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Business ARTIGO<br />

O Brasil e a inflação<br />

Por Luiz Marques<br />

Há uma cena em um filme<br />

de Woody Allen, dos anos<br />

noventa, em que, para<br />

brincar com a ideia da morte, um personagem<br />

(um jovem chamado Johnie)<br />

pede o apartamento de um amigo emprestado<br />

para ter no ap um encontro<br />

amoroso. Porém, logo em seguida, em<br />

meio à noite de amor do nosso protagonista,<br />

a morte (a mulher do capuz<br />

preto) vem buscar o dono do apartamento<br />

para levá-lo com ela: desavisadamente,<br />

a morte leva em seus braços<br />

o jovem Johnie; que estava no lugar<br />

errado e na hora errada. Desesperado,<br />

nosso jovem protagonista grita que<br />

não é ele quem a morte procura. Mas a<br />

morte responde com bom humor: ora,<br />

relaxe, todos dizem a mesma coisa!!!<br />

Em resumo: após o prazer e a felicidade<br />

extrema, vem o doloroso ajuste.<br />

Para muitos de nós, economistas, a<br />

inflação talvez seja o principal problema<br />

econômico a ser enfrentado. Talvez<br />

seja a nossa mulher do capuz preto.<br />

Isso deriva do fato de que é muito<br />

difícil manter taxas elevadas de crescimento<br />

econômico por um tempo razoável,<br />

sem haver pressão por aumentos<br />

de preços; então o ajuste deverá ser<br />

feito.<br />

No momento a inflação é o pior<br />

problema econômico do governo Dilma;<br />

e do governo observamos sinais<br />

de que nós vamos tentar buscar uma<br />

taxa de crescimento econômico razoável,<br />

ao redor dos 5% em 2011 (o FMI<br />

aponta para 4,1%). Porém o IPCA (nosso<br />

índice oficial) atualizado até o final<br />

de dezembro aponta uma tendência<br />

de estar próximo de 8% ao ano; estourando<br />

em muito nossa meta de inflação<br />

que é de 6,5% ao ano em seu teto.<br />

Com a inflação em elevação o combate<br />

ao aumento de preços tem que<br />

tentar empurrar o crescimento econômico<br />

para baixo. Para piorar, parte<br />

da inflação que temos em 2011 já foi<br />

contratada no exterior. Este fenômeno<br />

é salientado pelo FMI que demonstra,<br />

em seu The IMF’s food price index<br />

(2011), que a elevação do preço das<br />

commodities agrícolas ao redor do<br />

globo veio para ficar. A elevação seria<br />

fruto não só de enchentes e secas<br />

(como recentemente na Austrália, por<br />

exemplo), mas também da forte pressão<br />

de consumo vindo da Ásia.<br />

E o que o Brasil tem com isso?<br />

Ora, hoje nós somos os queridinhos<br />

dos BRIC’s - os maiores emergentes.<br />

Fomos um dos maiores crescimentos<br />

econômicos em 2010. Nosso país hoje<br />

atrai executivos estrangeiros, nosso<br />

mercado de trabalho está aquecido, o<br />

câmbio valorizado dificulta nossas exportações<br />

e nossa indústria, mas em<br />

outra direção muda a face do nosso<br />

turista ao redor do globo, que passa<br />

a ter forte poder de compra. Somos<br />

uma democracia já institucionalizada<br />

e exemplo para muitos de nossos vizinhos.<br />

Além disto, temos multinacionais<br />

que estão aos poucos tomando o<br />

mundo. Será que esta pujança pode<br />

sofrer impactos em virtude do combate<br />

anti-inflacionário? No curto prazo<br />

sim, no longo prazo dependerá do que<br />

for feito agora.<br />

Contudo, o mercado avalia de que<br />

nosso Banco Central se comporta de<br />

forma dovish (como um pombo, menos<br />

radical) e não hawkish (falcão,<br />

agressivo). Também é fundamental<br />

não apenas a ação da política monetária<br />

do BC, mas também uma política<br />

fiscal de contenção de gastos públicos.<br />

Ou seja, o BC não pode agir sozinho:<br />

a Fazenda também tem que cumprir<br />

seu papel reduzindo despesas federais.<br />

É como diz Alan Greenspan em<br />

sua autobiografia A Era da Turbulência<br />

(Editora Campus): “O Banco Central é<br />

igual aquele garçom antipático que –<br />

quando a festa está pegando fogo, no<br />

embalo – esconde o champagne e diz<br />

que a festa acabou.”<br />

Ora, após a euforia e o prazer vem<br />

o ajuste. Mas no Brasil de hoje temos<br />

que ter dois garçons antipáticos: o BC<br />

e a Fazenda: esta última contribuindo<br />

com a redução dos gastos do governo<br />

federal.<br />

Devido a esse ambiente, corremos<br />

o risco de ter um crescimento do PIB<br />

em 2011 inferior à média mundial.<br />

Contudo, a tendência de longo prazo<br />

para nossa economia – com o aquecido<br />

mercado interno que absorve<br />

as classes C e D com velocidade, as<br />

Olimpíadas, a Copa em 2014 e o Pré-<br />

-Sal – indica que nos próximos 10 anos<br />

teremos um ambiente bastante razoável<br />

de crescimento, e que o combate<br />

contra a inflação poderá reduzir e criar<br />

dificuldades, mas não extirpar.<br />

A inflação pode nos surpreender.<br />

Mas se estivermos preparados e alertas<br />

podemos dar um “zignal” na mulher<br />

do capuz preto e continuar em<br />

uma trajetória razoável de crescimento<br />

econômico. Mas saibamos que ela<br />

sempre estará nos rondando e poderá<br />

de repente dizer a um governo desavisado:<br />

ora, relaxe, todos dizem a mesma<br />

coisa!!!<br />

Luiz Marques de Andrade Filho, economista,<br />

mestre em administração, diretor<br />

da ADVB-BA e superintendente da<br />

Fundação Escola de Administração da<br />

Ufba (FEA).<br />

artigo@businesssalvador.com.br<br />

Foto: Divulgação<br />

Business Salvador Maio / Junho 2011<br />

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