OAB Jovem 10 Anos - OAB/MG
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ANO XVIII - Nº 247 - Informativo Oficial da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais - Belo Horizonte - Janeiro - Abril / 2007<br />
Gustavo Branco fala de sua<br />
discordância em relação à Lei 11.441<br />
Gustavo de Azevedo Branco (foto) é<br />
um dos mais antigos advogados ainda<br />
em atividade em Minas Gerais.<br />
Foi juiz do Trabalho, na vaga destinada<br />
aos advogados, chegando à<br />
Presidência do TRT da 3ª Região,<br />
além de presidir a <strong>OAB</strong>/<strong>MG</strong> no<br />
período de 1967 a 1971. Teve destacada<br />
atuação como líder de<br />
sua classe profissional. Hoje, aos<br />
91 anos de idade, é um observador<br />
crítico da sociedade brasileira.<br />
Nesta entrevista, mostra sua discordância<br />
em relação à Lei 11.441,<br />
promulgada em janeiro passado,<br />
que altera dispositivos do Código<br />
de Processo Civil, possibilitando a<br />
realização de inventário, partilha,<br />
separação consensual e divórcio<br />
consensual por via administrativa,<br />
ou seja, através dos cartórios. Leia<br />
a íntegra do pronunciamento do<br />
brilhante advogado.<br />
“Quando comecei, há 67 anos, meus<br />
professores ensinavam o seguinte: ‘a<br />
família é constituída pelo casamento<br />
indissolúvel’, norma contida nas<br />
Constituições brasileiras e na<br />
legislação presente no Código Civil e<br />
leis subseqüentes.<br />
Como se resolveria essa situação de<br />
indissolubilidade do vínculo? Por que<br />
isso? Porque a família, como todos<br />
sabem, é a célula mater da sociedade<br />
e, portanto, a lei teria que estar vigilante<br />
a esse aspecto social da norma.<br />
Mas seria difícil, com a evolução dos<br />
tempos, manter essa indissolubilidade,<br />
embora o princípio houvesse de ser<br />
preservado. Evoluiu-se, então, para<br />
uma solução legal, que foi a figura do<br />
desquite. Como é sabido, o processo<br />
para a realização do casamento<br />
obedece aos ditames da Lei civil. As<br />
partes cumprem exigências legais,<br />
comparecem ao cartório de registro<br />
civil e ali procedem à habilitação<br />
legal. Oferecem os documentos<br />
indispensáveis à realização do casamento,<br />
explicitando o regime de bens, publicamse<br />
editais para conhecimento de terceiros,<br />
ouve-se o representante do Ministério<br />
Público e, se a manifestação é favorável,<br />
certifica-se tal fato, considerando-se<br />
perfeita a habilitação. O juiz de Paz, em<br />
data pré-fixada, ouve os cônjuges, na<br />
presença das testemunhas e, em nome da<br />
Lei, os declara casados.<br />
Como se vê, com a evolução do Direito,<br />
não se poderia nunca assegurar essa<br />
indissolubilidade do casamento, daí porque<br />
o legislador admitiu que a sociedade<br />
conjugal pudesse ser desfeita, amigável<br />
ou litigiosamente, e definiu como figura<br />
competente para a dissolução o juiz de<br />
Direito. É de se observar que a Lei adjetiva<br />
exigia que, antes de decretar o desquite,<br />
o juiz competente do cível ouvisse<br />
separadamente as partes e procurasse<br />
conciliá-las, visando, sobretudo, à<br />
manutenção da família. Quando as partes<br />
se mostravam irredutíveis, assistidas por<br />
advogados, ele, o juiz, instruía o processo,<br />
ouvia o Ministério Público, proferia a<br />
sentença, e dava o vínculo como dissolvido,<br />
estabelecendo as condições da separação:<br />
a guarda dos filhos; a pensão alimentícia;<br />
condenando o cônjuge, se culpado, nas<br />
custas e demais encargos. Dessa decisão,<br />
é claro, as partes inconformadas poderiam<br />
recorrer aos Tribunais superiores, na forma<br />
da Lei processual.<br />
Atente-se bem, a legislação anterior<br />
mandava que o juiz de Paz celebrasse o<br />
casamento e a dissolução do vínculo, com<br />
suas conseqüências, só poderia ser feita<br />
perante o juiz de Direito, ocupante de uma<br />
Vara Cível ou de Família. As separações<br />
judiciais cresceram muito, daí porque<br />
partiram para uma solução que considero<br />
ilegal, qual seja, permitir que o tabelião,<br />
serventuário da Justiça, pratique atos que<br />
não são de sua competência, atos que a<br />
Lei adjetiva atribui aos juizes integrantes<br />
do Poder Judiciário. Atente-se, pois, que<br />
o principio legal sempre foi o do respeito<br />
à decisão do juiz de Direito, tendo o feito<br />
começado no Cartório de Registro Civil<br />
pelo juiz de Paz.<br />
A vida atribulada que o homem vive,<br />
exigindo o trabalho da companheira, fez<br />
com que fossem criadas Varas de Família,<br />
principalmente nos grandes centros<br />
urbanos, onde os processos relativos ao<br />
Direito de Família seriam decididos.<br />
Diga-se de passagem, que a aprovação da<br />
Lei do Divórcio provocou longos debates,<br />
sendo patrono do projeto o brilhante<br />
parlamentar baiano Nelson Carneiro, e o<br />
antagonista, nos debates veementes, foi o<br />
deputado Cônego Arruda Câmara.<br />
Ilegalidade<br />
Por que a lei procurou revestir esse<br />
processo com todas as cautelas legais?<br />
Porque, como se disse, o casamento é a<br />
célula mater da família. Celebrado pelo Juiz<br />
