchen Verein, wo man<br />

sich niitzlich machen kann, da mochte ich eintreten. Aber daran ist gar nicht zu<br />

<strong>de</strong>nken; die Damen nehmen mich nicht an und kõnnen es auch nicht. Und das<br />

ist das schrecklichste, daB einem die Welt so zu ist und daB es sich einem<br />

sogar verbietet, bei Gutem mit dabei zu sein. Ich kann nicht mal armen<br />

Kin<strong>de</strong>rn eine Nachhilfestun<strong>de</strong> geben...« (EB, 303).<br />

A resignação <strong>de</strong> Effi é forçada por factores externos, por uma or<strong>de</strong>m que impe<strong>de</strong> a<br />

mulher adúltera <strong>de</strong> encetar relações sociais, impon<strong>do</strong>-lhe um regime <strong>de</strong> celibato social e<br />

<strong>de</strong> isolamento. Ao revelar o trágico da situação <strong>de</strong> Effi, Fontane critica implicitamente a<br />

18 O dilema <strong>de</strong> Effi é caracteriza<strong>do</strong> por Múller-Sei<strong>de</strong>l <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>: »In solchen ÀuBerungen ist Effi das liebenwiirdige<br />

"Produkt" ihrer Umgebung. Ihre Gesellschaftlichkeit hat etwas Jugendliches und ihre Jugendlichkeit ist <strong>do</strong>ch<br />

zugleich gesellschaftlich bedingt. Alies hõrt sich sehr natiirlich an und ist <strong>do</strong>ch nicht urspriingliche Natur, son<strong>de</strong>m<br />

eine durch Gesellschaft beeinfluBte zweite Nature (Múller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 369).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 95<br />

condição submissa da mulher e a exploração a que está sujeita. Não são as reformas <strong>do</strong><br />

liberalismo económico nem os i<strong>de</strong>ais <strong>do</strong> socialismo que condicionam o comportamento<br />

<strong>de</strong> Effi, mas sim os códigos masculinos reinantes em socieda<strong>de</strong>, subjuga<strong>do</strong>res da mulher<br />

e instiga<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> pensamento misógino que, na filosofia, teve em<br />

Schopenhauer (1788-1860) o seu mais acérrimo <strong>de</strong>fensor. Todavia, Fontane não se<br />

que<strong>do</strong>u indiferente aos movimentos femininos e à questão da mulher 20 . Nas palavras <strong>de</strong><br />

Múller-Sei<strong>de</strong>l, a mulher não é unicamente conteú<strong>do</strong>, tema e motivo, ela assegura,<br />

através da sua posição no universo das personagens, a estrutura da narrativa, pois a ela<br />

cabe <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>do</strong>s esqueci<strong>do</strong>s e injustiça<strong>do</strong>s da História. As figuras<br />

femininas fontanianas encontram-se num esta<strong>do</strong> que se assemelha ao da escravidão,<br />

<strong>do</strong>minadas que estão pelos homens (cf. Mùller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 165). O retrato <strong>de</strong> Fontane<br />

é duro e trágico, mas fiel à situação reprimida da mulher no século <strong>de</strong>zanove.<br />

Submissão e resignação são atitu<strong>de</strong>s que atrofiam Effi e que são estimuladas pela<br />

socieda<strong>de</strong> prussiana envolvente.<br />

Comparativamente, o <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth procura ser mais objectivo na<br />

exploração <strong>do</strong> tema, optan<strong>do</strong> por um discurso livre, <strong>de</strong>smesura<strong>do</strong>, por vezes, violento. A<br />

Else <strong>de</strong> Hochhuth resiste à pressão social e integra o movimento crescente <strong>de</strong> mulheres<br />

que, no final <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zanove, lutam pelos seus direitos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>. No discurso<br />

crítico <strong>de</strong> Else é mais visível e mais acutilante a <strong>de</strong>núncia das condições femininas<br />

humilhantes, da total subalternização das mulheres no século <strong>de</strong>zanove:<br />

Es liegt an uns selber, dafi wir geschichtlich nicht mehr zum Zuge kommen, nie<br />

mehr, seit wir im 18. Jahrhun<strong>de</strong>rt Herrscherinnen gestellt haben. Die grofie<br />

Katharina hãtte sich geniert, ebenso wie Maria Theresia, von Mãnnern regiert<br />

zu wer<strong>de</strong>n, was seither Frauen so selbstverstàndlich fin<strong>de</strong>n, wie nur Subalterne<br />

es tun (EN, 48).<br />

Na sua liberda<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> escolha, Else concretiza alguns <strong>do</strong>s passos mais<br />

fundamentais <strong>do</strong> movimento liberta<strong>do</strong>r das mulheres. O seu testemunho dá expressão e<br />

Schoppenhauer é suficientemente explícito quanto às suas i<strong>de</strong>ias sobre a condição feminina, como bem ilustra na<br />

sua obra <strong>de</strong> 1851 >Parerga und Paralipomena


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 96<br />

forma ao apelo precursor <strong>de</strong> pensa<strong>do</strong>res como John Stuart Mill 21 (1806-1873) ou<br />

99<br />

August Bebei (1840-1913). O caminho individual e emancipa<strong>do</strong> que escolhe situa-a,<br />

precisamente, no pólo oposto ao <strong>de</strong> Effí. A sua resistência singular e emancipada<br />

contrasta directamente com a submissão e resignação em Effi.<br />

No <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth, a crítica da protagonista acaba sempre por recair no<br />

pretexto fontaniano e no <strong>de</strong>stino submisso a que Fontane entrega Effi. Else não<br />

reconhece no escritor prussiano a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>ra, nem lê em >Effi Briest< a<br />

dimensão revela<strong>do</strong>ra. As observações <strong>de</strong> Else em >Effis Nacht< apontam para a<br />

<strong>de</strong>svalorização que Fontane faz da sua vida e das suas conquistas como mulher<br />

emancipada. Fontane não é fiel à história real <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne. Effi é, afinal, uma<br />

concepção mo<strong>de</strong>lar, correspon<strong>de</strong> a um i<strong>de</strong>al plural <strong>de</strong> mulher que reúne escassas<br />

condições <strong>de</strong> verosimilhança com Else von Ar<strong>de</strong>nne. Hochhuth ignora, todavia, que o<br />

propósito <strong>de</strong> Fontane não era conceber uma personagem excepcional, mas, pelo<br />

contrário, como acentua Maria Manuela Delille a propósito <strong>do</strong> arrependimento final da<br />

heroína, cumprir com Effi o código <strong>de</strong> verosimilhança social e psicológico da mulher <strong>do</strong><br />

século <strong>de</strong>zanove (cf. Delille, 1987: 220).<br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne, contrariamente, resistiu ao escândalo social <strong>do</strong> adultério,<br />

sobreviveu ao divórcio e lutou pela sua in<strong>de</strong>pendência feminina <strong>de</strong> uma forma não<br />

muito comum, mas já possível nos finais <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zanove. Da mesma forma, os<br />

ataques veementes da protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> ao status quo vigente manifestam<br />

luci<strong>de</strong>z esclarecida. Não esquece, a título comprovativo, os trata<strong>do</strong>s negativos <strong>de</strong> alguns<br />

escritores e as i<strong>de</strong>ias preconceituosas que manifestam nos seus escritos: »Wie ergrimmt<br />

war ich gegen Flake, ais er uns Frauen tragisch nannte, weil wir Kopisten-Naturen<br />

seien« (EN, 49). Emancipada e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas essencialmente livre na sua<br />

consciência individual, é-lhe exigi<strong>do</strong> no <strong>monólogo</strong> que faça um esforço maior <strong>de</strong><br />

reflexão para além da sua história pessoal, que levante a voz contra a situação oprimida<br />

das mulheres, que teça consi<strong>de</strong>rações sobre o presente da guerra e que, assim, a culpa<br />

>The subjection of women< foi escrito por Mill em 1861 e publica<strong>do</strong> na Inglaterra em 1869. A tradução e<br />

publicação <strong>do</strong> livro na Alemanha no ano posterior retratam bem o seu impacto e importância na <strong>de</strong>núncia da sujeição<br />

das mulheres: »If she leaves her husband, she can take nothing with her, neither her children nor anything which is<br />

rightfully her own. If he chooses, he can compel her to return, by law, or by physical force« (On liberty and other<br />

Essays, 505).<br />

No seu livro >Die Frau und <strong>de</strong>r Sozialismus< (um fenómeno com 50 edições até 1910), August Bebei associa o<br />

movimento liberta<strong>do</strong>r das mulheres ao <strong>do</strong>s operários e explica: »Die Frau <strong>de</strong>r neuen Gesellschaft ist sozial und<br />

õkonomisch vollkommen unabhàngig, sie ist keinem Schein von Herrschaft und Ausbeutung mehr unterworfen, sie<br />

steht <strong>de</strong>m Manne ais Freie, Gleiche gegeniiber und ist Herrin ihrer Geschicke« (Die Frau und <strong>de</strong>r Sozialismus, 421 ).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 97<br />

pessoal pela morte <strong>do</strong> amante dê lugar a um expiar <strong>de</strong> culpa pessoal e colectivo pela<br />

morte <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> inocentes.<br />

4.2.5 O duelo<br />

Nas evocações da Else <strong>de</strong> Hochhuth tem maior visibilida<strong>de</strong> <strong>intertextual</strong> as<br />

referências ao episódio trágico <strong>do</strong> duelo. A primeira evocação <strong>do</strong> duelo no <strong>monólogo</strong><br />

surge aliada a uma citação dissimulada 23 <strong>do</strong> pretexto. É o primeiro momento <strong>de</strong><br />

<strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong> que surge no discurso <strong>de</strong> Else, logo após o romance ser nomea<strong>do</strong> pelo<br />

título e pelo texto secundário <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>: »Wozu das Ganze... -ach, uberhaupt nicht<br />

zu beantworten, die Frage: Wozu? AnmaBend, sie zu stellen« (cf. EN, 18). A citação é<br />

proferida num momento <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong> Else sobre os efeitos nefastos das guerras<br />

perpetradas pelos homens, a quem tu<strong>do</strong> é permiti<strong>do</strong>. Else recorda, numa referência<br />

histórica, a morte <strong>do</strong>s seus <strong>do</strong>is netos na Segunda Guerra Mundial e associa o acto<br />

indiscrimina<strong>do</strong> <strong>do</strong> uso das armas à violência masculina, em contraste com os esforços<br />

femininos para salvar vidas. Este ataque verbal à socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens, em particular<br />

aos generais e ao seu po<strong>de</strong>r bélico <strong>de</strong>strui<strong>do</strong>r, será recorrente ao longo <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong><br />

Else, como aliás comprovam passagens <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> já anteriormente interpretadas (cf.<br />

supra, 80).<br />

As palavras <strong>do</strong> amigo <strong>de</strong> Innstetten, o conselheiro Wiillers<strong>do</strong>rf, são citadas no<br />

intertexto num novo contexto e introduzem um primeiro momento <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong> Else<br />

sobre o acontecimento trágico <strong>do</strong> duelo (cf. EN, 18). Na narrativa <strong>de</strong> Fontane, a mesma<br />

questão: »wozu die ganze Geschichte?« (EB, 267), proferida por Wiillers<strong>do</strong>rf, enquadrase<br />

no diálogo <strong>de</strong>ste com Innstetten e coinci<strong>de</strong> com o momento que antecipa o duelo com<br />

Crampas. O foco central <strong>de</strong>ste diálogo é constituí<strong>do</strong> pela análise <strong>do</strong>s sentimentos e da<br />

motivação <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> <strong>de</strong> Effi. A reacção à pergunta no romance não se faz esperar, o<br />

porquê <strong>de</strong> Wiillers<strong>do</strong>rf exorta Innstetten a uma resposta que se revela complexa:<br />

Segun<strong>do</strong> Heinrich Plett, os marca<strong>do</strong>res da citação encontram-se por vezes pouco <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s no intertexto, sen<strong>do</strong> da<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> receptor <strong>de</strong>scortinar esses mesmos indica<strong>do</strong>res intertextuais (cf. Plett, 1991: 12).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 98<br />

»Wenn es so liegt, Innstetten, so frage ich, wozu die ganze Geschichte?«<br />

»Weil es trotz<strong>de</strong>m sein muB. Ich habe mir's hin und her iiberlegt. Man ist nicht<br />

bloB ein einzelner Mensch, man gehõrt einem Ganzen an, und auf das Ganze<br />

haben wir bestãndig Rucksicht zu nehmen, wir sind durchaus abhãngig von<br />

ihm« {EB, 267).<br />

Innstetten não po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r pelos seus próprios sentimentos, está preso a<br />

preconceitos molda<strong>do</strong>s exteriormente. Para Walter Mùller-Sei<strong>de</strong>l a socieda<strong>de</strong> dita o<br />

<strong>de</strong>stino das personagens <strong>do</strong> romance fontaniano, envolve-as, não permitin<strong>do</strong> que se<br />

libertem e gozem a sua humanida<strong>de</strong> (cf. Mùller-Sei<strong>de</strong>l, 1975: 370-372). A ausência <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>ira mágoa transforma o duelo numa luta em vão, numa autêntica farsa. São as<br />

consi<strong>de</strong>rações sociais que impelem Innstetten ao seu comportamento, o qual lhe é, por<br />

sua vez, adverso. Innstetten, ele próprio, se classifica como vítima no diálogo -<br />

"tyrannisieren<strong>de</strong>[s] Gesellschafts-Etwas" {EB, 268), saben<strong>do</strong> a priori que essa coisa<br />

social que o oprime não permite espaço para o amor ou para o perdão. O ser humano<br />

correspon<strong>de</strong> a um <strong>de</strong>stino traça<strong>do</strong> pelo universo social, que impe<strong>de</strong> a vivência <strong>de</strong><br />

sentimentos verda<strong>de</strong>iros. Innstetten é, neste senti<strong>do</strong>, atingi<strong>do</strong>, tal como Effí, pela tirania<br />

da socieda<strong>de</strong> envolvente. Apesar <strong>de</strong> não sentir verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança, o<br />

seu sentimento não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser ambivalente; pressiona<strong>do</strong> que está socialmente para<br />

cumprir as regras <strong>do</strong> jogo, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se em última instância pelo duelo. Anja Restenberger<br />

argumenta que, com a composição da história <strong>de</strong> Effi e Innstetten e pela caracterização<br />

<strong>do</strong>s seus motivos sociais e psicológicos, Fontane <strong>de</strong>monstra existir em >Effi Briest<<br />

uma relação causal entre as formas <strong>de</strong> controlo social <strong>do</strong>s indivíduos, i.e., <strong>do</strong>s seus<br />

impulsos e o contexto epocal, através <strong>do</strong>s rituais <strong>do</strong> casamento e <strong>do</strong> duelo. Ambos os<br />

mecanismos servem essencialmente para controlar a sexualida<strong>de</strong> da mulher nobre (cf.<br />

Restenberger, 2001:201).<br />

Na obra >Das Unbehagen in <strong>de</strong>r Kultur< (1930), Sigmund Freud estuda o antagonismo <strong>do</strong>s impulsos humanos -<br />

Eros e Tanatos, que se manifestam como libi<strong>do</strong> e agressão ou sexo e violência e que necessitam <strong>de</strong> ser sublima<strong>do</strong>s e<br />

controla<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> regras e leis que permitam uma convivência em comunida<strong>de</strong>: »Die Schicksalsfrage <strong>de</strong>r<br />

Menschenart scheint mir zu sein, ob und in welchem MaBe es ihrer Kulturentwicklung gelingen wird, <strong>de</strong>r Stõrung <strong>de</strong>s<br />

Zusammenlebens durch <strong>de</strong>n menschlichen Aggressions- und Selbstvernichtungstrieb Herr zu wer<strong>de</strong>n. In diesem<br />

Bezug verdient vielleicht gera<strong>de</strong> die gegenwãrtige Zeit ein beson<strong>de</strong>res Interesse. Die Menschen haben es jetzt in <strong>de</strong>r<br />

Beherrschung <strong>de</strong>r Naturkrãfte so weit gebracht, daB sie es mit <strong>de</strong>ren Hilfe leicht haben, einan<strong>de</strong>r bis auf <strong>de</strong>n letzten<br />

Mann auszurotten. Sie wissen das, daher ein gut Stuck ihrer gegenwãrtigen Unruhe, ihres Ungliicks, ihrer<br />

Ansgtstimmung. Und nun ist zu erwarten, dal3 die an<strong>de</strong>re <strong>de</strong>r bei<strong>de</strong>n "himmlischen Mãchte", <strong>de</strong>r ewige Eros, eine<br />

Anstrengung machen wird, um sich im Kampf mit seinem ebenso unsterblichen Gegner zu behaupten. Aber wer kann<br />

<strong>de</strong>n Erfolg und Ausgang voraussehen? (Das Unbehagen in <strong>de</strong>r Kultur, 108).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 99<br />

Ao <strong>de</strong>bater a polémica <strong>do</strong> duelo, o <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth prepara-se para<br />

contrariar o campo semântico <strong>do</strong> pretexto, sugerin<strong>do</strong> novas interpretações. Para Else, a<br />

explicação <strong>do</strong> comportamento hedion<strong>do</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> não se encerra no cumprimento <strong>de</strong><br />

premissas ditadas por um po<strong>de</strong>r superior. É contestada essa dimensão profética sugerida<br />

no romance fontaniano para o <strong>de</strong>stino das personagens:<br />

Absurd ist nur, aus <strong>de</strong>r Erfullung von Voraussagen <strong>de</strong>n FehlschluB zu ziehen,<br />

eine hõhere Macht habe voraus bestimmt. Nein! Hãtte mir jemand prophezeit,<br />

<strong>de</strong>r arme Hartwich wer<strong>de</strong> im Duell erschossen, dann hãtte das allein bewiesen,<br />

daB es Menschen gibt, die Zukunftiges voraussehen kõnnen; <strong>do</strong>ch wãre das<br />

keineswegs <strong>de</strong>r Beweis dafiir, daB dieser Tod im Duell von einem Gott<br />

gewollt, angeordnet wor<strong>de</strong>n ist... (EN, 21).<br />

A novida<strong>de</strong> no discurso da protagonista <strong>hochhuth</strong>iana está na habilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>sviar a<br />

questão <strong>do</strong> duelo para uma discussão mais contemporânea sobre a morte e o papel <strong>do</strong><br />

indivíduo. A morte <strong>de</strong> Hartwich está unida à morte <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vítimas inocentes na<br />

Segunda Guerra Mundial. O duelo que Else não conseguiu evitar porque conservou as<br />

cartas <strong>de</strong> Hartwich surge no seu pensamento associa<strong>do</strong> ao horror <strong>do</strong> holocausto, à<br />

<strong>de</strong>portação <strong>de</strong> amigos ju<strong>de</strong>us, como a viúva <strong>do</strong> pintor Liebermann que Else po<strong>de</strong>ria ter<br />

ajuda<strong>do</strong> a escon<strong>de</strong>r: »Wo war ich! Hãtte ich sie nicht verstecken mùssen?« (cf. EN, 76).<br />

Implicitamente Else tem presente o comportamento estereotipa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Innstetten,<br />

na forma como <strong>de</strong>screve o caso protagoniza<strong>do</strong> pelo seu mari<strong>do</strong>, como o aproxima por<br />

analogia <strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Fontane, mas, submeten<strong>do</strong> Ar<strong>de</strong>nne sempre à con<strong>de</strong>nação. A<br />

análise crítica <strong>do</strong> duelo torna-se mais incisiva, posteriormente no discurso, sen<strong>do</strong><br />

ofereci<strong>do</strong>s mais pormenores sobre a morte <strong>de</strong> Hartwich, permanecen<strong>do</strong>, todavia,<br />

Ar<strong>de</strong>nne como o alvo preferi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ataques <strong>de</strong> Else. A regra que mol<strong>do</strong>u o seu acto<br />

monstruoso é classificada pela palavra "Ehre" (cf. EN, 37). A perseguição <strong>do</strong> código <strong>de</strong><br />

honra , a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a este conceito eminentemente social conduziu Ar<strong>de</strong>nne <strong>do</strong> mesmo<br />

mo<strong>do</strong> que Innstetten ao extremo, à violência <strong>do</strong> seu acto premedita<strong>do</strong>. Innstetten<br />

O valor da honra era extremamente valoriza<strong>do</strong> por aqueles que <strong>de</strong>fendiam o código <strong>do</strong> duelo, como nos dá conta<br />

Walter Schafarschik no capítulo "Stimmen zur Duelldiskussion" da sua recolha <strong>do</strong>cumental sobre >Effi Bríest


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 100<br />

apercebe-se da injustiça <strong>do</strong> duelo e terá que viver para sempre com o peso na<br />

consciência por ter arruina<strong>do</strong> a sua vida matrimonial: »Und diese Komõdie muB ich nun<br />

fortsetzen und muB Effi wegschicken und sie ruinieren und mich mit...« {EB, 276).<br />

Fontane preten<strong>de</strong> assim <strong>de</strong>monstrar, com a inquietação no pensamento <strong>de</strong> Innstetten, a<br />

ambivalência <strong>do</strong> código militar prussiano que, ao impelir o mari<strong>do</strong> traí<strong>do</strong> a agir<br />

violentamente, não oferece, porém, quaisquer garantias <strong>de</strong> harmonia e paz interior. Um<br />

código <strong>de</strong> honra ambivalente porque, ao ser dita<strong>do</strong> pela ética militar, é um acto que<br />

restringe a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção <strong>de</strong> Innstetten, agravan<strong>do</strong> a sua instabilida<strong>de</strong> emocional e<br />

impedin<strong>do</strong> a reconciliação entre mari<strong>do</strong> e mulher. Else refere-se igualmente ao código<br />

