Leishmaniose Cutâneo-Mucosa no Maranhão: Relato de ... - NewsLab
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Artigo<br />
<strong>Leishmaniose</strong> Cutâneo-<strong>Mucosa</strong><br />
<strong>no</strong> Maranhão: <strong>Relato</strong> <strong>de</strong> Caso<br />
Leopoldo Muniz da Silva 1 , Karla Esther Oliveira Abreu 2 , Graça Maria <strong>de</strong> Castro Viana 3 , Geusa Felipa <strong>de</strong> Barros Bezerra 4 ,<br />
Maria do Desterro Soares Brandão Nascimento 3<br />
1 - Acadêmico <strong>de</strong> Medicina. UFMA<br />
2 - Acadêmica <strong>de</strong> Enfermagem. UFMA<br />
3 - Professora Adjunta. Departamento <strong>de</strong> Patologia/UFMA, Doutora em Doenças Infecciosas e Parasitárias. UNIFESP/EPM<br />
4 - Professora Assistente. Departamento <strong>de</strong> Patologia/UFMA, Mestre em Ciências da Saú<strong>de</strong>. UFMA<br />
Resumo<br />
Apresenta-se um caso <strong>de</strong> <strong>Leishmaniose</strong> cutâneo-mucosa<br />
autóctone do Maranhão do município <strong>de</strong> Chapadinha,<br />
com evolução <strong>de</strong> doença em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> 20 a<strong>no</strong>s,<br />
sem lesão cutânea primária visível na extensão corporal.<br />
Comenta-se a importância clínica <strong>de</strong>sta grave enfermida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> apresentação.<br />
Palavras-chave: <strong>Leishmaniose</strong> cutâneo-mucosa,<br />
aspectos clínicos<br />
Summary<br />
The authors present a case of autochtho<strong>no</strong>us cutaneousmucous<br />
Leishmaniasis in the municipal district of Chapadinha-MA,<br />
with evolution of disease around 20 years, without<br />
visible primary cutaneous lesion in the corporal extension.<br />
The clinical importance of the illness is commented and about<br />
presentation forms.<br />
Keywords: Cutaneous, mucous Leishmaniasis, presentation<br />
forms<br />
Introdução<br />
A<br />
<strong>Leishmaniose</strong> Tegumentar<br />
Americana é uma doença infecciosa<br />
causada por protozoários<br />
do gênero Leishmania, que acomete<br />
pele e mucosas (1). Nas<br />
Américas a leishmaniose tegumentar<br />
americana (LTA) é transmitida<br />
entre os animais e o homem<br />
pela picada das fêmeas <strong>de</strong><br />
diversas espécies <strong>de</strong> flebótomos<br />
(Diptera, Psycodidae, Phlebotominae)<br />
dos gêneros Lutzomyia e<br />
Psychodopygus (2).<br />
No Brasil, os primeiros casos<br />
foram <strong>de</strong>tectados por volta <strong>de</strong><br />
1909, durante a construção da<br />
estrada-<strong>de</strong>-ferro Noroeste do<br />
Brasil, na região <strong>de</strong> Bauru (São<br />
Paulo), ficando conhecida como<br />
úlcera <strong>de</strong> Bauru (3). Na década<br />
<strong>de</strong> 40, postulou-se que a progressão<br />
do <strong>de</strong>smatamento e a diminuição<br />
da proliferação <strong>de</strong> insetos<br />
transmissores, aliada à imunida<strong>de</strong><br />
adquirida pela infecção, resultariam<br />
na diminuição ou mesmo<br />
<strong>de</strong>saparecimento da moléstia (5).<br />
Entretanto, o que se observa é o<br />
aumento do número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong><br />
LTA, que passa assim a apresentar<br />
características <strong>de</strong> transmissão<br />
domiciliar e periurbana (6). No<br />
Nor<strong>de</strong>ste, em 44% dos estados<br />
(Maranhão, Bahia, Ceará e Pernambuco),<br />
o coeficiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção<br />
foi alto, sendo que o Maranhão<br />
apresentou o maior coeficiente<br />
em 1999 com 55,72/<br />
100.000 hab (7).<br />
Este relato apresenta um caso<br />
<strong>de</strong> <strong>Leishmaniose</strong> cutâneo-mucosa<br />
(LCM) autóctone do estado do Maranhão,<br />
chamando a atenção para<br />