de Paz só poderia e deveria ser dissolvido<br />
por ato de um juiz de Direito.<br />
Ao fundamento de que as Varas de<br />
Família estavam e estão sobrecarregadas,<br />
o Congresso elaborou a Lei 11.441, de<br />
4 de janeiro deste ano, que mereceu a<br />
sanção do sr. presidente da República e<br />
foi subscrita pelo seu ministro da Justiça,<br />
Márcio Thomaz Bastos.<br />
Com a devida vênia, pela forma que foi<br />
redigida, ao que me parece, a Lei não<br />
merecia sanção. Pela ilegalidade frontal<br />
que, data vênia, contém esse Diploma<br />
no seu artigo 2º, que alterou o artigo<br />
982, do CPC, permitindo que o tabelião,<br />
em determinadas situações, possa lavrar<br />
escritura pública, desde que as partes<br />
interessadas estivejam assistidas por<br />
advogados e que a assinatura dos mesmos<br />
constasse do ato notarial.<br />
“(...) a separação tem que<br />
ser peticionada por advogado e<br />
não, depois de lavrada, ser<br />
assinada por ele, como um<br />
simples assistente”.<br />
Esqueceram-se de que o tabelião é<br />
serventuário da Justiça e, como tal,<br />
incompatível para processar atos judiciais<br />
de tamanha importância. O principio de<br />
proteção à família só pode ser exercitado<br />
perante um juiz de Paz no casamento e na<br />
dissolução por um juiz de Direito.<br />
E mais, o art. 27 do Estatuto do Advogado,<br />
conforme livro de autoria do ministro Paulo<br />
Neto Lobo, tratando do assunto ‘Das<br />
incompatibilidades e impedimentos’, no<br />
art. 28, é claro quando diz: a advocacia é<br />
incompatível, mesmo em causa própria,<br />
com as seguintes atividades:<br />
(...)4º o ocupante de cargos ou funções<br />
vinculadas direta ou indiretamente a<br />
qualquer poder judiciário, e os que exercem<br />
serviços notariais e de registro.<br />
O tabelião, como todos sabem, é um<br />
servidor judiciário, lavra os atos que a Lei<br />
permite, não podendo, portanto, praticar<br />
atos, data vênia, como os autorizados pela<br />
alterada Lei 5.869.<br />
‘A pluralidade das leis é a corrupção da<br />
República’, assim diziam os Romanos.<br />
O tabelião lavra atos que a Lei permite,<br />
com a assistência de advogados, que, em<br />
princípio, elaboram suas minutas. Jamais<br />
os tabeliães poderão homologar, vênia<br />
permissa, atos judiciais como aqueles<br />
autorizados pela Lei 11.441.<br />
É de se observar que antigamente os<br />
cartórios eram deferidos ‘aos amigos do<br />
rei’ e agora, felizmente, para ser titular<br />
de um cartório e serventuário da Justiça,<br />
terão os candidatos de se submeter a<br />
um concurso com banca examinadora,<br />
obrigatoriamente integrada por<br />
um advogado indicado pela <strong>OAB</strong>.<br />
Este princípio é de grande e salutar<br />
importância, pois, pela Constituição<br />
Federal e pelo nosso estatuto da<br />
<strong>OAB</strong>, o advogado é indispensável na<br />
administração da Justiça e no seu<br />
ministério privado presta serviço público<br />
relevante.<br />
É lamentável que isso tenha sido<br />
esquecido, ainda mais porque o ministro<br />
Marcio Thomaz Bastos, renomado<br />
criminalista, é oriundo da nossa <strong>OAB</strong>,<br />
que já foi por ele presidida. Além do<br />
mais, a Lei, a meu ver, foi infeliz na<br />
redação do artigo 3º, § 2º, quando<br />
diz: ‘o tabelião lavrará escritura se os<br />
contratantes estiverem assistidos por<br />
advogado comum ou advogado de cada<br />
um deles, cuja qualificação e assinatura<br />
constarão do ato notarial.’ (grifo nosso)<br />
Primeira observação: deveria a Lei<br />
explicitar que o advogado não será um<br />
simples assistente, assegurando sua<br />
intervenção se o ato contiver alguma<br />
irregularidade. Ademais, esse parágrafo<br />
fala em ‘contratantes’, quando, na<br />
verdade, eles são ‘discordantes’,<br />
pois estão dando fim ao casamento e<br />
partilhando bens. É de estarrecer que o<br />
Ministério Público não apareça, como é<br />
do seu dever, para proteger o patrimônio<br />
público, como já aconteceu em Brasília,<br />
quando um prócer da República invadiu<br />
área da União e considerou como bem<br />
terreno invadido. A assistência do MP<br />
tem que ser prévia e não a posteriori.<br />
Riscos da simplificação<br />
Vem agora a Lei, ao fundamento de<br />
que os julgamentos estão atrasados,<br />
e institui a possibilidade de as<br />
pessoas comparecerem, assistidas<br />
por advogados. Fala-se assistidas.<br />
E a assistência se caracteriza pela<br />
interferência ou não do advogado. E,<br />
pode o tabelião praticar atos exclusivos<br />
do advogado? Não pode. Porque é o<br />
advogado quem peticiona para entrar<br />
em Juízo; a separação tem que ser<br />
peticionada por advogado e não, depois<br />
de lavrada, ser assinada por ele, como<br />
um simples assistente. Isso significa<br />
um desprestígio, uma desvalorização<br />
do papel do advogado, pois ele estará<br />
atuando em um ato que lhe era privativo<br />
como um mero assistente.<br />
E agora, o que poderá acontecer é<br />
que o tabelião se aposenta, decorrido<br />
três anos, restabelece a inscrição na<br />
Ordem e, um belo dia, o cidadão chega<br />
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