de Pedro Américo - Association des Revues Plurielles
de Pedro Américo - Association des Revues Plurielles
de Pedro Américo - Association des Revues Plurielles
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
CENTENÁRIO DA MORTE DO PINTOR PEDRO AMÉRICO<br />
A Fotografia na Pintura da Batalha do Avahí<br />
(Paraguai) <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> Américo<br />
A obsessão <strong>de</strong> representar com realismo o movimento<br />
Vladimir Machado<br />
O<br />
Brasil possui duas das<br />
maiores telas épicas jamais<br />
pintadas sobre a guerra do<br />
Brasil contra o Paraguai entre 1865<br />
e 1870. Uma é a pintura da Batalha<br />
<strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong> (1870-1871 -<br />
Museu Imperial <strong>de</strong> Petrópolis-RJ) e<br />
outra, da qual nos ocuparemos<br />
aqui, é a pintura da Batalha do<br />
Avahí (1875-1876 - Museu Nacional<br />
<strong>de</strong> Belas Artes - Rio <strong>de</strong> Janeiro).<br />
Esta tela, pintada na Itália entre<br />
1875 e 1876, foi exposta pela primeira<br />
vez em Janeiro <strong>de</strong> 1877, em<br />
Florença. Meses <strong>de</strong>pois foi transportada<br />
para o Brasil, on<strong>de</strong> ficou em<br />
exposição individual <strong>de</strong> setembro a<br />
<strong>de</strong>zembro no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Um<br />
ano mais tar<strong>de</strong> em 1879, ficou em<br />
exposição oficial na Aca<strong>de</strong>mia<br />
Imperial <strong>de</strong> Belas Artes. Consi<strong>de</strong>rada<br />
pela estética mo<strong>de</strong>rnista, por todo<br />
século XX , como uma pintura “pompier”<br />
e <strong>de</strong> mau gosto acadêmico, a<br />
tela ficou no ostracismo, afastada <strong>de</strong><br />
qualquer olhar crítico mais aprofundado<br />
sobre aquela imensa e grandiosa<br />
representação. A historiografia<br />
sobre o artista contra-atacava o<br />
silêncio e o <strong>de</strong>sprezo mo<strong>de</strong>rnista.<br />
Exposições e livros faziam a <strong>de</strong>fesa<br />
do pintor; tratava-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong><br />
acadêmico, conservador dos postulados<br />
e regras tradicionais das antigas<br />
aca<strong>de</strong>mias. Nada mais confuso<br />
e enganoso.<br />
doras. A primeira tentativa é uma<br />
abordagem sócio-cultural, examinando<br />
rapidamente a relação entre<br />
o pintor e a aca<strong>de</strong>mia. A Aca<strong>de</strong>mia<br />
<strong>de</strong> Belas Artes <strong>de</strong> Paris mantinha,<br />
com algumas adaptações estilísticas,<br />
a doutrina neoclássica, fruto da<br />
restauração, em 1815, do sistema<br />
teórico acadêmico <strong>de</strong> Le Brun do<br />
século XVII. Nas exposições anuais<br />
dos Salons a aca<strong>de</strong>mia francesa<br />
continuava <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo com rigor a<br />
antiga hierarquia das “artes maiores”<br />
e “artes menores”, favorecendo<br />
sobretudo os pintores <strong>de</strong> história,<br />
encorajados a pintar com uma fatura<br />
lisa e linear, típica do estilo neoclássico.<br />
Esse estilo grandiloqüente e<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização da Antiguida<strong>de</strong> era<br />
quase uma garantia <strong>de</strong> que os pintores<br />
<strong>de</strong> história que assim pintassem<br />
obtivessem os gran<strong>de</strong>s prêmios dos<br />
Salons, e, principalmente, as encomendas<br />
dos gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong>corativos<br />
das construções públicas do<br />
Estado. Na doutrina ortodoxa da<br />
tradição acadêmica, a pintura <strong>de</strong><br />
história estava em primeiro lugar,<br />
os retratistas vinham em segundo,<br />
seguido dos pintores <strong>de</strong> cenas <strong>de</strong><br />
gênero e, por último, os pintores<br />
<strong>de</strong> paisagens e naturezas-mortas 1 .<br />
Temos como certo que <strong>Pedro</strong><br />
Américo era contrário a esse sistema<br />
e se posicionava contra a doutrina<br />
neoclássica acadêmica. Aos vinte<br />
anos, quando era aluno da École<br />
Impériale et Spéciale <strong>de</strong>s Beaux-Arts,<br />
em Paris, <strong>Pedro</strong> Américo redigiu um<br />
manifesto na forma <strong>de</strong> um livreto<br />
<strong>de</strong> quinze páginas, hoje raríssimo,<br />
on<strong>de</strong> se colocava enfaticamente a<br />
favor das reformas propostas em<br />
1863, por Nieuwerkerke, ministro <strong>de</strong><br />
Napoleão III. A leitura atenta <strong>de</strong>sse<br />
texto, mostra o equívoco em se<br />
consi<strong>de</strong>rar <strong>Pedro</strong> Américo um<br />
acadêmico, conservador e neoclássico.<br />
Muito pelo contrário, o artista<br />
consi<strong>de</strong>rava a Académie <strong>de</strong>s Beaux-<br />
Arts, (hoje École Nationale <strong>de</strong>s<br />
Beaux-Arts, na rua Bonaparte em<br />
Paris) o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> lançavam<br />
anátemas a todos os artistas que não<br />
produzissem segundo a sua idolâtrie<br />
<strong>de</strong> la forme, qu’elle appelle<br />
