Volume 15 - Unifesp
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS<br />
Editor Chefe / Editor in chief<br />
Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editora Executiva / Executive Editor<br />
Luciane Bizari Coin de Carvalho, PhD<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editor Administrativo / Managing Editor<br />
Marco Antonio Cardoso Machado, PhD<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Co-editor / Co-editor<br />
José Osmar Cardeal, MD, PhD<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editores Associados / Associated Editors<br />
Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Esper Abrão Cavalheiro, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Sergio Cavalheiro, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Indexações / Indexations<br />
1. Latindex – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de<br />
américa Latina, el Caribe, España y Portugal, www.latindex.org, desde 2006.<br />
2. Psicodoc, desde 2007.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3<br />
176
Data de efetiva circulação deste número / Actual date of circulation of the present number<br />
Setembro de 2007<br />
Publicações da Revista Neurociências<br />
1993, 1: 1 e 2<br />
1994, 2: 1, 2 e 3<br />
1995, 3: 1, 2 e 3<br />
1996, 4: 1, 2 e 3<br />
1997, 5: 1, 2 e 3<br />
1998, 6: 1, 2 e 3<br />
1999, 7: 1, 2 e 3<br />
2000, 8: 1, 2 e 3<br />
2001, 9: 1, 2 e 3<br />
2002, 10: 1, 2 e 3<br />
2003, 11: 1<br />
2004, 12: 1, 2 , 3 e 4<br />
2005, 13: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva)<br />
2006, 14: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva)<br />
2007, <strong>15</strong>: 1, 2, 3 -<br />
Revista Neurociências — vol <strong>15</strong>, n.3 (2007) — São Paulo: Grámmata Publicações e Edições<br />
Ltda, 2004–<br />
Quadrimestral até 2003. Trimestral a partir de 2004.<br />
ISSN 0104–3579<br />
1. Neurociências;<br />
177 Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3
Editores Fundadores / Founder Editors<br />
José Geraldo de Carmargo Lima, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP.<br />
Editores Científicos / Scientific Editors<br />
1993-1995: José Geraldo de Camargo Lima, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP.<br />
1996-1997: Luiz Augusto Franco de Andrade, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
e Dr. Eliova Zukerman, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
1998-2003: José Osmar Cardeal, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
2004- : Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Assinaturas / Subscription<br />
Revista trimestral, assinatura anual. Preços e informações disponíveis em http://www.revistaneurociencias.com.br<br />
Fone/fax: (11) 3487-9532<br />
Versão online dos artigos completos / Version of the complete articles<br />
http://www.revistaneurociencias.com.br<br />
Correspondências / Letters<br />
Todas as correspondências devem ser encaminhadas ao Editor Chefe da Revista Neurociências A/C Gilmar Fernandes do<br />
Prado – Rua Claudio Rossi 394, Jd. da Glória, São Paulo-SP, CEP 0<strong>15</strong>47-000. Fone/fax: (11) 3487-9532<br />
E-mail: revistaneurociencias@yahoo.com<br />
http://www.revistaneurociencias.com.br<br />
Tiragem / Circulation<br />
3.000 exemplares<br />
Editoração, Publicação / Editorial, Publication<br />
Grámmata Publicações e Edições Ltda.<br />
grammata@grammata.com.br<br />
http://www.grammata.com.br<br />
Jornalista Responsável / Journalist in Charge<br />
Fausto Piedade, Mtb 12.375<br />
Entidade Mantenedora / Financial Support<br />
Associação Neuro-Sono<br />
Revisão técnica / Technical review<br />
Revista Neurociências – Corpo Editorial<br />
Apoio / Sponsorship<br />
Associação Neuro-Sono, UNIFESP<br />
A Revista Neurociências (ISSN 0104-3579) é um periódico com volumes anuais e números trimestrais, publicados em<br />
março, junho, setembro e dezembro. É o Jornal Oficial do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP e<br />
foi fundada em 1993 pelo Prof. Dr. José Geraldo de Camargo Lima; tem como Editor Chefe o Prof. Dr. Gilmar Fernandes<br />
do Prado, desde 2004, e é administrada pela Associação Neuro-Sono. Publica artigos de interesse científico e tecnológico,<br />
voltada à Neurologia e às ciências afins, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com<br />
ênfase em temas de cunho prático, específicos ou interdisciplinares. Todos os artigos são revisados por pares (peer review) e<br />
pelo Corpo Editorial. Os artigos aprovados são publicados na versão impressa em papel e na versão eletrônica. A linha<br />
editorial da revista publica preferencialmente artigos de pesquisas originais (inclusive Revisões Sistemáticas), mas também<br />
são aceitos para publicação artigos de Revisão de Literatura, Atualização, Relato de Caso, Resenha, Ensaio, Texto de<br />
Opinião e Carta ao Editor, desde que aprovado pelo Corpo Editorial. Trabalhos apresentados em Congressos ou Reuniões<br />
Científicas de áreas afins poderão constituir-se de anais em números ou suplementos especiais da Revista Neurociências.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3<br />
178
Editor Chefe / Editor in Chief<br />
Gilmar F Prado, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editora Executiva / Executive Editor<br />
Luciane BC Carvalho, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editor Administrativo / Manager Editor<br />
Marco AC Machado, SSD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Co-Editor / Co-Editor<br />
José O Cardeal, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Editores Associados / Associate Editors<br />
Alberto A Gabbai, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Esper A Cavalheiro, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Sergio Cavalheiro, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Corpo Editorial / Editorial Board<br />
Desordens do Movimento / Movement<br />
Disorders<br />
Henrique B Ferraz, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Francisco Cardoso, MD, PhD,<br />
UFMG, MG<br />
Sônia MCA Silva, MD, PhD, HSPE, SP<br />
Egberto R Barbosa, MD, PhD,<br />
FMUSP, SP<br />
Maria SG Rocha, MD, PhD, CSSM, SP<br />
Vanderci Borges, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Roberto CP Prado, MD, PhD,<br />
UFC-CE/ UFS-SE<br />
Epilepsia / Epilepsy<br />
Elza MT Yacubian, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Américo C Sakamoto, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Carlos JR Campos, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Luiz OSF Caboclo, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Alexandre V Silva, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Margareth R Priel, MD, PhD, CUSC, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Henrique Carrete Jr, MD, PhD,<br />
IAMSP, SP<br />
Neurofisilogia/Neurophysiology<br />
João AM Nóbrega, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Nádia IO Braga, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
José F Leopoldino, MD, UFS, SE<br />
José MG Yacozzill, MD,<br />
USP Ribeirão Preto, SP<br />
Francisco JC Luccas, MD, HSC, SP<br />
Gilberto M Manzano, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Carmelinda C Campos, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Reabilitação / Rehabilitation<br />
Sissy V Fontes, PhD, UMESP, SP<br />
Jefferson R Cardoso, PhD, UFPR, PR<br />
Márcia CB Cunha, PhD, UNIB, SP<br />
Ana LML Chiappetta, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Carla G Matas, PhD, USP, SP<br />
Fátima A Shelton, MD, PhD, UOCH, USA<br />
Luci F Teixeira-Salmela, PhD, UFMG, MG<br />
Fátima VRP Goulart, PhD, UFMG, MG<br />
Patricia Driusso, PhD, UFSCar, SP<br />
Distúrbios do Sono / Sleep Disorders<br />
Lucila BF Prado, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Maria Ligia Juliano, SSD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Flávio Aloe, MD, USP, SP<br />
Stela Tavares, MD, HIAE, SP<br />
Dalva Poyares MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Ademir B Silva, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Alice H Masuko, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Maria Carmen Viana, MD, PhD, EMESCAM, ES<br />
Virna G Teixeira, MD, PhD, FMUSP, SP<br />
Geraldo Rizzo, MD, HMV, RS<br />
Rosana C Alves, MD, PhD, USP, SP<br />
Robert Skomro, MD, FRPC, Canadá<br />
Sílvio Francisco, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Doenças Cerebrovasculares/<br />
Cerebrovascular Disease<br />
Ayrton Massaro, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Aroldo Bacelar, MD, PhD, UFBA, BA<br />
Alexandre Longo, MD, PhD,<br />
UNIVILLE, SC<br />
Carla HC Moro, MD, PhD, UNIVILLE, SC<br />
Cesar Raffin, MD, PhD, UNESP, SP<br />
Charles Andre, MD, PhD, UFRJ, RJ<br />
Gabriel Freitas, MD, PhD, UFRJ, RJ<br />
Jamary Oliveira Filho, MD, PhD,<br />
UFBA, BA<br />
Jefferson G Fernandes, MD, PhD, RS<br />
Jorge AK Noujain, MD, PhD, RJ<br />
Márcia M Fukujima, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Mauricio Friedrish, MD, PhD, RS<br />
Rubens J Gagliardi, MD, PhD, SP<br />
Soraia RC Fabio, MD, PhD,<br />
USP Ribeirão Preto, SP<br />
Viviane HF Zétola, MD, PhD, UFPR, PR<br />
Oncologia / Oncology<br />
Suzana MF Mallheiros, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, FMUSP, SP<br />
Fernando AP Ferraz, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Guilherme C Ribas, MD, PhD, Unicamp, SP<br />
João N Stavale, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Doenças Neuromusculares /<br />
Neuromuscular disease<br />
Acary SB Oliveira, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Edimar Zanoteli, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Helga CA Silva, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Leandro C Calia, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Luciana S Moura, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Laboratório e Neurociência Básica /<br />
Laboratory and Basic Neuroscience<br />
Maria GN Mazzacoratti, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Beatriz H Kyomoto, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Célia H Tengan, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Maria JS Fernandes, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Mariz Vainzof, PhD, USP, SP<br />
Iscia L Cendes, PhD, Unicamp, SP<br />
Débora A Scerni, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
João P Leite, MD, PhD,<br />
USP Ribeirão Preto, SP<br />
Luiz EAM Mello, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Líquidos Cerebroespinhal /<br />
Cerebrospinal Fluid<br />
João B Reis Filho, MD, PhD, FMUSP, SP<br />
Leopoldo A Pires, MD, PhD, UFJF, MG<br />
Sandro LA Matas, MD, PhD, UNIBAN, SP<br />
José EP Silva, PhD, UF Santa Maria, RS<br />
Ana Maria Souza, PhD,<br />
USP Ribeirão Preto, SP<br />
Neurologia do Comportamento /<br />
Behavioral Neurology<br />
Paulo HF Bertolucci, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Ivan Okamoto, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Thais Minetti, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Rodrigo Schultz, MD, PhD, UNISA, SP<br />
Sônia D Brucki, MD, PhD, FMUSP, SP<br />
Neurocirurgia / Neurosurgery<br />
Mirto N Prandini, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Antonio PF Bonatelli, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Oswaldo I Tella Júnior, MD, PhD,<br />
<strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Orestes P Lanzoni, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Ítalo C Suriano, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Samuel T Zymberg, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Neuroimunologia / Neuroimmunology<br />
Enedina M Lobato, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Nilton A Souza, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas /<br />
Pain, Headache, and Autonomic Function<br />
Deusvenir S Carvalho, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Angelo AV Paola, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Fátima D Cintra, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Paulo H Monzillo, MD, HSCM, SP<br />
José C Marino, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Marcelo K Hisatugo, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Interdisciplinaridade e história da<br />
Neurociência / Interdisciplinarity and<br />
History of Neuroscience<br />
Afonso C Neves, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
João EC Carvalho, PhD, UNIP, SP<br />
Flávio RB Marques, MD, INCOR, SP<br />
Vinícius F Blum, MD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Rubens Baptista Jr, MD, UNICAMP, SP<br />
Márcia RB Silva, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Eleida P Camargo, FOC, SP<br />
Dante MC Gallian, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Neuropediatria / Neuropediatrics<br />
Luiz CP Vilanova, MD, PhD, <strong>Unifesp</strong>, SP<br />
Marcelo Gomes, SP<br />
Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes.<br />
179 Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3
Revista Neurociências 2007<br />
volume <strong>15</strong>, número 3<br />
índice<br />
editoriais<br />
Fadiga na Esclerose Múltipla 181<br />
Maria Fernanda Mendes<br />
Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre 182<br />
Rubens José Gagliardi<br />
originais<br />
Os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia: revisão sistemática 183<br />
The effects of acupuncture on insomnia treatment: systematic review<br />
Reginaldo Carvalho da Silva Filho, Gilmar Fernandes do Prado<br />
Avaliação de diferentes pacientes neurológicos por meio do Teste de Functional Reach 190<br />
Neurological patients evaluated with the Functional Reach Test<br />
Camila Torriani, Eliane Pires de Oliveira Mota, Claudia Regina Sieburth, Danielle Arcanjo Barcelos, Maurycio La Scala,<br />
Paloma Pereira Gregoraci, Théo A. Costa, Thatiana C. Baldini Luiz, Juliana L. Hayashi<br />
Reabilitação por meio da dança: uma proposta fisioterapêutica em pacientes com seqüela de AVC 195<br />
Rehabilitation through dance: a physical therapeutic proposal to patients with stroke sequel<br />
Suleima Ramos Calil, Talimãn Aparecida Bertelli Pinheiro dos Santos, Douglas Martins Braga, Rita Helena Duarte Dias Labronici<br />
Atividade física em grupo melhora o sono de idosas sedentárias 203<br />
Physical activity in group improves sleep in sedentary elder women<br />
Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães, Mitchelly Dehone Lima, Juliana Aparecida de Souza<br />
Possível associação entre a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios na Esclerose Múltipla 207<br />
Possible association between physical fatigue and strength of respiratory muscles in Multiple Sclerosis<br />
Fabrício Rapello Araújo, Fabíola Rebouças, Yára Dadalti Fragoso<br />
Análise do esquema e imagem corporal em pacientes com esclerose lateral amiotrófica 211<br />
Analysis of body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis<br />
Cíntia Citelli de França, Vanessa Rodrigues de Queiroz, Letícia Moraes de Aquino, Sonia Maria Pereira<br />
Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre 219<br />
Thrombolysis for acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre Clinical Hospital<br />
Sheila Cristina Ouriques Martins, Rosane Brondani, Alan Christmann Frohlich, Raphael Machado Castilhos, Cleber Camilo Dallalba,<br />
Jéssica Brugnera Mesquita, Márcia Lorena Fagundes Chaves, Luiz Antonio Nasi<br />
revisões<br />
Lesões nervosas periféricas: uma revisão 226<br />
Peripheral nerve injury: a review<br />
Rinaldo Siqueira<br />
Escalas clínicas e funcionais no gerenciamento de indivíduos com Lesões Traumáticas da Medula Espinhal 234<br />
Functional and clinical scales in management of individuals with Traumatic Injuries of Spinal Cord<br />
Marco Antonio Orsini Neves, Mariana Pimentel de Mello, Reny de Souza Antonioli, Marcos R.G de Freitas<br />
Metástases na coluna vertebral 240<br />
Spinal metastases<br />
Andrei Fernandes Joaquim, Francisco Alexandre de Paula Maturana, Diogo Valli Anderle, Hélder José Lessa Zambelli, Marcos Vinícius Calfat Maldaun<br />
relatos de caso<br />
Uso de Rosuvastatina em Esclerose Múltipla 246<br />
Use of Rosuvastatin in Multiple Sclerosis<br />
Marcela Ramos de Oliveira, Diogo Fernandes dos Santos, Sheila Bernardino Fenelon, Nilson Penha-Silva<br />
Doença de Hirayama: relato de caso e atualização 251<br />
Hirayama disease: case report and update<br />
Marco Antonio Orsini Neves, Reny de Souza Antonioli, Marcos RG de Freitas<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3<br />
180
editorial<br />
Fadiga na Esclerose Múltipla<br />
A fadiga é um sintoma inespecífico, encontrado com freqüência na população. Acompanha diversas doenças, podendo ocorrer também nos<br />
indivíduos sadios. É bem conhecida sua associação com fenômenos neoplásicos, auto-imunes, inflamatórios e infecciosos, assim como a influência causada<br />
