19.07.2014 Views

6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões

6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões

6º ano 2 - O Pai, Os Bárbaros e os Tubarões

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O <strong>Pai</strong>, <strong>Os</strong> <strong>Bárbar<strong>os</strong></strong> e <strong>Os</strong> <strong>Tubarões</strong><br />

Meshup literário entre <strong>os</strong> text<strong>os</strong> “<strong>Pai</strong>, p<strong>os</strong>so dar um soco nele?” de J<strong>os</strong>é Cláudio da Silva<br />

e “Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens” de B.Brecht.<br />

Adaptação de Marcio Alex Pereira<br />

Personagens: O <strong>Pai</strong><br />

A Mãe<br />

Diversas crianças<br />

________________<br />

________________<br />

________________<br />

________________<br />

________________<br />

Cena 1: A INVASÃO DOS BÁRBAROS<br />

PAI Tudo começou numa quarta-feira quente de janeiro. Era mês de colocar as leituras em dia. Esquecer o<br />

mundo lá fora e se embrenhar durante trinta dias no mundo imaginário d<strong>os</strong> livr<strong>os</strong>! Brammmm! A porta da sala<br />

bateu violentamente contra a parede. Abriram com uma bomba poder<strong>os</strong>a: o pontapé. <strong>Os</strong> bárbar<strong>os</strong> chegaram.<br />

- <strong>Pai</strong>, quero jogar videogame!<br />

- Tio, quero Nescau!<br />

- Tio, quero guaraná!<br />

- <strong>Pai</strong>, quero bolacha!<br />

PAI Tod<strong>os</strong> falavam ao mesmo tempo. Exigindo seus direit<strong>os</strong>. Eram seis anjinh<strong>os</strong>: Daniel e André, filh<strong>os</strong>.<br />

Maurício, Vinícius, Lucas, Mayra, a única menina bárbara, sobrinh<strong>os</strong>.<br />

Enquanto isso, as crianças começaram uma guerra de almofadas no quarto do casal.<br />

PAI<br />

- Parem com esse barulho. Venham aqui.<br />

Empurrando, chutando, esmurrando, xingando uns a<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, chegaram na porta da saleta. Todas tentavam<br />

passar, ao mesmo tempo, pela porta.<br />

PAI - Silêncio!!! Sentem-se na mesa. Não em cima da mesa! Vocês vão quebrar o vidro e sua mãe me mata.<br />

Pelo amor de Deus, sentem-se nas cadeiras! Tudo bem. Agora silêncio! Só eu falo! O que vocês querem fazer<br />

além de destruir o apartamento e me deixar louco?<br />

Gritando, falavam ao mesmo tempo:<br />

- Quero ir ao Play Center, ao zoológico, Cidade da Criança, ao Parque da Mônica...<br />

PAI - Nem pensar! Eu não sou louco para ficar andando com seis crianças, cheias de energia, em parques<br />

enormes.<br />

- Que tal um programa diferente?<br />

PAI<br />

- Qual?<br />

- Acampar!!!<br />

PAI<br />

- Acampar???<br />

- É. Vocês nunca acamparam? Mas não vam<strong>os</strong> a um camping cheio de confort<strong>os</strong>. Vam<strong>os</strong> acampar numa mata,<br />

sozinh<strong>os</strong>.<br />

- Igual a<strong>os</strong> escoteir<strong>os</strong>, tio?<br />

PAI<br />

- Mais ou men<strong>os</strong>, Lucas.


- Vai ser legal, tio?<br />

- Garanto que vocês vão g<strong>os</strong>tar. Vam<strong>os</strong> fazer muitas coisas. Será divertido.<br />

- Para onde vam<strong>os</strong>, tio?<br />

- Você não vai!<br />

- Acampamento é só para homens!<br />

Mayra m<strong>os</strong>trou a língua para <strong>os</strong> dois e disse:<br />

- Bobões. Eu também vou, tio?<br />

PAI<br />

- Claro!<br />

- Alguém vai ter de fazer a comida e lavar a louça<br />

PAI<br />

- Quero que vocês peguem as mochilas da escola e tirem <strong>os</strong> materiais de dentro e...<br />