“école classique ou <strong>de</strong> tradition”.<br />
Esta Aca<strong>de</strong>mia tradicional e neoclássica,<br />
com sua sévérité tyrannique,<br />
segundo o pintor brasileiro, era o<br />
lugar <strong>de</strong> sofrimento dos jovens artistas<br />
<strong>de</strong>vido aos julgamentos inflexíveis,<br />
com suas máximas friamente<br />
calculadas para intimidar o gênio,<br />
rebaixando o nível da arte a arene<br />
<strong>de</strong>s imitateurs <strong>de</strong>s Grecs. E continuava<br />
: Rien <strong>de</strong> plus admirable que<br />
l’art antique, mais aussi rien <strong>de</strong> plus<br />
Um pintor anticlássico contra a<br />
Aca<strong>de</strong>mia<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>rmos o<br />
porquê do uso <strong>de</strong> fotografias como<br />
mo<strong>de</strong>lo na pintura histórica <strong>de</strong><br />
batalhas e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser mo<strong>de</strong>rno,<br />
anticlássico e anti-acadêmico <strong>de</strong><br />
<strong>Pedro</strong> Américo (1843-1905), se faz<br />
necessário algumas notas esclarece-<br />
<strong>Pedro</strong> Américo, “Batalha do Avahí (Paraguai), óleos s/tela, Itália 1875-76,<br />
Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brasil<br />
n° 23 - avril 2005 LATITUDES<br />
35
<strong>Pedro</strong> Américo, “Batalha do Avahí”, retrato equestre do General Osório, <strong>de</strong>talhe.<br />
insuffisant que les moyens qu’il met<br />
à la disposition <strong>de</strong> l’artiste pour<br />
arriver à l’idéal mo<strong>de</strong>rne 2 .<br />
Portanto, <strong>Pedro</strong> Américo não<br />
estava ao lado do conservadorismo<br />
acadêmico mas fazia parte dos artistas<br />
mais críticos às doutrinas acadêmicas<br />
<strong>de</strong> seu tempo. <strong>Pedro</strong> Américo<br />
elogiava no seu manifesto, o fato<br />
<strong>de</strong> que o projeto <strong>de</strong> Reforma<br />
propunha une vue libérale com a<br />
criação <strong>de</strong> um conseil supérieur<br />
composto <strong>de</strong> artistas eminentes e<br />
<strong>de</strong> pessoas as mais esclarecidas em<br />
matéria <strong>de</strong> arte. Esse Conselho<br />
Superior, eleito pelos artistas, teria<br />
as atribuições <strong>de</strong> julgar questões<br />
artísticas relacionadas às encomendas<br />
públicas e aos Salons junto ao<br />
ministro das Belas Artes. Estas<br />
funções na época eram unicamente<br />
da conservadora Assembleia Geral<br />
dos professores da aca<strong>de</strong>mia, a qual<br />
premiava os que seguiam o mo<strong>de</strong>lo<br />
i<strong>de</strong>alista neoclássico. No Salon <strong>de</strong><br />
1863, esse júri havia recusado mais<br />
<strong>de</strong> 3.000 obras o que provocou uma<br />
ampla reação <strong>de</strong> artistas e intelectuais<br />
a ponto do Imperador<br />
Napoleão III intervir e criar o Salão<br />
dos Recusados, on<strong>de</strong> estava exposta<br />
a hoje célebre tela <strong>de</strong> Manet o<br />
Déjeuner sur l’herbe. O projeto<br />
anunciava, para 1864, a inauguração<br />
sistemática, para os anos<br />
seguintes, do Salon <strong>de</strong>s Refusés, e a<br />
criação da Union Centrale <strong>de</strong>s<br />
Beaux-Arts Appliqués à L’Industrie,<br />
cuja presença da fotografia provocaria<br />
a ira dos artistas acadêmicos e<br />
teria gran<strong>de</strong>s implicações no futuro.<br />
Todas essas propostas foram consi<strong>de</strong>radas<br />
positivas e progressistas por<br />
<strong>Pedro</strong> Américo, e para as quais ...<br />
tout le mon<strong>de</strong> <strong>de</strong>vrait applaudir.<br />
O pintor neoclássico Dominique<br />
Ingres, na época senador, ao contrário,<br />
não aplaudia como também<br />
refutava com veemência este<br />
projeto, principalmente por contemplar<br />
um status artístico à fotografia.<br />
Para Ingres, a fotografia era completamente<br />
<strong>de</strong>sprezível e recriminava<br />
em um manifesto (Au rapport,<br />
à l’École Impériale <strong>de</strong>s Beaux-Arts)<br />
qualquer aproximação entre a<br />
indústria e a arte. <strong>Pedro</strong> Américo<br />
leu essa <strong>de</strong>claração e, no fogo da<br />
polêmica em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1863,<br />
escrevia protestando contra esse<br />
texto escrito por Ingres, a quem ele<br />
chamava com certo <strong>de</strong>sdém <strong>de</strong><br />
patriarche <strong>de</strong> l´école traditionnelle<br />
cuja obsessão era perpétuer les principes<br />
<strong>de</strong> l’école <strong>de</strong> David.<br />
A posição <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> Américo<br />
contra Ingres era clara: ...la réforme<br />
n’a pas pour but d’introduire l’industrie<br />
dans l’art, mais bien l’art<br />
dans l’industrie, et par là dans la<br />
vie. De la sorte l’objection <strong>de</strong> l’illustre<br />
maître tombe d’elle-même. <strong>Pedro</strong><br />
Américo pregava, portanto, mudanças<br />
radicais colocando ênfase em<br />
um pluralismo cultural. Para ele,<br />
uma aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>veria apresentar<br />
aos seus alunos todas as doutrinas,<br />