por outros sintomas, como dor, distúrbios do sono, alterações do humor e distúrbios cognitivos. Nos pacientes com doenças neurológicas, a fadiga<br />
é diferente daquela relatada por outros doentes, levando a um maior impacto na vida diária.<br />
Na Esclerose Múltipla (EM), a fadiga é um sintoma freqüente, que acomete aproximadamente 75% dos pacientes. Está entre as duas maiores<br />
causas de desemprego entre os portadores de EM, porém é ainda muito pouco compreendida. Vários estudos vêm sendo realizados visando elucidar<br />
melhor os diversos aspectos desse sintoma, sendo difícil compará-los em função das diversas metodologias e definições utilizadas. Nos portadores de EM,<br />
a fadiga não é um sintoma homogêneo, sendo freqüentemente confundida com depressão ou fraqueza muscular.<br />
Uma das maiores dificuldades é estabelecer o que significa fadiga para os pacientes, cuidadores, médicos e pesquisadores. É um conceito complexo<br />
e multidimensional, com repercussão física, emocional, cognitiva e social. O termo fadiga é utilizado para descrever qualquer fenômeno de declínio<br />
de função, medido por diversas variáveis fisiológicas, como duração, freqüência, intensidade, excitabilidade, entre outras. Podemos, desta forma, nos<br />
referir à fadiga muscular, visual, auditiva, de receptor, não sendo possível comparar as informações obtidas. Ela pode ser entendida como um fenômeno<br />
subjetivo ou um sintoma referido pelos pacientes ou como um sintoma objetivo, com sinais mensuráveis. Outros a compreendem dentro de um contexto<br />
psicológico, associada ao estresse, depressão ou ansiedade, sendo secundária a uma menor motivação. Em qualquer situação pode ser considerado um<br />
fenômeno fisiológico, porém, quando ocorre desproporção entre o esforço realizado e a sensação referida ou medida, será considerada anormal.<br />
Nos pacientes com EM, a fadiga é definida como “uma sensação subjetiva de perda de energia física e/ou mental, que é percebida pelo paciente ou por seus familiares,<br />
e interfere com a vontade e com as atividades diárias”, sendo denominada fadiga primária da esclerose múltipla. É um sintoma freqüente, de grande intensidade,<br />
associado a um grau de incapacidade persistente, podendo inclusive agravar os demais sintomas da doença. Ela pode ocorrer isoladamente, assim como<br />
os surtos da doença, ou estar associada a eles, podendo estar presente mesmo com graus mínimos de incapacidade<br />
No Brasil, estudo realizado em 95 pacientes com a forma remitente-recorrente da EM, a fadiga foi observada em 67,4% dos pacientes, embora<br />
ela tenha sido observada em até 87% dos pacientes quando avaliadas também as formas progressivas da doença. A idade, o sexo e o tempo de doença<br />
são fatores que não influenciam no aparecimento desse sintoma, embora possam estar relacionados à sua intensidade 1 .<br />
Nos nossos estudos 1-3 , a incapacidade funcional não se mostrou um determinante para o aparecimento da fadiga, porém os pacientes com fadiga mais<br />
intensa apresentavam maior incapacidade funcional e maior acometimento do sistema piramidal, cerebelar e vesical que naqueles sem fadiga. Esse dado nos<br />
fez sugerir que, nos pacientes com maior incapacidade física, a fadiga muscular assume papel importante na patogênese deste sintoma. No relato de Araújo,<br />
Rebouças e Fragoso, a maior intensidade da fadiga física correlacionou-se com menor idade e incapacidade, sendo postulada uma maior demanda energética<br />
por parte desses pacientes. Esse aparente desacordo nos achados apenas nos remete à questão central relacionada à sua avaliação: a dificuldade para mensurá-la.<br />
Enquanto alguns instrumentos avaliam a sua intensidade, outros avaliam as causas que determinaram o seu aparecimento, ou o efeito na vida diária, cabendo<br />
lembrar que as escalas utilizadas, embora necessárias em estudos científicos, nem sempre são o melhor método de avaliação na prática clínica.<br />
A complexidade de fatores relacionada à avaliação e tratamento da fadiga é ilustrada pelo número de decisões que devem ser tomadas em protocolos<br />
de estudo. Na abordagem global da fadiga, devemos considerar, além dos aspectos fisiológicos e psicossociais, os aspectos culturais e comportamentais,<br />
únicos para cada indivíduo, e com interferência direta nas suas conseqüências e, desta forma, na sua qualidade de vida. Ela deverá incluir a mensuração da<br />
fadiga, o desconforto e o impacto na vida diária, e principalmente os fatores associados a este sintoma, como espasticidade, dor, distúrbios do sono ou depressão.<br />
Existem ainda diversos parâmetros biológicos que podem estar envolvidos no seu aparecimento ou exacerbação. Os distúrbios da tireóide, as infecções,<br />
anemia, entre outros, são contemplados dentro desses protocolos, porém fatores relacionados à própria doença geralmente não são considerados.<br />
Existem poucos estudos brasileiros que avaliam estes fatores. Pavan et al. 4 observaram que a fatigabilidade e o tempo de recuperação ao exercício<br />
isométrico são semelhantes nos pacientes com EM e nos indivíduos normais. Lebre et al. 5 observaram que, na presença de fadiga, há uma maior incapacidade<br />
em elevar a pressão arterial durante o exercício físico, não sendo possível concluir se essas alterações foram secundárias a alterações no metabolismo<br />
celular ou a uma alteração das vias autonômicas simpáticas.<br />
Os autores, ao avaliar a força respiratória dos pacientes com EM e fadiga, observaram valores abaixo da normalidade na pressão inspiratória e<br />
expiratória máximas, correlacionando a fadiga física a alterações de força nos músculos respiratórios. Eles sugerem que, em algumas situações, a fadiga<br />
referida seja causada pela fadiga física. O estudo de Araújo, Rebouças e Fragoso, sugerindo redução da força dos músculos respiratórios, abre uma importante<br />
possibilidade de intervenção clínica, a qual deverá ser futuramente testada em ensaios clínicos randomizados.<br />
O conjunto desses achados nos remete a uma outra abordagem deste sintoma, que não a medicamentosa. Eles sugerem que, em algumas situações,<br />
a melhora do condicionamento físico possivelmente será acompanhada pela melhora da fadiga referida pelos pacientes com EM. As escalas utilizadas,<br />
embora necessárias em estudos científicos, nem sempre são o melhor método de avaliação na prática clínica. Antes de instituir a terapêutica para a fadiga, é<br />
necessário identificar corretamente a forma de fadiga apresentada pelo paciente, a sua principal manifestação e os fatores desencadeantes ou agravantes.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Mendes MF. Avaliação Neuropsicológica na Esclerose Múltipla: Interferência<br />
na Fadiga e principais correlações. Tese de Doutoramento.<br />
UNIFESP, 2001.<br />
2. Mendes MF, Tilbery CP, Balsimelli S, Felipe E, Moreira MA, Cruz<br />
AMB. Fadiga na forma remitente recorrente da esclerose múltipla. Arq<br />
Neuropsiquiatr 2000;58(2b):471-5.<br />
3. Mendes MF, Tilbery CP, Felipe E. Fadiga e esclerose múltipla: Estudo<br />
preliminar de <strong>15</strong> casos através de escalas de auto avaliação. Arq<br />
Neuropsiquiatr 2000;58(2b):467-70.<br />
4. Pavan K, Schimidt K, Ariça TA, Mendes MF, Tilbery CP, Lianza S.<br />
Avaliação da Fatigabilidade em pacientes com esclerose múltipla através<br />
do dinamômetro manual. Arq Neuropsiquiatr 2006;64(2-A):283-6.<br />
5. Lebre AT, Mendes MF, Tilbery CP, Almeida AL, Scatolini-Neto A.<br />
Relação entre fadiga e distúrbios autonômicos na Esclerose Múltipla.<br />
Arq Neuropsiquiatr 2007;65:663-8.<br />
Maria Fernanda Mendes<br />
Professora Doutora Assistente da Disciplina de Neurologia<br />
da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo<br />
181<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:181
Trombólise no AVCI agudo em um<br />
Hospital da Rede Pública: a experiência<br />
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre<br />
editorial<br />
O tratamento do acidente vascular cerebral (AVC), após a aprovação do emprego do rt-PA pelo FDA (Food and Drug Administation)<br />
em 1996, ganhou novo enfoque, e maiores cuidados específicos têm sido administrados. A possibilidade de redução da morbimortalidade<br />
dessa temível doença é entusiasmente e tem sido a tônica mundial nos últimos anos. O tratamento da fase aguda do AVC<br />
é imperativo e muda o curso da doença, com conseqüente redução das suas sérias complicações. O AVC deve ser visto como uma<br />
urgência neurológica, e nesta fase várias medidas e procedimentos são de fundamental importância 1,2 . Entre essas possibilidades está o<br />
uso do trombolítico, bem enfocado neste estudo.<br />
O presente trabalho, de Martins e colaboradores, é bastante interessante e útil, tanto por mais uma vez chamar a atenção para<br />
o problema do tratamento da fase aguda do AVC, como por mostrar resultados otimistas e principalmente por apresentar um modelo<br />
de aplicabilidade do tratamento. Sabidamente esse tratamento é de risco, requer equipe especializada bem treinada e estrutura hospitalar<br />
adequada. Caso seja mal aplicado, complicações graves (hemorragia cerebral, morte) podem advir, superpondo-se aos possíveis<br />
benefícios. Este estudo mostra um caminho que possibilita atingir essas metas e que poderá ser adotado por outros serviços. A taxa de<br />
elegibilidade que os autores conseguiram (<strong>15</strong>%) é muito boa, acima das médias internacionais. Isso seguramente se deve à boa organização<br />
do serviço, à capacidade de trabalho dos seus membros, estrutura hospitalar e facilidade de acesso ao pronto socorro. Contribuem<br />
para esses resultados as campanhas que têm sido feitas, como as organizadas pela Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares<br />
(SBDCV) e a Academia Brasileira de Neurologia (ANB), por exemplo o “Dia do AVC”, que auxiliam nestas metas. Orientam a população<br />
leiga para aprender como detectar precocemente um AVC e como agir para melhor eficácia do tratamento, além de como prevenir<br />
essa doença. É importante ressaltar estes trabalhos da SBDCV e da ABN.<br />
Os autores retratam bem a realidade nacional em uma população com limitado ou moderado recurso econômico e cultural,<br />
onde os cuidados preventivos não são adequados. É sempre oportuno ressaltar a importância da prevenção na abordagem do AVC, com<br />
o que se consegue reduzir drasticamente as taxas de sua incidência e prevalência.<br />
Os autores fazem muito bem em enfatizar a importância de protocolos específicos padronizados e equipes bem treinadas. Esta é<br />
uma tendência geral e todos os serviços devem ter os seus. São chaves fundamentais para o bom atendimento, pois agilizam o tratamento<br />
e aprimoram os cuidados, além de permitirem a formação de um banco de dados de grande significado para a constante revisão dos<br />
resultados. É feita menção, neste trabalho, que o protocolo para trombólise segue as recomendações da Americam Stroke Association,<br />
sem dúvida uma das mais abalizadas entidades internacionais que se definem a esse respeito. Deve, entretanto, ser mencionado que,<br />
em nosso meio, por iniciativa e esforço da SBDCV/ABN, foram até o momento realizados dois Consensos nacionais e uma reunião de<br />
“Opinião Nacional”, que analisaram esse assunto, definiram regras, estabeleceram conceitos e foram divulgados através de publicações<br />
específicas 1-3 . Trazem grande contribuição para a orientação de protocolos, formação de equipes, estruturação hospitalar e para o tratamento<br />
específico.<br />
A possibilidade de prescrição dos trombolíticos tem sido constantemente revista, com finalidade de se melhorar os resultados e<br />
reduzir as complicações. Provavelmente venha, em futuro próximo, a ser melhor definida quanto às situações clínicas específicas com<br />
indicações específicas que poderão envolver diferentes tempos limites para a aplicação, doses e vias de acesso, ampliando o leque de<br />
aplicabilidade com segurança 4 .<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Galiardi RJ, Raffin CN, Fabio SRC e demais participantes do Consenso<br />
da SBDCV. Primeiro Consenso Brasileiro do Tratamento da Fase Aguda<br />
do Acidente Vascular Cerebral. Arq Neuropsiquiatr 2001;59:972-80.<br />
2. Raffin CN, Gagliardi RJ, Massaro AR, Fernandes JG, Bacellar A,<br />
Fábio SRCF e demais participantes do Consenso da SBDCV. I0 Consenso<br />
Brasileiro de Trombólise no Acidente Vascular Cerebral. Arq Neuropsiquiatr<br />
2002;60:675-80.<br />
3. Raffin CN, Fernandes FG, Evaristo EF, Siqueira-Neto JI, Friedrich<br />
M, Puglia P, et al. Revascularização clínica e intervencionista no acidente<br />
vascular cerebral isquêmico agudo: Opinião Nacional. Arq Neuropsiquiatr<br />
2006;64:342-8.<br />
4. Keyzer JD, Gdovinová Z, Uyttenboogaart M, Vroomen PC, Luijckx<br />
GJ. Intravenous alteplase for stroke. Beyond the guidelines and in particular<br />
clinical situations. Stroke 2007;38:2612-8.<br />
Rubens José Gagliardi<br />
Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da<br />
Santa Casa de São Paulo<br />
Presidente da Associação Paulista de Neurologia<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:182 182
original<br />
Os efeitos da acupuntura no tratamento<br />
da insônia: revisão sistemática<br />
The effects of acupuncture on insomnia treatment: systematic review<br />
Reginaldo Carvalho da Silva Filho 1 , Gilmar Fernandes do Prado 2<br />
RESUMO<br />
Introdução. A insônia é uma queixa muito comum e a acupuntura<br />
tem sido empregada em seu tratamento por milhares de anos,<br />
porém até o momento não dispomos de estudos científicos com<br />
evidências que comprovem sua eficácia. Objetivo. Identificar estudos<br />
clínicos de valor científico sobre os efeitos da acupuntura no<br />
tratamento da insônia. Método. Revisão sistemática com busca de<br />
artigos nas bases de dados: MEDLINE, Cochrane Library, Bio-<br />
Med Central, BMC Complementary and Alternative Medicine,<br />
SciELO, LILACS, ACUBRIEFS e Library of Shandong Unviersity<br />
of Traditional Chinese Medicine. Foram utilizadas as palavras<br />
chaves “ACUPUNTURA”, “AURICULAR” e “INSÔNIA”,<br />
em inglês, espanhol e francês. Foram incluídos ensaios clínicos,<br />
estudos ou séries de casos; com objetivo principal a avaliação do<br />
uso da acupuntura no tratamento da insônia; com desfecho a melhora,<br />
piora ou manutenção da insônia. Foram excluídos artigos<br />
sobre queixa diferente da insônia mesmo que relatasse alteração<br />
nesta queixa. Resultados. Foram encontrados 180 artigos, 31 preencheram<br />
os critérios de inclusão. Um total de 3574 pacientes foram<br />
analisados, 1359 participaram de dos 11 estudos controlados.<br />
Os resultados nos grupos de acupuntura e controle, apareceram<br />
respectivamente em 412 (57,46%) e 141 (21,96%) para cura,<br />
264 (36,82%) e 232 (36,14%) para melhora e 41 (5,72%) e 269<br />
(41,90%) para falha. Conclusão. Os resultados encontrados sugerem<br />
que a acupuntura pode ser uma intervenção eficaz para insones,<br />
no entanto trabalhos com melhores e mais rigorosos métodos,<br />
como ensaios clínicos randomizados, controlados, simples-cego,<br />
e com amostras maiores devem ser realizados para determinar<br />
melhor a eficácia da acupuntura no tratamento da insônia.<br />
Unitermos: Acupuntura. Terapia por acupuntura. Insônia.<br />
Transtornos do sono.<br />
Citação: Silva-Filho RC. Os efeitos da acupuntura no tratamento da<br />
insônia: revisão sistemática.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. Insomnia is very common complaint and acupuncture<br />
has been used for its treatment for thousands of<br />
years, however until now there are no scientific studies following<br />
the principles of the Evidence Based Medicine, that<br />
prove its efficacy. Objective. Identify clinical studies about<br />
the effects of acupuncture on the treatment of insomnia. Method.<br />
Systematic review with search in data base: MEDLINE,<br />
Cochrane Library, BioMed Central, BMC Complementary<br />
and Alternative Medicine, SciELO, LILACS, ACUBRIEFS,<br />
and Library of Shandong University of Traditional Chinese<br />
Medicine. The key words used were “Acupuncture”, “Auricular”,<br />
and “Insomnia”, in English, Spanish, and French.<br />
Clinical Trials and Case studies were included. The papers<br />
main objective were acupunture for treatment of insomnia<br />
with outcome of better, worse, or maintenance of insomnia.<br />
Results. 180 papers have been found, but only 31 have fulfilled<br />
the inclusion criteria. A total of 3,574 patients were included,<br />
but only 1,359 have taken part of controlled studies,<br />
in a total of 11 studies. The results in the acupuncture and<br />