- Que mochilas, tio?... A minha não presta para mais nada.<br />

- Nem a minha!<br />

- Nem a minha!<br />

PAI - P<strong>os</strong>so imaginar o estado em que elas se encontram. Vou sair para comprar mochilas, mantiment<strong>os</strong> e<br />

alguns utensíli<strong>os</strong> para acampar. Por favor, não destruam o apartamento enquanto eu estiver fora.<br />

Black-out.<br />

Cena 2: O INFERNO<br />

Ao voltar do supermercado, uma gritaria infernal o recebeu. Parecia que o mundo estava se acabando num<br />

terrível cataclismo. Era como se um bando de dentistas com brocas e enfermeiras com injeções tivessem<br />

invadido o apartamento e perseguisse todas as crianças, que fugiam desesperadas, apavoradas, a<strong>os</strong> berr<strong>os</strong><br />

derrubando tudo que encontravam pelo caminho. Um verdadeiro campo de batalha final.<br />

PAI<br />

- Crianças, venham aqui!<br />

Todas correram para a cozinha se atropelando e derrubando coisas pelo caminho.<br />

PAI -Silêncio! Já comprei tudo o que precisarem<strong>os</strong> para acampar. Ficarem<strong>os</strong> uma semana na mata, sem<br />

shopping e MacDonalds. Vam<strong>os</strong> arrumar as coisas dentro das mochilas que eu comprei para vocês. Amanhã<br />

bem cedo partirem<strong>os</strong>.<br />

- Minha mãe não vai me deixar ir, tio.<br />

PAI - Vai sim. Suas mães vão adorar ficar uma semana longe de vocês nas férias. Agora cada um pegue<br />

uma mochila e coloque as coisas que eu comprei. Tem um conjunto para cada um. As mochilas são iguais, mas<br />

sempre têm dois querendo a mesma. Parem com essa briga!<br />

Cena 3: O ACAMPAMENTO<br />

Cinco horas da manhã. Tod<strong>os</strong> foram acordad<strong>os</strong> por um saxofone de brinquedo.<br />

PAI - Atenção, vocês têm dez minut<strong>os</strong> para ficarem pront<strong>os</strong>. O café já está na mesa. Comam bastante. Este é<br />

o último café civilizado. Tirem <strong>os</strong> pijamas e coloquem as roupas que estão perto de vocês. Vam<strong>os</strong>, rápido!<br />

- Tio, o Maurício pegou a minha meia!<br />

- Você pegou o meu tênis!<br />

- Tio, o Daniel está m<strong>os</strong>trando a língua para mim!<br />

- Tio, o Lucas não quer dar minha camiseta!<br />

PAI<br />

- Parem com as brigas. O último vai sair sem tomar café!<br />

- Tio, estou pronta!


PAI - Muito bem, Mayra. Você foi a primeira. Pode tomar café, depois escove <strong>os</strong> dentes. Vam<strong>os</strong> lá, seus<br />

molengas!<br />

Quando tod<strong>os</strong> estavam tomando café, surgiu na porta da cozinha um vulto que disse:<br />

MÃE - Querido, você vai mesmo cometer esta loucura? Vai levar estas pestin... crianças para acampar. Acho<br />

que você não está no seu juízo perfeito.<br />

PAI<br />

- Louco! Eu!<br />

MÃE - Ir com essas crianças para o meio do mato sozinho. Eu sei que elas são selvagens, mas não precisa<br />

exagerar.<br />

PAI - Não se preocupe, Amor. Na semana passada eu aumentei o valor do meu seguro de vida. Você não<br />

ficará desamparada. Nada demais acontecerá. Nós já vivem<strong>os</strong> numa selva que é muito mais perig<strong>os</strong>a.<br />

MÃE<br />

PAI<br />

- Vou voltar para a cama. Boa sorte para tod<strong>os</strong>. Vocês vão precisar.<br />

- Aproveite. Será uma semana longe delas. Vam<strong>os</strong>, crianças. Cada uma pegue suas coisas.<br />

Cena 4: A MÃE, O FREIO E O TREM<br />

PAI<br />

- Vam<strong>os</strong> descer na próxima estação. Coloquem suas mochilas nas c<strong>os</strong>tas.<br />