<strong>de</strong> honra, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong>r até que Ar<strong>de</strong>nne tenha cumpri<strong>do</strong> os ditames sociais:<br />

Konnte mein Mann nicht honorieren, daB Hartwich nur in die Luft schol3!<br />

Honorieren im Wortsinne: ihn ehren, da <strong>do</strong>ch diese Mãnner-Narren von nichts<br />

so oft quasselten wie von «Ehre» -, ihn also ehren fur die GroBziigigkeit, nicht<br />

Gebrauch gemacht zu haben vom Vorteil <strong>de</strong>s ersten Schusses... Der blõ<strong>de</strong>n<br />

«Ehre», weiB Kaiser und Gott, war <strong>do</strong>ch genug getan durch die For<strong>de</strong>rung.<br />

Riten nicht von Menschen - nein: von Platzhirschen. Aber for<strong>de</strong>rn mufite<br />

Ar<strong>de</strong>nne ihn. (...) Er ware aus <strong>de</strong>m Generalstab gejagt wor<strong>de</strong>n, ware unser<br />

Verhãltnis aufgeflogen, ohne daB er Hartwich gefor<strong>de</strong>rt hãtte (EN, 37-38).<br />

No discurso não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> estar bem clara uma crítica à coacção social, aos<br />

condicionalismos impostos ao comportamento <strong>de</strong> Ar<strong>de</strong>nne pelo código <strong>de</strong> honra<br />

dissemina<strong>do</strong> entre oficiais e que <strong>de</strong>terminava para estes casos a confrontação <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />

feri<strong>do</strong> no seu orgulho com o amante em duelo. Mas há principalmente uma dimensão<br />

pessoal que põe em causa a tão citada honra. Else acusa Ar<strong>de</strong>nne <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

violência no duelo, sublinhan<strong>do</strong> como o mari<strong>do</strong> revelou um carácter vingativo e imoral<br />

quan<strong>do</strong> respon<strong>de</strong>u mortalmente ao tiro <strong>de</strong> Hartwich para o ar. Hochhuth não se queda,<br />

todavia, por esta referência e verda<strong>de</strong> histórica. O <strong>monólogo</strong> vai mais longe nas<br />

insinuações, procuran<strong>do</strong> estabelecer paralelismos com a história recente da Alemanha.<br />

Se o duelo era um imperativo <strong>do</strong> código <strong>de</strong> honra militar prussiano, sen<strong>do</strong> popular entre<br />

a classe <strong>do</strong>s oficiais, causan<strong>do</strong>, no caso pessoal <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne, a morte <strong>de</strong><br />

Hartwich, o mesmo conceito <strong>de</strong> honra impie<strong>do</strong>so e cruel foi prolonga<strong>do</strong> entre as hostes<br />

militares, no seio <strong>do</strong>s generais, eleva<strong>do</strong> pelo regime nazi ao estatuto <strong>de</strong> honra nacional,<br />

»Die Beseitigung <strong>de</strong>s Duells ist endlich eine sociale For<strong>de</strong>rung. Die Duelltheorie und die staatliche Privilegierung <strong>de</strong>r<br />

Duellanten bil<strong>de</strong>n die schreiendste sociale Ungerechtigkeit« (1897, apud Schafarschik, 1999: 164).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 101<br />

conduzin<strong>do</strong>, nas suas vagas <strong>de</strong> violência e agressivida<strong>de</strong> gratuita, a oligarquia militar ao<br />

extremo <strong>do</strong> mal durante a Segunda Guerra Mundial, <strong>de</strong>generan<strong>do</strong> na <strong>de</strong>portação em<br />

massa <strong>de</strong> civis (adversários políticos, incapacita<strong>do</strong>s, homossexuais, ju<strong>de</strong>us e outras<br />

minorias étnicas) para campos <strong>de</strong> concentração e extermínio.<br />

Visivelmente importante, o motivo <strong>do</strong> duelo no <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth<br />

constitui-se como peça fundamental da história pessoal <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nnne. A<br />

afirmação das verda<strong>de</strong>s a que o duelo se reporta conta com uma ajuda importante, i.e.,<br />

com as referências ao pretexto fontaniano, estabelecen<strong>do</strong> o <strong>monólogo</strong> comparações que<br />

visam <strong>de</strong>svalorizar o seu conteú<strong>do</strong> e valor semântico. O tratamento que Fontane <strong>de</strong>u ao<br />

motivo <strong>do</strong> duelo não coinci<strong>de</strong> com as recordações e as observações da Else <strong>de</strong><br />

Hochhuth. São postas em relevo no discurso <strong>de</strong> Else diferenças fundamentais que não<br />

dizem respeito somente à interacção das personagens, ao espaço e ao tempo <strong>de</strong>dica<strong>do</strong><br />

pela narrativa ao duelo, mas o próprio escritor Fontane é questiona<strong>do</strong> nas suas opções<br />

ficcionais. O <strong>monólogo</strong> assume o testemunho biográfico e com esse compromisso<br />

preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>stituir o romance <strong>de</strong> Fontane da sua <strong>de</strong>notação, reivindican<strong>do</strong> para si a<br />

dimensão realista <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne. São fornecidas algumas datas históricas que<br />

comprovam uma vez mais esse interesse pela vida pessoal da baronesa. Os números <strong>de</strong><br />

telefone utiliza<strong>do</strong>s por Else para comunicar ocasionalmente com o exterior posicionam<br />

o <strong>monólogo</strong> no seio da Segunda Guerra Mundial, mas, por outro la<strong>do</strong>, a informação<br />

extra <strong>de</strong>senvolvida logo a seguir em didascália confirma como esses mesmos números<br />

correspon<strong>de</strong>m ao ano <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne em 1853 e, igualmente,<br />

ao ano trágico <strong>do</strong> duelo em 1886: »Die angebliche Telefonnummer ist Elisabeths<br />

Geburtsjahr, die in Friedrichshafen das Duelljahr« (EN, 67). O texto secundário<br />

acompanha o <strong>monólogo</strong>, iluminan<strong>do</strong> as suas premissas, enfatizan<strong>do</strong> também a<br />

problemática <strong>do</strong> duelo, esclarecen<strong>do</strong> o leitor e confirman<strong>do</strong> na sua voz neutra e mais<br />

distanciada a veracida<strong>de</strong> das afirmações da protagonista.<br />

O outro la<strong>do</strong> da questão pren<strong>de</strong>-se para a Else <strong>de</strong> Hochhuth com a forma como o<br />

duelo entre o mari<strong>do</strong> e o amante aconteceu. Hartwich terá si<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> Else o primeiro<br />

a disparar, atiran<strong>do</strong> para o ar (cf. EN, 36). Os pormenores que surgem no <strong>monólogo</strong><br />

sobre o momento <strong>do</strong> duelo dão sinais <strong>de</strong> um distanciamento em relação ao passo<br />

equivalente no romance <strong>de</strong> Fontane. Else <strong>de</strong>sloca propositadamente as palavras<br />

proferidas por Effí, que reflectiam vergonha por uma culpa que não sentia no jogo


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 102<br />

adúltero com Crampas: »das bringt mich um, daP ich sie nicht habe« (EB, 248), e<br />

enquadra-as num novo contexto semântico que testemunha da inocência <strong>de</strong> Hartwich e<br />

da sua própria impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar o <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue e a morte <strong>do</strong><br />

amante: »Das bráchte mich um... daB ich <strong>do</strong>ch gewufit habe, gewufit haben mufi« (EN,<br />

36). Dos ecos <strong>do</strong> pretexto transparece já não uma culpa social, mas a culpa que Else <strong>de</strong><br />

Hochhuth sente pela morte <strong>de</strong> Hartwich. Uma culpa vivida mais intensamente no<br />

sofrimento da perda, na recordação repetida <strong>do</strong>s momentos finais da vida <strong>do</strong> amante. A<br />

morte <strong>de</strong> Hartwich não foi curta e breve, como o romance <strong>de</strong> Fontane testemunha nas<br />

linhas finais <strong>do</strong> capítulo vinte e oito (cf. EB, 274-275), mas sim penosa e prolongada<br />

por três dias:<br />

Er konnte Ar<strong>de</strong>nne tõten - hat das aber nie erwogen. Woher ich <strong>de</strong>ssen so<br />

sicher bin? Aus seinem letzten Satz: Liegt da mit BauchschuB, an <strong>de</strong>m er drei<br />

Tage spãter stirbt - klagt aber keineswegs <strong>de</strong>n sogenannten «Sieger» an,<br />

son<strong>de</strong>m entschuldigt sich bei ihm auch noch (EN, 37).<br />

A morte <strong>do</strong> amante não se resumiu aos três minutos <strong>de</strong>scritos no romance (cf. EB, 275),<br />

foi uma agonia que se esten<strong>de</strong>u por três dias e que incluiu ainda o gesto nobre <strong>de</strong> pedir<br />

perdão ao mari<strong>do</strong> traí<strong>do</strong>. A Else <strong>de</strong> Hochhuth interpreta as palavras imperceptíveis <strong>de</strong><br />

Crampas no romance fontaniano, "Wollen Sie..." (EB, 275), confere-lhes a nobreza <strong>de</strong><br />

Hartwich. O principal comentário crítico surge, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, nas páginas centrais <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong>, referin<strong>do</strong> a <strong>de</strong>scrição sucinta <strong>do</strong> duelo no romance <strong>de</strong> Fontane e que Else<br />

von Ar<strong>de</strong>nne analisa, concluin<strong>do</strong> da sua limitação e imprecisão factual. A <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong><br />

duelo, tal como é escrita por Fontane, é questionada na sua simplicida<strong>de</strong> excessiva:<br />

»Die Schusse fielen, Crampas stùrzte« (EN, 39). Ao fortalecer os laços intertextuais, a<br />

citação <strong>do</strong> duelo <strong>de</strong> >Effi Briest< vem em apoio <strong>do</strong>s comentários <strong>de</strong> Else. Mais uma vez,<br />

Fontane é acusa<strong>do</strong> <strong>de</strong> aligeirar o episódio e <strong>de</strong> não ser verda<strong>de</strong>iro na reposição <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos:<br />

-nein, nein, Fontane, so problemlos war's nicht\ «Crampas» schofi <strong>do</strong>ch gar<br />

nicht: Und warum haben Sie das nicht gesagt, wenn Sie sich schon unsre<br />

Geschichte aneigneten? Dichterische Freiheit ist eines - <strong>do</strong>ch Problematik, wo<br />

sie menschlich mõr<strong>de</strong>risch und peinlich wird, ja: schweinisch - einfach<br />

wegglãtten? (EN, 39-40).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nachí 103<br />

Omissão factual e liberda<strong>de</strong> poética são para a Else <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth as faltas<br />

capitais <strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Fontane. A protagonista insiste nos elementos ficcionais<br />

incluí<strong>do</strong>s pelo romancista e que <strong>de</strong>svirtuam, na sua opinião, a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fendida pelo<br />

seu <strong>monólogo</strong>. Na brevida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>scrição, Fontane 26 aponta o espaço <strong>do</strong> duelo como o<br />

local efectivo da morte <strong>de</strong> Crampas: »Auch das hat Fontane sich leicht gemacht, daB er<br />

Hartwich am Tatort, Untatort, sterben liefi« (EN, 84). Else constata que o sofrimento<br />

moribun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Hartwich não é contempla<strong>do</strong> pelo romance. Não é narrada a noite fatal, a<br />

noite em que os quatro filhos ficaram órfãos <strong>de</strong> seu pai, a noite em que a mulher <strong>de</strong><br />

Hartwich velou junto ao seu corpo moribun<strong>do</strong>:<br />

Erstaunlich, daB Fontane dieses <strong>do</strong>ch zweifellos dramatischste Moment ais<br />

Dichter einfach ubergeht! Diese letzte Nacht Hartwichs. (...) Dostojewski<br />

hãtte genau dies furchterlich ausgebeutet ais Erzãhler: Hartwichs letzte<br />

Nacht... 1st <strong>de</strong>shalb Fontanes Roman so gut ais Roman, weil er das Tragische,<br />

wo's grãfólich wird, ausspart? (EN, 52).<br />

A ocultação da última noite <strong>de</strong> Hartwich é, na opinião da Else <strong>de</strong> Hochhuth, uma opção<br />

errada <strong>de</strong> Fontane para o romance e que outros escritores como Dostojewski (1821-<br />

1881) utilizariam no seu potencial dramático. Tal como no tratamento <strong>do</strong> motivo <strong>do</strong><br />

adultério, Fontane <strong>de</strong>monstra ser parco em palavras na <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> momento trágico <strong>do</strong><br />

duelo e aquém <strong>do</strong> que outros escritores fariam com o mesmo episódio (cf. supra, 93).<br />

Posteriormente, será renovada essa mesma crítica na meta final <strong>do</strong> discurso, a par <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Else em ter consola<strong>do</strong> Hartwich, no seu leito <strong>de</strong> morte (cf. EN, 84-85). Em<br />

pensamento, Else supõe a <strong>do</strong>r profunda <strong>de</strong>ssas três noites próximas da morte, a solidão<br />

que terá assola<strong>do</strong> Hartwich nos momentos finais e tu<strong>do</strong> aquilo que ele teria dito e que<br />

ficou por dizer entre os <strong>do</strong>is: »Drei Tage sind lang, die Náchte noch lânger... und er war<br />

nicht bewufitlos...« (EN, 85).<br />

É o próprio Fontane a admitir numa carta a um conheci<strong>do</strong> a transposição que faz no romance <strong>do</strong> local on<strong>de</strong><br />

efectivamente o duelo aconteceu: »Es ist námlich eine wahre Geschichte, die sich hier zugetragen hat, nur in Ort und<br />

Namen alies transponiert. Das Duell fand in Bonn statt, nicht in <strong>de</strong>m rãtselvollen Kessin, <strong>de</strong>m ich die Szenerie von


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 104<br />

4.2.6 A morte<br />

O comprazimento na <strong>do</strong>r <strong>de</strong> Else permite a Hochhuth uma reflexão final sobre a<br />

morte, ou como acentua Restenberger, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma metafísica da morte,<br />

associan<strong>do</strong>, como tenho vin<strong>do</strong> a repetir, a tragédia pessoal na vida <strong>de</strong> Else à catástrofe<br />

nacional da Alemanha (cf. Restenberger, 2001: 256). Duas dimensões <strong>de</strong> morte, entre o<br />

passa<strong>do</strong> e o presente <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> que, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> caso pessoal <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne,<br />

convidam o leitor a reflectir sobre a tragédia <strong>do</strong>s números. As mortes sentenciadas pela<br />

Segunda Guerra Mundial não têm frequentemente rosto, são anónimas e, por isso, mais<br />

cruéis na sua indiferença e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>strui<strong>do</strong>r. São as mortes <strong>de</strong> milhares por <strong>de</strong>portação e<br />

extermínio, mas, igualmente, as mortes <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s na frente <strong>de</strong> batalha, as mortes <strong>de</strong><br />

milhares <strong>de</strong> civis por bombar<strong>de</strong>amentos e <strong>de</strong> que o <strong>monólogo</strong> é testemunho vivo.<br />

No entanto, a proximida<strong>de</strong> da morte para a Else <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> tem também um<br />

paralelismo notável com a morte que Effi sente estar próxima, no final <strong>do</strong> romance.<br />

Robert Atkins aponta <strong>do</strong>is momentos essenciais no <strong>monólogo</strong> que assinalam essa<br />

cumplicida<strong>de</strong> com o romance fontaniano: o princípio e o fim <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> (cf. Atkins,<br />

1999: 108-109). Else expressa dúvida e esperança simultâneas, quan<strong>do</strong> diz no início:<br />

»Und was dahinter ist, hinter <strong>de</strong>m Leben o<strong>de</strong>r was vor ihm war, ob etwas...« (EN, 18),<br />

concluin<strong>do</strong> no final: »Nichts, was <strong>de</strong>r Mensch weiB - daB er so vieles nicht weiB: láBt<br />

hoffen! Fortsein ist - wer weiB! - vermutlich auch ein Sein« (EN, 93) e este sentimento<br />

tem correspondência <strong>intertextual</strong> com o questionar febril <strong>de</strong> Effi:<br />

Ob wir <strong>do</strong>ch vielleicht von da oben stammen und, wenn es hier vorbei ist, in<br />

unsere himmlische Heimat zuriickkehren, zu <strong>de</strong>n Sternen oben o<strong>de</strong>r noch<br />

driiber hinaus! Ich weiB es nicht, ich will es auch nicht wissen, ich habe nur<br />

die Sehnsucht (EB, 332).<br />

Igualmente na confissão <strong>de</strong> Else: »Ich war, glaube ich, nie religiõs« (EN, 22), se fazem<br />

sentir ecos <strong>do</strong> pretexto e das palavras <strong>de</strong> Effi: »Ich war immer eine schwache Christin«<br />

(EB, 332). Atkins insiste em ver na incerteza religiosa <strong>de</strong> Else um prolongamento <strong>do</strong><br />

Swinemun<strong>de</strong> gegeben habe; Crampas war ein Gerichtsrat, Innstetten ist jetzt Oberst, Effi lebt noch, ganz in <strong>de</strong>r Nãhe<br />

von Berlin« (1924, apud Schafarschik, 1999: 110).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 105<br />

pesar <strong>de</strong> Effí e conclui serem ambas as personagens, neste agnosticismo, radicalmente<br />

diferentes da Else histórica, que encontrou conforto religioso nos seus últimos anos <strong>de</strong><br />

vida (cf. Atkins, 1999: 108-109).<br />

O final trágico <strong>do</strong> romance convida o <strong>monólogo</strong> a uma reflexão última e a um<br />

verda<strong>de</strong>iro tributo ao génio literário <strong>de</strong> Fontane. O adultério, que conduziu Effi a uma<br />

morte resignada, libertou, pelo contrário, Else <strong>do</strong> jugo masculino, conferin<strong>do</strong>-lhe<br />

responsabilida<strong>de</strong> e consciência individual. Todavia, longe <strong>de</strong> ser uma crítica, da<br />

evocação <strong>do</strong>s momentos finais <strong>do</strong> romance transparece simpatia e admiração da<br />

protagonista pela opção ficcional <strong>de</strong> Fontane. Em exercício <strong>intertextual</strong> intenso, Elsa<br />

cruza novamente o pretexto no seu discurso, evocan<strong>do</strong>, por citação, o círculo familiar da<br />

protagonista, os pais <strong>de</strong> Effi e a reflexão que exercem sobre o adultério da filha, sobre a<br />

culpa que os compromete como pais e educa<strong>do</strong>res: »Ach laB, Luise, das ist ein zu weites<br />

Feld« (EN, 87). Esta citação chave <strong>do</strong> final <strong>do</strong> romance fontaniano revela ser circular e<br />

recorrente. Há um paralelismo evi<strong>de</strong>nte que repete os passos utiliza<strong>do</strong>s na fase inicial <strong>do</strong><br />

seu discurso e a citação final:<br />

Da(3 er da, auf <strong>de</strong>r letzten Seite seiner , alies Nach<strong>de</strong>nken iibers Leben<br />

fast lãcherlich macht. Weil seine Luise Briest es ihrem Mann mit <strong>de</strong>n Worten<br />

verwehrt: Dazu reicht es bei dir <strong>do</strong>ch nicht! (Bei went reicht es?) Und <strong>de</strong>r alte<br />

Briest o<strong>de</strong>r Fontane, sie sind i<strong>de</strong>ntisch, stimmt <strong>de</strong>m ja auch und schliept wie<br />

immer «Ach, Luise, lap... das ist ein zu weites Feld.» ...<strong>de</strong>r Schock, als ich<br />

zuerst hõrte von diesem Roman (EN, 24-25).<br />

Denn was hãtten meine zwei Enkel-Junglinge o<strong>de</strong>r hier <strong>de</strong>r Junge, <strong>de</strong>r so<br />

vorbildlich Rúcksichtsvolle, verschul<strong>de</strong>t, daB sie fíelen? Ich aber, siebzig Jahre<br />

alter: wer<strong>de</strong> aufgehoben noch immer... noch immer! Wofur... Genau das hat<br />

<strong>de</strong>n Roman popular gemacht, dal3 Fontane solchen Fragen ausweicht, daB immer dann und <strong>do</strong>rt abbricht, wenn und wo an<strong>de</strong>re noch weitergehen,<br />

radikal wer<strong>de</strong>n... «Ach laG, Luise, das ist ein zu weites Feld.» Ich mupte sehr<br />

alt wer<strong>de</strong>n, um endlich einzusehen, dap diese Ausflucht moralisch ist, nãmlich<br />

auch Riicksichtnahme auf sich, auf an<strong>de</strong>re, ja sogar auf das Leben selbst.<br />

Antworten auf letzte Fragen... Sinngebung! Die, nein, kann uns das Leben<br />

nicht auch noch geben (EN, 87).<br />

O significa<strong>do</strong> vasto e ambíguo nas palavras <strong>do</strong> pai Briest, presente mais uma vez em<br />

citação, não é ignora<strong>do</strong> pela Else <strong>de</strong> Hochhuth. A protagonista elogia no final a<br />

contenção literária <strong>de</strong> Fontane, o propósito <strong>do</strong> escritor <strong>de</strong> se quedar apenas por<br />

sugestões. Nas palavras <strong>do</strong> pai Briest, Else <strong>de</strong>scobre não somente a ausência <strong>de</strong> mais


