Continuidade e descontinuidade em três dicionários do século XIX

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Quanto ao número de línguas, os três dicionários analisados neste trabalho são monolíngues. Segundo Auroux (1992, p.73), os dicionários surgiram com a dupla finalidade de ser um meio de aprendizagem das línguas e um meio de descrição e normatização das mesmas. A história da lexicografia portuguesa mostra a alternância da finalidade do dicionário conforme a natureza plurilíngue, bilíngue ou monolíngue. Nessas três práticas lexicográficas, verifica-se o tratamento metalinguístico que torna a língua um objeto de análise. Enquanto os dicionários plurilingues e bilíngues impõem uma prática comparativa, estabelecendo equivalência lexical entre duas ou mais línguas e apresentando o léxico de uma língua como suporte para o conhecimento de seu correlato em outra língua, os dicionários monolíngues resultam da prática descritiva de uma língua autônoma que tem literatura, gramática e léxico reconhecidos pela comunidade erudita. Assim, o dicionário monolíngue, recolhe o termo lexical da literatura, classifica-o gramaticalmente, explica seu significado e indica a referência do uso. Quanto à microestrutura, dadas as dimensões do presente trabalho, optou-se por limitar a análise ao exame dos verbetes iniciados pela letra U. Restringir a análise a um conjunto de verbetes iniciados por uma letra tem a vantagem de recobrir qualquer domínio temático (GARCIA, 2007; NUNES, 2003). A escolha da letra U deve-se a dois motivos: o primeiro é por flagrar o momento em que essa letra passa a ser descrita separadamente da consoante V; o segundo motivo é poder acrescentar os verbetes de Silva Pinto e La Fayette à colossal compilação feita por Messner (2002). A comparação dos verbetes iniciados pela letra U objetiva responder as seguintes perguntas: Que critérios norteiam a escolha do termo de entrada do verbete? Que informações compõem cada verbete? Que informações são mantidas ou alteradas e omitidas ou acrescentadas em relação aos dicionários antecessores? Como são tratados os dados remissivos? 1 Moraes Silva Em 1789, a oficina de Simão Tadeu Ferreira (Lisboa) publicou em dois tomos o Diccionario da Lingua Portuguesa de autoria do brasileiro Antônio de Moraes Silva (1755-1824). Para Verdelho (2002, p.26), essa primeira edição apresenta-se como uma reedição atualizada e reduzida do Vocabulario Portuguez e Latino de Rafael Bluteau (1638-1734) sendo apenas a segunda edição de plena autoria de Moraes Silva, apesar de ser, desde a primeira edição, uma obra bastante diferente da antecessora. A segunda edição, também publicada em dois tomos, data de 1813 e veio a lume pela Typographia Lacerdina (Lisboa). Silva (1859, p. 209-210, t.1) referenda outras edições desse dicionário, mas alerta que, a partir da terceira edição, o texto já não é mais de Moraes Silva, pois sofreu profundas alterações pelos colaboradores que dirigiram as outras edições desse dicionário. 1.1 A referência a Bluteau no título da edição de 1789 A referência ao nome de Bluteau no subtítulo da primeira edição do dicionário de Moraes Silva mostra a importância da dimensão contextual, impondo certa continuidade com uma tradição que, na época, tinha o reconhecimento da comunidade científica. 3075 Curitiba 2011 Anais do VII Congresso Internacional da Abralin
Fig.1. Página de rosto dos dois tomos da 1ª edição do dicionário de Moraes Silva A obra de Bluteau a que Moraes Silva se refere veio a público em oito volumes entre 1712 e 1721, sendo os quatro primeiros volumes publicados em Coimbra pelo Colégio das Artes da Companhia de Jesus (1712: v.1 [A], v.2 [B-C] / 1713: [D-E], v.4 [F-IJ]) e os quatro seguintes em Lisboa por Paschoal da Silva (1716: v.5 [K-N] / 1720: v.6 [O-P], v.7 [Q-S] / 1721: v.8 [T-Z]). Toda coleção apresenta o título: Vocabulario Portuguez e Latino, Aulico, Anatomico, Architectonico, Bellico, Botanico, Brasilico, Comico, Critico, Chimico, Dogmatico, Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Economica, Florifero, Forense, Fructifero, Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymio, Hierologico, Icthyologico, Indico, Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico, Meterologico, Nautico, Numerico, Orthographico, Optico, Ornithologico, Poetico, Philologico, Pharmaceutico, Quiddidativo, Quantitativo, Rhetorico, Rustico, Romano, Symboloco, Synonimico, Syllabico, Theologico, Terapeutico, Technologico, Uranologico, Xenophonico, Zoologico, auctorisado com exemplos dos melhores escriptores portuguezes e latinos, e offerecido a el-rey de Portugal D. João V. Em 1727 e 1728, foram publicados mais dois suplementos desse dicionário, o primeiro pela oficina de José Antonio da Sylva (Lisboa) o segundo pela Officina de Musica de Lisboa. O Vocabulario de Bluteau, mesmo sendo de valor incontestável, foi duramente criticado por Luís Antonio Verney (1713-1792), no Verdadeiro Metodo de Estudar, para Ser Util à Republica, e à Igreja: Proporcionado ao Estilo, e Necessidade de Portugal (1746, p. 55-58, t.1), o método vereneiano teve grande influência na Reforma dos Estudos realizada em Portugal no século XVIII. As críticas de Verney ao dicionário de Bluteau incidem sobre o tamanho e sobre a falta de método. Quanto ao tamanho, Verney sugere a utilização de caractéres menores, a redução das explicações, a restrição a um único exemplo e a eliminação das citações latinas. Quanto ao método, Verney condenou principalmente a falta de critério para selecionar os vocábulos de entrada dos verbetes, misturando palavras plebeias, antigas e latinas. Contudo, deveria o P. Bluteau, nam abrasar senam os autores, que faláram melhor. v.g. desde o fim do-seculo pasado para cá: ou encurtar mais o tempo. E ainda neses, 3076 Curitiba 2011 Anais do VII Congresso Internacional da Abralin
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