O trem parou e tod<strong>os</strong> desceram.<br />

Cena 5: A AVENTURA<br />

PAI<br />

- Muito bem. Tod<strong>os</strong> pront<strong>os</strong>? Em frente, marchem!<br />

- Tio, para que serve o apito?<br />

- É para apitar, seu burro!<br />

- Não é nada disso, seu idiota!<br />

PAI - Calma, crianças. Parem com esses elogi<strong>os</strong>. O apito é para ser usado só em caso de alguém se perder.<br />

Basta parar de andar e começar a apitar que <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> encontrarão. Vam<strong>os</strong> andar por aqui.<br />

- Primeiro <strong>os</strong> homens.<br />

- Vão em frente seus bestões. O leão comerá <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong>.<br />

- Aqui tem leão, pai?<br />

PAI<br />

- Não André. Mayra está brincando. Andando, andando.<br />

Meia hora depois...<br />

- Tio, estou cansado. Podem<strong>os</strong> parar um pouco?<br />

PAI<br />

- Ainda não, Maurício. Agüente mais um pouco.<br />

- Vejam, um rio.<br />

- Nunca viu rio, seu bobo?<br />

- Tio!<br />

- Ham! - Estou com sede.<br />

PAI<br />

- Beba um pouco de água do seu cantil.<br />

- Mas eu estou com sede de guaraná.<br />

PAI<br />

- Aqui não tem guaraná, Vinícius. Beba água.<br />

Daniel tropeçou num ramo e caiu.<br />

- Sua besta quadrada. Não olha por onde anda?


- <strong>Pai</strong>.<br />

PAI - Que é?<br />

- P<strong>os</strong>so dar um soco nele?<br />

PAI - Não. Limpe sua roupa. Precisam<strong>os</strong> encontrar um lugar pl<strong>ano</strong> para armar as n<strong>os</strong>sas barracas. Olhem, ali<br />

é um bom lugar.<br />

- Mas tio, é perto do rio.<br />

PAI - Eu sei Mayra.<br />

- E se ele subir e n<strong>os</strong> molhar?<br />

- Rio não é mar, sua besta!<br />

- Não se preocupe, Mayra. É bom ficarm<strong>os</strong> perto do rio para poderm<strong>os</strong> tomar banho, nadar, pescar...<br />

- Viu, sua bestona! Não sei para que trazer menina? – perguntou André<br />

- Ué, para lavar a louça.<br />

- Vocês são uns grandes bobões!<br />

- Só quero ver quando <strong>ano</strong>itecer e ela começar a chorar com medo d<strong>os</strong> bich<strong>os</strong> e do escuro disse Maurício.<br />

- Eu não vou chorar!<br />

- Vai sim.<br />

PAI -Menin<strong>os</strong>, deixem a Mayra em paz. Aqui tod<strong>os</strong> são iguais. Tod<strong>os</strong> farão as mesmas tarefas. Agora parem<br />

de discutir e vam<strong>os</strong> arrumar as n<strong>os</strong>sas coisas. Mayra e Lucas juntem galh<strong>os</strong> sec<strong>os</strong> para fazerm<strong>os</strong> o fogo. Daniel<br />

e Maurício me ajudem a montar as barracas. André e Vinícius tragam água.<br />

- Tio, estou morrendo de fome!<br />

PAI<br />

- Tod<strong>os</strong> estam<strong>os</strong>, Lucas.<br />

Meia hora depois...<br />

PAI - Peguem <strong>os</strong> prat<strong>os</strong> e <strong>os</strong> talheres. Façam fila que eu vou colocar a comida. Parem de empurrar. Tem<br />

comida para tod<strong>os</strong>.<br />

- Não tem catchup?<br />

- Não é cachorro quente, seu bobão!<br />

- Nem maionese?<br />

- Tem Coca-Cola?<br />

- Não. Suco de maracujá.<br />

- Eu não g<strong>os</strong>to.<br />

PAI<br />

- Então beba água. Agora chega de conversa e comam.<br />

Famint<strong>os</strong>, limparam <strong>os</strong> prat<strong>os</strong> em segund<strong>os</strong>. Pareciam animais, comendo e falando ao mesmo tempo.<br />

PAI<br />

- Tod<strong>os</strong> acabaram? Cada um lave o seu prato e o talher. Depois escovem <strong>os</strong> dentes.<br />

- Mas isso é serviço de mulher.<br />

PAI<br />

- Aqui cada um vai lavar o que sujar e um pouco mais.<br />

Mayra m<strong>os</strong>trou a língua para tod<strong>os</strong>.<br />

- Agora que estam<strong>os</strong> alimentad<strong>os</strong> e descansad<strong>os</strong>, vam<strong>os</strong> partir para a n<strong>os</strong>sa primeira aventura.<br />

- Tio, o Maurício está me chutando.<br />

PAI<br />

- Maurício...<br />

- Ele me chutou primeiro.<br />

PAI<br />

- Pront<strong>os</strong>? Eu vou na frente abrindo caminho. Depois Mayra, Lucas, Maurício, André, Vinícius e Daniel.<br />

- Por que sou o último?


- Porque é o mais bobão! - respondeu Mayra.<br />

Daniel puxou o cabelo da Mayra.<br />

- Ai!<br />

PAI - Parem com isso. Você é o último porque é o maior. Na volta será o primeiro. Andando... Prestem<br />

atenção no caminho. Quando estam<strong>os</strong> caminhando na mata devem<strong>os</strong> fazer algumas marcas no caminho para o<br />

caso de n<strong>os</strong> perderm<strong>os</strong>. Entre outras coisas podem<strong>os</strong> ir quebrando galh<strong>os</strong> e assim vam<strong>os</strong> indicando por onde<br />

passam<strong>os</strong>. Na hora de voltar e só seguir <strong>os</strong> galh<strong>os</strong> quebrad<strong>os</strong>. Façam marcas quebrando <strong>os</strong> galh<strong>os</strong>.<br />

Caminharam, caminharam e caminharam.<br />

- Tio.<br />

PAI<br />

- Que é, Maurício?<br />

- Estou cansado.<br />

PAI<br />

-Agüente mais um pouco. Olhem a natureza ao redor de vocês. Na cidade não tem nada disse.<br />

-Tio.<br />

PAI<br />

- Diga, Lucas?<br />

- O que é frescor?<br />

- É esse cheirinho g<strong>os</strong>t<strong>os</strong>o que você está sentindo.<br />

PAI<br />

- Vam<strong>os</strong> voltar daqui. Daniel, você era o último agora é o primeiro. Guie-n<strong>os</strong> de volta.<br />

- Mas eu não sei, pai.<br />

PAI<br />

- Sabe sim. Olhe as marcas que deixam<strong>os</strong>.<br />

- Eu guio, tio.<br />

PAI<br />

- Não, Mayra. Outro dia você guiará.<br />

- Vam<strong>os</strong>, espertinho. Guie-n<strong>os</strong> de volta - disse Mayra.<br />

Daniel olhou para o mato sem saber o que fazer. Começou a andar.<br />

PAI<br />

- Por ai não, Daniel.<br />

- Mas pai...<br />

PAI<br />

- Preste atenção na mata. Nós quebram<strong>os</strong> <strong>os</strong> galh<strong>os</strong> das plantas. Procure por eles e depois e só seguir.<br />

Vagar<strong>os</strong>amente o grupo retomou ao acampamento. Demoraram muito mais tempo. Mas ninguém reclamou. O<br />

sol estava forte.<br />

- Vam<strong>os</strong> nadar?<br />

- Vam<strong>os</strong>, tio!<br />

- Mas eu só sei nadar na piscina do clube.<br />

- É a mesma coisa.<br />

PAI<br />

- Vocês vão g<strong>os</strong>tar. O último a entrar na água vai lavar toda a louça do almoço.<br />

Lentamente <strong>os</strong> menin<strong>os</strong> entraram na água. Mayra foi primeira. Logo se ac<strong>os</strong>tumaram e estavam nadando de um<br />

lado para o outro brincando.<br />

- Melhor que piscina.<br />

- Olha o jacaré!<br />

- Aqui tem jacaré, pai?


PAI<br />

- Não. Mayra está brincando.<br />

Cansad<strong>os</strong> saíram da água.<br />

- Ai Que fome!<br />

PAI<br />

- Venham almoçar.<br />

Novamente comeram tudo e até repetiram.<br />

PAI<br />

- Quem quer caçar para o n<strong>os</strong>so jantar.<br />

- Eu, eu, eu, eu, eu, eu.<br />

PAI - Primeiro vam<strong>os</strong> aprender a usar o estilingue. Vam<strong>os</strong> treinar tiro ao alvo. Estão vendo aquela árvore ali.<br />

Vou colocar esta lata nela. Agora vou tentar derrubá-la. Prestem atenção. Vocês devem escolher uma pedra<br />

arredondada que caiba no couro do estilingue. Coloque, estique bem a borracha faça pontaria, segure firme, leve<br />

invergadura... e solte.<br />

- Errou, tio,<br />

PAI<br />

- Claro, Lucas. Estou ensinando. Veja agora.<br />

- Errou de novo, tio.<br />

PAI<br />

- Vou tentar outra vez.<br />

- Bem no alvo, pai.<br />

PAI<br />

- Vou colocar a lata e um de cada vez atira.<br />

- A Mayra também?<br />

PAI - A Mayra também, Maurício. Vam<strong>os</strong> lá! Escolham as pedra e façam a mira com cuidado e soltem.<br />

Podem começar.<br />

Um após o outro, tod<strong>os</strong> erraram. Chegou a vez da Mayra. Ela pegou o estilingue. <strong>Os</strong> menin<strong>os</strong> riram. Ela colocou<br />

a pedra. <strong>Os</strong> moleques riram. Ela fez a mira. <strong>Os</strong> pestinhas riram. Esticou e acertou em cheio na lata.<br />

- Acertei! Acertei! Acertei!<br />

- Foi sorte.<br />

- Duvido acertar de novo.<br />

Mayra m<strong>os</strong>trou a língua para tod<strong>os</strong>, satisfeita.<br />

- Bem, continuem treinando senão não terem<strong>os</strong> nada para o jantar.<br />

As crianças entram no mato. Depois de algum tempo, voltam com <strong>os</strong> sac<strong>os</strong> vazi<strong>os</strong>.<br />

- É mais fácil comprar no supermercado.<br />

- Tio, eu não tenho coragem de matar <strong>os</strong> passarinh<strong>os</strong>. Prefiro passar fome.<br />

PAI - Certo Lucas. Já que vocês não conseguiram <strong>os</strong> passarinh<strong>os</strong>, vam<strong>os</strong> tentar pescar. Ali tem bambu.<br />

Maurício, pegue o facão, corte seis varas. Enquanto isso, André, Vinícius e Lucas escavem o chão e procurem<br />

minhocas.<br />

- Minhocas, tio!!??<br />

PAI<br />

- É, Lucas. Vocês têm medo. Peço para a Mayra.<br />

- Não. Nós vam<strong>os</strong>.<br />

PAI - Daniel, Mayra, peguem a linha e a trena na barraca. Cortem com um metro e coloquem <strong>os</strong> ganch<strong>os</strong><br />

numa das pontas. Depois de pront<strong>os</strong> <strong>os</strong> anzóis, cada um pegou o seu. Para pescar, precisam<strong>os</strong> seguir as<br />

mesmas regras da caça: silêncio e paciência. Podem ir.


As crianças entraram na água e lançaram <strong>os</strong> anzóis Esperaram <strong>os</strong> peixes morderem as iscas. O tempo passou e<br />

nada. Logo começaram a dar sinais de inquietação. O sol começou a se esconder.<br />

- Tio, <strong>os</strong> peixes não estão com fome.<br />

- <strong>Os</strong> peixes daqui não g<strong>os</strong>tam de minhoca.<br />

- Não está na hora do café da tarde deles.<br />

- <strong>Pai</strong>, estou cansado.<br />

- Não quero mais pescar.<br />

- Estou com fome, tio.<br />

- Eu também.<br />

PAI - O que vam<strong>os</strong> comer se vocês não caçaram e nem pescaram nada. Vam<strong>os</strong> ter que preparar sopa de<br />

mato para tod<strong>os</strong>.<br />

- Mato!!!<br />

PAI<br />

- Sopa de capim é ótima. Vocês já viram vaca, cavalo ou burro magr<strong>os</strong>. Eles só comem capim.<br />

As crianças se olharam com cara de choro.<br />

PAI - Vam<strong>os</strong>, mexam-se. Peguem o capim mais verde que acharem. Vou até o rio encher o caldeirão de<br />

água. O fogo já está aceso.<br />

Mudas, cansadas, desanimadas e tristes, as criança caminharam e arrancaram alguns tuf<strong>os</strong> de capim.<br />

PAI -Muito bem. Coloquem tudo aqui. Agora é só esperar ferver e comer. Vai ficar uma delícia. Vocês vão<br />

adorar.<br />

- Mas pai...<br />

PAI<br />

- O que é Daniel?<br />

- Nada.<br />

PAI<br />

- A água já está quase fervendo.<br />

Desanimadas, as crianças se afastaram um pouco. Ninguém tinha vontade de brincar. Sentaram no chão e<br />

ficaram olhando para a panela no fogo. A noite tomou conta da mata. <strong>Os</strong> sons noturn<strong>os</strong> distraíam e<br />

amedrontavam as crianças.<br />

PAI<br />

- Venham! Venham tod<strong>os</strong>! Já está pronta. Façam fila. Quem vai ser o primeiro?<br />

Fade-out da luz.<br />

Cena 6: A CASA<br />

Tod<strong>os</strong> voltaram a caminhar. A mata se abriu numa enorme clareira e, ao fundo, havia uma casa. Aproximaram-se<br />

da casa. Tod<strong>os</strong> a olhavam no maior silêncio. A casa p<strong>os</strong>suía apenas uma porta e uma janela com vidr<strong>os</strong> que não<br />

deixavam ver o que tinha dentro dela. Cuidad<strong>os</strong>amente chegaram perto da porta e bateram. Não ouviram<br />

nenhum barulho. Bateram de novo. Nada. Colocaram a mão no trinco e a porta se abriu. Tod<strong>os</strong> ficaram<br />

espantad<strong>os</strong> com o que viram. Havia apenas um cômodo na casa. Era amplo e suas paredes tinham estantes<br />

cheias de livr<strong>os</strong>.<br />

- Veja, tio. Monteiro Lobato. Eu já li Reinações de Narizinho.<br />

- Viram livr<strong>os</strong> de Cervantes, Hugo, Balzac, D<strong>os</strong>toievski, Machado de Assis, Ésquilo, Eurípides, Platão,<br />

Aristóteles, Shakespeare, Borges, Tchecov,Carl<strong>os</strong> Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Pascal, Brecht...<br />

O <strong>Pai</strong> fica com o livro do Brecht nas mã<strong>os</strong>.<br />

- Tio, parece que a casa está se movendo.<br />

- Não estou sentindo nada.<br />

- Eu também tive a sensação de que ela se moveu, tio.<br />

- Vam<strong>os</strong> sair.


A porta estava trancada. A casa se movia.<br />

- N<strong>os</strong>sa, tio, o que será que está acontecendo?<br />

PAI<br />

- Não sei, Lucas. Só n<strong>os</strong> resta esperar.<br />

- P<strong>os</strong>so olhar pela janela, pai?<br />

PAI<br />

- Pode Daniel.<br />

- Não dá para ver nada. Lá fora tem uma espécie de neblina.<br />

- Tio, onde estam<strong>os</strong>?<br />

PAI - Não sei Mayra. O Melhor talvez seja ficar por aqui... Vam<strong>os</strong> tentar n<strong>os</strong> acomodar e descansar um<br />

pouco...<br />

- Eu estou com medo.<br />

- Eu tenho fome.<br />

PAI<br />

- Não há o que fazer... é melhor esperar...<br />

Acomodam-se. Esperam. As crianças adormecem.<br />

Cena 7: OS TUBARÕES E OS HOMENS<br />

PAI<br />

- (olhando para o livro. Abrindo. Lendo) Vam<strong>os</strong> ver...<br />

Voz em off. Fade-out da luz. Escuridão...<br />

Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para<br />

com <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>?<br />

Certamente, respondeu o Sr. K. Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para <strong>os</strong><br />

peixes pequen<strong>os</strong>, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas<br />

tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um<br />

peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do<br />

tempo.<br />

Para que <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> não ficassem melancólic<strong>os</strong> haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois <strong>os</strong><br />

peixinh<strong>os</strong> alegres têm melhor sabor do que <strong>os</strong> tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas<br />

escolas <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela d<strong>os</strong> tubarões. Precisariam<br />

saber geografia, por exemplo, para localizar <strong>os</strong> grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.<br />