mesmo as mais opostas como o<br />
Realismo, o Romantismo e o<br />
Classicismo (e o Impressionismo e<br />
outras vanguardas, se já existissem),<br />
colocadas diante do temperamento<br />
<strong>de</strong> cada um, para que seguissem o<br />
que lhes convinha melhor e<br />
concluía: ...L’originalité personnelle<br />
ne sera désormais sacrifiée à<br />
aucune école, à aucune doctrine<br />
exclusive, et l’esprit national se développera<br />
bien plus à son aise aux<br />
rayons d’un nouveau soleil que sous<br />
le jour et la bannière d’une antiquité<br />
bâtar<strong>de</strong> et décourageante.<br />
Alguma dúvida em ver claramente<br />
a distância enorme que separava<br />
o artista da facção bâtar<strong>de</strong> et<br />
décourageante das idéias acadêmicas,<br />
clássicas e conservadoras?<br />
Uma obsessão dos pintores e<br />
fotógrafos: representar com realismo<br />
o movimento<br />
Diante <strong>de</strong>sse manifesto a favor<br />
da arte e industria, e <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
a invenção da fotografia “positiva e<br />
fundamental” para a arte, foi igualmente<br />
notável <strong>de</strong>scobrir que o<br />
artista <strong>de</strong> fato apropriou-se <strong>de</strong> fotografias<br />
para mostrar o movimento<br />
instantâneo com realismo, representando<br />
<strong>de</strong> forma artística inovadora<br />
e intensa, a guerra do<br />
Paraguai. Tomando a fotografia<br />
como mo<strong>de</strong>lo, o pintor agia como<br />
se fosse um repórter fotográfico,<br />
tornando a pintura da Batalha do<br />
Avahí visualmente diferente da<br />
pintura i<strong>de</strong>alista tradicional. Este<br />
fato, mais do que qualquer outro,<br />
foi o que causou uma gran<strong>de</strong> polêmica<br />
entre 1877 e 1879, durante as<br />
36 LATITUDES n° 23 - avril 2005
duas exposições da obra no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro.<br />
Nos anos <strong>de</strong> 1860, a fotografia<br />
congelando um instante da ação,<br />
que o olho não via, apenas sugeria<br />
aos pintores a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar<br />
um movimento humano, em poses<br />
reais as quais não correspondiam<br />
as convencionais da pintura dos<br />
gran<strong>de</strong>s mestres conhecidos na<br />
História da Arte. Apesar <strong>de</strong>ste<br />
avanço, a fixação sofisticada e <strong>de</strong><br />
múltiplos efeitos <strong>de</strong> uma imagem<br />
em movimento rápido, como vemos<br />
hoje, ainda era um sonho distante<br />
que a fotografia prometia oferecer.<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>r a tarefa<br />
a que se propôs o pintor<br />
<strong>Pedro</strong> Américo, <strong>de</strong> pintar o<br />
movimento com realismo<br />
no Brasil a partir <strong>de</strong> fotografias,<br />
<strong>de</strong>vemos lembrar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento paralelo,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1872 até o final da<br />
década, das experiências <strong>de</strong><br />
Eadweard Muybridge (1830-<br />
1904) em Sacramento, na<br />
Califórnia e do professor e<br />
cientista francês Etienne-<br />
Jules Marey (1830-1904),<br />
em Paris, pela intensiva<br />
busca técnica para a fotografia<br />
fixar o movimento<br />
instantâneo, nesta época<br />
ainda uma quimera.<br />
Em uma busca <strong>de</strong>senfreada<br />
por um pan-realismo,<br />
a indústria produzia máquinas<br />
fotográficas que passaram<br />
a fixar uma imagem<br />
em segundos. O <strong>de</strong>senvolvimento<br />
técnico das câmeras<br />
e da química diminuíram<br />
o tempo <strong>de</strong> exposição da imagem á<br />
luz, o que permitia fixar com<br />
máxima <strong>de</strong>finição, o movimento <strong>de</strong><br />
um instante do caminhar humano e<br />
animal, nunca visto nas representações<br />
pictóricas. Enquanto <strong>Pedro</strong><br />
Américo estava pintando em<br />
Florença a movimentada Batalha<br />
do Avahí, o fotógrafo Muybridge e<br />
Etienne-Jules Marey, estavam utilizando,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes um do outro,<br />
uma nova tecnologia fotográfica<br />
capaz <strong>de</strong> captar o movimento<br />
animal. Muybridge conseguiu fotografar<br />
o galope do cavalo, em 1877-<br />
78, com fotografias instantâneas em<br />
seqüências repetidas e isoladas. As<br />
fotografias foram feitas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1872,<br />
a pedido do ex-governador da<br />
Califórnia, Leland Stanford, que<br />
<strong>de</strong>sejava saber se, em algum ponto<br />
do galope, seu cavalo “Oci<strong>de</strong>nt”<br />
ficava com as quatro patas suspensas<br />
no ar, reunidas abaixo do abdômen.<br />
Auguste Rodin (1840- 1917)<br />
que em suas esculturas procurava o<br />
segredo dos gestos dos movimentos<br />
sucessivos formulou uma crítica<br />
à essas fotografias instantâneas <strong>de</strong><br />
animais em movimento, <strong>de</strong> homens<br />
caminhando e do uso da fotografia<br />
pelos pintores. Estando a par da<br />
aplicação literal das fotografias<br />
instantâneas na obra dos pintores<br />