controlled groups appear respectively as 412 (57.46%) e 141<br />
(21.96%) for cure, 264 (36.82%) e 232 (36.14%) for improvement<br />
e 41 (5.72%) e 269 (41.90%) for failure. Conclusion.<br />
The results suggest that acupuncture can be an efficient intervention<br />
for insomniac patients, however researches with<br />
better and more rigorous methods, such as randomized clinical<br />
trials, controlled, single-blinded and with a larger sample<br />
should be conducted in order to better determine the efficacy<br />
of acupuncture for the treatment of insomnia.<br />
Keywords: Acupuncture. Acupuncture therapy. Insomnia.<br />
Sleep disorders.<br />
Citation: Silva-Filho RC. The effects of acupuncture on insomnia treatment:<br />
systematic review.<br />
Trabalho realizado no Setor de Neuro-Sono das Disciplinas<br />
de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseadas em Evidências<br />
da UNIFESP<br />
1. Fisioterapeuta, Doutorando, Setor de Neuro-Sono das Disciplinas<br />
de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseada em Evidências da<br />
UNIFESP, Coordenador Geral do CIEFATO e do CAPCO.<br />
2. Neurologista, Professor Adjunto e Chefe do Setor de Neuro-Sono<br />
das Disciplinas de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseada em<br />
Evidências da UNIFESP.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Reginaldo Carvalho da Silva Filho<br />
Rua Tié, 94<br />
CEP 03181-033, São Paulo, SP<br />
E-mail: regis@ciefato.com.br<br />
Recebido em: 25/08/2006<br />
Revisão: 26/08/2006 a 24/01/2007<br />
Aceito em: 26/01/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
183<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189
INTRODUÇÃO<br />
Insônia é uma queixa de sono muito comum,<br />
sendo descrita pela Sociedade Brasileira de Sono 1 ,<br />
como dificuldade em iniciar e/ou manter o sono,<br />
presença de sono não reparador, ou seja, insuficiente<br />
para manter uma boa qualidade de alerta e bem-estar<br />
físico e mental durante o dia, com o comprometimento<br />
conseqüente do desempenho nas atividades<br />
diurnas. A insônia apresenta uma prevalência de<br />
cerca de 30–35% da população 1 .<br />
A insônia pode estar relacionada com uma<br />
causa específica: ansiedade, depressão, estresse, dor<br />
muscular e/ou articular (artrite, por exemplo), uso<br />
de medicamentos, ambiente inadequado (muito barulho,<br />
local quente demais, colchão ruim, claridade<br />
excessiva) etc. Nos casos em que não se relaciona com<br />
um fator causal mais evidente, é tida como insônia<br />
primária, aquela sem causa bem definida. Pode ser<br />
um quadro passageiro, relacionado com algum fato<br />
recente, que geralmente melhora espontaneamente.<br />
No ano de 2003, foi publicado o I Consenso<br />
Brasileiro de Insônia 1 , o qual relacionou a freqüência<br />
das conseqüências e co-morbidades da insônia<br />
com o seu tempo de duração. Na insônia crônica, de<br />
longa duração, observam-se mais sintomas cognitivos<br />
e alteração do humor, irritabilidade, redução do<br />
desempenho acadêmico e profissional, redução da<br />
concentração e da memória. Além do que, a insônia<br />
e a fadiga aumentam significativamente o risco de<br />
acidentes de trabalho, domésticos e de trânsito.<br />
Em 2004, Edinger et al 2 , propuseram novos<br />
critérios para o diagnóstico da insônia, apresentando<br />
a diferenciação da Insônia Primária, Insônia devido<br />
a Distúrbio Mental, Insônia Paradoxal e Insônia Psicofisiológica.<br />
Segundo o I Consenso Brasileiro de Insônia 1 ,<br />
a abordagem terapêutica desta queixa deve focar em<br />
cuidados para o tratamento dos sintomas diurnos,<br />
noturnos e a doença de base em si, destacando o tratamento<br />
farmacológico, o tratamento não farmacológico<br />
e a combinação de ambos.<br />
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) possui<br />
uma visão bastante peculiar do corpo humano, de<br />
todas as suas relações com o meio externo e consigo<br />
mesmo 3 . As doenças são interpretadas como sendo<br />
causadas, principalmente, por fatores externos e fatores<br />
internos, fatores estes que impedem o funcionamento<br />
adequado dos Órgãos e Vísceras (Zang Fu) e a<br />
circulação de Qi e de Sangue (Xue) pelo corpo, principalmente<br />
através dos Canais e Colaterais (Jing Luo),<br />
onde estão localizados os pontos de acupuntura 3 .<br />
original<br />
Os Órgãos e Vísceras (Zang Fu) descritos pela<br />
MTC possuem nomes idênticos àqueles da Medicina<br />
Moderna Ocidental, no entanto o conceito clássico<br />
chinês extrapola a visão anatômica e fisiológica do<br />
ocidente, oferecendo a esses Órgãos e Vísceras (Zang<br />
Fu), funções, relações e associações importantes do<br />
ponto de vista prático para o praticante de MTC e<br />
que podem parecer errados e absurdos para praticantes<br />
ocidentais 4 .<br />
Desta forma, ao analisar as informações a seguir,<br />
os conceitos da MTC estarão identificados sempre<br />
em letra maiúscula e seguidos da transliteração,<br />
romanização, do ideograma chinês correspondente<br />
pelo sistema Pin Yin.<br />
Segundo Xu et al 5 e Liu 6 , a insônia, para a<br />
MTC, dentre outros fatores causais, está relacionada<br />
com excesso de ansiedade e de trabalho prejudicando<br />
as funções do Coração (Xin) e do Baço (Pi);<br />
interrupção nas funções fisiológicas de coordenação<br />
entre o Coração (Xin) e o Rim (Shen); hiperatividade<br />
do Yang do Fígado (Gan) devido a uma deficiência do<br />
Yin; deficiência do Qi do Coração (Xin) e da Vesícula<br />
Biliar (Dan); desordem do Qi do Estômago (Wei), etc.<br />
Xie 7 e Liu 6 citam uma obra clássica Chinesa<br />
escrita em 1624, o Jing Yue Quan Shu (Trabalhos<br />
Completos de Jing Yue), importante apresentação<br />
sistemática sobre as teorias, diagnóstico, métodos de<br />
tratamento e discussões clínicas sobre várias doenças.<br />
No capítulo dessa obra clássica sobre a insônia,<br />
é possível encontrar a seguinte passagem: “... o sono<br />
se origina do Yin e é governado pela Mente (Shen). O<br />
sono vem de uma Mente (Shen) tranqüila e a insônia<br />
vem de uma intranqüilidade da Mente (Shen)...”.<br />
Os conceitos clássicos, da MTC, de Yin e Yang<br />
representam opostos complementares, de modo que<br />
o Yin está associado com frio, quietude, escuridão,<br />
repouso, noite, sono, enquanto que o Yang está associado<br />
com calor, movimento, claridade, atividade,<br />
dia, vigília 8 . Assim, é possível perceber a relação da<br />
insônia, segundo a MTC, com uma falta relativa de<br />
Yin, ou seja, uma falta de repouso, noite, sono.<br />
Segundo as teorias da MTC, o Coração (Xin)<br />
é o responsável, governante, da Mente (Shen), sendo<br />
assim é o Órgão (Zang) mais envolvido nos casos de<br />
pacientes portadores de insônia e aquele que deve<br />
ser tratado direta ou indiretamente. Além disto, pontos<br />
que estimulam a Mente (Shen) devem ser sempre<br />
considerados nesses pacientes 6 .<br />
A acupuntura e suas variantes, como acupuntura<br />
auricular e acupuntura craniana, têm sido empregadas<br />
com grande freqüência para o tratamen-<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189 184
original<br />
to de insônia, por parte dos praticantes de MTC,<br />
sendo que diversos estudos recentes sugerem que<br />
a acupuntura pode controlar o sistema nervoso autônomo<br />
9-14 , além de estudos que demonstram que<br />
pontos específicos de acupuntura, principalmente<br />
aqueles que atuam diretamente no Coração (Xin),<br />
têm a capacidade de reduzir as atividades simpáticas<br />
<strong>15</strong>-17 .<br />
Para o devido tratamento da insônia com acupuntura,<br />
diversos autores 5,6,9,17 sugerem que a correta<br />
Diferenciação de Síndromes é fundamental para<br />
boa prática e obtenção dos resultados desejados. Há<br />
algumas pequenas divergências na apresentação das<br />
Síndromes, no entanto quatro delas são amplamente<br />
mencionadas enquanto outras são mencionadas com<br />
menor freqüência. Na seqüência abaixo são apresentadas<br />
as Síndromes, desde as mais citadas até as menos<br />
citadas:<br />
• Deficiência do Coração e do Baço (Xin Pi<br />
Liang Xu) 5,6,18,19 ;<br />
• Hiperatividade do Fogo devido à Deficiência<br />
do Yin (Yin Xu Huo Wang) 5,6,18,19 ;<br />
• Ascensão do Fogo Excessivo do Fígado (Gan<br />
Huo Shang Rao) 5,6,18,19 ;<br />
• Desordem do Qi do Estômago (Wei Qi Bu<br />
He) 5,6,18 ;<br />
• Deficiência do Coração e da Vesícula Biliar<br />
(Xin Dan Liang Xu) 18,19 ;<br />
• Desarmonia entre o Coração e o Rim (Xin<br />
Shen Bu Jiao) 17 ;<br />
• Calor Mucosidade agredindo o Coração<br />
(Tan Re Xin Rao) 19 ;<br />
• Fogo Exuberante do Coração (Xin Huo<br />
Sheng) 19 ;<br />
O objetivo principal deste trabalho é a verificação<br />
dos efeitos da prática da acupuntura como<br />
recurso terapêutico para o tratamento de pacientes<br />
portadores de insônia. Como objetivo secundário,<br />
este trabalho visa comparar, quando possível, a acupuntura<br />
com outros recursos terapêuticos empregados<br />
nos estudos analisados.<br />
MÉTODO<br />
Para realização deste estudo, foi empregado<br />
o método de revisão sistemática da literatura, com<br />
objetivo principal de identificar os efeitos da acupuntura<br />
no tratamento da insônia, tendo sido realizado<br />
nas dependências do CIEFATO — Centro Internacional<br />
de Estudos de Fisioterapia, Acupuntura e<br />
Terapias Orientais/EBRAMEC — Escola Brasileira<br />
de Medicina Chinesa.<br />
Para a realização das buscas dos artigos científicos,<br />
conduzida entre Abril e Outubro de 2005, foram<br />
utilizadas diversas bases de dados, com destaque<br />
para o sistema MEDLINE; a Cochrane Library, Bio-<br />
Med Central; BMC Complementary and Alternative<br />
Medicine; SciELO (Scientific Electronic Library<br />
Online); LILACS (Literatura Latino-Americana e<br />
do Caribe em Ciências da Saúde); ACUBRIEFS;<br />
além de artigos enviados diretamente da China através<br />
de busca realizada na Shandong University of<br />
Traditional Chinese Medicine.<br />
Neste trabalho foram realizadas buscas de artigos<br />
científicos com a utilização das seguintes palavras-chaves:<br />
“ACUPUNTURA”, “AURICULAR” e<br />
“INSÔNIA”, com suas variantes em inglês, espanhol<br />
e francês.<br />
Para a inclusão dos artigos científicos neste<br />
estudo, os mesmos deveriam possuir um caráter experimental,<br />
seja ensaio clínico, seja estudo ou série<br />
de casos; ter como objetivo principal a avaliação do<br />
uso da acupuntura no tratamento da insônia; terem<br />
sido publicados entre 1975 e 2005, tendo como principal<br />
desfecho a melhora, piora ou manutenção da<br />
insônia. O principal critério de exclusão era o fato<br />
de o artigo apresentar o tratamento de uma queixa<br />
diferente da insônia e, mesmo assim, relatar alguma<br />
possível alteração nessa queixa.<br />
Para cada um dos artigos científicos analisados,<br />
alguns dados relevantes foram analisados e verificados<br />
pelo investigador principal. Dentre os dados<br />
analisados, destacam-se o nome da revista científica<br />
onde o artigo foi publicado; o ano da publicação;<br />
o tamanho total da amostra; número de homens e<br />
mulheres nas amostras estudadas; presença ou não<br />
de grupo controle ou comparação; método de tratamento;<br />
resultados terapêuticos.<br />
Vale dizer que nem todos os artigos científicos<br />
incluídos neste estudo ofereceram a descrição de todos<br />
os dados de interesse a serem analisados.<br />
RESULTADOS<br />
Cento e oitenta artigos científicos foram encontrados<br />
mediante as buscas realizadas, no entanto<br />
apenas trinta e um preencheram os três critérios de<br />
inclusão, já descritos, sendo que a maioria dos artigos<br />
foi excluída por não apresentar a acupuntura<br />
no tratamento de insônia como objetivo principal do<br />
artigo, por não ser estudo experimental e por apresentar-se<br />
em repetição.<br />
Com relação à revista científica onde os artigos<br />
científicos foram publicados, ficou evidenciado<br />
185<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189
que estes se concentravam em duas revistas, Journal<br />
of Traditional Chinese Medicine (08/31 = 25,8%) e<br />
Shanghai Journal of Acupuncture and Moxibustion<br />
(09/31 = 29%), sendo ambas revistas publicadas na<br />
China, em idiomas inglês e chinês.<br />
Com relação ao ano de publicação, os artigos<br />
científicos foram publicados, em sua grande maioria<br />
(58%), após o ano 2000, variando desde o ano de<br />
1977 até 2005.<br />
Quanto aos tamanhos de amostras dos artigos<br />
científicos, houve uma grande variação, tendo sido<br />
encontrados artigos científicos que apresentavam<br />
desde uma amostra de apenas 28 pacientes, em contraste<br />
com um artigo que apresentou uma amostra<br />
de 291 pacientes.<br />
O total de participantes, somando todas as<br />
amostras dos artigos científicos pesquisados, foi de<br />
3.574 pacientes, o que ofereceu uma média de 1<strong>15</strong><br />
pacientes por estudo realizado. E, mesmo que diversos<br />
artigos tenham falhado em informar adequadamente<br />
a quantidade de homens e mulheres, houve<br />
uma quantidade maior de mulheres, nos estudos que<br />
ofereceram esse tipo de informação, sendo um total<br />
de 1.014 mulheres em relação a apenas 635 homens.<br />
No que diz respeito aos métodos e técnicas<br />
de tratamento empregadas nos artigos científicos<br />
pesquisados, houve grandes variações, desde artigos<br />
que empregavam simplesmente a acupuntura tradicional,<br />
artigos que empregavam acupuntura auricular,<br />
artigos que empregavam técnicas de injeção nos<br />
pontos de acupuntura, dentre outras combinações.<br />
Quanto aos resultados terapêuticos obtidos<br />
pelos pesquisadores, autores dos artigos científicos,<br />
revisados neste trabalho, temos que a grande maioria<br />
deles adotou um critério bastante simplificado de<br />
três categorias: Cura, Melhora e Ineficácia. A cura<br />
foi descrita como uma melhora maior que 75% na<br />
eficiência do sono sem a utilização de medicamentos.<br />
Melhora foi descrita como um aumento de 20% na<br />
eficiência do sono sem a utilização de medicamentos.<br />
Ineficácia foi descrita como nenhuma melhora<br />
evidente.<br />
DISCUSSÃO<br />
Este trabalho é pioneiro em língua portuguesa<br />
em analisar os efeitos da prática da acupuntura<br />
e suas variantes no tratamento de pacientes portadores<br />
de insônia através de uma revisão sistemática<br />
da literatura, somando-se a dois outros trabalhos de<br />
revisão publicados em inglês 51,52 e um publicado em<br />
original<br />
chinês 53 . Além disso, este é o trabalho que apresenta<br />
uma maior quantidade de artigos científicos revisados,<br />
trinta e um. Comparando esses artigos de<br />
revisão é possível perceber que houve conclusões similares<br />
no fato de indicar a acupuntura como um<br />
recurso promissor no tratamento da insônia e com<br />
a necessidade da realização de estudos com método<br />
mais adequado.<br />
Além dos artigos revisados na elaboração deste<br />
trabalho, outros artigos foram analisados, com<br />
destaque para um que demonstrou que análises das<br />
urinas de 18 pacientes apresentaram aumento da<br />
produção de melatonina durante a noite, diminuição<br />
de sua produção durante a manhã e à tarde, refletindo<br />
uma normalização da secreção de melatonina 54 .<br />
Os autores desse mesmo trabalho concluíram que a<br />
acupuntura pode ser de grande valia para o tratamento<br />
da insônia, principalmente em pacientes ansiosos.<br />
Mediante esta análise, é possível iniciar uma<br />
inferência sobre os mecanismos de ação pelos quais<br />
a acupuntura auxilia os portadores de insônia, regulando<br />
e melhorando a secreção de melatonina.<br />
Um outro interessante trabalho, publicado por<br />
Lin em 1995 55 , sugere que os mecanismos de ação<br />
da acupuntura no tratamento de insones são similares<br />
àqueles pelos quais a acupuntura obtém efeitos<br />
analgésicos e que já foram amplamente estudados,<br />
principalmente pelo sistema endógeno de opióides,<br />
reduzindo o estresse e a ansiedade, culminando com<br />
uma melhora no sono do paciente. Este estudo não<br />
aplicou acupuntura em pacientes, mas apresentou<br />
uma sugestão teórica para os mecanismos pelos quais<br />
a acupuntura poderia atuar na insônia.<br />
Do ponto de vista da MTC, foi possível perceber<br />
que os trabalhos empregaram, em sua grande<br />
maioria, o critério de Diferenciação de Síndromes,<br />
de modo a enfatizar a regularização da Mente (Shen)<br />
através do tratamento direto ou indireto do Coração<br />
(Xin), que de acordo com a terminologia da MTC é<br />
o responsável pelas atividades mentais e emocionais.<br />
Destacou a utilização de pontos de acupuntura<br />
como o C7 (Shenmen), o PC6 (Neiguan), os pontos<br />
extras Anmian, cuja tradução significa “sono tranqüilo”,<br />
além de pontos auriculares, como Shenmen, Coração,<br />
Occipital e Subcórtex. Todos pontos clássicos<br />
da acupuntura para o tratamento da insônia, regularizando,<br />
acalmando Coração (Xin) e conseqüentemente<br />
a Mente (Shen).<br />
Do ponto de vista ocidental, temos que o agulhamento<br />
do C7 (Shenmen) e do PC6 (Neiguan) parecem<br />
enviar sinais nervosos aferentes específicos para<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189 186
original<br />
Tabela 1. Resultados terapêuticos.<br />
Publicação Grupo Cura Melhora Ineficácia Total<br />
N° % N° % N° % Nº<br />
Ban et al 20 injeção em pontos de acupuntura 96 80 <strong>15</strong> 16 5 4 116<br />
Chen et al 21 Acupuntura tradicional 59 47,4 62 50 3 2,6 124<br />
Controle: oryzanol e diazepam 29 23,3 50 50 21 16,7 100<br />
Chen et al 22 acupuntura + estazolam 30 75 9 22,5 1 2,5 40<br />
Controle: estazolam <strong>15</strong> 37,5 20 50 5 12,5 40<br />
Cui et al 23 acupuntura tradicional 24 40 34 46,6 2 3,4 60<br />
Controle: estazolan 1-2mg 14 23,3 38 63,3 8 13,4 60<br />
Da Silva et al 24 Tratamento: acupuntura tradicional 5 29,4 9 52,9 3 17,7 17<br />
Controle: não descrito 3 23 3 23 7 54 13<br />
Feng et al 25 acupuntura auricular 37 55,2 28 41,8 2 3 67<br />
Gao et al 26 acupuntura tradicional 262 90,97 22 7,64 4 1,39 288<br />
Kim et al 27 acupuntura intradérmica Melhora significantemente maior no grupo tratamento que no grupo <strong>15</strong><br />
Controle: acupuntura SHAM<br />
controle<br />
<strong>15</strong><br />
Lee et al 28 injeção em pontos auriculares <strong>15</strong> 93,75 1 6,25 0 0 16<br />
Li et al 29 acupuntura tradicional e auricular 126 84 20 13,33 4 2,67 <strong>15</strong>0<br />
Controle: diazepan e chloral hydrate <strong>15</strong> 10 30 20 105 70 <strong>15</strong>0<br />
Lian et al 30 acupuntura auricular 30 37,5 35 43,75 <strong>15</strong> 18,75 80<br />
Controle: diazepan 10mg 0 0 11 13,75 69 86,25 80<br />
Lin et al 31 acupuntura tradicional 35 81,25 6 13,95 2 4,8 43<br />
Controle: observação simples 16 33,33 10 20,83 22 45,84 48<br />
Liu et al 32 acupuntura e transfixação 35 34,65 54 53,47 12 11,88 101<br />
Tratamento: acupuntura tradicional 20 19,8 56 55,44 25 24,76 101<br />
Lorna et al 33 acupuntura auricular 10 17 39 65 11 18 60<br />
Piao et al 34 acupuntura tradicional e auricular 14 63,64 8 36,36 0 0 22<br />
Ren et al 35 acupuntura tradicional e transfixação 54 62,8 32 37,2 0 0 86<br />
Shao et al 36 acupuntura tradicional e auricular 64 71,11 22 24,25 4 4,44 90<br />
acupuntura tradicional 36 40,44 39 43,83 14 <strong>15</strong>,73 89<br />
acupuntura auricular 27 31,03 40 45,98 20 22,99 87<br />
Shen et al 37 acupuntura auricular e tradicional <strong>15</strong>0 75 44 22 6 3 200<br />
Shi et al 38 acupuntura tradicional 17 60,7 11 39,3 0 0 28<br />
Sui et al 39 injeção em pontos de acupuntura 61 46 63 47 9 7 133<br />
Wang et al 40 injeção em pontos, eletroacupuntura 22 55 17 42,5 1 2,5 40<br />
Controle: medicamento 11 27,5 20 50 9 22,5 40<br />
Wang et al 41 acupuntura tradicional 25 73,5 8 23,5 1 3 34<br />
Controle: diazepam 12 40 13 43,3 5 16,7 30<br />
Wu et al 42 Insônia: acupuntura auricular 23 57,5 11 27,5 6 <strong>15</strong> 40<br />
Sonolência: acupuntura auricular 16 80 4 20 0 0 20<br />
Wu et al 43 eletroacupuntura e ervas 95 63,34 41 27,28 14 9,38 <strong>15</strong>0<br />
Controle: eletroacupuntura 74 52,86 39 27,79 27 19,35 140<br />
Xie et al 44 acupuntura tradicional 73 59 36 29 <strong>15</strong> 12 124<br />
Yao et al 45 laserpuntura auricular 32 69,5 13 28,3 1 2,2 46<br />
Zhang et al 46 acupuntura tradicional 27 71,1 6 17,7 2 5,8 35<br />
Zhang et al 47 acupuntura auricular 9 21,43 29 69,05 4 9,52 42<br />
Controle: clonazepam 4 11,11 22 61,11 10 27,78 36<br />
Zhang et al 48 acupuntura tradicional 47 54 35 40,2 5 5,8 87<br />
Controle: clonopin 22 48,9 <strong>15</strong> 33,3 8 17,8 45<br />
Zhang et al 49 acupuntura auricular 19 31,<strong>15</strong> 34 55,74 8 13,11 61<br />
Zhao et al 50 acupuntura tradicional 216 74,23 50 17,18 25 8,59 291<br />
187<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189
o sistema nervoso central, resultando em uma diminuição<br />
da atividade simpática 14,56 , assim como foi demonstrado<br />
em outros estudos <strong>15</strong>-17 .<br />
Segundo Chan e Briscomb 57 , o ponto de acupuntura<br />
C7 (Shenmen) foi eficaz na redução do estresse<br />
em cerca de 44%, empregando o Edinburgh Postnatal<br />
Depression Scale (EPDS), sendo este um possível mecanismo<br />
pelo qual os paciente com insônia beneficiamse<br />
dos tratamentos por acupuntura.<br />
Com relação à prática da acupuntura auricular,<br />
técnica amplamente utilizada para o tratamento<br />
ansiedade, estresse e insônia, há trabalhos que demonstram<br />
a sua eficácia, principalmente no que diz<br />
respeito à diminuição da ansiedade 58-60 .<br />
CONCLUSÃO<br />
A acupuntura, assim como outras modalidades<br />
terapêuticas da MTC, pode ser de grande valia<br />
para a população de modo geral, sendo amplamente<br />
indicada para uma grande variedade de doenças<br />
pela Organização Mundial de Saúde 61 e pelo National<br />
Institute of Health 62 , incluindo a insônia dentre<br />
essas doenças.<br />
Os profissionais da área da saúde, incluindo<br />
os médicos das mais diversas especialidades, deveriam<br />
ter mais informações sobre os possíveis efeitos<br />
da acupuntura, assim como as suas principais indicações.<br />
Os resultados observados nesta revisão de literatura<br />
sugerem que a acupuntura e suas variantes<br />
(principalmente acupuntura auricular) têm a capacidade<br />
de oferecer excelentes resultados no tratamento<br />
de pacientes portadores de insônia. No entanto, estudos<br />
com melhores e mais rigorosos métodos, como<br />
ensaios clínicos randomizados, controlados, simplescego,<br />
e com amostras maiores devem ser realizados<br />
para determinar melhor a eficácia da acupuntura no<br />
tratamento da insônia.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
Gostaria de agradecer especialmente o Dr. Han<br />
Zhao Cheng, da Shandong University of Traditional<br />
Chinese Medicine, pelo envio de importantes artigos<br />
científicos e pela tradução de outros, do chinês para o<br />
inglês, que foram de extrema valia para a realização<br />
deste trabalho. Gostaria de agradecer também a equipe<br />
de profissionais da Escola Brasileira de Medicina<br />
Chinesa/CIEFATO, que auxiliaram de maneira direta<br />
ou indireta na realização deste trabalho, e a todos os<br />
membros do Centro Avançado de Pesquisas Orientais.<br />
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ABRASPI<br />
Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas<br />
A Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas – ABRASPI, é uma<br />
associação sem fins lucrativos criada para dar suporte a pacientes e promover<br />
pesquisa e treinamento sobre a Síndrome das Pernas Inquietas (SPI). Criada<br />
desde 2005, a ABRASPI tem recebido correspondências de pacientes, familiares<br />
e médicos do Brasil todo e de Portugal, que procuram tirar dúvidas sobre a<br />
doença, tratamento e indicações de médicos.<br />
Fone: (11) 5081–6629<br />
E-mail: sindromedaspernasinquietas@gmail.com<br />
http://www.sindromedaspernasinquietas.com.br<br />
189<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:183–189
Avaliação de diferentes pacientes<br />
neurológicos por meio do Teste de<br />
Functional Reach<br />
Neurological patients evaluated with the Functional Reach Test<br />
original<br />
Camila Torriani 1 , Eliane Pires de Oliveira Mota 1 , Claudia Regina Sieburth 2 ,<br />
Danielle Arcanjo Barcelos 2 , Maurycio La Scala 2 , Paloma Pereira Gregoraci 2 ,<br />
Théo A. Costa 2 , Thatiana C. Baldini Luiz 2 , Juliana L. Hayashi 2<br />
RESUMO<br />
Introdução. O Functional Reach (FR) é um teste clínico muito conhecido<br />
não só para mensurar o equilíbrio, mas também o controle<br />
postural. Este mensura a distância entre o comprimento do braço e<br />
o alcance máximo anterior, na posição ortostática, enquanto mantém<br />
uma base de suporte fixa. Objetivo. O objetivo do trabalho foi<br />
avaliar o limite de estabilidade anterior de diferentes pacientes neurológicos<br />
comparando-os com valores de normalidade. Método. Os<br />
25 pacientes, 14 mulheres, idade média de 48 anos, foram incluídos<br />
segundo os critérios: apresentar ortostatismo independente; sem alterações<br />
cognitivas graves; apresentar habilidade de realizar e manter<br />
a flexão de ombro a 90° com extensão de cotovelo. A distância<br />
percorrida foi medida e comparada com as normas associadas à<br />
idade, levando em consideração o tipo de doença. Resultados. Não<br />
houve diferença estatisticamente significante no desempenho do<br />
FR nos diferentes tipos de doenças. Porém, ao comparar os pacientes<br />
com os valores normais, os pacientes apresentam déficit na realização<br />
do FR, denotando então, alteração no equilíbrio. Conclusão.<br />
Pacientes com acometimentos neurológicos, independentemente<br />
da topografia lesional, apresentam o limite de estabilidade anterior<br />
deficitário, quando comparados aos sujeitos saudáveis.<br />
Unitermos: Equilíbrio Musculosquelético, Estudos de Avaliação,<br />
Fisioterapia, Reabilitação.<br />
Citação: Torriani C, Mota EPO, Sieburth CR, Barcelos DA, Scala ML,<br />
Gregoraci PP, Costa TA, Luiz TCB, Hayashi JL. Avaliação de diferentes<br />
pacientes neurológicos por meio do Teste de Functional Reach.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. The Functional Reach is a well-known clinical<br />
test that not only measures the balance but also the postural<br />
control. This test measures the distance between the arm length<br />
and the anterior maximum reach, in the standing position,<br />
while it keeps a fixed base of support. Objective. The purpose<br />
of this study was to assess the balance of different neurological<br />
patients comparing them with healthful individuals. Method.<br />
The 25 patients,14 female, mean age of 48 years, had been<br />
included following the criteria: to present independent standing<br />
position; without severe cognitive dysfunction; to present<br />
ability to keep and maintain the flexion of shoulder 90° with<br />
extension of elbow. The distance was measured and compared<br />
with the normal patterns associated with the age and kind<br />
of disease. Results. There was no significant difference of the<br />
FR performance among different diseases. However, when<br />
comparing the patients with the normal patterns, the patients<br />
presented deficit in the FR accomplishment, which confirms<br />
the balance alteration. Conclusion. Static balance is impaired<br />
in all evaluated neurological patients when compared to the<br />
normal pattern.<br />
Keywords: Musculoskeletal Equilibrium, Evaluation Studies,<br />
Physical Therapy, Rehabilitation.<br />
Citation: Torriani C, Mota EPO, Sieburth CR, Barcelos DA, Scala ML,<br />
Gregoraci PP, Costa TA, Luiz TCB, Hayashi JL. Neurological patients<br />
evaluated with the Functional Reach Test.<br />
Trabalho realizado na Clínica de Fisioterapia do UniFMU.<br />
1. Fisioterapeuta, Docente e supervisora de estágio do setor Neurologia<br />
Adulto – Uni FMU.<br />
2. Acadêmicos do 4º ano de fisioterapia do Uni FMU.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Camila Torriani<br />
Av. Santo Amaro, 1329<br />
CEP 04511-001, São Paulo-SP<br />
Email: camilatorriani@uol.com.br<br />
Recebido em: 02/10/2006<br />
Revisão: 03/10/2006 a 27/03/2007<br />
Aceito em: 28/03/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:190–194 190
original<br />
INTRODUÇÃO<br />
Balance é um termo genérico utilizado para descrever<br />
a postura dinâmica do corpo a fim de prevenir<br />
quedas e está relacionada com o equilíbrio, a reação de<br />
endireitamento e proteção. O balance normal requer o<br />
controle de forças gravitacionais para manter o controle<br />
postural e o controle das forças de aceleração para<br />
manter o equilíbrio 1 . O controle postural é definido<br />
como a ação de manter a posição do corpo no espaço<br />
com objetivo de estabilidade e orientação, podendo<br />
envolver a base de suporte fixa ou com alteração da<br />
mesma como resposta 2 .<br />
O equilíbrio em pé refere-se à habilidade para<br />
manter o centro de gravidade sobre a base de sustentação<br />
constituída pelos pés. É um fenômeno dinâmico<br />
que envolve estabilidade e mobilidade, sendo imprescindível<br />
para manter uma posição no espaço ou moverse<br />
de modo controlado e coordenado 3 . O equilíbrio é<br />
constituído por uma sucessão ascendente de equilíbrios<br />
instáveis, controlados por músculos tônicos conhecidos<br />
como tônus postural. Eles estão presentes para controlar<br />
estes desequilíbrios, manter o corpo sobre sua base<br />
e, quando necessário, através de reações automáticas<br />
para tentar recolocar o centro de gravidade sobre sua<br />
base de suporte 4 .<br />
Durante a postura vertical estática, o limite de<br />
estabilidade é composto pela área envolvida pelas bordas<br />
externas dos pés, sem alterar a base de apoio, e leva<br />
em consideração a possibilidade de deslocamento do<br />
centro de gravidade (para qualquer direção) sem que<br />
haja mudança da base de suporte. O balance pode ser<br />
controlado voluntariamente, havendo possibilidade de<br />
ser treinado para um melhor desempenho. Para isso, é<br />
fundamental a integridade do cerebelo e suas vias, o sistema<br />
vestibular, a visão e o sistema sômatosensorial 5-8 .<br />
O centro de gravidade do corpo muda continuamente,<br />
mesmo quando o indivíduo está em posição<br />
ortostática. O equilíbrio postural é o movimento corporal<br />
corrigido, resultado do controle da posição corporal<br />
vertical projetado no plano horizontal 9 .<br />
O equilíbrio requer interações que incluem os<br />
sistemas vestibulares, visuais, sômato-sensoriais (exteroceptivo<br />
e proprioceptivo), músculo esquelético e sistema<br />
cognitivo 10 . Os distúrbios do balance podem estar<br />
relacionados a vários fatores, dentre eles a lesão em<br />
qualquer uma das estruturas ou vias que compõem esse<br />
sistema, fatores intrínsecos e extrínsecos 11 .<br />
Tanto o equilíbrio estático quanto o dinâmico<br />
são controlados pela detecção de desequilíbrios do centro<br />
de gravidade e a iniciação de respostas apropriadas<br />
para retornar o corpo para uma posição estável 1,2 .<br />
O balance é muito importante na vida dos indivíduos,<br />
apresentando-se essencial para a manutenção<br />
da postura, tônus muscular e na coordenação dos<br />
movimentos. Além disso, a manutenção e o controle<br />
da postura e do balance, quando em circunstâncias<br />
estáticas ou dinâmicas, são exigências essenciais para<br />
as atividades de vida diária (AVDs) 12 .<br />
O FR é um teste clínico muito conhecido para<br />
mensurar o limite de estabilidade anterior, a partir<br />
do qual é possível inferir sobre o equilíbrio e o<br />
controle postural 10 e foi desenvolvido por Duncan 3,4 .<br />
Esse teste mensura a distância entre o comprimento<br />
do braço e o alcance máximo anterior, na posição<br />
ortostática, enquanto mantém uma base de suporte<br />
fixa 13-<strong>15</strong> .<br />
Foi desenvolvido como medida tanto estática<br />
quanto dinâmica de equilíbrio, e é usado em pacientes<br />
com diagnósticos diferentes, como Parkinson,<br />
Hipofunção Vestibular, Esclerose Múltipla e fraturas<br />
de quadril. É um teste sugerido para mensurar os<br />
limites de estabilidade envolvendo o deslocamento<br />
do centro de pressão anterior pela rotação em torno<br />
da articulação do tornozelo, mantendo o quadril em<br />
extensão 10,16 .<br />
No momento em que o braço avança, o equilíbrio<br />
estático diminui, e a pessoa deve aumentar tanto<br />
o torque quanto o equilíbrio para se manter em<br />
pé. Entretanto, define-se equilíbrio como habilidade<br />
de reagir rapidamente para frente a forças desestabilizadoras<br />
de forma eficiente para retomar a estabilidade<br />
16 .<br />
Além disso, o FR é sensível à idade, indicando<br />
um aumento no risco de quedas em idosos, ao tentar<br />
buscar objetos com os braços estendidos 1,<strong>15</strong> .<br />
A realização do FR pode ser dificultada em<br />
pacientes com alteração cognitiva, deformidades espinais,<br />
alterações na mobilidade de membros superiores<br />
e indivíduos que não conseguem se manter na<br />
posição ortostática 14 .<br />
Nota-se, na prática clínica, que o equilíbrio é<br />
uma das queixas mais referenciadas pelos pacientes,<br />
sendo encontradas alterações nas mais diversas topografias<br />
lesionais, já que vários são os sistemas que<br />
o influenciam. Desta forma, faz-se necessário confirmar<br />
tais alterações, comparando-as com valores<br />
de normalidade, bem como avaliá-lo em diferentes<br />
condições neurológicas, a fim de verificar o impacto<br />
de cada doença nas alterações de equilíbrio.<br />
O objetivo do trabalho foi avaliar o limite de<br />
estabilidade anterior de diferentes pacientes neurológicos<br />
comparando-os com valores de normalidade.<br />
191<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:190–194
MÉTODO<br />
A amostra analisada foi composta de 14 indivíduos<br />
do sexo feminino (56%) e 11 indivíduos do<br />
sexo masculino (44%), segundo critérios de inclusão:<br />
apresentar ortostatismo independente, sem alterações<br />
cognitivas graves, apresentar habilidade de realizar<br />
e manter flexão de ombro a 90º com extensão<br />
de cotovelo, não apresentar deformidades ou alterações<br />
estruturais na coluna vertebral ou articulação<br />
do membro superior.<br />
O estudo foi realizado na Clínica de Fisioterapia<br />
do UniFMU e foi aprovado por Comitê Ético interno<br />
da Instituição, sendo que foram respeitados os<br />
aspectos éticos concernentes a Resolução de nº 196<br />
de 10 de outubro de 1996. A coleta de dados iniciouse<br />
após assinatura de termo de Consentimento Livre<br />
e esclarecido.<br />
Foi aplicado FR, que consiste em uma avaliação<br />
em postura ortostática, utilizando-se do controle<br />
postural 14 . Este é um teste em que o indivíduo fica<br />
em pé com os pés separados e alinhados, com o ombro<br />
e o braço elevado a 90º de flexão. O sujeito devia<br />
alongar o corpo para frente o máximo possível, sem<br />
movimentar os pés e sem perder o equilíbrio, conforme<br />
ilustra a figura 1, a e b 16 . A distância percorrida<br />
foi medida e comparada com as normas associadas à<br />
idade 14-16 e com o tipo de doença.<br />
Foi utilizado o Teste de Kruskal-Wallis para<br />
comparar as distâncias alcançadas pelo paciente no<br />
RF. Foi definido um nível de significância de 5% e<br />
intervalos de confiança à 95%.<br />
original<br />
RESULTADOS<br />
Os dados demográficos da amostra referentes<br />
à idade e tempo de doença estão na tabela 1. Dessa<br />
forma, a média de idade da amostra é de 48,16<br />
anos e a média do tempo de lesão é 67,36. Na tabela<br />
2, demonstra-se a distribuição da população quanto<br />
ao tipo de doença, sendo a doença com distribuição<br />
mais freqüente o AVE/TCE, seguido das ataxias e<br />
mielopatias.<br />
Os valores de FR (cm) não foram diferentes<br />
entre os pacientes, levando-se em consideração o<br />
tipo de doença (tabela 3), mas comparando-se com<br />
os valores normais para cada faixa etária (tabela 4)<br />
houve diferença.<br />
Tabela 1. Caracterização da amostra quanto à idade (anos) e tempo<br />
de doença (meses).<br />
Descritiva Idade Tempo de doença<br />
Média 48,16 67,36<br />
Mediana 52 48<br />
Desvio Padrão <strong>15</strong>,36 73,08<br />
Tamanho 25 25<br />
Tabela 2. Caracterização da amostra quanto à doença neurológica<br />
apresentada.<br />
Tipo de Doença n %<br />
Ataxias 5 20,0%<br />
AVE / TCE 8 32,0%<br />
Distrofia 3 12,0%<br />
Esclerose Múltipla 2 8,0%<br />
Mielopatias 5 20,0%<br />
Parkinson 2 8,0%<br />
AVE= Acidente Vascular Encefálico; TCE= Traumatismo Crânio Encefálico.<br />
Figura 1. a) O indivíduo em pé com os pés separados, ombros alinhados e braço<br />
elevado a 90 graus de flexão. b) O indivíduo deve alongar o corpo para frente o máximo<br />
possível, sem perder o equilíbrio.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:190–194 192
original<br />
Tabela 3. Comparação do desempenho no FR (cm) para cada doença estudada.<br />
FR (cm)<br />
Tipo de Doença<br />
Ataxias AVE / TCE Distrofia Esclerose Múltipla Mielopatias Parkinson<br />
Média 22,90 23,63 16,83 26,75 18,40 25,75<br />
Mediana 23 28,5 12 26,75 23 25,75<br />
Desvio Padrão 1,98 8,91 10,61 3,89 8,29 4,60<br />
Quartil 1 21,5 16,63 10,75 25,38 10 24,13<br />
Quartil 3 24 30,25 20,5 28,13 23 27,38<br />
Tamanho 5 8 3 2 5 2<br />
Intervalo de Confiança 1,74 6,17 12,01 5,39 7,27 6,37<br />
p-valor 0,462<br />
AVE=Acidente Vascular Encefálico; TCE=Traumatismo Crânio Encefálico.<br />
DISCUSSÃO<br />
Este trabalho sugere que não há diferença<br />
na mensuração da distância alcançada no FR<br />
entre os indivíduos com doenças neurológicas diversas.<br />
Porém, os pacientes (independentemente<br />
da doença neurológica) apresentam menor amplitude<br />
do deslocamento do FR quando comparados<br />
aos valores de normalidade, sugerindo que<br />
o deslocamento anterior encontra-se afetado nesta<br />
população.<br />
O equilíbrio é uma habilidade complexa<br />
que envolve a interação de vários sistemas e<br />
é influenciado por alguns fatores como controle<br />
postural, flexibilidade, força muscular e medo de<br />
cair. Devido à alteração biomecânica ocasionada<br />
pela fraqueza muscular, as reações de equilíbrio,<br />
proteção e retificação estarão alteradas. Por esta<br />
razão é que muitas vezes têm-se como queixa<br />
principal dos pacientes a ocorrência de quedas<br />
freqüentes, podendo estar relacionadas à lentificação<br />
de tais reações 8,17,18 .<br />
A proposta deste estudo foi de apresentar<br />
o impacto de diferentes doenças neurológicas no<br />
desempenho do equilíbrio dos sujeitos acometidos,<br />
evidenciando que os fatores e sistemas descritos<br />
acima impactam negativamente na habilidade<br />
de organizar os limites de estabilidade em<br />
posição ortostática. Cabe, a partir deste estudo,<br />
determinar qual destes fatores e sistemas ocasiona<br />
maior impacto no equilíbrio de tais pacientes,<br />
visando fornecer diretrizes para a reabilitação<br />
destas desordens.<br />
Desta forma, fica complicado avaliar o<br />
equilíbrio por meio de um único teste, sendo que<br />
FR permite que sejam feitas inferências sobre o<br />
equilíbrio. O FR não é um teste propriamente<br />
de equilíbrio, mas um teste que avalia uma das<br />
muitas dimensões do equilíbrio 17 .<br />
Tabela 4. Valores de normalidade para o desempenho do FR, com<br />
relação a idade.<br />
Homem<br />
Mulher<br />
20–40 anos 16,7 ± 1,9 14,6 ± 2,2<br />
41–69 anos 14,9 ± 2,2 13,8 ± 2,2<br />
70–87 anos 13,2 ± 1,6 10,5 ± 3,5<br />
Existem três sistemas sensoriais que promovem<br />
informações relativas ao balance. Esses sistemas<br />
são: o sistema vestibular, o sômato-sensorial e<br />
o visual, sendo que o sistema vestibular é uma das<br />
ferramentas mais importantes do sistema nervoso<br />
no controle postural 8,19 . Os pacientes com alterações<br />
cerebelares e com seqüelas de AVE desenvolvem<br />
alterações nos mecanismos de balance, porém<br />
não existem muitos estudos clínicos que caracterizem<br />
tais alterações ou que topografem se as alterações<br />
encontram-se no sistema somato sensorial,<br />
vestibular ou proprioceptivo 8,19 .<br />
São descritos na literatura vários fatores<br />
que influenciam no FR, tais como: amplitude de<br />
movimento de tornozelo, tronco/coluna, quadril<br />
e ombro 17,18 . Portanto, ressaltamos a importância<br />
da avaliação cinemática das estratégias motoras<br />
escolhidas durante a realização do teste, a<br />
fim de complementar os achados quantitativos<br />
do deslocamento.<br />
As estratégias compensatórias utilizadas para<br />
o alcance durante o FR devem ser avaliadas, pois<br />
quando o sujeito apresenta possibilidade de pequeno<br />
deslocamento do centro de gravidade na base<br />
de suporte, as estratégias escolhidas tendem a ser<br />
estáticas, caracterizando pequena amplitude dos limites<br />
de estabilidade 10,16,18 .<br />
Em nosso estudo, não foram avaliadas as estratégias<br />
compensatórias adotadas por cada paciente,<br />
o que impede discussão destes achados.<br />
Sugere-se que todas as doenças estudadas<br />
acarretam um déficit no limite de estabilidade an-<br />
193<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:190–194
terior, porém nem sempre os fatores causadores<br />
são os mesmos, o que pode variar desde rigidez do<br />
tronco, fraqueza muscular, alteração sensorial ou<br />
perceptual associada ao medo de cair. Assim, para<br />
um próximo estudo, sugerimos o uso de outros instrumentos<br />
de avaliação funcional para associar ao<br />
FR, bem como aumentar o número de pacientes<br />
por doença, aumentando assim a amostra homogeneamente,<br />
visando correlacionar a topografia lesional<br />
com os fatores que afetam negativamente no<br />
equilíbrio.<br />
CONCLUSÃO<br />
Conclui-se que, nesta amostra, independentemente<br />
da doença neurológica, o limite<br />
de estabilidade anterior encontra-se deficitário<br />
quando comparado a sujeitos saudáveis.<br />
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Neurocienc 2006;14(3):135-9.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:190–194 194
original<br />
Reabilitação por meio da dança: uma<br />
proposta fisioterapêutica em pacientes<br />
com seqüela de AVC<br />
Rehabilitation through dance: a physical therapeutic proposal to patients with stroke sequel<br />
Suleima Ramos Calil 1 , Talimãn Aparecida Bertelli Pinheiro dos Santos 1 , Douglas<br />
Martins Braga 2 , Rita Helena Duarte Dias Labronici 3<br />
RESUMO<br />
Introdução. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode limitar<br />
de modo significativo o desempenho funcional de um indivíduo,<br />
trazendo conseqüências negativas e afetando aspectos motores,<br />
relações pessoais, familiares, sociais e, sobretudo, a qualidade de<br />
vida. Objetivo. O objetivo deste estudo foi avaliar a contribuição<br />
da dança na reabilitação dos pacientes com seqüelas de AVC. Método.<br />
Este estudo foi realizado na Policlínica Unasp, onde foram<br />
randomizados 20 pacientes com diagnóstico de AVC, divididos em<br />
2 grupos: 10 pacientes utilizando a dança e 10 pacientes utilizando<br />
cinesioterapia, durante 10 meses. Ambos os grupos foram avaliados<br />
pelas Escalas de Ashworth (espasticidade), Rivermead (mobilidade<br />
funcional), Barthel (atividade de vida diária-AVDs), Beck (depressão)<br />
e SF36 (qualidade de vida), antes e após o estudo. Resultado.<br />
Os grupos apresentaram diferença significante com relação ao<br />
tônus. Observou-se que, após o tratamento, os grupos de dança e<br />
cinesioterapia apresentaram-se homogêneos quanto à mobilidade<br />
funcional. Os grupos apresentaram depressão, mas não apresentaram<br />
diferenças em relação às AVDs. O grupo de dança apresentou<br />
diferença significante nos domínios do questionário SF-36: estado<br />
geral de saúde e aspectos emocionais. O grupo de cinesioterapia<br />
apresentou escores estatisticamente significantes nos seguintes domínios:<br />
capacidade funcional, vitalidade, aspectos sociais e aspecto<br />
emocional Conclusão. A dança demonstrou ser mais um recurso<br />
eficiente no tratamento para as seqüelas de AVC. Além da contribuição<br />
física e psicológica, a dança proporciona melhora na qualidade<br />
de vida do paciente portador de seqüelas de AVC.<br />
Unitermos: AVC, Reabilitação, Fisioterapia, Dança.<br />
Citação: Calil SR, Santos TABP, Braga DM, Labronici RHDD. Reabilitação<br />
por meio da dança: uma proposta fisioterapêutica em pacientes<br />
com seqüela de AVC.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. Stroke can significantly limit the functional performance<br />
of individuals leading to impairment of motor features,<br />
personal, family or social relationships, and quality of life. Objective.<br />
The aim of this study was to evaluate dance as a contribution<br />
to rehabilitation of patients with stroke sequels. Methods.<br />
A controlled and randomized study was conducted at multidisciplinary<br />
Unasp Clinic, where 20 stroke patients were divided<br />
in two groups: 10 patients in the dance group and 10 patients<br />
in the kinesiotherapy group. These activities lasted 10 months.<br />
Both groups were evaluated through Ashworth Scale (spasticity),<br />
Rivermead Scale (functional mobility), Barthel Scale (daily<br />
basis activity), Beck Scale (depression), and SF36 Scale (quality<br />
of life), before and after the intervention. Results. The groups<br />
presented significant difference regarding tonus. We observed<br />
that the dance and kinesiotherapy groups showed homogeneity<br />
regarding functional mobility after treatment. Both groups<br />
presented depression but there was no difference between daily<br />
basis activities. Dance group presented significant differences in<br />
the following domains of the SF-36: general state of health and<br />
emotional aspects. Kinesiotherapy group presented significant<br />
differences in the following domains: functional capacity, vitality,<br />
social aspects, and emotional aspect. Conclusion. The dance<br />
demonstrated to be an efficient tool on the treatment of patients<br />
with stroke sequels. In addition to the physical and psychological<br />
contribution, dance can provided an improvement in these<br />
patients quality of life.<br />
Keywords: Cerebrovascular accident, Stroke, Rehabilitation,<br />
Physical therapy, Dancing.<br />
Citation: Calil SR, Santos TABP, Braga DM, Labronici RHDD. Rehabilitation<br />
through dance: a physical therapeutic proposal to patients with<br />
stroke sequel.<br />
Trabalho realizado no Centro Universitário Adventista de<br />
São Paulo – UNASP-SP.<br />
1. Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia UNASP/SP.<br />
2. Fisioterapeuta, Especialista em hidroterapia na reabilitação de<br />
doenças neuromusculares UNIFESP, responsável pelo setor artístico do<br />
Clube dos Paraplégicos de São Paulo e do ambulatório de Neuroimunologia<br />
da UNIFESP.<br />
3. Mestre em neurociências UNIFESP, docente responsável pela Disciplina<br />
de Neurologia da UNASP/SP.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Estrada de Itapecerica, 2720<br />
CEP 05835-004, São Paulo, SP<br />
Recebido em: 08/08/06<br />
Revisão: 09/08/06 a 27/03/07<br />
Aceito em: 28/03/07<br />
Conflito de interesses: não<br />
195<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:195–202
INTRODUÇÃO<br />
AVC (Acidente Vascular Cerebral) é clinicamente<br />
definido como sendo uma disfunção neurológica<br />
aguda, de origem vascular, seguida da ocorrência<br />
súbita (em segundos) ou rápida (horas) de<br />
sintomas e sinais relacionados ao comprometimento<br />
de áreas focais no cérebro 1 , sendo a terceira causa de<br />
morte em diversos países do mundo, como nos EUA<br />
e na maioria das nações desenvolvidas ou de menor<br />
poder econômico como Brasil, Portugal e países asiáticos.<br />
Ocorre em 4,0 homens e 2,0 mulheres por<br />
1.000 indivíduos/ano nos EUA 2 . Só no município de<br />
São Paulo, é a terceira causa de morte, antecedido<br />
apenas pelas doenças coronarianas e homicídio 3 . No<br />
grupo das doenças cerebrovasculares, considerando<br />
a faixa de idade entre 20 e 49 anos, o AVC correspondeu<br />
a pouco mais de 80% das internações pelo<br />
SUS em 2004 4 .<br />
A reabilitação visa à reintegração dentro de<br />
um trabalho global, mantendo a tendência de primeiro<br />
tentar reduzir as limitações funcionais e,<br />
posteriormente, aumentar a reintegração social ou<br />
adaptação no ambiente 5 . Os métodos utilizados na<br />
fisioterapia neurofuncional para tratamento de pacientes<br />
com AVC foram desenvolvidos de maneira<br />
independente por vários pioneiros após a década de<br />
50, devido estarem insastifeitos com os resultados<br />
da fisioterapia anterior a essa década. Estes métodos<br />
foram elaborados sob observação e experiências<br />
clínicas, primariamente embasadas com os conceitos<br />
de controle motor correntes da época, ao invés de<br />
teorias científicas 6 . Dentre as diversas técnicas utilizadas<br />
na fisioterapia neurofuncional, encontram-se:<br />
cinesioterapia, hidroterapia, eqüoterapia, bobath,<br />
kabat, eletroterapia, entre outros.<br />
A cinesioterapia é o uso do movimento ou<br />
exercício como forma de tratamento, a fim de reabilitar<br />
ou reequilibrar as forças mecânicas atuantes no<br />
organismo como um todo, proporcionando melhora<br />
na qualidade do movimento e melhora na qualidade<br />
de vida. Para isso, a cinesioterapia é de fundamental<br />
importância para a fisioterapia, visto que o<br />
movimento só se cura com o movimento 7 . A cinesioterapia<br />
é o recurso mais utilizado no paciente com<br />
hemiplegia, porém a dança surge como um recurso<br />
auxiliar na reabilitação, pois possibilita explorar o<br />
próprio corpo, criando possibilidades para estimular<br />
aspectos neuro-psico-motores e sociais, promovendo<br />
melhora na qualidade de vida.<br />
Desde os primórdios, a dança tinha função de<br />
revelar modelos de rituais e determinadas atividades<br />
original<br />
humanas significativas, tais como alimentação, casamento,<br />
trabalho, arte e sabedoria. A dança sempre<br />
esteve presente na história da humanidade, com variações<br />
em todas as épocas. É uma linguagem por<br />
meio da qual o indivíduo pode sentir-se, perceber-se,<br />
conhecer-se e manifestar-se. É um aprendizado em<br />
si mesmo: o que o indivíduo sente, o que quer dizer<br />
e como quer dizer 8 .<br />
A dançaterapia é um método que fornece<br />
estímulos, despertando áreas adormecidas, possibilitando<br />
autoconhecimento físico, fazendo com que<br />
os alunos criem consciência de ultrapassar seus próprios<br />
limites 9 .<br />
Com relação ao aspecto cognitivo, a dançaterapia<br />
permite desenvolver as capacidades cognitivas,<br />
como a motivação e a memória. O nível físico<br />
possibilita bem-estar e coordenação muscular. A<br />
prática desta terapia traz grandes benefícios, que<br />
variam de movimentos adaptados, que diminuem a<br />
rigidez muscular e a ansiedade, ajudando as pessoas<br />
a aprenderem a reconhecer e a confiar nos seus<br />
próprios impulsos, além de desenvolver a auto-expressão,<br />
promover a interação do indivíduo consigo<br />
mesmo e com os outros, propiciar a inclusão social e<br />
melhorar a qualidade de vida 9 .<br />
A dança proporciona o autoconhecimento<br />
pelo toque, porque além de aumentar a percepção<br />
corporal, relaxa a musculatura, favorecendo o desenvolvimento<br />
físico, motor, neurológico e intelectual.<br />
Melhora também a auto-imagem, através do estímulo<br />
das percepções, sensações cinestésicas e visuais,<br />
que orientam o tempo e o espaço 10 .<br />
Pacientes portadores de seqüelas de AVC possuem<br />
disfunções motoras e cognitivas importantes,<br />
necessitando de reabilitação por períodos prolongados,<br />
muitas vezes tornando-se cansativo e desmotivante.<br />
A dança representa atividade lúdica e intrinsecamente<br />
motivante, que surge em meio a diversos<br />
recursos fisioterapêuticos, permitindo desenvolver os<br />
aspectos motores, psicológicos e sociais.<br />
Este trabalho tem como objetivo avaliar os<br />
efeitos da dança na reabilitação dos pacientes com<br />
seqüelas de AVC, tentando identificar a relação da<br />
dança com a diminuição da espasticidade, conhecer<br />
o impacto da dança sobre a mobilidade funcional<br />
do paciente, examinar a repercussão da dança nas<br />
AVDs (atividades de vida diária), analisar a correlação<br />
entre dança e aspecto psicológico (depressão), e<br />
avaliar a eficiência da dança na qualidade de vida do<br />
indivíduo portador de deficiência física.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:195–202 196
original<br />
MÉTODO<br />
Este estudo de caráter prospectivo foi realizado<br />
na Policlínica do Centro Universitário Adventista de<br />
São Paulo (UNASP). Participaram do estudo pacientes<br />
com diagnóstico médico de seqüelas de AVC, oriundos<br />
das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dos hospitais<br />
da região (Campo Limpo, Regional Sul, Pedreira),<br />
encaminhados à Policlínica para realização de fisioterapia.<br />
As questões éticas da pesquisa foram aprovadas<br />
conforme os parâmetros da resolução 196/96.<br />
Dos 198 prontuários, foram identificados aqueles<br />
que preencheram os critérios de inclusão do protocolo<br />
proposto. Os critérios de inclusão foram: pacientes<br />
com hemiparesia, com idade máxima de 70 anos,<br />
crônicos (1 ano pós-lesão), deambulantes com ou sem<br />
auxílio de órtese, que possuíam prescrição médica<br />
para fisioterapia e que concordaram e assinaram o<br />
termo de consentimento livre e esclarecido aprovado<br />
pelo Comitê de Ética da pesquisa.<br />
Foram excluídos, durante o processo de triagem,<br />
os pacientes que apresentaram hipertensão<br />
arterial descontrolada, cardiopatia grave associada,<br />
doenças trombogênicas, doenças renais, doenças hemolíticas,<br />
doenças oncológicas, síndrome ombro-mão,<br />
deformidades de membros superiores ou inferiores<br />
que incapacitavam a realização de movimentos ou<br />
de permanência na posição ortostática, e presença de<br />
afecções clínicas que impediam ou contra-indicavam<br />
a realização de fisioterapia. Não foram incluídos pacientes<br />
acima de 70 anos de idade, pacientes cadeirantes,<br />
pacientes acamados, ou com nível cognitivo muito<br />
baixo, verificado previamente em seus prontuários.<br />
Todos os pacientes foram submetidos a anamnese,<br />
exame físico geral, neurológico e cinesiológico<br />
funcional (fisioterapêutico) e avaliados com os seguintes<br />
instrumentos validados e reprodutíveis: Escala modificada<br />
de Ashworth (avaliação de espasticidade) 11 ,<br />
Índice de mobilidade de Rivermead (avaliação da<br />
mobilidade) 12 , Índice de Barthel (avaliação para atividades<br />
de vida diária) 13,14 , Inventário de depressão de<br />
Beck (avaliação de depressão) <strong>15</strong> e SF-36 (avaliação de<br />
qualidade de vida) 16 . Os instrumentos foram aplicados<br />
por discentes do curso de fisioterapia, treinados por<br />
um profissional fisioterapeuta especializado em neurologia<br />
alheio à intervenção. Todos os pacientes foram<br />
avaliados antes e após o tratamento do estudo.<br />
O tratamento teve duração de sete meses, com<br />
início em Fevereiro de 2006 e término em Setembro<br />
de 2006, com duas sessões por semana de duração de<br />
60 minutos cada. O grupo de dança (GD) consistiu<br />
de 10 pacientes, sendo 50% do sexo feminino, com<br />
média de 48,8 ± 9,7 anos de idade, e 50% do sexo<br />
masculino, com média de 54 ± 10,2 anos de idade. O<br />
tempo médio pós-AVC foi de 2,8 ± 1,5 anos.<br />
Esses pacientes receberam sessões de dançaterapia<br />
ministradas pelos profissionais qualificados. Inicialmente<br />
foram verificados sinais vitais (freqüência<br />
cardíaca e pressão arterial) e medicação em uso. As<br />
sessões de dança foram realizadas utilizando-se CDs<br />
com variados ritmos musicais [bolero, valsa, clássico,<br />
MPB (música popular brasileira), forró, marchinhas,<br />
rock anos 50 e 60]. O protocolo de dança foi dividido<br />
em: alongamento global (10 min) em região cervical,<br />
MMSS (membros superiores), tronco e MMII (membros<br />
inferiores) com 2 a 3 repetições. Na dança (40<br />
min), utilizou-se movimentos nos quais os pacientes<br />
exploravam todo o meio ambiente e seu corpo, e era<br />
proposto que cada um expressasse suas emoções livremente.<br />
Inicialmente, utilizavam-se ritmos acelerados<br />
como marchinhas para aquecimento, e em seguida, o<br />
aprendizado dos passos da coreografia sem música e<br />
com a música escolhida. Posteriormente, danças como<br />
bolero e valsa eram realizadas em duplas de pacientes,<br />
buscando trabalhar lateralidade e equilíbrio. Para<br />
o relaxamento (10 min), os pacientes ficaram em decúbito<br />
dorsal ou na posição sentada em colchonetes,<br />
com música suave, sendo aplicada auto-massagem,<br />
visando o relaxamento de toda a musculatura.<br />
O grupo de cinesioterapia (GC) consistiu de 10<br />
pacientes, sendo 70% do sexo feminino, com média de<br />
47,9 ± 9,4 anos de idade, e 30% do sexo masculino,<br />
com média de 55,3 ± 13,2 anos de idade. O tempo<br />
médio pós-AVC foi de 7,3 ± 5,6 anos. Esses pacientes<br />
receberam sessões de cinesioterapia ministradas por<br />
profissionais qualificados, que inicialmente verificaram<br />
os sinais vitais (freqüência cardíaca e pressão arterial)<br />
e medicação em uso. As sessões de cinesioterapia foram<br />
realizadas utilizando-se CDs com músicas (instrumentais,<br />
gospel, new age) e colchonetes. O protocolo foi<br />
dividido em: alongamento global (10 min) em região<br />
cervical, MMSS, tronco e MMII (2 a 3 repetições). Na<br />
cinesioterapia (40 min), foram realizados exercícios respiratórios<br />
e de percepção corporal global, com mobilização<br />
de pequenas e grandes articulações. Foram aplicados<br />
exercícios ativos assistidos, ativos livres específicos<br />
e globais, através de contrações isométricas, isotônicas<br />
concêntricas e excêntricas, na posição de decúbito dorsal<br />
e posição sentada em colchonetes, além de exercícios<br />
de dissociação de cinturas escapular e pélvica, e<br />
exercícios que estimulam o controle postural. Para o<br />
relaxamento (10 min), os pacientes ficaram em decúbito<br />
dorsal, em colchonetes, com música suave, sendo<br />
197<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:195–202
aplicado pompagem cervical e lombar, visando o relaxamento<br />
de toda a musculatura.<br />
Os resultados são apresentados como médias<br />
± desvio-padrão. Os dados obtidos por meio das<br />
Escalas de Ashworth, Rivermead e Barthel foram<br />
analisados por meio do teste de Wilcoxon. Os resultados<br />
do SF-36 foram analisados por meio do teste<br />
de Mann-Whitney. As proporções de indivíduos com<br />
diferentes níveis de atividades de vida diária (Escala<br />
de Barthel) e com graus diferentes de depressão (Escala<br />
de Beck) foram analisadas por meio do teste do<br />
Qui-quadrado. O nível de significância estabelecido<br />
foi p< 0,05. Todas as análises foram feitas por meio<br />
do programa estatístico “Sigma Stat for Windows<br />
version 2.03” (Systat Software Inc.).<br />
RESULTADOS<br />
O grupo de dança apresentou (figura 1A) antes do<br />
tratamento, uma média 1,89 ± 1,27 de tônus e, após o tratamento,<br />
uma média de 0,78 ± 0,83 de tônus (p = 0,008).<br />
O grupo de cinesioterapia apresentou, antes do tratamento,<br />
uma média de 1,63 ± 1,19 de tônus e, após o tratamento,<br />
uma média de 0,88 ± 0,84 de tônus (p = 0,031).<br />
O grupo de dança apresentou (figura 1B) antes do<br />
tratamento, uma média de 14,00 ± 1,23 de mobilidade<br />
funcional e, após o tratamento, uma média de 14,00 ±<br />
1,12 de mobilidade funcional, não sendo estatisticamente<br />
diferente. O grupo de cinesioterapia apresentou, antes<br />
do tratamento, uma média de 11,50 ± 2,83 de mobilidade<br />
funcional e, após o tratamento, uma média de 13,25<br />
± 1,67 de mobilidade funcional, não sendo estatisticamente<br />
diferente. Quando comparados os resultados referentes<br />
ao Índice de Mobilidade de Rivermead entre os<br />
grupos de dança e cinesioterapia antes do tratamento,<br />
observa-se uma heterogeneidade significativa (p = 0,03).<br />
original<br />
Após o tratamento proposto, os grupos de dança e cinesioterapia<br />
apresentaram-se homogêneos.<br />
O grupo da dança apresentou inicialmente (figura<br />
2) quatro pacientes independentes, dois pacientes<br />
com dependência escassa e três pacientes com dependência<br />
moderada para as AVDs e, ao término do<br />
tratamento, apresentou seis pacientes independentes,<br />
dois pacientes com dependência escassa e um paciente<br />
com dependência moderada para as AVDs, não sendo<br />
diferente estatisticamente. O grupo de cinesioterapia<br />
apresentou inicialmente dois pacientes independentes<br />
e seis com dependência moderada para AVDs e, ao término<br />
do tratamento, quatro pacientes independentes,<br />
um paciente com dependência escassa e três pacientes<br />
com dependência moderada para as AVDs, não sendo<br />
diferente estatisticamente.<br />
O grupo de dança apresentou, antes do tratamento<br />
(figura 3), quatro pacientes depressivos e cinco<br />
pacientes não depressivos e, após o tratamento, dois<br />
pacientes depressivos e sete pacientes não depressivos,<br />
não sendo estatisticamente diferente. O grupo de cinesioterapia<br />
apresentou, antes do tratamento, sete pacientes<br />
depressivos e um paciente não depressivo e, após o<br />
tratamento, dois pacientes depressivos e seis pacientes<br />
não depressivos (p = 0,025).<br />
A tabela 1 demonstra os valores da média ± desvio-padrão<br />
e significância dos resultados obtidos com o<br />
questionário SF-36, antes e depois do tratamento dos<br />
grupos de dança e cinesioterapia. O grupo de dança<br />
apresentou escores significantes nos seguintes domínios<br />
do questionário de qualidade de vida SF-36: estado<br />
geral de saúde (p = 0,032) e aspectos emocionais (p =<br />
0,016). Os demais domínios não apresentaram significância<br />
estatística. O grupo de cinesioterapia apresentou<br />
escores estatisticamente significantes nos seguintes<br />
(A)<br />
(B)<br />
Figura 1. Escores das escalas de Ashworth e de Rivermead, de pacientes<br />
com seqüelas de AVC submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes<br />
(barras fechadas) e após (barras abertas) tratamento.<br />
* Diferenças estatisticamente significativas após tratamento dentro de cada grupo (p < 0,05).<br />
# Diferenças significantes entre os grupos no mesmo período de tratamento (p < 0,05).<br />
Figura 2. Escores da Escala de Barthel, de pacientes com seqüelas de<br />
AVC, submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes (símbolos fechados)<br />
e após tratamento (símbolos abertos). Adicionada à figura está a classificação<br />
de dependência de Barthel. Não foram identificadas diferenças<br />
estatisticamente significativas decorrentes dos tratamentos, nem entre os<br />
grupos.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:195–202 198
original<br />
Figura 3. Escores da Escala de Beck, de pacientes com seqüelas de AVC,<br />
submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes do tratamento (símbolos<br />
fechados) e após tratamento (símbolos abertos). Adicionada à figura está<br />
a classificação de depressão de Beck. As diferenças estatisticamente significativas<br />
estão indicadas na figura. NS: diferenças não significativas.<br />
domínios do questionário de qualidade de vida SF-<br />
36: capacidade funcional (p = 0,002), vitalidade (p =<br />
0,033), aspectos sociais (p = 0,031) e aspecto emocional<br />
(p = 0,014). Os demais domínios não apresentaram significância<br />
estatística.<br />
DISCUSSÃO<br />
Nos últimos anos, têm sido muitas as discussões<br />
e preocupações, no meio fisioterapêutico, a respeito<br />
da inserção e participação da pessoa portadora<br />
de deficiência nos programas de atividade física e<br />
esportes, quer seja como apoio ou auxílio à reabilitação,<br />
participação em competições adaptadas ou<br />
mesmo como atividade recreativa, manutenção da<br />
saúde e desenvolvimento da potencialidade.<br />
Dos pacientes incluídos e tratados no estudo,<br />
poucos não concluíram o tratamento. Ocorreram<br />
três perdas, sendo um paciente no grupo de dança<br />
(óbito), e dois pacientes no grupo de cinesioterapia<br />
(dificuldade financeira e infecção devido a processo<br />
alérgico). Dividimos a discussão em três aspectos<br />
principais: motores, psicológicos e sociais, para clareza<br />
e entendimento do leitor.<br />
Aspectos Motores<br />
A espasticidade é uma alteração caracterizada<br />
por uma perda do equilíbrio entre a contração<br />
e o relaxamento dos grupos musculares agonistas e<br />
antagonistas 17 . Qualquer que seja sua etiologia, procura-se<br />
potencializar as funções preservadas, a fim<br />
de manter uma boa qualidade de vida e incorporar<br />
ao ser humano suas atividades diárias da maneira o<br />
mais independente possível.<br />
Ao compararmos os dados iniciais da Escala de<br />
Ashworth, observa-se que os grupos de dança e cinesioterapia<br />
não eram semelhantes, ou seja, os pacientes<br />
do grupo da dança eram mais espásticos do que os<br />
pacientes do grupo de cinesioterapia, e, após o tratamento,<br />
continuavam sem semelhança entre si.<br />
Observando os dados encontrados, averiguouse<br />
que os grupos de dança e cinesioterapia apresentaram<br />
melhora clínica estatisticamente significativa,<br />
sendo o tônus avaliado pela Escala de Ashworth.<br />
Podemos também observar que o grupo da dança<br />
obteve melhora significativa em relação ao grupo de<br />
cinesioterapia. Acreditamos que a melhora do tônus<br />
seja devido à dança ser uma atividade que exija maior<br />
mobilidade motora, além de despertar sensações que<br />
causam emoção, favorecendo relaxamento dos músculos<br />
e tornando o movimento mais efetivo. Esses<br />
dados são compatíveis com Bertoldi 5 , que, em seu estudo,<br />
descreve que 75% dos participantes acreditam<br />
que a dança desenvolva alguns grupos musculares não<br />
trabalhados anteriormente em outras atividades.<br />
Em nosso estudo, ambos os grupos apresentaram<br />
melhora clínica na mobilidade funcional (transferências,<br />
locomoção em diferentes solos e escadas). No grupo da<br />
dança, observa-se a manutenção da mobilidade funcional<br />
e, no grupo de cinesioterapia, a melhora da mobilidade<br />
funcional, porém sem significância estatística.<br />
Acreditamos que os resultados encontrados neste estudo<br />
Tabela 1. Valores de média ± desvio-padrão dos escores obtidos com o questionário SF-36 (qualidade de<br />
vida) antes e depois do tratamento.<br />
Dança<br />
Cinesioterapia<br />
Antes Depois Antes Depois<br />
Capacidade Funcional 51,1 ± 29,9 60,6 ± 25,6 41,3 ± 21,2 68,8 ± 25,0*<br />
Aspectos Físicos 69,4 ± 37,0 52,8 ± 38,4 53,1 ± 41,1 81,3 ± 34,7<br />
Dor 66,3 ± 31,4 71,8 ± 34,2 71,9 ± 31,9 90,5 ± 17,6<br />
Estado Geral 59,4 ± 25,0 76,2 ± 28,9* 58,5 ± 16,1 82,3 ± 33,9<br />
Vitalidade 60,6 ± 31,8 72,8 ± 29,4 53,1 ± 19,3 78,8 ± 26,6*<br />
Aspectos Sociais 71,1 ± 26,5 75,1 ±33,7 55,0 ±16,4 78,4 ± 20,7*<br />
Aspecto Emocional 89,0 ± 16,5 48,1 ± 44,5* 41,5 ± 38,9# 91,6 ± 23,7*#<br />
Saúde Mental 60,9 ± 28,1 72,0 ± 26,8 69,0 ± 25,2 78,5 ± 29,9<br />
* Diferenças estatisticamente significativas dentro de cada grupo após sua respectiva intervenção (p < 0,05).<br />
# Diferenças estatisticamente significativas nas comparações entre os grupos no mesmo período de intervenção (p < 0,05).<br />
199<br />
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devem-se ao fato de se tratar de pacientes crônicos, já<br />
adaptados ao ambiente, o que se comprova averiguando<br />
os dados iniciais. Os pacientes do grupo da dança já se<br />
encontravam, inicialmente, com maior funcionalidade<br />
em relação aos pacientes do grupo de cinesioterapia.<br />
Esses dados são compatíveis com resultados<br />
encontrados por Labronici 18 , que utilizou Rivermead<br />
para avaliar 30 pacientes que praticavam esporte<br />
adaptado, observando somente a manutenção da<br />
mobilidade funcional. Não houve mudança na função<br />
motora, o que já se esperava, pois todos eram portadores<br />
de doenças crônicas, com o quadro estabilizado.<br />
As atividades de vida diária estão, na maioria<br />
dos casos, prejudicados nos pacientes com AVC, e o<br />
grau de dependência para sua realização interfere na<br />
qualidade de vida dos pacientes 6 . Em nosso estudo,<br />
quando comparados os resultados referentes ao Índice<br />
de Barthel, que avalia AVDs (dependência ou independência<br />
para alimentação, banho, toalete, vestimenta,<br />
controle vesical, transferências, locomoção e ato de<br />
subir e descer escadas) entre os grupos de dança e de<br />
cinesioterapia, observou-se maior independência, porém<br />
sem significância estatística. Em ambos os grupos,<br />
os pacientes encontravam-se adaptados para realizar as<br />
AVDs, porém, inicialmente, os pacientes do grupo de<br />
dança apresentavam maior adaptação para realizar as<br />
AVDs do que o grupo de cinesioterapia. Após o tratamento,<br />
ambos os grupos apresentaram melhora clínica,<br />
sendo, neste momento, semelhantes entre si.<br />
Os dados encontrados neste estudo confirmam<br />
os resultados encontrados por Labronici 18 , no qual<br />
relata que a análise das atividades funcionais feitas<br />
através da Escala de Barthel não mostrou qualquer<br />
melhora nos pacientes, pois se tratava de indivíduos<br />
com vários anos de lesão, já totalmente adaptados e<br />
independentes. Braga 19 relata que foi possível verificar<br />
e analisar resultados positivos, principalmente<br />
como melhora da função motora. De acordo com o<br />
Índice de Barthel, os pacientes apresentaram melhora<br />
nos itens vestuário, locomoção e ato de subir escadas,<br />
mantendo-se inalteradas nas demais atividades.<br />
É possível que a melhora observada nas AVDs<br />
nos dois grupos se deva ao fato de ambos os tratamentos<br />
promoverem a facilitação do gesto, aprimorando<br />
a função motora e permitindo a realização das AVDs<br />
com maior eficiência. À medida que aumenta a função<br />
voluntária, a dependência dos movimentos sinergistas<br />
diminui, juntamente com a espasticidade 20 . Com a diminuição<br />
da espasticidade, pode ocorrer a melhora ou<br />
a manutenção da capacidade funcional, fazendo com<br />
que as AVDs se tornem mais independentes. Com o<br />
original<br />
desenvolvimento da dança, há facilitação na realização<br />
de diversas atividades de vida diária 5 . Segundo esses<br />
participantes, a motivação para a conquista de novas<br />
alternativas de movimento e a capacidade de ousar na<br />
busca dessas alternativas, unidas ao aprimoramento<br />
músculo-esquelético obtidos com a dança, foram os fatores<br />
responsáveis por essa facilitação na realização das<br />
diversas atividades de vida diária.<br />
A adequação do tônus muscular é de extrema<br />
importância para que o paciente se mova facilmente<br />
em um padrão funcional, permitindo a aquisição de<br />
movimentos seletivos que posteriormente poderão ser<br />
usados em suas atividades motoras, desde as mais simples<br />
até as mais complexas, permitindo a realização<br />
das habilidades às atividades motoras específicas 21 .<br />
A influência do tônus muscular sobre a independência<br />
funcional em pacientes com AVC mostrou<br />
uma baixa correlação entre o tônus muscular e<br />
as medidas de incapacidade, ressaltando que incapacidades<br />
graves foram vistas tanto em pacientes espásticos<br />
como em pacientes não-espásticos, e que o foco<br />
sobre a espasticidade na reabilitação está em desacordo<br />
com sua importância clínica 22 . Dessa forma,<br />
não parece que as características do tônus muscular<br />
desses pacientes tenham sido determinantes nos resultados<br />
encontrados. No presente estudo, observouse<br />
que houve uma melhora significativa de tônus,<br />
porém, os aspectos mobilidade funcional e AVDs<br />
não se alteraram nos pacientes do grupo da dança,<br />
que eram adaptados e independentes em sua maioria.<br />
Calasans e Alouche não relatam se os pacientes<br />
espásticos possuíam o quadro clínico estabilizado e<br />
se os mesmos estavam adaptados funcionalmente<br />
para as AVDs. Portanto, acredita-se que, a partir do<br />
presente estudo, a eficácia de exercícios apropriados,<br />
assim como a dança e a cinesioterapia, promovem a<br />
melhora dos aspectos motores.<br />
A alteração do estado mental se correlaciona<br />
com o desempenho das atividades de vida diária em<br />
pacientes que sofreram AVC 22 . Isso significa que a<br />
deficiência cognitiva pode influenciar o prognóstico<br />
para sua independência.<br />
Aspecto Psicológico<br />
Das escalas de auto-avaliação, a mais utilizada<br />
é o Inventário de Depressão de Beck <strong>15</strong> . Porém,<br />
sua utilização pressupõe pacientes com certo grau de<br />
educação, cooperantes e sem nenhuma psicopatologia<br />
grave. Pelo fundamento teórico que o embasa,<br />
valoriza muito mais a categoria dos sintomas cognitivos<br />
do que os sintomas psicológicos.<br />
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original<br />
O prejuízo cognitivo também tem sido associado<br />
à depressão 3 . Nas duas primeiras semanas após o<br />
AVC, encontra-se uma relação entre o prejuízo cognitivo<br />
e a depressão e, ao longo de seis meses, há um aumento<br />
desta relação. O prejuízo cognitivo, entretanto,<br />
pode, na realidade, ser um sintoma depressivo.<br />
A depressão pós-AVC traz significativo comprometimento<br />
da evolução do paciente. Embora, em<br />
uma unidade de reabilitação, os pacientes com depressão<br />
pós-AVC possam apresentar recuperação semelhante<br />
àqueles não deprimidos. Neste estudo, ambos<br />
os grupos apresentaram melhora clínica quando<br />
comparados os resultados referentes ao questionário<br />
de Beck, porém, somente o grupo de cinesioterapia<br />
apresentou melhora estatisticamente significativa.<br />
Segundo a classificação do Inventário de Depressão<br />
de Beck, inicialmente o grupo da dança apresentava<br />
um paciente com depressão leve, um paciente com depressão<br />
moderada e dois paciente com depressão grave,<br />
e o grupo de cinesioterapia apresentava dois pacientes<br />
com depressão leve, quatro pacientes com depressão<br />
moderada e um paciente com depressão grave.<br />
Após o tratamento, o grupo de dança apresentava<br />
um paciente com depressão leve e um paciente<br />
com depressão grave, e o grupo de cinesioterapia<br />
apresentava dois pacientes com depressão<br />
leve. O uso de terapias voltadas para a resolução de<br />
problemas se mostra eficaz na redução dos sintomas<br />
depressivos e na melhora do desempenho nas atividades<br />
de vida diária, podendo ser uma alternativa<br />
terapêutica importante para a população que permanece<br />
sintomática 23 .<br />
Acreditamos que o grupo da dança não apresentou<br />
melhora significativa devido a, inicialmente,<br />
obter um maior número de pacientes não depressivos,<br />
porém, dos pacientes que continuaram depressivos<br />
após o tratamento, observamos que o paciente<br />
com depressão grave pertencia ao grupo da dança,<br />
podendo ter contaminado este grupo. A depressão<br />
foi o fator mais fortemente associado à baixa qualidade<br />
de vida dos pacientes num período de um a três<br />
anos pós-AVC3. A depressão também foi associada<br />
a um efeito negativo no domínio do bem-estar e a<br />
maior incapacitação, mesmo após controle, para o<br />
grau de limitação funcional e declínio cognitivo.<br />
Aspecto social<br />
Os instrumentos de avaliação genérica de qualidade<br />
de vida e saúde, que estão disponíveis até o<br />
momento, não têm a capacidade de direcionar, com<br />
exatidão, nossos procedimentos 16 . No entanto, podemnos<br />
mostrar a capacidade dos indivíduos em executar<br />
determinadas atividades que normalmente realizam e<br />
como esses indivíduos se sentem ao realizá-las.<br />
O dogma de que os pacientes com AVC precisam,<br />
obrigatoriamente, ser atendidos individualmente<br />
para que possam atingir o grau de recuperação<br />
máxima deve ser revisado 6 . Em seu estudo, conclui<br />
que a fisioterapia em grupo pode trazer grandes benefícios<br />
na qualidade de vida desses pacientes. Fontes<br />
acredita que a interação social, propiciada pela<br />
fisioterapia em grupo, desperta a competição entre<br />
os componentes do grupo e, conseqüentemente, motiva<br />
os participantes a vencerem suas limitações, facilitando<br />
a melhora tanto nos aspectos relacionados à<br />
qualidade de vida como na realização das AVDs.<br />
No presente estudo, quando comparados os<br />
resultados referentes ao questionário SF-36 de qualidade<br />
de vida referente aos grupos de dança e de cinesioterapia,<br />
observa-se melhora clínica geral, exceto<br />
nos aspectos físicos e emocionais. Inicialmente, ambos<br />
os grupos não apresentavam semelhança entre si em<br />
todos os domínios da SF-36, porém, no aspecto emocional,<br />
essa diferença foi estatisticamente significante.<br />
Após o tratamento, continuaram sem semelhança.<br />
No grupo da dança, ocorreu melhora clínica<br />
nos domínios capacidade funcional, dor, estado geral<br />
de saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental.<br />
Houve uma diminuição estatisticamente significativa<br />
no aspecto emocional, supondo este resultado a<br />
presença de um paciente com depressão grave contaminando<br />
o grupo. Houve melhora estatisticamente<br />
significativa no aspecto estado geral de saúde.<br />
Acreditamos que essa melhora se deva ao fato de a<br />
dança ser uma atividade aeróbia. A atividade física<br />
regular não só tem influência direta sobre a saúde<br />
geral, como também influencia no aspecto de se sentir<br />
saudável, sendo que as atividades físicas aeróbias<br />
regulares podem interferir beneficamente no tempo<br />
de reação, no controle da taxa de colesterol, na hipertensão<br />
arterial e em outros fatores 24 . Quase todos<br />
os domínios do SF-36 sugerem uma redução da qualidade<br />
de vida em pacientes com AVC. Com relação<br />
aos componentes emocionais e mentais, observaram<br />
um maior impacto da incapacidade sobre pacientes<br />
com seqüelas de AVC 25 .<br />
No grupo de cinesioterapia, houve melhora estatisticamente<br />
significante nos domínios do SF36: capacidade<br />
funcional, vitalidade, aspectos sociais e aspectos<br />
emocionais. A dança inclusiva possibilita ao deficiente<br />
físico incorporar movimentos por um caminho não convencional,<br />
realizando o rolar, o engatinhar, o ajoelhar<br />
201<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:195–202
com melhor desempenho das articulações nas atitudes<br />
de postura mais comum, ou ainda, com maior facilidade<br />
para a passagem de um movimento para outro 26 . A<br />
dança permite que esses movimentos, compreendidos<br />
em aula, possam ser utilizados em outras ocasiões, principalmente<br />
nas atividades de vida diária.<br />
Em análise dos resultados do presente estudo,<br />
observamos que o grupo de cinesioterapia apresentou<br />
bons resultados, e que o tratamento em grupo se<br />
mostrou eficaz.<br />
No grupo da dança, observamos que houve diminuição<br />
nos componentes emocionais e físicos. Acreditamos<br />
que se deva ao fato de a dança apresentar movimentos<br />
com maior complexidade do que a cinesioterapia.<br />
Os pacientes demonstravam ansiedade e frustração para<br />
cada movimento mal sucedido, interpretando como<br />
fracasso, gerando sobrecarga psíquica e mental. Ainda<br />
assim, houve manutenção da mobilidade funcional (Rivermead),<br />
das AVDs (Barthel), da depressão (Beck) e da<br />
qualidade de vida (SF36), nos domínios: capacidade funcional,<br />
dor, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental.<br />
Houve melhora do tônus (Ashworth) e do estado geral de<br />
saúde do questionário de qualidade de vida SF-36.<br />
Analisando os aspectos psicológicos da dança verificou-se,<br />
através de depoimentos dados por participantes<br />
de estudos, que no início do desenvolvimento da dança<br />
havia um medo muito grande de não conseguir executar<br />
alguns movimentos com o corpo e que tentar executá-los<br />
causava muita ansiedade, pois cada tentativa mal<br />
sucedida era interpretada como um fracasso, gerando,<br />
conseqüentemente, frustração 5 . Porém, de acordo com<br />
os participantes, após dois anos de trabalho, já é possível<br />
identificar as tentativas de realizar novos movimentos<br />
com o corpo e procurar alternativas para que o corpo<br />
traduza a idéia a ser transmitida.<br />
CONCLUSÃO<br />
Este estudo conclui que a dança proporcionou<br />
melhora em aspectos motores (diminuição da<br />
espasticidade, manutenção da mobilidade funcional,<br />
melhora das atividades de vida diária), aspecto psicológico<br />
(diminuição da depressão) e aspecto social<br />
(melhora da qualidade de vida).<br />
Indivíduos portadores de seqüelas de AVC freqüentemente<br />
necessitam de reabilitação a longo prazo.<br />
Nesse aspecto, a dança surge como mais um recurso a<br />
ser utilizado na reabilitação, podendo ser considerada<br />
estratégia motivante nos serviços de fisioterapia com<br />
grande demanda e em programas fisioterapêuticos<br />
que pretendam abordar aspectos relacionados à qualidade<br />
de vida de pacientes com AVC.<br />
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original<br />
Atividade física em grupo melhora o sono<br />
de idosas sedentárias<br />
Physical activity in group improves sleep in sedentary elder women<br />
Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães 1 , Mitchelly Dehone Lima 2 , Juliana<br />
Aparecida de Souza 2<br />
RESUMO<br />
Introdução. A medida que o indivíduo envelhece, o sono se constitui<br />
cada vez mais em motivo de queixas. Existem porém, fortes<br />
evidências experimentais de que um programa de atividade física,<br />
pode prevenir doenças, diminuir as quedas, melhorar o humor e<br />
o sono em idosos. Objetivo. avaliar o tempo total de sono (TTS) e<br />
a qualidade do sono em idosas sedentárias submetidas a um programa<br />
de atividade física em grupo. Método. Doze voluntárias<br />
com idade mínima de 60 anos, foram convidadas a participar da<br />
pesquisa, permanecendo no estudo somente 6 voluntárias. Estas<br />
foram instruídas a preencher o Diário do Sono e a Escala Visual<br />
Analógica (EVA) de qualidade do sono, durante 30 dias consecutivos.<br />
Após os 30 dias de preenchimento, as voluntárias participaram<br />
de um programa de atividade física em grupo, durante 4<br />
meses consecutivos, 2 vezes por semana. Resultados. A média do<br />
TTS antes do programa de atividade física foi de 7 hora e 48 minutos<br />
e 9 horas após o programa (p=0,01). A média dos escores da<br />
EVA foi de 7,1 antes do programa de atividade física e de 8,6 após<br />
o programa (p=0,003). Conclusão. Atividade física em grupo melhora<br />
o TTS e qualidade do sono de idosas sedentárias.<br />
Unitermos: Idoso. Atividade física. Sono.<br />
Citação: Guimarães LHCT, Lima MD, Souza JA. Atividade física em<br />
grupo melhora o sono de idosas sedentárias.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. The older the individual grows the more he complains<br />
about his sleep. Empirical evidences exist, however, that<br />
shows that a physical activity program can bring benefits to aged<br />
women such as preventing diseases, decreasing falls, and improving<br />
both mood and sleeping. Objective. To assess the Total<br />
Sleep Time (TST) and the sleep quality in sedentary aged who<br />
have participated in a group physical activity program. Method.<br />
Twelve female volunteers aging at least 60 were invited to participate<br />
in this research work. Six remained. They were supposed<br />
to fill in The Sleep Diary and the sleep quality Analogical Visual<br />
Scale (AVS) for 30 days straight. After that the participants were<br />
joined in a twice-a-week four-month group physical activity. Results.<br />
The TST means was 7 hours and 48 minutes before, and<br />
9 hours after the program (p=0.01). AVS scores means was 7.1<br />
before and 8.6 after the program (p=0.01). Conclusion. Group<br />
physical activity was found to improve sedentary aged female’s<br />
Total Sleep Time as well as sleep quality.<br />
Keywords: Elderly. Physical activity. Sleep.<br />
Citation: Guimarães LHCT, Lima MD, Souza JA. Physical activity in<br />
group improves sleep in sedentary elder women.<br />
Trabalho realizado no Centro Universitário de Lavras<br />
– UNILAVRAS<br />
1. Fisioterapeuta, Especialista, Professora do Curso de Fisioterapia<br />
– UNILAVRAS.<br />
2. Fisioterapeuta.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães<br />
Rua Álvaro Botelho, 451/302<br />
CEP 37200-000, Lavras-MG<br />
laizunilavras@hotmail.com<br />
Recebido em: 05/02/2007<br />
Revisão: 06/02/2007 a 23/07/2007<br />
Aceito em: 24/07/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
203<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:203–206
INTRODUÇÃO<br />
A idade é um fator essencial na modificação<br />
da arquitetura do sono, pois a idade avançada está<br />
diretamente relacionada com a prevalência de distúrbios<br />
do sono, além do impacto negativo na qualidade<br />
de vida do idoso 1-6 .<br />
Não existem evidências definitivas de que a<br />
quantidade necessária de sono diminua com o envelhecimento,<br />
mas os idosos parecem ter, em geral, um<br />
sono de menor duração, aumento dos despertares<br />
noturnos e conseqüentemente mais cochilos diurnos<br />
3,5,7 . A eficiência do sono, ou seja, a proporção<br />
entre o tempo que a pessoa consegue realmente dormir<br />
e o tempo despendido no leito com o objetivo de<br />
dormir parece estar reduzida nas pessoas de terceira<br />
idade. A dificuldade de manutenção do sono noturno<br />
contribui para a diminuição deste parâmetro, que<br />
em geral reflete a qualidade do sono 8,9 .<br />
Existem fortes evidências experimentais de que<br />
um programa de exercício físico regular pode melhorar<br />
a quantidade 1,10-12 e qualidade do sono 6,9,11,13-<strong>15</strong><br />
em indivíduos idosos.<br />
Embora haja um consenso de que a atividade<br />
física melhora o sono dos idosos, realizamos o<br />
presente estudo para verificar os efeitos da atividade<br />
física sobre o tempo total do sono e a qualidade<br />
do sono, pois sabemos que com o envelhecimento<br />
ocorrem muitas alterações, dentre elas o sono, que se<br />
torna um fator determinante, no que diz respeito à<br />
qualidade de vida do idoso.<br />
MÉTODO<br />
Amostra<br />
Foram incluídas no estudo voluntárias com<br />
idade mínima de 60 anos, do gênero feminino, consideradas<br />
sedentárias segundo o IPAQ, ou seja, não<br />
realizavam nenhuma atividade física por pelo menos<br />
10 minutos contínuos, por pelo menos 1 ano; voluntárias<br />
que não apresentavam suspeita de depressão<br />
(pontuação abaixo de 5 na Escala Geriátrica de Depressão)<br />
e voluntárias com o IMC menor que 35<br />
Kg/m 2 . Foram excluídas voluntárias com queixas<br />
de dor ou que utilizavam medicamentos que sabidamente<br />
afetam o sono.<br />
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e<br />
Pesquisa do Unilavras, e as participantes assinaram<br />
o termo de consentimento.<br />
As idosas foram selecionadas da Sociedade<br />
Vila São Vicente de Paulo de Lavras, MG.<br />
original<br />
Procedimento<br />
Na fase inicial do estudo, 12 idosas foram avaliadas<br />
através da Escala Geriátrica de Depressão,<br />
questionadas se apresentavam dor, se tomavam medicamentos<br />
que afetavam o sono e foram também<br />
pesadas e medidas para cálculo do IMC. Sendo que<br />
3 foram excluídas (1 apresentava dor e 2, suspeita<br />
de depressão), 3 idosas se recusaram participar do<br />
estudo, permanecendo no estudo 6 idosas.<br />
Posteriormente, as 6 voluntárias foram instruídas<br />
a preencher os questionários (Diário do Sono<br />
e Escala Visual Analógica de qualidade do sono<br />
— EVA) durante 30 dias. Após 30 dias de preenchimento,<br />
as idosas participaram de um programa de<br />
atividade física em grupo durante 4 meses, realizado<br />
no salão da Vila São Vicente de Paulo da cidade de<br />
Lavras, MG.<br />
O estudo foi realizado no período de junho a<br />
dezembro de 2004.<br />
A atividade física foi realizada 2 vezes na semana,<br />
no período da tarde, em local coberto e supervisionada<br />
pelas autoras do estudo. As sessões apresentavam<br />
duração de 60 minutos e constavam das<br />
seguintes modalidades: aquecimento (5 minutos),<br />
caminhada em pista plana e segura (50 minutos) e<br />
relaxamento (5 minutos).<br />
Ao final dos 4 meses de atividade física, as idosas<br />
foram orientadas a preencher novamente o Diário<br />
do Sono e a EVA durante 30 dias.<br />
Instrumentos<br />
Escala Geriátrica de Depressão (EGD). É um instrumento<br />
utilizado para o rastreamento de sintomas<br />
depressivos na população geriátrica 14 . Essa escala<br />
consta de <strong>15</strong> questões dicotômicas (sim x não) referentes<br />
à satisfação com a vida, sensação de inutilidade,<br />
desinteresse, aborrecimento, felicidade, entre<br />
outros. Esse instrumento não tem aplicabilidade<br />
quando a capacidade de compreensão do idoso estiver<br />
comprometida 16 .<br />
Diário do sono. Avalia a quantidade de sono<br />
registrando-se pela manhã, diariamente, quanto<br />
tempo dormiu, e quantas vezes e por quanto tempo<br />
despertou durante a noite, registrando-se também<br />
os cochilos feitos durante o dia 17 . O diário do sono<br />
utilizado neste estudo foi uma adaptação do mesmo,<br />
para facilitar o preenchimento por parte das idosas.<br />
Dividimos o preenchimento do diário do sono em<br />
duas etapas: ao acordar e ao deitar, para evitar perda<br />
de informações que poderiam não ser lembradas se<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:203–206 204
original<br />
o diário de sono fosse preenchido em um único momento<br />
durante o dia.<br />
Ao acordar, as idosas deveriam responder a<br />
hora que dormiram à noite, se acordaram durante<br />
a noite, por quantas vezes e quanto tempo ficaram<br />
acordadas. Ao se deitar, deveriam responder se dormiram<br />
durante o dia, quantas vezes e quanto tempo<br />
ficaram dormindo somando todos os episódios de<br />
cochilo. As idosas foram instruídas detalhadamente<br />
e individualmente quanto ao preenchimento do diário<br />
de sono.<br />
EVA de Qualidade do Sono. É uma escala de 10<br />
centímetros, precedida pela pergunta “Como você<br />
dormiu?”. A escala é iniciada em “muito mal” (zero)<br />
e finalizada em “muito bem” (dez). Para cada episódio<br />
de sono, os indivíduos assinalaram com um traço<br />
vertical, registrando suas percepções quanto à qualidade<br />
do sono noturno 13,18 .<br />
Análise dos dados<br />
Tempo Total de Sono (TTS). No cálculo do TTS<br />
consideramos apenas o sono principal, ou seja, o período<br />
de sono noturno, definido pelo idoso como o<br />
momento destinado apenas para dormir. O TTS diário<br />
de cada participante foi somado e calculamos a<br />
média e desvio-padrão do TTS noturno antes e após<br />
o programa de atividade física.<br />
EVA de qualidade do sono. No cálculo da EVA<br />
de qualidade do sono consideramos a marcação feita<br />
pela idosa, contamos em centímetros, partindo do<br />
zero até o local marcado pela idosa. A EVA de qualidade<br />
do sono para cada participante foi somada em<br />
30 dias e calculamos média e desvio-padrão antes e<br />
após o programa de atividade física. Consideramos<br />
sono de qualidade quando a pontuação na EVA fosse<br />
superior a 8 e classificamos o sono das voluntárias,<br />
segundo esse critério, em sono reparador (good sleep) e<br />
sono “pobre” (poor sleep).<br />
Análise estatística<br />
As variáveis mensuráveis, Tempo Total de<br />
Sono e EVA de Qualidade do Sono apresentaram<br />
distribuição normal e utilizamos o teste t de Student<br />
para compararmos as médias nos grupos. Consideramos<br />
significantes valores de p < 0,05.<br />
RESULTADOS<br />
Tempo Total de Sono (TTS). Foi encontrada uma<br />
média de TTS de 7,8 ± 0,4 horas das idosas antes do<br />
programa de atividade física e 9 ± 0,8 horas após o<br />
programa de atividade física. Portanto, as voluntárias<br />
dormiram em média 1 hora e 12 minutos a mais<br />
após o programa de atividade física (p = 0,01).<br />
EVA de Qualidade do Sono. Foi encontrada uma<br />
média de EVA de qualidade do sono de 7,1 ± 0,6 antes<br />
do programa de atividade física e 8,6 ± 0,4 após o<br />
programa (p = 0,003). Portanto, segundo nosso critério<br />
de classificação, 16,6% das idosas foram consideradas<br />
good sleep antes do programa de atividade física<br />
e após o programa, 83,3% das idosas.<br />
DISCUSSÃO<br />
De uma maneira geral, a pesquisa evidenciou<br />
que o sono das idosas melhorou após o programa de<br />
atividade física em grupo. A melhora no TTS e qualidade<br />
do sono pode estar relacionada a dois fatores:<br />
a atividade física em si e o convívio social promovido<br />
pela atividade em grupo.<br />
Sabemos que esses dois fatores são importantes<br />
marcadores do ritmo circadiano e que a atividade<br />
física, ainda que não tenha sido o único fator<br />
responsável pela gênese dos nossos resultados, foi a<br />
motivação para que o grupo de idosas se encontrasse<br />
promovendo o convívio social.<br />
A manutenção de uma vida social ativa está<br />
relacionada a um melhor sono nos idosos 19,20 . Portanto,<br />
a manutenção de uma regularidade no estilo<br />
de vida atua diretamente no sistema circadiano e<br />
ajuda a manter uma boa saúde e bem estar.<br />
Vários estudos demonstram que o exercício<br />
físico regular é um componente da boa higiene do<br />
sono, ou seja, práticas ou comportamentos que promovem<br />
o sono 11,12,14,<strong>15</strong> .<br />
O aspecto relevante de nosso estudo é que a<br />
atividade física proposta foi muito simples e segura,<br />
entretanto observamos que foi capaz de modificar<br />
consideravelmente o comportamento do sono das<br />
idosas.<br />
O tipo de exercício realizado também pode<br />
ter influenciado nossos resultados, pois estudos relatam<br />
que ocorre melhora no sono com os exercícios<br />
físicos, particularmente exercícios aeróbicos 1,13 , concordando<br />
com o tipo de exercício realizado, caminhada.<br />
Acreditamos que a baixa adesão ao estudo<br />
por parte das idosas foi conseqüência do estilo de<br />
vida monótono, ou seja, pessoas desinteressadas em<br />
hábitos de vida saudáveis e regulares, visto que as<br />
idosas que aceitaram participar do estudo moravam<br />
próximo ao local de realização do programa. Devemos<br />
destacar que, uma vez envolvida no estudo, não<br />
houve nenhuma desistência, fato que nos surpreen-<br />
205<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:203–206
deu, pois,diante das desistências iniciais, não acreditávamos<br />
que isso aconteceria.<br />
Outros trabalhos com amostras mais significativas<br />
são necessários para confirmar os achados deste<br />
estudo.<br />
CONCLUSÃO<br />
Diante da análise dos resultados apresentados,<br />
conclui-se que o TTS aumentou e a qualidade do<br />
sono melhorou após o programa de atividade física<br />
realizada em grupo com idosas sedentárias.<br />
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Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:203–206 206
original<br />
Possível associação entre a fadiga<br />
física e o grau de força dos músculos<br />
respiratórios na Esclerose Múltipla<br />
Possible association between physical fatigue and strength of respiratory muscles in<br />
Multiple Sclerosis<br />
Fabrício Rapello Araújo 1 , Fabíola Rebouças 2 , Yára Dadalti Fragoso 3<br />
RESUMO<br />
Objetivo. Avaliação da possível associação entre a fadiga física e<br />
a alteração da força dos músculos respiratórios de pacientes portadores<br />
de esclerose múltipla (EM). Método. 20 pacientes com<br />
fadiga referida foram submetidos à avaliação fisioterapêutica,<br />
sendo utilizadas a Escala de Fadiga Física de Chalder para a<br />
determinação da presença de fadiga física e a manovacuometria<br />
para a mensuração da Pressão Inspiratória Máxima (Pimáx) e<br />
Pressão Expiratória Máxima (Pemáx). Resultados. A fadiga física<br />
foi confirmada em todos os pacientes submetidos a avaliação fisioterapeutica<br />
respiratória. Dez pacientes apresentaram somente<br />
fadiga física (grupo 1, G1) e 10 referiram fadiga física e dispnéia<br />
(grupo 2, G2), não relacionadas entre si. A Pimáx encontravase<br />
no limite inferior da normalidade e a Pemáx era abaixo da<br />
normalidade em G1. Em G2, a Pimáx e a Pemáx foram significativamente<br />
mais baixas do que o normal comparado aos casos<br />
do G1. Estes achados foram independentes da forma clínica da<br />
EM, do tempo de evolução, do uso de imunomoduladores, do<br />
sexo, da idade, da etnia e do EDSS. Conclusão. Pacientes portadores<br />
de EM com relato de fadiga física podem necessitar de<br />
uma investigação do grau de força dos músculos respiratórios<br />
para a identificação de possíveis alterações como fraqueza ou<br />
fadiga destes grupos musculares.<br />
Unitermos: Fadiga. Fadiga Muscular. Esclerose Múltipla.<br />
Citação: Araújo FR, Rebouças F, Fragoso YD. Possível associação entre<br />
a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios na Esclerose<br />
Múltipla.<br />
SUMMARY<br />
Objective. To evaluate a possible association between physical<br />
fatigue and alterations in the strength of respiratory muscles in<br />
patients with multiple sclerosis (MS). Method. 20 patients complaining<br />
of fatigue underwent evaluation by physical therapists<br />
who used the Chalder Scale for Physical Fatigue, in order to<br />
determine the presence of physical fatigue and manovacuometry<br />
to assess the Maximum Inspiratory Pressure (Pimax)<br />
and Maximum Expiratory Pressure (Pemax). Results. Physical<br />
fatigue was confirmed in all patients who underwent respiratory<br />
physical therapy evaluation. Ten patients presented only<br />
physical fatigue (group 1, G1), while 10 patients had physical<br />
fatigue and dyspnea that were unrelated to each other (group<br />
2, G2). Pimax was at the lower normal limit in G1 and Pemax<br />
was below normal in G1. For G2, both Pimax and Pemax presented<br />
significantly lower values than those obtained in G1.<br />
These findings were unrelated to the clinical presentation of<br />
MS, duration of disease, use of immunomodulators, gender,<br />
age, ethnic group and EDSS. Conclusion. Multiple Sclerosis<br />
patients reporting physical fatigue may needed to undergo an<br />
investigation of the degree of respiratory muscle strength in order<br />
to identify possible alterations such as weakness or fatigue<br />
of these muscles.<br />
Keywords: Fatigue. Muscle fatigue. Multiple Sclerosis.<br />
Citation: Araújo FR, Rebouças F, Fragoso YD. Possible association between<br />
physical fatigue and strength of respiratory muscles in Multiple<br />
Sclerosis.<br />
Trabalho realizado no Departamento de Neurologia da<br />
Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de<br />
Santos e Centro de Referência em Esclerose Múltipla do<br />
Litoral Paulista, DRS IV da Secretaria da Saúde do Estado<br />
de São Paulo<br />
1. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neuro-Músculo-Esquelética<br />
2. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Respiratória<br />
3. Neurologista, