6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões
6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões
6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A porta estava trancada. A casa se movia.<br />
- N<strong>os</strong>sa, tio, o que será que está acontecendo?<br />
PAI<br />
- Não sei, Lucas. Só n<strong>os</strong> resta esperar.<br />
- P<strong>os</strong>so olhar pela janela, pai?<br />
PAI<br />
- Pode Daniel.<br />
- Não dá para ver nada. Lá fora tem uma espécie de neblina.<br />
- Tio, onde estam<strong>os</strong>?<br />
PAI - Não sei Mayra. O Melhor talvez seja ficar por aqui... Vam<strong>os</strong> tentar n<strong>os</strong> acomodar e descansar um<br />
pouco...<br />
- Eu estou com medo.<br />
- Eu tenho fome.<br />
PAI<br />
- Não há o que fazer... é melhor esperar...<br />
Acomodam-se. Esperam. As crianças adormecem.<br />
Cena 7: OS TUBARÕES E OS HOMENS<br />
PAI<br />
- (olhando para o livro. Abrindo. Lendo) Vam<strong>os</strong> ver...<br />
Voz em off. Fade-out da luz. Escuridão...<br />
Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para<br />
com <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>?<br />
Certamente, respondeu o Sr. K. Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para <strong>os</strong><br />
peixes pequen<strong>os</strong>, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas<br />
tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um<br />
peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do<br />
tempo.<br />
Para que <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> não ficassem melancólic<strong>os</strong> haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois <strong>os</strong><br />
peixinh<strong>os</strong> alegres têm melhor sabor do que <strong>os</strong> tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas<br />
escolas <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela d<strong>os</strong> tubarões. Precisariam<br />
saber geografia, por exemplo, para localizar <strong>os</strong> grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.<br />
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral d<strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>. Eles seriam informad<strong>os</strong> de que nada<br />
existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que tod<strong>os</strong> deveriam crer n<strong>os</strong><br />
tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. <strong>Os</strong> peixinh<strong>os</strong> saberiam que este<br />
futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> deveriam rejeitar toda<br />
tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente a<strong>os</strong> tubarões aqueles que<br />
apresentassem tais tendências.<br />
Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinh<strong>os</strong><br />
estrangeir<strong>os</strong>. Nessas guerras eles fariam lutar <strong>os</strong> seus peixinh<strong>os</strong>, e lhes ensinariam que há uma enorme<br />
diferença entre eles e <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> tubarões. <strong>Os</strong> peixinh<strong>os</strong>, proclamariam, são notoriamente mud<strong>os</strong>,<br />
mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse<br />
alguns outr<strong>os</strong> na guerra, <strong>os</strong> inimig<strong>os</strong> que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena<br />
medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.<br />
Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria bel<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong>,<br />
representando <strong>os</strong> dentes d<strong>os</strong> tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca<br />
delici<strong>os</strong>amente. <strong>Os</strong> teatr<strong>os</strong> do fundo do mar m<strong>os</strong>trariam valor<strong>os</strong><strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> a nadarem com entusiasmo rumo às<br />
gargantas d<strong>os</strong> tubarões. E a música seria tão bela que, sob <strong>os</strong> seus acordes, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>, como orquestra<br />
afinada, a sonhar, embalad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> pensament<strong>os</strong> mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas d<strong>os</strong> tubarões.