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Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do ... - SciELO

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18 Isabel Di<strong>as</strong><br />

controlo. À semelhança da violação, <strong>do</strong> incesto ou da agressão física, <strong>no</strong> <strong>as</strong>sédio sexual<br />

o meio através <strong>do</strong> qual é exerci<strong>do</strong> o controlo e o poder é o sexo. Ao privilegiar o<br />

desejo sexual <strong>do</strong> homem sobre <strong>as</strong> necessidades da mulher, o <strong>as</strong>sédio sexual sustenta<br />

a <strong>do</strong>minância m<strong>as</strong>culina e a subordinação feminina. Também se alimenta <strong>do</strong> sigilo,<br />

ocultan<strong>do</strong> desta forma a vitimação de que muit<strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> são alvo. Não obstante,<br />

toda a gente sabe que ele existe e que vitima inúmer<strong>as</strong> <strong>mulheres</strong>. Por isso é<br />

que é designa<strong>do</strong> como o “great open secret” (Koss e outros, 1994: 111).<br />

Embora seja pratica<strong>do</strong> em locais de <strong>trabalho</strong>, o <strong>as</strong>sédio sexual partilha, de<br />

igual mo<strong>do</strong>, com <strong>as</strong> restantes form<strong>as</strong> de violência <strong>contra</strong> <strong>as</strong> <strong>mulheres</strong>, a natureza<br />

privada da experiência de vitimação. Continua a ser tabu falar deste tipo de abuso<br />

— a maior parte d<strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> são socializad<strong>as</strong> para tratar e manter a experiência<br />

de <strong>as</strong>sédio como um <strong>as</strong>sunto priva<strong>do</strong>. Por essa razão, o sofrimento decorrente da<br />

sua vitimação continua a ser subestima<strong>do</strong>. Para tal contribui, de igual mo<strong>do</strong>, a inexistência<br />

de estatístic<strong>as</strong> ou estu<strong>do</strong>s nacionais representativos sobre este tipo de violência<br />

praticada <strong>contra</strong> <strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> e o facto de a sua existência ser ig<strong>no</strong>rada <strong>no</strong>s estu<strong>do</strong>s<br />

de vitimação sexual (idem).<br />

Quan<strong>do</strong> <strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> resistem, rejeitam o <strong>as</strong>sédio sexual e questionam a natureza<br />

supostamente “natural” d<strong>as</strong> imposições <strong>do</strong> género m<strong>as</strong>culi<strong>no</strong> é a sua própria<br />

credibilidade — não a <strong>do</strong> abusa<strong>do</strong>r ou da organização que permite tais comportamentos<br />

— que é colocada em causa e sob suspeita (Fitzgerald, 1993). Trata-se de um<br />

crime que continua a beneficiar de uma forte impunidade. Ceden<strong>do</strong> ou não ao <strong>as</strong>sédio<br />

sexual, <strong>as</strong> <strong>mulheres</strong> correm sempre o risco de serem despromovid<strong>as</strong>, demitid<strong>as</strong><br />

ou de lhes serem negad<strong>as</strong> <strong>as</strong> condições básic<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong> para efectuarem o seu<br />

<strong>trabalho</strong>.<br />

As <strong>mulheres</strong> que reagem às inúmer<strong>as</strong> situações de abuso <strong>no</strong> local de <strong>trabalho</strong><br />

são alvo de processos de humilhação; os familiares e amigos tendem a desacreditar<br />

a sua experiência de vitimação e acabam geralmente <strong>no</strong> desemprego. Neste c<strong>as</strong>o,<br />

perdem simultaneamente o emprego e o estatuto de <strong>mulheres</strong> “séri<strong>as</strong>”. O me<strong>do</strong> de<br />

perder o emprego é real. Nos EUA, entre 60% a 70% d<strong>as</strong> vítim<strong>as</strong> de <strong>as</strong>sédio sexual<br />

que procuraram ajuda junto d<strong>as</strong> agênci<strong>as</strong> de serviço social en<strong>contra</strong>vam-se desempregad<strong>as</strong><br />

(Morgan, 2001).<br />

Geralmente, <strong>as</strong> vítim<strong>as</strong> de <strong>as</strong>sédio sexual não procuram intervenção porque<br />

receiam retaliação e que não acreditem nel<strong>as</strong>. Também duvidam da eficácia da justiça<br />

e temem perder o emprego. Tais receios são bem funda<strong>do</strong>s, na medida em que<br />

os c<strong>as</strong>os de <strong>as</strong>sédio sexual raramente chegam a tribunal; o processo de litigação<br />

transforma-se numa experiência complementar de violência; os trâmites processuais<br />

são dem<strong>as</strong>ia<strong>do</strong> morosos (e. g., <strong>no</strong>s EUA só 1% de to<strong>do</strong>s os c<strong>as</strong>os de <strong>as</strong>sédio<br />

sexual chegam a tribunal); e, por fim, os advoga<strong>do</strong>s têm alguma relutância em representar<br />

c<strong>as</strong>os de <strong>as</strong>sédio sexual. Aest<strong>as</strong> razões importa acrescentar que a cl<strong>as</strong>sificação<br />

de <strong>as</strong>sédio sexual é difícil de estabelecer, porque repousa na <strong>no</strong>ção de intencionalidade<br />

<strong>do</strong> autor. É, de igual mo<strong>do</strong>, difícil estabelecer a prova, uma vez que se<br />

trata de comportamentos que ocorrem em contexto priva<strong>do</strong> ou na ausência de testemunh<strong>as</strong>.<br />

Est<strong>as</strong> são relutantes em colaborar porque têm igualmente receio de perder<br />

o emprego num contexto laboral altamente concorrencial. Por vezes, também<br />

foram el<strong>as</strong> própri<strong>as</strong> alvo de <strong>as</strong>sédio sexual (J<strong>as</strong>pard, 2005: 106). Em conjunto, to<strong>do</strong>s<br />

SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n.º 57, 2008, pp.11-23

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