a gravida<strong>de</strong> e para necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
melhor investigação epi<strong>de</strong>miológica,<br />
possibilitando diagnóstico pre-<br />
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coce e evitando as mutilações irreversíveis<br />
que repercutem <strong>no</strong> aspecto<br />
sócio-econômico e emocional<br />
dos indivíduos acometidos.<br />
<strong>Relato</strong> do Caso<br />
Paciente VLS, 57 a<strong>no</strong>s, masculi<strong>no</strong>,<br />
pardo, lavrador e vaqueiro, natural<br />
<strong>de</strong> Chapadinha, Maranhão.<br />
Paciente relata aparecimento há<br />
aproximadamente 20 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> prurido<br />
intenso na região labial superior,<br />
com subseqüente e<strong>de</strong>ma e rubor.<br />
Com o passar dos a<strong>no</strong>s o quadro<br />
evoluiu com aparecimento <strong>de</strong><br />
vesículas pustulosas acompanhadas<br />
<strong>de</strong> prurido intenso e secreção purulenta,<br />
além <strong>de</strong> expansão da lesão<br />
para região nasal. Refere ainda episódios<br />
febris esporádicos, perda <strong>de</strong><br />
peso e a<strong>no</strong>rexia.<br />
Ao exame físico foi observado<br />
pele pálida e seca, mucosas <strong>de</strong>scoradas<br />
(+++/4+), musculatura hipotrófica,<br />
tecido celular subcutâneo<br />
diminuído, nariz e<strong>de</strong>maciado e eritematoso,<br />
juntamente com o lábio<br />
superior e região para-nasal, apresentando<br />
vesículas pustulosas,<br />
crostas e exudato (Fig. 1), além <strong>de</strong><br />
disfonia, impedindo o completo entendimento<br />
das palavras. Não apresentava<br />
lesão cutânea primária visível<br />
na extensão corporal. O diagnóstico<br />
<strong>de</strong> LCM foi realizado através<br />
<strong>de</strong> reação intradérmica <strong>de</strong> Montenegro<br />
(nódulo <strong>de</strong> 4mm) e exame<br />
anatomopatológico obtido <strong>de</strong> material<br />
da biópsia do palato. A intra-<br />
Figura 1. <strong>Leishmaniose</strong> cutâneomucosa<br />
autóctone do Maranhão, com<br />
evolução <strong>de</strong> 20 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> doença<br />
<strong>de</strong>rmorreação com paracoccidioidina<br />
foi negativa.<br />
O fragmento <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> biópsia<br />
evi<strong>de</strong>nciou na microscopia óptica<br />
epitélio alternado com áreas<br />
<strong>de</strong> hiperplasia e ulceração, observando-se<br />
ainda numerosos microabscessos.<br />
A faixa conjuntiva presente<br />
na amostra apresentava infiltrado<br />
inflamatório compacto e<br />
difuso formado por linfócitos, raríssimos<br />
plasmócitos e numerosos<br />
histiócitos em cujo citoplasma<br />
po<strong>de</strong>-se observar estruturas com<br />
características <strong>de</strong> Leishmania. Os<br />
exames laboratoriais revelaram<br />
anemia e leucopenia.<br />
Após o tratamento com compostos<br />
antimoniais (15 mg <strong>de</strong> Antimoniato-N-Metil<br />
Glucamina por<br />
30 dias) houve resolução das lesões<br />
da pele, restando como seqüela<br />
o espessamento cutâneo e<br />
a <strong>de</strong>struição do septo nasal.<br />
Discussão<br />
Chapadinha, com 16.575 habitantes,<br />
situada a <strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste do Estado<br />
do Maranhão, pertencente à microrregião<br />
do Alto Munin, tem predominância<br />
da população rural, tendo<br />
com ativida<strong>de</strong> econômica básica<br />
a coleta do babaçu e do jaborandi<br />
(8). Diante <strong>de</strong>stas características geográficas,<br />
sociais e econômicas da<br />
região, reforça-se o fato <strong>de</strong> que os<br />
surtos são associados à <strong>de</strong>rrubada<br />
<strong>de</strong> matas para construção <strong>de</strong> estradas<br />
