Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do ... - SciELO
Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do ... - SciELO
Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do ... - SciELO
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
14 Isabel Di<strong>as</strong><br />
A partir de 1985, <strong>no</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, a justiça p<strong>as</strong>sou a distinguir a situação<br />
quid pro quo da situação de <strong>as</strong>sédio designada por “ambiente hostil”. Com efeito,<br />
grande parte d<strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> que são vítim<strong>as</strong> de <strong>as</strong>sédio sexual reportam igualmente<br />
experiênci<strong>as</strong> de “ambiente hostil”. Este é gera<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> <strong>as</strong> atitudes e comportamentos<br />
de <strong>as</strong>sédio sexual se <strong>as</strong>sociam a prátic<strong>as</strong> ofensiv<strong>as</strong> e humilhantes. Ocorre<br />
quan<strong>do</strong> os actos de abuso sexual são produto de pensamentos e atitudes sexist<strong>as</strong> e<br />
misógin<strong>as</strong> (Morgan, 2001). As organizações que promovem polític<strong>as</strong> de género discriminatóri<strong>as</strong><br />
tendem a alimentar “ambientes hostis” e a favorecer prátic<strong>as</strong> de <strong>as</strong>sédio<br />
e hostilidade <strong>contra</strong> <strong>as</strong> <strong>mulheres</strong>. As ocupações profissionais que têm como implícito<br />
que a m<strong>as</strong>culinidade é um requisito para a empregabilidade, tendem, de<br />
igual mo<strong>do</strong>, a desenvolver “ambientes hostis”, como é o c<strong>as</strong>o d<strong>as</strong> profissões ligad<strong>as</strong><br />
às forç<strong>as</strong> de segurança, à indústria automóvel, à justiça, entre outr<strong>as</strong>.<br />
No âmbito <strong>do</strong> <strong>as</strong>sédio sexual o homem enceta geralmente um processo de negociação<br />
com a mulher, implícita ou explicitamente, em troca de favores sexuais. O<br />
contacto físico, os favores sexuais, a pressão para “encontros” e saíd<strong>as</strong> são muit<strong>as</strong><br />
vezes tolerad<strong>as</strong> sob a (falsa) expectativa criada às <strong>mulheres</strong> de promoção na<br />
carreira.<br />
O <strong>as</strong>sédio sexual está <strong>as</strong>sim ancora<strong>do</strong> <strong>no</strong> campo da sedução e da sexualidade;<br />
isto é, sobre um modelo que valida e legitima relações desiguais entre homens e<br />
<strong>mulheres</strong> em matéria da sexualidade (J<strong>as</strong>pard, 2005: 105). Contu<strong>do</strong>, para Koss e outros<br />
(1994: 113), o <strong>as</strong>sédio sexual não tem nada a ver com a sexualidade. Representa,<br />
pelo contrário, uma expressão exacerbada <strong>do</strong> sexismo e uma d<strong>as</strong> form<strong>as</strong> mais nef<strong>as</strong>t<strong>as</strong><br />
e subtis de violação d<strong>as</strong> <strong>mulheres</strong>.<br />
M<strong>as</strong> a definição <strong>do</strong> conceito de <strong>as</strong>sédio sexual, à semelhança de outros conceitos<br />
relevantes, tem vin<strong>do</strong> a beneficiar de alguma discussão teórica desenvolvida<br />
em seu tor<strong>no</strong>. Para MacKin<strong>no</strong>n (1979), o <strong>as</strong>sédio sexual refere-se a uma imposição<br />
de exigênci<strong>as</strong> sexuais indesejad<strong>as</strong>, que se desenvolvem <strong>no</strong> contexto de uma relação<br />
de poder desigual. Nesta definição é central a <strong>no</strong>ção de poder, que permite obter<br />
benefícios ou impor privações de ordem diversa na esfera laboral. Por seu tur<strong>no</strong>,<br />
Benson e Thomson (1982) consideram que o <strong>as</strong>sédio sexual é mais <strong>do</strong> que uma forma<br />
de coerção sexual e que só poderá ser devidamente compreendi<strong>do</strong> na confluência<br />
d<strong>as</strong> relações de autoridade e <strong>do</strong> interesse sexual existentes numa sociedade estratificada<br />
em função <strong>do</strong> género. Para Lafontaine e Tredeau (1986), o <strong>as</strong>sédio sexual<br />
é defini<strong>do</strong> como qualquer acção que ocorre dentro <strong>do</strong> espaço laboral, em que <strong>as</strong><br />
<strong>mulheres</strong> são tratad<strong>as</strong> como objecto d<strong>as</strong> prerrogativ<strong>as</strong> sexuais <strong>do</strong> homem. Farley<br />
(1978) refere que o <strong>as</strong>sédio consiste num comportamento m<strong>as</strong>culi<strong>no</strong> de natureza<br />
sexual indeseja<strong>do</strong> e não recíproco. Neste c<strong>as</strong>o, para além da sua função <strong>no</strong> posto de<br />
<strong>trabalho</strong>, os perpetra<strong>do</strong>res atribuem às <strong>mulheres</strong> um papel sexual. Tais concepções<br />
definem o <strong>as</strong>sédio sexual como um acto de violação, situan<strong>do</strong>-o <strong>no</strong> âmbito de um<br />
nexus socialmente defini<strong>do</strong> pela intersecção <strong>do</strong> sexo e <strong>do</strong> poder, mais <strong>do</strong> que qualquer<br />
outra variável independente.<br />
Trata-se, como vimos, de um <strong>do</strong>mínio em que prevalece a diversidade de definições<br />
e em que <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>sificações existentes recobrem um v<strong>as</strong>to espectro de experiênci<strong>as</strong>,<br />
que vão desde o abuso verbal ao <strong>as</strong>salto sexual. Porém, não há dúvida de<br />
que o problema tem vários contor<strong>no</strong>s que têm que ser considera<strong>do</strong>s.<br />
SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n.º 57, 2008, pp.11-23