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral d<strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>. Eles seriam informad<strong>os</strong> de que nada<br />

existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que tod<strong>os</strong> deveriam crer n<strong>os</strong><br />

tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. <strong>Os</strong> peixinh<strong>os</strong> saberiam que este<br />

futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> deveriam rejeitar toda<br />

tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente a<strong>os</strong> tubarões aqueles que<br />

apresentassem tais tendências.<br />

Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinh<strong>os</strong><br />

estrangeir<strong>os</strong>. Nessas guerras eles fariam lutar <strong>os</strong> seus peixinh<strong>os</strong>, e lhes ensinariam que há uma enorme<br />

diferença entre eles e <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> tubarões. <strong>Os</strong> peixinh<strong>os</strong>, proclamariam, são notoriamente mud<strong>os</strong>,<br />

mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse<br />

alguns outr<strong>os</strong> na guerra, <strong>os</strong> inimig<strong>os</strong> que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena<br />

medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.<br />

Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria bel<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong>,<br />

representando <strong>os</strong> dentes d<strong>os</strong> tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca<br />

delici<strong>os</strong>amente. <strong>Os</strong> teatr<strong>os</strong> do fundo do mar m<strong>os</strong>trariam valor<strong>os</strong><strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> a nadarem com entusiasmo rumo às<br />

gargantas d<strong>os</strong> tubarões. E a música seria tão bela que, sob <strong>os</strong> seus acordes, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong>, como orquestra<br />

afinada, a sonhar, embalad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> pensament<strong>os</strong> mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas d<strong>os</strong> tubarões.


Também não faltaria uma religião, se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida d<strong>os</strong><br />

peixinh<strong>os</strong> começa no paraíso, ou seja, na barriga d<strong>os</strong> tubarões.<br />

Se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens também acabaria a ideia de que tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> são iguais entre si. Alguns<br />

deles se tornariam funcionári<strong>os</strong> e seriam colocad<strong>os</strong> acima d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>. Aqueles ligeiramente maiores até<br />

poderiam comer <strong>os</strong> menores. Isso seria agradável para <strong>os</strong> tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam<br />

bocad<strong>os</strong> maiores para comer. E <strong>os</strong> peixinh<strong>os</strong> maiores detentores de carg<strong>os</strong>, cuidariam da ordem interna entre <strong>os</strong><br />

peixinh<strong>os</strong>, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.<br />

Em suma, se <strong>os</strong> tubarões f<strong>os</strong>sem homens haveria uma civilização no mar.<br />

Aparecem as crianças, perfiladas, bem na frente do público. Viram-se metodicamente em 90 graus. Estão com<br />

barbatanas dorsais. Gritam desesperadas. Param repentinamente. O <strong>Pai</strong> acorda. As crianças saem de cena.<br />

Fica o <strong>Pai</strong>.<br />

Cena 8: A SÍNTESE<br />

PAI<br />

- Aharrrrrr!... (depois de um tempo) O que, o que tá acontecendo?<br />

Brammmm! A porta da sala bateu violentamente contra a parede. Abriram com uma bomba poder<strong>os</strong>a: o pontapé.<br />

Chegam as crianças como na primeira cena.<br />

- <strong>Pai</strong>, quero jogar videogame!<br />

- Tio, quero Nescau!<br />

- Tio, quero guaraná!<br />

- <strong>Pai</strong>, quero bolacha!<br />

PAI<br />

- Esperem!!! É preciso reverm<strong>os</strong> alguns conceit<strong>os</strong>!<br />

Música. Fim.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!