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 106<br />

significa<strong>do</strong>, mas omissão <strong>de</strong>liberada por respeito humano. A economia estética <strong>do</strong><br />

escritor e o facto da sua personagem se <strong>de</strong>mitir <strong>de</strong> tomar uma posição são as razões<br />

apontadas e que explicam, segun<strong>do</strong> ela, o corte inespera<strong>do</strong> no diálogo entre os pais <strong>de</strong><br />

Effi e o silêncio <strong>do</strong> senhor Briest. Fontane po<strong>de</strong>ria ter i<strong>do</strong>, porventura, mais longe neste<br />

momento privilegia<strong>do</strong> <strong>de</strong> comunicação com o leitor, mas seria <strong>de</strong>masia<strong>do</strong>. O apelo<br />

radical da nova protagonista, expressa<strong>do</strong> em "Sinngebung" (EN, 87), ultrapassa a<br />

dimensão textual <strong>do</strong> romance e o que ele po<strong>de</strong> semanticamente oferecer. Afinal, há<br />

respostas que nem a vida po<strong>de</strong> dar, como tão bem conclui Else: »Die, nein, kann uns das<br />

Leben nicht auch noch geben« (EN, 87). E se já no início <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> Else consi<strong>de</strong>ra<br />

apaziguante a recusa <strong>de</strong> dar um senti<strong>do</strong> último à vida: »Schõn, beruhigend, hilfreich<br />

auch ais Ausre<strong>de</strong>« (EN, 24), em citação, as palavras <strong>do</strong> velho Briest são, no enten<strong>de</strong>r da<br />

protagonista, inteligentes e contidas na sua <strong>de</strong>núncia moral. Else segue o exemplo da<br />

figura fontaniana, reveste-se <strong>de</strong> coragem moral, está disposta a falar sobre os rostos e os<br />

culpa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma guerra sempre omnipresente no <strong>monólogo</strong>.<br />

Nos passos finais <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> ecoam <strong>de</strong> novo as últimas palavras <strong>do</strong> romance<br />

fontaniano, as que o velho Briest proferiu: »Ach, Luise, lafi... das ist ein zu weites<br />

Feld« (EB, 337), numa citação transformada pelo discurso: »Wenn nicht, ach - laB das<br />

jetzt: Dieses Kaputtgemachtwer<strong>de</strong>n <strong>do</strong>ck die Verwandlung ist in eine an<strong>de</strong>re<br />

Existenzform« (EN, 92). São exteriorizações em tom <strong>de</strong> resignação, revela<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma<br />

impotência natural face a um rumo <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> da existência, a um <strong>de</strong>vir não<br />

programa<strong>do</strong> das coisas, revela<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> um enorme respeito pelos mistérios insondáveis<br />

da vida e da morte, mas são também palavras <strong>de</strong> esperança, na dúvida quase certeza, <strong>de</strong><br />

uma vida que se prolonga para lá da morte dan<strong>do</strong> um senti<strong>do</strong> à existência humana:<br />

»Nichts, was <strong>de</strong>r Mensch weip - da(3 er so vieles nicht weip: lá|3t hoffen! Fortsein ist -<br />

wer weip! - vermutlich auch ein Sein. Nicht - nichts« (EN, 93). As reflexões prolongam<br />

o pesar <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne pela morte <strong>do</strong> jovem solda<strong>do</strong>, pelas marcas profundas <strong>de</strong><br />

um tempo que não se po<strong>de</strong>m apagar. Não surpreen<strong>de</strong>, pois, que haja uma pequena<br />

intervenção da rubrica cénica para completar o raciocínio <strong>de</strong> Else, com a evocação <strong>do</strong>s<br />

pais <strong>do</strong> solda<strong>do</strong>, em paralelismo com a cena final <strong>de</strong> >Effi Briest< e o diálogo resigna<strong>do</strong><br />

entre os pais <strong>de</strong> Effi:


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 107<br />

Das tut sie. Sie spricht nicht mehr, bald aber sieht man ihr zu - sie zieht ihren<br />

Mantel aus -, wie sie <strong>de</strong>n Gestorbenen so «versorgt», dafi <strong>de</strong>ssen Eltern -<br />

wenn sie beim Hellwer<strong>de</strong>n eintreffen - ihn rasiert und gewaschen vorfin<strong>de</strong>n.<br />

Sie bemiiht sich um ihn, wàhrend die Musik spielt, die Golo Mann sich<br />

wãhrend seines Sterbens am 7. April 1994 gewiinscht hat: Lortzings<br />

, das Lied von <strong>de</strong>r unerfiillten Liebe (EN, 93).<br />

A didascália acaba por ser um tributo ao historia<strong>do</strong>r e escritor, prémio Nobel, Golo<br />

Mann (1909-1994), filho <strong>de</strong> Thomas Mann, e à herança que Hochhuth sente ser sua,<br />

pelo <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> escritor em recordar o passa<strong>do</strong>, as casualida<strong>de</strong>s da História que estão<br />

esquecidas e que não foram <strong>de</strong>vidamente esclarecidas. E, assim, os mesmos<br />

substantivos que, segun<strong>do</strong> Joachim Fest, <strong>de</strong>finem a obra e o historia<strong>do</strong>r Golo Mann, i.e.,<br />

a mágoa no tempo, o <strong>de</strong>sdém pelos erros humanos, pela mediocrida<strong>de</strong> e pela gritaria em<br />

tom <strong>de</strong> reivindicação <strong>de</strong> direitos adquiri<strong>do</strong>s (cf. Fest, 1992: 135), po<strong>de</strong>m ser aplica<strong>do</strong>s<br />

ao dramaturgo, são <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> partilha<strong>do</strong>s pela visão histórica <strong>de</strong> Hochhuth. Uma<br />

tristeza profunda pelos homens serem como são, tão propensos ao fracasso como ao<br />

sucesso . Com a referência a Golo Mann e à data <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>saparecimento em 7 <strong>de</strong><br />

Abril <strong>de</strong> 1994, a homenagem <strong>de</strong> Hochhuth completa-se com um breve apontamento<br />

sobre a escolha musical <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r para a sua cerimónia fúnebre: a ópera<br />

no<br />

>Undine< <strong>de</strong> Albert Lortzing (1801-1851). A mesma ópera é utilizada por Hochhuth<br />

como pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> cénico para os passos finais <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>. As indicações sugeridas<br />

em didascália apelam a uma curta reprodução em palco da ópera. Simbolicamente, o<br />

momento final é para Else a celebração íntima e pessoal <strong>do</strong> funeral <strong>do</strong> jovem solda<strong>do</strong>,<br />

mas é, afinal, também a evocação da sua história trágica, que apesar da longevida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vida e <strong>de</strong> todas as conquistas como mulher emancipada, é uma história como a da ninfa<br />

Undine ou como a <strong>de</strong> Effi, <strong>de</strong> amor não realiza<strong>do</strong>, e uma história que testemunha em<br />

primeiro lugar a história trágica da nação alemã.<br />

" Em >Deutsche Geschichte <strong>de</strong>s 19. und 20. Jahrhun<strong>de</strong>rts< (1958), Golo Mann constata essa verda<strong>de</strong> irredutível da<br />

história <strong>do</strong> povo alemão: »Man hat mit <strong>de</strong>r moralischen Láuterung <strong>de</strong>r Nation gerechnet, aber damit ist es bei alien<br />

Nationen eine unsichere Sache. Die Struktur <strong>de</strong>r Gesellschaft hat sich geãn<strong>de</strong>rt; ob auch die tiefsten Charakterziige,<br />

wer kann es wissen? Was <strong>de</strong>n <strong>de</strong>utschen Charakter seit hun<strong>de</strong>rt Jahren bezeichnete, war seine Ungeformtheit, seine<br />

Unberechenbarkeit. Er konnte einmal hochverniinftig und friedlich erscheinen; und dann wie<strong>de</strong>r, plótzlich, ganz<br />

an<strong>de</strong>rs. Friedrich Nietzsche hat vom »Tauschevolk« gesprochen« (Deutsche Geschichte, 1045).<br />

28 Levada a cena pela primeira vez em Mag<strong>de</strong>burg no ano <strong>de</strong> 1845, >Undine< é uma ópera romântica, baseada no<br />

libretto <strong>de</strong> Friedrich <strong>de</strong> la Motte-Fouqué, que narra a história <strong>do</strong> amor impossível entre Undine, musa <strong>de</strong> um lago,<br />

filha a<strong>do</strong>ptiva <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> pesca<strong>do</strong>res, e Hugo von Ringstetten, jovem cavaleiro da corte.


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 108<br />

4.2.7 As referências a Fontane<br />

A necessida<strong>de</strong> que Else <strong>de</strong> Hochhuth evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> aludir permanentemente ao<br />

pretexto fontaniano completa-se com referências várias ao escritor Fontane e com<br />

incursões na sua vida pública e privada. O jogo <strong>intertextual</strong> ganha um novo interesse no<br />

<strong>monólogo</strong> com as referências específicas ao autor <strong>do</strong> romance , à sua vida social e<br />

cultural, aos acontecimentos que <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> influenciaram a escrita <strong>de</strong> >Effi<br />

BriestEffi Briest< por parte da Else <strong>de</strong> Hochhuth<br />

preten<strong>de</strong>m revelar pormenores da sua vida e <strong>do</strong>s seus escritos, não só <strong>do</strong>s seus textos<br />

literários, mas também <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> cartas, crónicas e artigos <strong>do</strong> escritor. Um<br />

discurso atento, anima<strong>do</strong> por uma referencialida<strong>de</strong> que reforça, quer pela inclusão<br />

sistemática <strong>de</strong> citações fontanianas, quer pelo recurso a comentários e críticas<br />

complementares, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Else como a legítima representante da baronesa<br />

Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne, em confronto com o romance que a sua história inspirou.<br />

A Else <strong>de</strong> Hochhuth <strong>de</strong>nota, como foi anteriormente referi<strong>do</strong> neste <strong>estu<strong>do</strong></strong> (cf.<br />

supra, 26), ser uma boa conhece<strong>do</strong>ra da biografia <strong>de</strong> Fontane. Comecemos por notar<br />

como a ida<strong>de</strong> avançada <strong>de</strong> Fontane o aproxima <strong>de</strong> Else, também ela i<strong>do</strong>sa, sen<strong>do</strong><br />

sinónimo em ambos <strong>de</strong> amadurecimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>. A protagonista <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong> faz questão <strong>de</strong> acompanhar o seu discurso com uma citação fontaniana que<br />

29 De acor<strong>do</strong> com U<strong>do</strong> Hebel, e como atrás mencionei já, os atributos históricos e sociais potenciam a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

referência das alusões para além <strong>do</strong> texto literário, permitin<strong>do</strong> outras associações e novos níveis <strong>de</strong> referência (cf.<br />

Hebel, 1991: 139).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 109<br />

ilustra bem a juventu<strong>de</strong> e o vigor intelectual <strong>do</strong> romancista: »DaB <strong>de</strong>r Sechzigjáhrige<br />

seinem Verleger schrieb: "Ich fange erst an. Nichts liegt hinter mir, ailes vor mir!"«<br />

(EN, 72), escreve Fontane, com sessenta anos, ao seu editor. A influência <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

biográficos sugere uma interferência sobre o intertexto com base na vida real <strong>do</strong> autor<br />

oitocentista, pois as palavras <strong>do</strong> romancista são <strong>de</strong>stacadas pela citação. Else nomeia<br />

<strong>de</strong>pois >Effi Briest< (cf. EN, 72), referin<strong>do</strong>-se ao facto <strong>de</strong> Fontane ter já setenta e cinco<br />

anos quan<strong>do</strong> escreveu este texto e ter, logo <strong>de</strong>pois, escrito o seu último romance >Der<br />

Stechlin< (1899). As referências permanentes à ida<strong>de</strong> madura <strong>de</strong> Fontane reflectem as<br />

próprias virtu<strong>de</strong>s que a Else <strong>de</strong> Hochhuth encontra na sua terceira ida<strong>de</strong> e fazem parte<br />

<strong>de</strong> uma reflexão sobre a velhice e o seu valor inestimável:<br />

Ob Fontanes Vorsatz mit sechzig, sein Wesentliches erst noch zu leisten,<br />

geholfen hat, tatsãchlich dazu alt genug zu wer<strong>de</strong>n? Und produktiv zu bleiben?<br />

Ja, das glaube ich! Was vorhaben muB man! Und man soil sich auch nicht<br />

dadurch entmutigen, dafi man einschrãnkt, man sei eben ja nicht eine solche<br />

Ausnahmegestalt wie Fontane. Sicher nicht. Doch fur sich selbst - ganz<br />

legitim - ist man eben <strong>do</strong>ch die Ausnahme (EN, 72).<br />

Else não se queda, todavia, pelas referências realmente comprováveis. Misturan<strong>do</strong><br />

realida<strong>de</strong> e ficção, ela fala <strong>de</strong> um pretenso encontro com o escritor, reivindican<strong>do</strong> para si<br />

o estatuto <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> crítica, conhece<strong>do</strong>ra participante <strong>do</strong> universo biográfico <strong>de</strong><br />

"3 A<br />

Fontane . A referência a esse encontro acontece bem a meio <strong>do</strong> discurso, surge no<br />

centro <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> e é recorda<strong>do</strong> pela protagonista com ressentimento (cf. EN, 41-42).<br />

Fontane não terá da<strong>do</strong> o tributo mereci<strong>do</strong> a quem contribuiu com a narração da sua<br />

história para o sucesso posterior <strong>do</strong> romance >Effi BriestLeben und Roman <strong>de</strong>r Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 110<br />

elegância física e os sessenta anos <strong>do</strong> escritor, distantes ainda da ida<strong>de</strong> madura que o<br />

consagrou como romancista. Na época, o público leitor conhecia Fontane pela sua<br />

poesia e essencialmente pela sua activida<strong>de</strong> como crítico <strong>de</strong> teatro no jornal Vossische<br />

Zeitung em Berlim, uma activida<strong>de</strong> tida como o seu ganha-pão e para a qual, como Else<br />

faz questão <strong>de</strong> transcrever e sublinhar, não teria na opinião generalizada da altura muita<br />

inclinação:<br />

Dal3 er auch Romane schrieb, wuGte kein Mensch; man kannte Fontane ais<br />

Theaterkritiker; da er stets mit Th.F. zeichnete, so sagten die Berliner: Theaterfremdling,<br />

von Theater vestehe <strong>de</strong>r Apotheker nichts. Doch muBte er ja von<br />

irgendwas leben, und so schrieb er Kritiken... (EN, 42).<br />

O realce que a protagonista dá à ida<strong>de</strong> tardia com que Fontane iniciou a sua aventura<br />

literária contrasta com o já referi<strong>do</strong> talento criativo juvenil <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> <strong>de</strong> Else, o oficial<br />

Ar<strong>de</strong>nne (cf. supra, 74): »Ar<strong>de</strong>nne hatte schon mit sechsundzwanzig die Geschichte <strong>de</strong>r<br />

Ziethenhusaren verõffentlicht...« (EN, 42).<br />

O sentimento crítico <strong>de</strong> Else em relação a Fontane leva-a a consi<strong>de</strong>rar pouco<br />

gentil o tratamento <strong>do</strong> escritor para com a sua pessoa. O <strong>monólogo</strong> refere como<br />

Fontane, ten<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> o casal Ar<strong>de</strong>nne em casa <strong>de</strong> amigos comuns (os Lessing),<br />

apenas se parece ter interessa<strong>do</strong> pelo mari<strong>do</strong>: »Da(3 er mit meinem Mann beim ersten<br />

Treffen, ais Ar<strong>de</strong>nne Tischherr von Frau Fontane war, so interessiert sprach« (EN, 43).<br />

Não guardan<strong>do</strong> qualquer imagem <strong>de</strong> Elisabeth, quan<strong>do</strong> mais tar<strong>de</strong> a transforma em<br />

protagonista <strong>do</strong> seu romance, vai <strong>de</strong>screvê-la não como ela era na realida<strong>de</strong>, mas<br />

inspiran<strong>do</strong>-se numa jovem metodista:<br />

Es waren ganz ersichtlich Dissenterkin<strong>de</strong>r, Methodisten. Das Màdchen war<br />

genau so geklei<strong>de</strong>t, wie ich Effí in <strong>de</strong>n allerersten und dann auch wie<strong>de</strong>r in <strong>de</strong>n<br />

allerletzten Kapiteln geschil<strong>de</strong>rt habe: Hãnger, blau und weiB gestreifter<br />

Kattun, Le<strong>de</strong>rgiirtel und Matrosenkragen. Ich glaube, dal3 ich fur meine Heldin<br />

keine bessere Erscheinung und Einkleidung fín<strong>de</strong>n konnte. 31<br />

' Excerto da carta <strong>de</strong> Fontane a Hans Hertz em 2 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1895 (cf. 1969, apud Schafarschik, 1999: 109).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 111<br />

No <strong>monólogo</strong>, os ecos da carta comprovam o gosto <strong>de</strong> Hochhuth pelo pormenor, pelo<br />

mais íntimo e pessoal, pelo <strong>do</strong>cumento biográfico e servem para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma maior<br />

proximida<strong>de</strong> ao mo<strong>de</strong>lo real:<br />

Ich scheine ais Person <strong>de</strong>m Dichter - war ja auch eine sehr junge Gans - gar<br />

keinen Eindruck gemacht zu haben, weil er mich nicht nur nie beschreibt in<br />

seinen vielen Briefen, immerhin die Titelfigur seines Hauptwerkes, son<strong>de</strong>m -<br />

schlimmer- sogar eine englische vierzehnjâhrige Methodistin, die er mit ihrem<br />

Bru<strong>de</strong>r auf <strong>de</strong>m groBen Balkon <strong>de</strong>s Zehnpfund-Hotels in Thaïe traf, <strong>de</strong>rart ais<br />

Vorbild seiner preist, daB er sogar vermutet, das Schicksal selber habe<br />

ihm diesen britischen Backfisch zugefuhrt... <strong>de</strong>r da an <strong>de</strong>r Brustung in <strong>de</strong>n<br />

Sonnenuntergang sah. Und wie sie angezogen war, so zieht Fontane mich an,<br />

auch noch in <strong>de</strong>n letzten Kapiteln <strong>de</strong>s Romans: Hãnger, blau und weiB<br />

gestreifter Kattun, Le<strong>de</strong>rgûrtel, Matrosenkragen (EN, 42-43).<br />

Os pormenores revela<strong>do</strong>s pela Else <strong>de</strong> Hochhuth sobre Fontane não se pren<strong>de</strong>m,<br />

todavia, unicamente com a concepção das suas personagens. Else sente-se lesada pelo<br />

tratamento indiferente <strong>do</strong> escritor para com a pretensa veracida<strong>de</strong> da sua figura, e<br />

algumas situações mais contraditórias conhecidas da vida pública <strong>do</strong> autor <strong>de</strong> >Effi<br />

Briest< servem à protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> para o pôr em causa e refutar a sua<br />

autorida<strong>de</strong>.<br />

A carta <strong>de</strong> Fontane a Hans Hertz contém no seu início outros elementos <strong>de</strong><br />

referência que são aponta<strong>do</strong>s pela crítica da Else <strong>de</strong> Hochhuth. A relação cúmplice <strong>do</strong><br />

escritor com os Lessing, uma família judia que acolhia igualmente a baronesa Elisabeth<br />

von Ar<strong>de</strong>nne e o seu mari<strong>do</strong> em anima<strong>do</strong>s serões, não <strong>de</strong>ixaria antever que Fontane<br />

tivesse no seu passa<strong>do</strong> partilha<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ias convencionalmente anti-semitas. Else trata <strong>de</strong><br />

explorar esta ambiguida<strong>de</strong> na vida <strong>do</strong> escritor oitocentista, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>screve o seu<br />

relacionamento próximo com alguns ju<strong>de</strong>us. No seu discurso relembra mais uma vez<br />

como eram justamente os ju<strong>de</strong>us que animavam culturalmente Berlim no final <strong>do</strong> século<br />

<strong>de</strong>zanove e como eram ironicamente os mesmos ju<strong>de</strong>us que suportavam<br />

financeiramente o escritor Fontane:<br />

Ruth Gay no seu <strong>estu<strong>do</strong></strong> sobre a emancipação judaica no Império alemão <strong>de</strong>staca a importância <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us no<br />

financiamento e animação cultural da socieda<strong>de</strong> alemã <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zanove: »Immerhin gelangten Ju<strong>de</strong>n in<br />

die freien Berufe, ais frei praktizieren<strong>de</strong> Àrzte o<strong>de</strong>r Anwãlte, o<strong>de</strong>r sie gingen ins Verlagsgewerbe, zum Journalismus<br />

o<strong>de</strong>r zum Theater, wo die gesellschaftlichen Konventionen weniger Kraft besaBen. Vor allem wur<strong>de</strong>n <strong>de</strong>utsche Ju<strong>de</strong>n<br />

von <strong>de</strong>r Hochkultur angezogen - als Abonnenten von Opern und Konzertreihen, ais biicherverschlingen<strong>de</strong> Leser <strong>de</strong>r<br />

zeitgenõssischen Literatur und Fõr<strong>de</strong>rer <strong>de</strong>r Kunste. In ihrem Privatleben nahm die <strong>de</strong>utsche Kultur einen ganz<br />

beson<strong>de</strong>ren Ehrenplatz ein« (Gay, 1997: 330-331).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 112<br />