e criação <strong>de</strong> povoados em regiões<br />
pioneiras.<br />
A apresentação mucocutânea<br />
da LTA em que se verifica a presença<br />
<strong>de</strong> lesões associadas na pele<br />
e na mucosa po<strong>de</strong> ser concomitante<br />
(o acometimento mucoso à distância<br />
da lesão ativa em pele), ou<br />
contígua (o comprometimento<br />
mucoso ocorre por extensão da<br />
lesão <strong>de</strong> pele situada próxima <strong>de</strong><br />
mucosas). A apresentação mucosa<br />
da LTA é, na maioria das vezes,<br />
secundária às lesões cutâneas,<br />
surgindo geralmente meses ou<br />
a<strong>no</strong>s após a resolução das lesões<br />
<strong>de</strong> pele. Às vezes, porém, não se<br />
i<strong>de</strong>ntifica a porta <strong>de</strong> entrada supondo-se<br />
que as lesões sejam originadas<br />
<strong>de</strong> infecção subclínica (4).<br />
O paciente evoluiu com um<br />
quadro <strong>de</strong> leishmaniose disseminada<br />
anérgica, caracterizada pela<br />
anergia específica ao antíge<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
Montenegro, ausência <strong>de</strong> envolvimento<br />
visceral e lesões cutâneas<br />
disseminadas, com localização na<br />
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face. Ressalta-se que na avaliação<br />
da imunida<strong>de</strong> celular do doente<br />
em estudo, verificou-se a<br />
condição <strong>de</strong> imu<strong>no</strong><strong>de</strong>primido, confirmada<br />
laboratorialmente por:<br />
Leucometria total <strong>de</strong> 4.500mm³;<br />
intra<strong>de</strong>rmorreação <strong>de</strong> Montenegro<br />
- 4mm, acompanhado dos dados<br />
histopatológicos os quais <strong>de</strong>monstram<br />
além da hiperplasia, ausência<br />
<strong>de</strong> formações <strong>de</strong> granuloma,<br />
aliado ao predomínio <strong>de</strong> histiócitos<br />
cheios <strong>de</strong> estruturas com características<br />
<strong>de</strong> Leishmania.<br />
As picadas do inseto vetor<br />
geralmente se localizam nas<br />
áreas <strong>de</strong>scobertas do corpo,<br />
sendo por isso a face, a região<br />
mais afetada (9).<br />
Estudos realizados pelo Instituto<br />
Evandro Chagas, <strong>no</strong> Estado<br />
do Pará (10), encontraram dois<br />
pacientes com história <strong>de</strong> 20 a<strong>no</strong>s<br />
<strong>de</strong> evolução da doença sem a <strong>de</strong>vida<br />
terapêutica. Uma das prováveis<br />
causas para essa <strong>de</strong>mora, sugerida<br />
por Lainson et al (11)<br />
(1997), é que os pacientes preferem<br />
ficar sem tratamento a percorrer<br />
gran<strong>de</strong>s distâncias em prejuízo<br />
do trabalho e da família, tendo<br />
em vista que o mal atinge mais<br />
as classes pobres das áreas rurais<br />
do Estado.<br />
A LCM é uma doença estigmatizante<br />
<strong>de</strong>vido às seqüelas<br />
pós-tratamento. A maioria dos<br />
pacientes apresenta após cura<br />
clínica dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamento<br />
social, além <strong>de</strong> sentiremse<br />
marginalizados pela socieda<strong>de</strong>,<br />
dificultando o retor<strong>no</strong> às ativida<strong>de</strong>s<br />
laborativas (12). O diagnóstico<br />
precoce <strong>de</strong>sta forma<br />
clínica, assim como estudos epi<strong>de</strong>miológicos<br />
nas áreas <strong>de</strong> ocorrência<br />
<strong>de</strong> casos, é <strong>de</strong> fundamental<br />
importância para amenizar<br />
este importante problema <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> pública que está intimamente<br />
associado aos aspectos<br />
sócio-econômico-culturais da<br />
população acometida.<br />
Correspondência para:<br />
cnsd_ma@uol.com.br<br />
leopoldo_muniz@hotmail.com<br />
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