Fotografia do General Osório feita no Paraguai, provavelmente em 1866.<br />
Autor <strong>de</strong>sconhecido.<br />
<strong>de</strong> batalhas franceses - E.<br />
Meissonier, A. Morot, E. Detaille, P.<br />
Philippoteaux -, Rodin comentava,<br />
em tom <strong>de</strong> crítica em conversas com<br />
seu amigo Paul Gsell: É isso o que<br />
con<strong>de</strong>na certos pintores mo<strong>de</strong>rnos<br />
que, para representar cavalos a<br />
galope, limitam-se a reproduzir as<br />
poses fornecidas pela fotografia<br />
instantânea. 3<br />
Neste momento, pintar apoiado<br />
em fotografias em busca <strong>de</strong> um<br />
movimento alucinante e fora da<br />
tradição da pintura i<strong>de</strong>alista, como<br />
fez <strong>Pedro</strong> Américo, constituía uma<br />
provocação mo<strong>de</strong>rna, a ponto <strong>de</strong><br />
Rodin <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das críticas <strong>de</strong>sse<br />
olhar fotográfico realista e científico,<br />
a maneira como Géricault<br />
pintou o quadro O Derby <strong>de</strong> Epson.<br />
Nessa obra, as patas dos cavalos<br />
estavam representadas esticadas<br />
como se fossem cavalinhos <strong>de</strong> pau<br />
ou como diziam os franceses,<br />
ventre-à-terre. Estas discussões<br />
eram reações contra as <strong>de</strong>monstrações<br />
do movimento simultâneo e<br />
real do cavalo, fotografado pelo<br />
inglês Eadweard Muybridge e divulgados<br />
nos jornais europeus em<br />
1879. A fotografia, auxiliada por<br />
instrumentos óticos, provaria que<br />
não existia, na realida<strong>de</strong>, a pose<br />
convencional ventre-à-terre, calando<br />
as críticas e modificando,<br />
daí por diante, a representação<br />
em <strong>de</strong>senho e<br />
pintura dos cavalos a<br />
galope. Essas fotografias<br />
fora dos padrões, tiveram<br />
um enorme impacto para<br />
os pintores <strong>de</strong> história,<br />
notável em várias obras,<br />
principalmente na década<br />
<strong>de</strong> 1880. Os pintores <strong>de</strong><br />
batalhas dispunham agora<br />
<strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> animais e<br />
pessoas em movimento,<br />
não segundo os cânones e<br />
mo<strong>de</strong>los estéticos da arte<br />
grega e dos velhos<br />
mestres, mas a partir do<br />
realismo das fotografias <strong>de</strong><br />
Muybridge.<br />
O fato é que a divulgação,<br />
tanto das fotografias<br />
instantâneas <strong>de</strong> Muybridge,<br />
projetadas pelo zoopraxinoscópio<br />
para se ver a<br />
síntese “real” do movimento,<br />
assim como as cronofotografias<br />
(fotografias do tempo) <strong>de</strong><br />
Marey, as quais mostravam cada<br />
fase do movimento humano, animal<br />
e até do invisível ar, na mesma placa<br />
fotográfica, tinham causado um<br />
impacto enorme nas artes e nas<br />
ciências. A partir <strong>de</strong>sse momento,<br />
pelas provas visuais nunca antes<br />
registradas, toda a tentativa <strong>de</strong><br />
representação realista do movimento<br />
pelos pintores, também era<br />
passível <strong>de</strong> comparação com os<br />
<strong>de</strong>senhos feitos a partir das fotos<br />
<strong>de</strong> Muybridge nos periódicos americanos<br />
e franceses <strong>de</strong> 1878 e 1879.<br />
Por outro lado, as fotografias <strong>de</strong><br />
n° 23 - avril 2005 LATITUDES<br />
37
Este cavalo, sem dúvida, foi pintado tendo como mo<strong>de</strong>lo<br />
a fotografia ao lado. A ilusão <strong>de</strong> movimento “para <strong>de</strong>ntro”<br />
do quadro criava uma imagen realista fora do padrões<br />
i<strong>de</strong>alistas da acacemia.<br />
Marey, ao fixar o <strong>de</strong>slocamento<br />
ainda hoje impressionante <strong>de</strong> uma<br />
forma no espaço, abria caminho<br />
para uma futura arte abstrata, notadamente<br />
nos movimentos artísticos<br />
iniciais bem conhecidos dos cubistas,<br />
futuristas e dadaístas.<br />
Pelas datas, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>Pedro</strong><br />
Américo não viu estas fotografias<br />
enquanto pintava a Batalha do<br />
Avahí, entre 1875 e 1876. Mas o<br />
pintor, por suas fortes preocupações<br />
em representar o movimento, <strong>de</strong>veria<br />
ter conhecimento <strong>de</strong>stas experiências<br />
fotográficas <strong>de</strong> Muybridge<br />
através <strong>de</strong> escritos anteriores. É possível<br />
pensar que a acentuação exagerada<br />
nos <strong>de</strong>talhes do movimento real,<br />
pintados por <strong>Pedro</strong> Américo, fosse<br />
<strong>de</strong>vido à divulgação das experiências<br />
das fotos <strong>de</strong> Muybridge e <strong>de</strong><br />
Marey <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1873, o que estimulou<br />
ainda mais tanto os pintores <strong>de</strong><br />
Panoramas, como também os pintores<br />
<strong>de</strong> história como Meissonier e<br />
<strong>Pedro</strong> Américo a capricharem nos<br />
símbolos do movimento 4 .<br />
Sabe-se também<br />
da notícia publicada<br />
em Paris, por Gaston<br />
Tissandier no periódico<br />
La Nature, <strong>de</strong><br />
1874, um ano antes<br />
<strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> Américo<br />
começar a pintar a<br />
Batalha do Avahí e<br />
<strong>de</strong> Meissonier terminar<br />
a Batalha <strong>de</strong><br />
Friedland. Sem ter<br />
acesso às fotos <strong>de</strong><br />
Muybridge, <strong>Pedro</strong><br />
Américo teria sido<br />
estimulado pelas<br />
informações escritas e<br />
usado as fotos estáticas,<br />
compradas em<br />
Florença e em Paris,<br />
para servirem <strong>de</strong><br />
ai<strong>de</strong>s-mémoire para<br />
pintar o movimentado<br />
painel. Já os pintores<br />
<strong>de</strong> Panoramas, como os<br />
Philippoteaux, buscavam<br />
tornar essas<br />
evidências fotográficas<br />
ainda mais espetaculares,<br />
nas exibições das<br />
imensas rotundas, com<br />
a cobrança <strong>de</strong> ingressos<br />
aberto ao público.<br />
A “visão total” dos panoramas e<br />
o “golpe-<strong>de</strong>-vista” da fotografia<br />
instantânea<br />
Esse clima cultural reforçava os<br />
objetivos <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> Américo em<br />
captar o instante fugaz <strong>de</strong> um corpo<br />
em movimento, e que a máquina<br />
fotográfica se aproximava por registrar<br />
com todo o realismo. Na<br />
Batalha do Avahí, essa obsessão<br />
em fixar uma imagem pictórica<br />
como se captada em um “golpe-<strong>de</strong>vista”<br />
fotográfico, atingiu o clímax<br />
em vários pontos da composição.<br />
Destacaremos apenas um <strong>de</strong>les,<br />
que consi<strong>de</strong>ramos notável. Trata-se<br />
do cavalo pintado a partir <strong>de</strong> uma<br />
fotografia, localizado à esquerda na<br />
cena on<strong>de</strong> se encontra o General<br />
Osório. Esta fotografia pertencia à<br />
coleção do pintor, possivelmente<br />
adquirida a partir <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875,<br />
conforme data escrita a bico-<strong>de</strong>pena<br />
no verso <strong>de</strong> uma das fotos <strong>de</strong><br />
A. Hautmann, em Florença 5 . É uma<br />
fotografia curiosa <strong>de</strong> um cavalo<br />
branco, <strong>de</strong> costas, sem ser possível<br />
divisar-lhe a cabeça. A sua cauda,<br />
tendo feito um movimento muito<br />
rápido, tornou impossível a fixação<br />
<strong>de</strong>sse movimento pela fotografia,<br />
dando ao cavalo estranho aspecto<br />
como se não tivesse cauda,<br />
mostrando bem os <strong>de</strong>talhes anatómicos<br />
(fig. 1).<br />
A transposição para a pintura<br />
acentuou a estranheza <strong>de</strong>sse<br />
escorço absolutamente original na<br />
representação <strong>de</strong> cavalos. A fotografia,<br />
servindo como referência<br />
para a memória, possibilitou a<br />
<strong>Pedro</strong> Américo pintar na Batalha<br />
do Avahí, não o cavalo estático, mas<br />
a suspensão <strong>de</strong> um instante em que<br />
todo o peso do animal estava<br />
flutuando com as quatro patas no<br />
ar, antes <strong>de</strong> voltar a tocar o chão.<br />
O extraordinário movimento do<br />
cavalo, pintado a partir da inusitada<br />
e estranha fotografia, criava uma<br />
imagem fora dos padrões i<strong>de</strong>alistas<br />
da aca<strong>de</strong>mia. É claro que esta<br />
imagem podia alinhar-se ao<br />
mosaico da Batalha <strong>de</strong> Alexandre<br />
em Pompéia, ou ao mo<strong>de</strong>lo cultural<br />
francês na representação dos<br />
cavalos pintados nos painéis <strong>de</strong><br />
Paul Delaroche, Horace Vernet ou<br />
Adolphe Yvon em Versalhes, pintores<br />
que também se apropriaram <strong>de</strong><br />
fotografias e eram bem conhecidos<br />
pelo pintor brasileiro. O que é<br />
inegável é que o uso da fotografia<br />
realista como mo<strong>de</strong>lo para pintar,<br />
dava ênfase a <strong>de</strong>talhes do movimento<br />
real, modificando a representação<br />
ventre-à-terre como vistos<br />
na pintura <strong>de</strong> Géricault.<br />
Foi tão gritante essa novida<strong>de</strong><br />
na época que um crítico <strong>de</strong> pseudônimo<br />
Nullius, escrevia em um dos<br />
principais jornais do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
a Gazeta <strong>de</strong> Notícias <strong>de</strong> 1877,<br />
atacando as mudanças mo<strong>de</strong>rnas<br />
da pintura. Acusava <strong>Pedro</strong> Américo<br />
<strong>de</strong> ter usado o expediente <strong>de</strong> pintar<br />
o cavalo com o seu movimento<br />
natural, dando a aparência <strong>de</strong> realmente<br />
estar no ar, apenas com o<br />
objetivo <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r o público.<br />
O crítico con<strong>de</strong>nava o fato <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong><br />
Américo procurar ostentar na<br />
pintura os novos recursos artísticos<br />
com a ...beleza real [da fotografia] e<br />
38 LATITUDES n° 23 - avril 2005
com algum i<strong>de</strong>al, realizando, na<br />
pintura da Batalha do Avahí, essa<br />
aspiração maior dos pintores <strong>de</strong><br />