Typisch, da(3 es ein jiidischer Salon war im damaligen Berlin, <strong>de</strong>r Literaten<br />

und Aristokraten zusammenfuhrte! Und nur eine jiidische Redaktion zahlte<br />

damais einem Fontane eine Pension, die ihm's Romane schreiben fïnanziert<br />

hat. Wer<strong>de</strong>n die Kin<strong>de</strong>r und Enkel von Emma Lessing, die uns damais oft<br />

eingela<strong>de</strong>n hat, gera<strong>de</strong> vergast? (EN, 44).<br />

A citação, logo nas primeiras páginas <strong>do</strong> discurso da Else <strong>de</strong> Hochhuth, <strong>de</strong> um<br />

comentário <strong>de</strong> Fontane: »so dafl Fontane selber noch schrieb, >die Ju<strong>de</strong>n fínanzieren<br />

unsre Kultur und wir Arier <strong>de</strong>n AntisemitismusDie Groeben, Bre<strong>do</strong>w, Har<strong>de</strong>nberg, Schlieben iiber alie hab'ich<br />

geschriebenWan<strong>de</strong>rungen< (1880), nas falas <strong>de</strong> Else, remete<br />

para o pensamento convencional <strong>de</strong> Fontane, mas também para a ironia com que ele<br />

próprio reconhece a sua situação. É lembrada a coragem poética <strong>de</strong> Fontane na <strong>de</strong>núncia<br />

<strong>do</strong> anti-semitismo, contrária ao convencionalismo que sempre o caracterizou.<br />

A a<strong>de</strong>são ao autor <strong>de</strong> >Effi Briest< é, no entanto, difícil, porque feita <strong>de</strong> avanços<br />

e recuos. Uma posição da Else <strong>de</strong> Hochhuth face a Fontane que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir por<br />

ambivalente. Veja-se como, nos momentos finais <strong>do</strong> seu discurso, a protagonista admite<br />

esses sentimentos antagónicos que, simultaneamente, a aproximam e a afastam <strong>do</strong><br />

escritor: »weil man sich unterhaltsam amusiert o<strong>de</strong>r ãrgert mit seinen Briefen« (EN, 91).<br />

Uma vez mais são as cartas <strong>de</strong> Fontane que Else activa no discurso para, a partir <strong>do</strong>s<br />

comentários que nelas encontra, reflectir existencialmente o presente. O mais curioso,<br />

nesta nova incursão para além <strong>do</strong>s limites intertextuais <strong>de</strong> >Effi Briest< e em direcção<br />

ao mun<strong>do</strong> referencial <strong>do</strong> escritor, é o facto da recordação particular da carta fontaniana


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 113<br />

ser motivada pelo corpo moribun<strong>do</strong> <strong>do</strong> solda<strong>do</strong> <strong>de</strong> quem Else cuida, nesta noite <strong>de</strong><br />

vigília. Tal ligação ao presente situacional <strong>do</strong> quarto escuro, sob a ameaça permanente<br />

da guerra, ao corpo mutila<strong>do</strong> <strong>do</strong> jovem, faz Else recordar as palavras que Fontane<br />

dirigiu ao seu editor e que estavam pensadas para o título original da sua novela<br />

>Schach von Wuthenow< (1882):<br />

Zum Beispiel <strong>de</strong>nke ich angesichts dieses Sterben<strong>de</strong>n an die schauerlichen drei<br />

Worte, die Fontane ais Titel fur seine Erzãhlung <br />

geplant hatte, <strong>do</strong>ch sein Verleger war zu human, diesen Titel anzunehmen.<br />

Fontane hatte lapidar vorgeschlagen: «Gezãhlt, gewogen, hinweggetan!»<br />

Unmenschlich! Macht Menschen zu Kehricht (EN, 91).<br />

As palavras <strong>de</strong> Fontane são inseridas num novo contexto e evocam agora a aniquilação<br />

<strong>do</strong> homem, a <strong>de</strong>struição maciça <strong>de</strong> vidas humanas, as pessoas tratadas como lixo, como<br />

simples números. Um discurso que salvaguarda, contu<strong>do</strong>, neste mesmo presente nada<br />

promissor, o essencial <strong>de</strong> cada ser humano, o valor único <strong>de</strong> cada vida humana. Else<br />

retoma, todavia, o pensamento <strong>de</strong> Fontane para encontrar nele traços menos meritórios,<br />

vestígios <strong>de</strong> intolerância e pouca compreensão. Referin<strong>do</strong>-se à época das invasões<br />

napoleónicas, a protagonista chama pela última vez o escritor ao seu <strong>monólogo</strong>. Os<br />

comentários <strong>de</strong> Fontane são pouco simpáticos para com a época histórica <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação<br />

francesa sobre Berlim e para com os homens <strong>de</strong>sse tempo: »mit <strong>de</strong>m Einzug <strong>de</strong>r<br />

Franzosen in Berlin, verurteilte Fontane sie ais nichtswurdig« (EN, 92). A falta <strong>de</strong><br />

compreensão <strong>de</strong> Fontane para com a história da própria cida<strong>de</strong> é corrigida pela Else <strong>de</strong><br />

Hochhuth, que faz questão <strong>de</strong> recordar o monumento das portas <strong>de</strong> Bran<strong>de</strong>nburg,<br />

construí<strong>do</strong> nessa altura, e <strong>de</strong> evocar, <strong>de</strong> igual mo<strong>do</strong>, a produção artística <strong>do</strong> pintor<br />

Caspar David Friedrich (1774-1840). O facto <strong>de</strong> Fontane resumir a época <strong>de</strong> Berlim sob<br />

a égi<strong>de</strong> napoleónica como <strong>de</strong>sonrosa e pouco importante escon<strong>de</strong> uma outra realida<strong>de</strong><br />

temporal mais próxima:


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 114<br />

Trotz<strong>de</strong>m hat Fontane sie so unmenschlich verworfen - wie immer Sõhne die<br />

Generation ihrer Vãter richten, beson<strong>de</strong>rs das, was an <strong>de</strong>r meist das Beste<br />

war... sogar Fontane also umgebungsblind. 1st <strong>do</strong>ch absurd: Nach Aufstieg<br />

o<strong>de</strong>r Absturz eines Staates die Menschen in ihm taxieren... sind <strong>do</strong>ch<br />

Menschen schlieBlich um ihrer selbst willen da - nicht nur ais Werkzeug ihres<br />

Zeitalters, das ihnen allenfalls wie diesem Jungen hier, wie meinen Enkeln das<br />

Leben Kaputtmacht... (EN, 92).<br />

Na realida<strong>de</strong>, a crítica <strong>de</strong> Else paira sobre to<strong>do</strong>s aqueles que resumem a Alemanha e os<br />

alemães ao esta<strong>do</strong> opressivo da ditadura nazi. Uma geração inteira sofre<strong>do</strong>ra mas que é<br />

i<strong>de</strong>ntificada pelo estigma nazi e pelo emblema monstruoso <strong>do</strong> regime. Fontane é<br />

acusa<strong>do</strong> <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong>, também ele, indiferente, "umgebungsblind" (EN, 92), insensível<br />

aos movimentos, às manifestações que o circundavam, mas o foco da atenção centra-se<br />

neste presente da guerra e numa geração que, por <strong>de</strong>ntro, sofre os horrores da opressão<br />

nazi.<br />

A inclusão no texto <strong>de</strong> comentários sobre Fontane <strong>do</strong> poeta Gottfried Benn<br />

(1886-1956) aponta também ela para uma certa ambiguida<strong>de</strong> valorativa <strong>do</strong> escritor<br />

oitocentista. Composto por um excerto <strong>de</strong> uma carta <strong>de</strong> Benn dirigida a um amigo, F.<br />

W. Oelze, o mote <strong>de</strong> >Effis Nacht< preten<strong>de</strong> lançar algumas pistas interpretativas ao<br />

leitor quanto à matriz i<strong>de</strong>ológica e à linha programática que orienta o <strong>monólogo</strong>. Não é<br />

em vão que Hochhuth escolhe o poeta expressionista para apresentar o seu texto<br />

dramático. Evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> no mote uma posição distanciada em relação a Fontane e à<br />

literatura <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, Benn <strong>de</strong>fine-a nas palavras que assume serem as <strong>de</strong> crítica a toda<br />

uma geração:<br />

Zuriickblicken und allein sein; alies noch einmal iiber<strong>de</strong>nken und dann mit<br />

seltsamen Erkenntnissen von dannen gehen. Keine Rechtfertigung vor<br />

irgendwas und vor irgendwem; keine Bestátigung, allerdings auch keine<br />

Unruhe mehr. Das also war es-? Gut, da!3 man es nicht wuBte! (EN, 6).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 115<br />

Contrariamente à literatura <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> que Fontane simboliza, os novos movimentos<br />

literários, Gottfried Benn ' e o expressionismo, procuram <strong>de</strong>nunciar e expor<br />

esteticamente as inquietações humanas, sem hesitações ou convencionalismos. Fome <strong>de</strong><br />

compreensão, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar e <strong>de</strong> pôr a nu tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> expressar cruelmente o<br />

trágico da morte, a inquietação na <strong>do</strong>ença e na miséria humana, em suma, uma literatura<br />

que é impelida pela consciência. Como força <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>ra, a consciência corre,<br />

todavia, o perigo <strong>de</strong> se distanciar da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> criar um mun<strong>do</strong> ausente, incapaz <strong>de</strong><br />

mudar o rumo <strong>do</strong>s acontecimentos, como se compreen<strong>de</strong> pelo restante conteú<strong>do</strong> da carta<br />

<strong>de</strong> Benn não transcrito no mote <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>:<br />

Ais Figuren dieses Ballets sitzen wir also da, funfzigjáhrig, resulta<strong>do</strong>s, und<br />

realisieren Geranienkãsten und "heben" eine Caféterrasse "ins Bewusstsein".<br />

Schallplattenklãnge, Musik daruber anfallsweise und verwehend, es sind<br />

Klãnge entlang an Strãn<strong>de</strong>n, erblickten Sommerfláchen, an Blumen einst. Das<br />

ist <strong>de</strong>r Herbst, aber er bricht uns nicht das Herz, uns brach das Bewusstsein, -<br />

und das ist mehr. Also weiter die Maske tragen, nie sie abnehmen, unsere<br />

Haltung, halb Rucksicht und halb Erkenntnis, verlangt, dass wir sie tragen, bis<br />

sie von selber fallt. 34<br />

A consciência é o único factor que motiva a escrita e é também ela que aproxima Benn<br />

<strong>de</strong> Hochhuth. Também o poeta expressionista manifesta profun<strong>do</strong> interesse pelo ser<br />

humano nas suas vicissitu<strong>de</strong>s e contradições, todavia, o ponto <strong>de</strong> partida não é histórico,<br />

dito por Oelze, mas antropológico. O fascínio pelo homem, que é visto como um ser em<br />

luta permanente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio da sua existência, não <strong>de</strong>scura a posição irremediável<br />

que o poeta <strong>de</strong>ve recriar: a <strong>do</strong> la<strong>do</strong> obscuro <strong>do</strong> ser humano, a posição enfraquecida das<br />

vítimas, o malogro e a <strong>de</strong>sgraça (cf. Oelze, 1965: 14-15).<br />

A data que regista a correspondência <strong>de</strong> Benn, 13 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1939, para além<br />

<strong>de</strong> ser útil referencialmente, ao permitir o posicionamento histórico <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong><br />

dramático, revela um sentimento <strong>de</strong> impotência e <strong>de</strong>sespero face aos acontecimentos<br />

externos, às portas <strong>de</strong> uma guerra sem prece<strong>de</strong>ntes. No excerto da carta cita<strong>do</strong> por<br />

" Para um <strong>estu<strong>do</strong></strong> mais aprofunda<strong>do</strong> <strong>do</strong> universo literário e da influência da literatura expressionista <strong>de</strong> Gottfried<br />

Benn vd. Bibliographisches Handbuch <strong>de</strong>r <strong>de</strong>utschen Literaturwissenschaft. 1945-1969/72; Bruno Hillebrand (1987)<br />

(Hrsg.), Uber Gottfried Benn. Kritische Stimmen 1957-1986; ou Fritz J. Raddatz (2003), Gottfried Benn. Leben -<br />

nie<strong>de</strong>rer Wahn. Eine Biographie. Ullstein Taschenbuchverlag.<br />

34 Excerto da carta <strong>de</strong> Gottfried Benn a F.W.Oelze em 13.08.1939 (cf. Gottfried Benn Briefe an F.W.Oelze 1932-<br />

1945, 216-218). Será utilizada a sigla GBB para excertos <strong>de</strong>sta carta.


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 116<br />

Hochhuth, Benn expressa claramente o clima reinante: »und dann sinken die Schatten«<br />

(GBB, 217). Este crepúsculo que envolve a nação alemã e o mun<strong>do</strong> é repetidamente<br />

anuncia<strong>do</strong> ao longo da carta: »Nie<strong>de</strong>rsinkend das Ganze, halb in einer Richtung, halb<br />

auch regungslos. (...) Nun wird es versinken. Mit ihm die innere Welt, die immer unklar<br />

war« (GBB, 217). A maior das tragédias afigura-se ser a própria aniquilação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

interior, a consciência humana. As sombras cobrem já um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

consciência, mascara<strong>do</strong> e aprisiona<strong>do</strong>. Esse tempo envolto em sombras ecoa no<br />

<strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Else e para a protagonista só as recordações <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mesmo que<br />

triviais e exageradamente embelezadas, consolam as privações e vicissitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

presente: »Dann sinkt sie einem rasch weg, die Gegenwart, vor <strong>de</strong>r sich verharlosend<br />

verschónern<strong>de</strong>n Vergangenheit, die <strong>de</strong>m, <strong>de</strong>r sie sich wirklich heraufholt in Gedanken,<br />

lebendiger wird, je langer sie schon begraben ist« (EN, 59). O entretenimento <strong>do</strong><br />

pensamento com o passa<strong>do</strong> não <strong>de</strong>ve ser visto como um refúgio, é, antes, um imperativo<br />

e é também sinónimo <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>: »Das ist nicht einmal eine Ausflucht; sich mit <strong>de</strong>r<br />

Vergangenheit zu unterhalten ist Treue zu <strong>de</strong>n fruheren Gestalten und Ereignissen...«<br />

(EN, 59). Assim, e regressan<strong>do</strong> à correspondência <strong>de</strong> Benn, o <strong>de</strong>sencanto com o<br />

presente, ensombra<strong>do</strong> pela opressão <strong>do</strong> regime e pela guerra, obriga a um exercício <strong>de</strong><br />

contenção e à inevitabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fingimento por uma questão <strong>de</strong> sobrevivência: »Also<br />

weiter die Maske tragen, nie sie abnehmen, unsere Haltung, halb Rúcksicht und halb<br />

Erkenntnis, verlangt, dass wir sie tragen, bis sie von selber fállt« (GBB, 218). Para a<br />

Else <strong>de</strong> Hochhuth, a lição <strong>de</strong> Benn está bem estudada, no seu <strong>monólogo</strong> reproduz-se,<br />

repetidamente, a única certeza das palavras <strong>do</strong> escritor, i.e., que a contenção e o respeito<br />

humano são antí<strong>do</strong>tos contra um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>r e sofrimento: »...Aber Rúcksicht, da<br />

habe ich Grofíes erlebt, wie Sterben<strong>de</strong> zum Beispiel ihren Angehõrigen ersparen zu<br />

lúgen...« (EN, 58).<br />

Se a sujeição à máscara <strong>do</strong> resguar<strong>do</strong> serve <strong>de</strong> protecção e <strong>de</strong> remédio contra as<br />

agressões da vida terrena, a mesma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contenção é vista pela protagonista<br />

<strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> como positiva e anestesiante na arte da escrita, nomeadamente, em<br />

Fontane, pois, revela, afinal, um escritor preocupa<strong>do</strong> com o efeito nefasto que as<br />

palavras po<strong>de</strong>rão ter no seio da socieda<strong>de</strong>:


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 117<br />

Doch ein Sommertag, <strong>de</strong>r erst schõn war, wenn er dann auch einen<br />

Hagelschlag am Nachmittag brachte, <strong>de</strong>r viel Reifes noch am Halm, am Baum<br />

vernichtet hat, wird ja auch nicht von uns dariiber verhõrt, warum er mit<br />

Unwetter en<strong>de</strong>te. Nein, das ist schon sehr gut, menschlich weise und<br />

kiinstlerisch sehr õkonomisch, dap 1 Fontane abbricht, bevor es ganz ernst wird.<br />

Was Benn ais nur plãsierlich ihm vorhielt, wird also gera<strong>de</strong> das sein, was<br />

Fontane ais Autor uberleben lápt (EN, 87).<br />

O mesmo pun<strong>do</strong>nor estético critica<strong>do</strong> pela Else <strong>de</strong> Hochhuth na configuração das<br />

personagens <strong>de</strong> >Effi BriesK, na adulteração ou omissão <strong>de</strong> factos da história real é<br />

agora enalteci<strong>do</strong> como traduzin<strong>do</strong> a essência e a universalida<strong>de</strong> da literatura fontaniana.<br />

A mestria <strong>do</strong> romancista no uso conti<strong>do</strong> da palavra, na sugestão esclarecida e no<br />

cuida<strong>do</strong> harmonioso oferecem o mesmo fascínio à protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> que a arte<br />

<strong>do</strong>s impressionistas, na sua leveza e espontaneida<strong>de</strong>. Nem toda as leituras têm que<br />

suportar o peso <strong>de</strong> uma literatura <strong>de</strong>smedida e sombria como a <strong>de</strong> Dostojewski ou a <strong>de</strong><br />

uma arte avassala<strong>do</strong>ra e intensa como a <strong>do</strong>s expressionistas. Progressivamente, o estilo<br />

humano e concilia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> escritor oitocentista vai conquistan<strong>do</strong> a simpatia da<br />

personagem <strong>de</strong> Hochhuth e os comentários menos abonatórios <strong>de</strong> Benn são postos em<br />

causa: »Ist Fontane gera<strong>de</strong> <strong>de</strong>shalb nur gefállig, wie Gottfried Benn ihm vorwirft?«<br />

(EN, 52). Todavia, no início <strong>do</strong> seu longo discurso, Else parece querer abrir espaço no<br />

universo da tradição literária ao enquadramento estético <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, sacrifican<strong>do</strong> o<br />

romance fontaniano, distorcen<strong>do</strong> o valor e o peso tremen<strong>do</strong> da sua representativida<strong>de</strong><br />

literária (cf. EN, 27). O discurso crítico da Else <strong>de</strong> Hochhuth começa por afírmar-se<br />

contra um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> convencionalismo enraiza<strong>do</strong> no romance <strong>de</strong> Fontane, utilizan<strong>do</strong><br />

para tal, o apoio expressionista <strong>de</strong> Benn, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma escrita sem limites ou<br />

condicionalismos e em prol da verda<strong>de</strong> histórica:<br />

Gottfried Benn, bevor ihn die Nazis durch Schreibverbot mundtot machten, hat<br />

genau dies Fontane angekrei<strong>de</strong>t: Zu gefállig... gefállig heifit beifállig. Benn<br />

beschimpft ihn sogar «plãsierlich». Hab's ausgeschnitten aus <strong>de</strong>r Zeitung und<br />

in gelegt, die Fontane zwar mit sympathie fiir mich schrieb, aber<br />

<strong>do</strong>ch in Úbereinstimmung mit <strong>de</strong>m Sittenko<strong>de</strong>x <strong>de</strong>s Zeitalters (EN, 27).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 118<br />

Else interpreta a afirmação diplomata <strong>de</strong> Benn, "zu gefállig", como sen<strong>do</strong> uma forma<br />

irónica <strong>de</strong> crítica aos cuida<strong>do</strong>s e pu<strong>do</strong>res da escrita <strong>de</strong> Fontane. Para a protagonista, a<br />

gentileza das palavras em >Effi Briest< revela aparentemente adaptação ao gosto <strong>do</strong><br />

público leitor, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o código convencional da época. Por outro la<strong>do</strong>, através<br />

<strong>do</strong> escritor prussiano, investiga-se toda uma era, sen<strong>do</strong> possível encontrar no passa<strong>do</strong><br />

contemporâneo <strong>de</strong> Fontane a génese <strong>do</strong> mal sofri<strong>do</strong> no presente e que o <strong>monólogo</strong><br />

preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>purar. A importância que a Else <strong>de</strong> Hochhuth dá ao comentário <strong>do</strong> poeta<br />

expressionista inci<strong>de</strong> ainda sobre a <strong>de</strong>núncia <strong>do</strong> regime nazi que silenciou a voz <strong>de</strong><br />

Benn. São essas duas coincidências que são esteticamente articuladas pelo <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong><br />

Hochhuth: Gottfried Benn não só interveio criticamente sobre Fontane como também<br />

foi vítima da opressão nazi 35 . As observações <strong>do</strong> discurso remetem continuamente para<br />

o tempo <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, i.e., a opressão da guerra e o nacional-socialismo. O poeta<br />

expressionista surge integra<strong>do</strong> no universo <strong>de</strong> intelectuais, na sua maioria dissi<strong>de</strong>ntes,<br />

que sofreram em diáspora ou em clausura a perseguição <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r. É<br />

apresenta<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> um exemplo individual <strong>de</strong> resistência, o digno representante <strong>de</strong><br />

uma literatura <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>ra das guerras e injustiças humanas. Hochhuth presta um<br />

tributo ao seu caso pessoal e ao <strong>de</strong> tantos outros, recordan<strong>do</strong>-os. A estranheza e o<br />

<strong>de</strong>sapego <strong>de</strong> Benn em relação às coisas terrenas e a sua opção por uma resistência<br />

silenciada, pela emigração interior, não foram compreendi<strong>do</strong>s por muitos que o<br />

acusaram <strong>de</strong> expressar na sua obra apenas afectos anti-humanitários e <strong>de</strong> alimentar um<br />

<strong>de</strong>sprezo aristocrático contra as massas (cf. Oelze, 1965: 16). As reacções mais<br />

polémicas em prol <strong>do</strong> nacional-socialismo ce<strong>do</strong> se <strong>de</strong>svaneceram e a oposição ao<br />

regime cresceria por <strong>de</strong>ntro, no refúgio liberta<strong>do</strong>r das palavras, na consolidação <strong>de</strong> uma<br />

obra que Benn apelidaria <strong>de</strong> império <strong>do</strong> espírito versus o império da nação. A<br />

resistência <strong>do</strong> escritor é mais um argumento contra os que reduzem um capítulo negro<br />

da história ao anonimato <strong>de</strong> uma guerra sem rostos, <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s e vítimas da Segunda<br />

Guerra Mundial, na sua maioria <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s.<br />

A referência a Fontane e ao seu universo literário, assumida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />

linhas <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>, não dispensa, como se viu, o recurso a diferentes autores que,<br />

como Benn, <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> expressaram a sua admiração ou repúdio pela obra e vida<br />

" Em 1971, na sua obra ensaística >Krieg und Klassenkrieg


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 119<br />

<strong>do</strong> escritor oitocentista. Else não nega a celebrida<strong>de</strong> e a autorida<strong>de</strong> literária <strong>de</strong> Fontane,<br />

mas o sucesso vin<strong>do</strong>uro da sua rival ficcional Effi <strong>de</strong>ve-se, segun<strong>do</strong> a personagem <strong>de</strong><br />

Hochhuth, muito ao entusiasmo <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> <strong>de</strong> outro vulto da literatura alemã - Thomas<br />

Mann (1875-1955).<br />

Assim, Else <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o ano <strong>de</strong> 1910 constitui um ponto <strong>de</strong> viragem no<br />

conhecimento literário da obra <strong>de</strong> Fontane. Else refere a publicação nessa data <strong>de</strong> um<br />

artigo <strong>de</strong> opinião <strong>de</strong> Thomas Mann 36 extremamente elogioso e cúmplice <strong>do</strong> romance<br />

>Effi Briest< <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane: »Seit wann eigentlich nimmt man Fontane literarisch<br />

ernst? Hat keiner getan, bevor Thomas Mann um 1910 festhielt, sei <strong>de</strong>r <strong>de</strong>utsche<br />

Roman seit « (EN, 45). Com ironia, a protagonista <strong>do</strong><br />

<strong>monólogo</strong> distancia-se da celebrida<strong>de</strong> proclamada por Thomas Mann para >Effi BriestEffi BriestDer StechlinDer alte Fontane< Thomas Mann enaltece a escrita <strong>de</strong> Fontane, estabelecen<strong>do</strong> o romance >Effi Briest< como<br />

o ponto máximo da revelação <strong>do</strong> talento <strong>do</strong> escritor: »Er ist ramponiert, das Leben liegt hinter ihm; und was er noch<br />

zu geben haben wird, sind lediglich achtzehn Ban<strong>de</strong>, von <strong>de</strong>nen bis zu >Effi Briest< hinauf einer immer besser ist ais<br />

<strong>de</strong>r an<strong>de</strong>re. (Der alie Fontane, 127). Thomas Mann publica ainda no jornal Berliner Tageblalt um outro artigo,<br />

>Anzeige eines Fontane-BnchesEffi Briest< em que afirma: »Eine Romanbibliothek <strong>de</strong>r rigorosesten Auswahl, und


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 120<br />

secundário, que valida o conhecimento biográfico <strong>de</strong> Else sobre Fontane, mas que,<br />

simultaneamente, enfraquece a qualida<strong>de</strong> crítica <strong>de</strong> Thomas Mann, <strong>de</strong>sconhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

para<strong>de</strong>iro e <strong>de</strong>sígnio da principal fonte biográfica <strong>do</strong> romance fontaniano, o seu mo<strong>de</strong>lo<br />

inspira<strong>do</strong>r, Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne:<br />

«Unfafilich!» kommentierte Thomas Mann: «Hat <strong>de</strong>n ais alter<br />

mil<strong>de</strong>r Mann in einem Winter geschrieben.» Am Vortag, am 29.11.1951, hatte<br />

Mann wie<strong>de</strong>r einmal Fontanes Briefe iiber gelesen und neun Wochen<br />

vor Elisabeths Tod, ahnungslos, dafi sie noch immer lebe - in seinem<br />

Tagebuch notiert: «Die lebte noch»... Thomas Mann dachte: Lebte<br />

noch, als Fontane ihre Geschichte schrieb... (EN, 72).<br />

Hochhuth <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma vez mais para a sua personagem a autenticida<strong>de</strong> ao referir o ano<br />

próximo da morte <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne em 1952 e ao assinalar as leituras fontanianas<br />

<strong>de</strong> Thomas Mann no ano anterior, em Novembro <strong>de</strong> 1951, mas que revelam total<br />

<strong>de</strong>sconhecimento da sobrevivência até àquela data <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne. É referida<br />

implicitamente a carta que Fontane escreveu a uma amiga", Marie Uhse, a quem o<br />

escritor revela a verosimilhança <strong>do</strong> seu romance com o caso real <strong>de</strong> adultério <strong>de</strong> que<br />

teve conhecimento. As impressões da carta <strong>de</strong> Fontane transparecem visivelmente <strong>do</strong><br />

apontamento <strong>de</strong> Thomas Mann, transcrito pela rubrica cénica, e acentuam, mais uma<br />

vez, o cariz <strong>do</strong>cumental e o fundamento histórico <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong>.<br />

Se é verda<strong>de</strong> que os elogios <strong>de</strong> Thomas Mann à produtivida<strong>de</strong> estética <strong>do</strong><br />

romancista, à sua longevida<strong>de</strong> e maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento o convertem em legítimo<br />

<strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane, po<strong>de</strong>r-se-á igualmente afirmar que a <strong>de</strong>sconfiança, com<br />

que é relegada no <strong>monólogo</strong> a opinião crítica <strong>de</strong> Mann, não afecta a universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Fontane mas assegura um percurso in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e livre para o <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth.<br />

Else acabará, no entanto, por prestar um justo tributo a Thomas Mann, a um <strong>do</strong>s<br />

escritores mais celebra<strong>do</strong>s da literatura alemã, ao seu primeiro romance e também o<br />

mais popular:<br />

beschránkte man sie auf ein Dutzend Bàn<strong>de</strong>, auf zehn, auf sechs,- sie diirfte >Effi Briest< nicht vermissen lassen«<br />

(1968, apuí/Schafarschik 1999, 131).<br />

37 A carta <strong>de</strong> Fontane data <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1895 e é dirigida a Marie Uhse: »Seien Sie schõnstens bedankt fur<br />

die mich hoch erfreuen<strong>de</strong>n freundlichen Worte, die Sie fur >Effi Briest< und fiir mich selbst gehabt haben. Es ist eine<br />

Geschichte nach <strong>de</strong>m Leben, und die Heldin lebt noch. Ich erschrecke mitunter bei <strong>de</strong>m Gedanken, dafi ihr das Buch<br />

- so relativ schmeichelhaft die Umgestaltung darin ist - zu Gesicht kommen kõnnte« (cf. 1910, apud Schafarschik,<br />

1999: 112).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 121<br />

Bedriicken<strong>de</strong>s liefern mir Krankenbetten genug, ich muP es nicht auch noch in<br />

<strong>de</strong>r Kunst aufsuchen. Ich fahre ja auch im Sommer lieber los, um <strong>de</strong>n Lago<br />

Maggiore zu sehen ais ein Schlachthaus. Aber wer in Deutschland einen<br />

Roman lobt, <strong>de</strong>r <strong>de</strong>n Leser nicht entmutigt auf <strong>de</strong>r Strecke lãpt, <strong>de</strong>r kriegt zu<br />

hõren: «nur» Unterhaltungsliteratur; obgleich keiner <strong>de</strong>finieren kann, wieso<br />

die unterhaltsamsten unsrer Romane, o<strong>de</strong>r ,<br />

nicht unter das Verdikt fallen, unterhaltsam zu sein (EN, 88).<br />

Contra cânones previamente estabeleci<strong>do</strong>s, ou contra a opinião crítica <strong>de</strong> alguns que<br />

ten<strong>de</strong>m a valorizar unicamente uma <strong>de</strong>nominada literatura séria, mais violenta e<br />

perturba<strong>do</strong>ra, a Else <strong>de</strong> Hochhuth reclama o direito a uma arte plural que sirva a sua<br />

principal função: a <strong>do</strong> entretenimento. Os exemplos que ilustra são património da<br />

literatura universal, segun<strong>do</strong> a protagonista, constitui um para<strong>do</strong>xo não consi<strong>de</strong>rá-los,<br />

justamente, agradáveis e simpáticos, cain<strong>do</strong> no termo "Unterhaltungsliteratur",<br />

<strong>de</strong>spreza<strong>do</strong> por alguma crítica, e lança o repto: quem será que não se regozija com as<br />

aventuras e <strong>de</strong>sventuras <strong>de</strong> Simplex Simplizissimus ou com a história das três gerações<br />

da família Bud<strong>de</strong>nbrook 38 ? Estas consi<strong>de</strong>rações da Else <strong>de</strong> Hochhuth são produzidas no<br />

seguimento <strong>de</strong> um elogio rasga<strong>do</strong> a Fontane e à sua concepção <strong>de</strong> literatura, à utilização<br />

<strong>de</strong>licada <strong>de</strong> um Realismo que não fere mas que convida à reflexão, persuadin<strong>do</strong> o<br />

público <strong>de</strong> outras leituras que não aquelas <strong>de</strong>dicadas às agruras e misérias humanas,<br />

como se constatou atrás, na apreciação <strong>de</strong> Gottfried Benn e <strong>do</strong> movimento<br />

expressionista.<br />

O conhecimento vasto e eclético <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da literatura faz <strong>de</strong>ste, tema<br />

preferencial no discurso esclareci<strong>do</strong> da personagem <strong>hochhuth</strong>iana. O universo <strong>do</strong>s livros<br />

parece ter a função primordial <strong>de</strong> ajudar a velha senhora a ocupar o tempo, na reduzida<br />

acção cénica, Else repete instintivamente o acto <strong>de</strong> procurar, abrir ou folhear um livro:<br />

»Sie schaut zuerst nach ihrem Patienten; sucht dann einen Moment im Regal Flakes<br />

Roman - lãBt es dann und setzt sich an <strong>de</strong>n Tisch« (EN, 16) ou, posteriormente, no<br />

<strong>monólogo</strong>: »Sie hat ihrer Handtasche einen schmalen gehefteten Gedichtband, so breit<br />

wie hoch, entnommen und liest, am FuBen<strong>de</strong> <strong>de</strong>s Bettes stehend, vor« (EN, 69). A<br />

leitura aparece na acção dramática aliada a outros movimentos naturais da personagem<br />

A Else <strong>de</strong> Hochhuth refere como exemplo <strong>de</strong> "Unterhaltungsliteratur" obras tão distantes no tempo como o<br />

Schelmenroman <strong>de</strong> Hans Jakob Christoph von Grimmelshausen (1625-1676), >Der abenteuerliche Simplicissimus<br />

Teutsch< (1668-1669), que conta as aventuras e os infortúnios <strong>de</strong> Simplex Simplizissimus, numa Europa <strong>de</strong>vastada<br />

pela guerra <strong>do</strong>s trinta anos, ou os >Bud<strong>de</strong>nbrooks< (1901), o primeiro romance e o mais popular <strong>de</strong> Thomas Mann.


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 122<br />

como o gesto <strong>de</strong> ouvir rádio, comer uma maçã, fazer tricô ou beber chá. Todavia, a<br />

leitura está também intimamente ligada ao pensamento, pois é essa a principal ocupação<br />

da protagonista e os autores que recorda ou que, propositadamente, activa no seu<br />

discurso fazem parte <strong>de</strong> uma selecção criteriosa <strong>de</strong> literatura: »Ein Komõdien-Dichter -<br />

ausgerechnet - schrieb; Name vergessen, aber ein Komodien-Dichter, das weip ich:<br />

«Nun ist ja <strong>de</strong>r Mensch an sich schon ein hinreichen<strong>de</strong>r Grund zur Traurigkeit.»<br />

Menan<strong>de</strong>r hie(3 er, ja, ein Rõmer« (EN, 57). São aqui claras as orientações da<br />

personagem, que sob o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong> Hochhuth, está disposta a encontrar na literatura a<br />

moral orienta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s seus passos e percurso longo <strong>de</strong> vida. Há nas leituras que a<br />

acompanham um fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que a fazem sofrer em consciência. A comédia<br />

humana, bem patente aqui o fascínio <strong>de</strong> Hochhuth pelos clássicos, no seu retrato <strong>de</strong><br />

guerra e aniquilamento, não traz gran<strong>de</strong>s razões para a esperança.<br />

Eis, porém, que à moral subjacente à literatura, ou às leituras com um propósito<br />

lúdico e distractivo se alia também uma função cultural, <strong>de</strong>stinada, primeiramente, a<br />

reforçar os argumentos metatextuais da baronesa, como profunda conhece<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />

universo particular <strong>de</strong> >Effi BriestEffi<br />

BriestHortense o<strong>de</strong>r die Rûckkehr nach Ba<strong>de</strong>n-Ba<strong>de</strong>n< (1933) no círculo restrito da literatura<br />

recomendável, reflecte a admiração por um escritor que o próprio Hochhuth aju<strong>do</strong>u a publicar e que, em >Effis<br />

Nacht


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 123<br />

injustamente no cliché <strong>de</strong> literatura menos digna, por tratar <strong>de</strong> coisas sérias numa arte<br />

mais subtil e agradável.<br />

Para Else, trata-se simplesmente <strong>de</strong> fazer justiça ao autor <strong>de</strong> >Effi Briest< que,<br />

apesar das omissões factuais e adaptações ao convencionalismo da época, elevou a<br />

história da baronesa à intemporalida<strong>de</strong>, ao contrário <strong>de</strong> Friedrich Spielhagen (1829-<br />

1911), um escritor bem menos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e limita<strong>do</strong> a uma esfera regional:<br />

Hartwich wird ais sentimentaler Trottel, ich ais das Hurchen gezeichnet, das<br />

nur lacht bei <strong>de</strong>m Wort Liebe. Sonst aber kann man nur noch staunen, daP zur<br />

gleichen Zeit, in <strong>de</strong>r Fontane unsre Geschichte erzãhlt, sie noch <strong>de</strong>m<br />

Spielhagen abgekauft wur<strong>de</strong>, <strong>de</strong>r sie so beleidigend primitive abschnurrte.<br />

Auch seine Briefe, in <strong>de</strong>nen er mich ausfragen wollte: ein Gerichtsreporter,<br />

keinDichter! (EN, 41).<br />

Na leitura <strong>do</strong> romance >Zum Zeitvertreib< (1896) <strong>de</strong> Spielhagen, a protagonista <strong>de</strong><br />

Hochhuth encontra futilida<strong>de</strong> em ambas as personagens principais <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> adúltero:<br />

Klotil<strong>de</strong> Sorbitz e Albrecht Winter. São da<strong>do</strong>s também outros pormenores da história,<br />

com uma atenção especial para o capítulo final, revela<strong>do</strong>r <strong>do</strong> carácter fraco da figura<br />

feminina, supostamente capaz <strong>de</strong> retratar a baronesa Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne, mas<br />

ridicularizada no seu casamento por conveniência, quan<strong>do</strong> obtém perdão <strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong><br />

traí<strong>do</strong> ou quan<strong>do</strong> humilha os sentimentos verda<strong>de</strong>iros da sua amiga Clara por Viktor<br />

von Sorbitz: »Wie er am En<strong>de</strong> seine "Heldin" ais gedankenlose Hure zeichnet, die <strong>de</strong>r<br />

Freundin ins Gesicht lacht, ais die vermutet, sie habe <strong>de</strong>n Mann <strong>do</strong>ch geliebt -<br />

empôrend!« (EN, 41). Na análise crítica <strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Spielhagen, Anja Restenberger<br />

vê, particularmente, na figura <strong>do</strong> professor Winter, um herói negativo e uma vítima não<br />

inocente <strong>do</strong>s caprichos <strong>de</strong> Klotil<strong>de</strong>. Como também confirma Else no seu discurso, o<br />

cómico da figura <strong>do</strong> amante resi<strong>de</strong> na sua superficialida<strong>de</strong>, numa vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong>smedida,<br />

orientada para objectivos vãos e para um reconhecimento unicamente social (cf.<br />

Restenberger, 2001: 86-87). A frontalida<strong>de</strong> com que o <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong> Hochhuth<br />

caracteriza igualmente a <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong> e frieza <strong>de</strong> Klotil<strong>de</strong> vem ao encontro da <strong>de</strong>scrição<br />

pertinente da investiga<strong>do</strong>ra, <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> uma mulher arrogante, pronta a manipular<br />

os outros, para satisfazer os seus caprichos e a sua monotonia. O relacionamento dura a<br />

inevitabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma semana e culmina com um duelo, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> os extremos <strong>de</strong>


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 124<br />

um la<strong>do</strong> egoísta, tanto em homens como em mulheres da classe nobre (cf. Restenberger,<br />

2001: 87). Nas duas páginas <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> <strong>de</strong>dicadas ao romance e ao seu autor,<br />

Hochhuth informa ainda o leitor/especta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> relativo esquecimento a que o livro foi<br />

entregue, para alívio da protagonista, bem como da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o encontrar em<br />

qualquer biblioteca (cf. EN, 40). O conhecimento <strong>de</strong> causa <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> po<strong>de</strong> ainda ser<br />

comprova<strong>do</strong> pela facilida<strong>de</strong> com que Else menciona a correspondência real da baronesa<br />

Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne com Spielhagen ou a <strong>de</strong>ste com Fontane 40 : »obgleich Fontane,<br />

damais viel weniger gelesen, ihm die Ehre antat, mit ihm zu korrespondieren úber<br />

unsere Geschichte« (EN, 41). Permanece, assim, <strong>de</strong>monstrada a apetência <strong>do</strong><br />

dramaturgo pelas fontes biográficas, o gosto pelo <strong>do</strong>cumento e a garantia da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> texto à verda<strong>de</strong> histórica.<br />

Todavia, a protagonista <strong>do</strong> <strong>monólogo</strong> não se queda apenas por um círculo <strong>de</strong><br />

influências, revelan<strong>do</strong> ser uma ávida leitora <strong>do</strong> romance que inspirou: »... in<br />

Sùd<strong>de</strong>utschland, zu meiner Erleichterung, kennt ihn heute noch keiner. Die lesen lieber<br />

Hesse o<strong>de</strong>r Wiechert; môchte wissen, ob Wiechert heraus ist aus <strong>de</strong>m KZ...« (EN, 45).<br />

De acor<strong>do</strong> com Else, o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>do</strong> trabalho literário <strong>de</strong> Fontane é ainda uma<br />

realida<strong>de</strong> no sul da Alemanha. O exemplo <strong>de</strong> Gottfried Benn, as referências a Hermann<br />

Hesse 4 ' (1877-1962), a Ernst Wiechert 42 (1887-1950) ou a Erich Kástner 43 (1899-1974)<br />

não têm por objectivo unicamente <strong>de</strong>svalorizar os elogios <strong>de</strong> Thomas Mann em relação<br />

a Fontane e à literatura <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas são sinónimo <strong>de</strong> uma literatura alternativa,<br />

incómoda, <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>ra e resistente, também sinal <strong>de</strong> tempos difíceis para o<br />

pensamento, restringi<strong>do</strong> na sua liberda<strong>de</strong> cria<strong>do</strong>ra.<br />

Numa carta datada <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1896, Spielhagen informa Fontane <strong>do</strong>s seus contactos com a baronesa<br />

Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne: »So hat sich <strong>de</strong>nn meine Vermutung vollauf bestátigt: wir haben bei<strong>de</strong> aus <strong>de</strong>rselben Quelle<br />

geschõpft. Nur dap Sie ihr von vornherein in <strong>de</strong>r Feme waren, die <strong>de</strong>m Poeten so giinstig ist; und ich mich in<br />

unbequemer Náhe befand. Das heipt: ich habe die personae dramatis wohl gekannt, weitaus am besten allerdings die<br />

Frau, mit <strong>de</strong>r ich sowohl vor ais nach <strong>de</strong>r Katastrophe in Korrespon<strong>de</strong>nz stand« (1969, apud Schafarschik, 1999: 93).<br />

Hermann Hesse parte para a Suiça em 1912 e da Suíça neutra observa a escalada <strong>de</strong> um nacionalismo exacerba<strong>do</strong> e<br />

fundamentalista na Alemanha, bem como o colapso <strong>do</strong>s valores intelectuais. Para um maior aprofundamento <strong>do</strong><br />

escritor e da sua obra vd. Schwarz, Egon: Hermann Hesse. In: Walter Hin<strong>de</strong>rer (Hrsg.), Literarische Profile.<br />

Deutsche Dichter von Grimmelshausen bis Brecht. Kõnigstein: Athenâum, 1982 pp. 287-299; Karalaschwili, Reso:<br />

Charakter und Weltbild. Studien. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main 1993; Baumer, Franz: Hermann Hesse.<br />

Volker Spiess, Berlin 1999.<br />

" Para um <strong>estu<strong>do</strong></strong> mais específico <strong>do</strong> universo literário <strong>de</strong> Ernst Wiechert vd. Reiner, Gui<strong>do</strong>: Ernst Wiechert heute.<br />

Fischer Verlag, Frankfurt am Main 1993.<br />

O romancista e poeta Erich Kástner sofreu igualmente as represálias <strong>do</strong> regime nazi, que proibiu e queimou os seus<br />

livros, em especial os poemas >Ein Mann gibt AuskunfK (1930), >Gesang zwischen <strong>de</strong>n Stuhlen< (1932) e o<br />

romance satírico >Fabian< (1931), on<strong>de</strong> Kástner con<strong>de</strong>na o militarismo e o fascismo. O escritor foi <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> pela<br />

primeira vez pela polícia secreta <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> (Gestapo) em 1933. A Else <strong>de</strong> Hochhuth comenta <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong> a resistência<br />

heróica <strong>do</strong> escritor: »obwohl er ais Hitlerjunge von Erich Kástner natûrlich nie ein Wort gehõrt haben kann, da<br />

verboten, unser witzigster Dichter seit Busch!« (EN, 69).


O <strong>monólogo</strong> dramático Effis Nacht 125<br />

A atenção especial dada a Ernst Wiechert pren<strong>de</strong>-se com duas razões principais,<br />

também elas ao serviço <strong>de</strong> uma influência referencial ainda mais abrangente: por um<br />

la<strong>do</strong>, o seu nome é homónimo e evoca um outro escritor passa<strong>do</strong>, o poeta prussiano e<br />

jurista Ernst Wichert (1831-1902) e, por outro, também ele terá si<strong>do</strong> vítima <strong>de</strong> repressão<br />

e terá sofri<strong>do</strong> pessoalmente ataques <strong>do</strong> regime nazi. O homónimo Ernst Wichert recebeu<br />

o entusiasmo crítico <strong>de</strong> Fontane nas páginas <strong>do</strong> Vossische Zeitung quan<strong>do</strong> a peça >Ein<br />

Schritt vom Wege< foi levada a palco em Berlim no ano <strong>de</strong> 1870. Em >Effi Briest< a<br />

mesma peça permite a Crampas continuar o seu jogo <strong>de</strong> sedução e merece <strong>de</strong> Innstetten<br />

o seguinte comentário: »Ja, Effi, das war ein hiibscher Abend. Ich habe mich amúsiert<br />

iiber das hubsche Stuck. Und <strong>de</strong>nke dir, <strong>de</strong>r Dichter ist ein Kammergerichtsrat,<br />

eigentlich kaum zu glauben. Und noch dazu aus Kõnigsberg« {EB, 163). O título da<br />

peça é também referi<strong>do</strong> pela Else <strong>de</strong> Hochhuth em mais uma incursão no universo <strong>do</strong><br />

romance (cf. EN, 46), logo após ter comenta<strong>do</strong> a situação aflitiva <strong>do</strong> escritor seu<br />

contemporâneo.<br />

Quan<strong>do</strong> Wiechert regressou <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> Buchenwald 44 , on<strong>de</strong><br />

permanecera durante <strong>do</strong>is meses em 1938, sujeitou-se até ao final da Guerra a uma<br />

vigilância apertada da Gestapo. Este exemplo <strong>de</strong> resistência interna é solidário com a<br />

oposição <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> Else von Ar<strong>de</strong>nne no <strong>monólogo</strong>. De notar ainda que as<br />

afinida<strong>de</strong>s entre to<strong>do</strong>s estes escritores referi<strong>do</strong>s por Else, e mesmo o próprio Hochhuth,<br />

se cruzam com o espaço-refúgio helvético, on<strong>de</strong> Hermann Hesse se refugiou <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1912, para on<strong>de</strong> Thomas Mann partiu em 1933 com a família, on<strong>de</strong> Ernst Wiechert<br />

<strong>de</strong>scansou durante os <strong>do</strong>is últimos anos da sua vida, <strong>de</strong> 1948 a 1950 e, finalmente, on<strong>de</strong><br />

Rolf Hochhuth vive ainda hoje.<br />

Em 1938 Ernst Wiechert foi con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a <strong>do</strong>is meses <strong>de</strong> prisão no campo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> Buchenwald por ter<br />

saí<strong>do</strong> em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> pastor dissi<strong>de</strong>nte Niemõller. Wiechert narra em >Der Totenwald< o que foi obriga<strong>do</strong> a observar:<br />

o trabalho força<strong>do</strong> até à exaustão, a alimentação <strong>de</strong>sumana, as sevícias e maus-tratos, a preocupação em sobreviver.<br />

Da gran<strong>de</strong>za humana partilhada pela <strong>do</strong>r e sofrimento <strong>do</strong>s seus colegas <strong>de</strong> campo, Wiechert assegurou a força e a<br />

resistência para vencer e sobreviver ao insuportável: »Denn was hier geschehen war, war nicht zwischen Mãnnern<br />

geschehen wie im Kriege. Es war nicht einmal zwischen Herren und Knechten geschehen, son<strong>de</strong>rn eben zwischen<br />

Henkem und Opfern. Es war nicht mit <strong>de</strong>m Anstand von Kãmpfen<strong>de</strong>n geschehen, <strong>de</strong>nn hier gab es keine<br />

Kãmpfen<strong>de</strong>n. Es gab nurdie Rache von Emporkõmmlingen und die Roheit von Schlãchtern« (Der Totenwald, 138).


Consi<strong>de</strong>rações finais 126<br />

5. Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

O exercício <strong>de</strong> memória sobre os acontecimentos históricos que ensombram o<br />

património colectivo <strong>do</strong> povo alemão e a história mundial no século vinte continua vivo<br />

sob a escrita <strong>de</strong> Rolf Hochhuth. >Effis Nacht< respon<strong>de</strong> fielmente ao compromisso<br />

histórico assumi<strong>do</strong> pelo escritor para o conjunto da sua obra literária. Entregue à forma<br />

monológica, o texto tira parti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> não accionai para articular a necessida<strong>de</strong><br />

informativa com uma propensão para o comentário e a crítica. O discurso da<br />

protagonista é prolonga<strong>do</strong> pelo texto secundário, <strong>de</strong> inclinação épica, reparti<strong>do</strong> entre a<br />

orientação cénica ou a preocupação com a visualização <strong>do</strong> espaço teatral ao encontro <strong>do</strong><br />

leitor/especta<strong>do</strong>r e o suporte esclarece<strong>do</strong>r, com raiz em fontes <strong>do</strong>cumentais. A<br />

informação histórica parece não <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> veicular a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s factos concretos,<br />

escolhi<strong>do</strong>s minuciosamente por Hochhuth para validar as afirmações da Else ficcional.<br />

Em >Effis Nacht< mantém-se assim inalterável o princípio que rege a escrita <strong>do</strong><br />

dramaturgo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> sessenta: dar voz a um passa<strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>nunciar,<br />

personalizar a culpa.<br />

Ontem e hoje, o interesse <strong>de</strong> Hochhuth pelos <strong>do</strong>cumentos resi<strong>de</strong> apenas no<br />

contributo verídico, no fundamento real, adjacente à liberda<strong>de</strong> poética a que o drama<br />

<strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer. O fim trágico da História, o irremediável ciclo perdi<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerras<br />

conduz a uma visão pessimista, nada receptiva ao entusiasmo utópico <strong>de</strong> tipo brechtiano<br />

ou marcusiano. Todavia, Hochhuth acredita no papel insubstituível <strong>do</strong> Homem e na<br />

liberda<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, capaz <strong>de</strong> contrariar o rumo <strong>do</strong>s acontecimentos. Os<br />

protagonistas <strong>do</strong>s seus dramas são seres <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma forte convicção moral, são<br />

heróis, no senti<strong>do</strong> clássico <strong>do</strong> termo, provi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma responsabilida<strong>de</strong> ética. Inspira<strong>do</strong><br />

pelo i<strong>de</strong>alismo <strong>de</strong> Kant e pelos dramas históricos <strong>de</strong> Schiller, Hochhuth está disposto a<br />

salvar a consciência humana, repon<strong>do</strong> a missão individual <strong>de</strong> cada um, pela crença no<br />

Homem enquanto ser moral.<br />

Else von Ar<strong>de</strong>nne foi o mo<strong>de</strong>lo real inspira<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s romances finisseculares,<br />

>Effi Briest< <strong>de</strong> Fontane e >Zum Zeitvertreib< <strong>de</strong> Spielhagen, antes <strong>de</strong> se transformar<br />

também na protagonista eleita por Hochhuth para a ficção <strong>do</strong> seu <strong>monólogo</strong> e <strong>de</strong> ver a<br />

sua história tratada em diferentes <strong>estu<strong>do</strong></strong>s biográficos. Todavia, o encontro com a


Consi<strong>de</strong>rações finais 127<br />

realida<strong>de</strong> serve apenas para assegurar ao drama uma pretensa objectivida<strong>de</strong> e não o<br />

alcance da verda<strong>de</strong> biográfica total. Não surpreen<strong>de</strong> que no <strong>monólogo</strong> não haja qualquer<br />

referência às biografias <strong>de</strong> Budjuhn ou Franke e que a importância seja dada<br />

exclusivamente aos registos <strong>do</strong> arquivo da família Ar<strong>de</strong>nne. Hochhuth não crê na<br />

verda<strong>de</strong> proclamada pelas biografias e é cuida<strong>do</strong>so na escolha das suas fontes<br />

<strong>do</strong>cumentais, preterin<strong>do</strong> as biografias por serem <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> subjectivas, sujeitas nada<br />

mais que a uma visão pessoal <strong>do</strong>s acontecimentos. O <strong>monólogo</strong> >Effis Nacht< <strong>de</strong>safia a<br />

veracida<strong>de</strong> proclamada pelas biografias, constrói uma complexa teia <strong>de</strong> implicações<br />

entre o que é real e o que é criação artística, iludin<strong>do</strong> o leitor e justifican<strong>do</strong> a falibilida<strong>de</strong><br />

biográfica.<br />

São esses elementos que o autor congrega num sugestivo jogo <strong>intertextual</strong>. Neste<br />

é da<strong>do</strong> especial relevo à comunicação literária com o romance >Effi Briest


Consi<strong>de</strong>rações finais 128<br />

com variadas personalida<strong>de</strong>s históricas e com os acontecimentos mundiais que teceram<br />

a história da humanida<strong>de</strong>.<br />

Os fragmentos da realida<strong>de</strong> estão ao serviço da ficção <strong>hochhuth</strong>iana que os<br />

manipula com o objectivo <strong>de</strong> assegurar para o <strong>monólogo</strong> o tratamento sui generis da<br />

temática preferencial <strong>do</strong> dramaturgo, a guerra e o <strong>de</strong>stino trágico <strong>do</strong> Homem nela.<br />

Assim, às referências a Fontane juntam-se alusões a outros escritores e pensa<strong>do</strong>res,<br />

numa fileira <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s que, entre elas, apresentam coincidências <strong>de</strong>terminantes:<br />

<strong>de</strong> um ou outro mo<strong>do</strong> pronunciaram-se sobre o escritor oitocentista e/ou tragicamente<br />

sofreram os horrores <strong>do</strong> regime nazi que os silenciou ou <strong>de</strong>portou. Mann, Benn,<br />

Wiechert ou Kástner são exemplos <strong>de</strong> uma resistência inconformada <strong>do</strong> pensamento que<br />

lutou contra a uniformização, contra a cultura da morte e da <strong>de</strong>struição. São recordadas<br />

também outras vítimas que Else conheceu ou terá pretensamente conheci<strong>do</strong>, os Lessing,<br />

os Herrmann ou os Liebermann que morreram nos campos <strong>de</strong> concentração ou ainda os<br />

netos da protagonista que sucumbiram nas frentes da guerra. São reflexões sobre a<br />

morte e o fim trágico <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> vidas inocentes, é o olhar crítico <strong>de</strong> uma<br />

personagem para o contínuo movimento <strong>de</strong> retorno na História a situações <strong>de</strong> conflito e<br />

é a meditação sobre o princípio da existência humana <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> razão, sem<br />

qualquer senti<strong>do</strong>. Num mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por forças <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ten<strong>de</strong>ncialmente<br />

agressivas e dispostas ao recurso à violência como meio para atingir fins estratégicos <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>minação e controlo, o discurso da protagonista reveste-se <strong>de</strong> coragem e assume a<br />

responsabilida<strong>de</strong> individual da <strong>de</strong>núncia. Em busca da perspectiva individual,<br />

estabelecen<strong>do</strong> a moral da sua literatura na consciência <strong>de</strong> cada indivíduo, para Rolf<br />

Hochhuth, o testemunho <strong>de</strong> Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne é precioso e insubstituível porque<br />

traduz uma visão muito pessoal <strong>de</strong> toda uma era: »Es gibt literarisch kein<br />

iiberzeugen<strong>de</strong>res Mittel, ais anhand eines langen Lebens das Zeitalter zu beleuchten,<br />

<strong>de</strong>ssen Zeuge dieser Mensch war« (W, 161).


Bibliografia 129<br />

6. Bibliografia<br />

6.1 Textos <strong>de</strong> Rolf Hochhuth<br />

Hochhuth, Rolf (2000), Der Stellvertreter. Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei<br />

Hamburg [1963].<br />

(1995), Soldaten. Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg [1967].<br />

(1967), Brief an Siegfried Melchinger. In: Zeitschrift Theater heute. Februar.<br />

(1970), Guerillas. Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg.<br />

(1971), Der alte Mythos vom «neuen» Menschen. In: Die Hebamme. Komõdie.<br />

Erzãhlungen. Gedichte. Essays. Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp.<br />

352-425.<br />

(1971), Soil das Theater die heutige Welt darstellen? Antworten aufFragen <strong>de</strong>r<br />

Zeitschrift >Theater heute


Bibliografia 130<br />

(1993), Rolf Hochhuth - Gespràch vom 25. Mãrz 1993. In: Gunter Gaus im<br />

Gespràch mit Christa Wolf, Rolf Hochhuth, Kurt Maetzig, Wolfgang Mattheuer,<br />

Jens Reich. Verlag Volk und Welt, Berlin, pp. 35-58.<br />

(1995), Julia o<strong>de</strong>r <strong>de</strong>r Weg zur Macht. Verlag Volk und Welt, Berlin [1994].<br />

( 1995), Mein letztes Gespràch mit Heiner Midler - Ùber das Berliner Ensemble.<br />

Ùber Brecht. Ùber Prozesse. Ùber <strong>de</strong>n Tod. In: Das Sonntagsblatt Nr.3. Kultur<br />

19. Januar.<br />

(1996), Wellen Artgenossen Zeitgenossen Hausgenossen. Rowohlt<br />

Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, April, pp. 11-37; 66-80; 159-161.<br />

(1997), Effis Nacht. Rowohlt Verlag GmbH, Reinbek bei Hamburg [1996].<br />

(1998), Wer weifi schon, daft die echte Effi Briest mit 80 radfahren lernte? In:<br />

Berliner Zeitung. Kultur 31. Oktober, p. 30.<br />

(2000), Pflicht zur Repràsentation. Moritz Schwarz / Thorsten Thaler (Hrsg.),<br />

Junge Freiheit Verlag, 43/20.10, www. Jungefreiheit.<strong>de</strong><br />

(2001), Die Geburt <strong>de</strong>r Tragedie aus <strong>de</strong>m Krieg. Frankfurter Poetikvorlesungen.<br />

Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main.<br />

(2001), Notizen zu Geschichtsschreibung. In: Der Tagesspiegel, Kultur, 1.04.<br />

(2001), Das Publikum ist nicht schuld. In: Putz, Gespràch mit Petra Gõrlich,<br />

06.07.<br />

6.2 Bibliografia crítica sobre Hochhuth<br />

Atkins, Robert (1999), Versions of Reality, Hochhuth's Effis Nacht, Fontane und<br />

Spielhagen. In: Steve Giles / Peter Graves (Eds), From Classical Sha<strong>de</strong>s to<br />

Vickers Victorious, Shifting Perspectives in British German Studies. Peter Lang<br />

AG, European Aca<strong>de</strong>mic Publishers, Bern, pp. 97-110.<br />

Bekes, Peter (1978), Dramaturgie <strong>de</strong>r Versõhnung. In: Rolf Hochhuth. Heinz Ludwig<br />

Arnold (Hrsg.), Text+Kritik, Zeitschrift fur Literatur, Heft 58, April, pp. 11-22.


Bibliografia 131<br />

(1991), Rolf Hochhuth. Das Kritische Lexikon zur <strong>de</strong>utsch-sprachigen<br />

Gegenwarts-literatur (KLG), Edition Text+Kritik, Munchen 1.04.<br />

Beth, Hanno (1978), Aus vollem Herz mit lauter Stimme. In: Heinz Ludwig Arnold<br />

(Hrsg.), Rolf Hochhuth. Text + Kritik, Zeitschrift fur Literatur - Heft 58,<br />

Mùnchen, April, pp. 51-56.<br />

Carl, Rolf-Peter (1971), Dokumentarisches<br />

Theater. In: Die <strong>de</strong>utsche Literatur <strong>de</strong>r<br />

Gegenwart. Manfred Durzak (Hrsg.), Philipp Reclam Jun. Stuttgart, pp. 99-127.<br />

Crãcium, Ioana (2000), Die Politisierung <strong>de</strong>s antiken Mythos in <strong>de</strong>r<br />

Gegenwartsliteratur. Max Niemeyer Verlag, Tubingen, pp. 74-80.<br />

<strong>de</strong>utschsprachigen<br />

David, Thomas (1996), Drei Tage sterben - Rolf Hochhuths Monolog >Effis NachtEffi BriestEffis Nacht


Bibliografia 132<br />

Esslin, Martin (1995), Ein Dramatiker, <strong>de</strong>r politische Bomben legt. In: Rolf Hochhuth,<br />

Soldaten. Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 309-318<br />

[The New York Times Magazine. 19.11.1967].<br />

Fasse, Ferdinand (1983), Geschichte als Problem von Literatur. Das<br />

"Geschichtsdrama" bei Howard Brenton und Rolf Hochhuth. Verlag Peter<br />

Lang, Frankfurt am Main, pp. 78-92; 178-189; 207-237<br />

Feitknecht, Thomas; Liissi, Kathrin (2001), Ein spannungsreiches Vierteljahrhun<strong>de</strong>rt,<br />

Der Briefwechsel Rolf Hochhuth / Golo Mann. Der Bund Verlag AG,<br />

Bern & Autoren, Bern 24.03., www.eBund.ch<br />

Fischer, Katalin (1998), Hochhuths langer Wegzu Fontane. In: General Anzeiger, Nr.<br />

32934, 22.05., p. 18.<br />

Frey, Jiirgen (1997), Ein Buhnenstuck feiert im Radio Premiere. In: Badische Zeitung,<br />

Nr. 9, 13.01., p. 27.<br />

Friedrich, Detlev (1998), Effi bei Tag, Effi bei Nacht. In: Berliner Zeitung, Nr. 115,<br />

19.05., Feuilleton, p. 9.<br />

Fuld, Werner (1996), Im Korsett <strong>de</strong>s Kanzleistils. In: Die Woche, Nr. 23, 31.05.,<br />

Kultur, p. 35.<br />

Hammerstein, Dorothée (1998), Dauerlauf durch die Geschichte. In: Badische<br />

Zeitung,Nr. 114, 19.05., Kultur, p. 1.<br />

Hin<strong>de</strong>rer, Walter (1981), Hochhuth und Schiller - o<strong>de</strong>r, Die Rettung <strong>de</strong>s Menschen.<br />

In: Rolf Hochhuth - Eingriff in die Zeitgeschichte. Walter Hinck (Hrsg.),<br />

Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 59-78.


Bibliografia 133<br />

Hoffinger, Isa (1998), Die Luftkuchenbãckerin Maria Becker spielt in Rolf<br />

Hochhuths Urauffùhrung >Effis NachtÀrztinnen


Bibliografia 134<br />

Krolow, Karl (1991), Signale setzen. In: Rolf Hochhuth, Panik im Mai. Rowohlt<br />

Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 759-764 [1986].<br />

Leuchtenmiiller, Thomas (1998), Blick zuriick im Zorn. In: Stuttgarter Zeitung, Nr.<br />

116, 22.05., Feuilleton p. 29.<br />

Mayer, Hans (1995), Je<strong>de</strong>rmann und Churchill. In: Rolf Hochhuth, Soldaten. Rowohlt<br />

Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 336-344 [Die Zeit, 13.10.1967].<br />

Mennemeier, Franz (1975), Mo<strong>de</strong>rnes Deutsches Drama, Kritiken und<br />

Charakteristiken, Band 2, 1933 bis zur Gegenwart. Wilhelm Fink Verlag,<br />

Munchen, pp. 252-262.<br />

Mittenzwei, Werner (1974), Die vereinsamte Position eines Erfolgreichen. In: Sinn<br />

und Form, 6, pp. 1248-1251.<br />

Motekat, Helmut (1977), Das zeitgenõssische <strong>de</strong>utsche Drama, Einjuhrung und<br />

kritische Analyse. Verlag W. Kohlhammer, Stuttgart Berlin Kõln Mainz, pp. 51-<br />

71.<br />

Miiry, Andres (1998), Gut<strong>de</strong>utsche vom Bo<strong>de</strong>nsee. In: Der Tages-spiegel, Nr. 16339,<br />

17.05., p. 26.<br />

Muschg, Walter (2000), Hochhuth und Lessing. In: Rolf Hochhuth, Der Stellvertreter.<br />

Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 497-501 [1963].<br />

Nehring, Wolfgang (1977), Die Buhne als Tribunal. Das Dritte Reich und <strong>de</strong>r Zweite<br />

Weltkrieg im Spiegel <strong>de</strong>s <strong>do</strong>kumentarischen Theaters. In: Gegenwartsliteratur<br />

und Drittes Reich. Hans Wagener (Hrsg.) Phillip Reclam jun. Stuttgart, pp. 69-<br />

94.


Bibliografia 135<br />

Noite, Jost (1988), Gespràch mit Rolf Hochhuth ùber . In: Rolf Hochhuth,<br />

Judith. Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 263-274<br />

[1985].<br />

Piscator, Erwin (2000), Vorwort (Der Stellvertreter). In: Rolf Hochhuth, Der<br />

Stellvertreter. Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 9-16<br />

[1963].<br />

Raddatz, Fritz (1981), Der utopische Pessimist. In: Rolf Hochhuth - Eingriff in die<br />

Zeitgeschichte. Walter Hinck (Hrsg.), Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg,<br />

pp. 33-54.<br />

Reich-Ranicki, Marcel (1981), Rolf Hochhuth und die Gemiitlichkeit. In: Rolf<br />

Hochhuth Eingriff in die Zeitgeschichte. Walter Hinck (Hrsg.), Rowohlt<br />

Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 55-58.<br />

Reinhold, Ursula (1977), Drama und Geschichte bei Rolf Hochhuth. In: Weimarer<br />

Beitrãge - Zeitschrift fiir Liter aturwissenschaft, Àsthetik und Kulturtheorie.<br />

XXIII. Jahrgang, 12, pp. 96-115.<br />

ReinoB, Herbert (1991), Ùber Rolf Hochhuth. In: Rolf Hochhuth, Panik im Mai.<br />

Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 765-773.<br />

Riewoldt, Otto F. (1978), »Nimm ein Brechmittel, du, <strong>de</strong>r du dies liesest« Die<br />

katholische Reaktion auf Hochhuths »Stellvertreter«. In: Rolf Hochhuth. Heinz<br />

Ludwig Arnold (Hrsg.), Text+Kritik, Zeitschrift fúr Literatur, Heft 58, April, pp.<br />

1-8.<br />

Rippel-ManB, Irmtraud (1981), Rolf Hochhuth Herr o<strong>de</strong>r Knecht <strong>de</strong>r Geschichte? In:<br />

Walter Hinck (Hrsg.), Rolf Hochhuth - Eingriff in die Zeitgeschichte. Rowohlt<br />

Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 9-17.


Bibliografia 136<br />

Schostag, Renate (1998), Geschichte unterm Hâubchen. In: Frankfurter Allgemeine<br />

Zeitung,Nr. 114, 18.05., p. 45.<br />

Schrimpf, Hans Joachim (1981), Die Schaubùhne ais eine moralische Anstalt<br />

betrachtet. In: Rolf Hochhuth - Eingriff in die Zeitgeschichte. Walter Hinck<br />

(Hrsg.), Rowohlt Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 79-103.<br />

Schulze-Reimpell, Werner (1998), Rolf Hochhuth. Deutsche Dramatiker <strong>de</strong>r<br />

Gegenwart, Inter Nationes, Bonn.<br />

Seiler, Bernd W. (1972), Exaktheit ais ãsthetische Kategorie - zur Rezeption <strong>de</strong>s<br />

historischen Dramas <strong>de</strong>r Gegenwart. In: Poética 5, pp. 388-433.<br />

Subiotto, Arrigo (1978), Streit urn einen Kriegshel<strong>de</strong>n. In: Rolf Hochhuth. Heinz<br />

Ludwig Arnold (Hrsg.), Text+Kritik, Zeitschrift fur Literatur, Heft 58, Munchen,<br />

April, pp. 23-30.<br />

Taëni, Rainer (1977), Rolf Hochhuth. Verlag C.H. Beck, Munchen.<br />

Tie<strong>de</strong>r, Irène (1996), La representation d'Auschwitz dans le théâtre <strong>de</strong> Rolf Hochhuth<br />

et Peter Weiss. In : Terreur et représentation. ELLUG, Université Stendhal,<br />

Grenoble, pp. 329-340.<br />

Tynan, Kathleen (1995), Sabotage in hõheren Sphàren. In: Rolf Hochhuth, Soldaten.<br />

Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 298-306 [New York<br />

Magazine. May 1968].<br />

Ueding, Gert (1991), Rolf Hochhuth. In: Rolf Hochhuth, Panik im Mai. Rowohlt<br />

Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 753-758 [1961].<br />

Ward, Margaret E. (1977), Rolf Hochhuth - Criticism and Interpretation. Twayne's<br />

world authors series, pp. 15-84.


Bibliografia 137<br />

Weber, Richard (1997), Neue Dramatiker in <strong>de</strong>r Bun<strong>de</strong>srepublik. In: Deutsche<br />

Literatur zwischen 1945 und 1995. Eine Sozial-geschichte. Horst Albert Glaser<br />

(Hrsg.), Verlag Paul Haupt, Bern, Stuttgart, Wien, pp. 412-417.<br />

(1997), Theater in <strong>de</strong>r Bun<strong>de</strong>srepublik. In: Deutsche Literatur zwischen 1945<br />

und 1995. Eine Sozial-geschichte. Horst Albert Glaser (Hrsg.), Verlag Paul<br />

Haupt, Bern, Stuttgart, Wien, pp. 493-508.<br />

Williams, H.C.N. (1995), Soldaten - Vorwort. In: Rolf Hochhuth, Soldaten. Rowohlt<br />

Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 7-8 [1967].<br />

6.3 Textos <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane<br />

Fontane, Theo<strong>do</strong>r (1998), L 'Adultera. Rolf Toman (Hrsg.), Kõnemann Verlag, Kõln.<br />

(1998), Cécile. Rolf Toman (Hrsg.), Kõnemann Verlag, Kõln.<br />

(1993), Effi Briest. Philipp Reclam jun., Stuttgart.<br />

(1999), Fontane iiber 'Effi Briest". In: Erlàuterungen und Dokumente. Theo<strong>do</strong>r<br />

Fontane - Effi Briest. Walter Schafarschik (Hrsg.), Philipp Reclam jun.,<br />

Stuttgart, pp. 102-114.<br />

6.4 Bibliografia crítica sobre Fontane<br />

Delille, Maria Manuela Gouveia (1987), A Heroína e o Espaço no Romance Effi<br />

Briest <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane. In: Biblos, vol. LXIII, pp. 201-222.<br />

Erler, Gotthard (1969), «Effi Briest», Die Ar<strong>de</strong>nne-Affdre bei Fontane und<br />

Spielhagen. In: Fontane Blatter, Son<strong>de</strong>rheft 2, pp. 64-68.


Bibliografia 138<br />

Ester, Hans (1975), Der selbstverstàndliche Geistliche. Untersuchungen zur<br />

Gestaltung und Funktion <strong>de</strong>s Geistlichen im Erzãhlwerk Theo<strong>do</strong>r Fontanes.<br />

Universitaire Pers. Lei<strong>de</strong>n, p. 101.<br />

Grawe, Christian (1982), Crampas Lieblingsdichter Heine und einige damit<br />

verbun<strong>de</strong>ne Motive in Fontanes "Effi Briest". Jahrbuch <strong>de</strong>r Raabe<br />

pp. 148-170.<br />

Gesellschaft,<br />

(1992), Theo<strong>do</strong>r Fontane. Effi Briest. Grundlagen und Gedanken zum<br />

Verstàndnis erzàhlen<strong>de</strong>r Literatur.<br />

5-19 [1985].<br />

Diesterweg Verlag, Frankfurt am Main, pp.<br />

Herrmann, Helene (1988), Neue Briefe Fontanes. In: Einfuhrung und Verstehen -<br />

Schriften ilber Dichtung. Verlag Philipp Reclam jun. Leipzig, pp. 53-66 [1910].<br />

Holbeche, Brian (1987-88), Innstettens "Geschichte mit Entsagung" and its<br />

Significance in Fontane's Effi Briest. German Life and Letters, 41, 1, pp. 21-32.<br />

Leventhal, Jean H. (1991), Fact into Fiction, >Effi Briest< and the Ar<strong>de</strong>nne Case. In:<br />

Colloquia Germânica. Internationale Zeitschrift fur germanische Sprach- und<br />

Literaturwissenschaft, 24.03., pp. 181-193.<br />

Miiller-Sei<strong>de</strong>l, Walter (1975), Theo<strong>do</strong>r Fontane, Soziale Romankunst in Deutschland.<br />

J.B. Metzlersche Verlagsbuchhandlung, Stuttgart, pp. 152-166; 351-377.<br />

Oliveira, Maria Teresa Martins <strong>de</strong> (2000), A Mulher e o Adultério nos Romances >0<br />

Primo Basílio< <strong>de</strong> Eça <strong>de</strong> Queirós e >Effi Briest< <strong>de</strong> Theo<strong>do</strong>r Fontane. Livraria<br />

Minerva / Centro Interuniversitário <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Germanísticos / Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto, Coimbra, pp. 33-124; 201-218; 269-314; 331-<br />

345.


Bibliografia 139<br />

Pûtz, Peter (1989), Wenn Effi làse, was Crampas empfiehlt... Offene und ver<strong>de</strong>ckte<br />

Zitate im Roman. In: Heinz Ludwig Arnold, Theo<strong>do</strong>r Fontane. Son<strong>de</strong>rband aus<br />

<strong>de</strong>r Reihe Text und Kritik, Mùnchen, pp. 174-185.<br />

Reisner, Hans-Peter; Siegle, Rainer (1986), Theo<strong>do</strong>r Fontane: Effi Briest mit<br />

Materialen. Klett Verlag, Stuttgart, pp. 304-350.<br />

Restenberger, Anja (2001), Effi Briest, Historische Realitàt und literarische Fiktion in<br />

<strong>de</strong>n Werken von Fontane, Spielhagen, Hochhuth, Bruckner und Keuler. Peter<br />

Lang Verlag, Frankfurt am Main.<br />

Schafarschik, Walter (1999), Erláuterungen und Dokumente. Theo<strong>do</strong>r Fontane. Effi<br />

Briest. Philipp Reclamjun., Stuttgart [1972].<br />

Schuster, Peter-Klaus (1978), Theo<strong>do</strong>r Fontane, Effi Briest -- Ein Leben nach<br />

christlichen Bil<strong>de</strong>rn. Max Niemeyer Verlag, Tubingen.<br />

Seiffert, Hans Werner (1964), Fontanes "Effi Briest" und Spielhagens "Zum<br />

Zeitvertreib" - Zeugnisse und Materialen. In: Hans Werner Seiffert (Hrsg.),<br />

Studien zur neueren <strong>de</strong>utschen Literatur. Berlin, pp. 255-300.<br />

Stern, J.P. (1981), Re-interpretations. Seven Studies in nineteenth-century German<br />

Literature. Cambridge University Press, Cambridge, pp. 315-347 [1964].<br />

Viering, Jiirgen (1983), "In welcher Welt <strong>de</strong>r schau<strong>de</strong>rhaften Wi<strong>de</strong>rspruche leben<br />

wir!" Uberlegungen zum 'Zeitroman' bei Fontane und Spielhagen am Beispiel<br />

von Fontanes >Effi Briest< und Spielhagens >Zum Zeitvertreib


Bibliografia 140<br />

Wõlfel, Kurt (1993), Nachwort. In: Theo<strong>do</strong>r Fontane, Effi Briest [1896]. Philipp<br />

Reclam jun., Stuttgart, pp. 339-349 [1969].<br />

Zimmermann, Christian (1997), Was hat Fontanes "Effi Briest" noch mit <strong>de</strong>m<br />

Ar<strong>de</strong>nne-Skandal zu tun? Zur Konkurrenz zweier Gestaltungsvorgaben bei<br />

Entstehung <strong>de</strong>s Romans. In: Fontane Blatter. Heft 64, pp. 89-109.<br />

6.5 Textos <strong>de</strong> outros autores<br />

Ar<strong>de</strong>nne, Manfred von (1984), Mein Leben fur Fortschritt und Forschung.<br />

Nymphenburger Verlagshandlung, Munchen, pp. 130-133.<br />

A<strong>do</strong>rno, Theo<strong>do</strong>r (1998), Erprefite Versõhnung. In: Noten zur Literatur. Rolf<br />

Tie<strong>de</strong>mann (Hrsg.), Suhrkamp Taschenbuch-verlag, Frankfurt am Main, pp.<br />

251-280 [1981].<br />

(1998), Offener Brief an Rolf Hochhuth. In: Noten zur Literatur. Rolf<br />

Tie<strong>de</strong>mann (Hrsg.), Suhrkamp Taschen-buchverlag, Frankfurt am Main, pp.<br />

591-598 [1981].<br />

Bebel, August (1994), Die Frau und <strong>de</strong>r Sozialismus. Verlag Dietz, Bonn.<br />

Benn, Gottfried (1986), Gottfried Benn Briefe an F.W.Oelze 1932-1945. Harald<br />

Steinhagen und Jiirgen Schro<strong>de</strong>r (Hrsg.), Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfurt<br />

am Main [1977].<br />

(2001), Sàmtliche Gedichte. Gerhard Schuster (Hrsg.) [Stuttgart 1986], Klett-<br />

Cotta Verlag, Stuttgart [1956].<br />

Brecht, Bertolt (1968), Die Dreigroschenoper. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main.<br />

(1999), Mutter Courage und ihre Kin<strong>de</strong>r. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main.


Bibliografia 141<br />

(2000), Kleines Organon fur das Theater. In: Schriften zum Theater. Siegfried<br />

Unseld (Hrsg.), Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, pp. 128-173.<br />

Bruckner, Christine (2002), Triffst du nur das Zauberwort. Effi Briest an <strong>de</strong>n tauben<br />

Hund Rollo. In: Wenn du gere<strong>de</strong>t hàttest, Des<strong>de</strong>mona. Ungehaltene Re<strong>de</strong>n<br />

ungehaltener Frauen. Ullstein Taschenbuchverlag, Miinchen, pp. 76-93 [1983].<br />

Budjuhn, Horst (1985), Fontane nannte sie »Effi Briest«. Das Leben <strong>de</strong>r Elisabeth von<br />

Ar<strong>de</strong>nne. Quadriga-Verlag J. Severin, Berlin.<br />

Burckhardt, Jacob (1978), Weltgeschichtliche Betrachtungen. Ru<strong>do</strong>lf Marx (Hrsg.),<br />

Alfred Kroner Verlag, Stuttgart.<br />

Dõblin: Alfred (2003), Berlin Alexan<strong>de</strong>rplatz. Die Geschichte vom Franz Biberkopf.<br />

Deutscher Taschenbuch Verlag, Miinchen [1965].<br />

Dùrrenmatt, Friedrich (1998), Theaterprobleme. In: Theater - Essays, Gedichte,<br />

Re<strong>de</strong>n. Diogenes Verlag, Zurich, pp. 31-73 [1954].<br />

(1998), Der Meteor. Diogenes Verlag, Zurich, pp. 9-95 [1964].<br />

(1998), Dichterdãmmerung. Diogenes Verlag, Zurich, pp. 97-198 [ 1980].<br />

Flake, Otto (1999), Hortense o<strong>de</strong>r Die Ruckkehr nach Ba<strong>de</strong>n-Ba<strong>de</strong>n. Roman, Fischer<br />

Taschenbuch Verlag, Frankfurt am Main.<br />

Flaubert, Gustave (1991), Madame Bovary. João Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (tr.), Relógio<br />

d'Agua, Lisboa [I a ed. Estúdios Cor, I960].<br />

Frandsen, Dorothea (1999), Hélène Lange, ein Leben fur das voile Burgerrecht <strong>de</strong>r<br />

Frau. Isensee Verlag, Ol<strong>de</strong>nburg.<br />

Franke, Manfred (1995), Leben und Roman <strong>de</strong>r Elisabeth von Ar<strong>de</strong>nne Fontanes »Effi<br />

Briest«. Droste Verlag, Dussel<strong>do</strong>rf [1994].


Bibliografia 142<br />

Freud, Sigmund (2001), Das Unbehagen in <strong>de</strong>r Kultur. Und an<strong>de</strong>re kulturtheoretische<br />

Schriften. Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfurt am Main, pp. 29-108.<br />

Grimmelshausen, Hans Jakob Christoph von (2001), Der abenteuerliche<br />

Simplicissimus Teutsch. Deutscher Taschenbuch Verlag, Munchen.<br />

Goertz, Heinrich (1995), Erwin Piscator in Selbstzeugnissen und Bild<strong>do</strong>kumenten.<br />

Wolfgang Muller (Hrsg.), Rowohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg<br />

[1974].<br />

Heine, Heinrich (1993), Buch <strong>de</strong>r Lie<strong>de</strong>r. Bernd Kortlán<strong>de</strong>r (Hrsg.), Philipp Reclam,<br />

Stuttgart.<br />

Hesse, Hermann (2001), Das Glasperlenspiel. Suhrkamp Taschenbuch Verlag.<br />

Jaspers, Karl (1988), Wohin treibt die Bun<strong>de</strong>srepublik? R. Piper & Co. Verlag,<br />

Mùnchen [1966].<br />

Kant, Immanuel (1995), Kritik <strong>de</strong>r Praktischen Vernunft und an<strong>de</strong>re kritische<br />

Schriften. Kõnemann Verlag, Kõln, pp. 271-483.<br />

Kipphardt, Heinar (2001), In <strong>de</strong>r Sache J. Robert Oppenheimer. Suhrkamp Verlag,<br />

Frankfurt am Main [1964].<br />

Lawrence, David Herbert (1997), Lady Chatterley's Lover. Penguin Books, Lon<strong>do</strong>n,<br />

Penguin Popular Classics.<br />

Lessing, Gotthold Ephraim (1998), Nathan <strong>de</strong>r Weise. Rolf Toman (Hrsg.) Kõnemann<br />

Verlagsgesellschaft mbH, Kõln.


Bibliografia 143<br />

Lukács, Georg (2000), Die Théorie <strong>de</strong>s Romans. Ein geschichtsphilosophischer<br />

Versuch ùber die Formen <strong>de</strong>r grofíen Epik. Deutscher Taschenbuch Verlag,<br />

Mùnchen [1963].<br />

(1981), Gelebtes Denken, Eine Autobiographie im Dialog. Hans-Henning<br />

Paetzke, tradução alemã <strong>do</strong> húngaro [1980], Suhrkamp Verlag, Frankfurt am<br />

Main.<br />

Mann, Golo (2002), Deutsche Geschichte <strong>de</strong>s 19. und 20. Jahrhun<strong>de</strong>rts. Fischer<br />

Taschenbuch Verlag, Frankfurt am Main, pp. 11-54, 316-956, 1036-1048<br />

[1958].<br />

(2000), Die Eigentliche Leistung. In: Rolf Hochhuth, Der Stellvertreter. Rowohlt<br />

Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, pp. 493-495 [1963].<br />

Mann, Thomas (1998), Bud<strong>de</strong>nbrooks. Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfurt am<br />

Main.<br />

(1993), Der alte Fontane. In: Essays. Band 1. Frùhlingssturm. 1893-1918.<br />

Hermann Kurzke und Stephan Stachorski (Hrsg.), S. Fischer Verlag, Frankfurt<br />

am Main, pp. 124-149.<br />

(1968), Anzeige eines Fontane-Buches. In: Das essayistische Werk. Bd. I,<br />

Fischer Verlag, Frankfurt am Main, p. 106 e s., apud Schafarschik, Walter<br />

(1999), Erlãuterungen und Dokumente. Theo<strong>do</strong>r Fontane - Effi Briest. Philipp<br />

Reclamjun., Stuttgart, pp. 131-133.<br />

Marcuse, Herbert (1998), Der eindimensionale Mensch. Studien zur Idéologie <strong>de</strong>r<br />

fortgeschrittenen Industriegesellschaft. Deutscher Taschenbuch Verlag,<br />

Munchen [1994], [I a edição em língua inglesa, The One-Dimensional Man.<br />

Studies in the I<strong>de</strong>ology of Advanced Industrial Society. Beacon Press, Boston<br />

1964].<br />

Mill, John Stuart (1991), The Subjection of Women. In: On liberty and other essays.<br />

John Gray (Ed.), Oxford University Press, Oxford, pp. 471-582.


Bibliografia 144<br />

Ortega y Gasset, José, A Rebelião das Massas. Colecção Antropos, Artur Guerra (tr.),<br />

Relógio d'Agua Editores Lda. Lisboa, [Do castelhano: La Rebelión <strong>de</strong> las<br />

Masas, 1930].<br />

Queiroz, Eça <strong>de</strong> (1981), O Primo Basílio. Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa.<br />

Russell, Bertrand (2000), Power. Routledge - Taylor & Francis Group, Lon<strong>do</strong>n.<br />

Schellens, Franz (1927), Emil Hartwichs Schriften fur die kõrperliche Ertuchtigung<br />

<strong>de</strong>r Jugend und fur die Schulreform (Neuherausgabe). Mit einer Darstellung<br />

seines Lebens und Strebens. Dùssel<strong>do</strong>rf, pp. 3-49.<br />

Schiller, Friedrich (1999), Die Ràuber. Kaiser Verlag, Klagenfurt, pp. 5-107.<br />

(1999), Kabale und Liebe. Kaiser Verlag, Klagenfurt, pp. 237-317.<br />

(1999), Die Schaubuhne als eine moralische Anstalt betrachtet. In: Theoretische<br />

Schriften. Rolf Toman (Hrsg.), Kõnemann Verlagsgesellschaft mbH, Kõln, pp.<br />

9-22.<br />

( 1999), Don Carlos. Kaiser Verlag, Klagenfurt, pp. 109-287.<br />

(1999), Wallenstein. Kaiser Verlag, Klagenfurt, pp. 5-235.<br />

Schopenhauer, Arthur (2002), Parerga und Paralipomena II, Ober die Weiber.<br />

Sámtliche Werke, Band V. Wolfgang Lõhneysen (Hrsg.), Suhrkamp Verlag,<br />

Frankfurt a.M., pp. 719-735.<br />

Spielhagen, Friedrich (1897), Zum Zeitvertreib. Verlag L. Staackmann, Leipzig<br />

[1896],<br />

Suttner, Bertha von (1990), Die Waffen nie<strong>de</strong>rl Sigrid und Helmut Bock (Hrsg.),<br />

Verlag <strong>de</strong>r Nation, Berlin.<br />

Tolstoy, Leo (1999), Anna Karenina. E. B. Greenwood (Introduction and Notes),<br />

Wordsworth Classics, Hertfordshire.


Bibliografia 145<br />

Weiss, Peter (2000), Die Ermittlung. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main [1965].<br />

Wiechert, Ernst (2001), Der Totenwald. Ein Bericht. Ullstein Taschenbuchverlag,<br />

Miinchen.<br />

6.6 Estu<strong>do</strong>s críticos<br />

Dannemann, Riidiger (1997), Georg Lukács zur Einfuhrung. Junius Verlag, Hamburg,<br />

pp. 7-42; 69-84.<br />

Fest, Joachim (1993), Wege zur Geschichte - Uber Theo<strong>do</strong>r Mommsen, Jacob<br />

Burckhardt und Golo Mann. Manesse Verlag, Zurich [1992].<br />

Oelze, F.W. (1986), Erinnerung an Gottfried Benn. In: Gottfried Benn Briefe. Briefe an<br />

F.W. Oelze 1932-1945. Harald Steinhagen / Jiirgen Schro<strong>de</strong>r (Hrsg.), Fischer<br />

Taschenbuch Verlag, Frankfurt am Main [1977].<br />

Sahiberg, Oskar (1977), Gottfried Benns Phantasie Welt, "Wo Lust und Leiche<br />

Winkt". In: Edition Text+Kritik, Zeitschrift fur Literatur, Heinz Ludwig Arnold<br />

(Hrsg.), Miinchen.<br />

6.7 Teoria da Literatura: <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>, referencialida<strong>de</strong> e teoria dramática<br />

Aguiar e Silva, Vítor Manuel <strong>de</strong> (1997), Teoria da Literatura. Livraria Almedina,<br />

Coimbra, pp. 604-669 [1983].<br />

Allen, Graham (2002), Intertextuality. The New Critical Idiom, Routledge, Lon<strong>do</strong>n<br />

and New York [2000].


Bibliografia 146<br />

Baasner, Rainer; Zens, Maria (2001), Metho<strong>de</strong>n und Mo<strong>de</strong>lle <strong>de</strong>r Literaturwissenschaft.<br />

Erich Schmidt Verlag, Berlin, pp. 11-17.<br />

Barthes, Roland (1995), Roland Barthes par Roland Barthes. Éditions du Seuil [1975].<br />

Benninghoff-Lûhl, Sibylle (1998), »Figuren <strong>de</strong>s Zitats«, Eine Untersuchung zur<br />

Funktionsweise ùbertragener Re<strong>de</strong>. Verlag J. B. Metzler, Stuttgart.<br />

Bloom, Harold (1997), The Anxiety of Influence - A Theory of Poetry. Oxford<br />

University Press, New York, Oxford [1973].<br />

Bogdal, Klaus-Michael (1997), Einleitung: Von <strong>de</strong>r Métho<strong>de</strong> zur Théorie. Zum Stand<br />

<strong>de</strong>r Dinge in <strong>de</strong>n Literaturwissenschaften. In: Neue Literaturtheorien. Eine<br />

Einfuhrung. Klaus-Michael Bogdal (Hrsg.), West<strong>de</strong>utscher Verlag, Opla<strong>de</strong>n, pp.<br />

10-31.<br />

( 1997), Symptomale Lektiire und historische Funktionsanalyse (Louis Althusser).<br />

In: Neue Liter aturtheorien. Eine Einfuhrung. Klaus-Michael Bogdal (Hrsg.),<br />

West<strong>de</strong>utscher Verlag, Opla<strong>de</strong>n, pp. 84-107.<br />

Bonn, Andreas (2001), Das Formzitat. Bestimmung einer Textstrategie im<br />

Spannungsfeld zwischen Intertextualitàtsforschung und Gattungstheorie. Erich<br />

Schmidt Verlag, Berlin, pp. 9-111.<br />

Broich, Ulrich (1985), Formen <strong>de</strong>r Markierung von Intertextualitàt. In: Inter textualitàt.<br />

Formen, Funktionen, anglistische Fallstudien. Ulrich Broich/Manfred Pfister<br />

(Hrsg.), Konzepte <strong>de</strong>r Sprach- und Literaturwissenschaft 35, Niemeyer Verlag,<br />

Tubingen, pp. 31-47.<br />

Brook, Peter (1990), The Empty Space. Penguin Books, Lon<strong>do</strong>n [1968].<br />

Cohn, Dorrit (1999), The Distinction of Fiction. The Johns Hopkins University Press,<br />

Baltimore.


Bibliografia 147<br />

Eco, Umberto (1989), Obra Aberta. João Rodrigo Narciso Furta<strong>do</strong> (tr.), Difel, Lisboa.<br />

Genette, Gérard (2000), Palimpsestes - La littérature au second <strong>de</strong>gré. Éditions du<br />

Seuil [1982].<br />

Goertz, Hans-Jiirgen (2001), Unsichere Geschichte, Zur Théorie historischer<br />

Referentialitàt. Philipp Reclam jun. Stuttgart.<br />

Goodman, Nelson (1999), Languages of Art. An approach to a theory of symbols.<br />

Hackett Publishing Company, Inc. Indianapolis [1976].<br />

Hebel, U<strong>do</strong> J. (1991), Towards a Descriptive Poetics of Allusion. In: Intertextuality.<br />

Heinrich F. Plett (Ed.), Research in Text Theory, 15, Berlin/New York, pp. 135-<br />

164.<br />

Holthuis, Susanne (1993), Intertextualitãt - Aspekte einer rezeptionsorientierten<br />

Konzeption. Stauffenburg Verlag, Tubingen.<br />

Iser, Wolfgang (2001), Das Fiktive und das Imaginare. Perspektiven literarischer<br />

Anthropologic Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, pp. 9-51 [1991].<br />

Jauss, Hans Robert (1981), Zum Problem <strong>de</strong>s dialogischen Verstehens. In:<br />

Dialogizitàt. Renate Lachmann (Hrsg.), Wilhelm Fink Verlag, Miinchen, pp. 11-<br />

24.<br />

Lachmann, Renate (1984), Ebenen <strong>de</strong>s Intertextualitàtsbegriffs. In: Das Gespràch.<br />

Karlheinz Stierle/Rainer Warning (Hrsg.), Poetik und Hermeneutik XI, Wilhelm<br />

Fink Verlag, Miinchen, pp. 133-138.<br />

Lenz, Bernd (1985), Intertextualitãt und Gattungswechsel, Zur Transformation<br />

literarischer Gattungen. In: Inter-textualitãt. Formen, Funktionen, anglistische


Bibliografia 148<br />

Fall-studien. Ulrich Broich/Manfred Pfister (Hrsg.), Konzepte <strong>de</strong>r Sprach- und<br />

Literaturwissenschaft 35, Niemeyer Verlag, Tubingen, pp. 158-178.<br />

Lindner, Monika (1985), Integrationsformen <strong>de</strong>r Intertextualitãt. In: Intertextualitãt.<br />

Formen, Funktionen, anglistische Fallstudien. Ulrich Broich/Manfred Pfíster<br />

(Hrsg.), Konzepte <strong>de</strong>r Sprach- und Literaturwissenschaft 35, Niemeyer Verlag,<br />

Tubingen, pp. 116-135.<br />

Ma<strong>de</strong>ira, Rogério Paulo (2002), Imagologia e <strong>intertextual</strong>ida<strong>de</strong>. In: O Imaginário <strong>de</strong><br />

Lisboa nos Romances >Bekenntnisse <strong>de</strong>s Hochstaplers Felix Krull< <strong>de</strong> Thomas<br />

Mann e >Schwerenõter< <strong>de</strong> Hanns-Josef Ortheil. Centro Inter-universitário <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Germanísticos, Minerva-Coimbra, Coimbra, pp. 26-31.<br />

Martelo, Rosa Maria (1998), Poesia e referência, algumas questões meto<strong>do</strong>lógicas.<br />

In: Carlos <strong>de</strong> Oliveira e a Referência em Poesia. Campo das Letras, pp. 31-72.<br />

Martin Jimenez, Alfonso (1993), Tiempo e Imaginación en el texto narrativo.<br />

Universidad <strong>de</strong> Valla<strong>do</strong>lid, pp. 63-75.<br />

Pfíster, Manfred (2001), Das Drama. Théorie und Analyse. Wilhelm Fink Verlag,<br />

Múnchen, 11. Auflage [1977].<br />

(1985), Konzepte <strong>de</strong>r Intertextualitãt. In: Intertextualitãt. Formen, Funktionen,<br />

anglistische Fallstudien. Ulrich Broich/Manfred Pfíster (Hrsg.), Konzepte <strong>de</strong>r<br />

Sprach- und Literaturwissenschaft 35, Niemeyer Verlag, Tubingen, pp. 1-30.<br />

Plett, Heinrich F. (1991), Intertextualities. In: Intertextuality. Heinrich F. Plett (Ed.),<br />

Research in Text Theory, 15, Berlin/New York, pp. 3-29.<br />

Sa0e, Gunter (1986), Faktizitãt und Fiktionalitãt - Literaturtheoretische Ùberlegungen<br />

am Beispiel <strong>de</strong>s Dokumentartheaters. In: WW 1/86, pp. 15-26.


Bibliografia 149<br />

Stierle, Karlheinz (1984), Werk und Intertextualitãt. In: Das Gesprách. Karlheinz<br />

Stierle/Rainer Warning (Hrsg.), Poetik und Hermeneutik XI, Wilhelm Fink<br />

Verlag, Munchen, pp. 139-150.<br />

Stocker, Peter (1998), Théorie <strong>de</strong>r intertextuellen Lektùre - Mo<strong>de</strong>lle und Fallstudien.<br />

Ferdinand Schõningh, Pa<strong>de</strong>rborn / Munchen / Wien / Zurich, pp. 10-97.<br />

Verweyen, Theo<strong>do</strong>r; Witting, Gunther (1981), Parodie, Palinodie, Kontradiktio,<br />

Kontrafaktur. In: Dialogizitàt. Renate Lachmann (Hrsg.), Wilhelm Fink Verlag,<br />

Munchen, pp. 202-236.<br />

Vilas-Boas, Gonçalo (2000), Zeitgeschichte in Schweizer Geschichten. In: Erinnerte<br />

und erfun<strong>de</strong>ne Erfahrung. Zur Darstellung von Zeitgeschichte in<br />

<strong>de</strong>utschsprachiger Gegenwartsliteratur. Edgar Platen (Hrsg.), Munchen:<br />

Iudicium, pp. 184-201.<br />

6.8 Estu<strong>do</strong>s vários<br />

6.8.1 A Alemanha imperial: o duelo, a situação da mulher e o anti-semitismo<br />

Fischer, Fritz (1997), Die Aufienpolitik <strong>de</strong>s kaiserlichen Deutschland und <strong>de</strong>r<br />

Ausbruch <strong>de</strong>s Ersten Weltkriegs. In: Das 19. Jahrhun<strong>de</strong>rt - Ein Lesebuch zur<br />

<strong>de</strong>utschen Geschichte 1815-1918. Wolfgang Piereth (Hrsg.), Verlag C.H. Beck,<br />

Munchen, pp. 169-177 [1996].<br />

Frevert, Ute (1997), Das Duell in <strong>de</strong>r burgerlichen Gesellschaft. In: Das 19.<br />

Jahrhun<strong>de</strong>rt - Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1815-1918. Wolfgang<br />

Piereth (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Munchen, pp. 286-288 [1996].


Bibliografia 150<br />

(1997), Erblast <strong>de</strong>s Kaiserreichs - das Duell. In: Weimar - Ein Lesebuch zur<br />

<strong>de</strong>utschen Geschichte 1918-1933. Heinrich August Winkler/Alexan<strong>de</strong>r<br />

Cammann (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Miinchen, pp. 198-201.<br />

(2001), Frauen-Geschichte, Zwischen Burgerlicher Verbesserung und Neuer<br />

Weiblichkeit. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, pp. 63-243 [1986].<br />

Gay, Ruth (1997), Jiidische Emanzipation und Assimilation. In: Das 19. Jahrhun<strong>de</strong>rt -<br />

Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1815-1918. Wolfgang Piereth (Hrsg.),<br />

Verlag C.H. Beck, Miinchen, pp. 325-332 [1996].<br />

(1997), Ju<strong>de</strong>n in <strong>de</strong>r Weimarer Wissenschaft und Kultur. In: Weimar - Ein<br />

Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1918-1933. Heinrich August<br />

Winkler/Alexan<strong>de</strong>r Cammann (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Miinchen, pp. 166-<br />

170.<br />

Matt, Peter von (1989), Liebesverrat, Die Treulosen in <strong>de</strong>r Literatur. Carl Hanser<br />

Verlag, Miinchen/Wien.<br />

Nipper<strong>de</strong>y, Thomas (1997), Erfahrungen im Ersten Weltkrieg. In: Das 19. Jahrhun<strong>de</strong>rt<br />

- Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1815-1918. Wolfgang Piereth (Hrsg.),<br />

Verlag C.H. Beck, Miinchen, pp. 337-345 [1996].<br />

Rose, Paul Lawrence (1999), Richard Wagner und <strong>de</strong>r Antisemitismus. Angelika Beck<br />

(tr.), Pen<strong>do</strong> Verlag, Zurich [Tradução alemã <strong>do</strong> inglês: Wagner, Race and<br />

Revolution. Verlag Faber & Faber, Lon<strong>do</strong>n 1992].<br />

Schenk, Herrad (1997), Gleichberechtigt? - Chancen und Grenzen fur Frauen. In:<br />

Weimar - Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1918-1933. Heinrich August<br />

Winkler/ Alexan<strong>de</strong>r Cammann (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Miinchen, pp. 153-<br />

155.


Bibliografia 151<br />

Volkov, Shulamit (1997), Antisemitismus im Kaiserreich. In: Das 19. Jahrhun<strong>de</strong>rt -<br />

Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1815-1918. Wolfgang Piereth (Hrsg.),<br />

Verlag C.H. Beck, Mûnchen, pp. 333-337 [1996].<br />

6.8.2 A Alemanha nazi: a Segunda Guerra Mundial, a resistência e o holocausto<br />

Arndt, Ino (1998), Die "Endlòsung" <strong>de</strong>r Ju<strong>de</strong>nfrage. In: Das Dritte Reich - Ein<br />

Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.), Verlag<br />

C.H. Beck, Munchen, pp. 204-208 [1995].<br />

Benz, Wolfgang (1999), Konsolidierung und Konsens 1934-1939. In: Das Dritte Reich<br />

im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag, Munchen, pp.<br />

48-64 [1989].<br />

(\99S),"Reichskristall<strong>nacht</strong>". In: Das Dritte Reich Ein Lesebuch zur<br />

<strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.), Verlag C.H. Beck,<br />

Munchen, pp. 185-193 [1995].<br />

Broszat, Martin (1999), Das Dritte Reich ais Gegenstand historischen Fragens. In:<br />

Das Dritte Reich im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper<br />

Verlag, Munchen, pp. 11-19 [1989].<br />

(1999), Das weltanschauliche und gesellschafltiche Kràftefeld. In: Das Dritte<br />

Reich im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag,<br />

Munchen, pp. 94-107 [1989].<br />

Dwork, Debórah (1998), Das Vernichtungslager Belzec. In: Das Dritte Reich - Ein<br />

Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.), Verlag<br />

C.H. Beck, Munchen, pp. 210-213 [1995],


Bibliografia 152<br />

Frei, Norbert (1999), Die Ju<strong>de</strong>n im NS-Staat. In: Das Dritte Reich im Uberblick.<br />

Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag, Mùnchen, pp. 124-136<br />

[1989].<br />

Funke, Manfred (1999), Grofimachtpolitik und Weltmachtstreben. In: Das Dritte Reich<br />

im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag, Mùnchen, pp.<br />

137-147 [1989].<br />

Graml, Hermann (1999), Die Kapitulation und ihre Folgen. In: Das Dritte Reich im<br />

Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag, Miinchen, pp.<br />

161-174 [1989].<br />

Herbst, Lu<strong>do</strong>lf (1999), Deutschland im Krieg 1939-1945. In: Das Dritte Reich im<br />

Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag, Miinchen, pp. 65-<br />

79 [1989].<br />

(1999), Hitler, die Partei und die Institutionen <strong>de</strong>s Fùhrerstaates. In: Das Dritte<br />

Reich im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag,<br />

Mùnchen, pp. 80-93 [1989].<br />

Kwiet, Konrad (1998), Von <strong>de</strong>r Ghettoisierung zur Deportation. In: Das Dritte Reich -<br />

Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.),<br />

Verlag C.H. Beck, Mùnchen, pp. 182-184 [1995].<br />

(1998), Der gelbe Stern. In: Das Dritte Reich - Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen<br />

Geschichte 1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Mùnchen,<br />

pp. 193-196 [1995].<br />

Landau, Edwin (1998), Der Boykott jùdischer Geschãfte am 1. April 1933. In: Das<br />

Dritte Reich - Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945. Christoph<br />

Studt (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Mùnchen, pp. 172-175 [1995].


Bibliografia 153<br />

Mehringer, Hartmut; Werner, Ro<strong>de</strong>r (1999), Gegner, Wi<strong>de</strong>rstand, Emigration. In:<br />

Das Dritte Reich im Ùberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper<br />

Verlag, Mùnchen, pp. 108-123 [1989].<br />

Mommsen, Hans (1997), Hitler und <strong>de</strong>r Putsch vom 9. November 1923. In: Weimar -<br />

Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1918-1933. Heinrich August<br />

Winkler/Alexan<strong>de</strong>r Cammann (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Mùnchen, pp. 137-<br />

142.<br />

Plum, Gunter (1999), Ùbernahme und Sicherung <strong>de</strong>r Macht 1933/34. In: Das Dritte<br />

Reich im Ùberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.), Piper Verlag,<br />

Munchen, pp. 34-47 [1989].<br />

Steinert, Marlis (1998), Die Rasseni<strong>de</strong>e als Kernstuck <strong>de</strong>r Hitlerschen<br />

Weltanschauung. In: Das Dritte Reich - Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte<br />

1933-1945. Christoph Studt (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Munchen, pp. 170-172<br />

[1995].<br />

Tyrell, Albrecht (1999), Das Scheitern <strong>de</strong>r Weimarer Republik und <strong>de</strong>r Aufstieg <strong>de</strong>r<br />

NSDAP. In: Das Dritte Reich im Uberblick. Martin Broszat/Norbert Frei (Hrsg.),<br />

Piper Verlag, Munchen, pp. 20-33 [1989].<br />

Wittmann, Reinhard (1998), Bucherverbrennung und "NS-Schriftums-politik". In:<br />

Das Dritte Reich Ein Lesebuch zur <strong>de</strong>utschen Geschichte 1933-1945.<br />

Christoph Studt (Hrsg.), Verlag C.H. Beck, Mùnchen, pp. 68-72 [1995].


Bibliografia 154<br />

6.9 Dicionários, enciclopédias e outras obras <strong>de</strong> consulta<br />

Kõttelwesch, Clemens (Hrsg.) (1973), Bibliographisches Handbuch <strong>de</strong>r <strong>de</strong>utschen<br />

Literatur-wissenschaft. 1945-1969/72. 3 B<strong>de</strong>. Verlag Vittorio Klostermann,<br />

Frankfurt am Main.<br />

Nùnning, Ansgar (Hrsg.) (1998), Metzler Lexikon Literatur- und Kulturtheorie:<br />

Ansàtze - Personen - Grundbegriffe. Verlag J.B. Metzler, Stuttgart, Weimar.<br />

Reis, Carlos; Lopes, Ana Cristina M. ( 1998), Dicionário <strong>de</strong> Narratologia, Livraria<br />

Almedina, Coimbra [1987].

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!