história mais avançados e mo<strong>de</strong>rnos<br />
da época. Indignado com os<br />
novos padrões artísticos trazidos<br />
por <strong>Pedro</strong> Américo ao Brasil, criticava<br />
com sarcasmo as novida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> cor e da composição dinâmica<br />
como estando fora das regras acadêmicas<br />
da verda<strong>de</strong>ira arte e do bom<br />
gosto i<strong>de</strong>al. O crítico consi<strong>de</strong>rava<br />
um <strong>de</strong>feito o cavalo estar <strong>de</strong> costas<br />
para o observador, galopando ilusoriamente<br />
para <strong>de</strong>ntro do quadro.<br />
Para ele, esta posição foi escolhida<br />
por <strong>Pedro</strong> Américo só para que<br />
...bem visível se tornasse essa agilida<strong>de</strong><br />
e leveza pela moleza das articulações<br />
das patas posteriores, e a<br />
nosso ver, <strong>de</strong>sviando a atenção do<br />
espectador para a novida<strong>de</strong> da hábil<br />
solução fotográfica da pintura, a<br />
qual causava um forte e impressionante<br />
impacto visual. 6<br />
A interpretação pictórica dos<br />
retratos fotográficos... em movimento<br />
O gran<strong>de</strong> público já familiarizado<br />
com o padrão visual fotográfico,<br />
<strong>de</strong>sejava ver na pintura <strong>de</strong><br />
história, não invenções i<strong>de</strong>alizadas,<br />
mas cenas <strong>de</strong> um realismo “científico”<br />
e “verda<strong>de</strong>iro”. Para pintar<br />
seguindo essa <strong>de</strong>manda <strong>Pedro</strong><br />
Américo iria utilizar-se também <strong>de</strong><br />
uma fotografia obtida durante a<br />
guerra no Paraguai, para pintar o<br />
retrato do General Osório. Esta foto<br />
havia servido <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo não só a<br />
<strong>Pedro</strong> Américo, mas também a<br />
outros pintores, notadamente ao<br />
pintor francês radicado no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Jean Courtois e a Joaquim<br />
Fragoso em 1870, ficando claro ser<br />
uma maneira corrente e já habitual<br />
entre os pintores brasileiros o uso<br />
<strong>de</strong> fotografias substituindo o<br />
mo<strong>de</strong>lo-vivo, para realizar retratos.<br />
Na interpretação pictórica,<br />
<strong>Pedro</strong> Américo buscou a aparência<br />
física “verda<strong>de</strong>ira”, na exatidão literal<br />
da fotografia, acrescida dos<br />
sinais <strong>de</strong> tensão exigida pela narrativa<br />
da cena, modificando, assim, a<br />
direção do olhar do general Osório,<br />
transformando a frontalida<strong>de</strong> está-<br />
n° 23 - avril 2005 LATITUDES<br />
tica da fotografia em uma ação <strong>de</strong><br />
sofrear o cavalo diante do perigo<br />
(fig.2). O excesso <strong>de</strong> luz na fotografia<br />
- ocasionado pela forte luz<br />
solar ou pela luz oxietérica - dava<br />
um aspecto “achatado” e plano ao<br />
rosto, fazendo do retrato uma má<br />
fotografia até para os padrões da<br />
época. Isto obrigou <strong>Pedro</strong> Américo<br />
a reconstruir, manualmente, a forma<br />
volumétrica do crânio através do<br />
mo<strong>de</strong>lado <strong>de</strong> luz e sombra e da cor<br />
local da pele. Esta prática antiga,<br />
comum aos pintores, hoje foi transferida<br />
para um programa <strong>de</strong> computador<br />
: <strong>de</strong>marcando a topografia da<br />
face, é possível criar a ilusão do<br />
volume.<br />
As fotografias encontradas na<br />
Biblioteca Nacional - RJ mostraram<br />
claramente que o retrato <strong>de</strong> Osório<br />
não foi o único em que <strong>Pedro</strong><br />
Américo baseou-se para pintar a<br />
Batalha do Avahí. O Duque <strong>de</strong><br />
Caxias, O Barão do Triunfo Andra<strong>de</strong><br />
Neves, o General Câmara e outros<br />
oficiais retratados na Batalha<br />
também tiveram como mo<strong>de</strong>lo fotografias.<br />
É possível que o pintor<br />
tenha usado fotografias também<br />
para os batalhões <strong>de</strong> soldados,<br />
talvez conhecidos na época e hoje<br />
anônimos, assim como dos índios<br />
paraguaios. Com efeito,<br />
po<strong>de</strong>-se observar que os<br />
personagens não foram<br />
pintados i<strong>de</strong>alizados, sem<br />
a característica individual<br />
como propunha o cânone<br />
das aca<strong>de</strong>mias tradicionais,<br />
mas preservava a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada<br />
soldado. Esse trabalho<br />
escrupuloso em retratar<br />
um ser real baseado em<br />
“inartificiosas fotografias”,<br />
como escreveu <strong>Pedro</strong><br />
Américo, claramente rejeitava<br />
a tradição renascentista<br />
italiana estabelecida<br />
como única pelas aca<strong>de</strong>mias,<br />
a qual propunha<br />
uma narrativa totalmente<br />
i<strong>de</strong>alizada. Foi observando,<br />
essa quantida<strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> retratos<br />
individuais, “verda<strong>de</strong>iros”<br />
e nada i<strong>de</strong>alizados, que<br />
levou uma boa parte da<br />
recepção crítica da época<br />
a celebrar a diferença “mo<strong>de</strong>rna”<br />
<strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> Américo em relação à<br />
pintura <strong>de</strong> história que estava sendo<br />
feita no Brasil, provocando uma<br />
imensa polêmica na imprensa da<br />
época.<br />
A nosso ver, essa firme con<strong>de</strong>nação<br />
em que se consi<strong>de</strong>rava inadmissível<br />
pintar figuras i<strong>de</strong>alizadas,<br />
<strong>de</strong>via-se à facilida<strong>de</strong> que existia<br />
para um pintor em encontrar mo<strong>de</strong>los<br />
<strong>de</strong> soldados e oficiais retratados<br />
em milhares <strong>de</strong> fotografias, as quais<br />
eram vendidos pelos fotógrafos no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, similares aos carte<strong>de</strong>-visite<br />
inventados em Paris por<br />
Disdéri, em 1854. Não utilizá-los era<br />
ir contra a “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” da<br />
pintura <strong>de</strong> história, que pretendia<br />
solucionar o dilema do realismo e<br />
do i<strong>de</strong>alismo, harmonizando o uso<br />
das imagens técnicas, objetivas e<br />
“científicas” da fotografia com a<br />
imaginação. Além disso, o uso <strong>de</strong><br />
fotografias favorecia uma rapi<strong>de</strong>z<br />
<strong>de</strong> execução e a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao<br />
mo<strong>de</strong>lo real dos principais personagens<br />
do conflito que ainda estavam<br />
vivos, e po<strong>de</strong>riam fornecer<br />
fotografias assim como um testemunho<br />
“verda<strong>de</strong>iro” dos fatos históricos.<br />
Outro ponto importante a<br />
<strong>de</strong>stacar é a questão da ampliação<br />
Curiosa fotografia <strong>de</strong> um cavalo em que o movimento da<br />
cauda não foi fixado pela câmera e que serviu como “ai<strong>de</strong>smémoire”<br />
para a pintar. Fotografia <strong>de</strong> C. Famin, Paris.<br />
Comprado pelo pintor <strong>Pedro</strong> Américo na “photographie<br />
artistique A. Foncelle, Paris, (Arquivo <strong>de</strong> pintor, Museu<br />
Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brasil).<br />
39
BIBLIOGRAFIA<br />
• BAJAC, Q., L´image révélée -<br />
L´invention <strong>de</strong> la photographie -<br />
ed. Decouvertes Gallimard<br />
/Réunion <strong>de</strong>s Musées Nationaux.<br />
• DIDI-HUBERMAN, G. E<br />
MANNONI, L., Mouvements <strong>de</strong><br />
l´air- Étienne Jules-Marey, photographe<br />
<strong>de</strong>s fluids, Ed. Gallimard,<br />
Paris, 2004, 361pp.,il.<br />
• EVERDELL, William R., Os primeiros<br />
mo<strong>de</strong>rnos. Tit. original em<br />
inglês: The first mo<strong>de</strong>rns., RJ, Ed.<br />
Record, 2000, 571 p., trad. <strong>de</strong><br />
Cynthia Cortes e Paulo Soares.<br />
• FRIZOT, M., Étienne-Jules Marey,<br />
Ed. Centre National <strong>de</strong> Photographie,<br />
Paris, 1987, 140 pp. il.<br />
• GERNSHEIM, Helmuth (in colaboration<br />
with Alison Gernsheim), A<br />
Concise History of Photograph,<br />
Thames and Hudson, Londres, 1a<br />
ed.1965, 2a ed. revisada 1971, 314<br />
p.,il.<br />
• HENDRICK, G., Eadweard<br />
Muybridge - the father of the Motion<br />
Picture, Dover Publications, 2001,<br />
271p., iI.<br />
• LANEYRIE-DAGEN, N. (org.), Le<br />
Métier d’Artiste. Ed. Larousse-<br />
Bordas/HER, Paris, 1999, 239 p., il.<br />
• OLIVEIRA, Vladimir Machado <strong>de</strong>,<br />
Do Esboço pictórico às rotundas<br />
dos Dioramas: A fotografia na<br />
pintura <strong>de</strong> Batalhas <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong><br />
Américo (1843-1905), Tese <strong>de</strong><br />
Doutorado, USP, 2002, 283 pp.,il.<br />
(arquivo digital e impresso).<br />
• RODIN, Auguste, L´Art, Entretiens<br />
réunis par Paul GSELL , Bernard<br />
Grasset, Paris,1912, 318 pp., il.<br />
• ROUILLÉ, André, La photographie<br />
en France : Textes et controverses -<br />
1816-1860, ed. Macula, Paris,<br />
1989.<br />
das figuras e da rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> execução<br />
da obra, realizada praticamente<br />
em um ano. As fotografias <strong>de</strong> retratos<br />
dos personagens da guerra no<br />
formato carte-<strong>de</strong>-visite (6 X 9cm)<br />
po<strong>de</strong>riam ser ampliados sem dificulda<strong>de</strong>,<br />
manualmente para uma<br />
tela, por um solitário pintor na<br />
pintura <strong>de</strong> cavalete. Mas em uma<br />
obra <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões como a<br />
Batalha do Avahí, nada era espontâneo<br />
e necessitava <strong>de</strong> preparativos<br />
técnicos seguros para o bom resul-<br />
tado final da obra. O problema<br />
então, era resolver em um gran<strong>de</strong><br />
mural a exigência <strong>de</strong> “rapi<strong>de</strong>z” <strong>de</strong><br />
execução e “perfeição” realista dos<br />
fatos. Observe-se que a pintura<br />
contava com mais <strong>de</strong> 400 figuras e<br />
on<strong>de</strong> cada soldado estava retratado<br />
individualmente com gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes. Nossa hipótese<br />
é arriscada, mas seguindo fortes<br />
indícios, é bem possível que tenham<br />
sido feitos clichês em vidro <strong>de</strong>stas<br />
fotografias para que fossem projetadas<br />
com a Lanterna Mágica, fazendo<br />
as ampliações dos retratos na tela.<br />
A nossa hipótese <strong>de</strong> uso <strong>de</strong><br />
instrumentos óticos, é reforçada<br />
pelo fato <strong>de</strong> que <strong>Pedro</strong> Américo<br />
conhecia bem o campo fotográfico,<br />
sendo amigo <strong>de</strong> um dos mais<br />
importantes fotógrafos cariocas,<br />
Marc Ferrez, com quem se aconselhava.<br />
Ferrez com ajuda <strong>de</strong> óticos<br />
franceses, havia construído no final<br />
do séc. XIX, uma câmera que fotografava<br />
panoramas em clichê <strong>de</strong><br />
vidro <strong>de</strong> até 1m X 30 cm, um dos<br />
maiores da época.O mais notável é<br />
que Marc Ferrez era também um<br />
<strong>de</strong>voto das projeções luminosas <strong>de</strong><br />
fotografias com a Lanterna Mágica<br />
em locais públicos, e que certamente<br />
o pintor conhecia esses<br />
instrumentos.<br />
Essa hipótese em nada diminui<br />
a autoria criativa da obra. Essa era<br />
uma prática comum dos pintores<br />
murais da pintura <strong>de</strong> história e principalmente<br />
dos populares Panoramas,<br />
os quais <strong>Pedro</strong> Américo conhecia<br />
bem, tendo visitado o Panorama<br />
<strong>de</strong> Londres, na Inglaterra.<br />
O Impressionismo francês, que<br />
ditaria os rumos <strong>de</strong> um novo<br />
mo<strong>de</strong>rnismo nas artes, só seria<br />
conhecido amplamente a partir <strong>de</strong><br />
1880. Portanto, po<strong>de</strong>mos afirmar<br />
sem medo <strong>de</strong> errar, que <strong>Pedro</strong><br />
Américo entre 1860 e 1880 havia<br />
mo<strong>de</strong>rnizado a pintura <strong>de</strong> história<br />
no Brasil. Nesse ponto, a sua<br />
pintura <strong>de</strong> história ocupou um significativo<br />
espaço <strong>de</strong> representação na<br />
socieda<strong>de</strong> brasileira. Além do resultado<br />
pictórico e além da recepção<br />
crítica <strong>de</strong> sua obra, ele interagiu<br />
com sua pintura dialogando com as<br />
transformações sócio-culturais <strong>de</strong><br />
seu tempo. Foi nesse período histórico<br />
da inauguração da chamada<br />
“era do espetáculo” que <strong>Pedro</strong><br />
Américo respon<strong>de</strong>u aos <strong>de</strong>safios<br />
buscando uma solução das mais<br />
avançadas e mo<strong>de</strong>rnas para a<br />
época. Combinando a imaginação e<br />
o rigor realista “verda<strong>de</strong>iro”, tendo<br />
as fotografias como mo<strong>de</strong>los na<br />
representação pictórica da história,<br />
e fazendo uma instalação da<br />
Batalha do Avahí em uma espetacular<br />
rotunda <strong>de</strong> Panorama, com<br />
cobrança <strong>de</strong> ingresso visando o<br />
gran<strong>de</strong> público não letrado, ele<br />
inseria a cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
“a Bizâncio comercial”, no cosmopolitismo<br />
do “espetáculo das artes”<br />
da civilização oci<strong>de</strong>ntal. A história<br />
posterior, <strong>de</strong> uma cultura, como a<br />
brasileira, marcada por altas taxas<br />
<strong>de</strong> analfabetismo, revelaria por<br />
certo, muito da eficácia, do alcance<br />
e do impacto coletivo <strong>de</strong>sta representação<br />
visual ●<br />
1 Wat, Pierre, “Salonard et refusés, XIX<br />
siècle”. In Laneyrie-Dagen, N. et al.,<br />
Le Métier d’Artiste, Larousse-<br />
Bordas/HER, 1999, p.162.<br />
2 Cf. Américo, <strong>Pedro</strong>, La Réforme <strong>de</strong><br />
l’École <strong>de</strong>s Beaux-Arts et l’opposition<br />
par un élève, A. Morel et Cie.<br />
Editeurs, Paris, 1863, 15 p., 15 X 10<br />
cm, p.11. As citações em francês a<br />
seguir, correspon<strong>de</strong>m a esse texto <strong>de</strong><br />
P. Américo. Agra<strong>de</strong>cemos imensamente<br />
ao Padre Ruy Vieira o acesso<br />
a esse raro e precioso opúsculo.<br />
Padre Vieira é fundador do Museu<br />
<strong>Pedro</strong> Américo em Areia, em<br />
Paraíba, terra natal do artista.<br />
3 RODIN, Auguste, L´Art, 1912, p.78.<br />
4 Étienne-Jules Marey publica em 1873<br />
em Paris, La machine animale, locomotion<br />
terrestre et aérienne com 117<br />
figuras. Em 1872-1873, jornais <strong>de</strong> S.<br />
Francisco, como o Bulletin, a<br />
Chronicle e o Post haviam tornado<br />
notável o fato das experiências fotográficas<br />
do movimento, feitas por<br />
Muybridge. Cf. Hendrick, G. op.cit.,<br />
p. 100. e FRIZOT, M. op.cit.<br />
5 Trata-se <strong>de</strong> uma foto <strong>de</strong> cavalo <strong>de</strong><br />
autoria <strong>de</strong> C. Famin - photographe,<br />
Paris, colada em cartão ver<strong>de</strong>, tendo<br />
no verso o carimbo da Photographie<br />
Artistique, A.Foucelle, Rue <strong>de</strong> Seine,<br />
6, Paris. Dim. 12 X 15 aprox. (pasta<br />
44, arquivo do MNBA-RJ).<br />
6 Nullius, Gazeta <strong>de</strong> Notícias, 29 set. e<br />
2 out. 1877, p. 2 e 3. Biblioteca<br />
Nacional - RJ.<br />
40 LATITUDES n° 23 - avril 2005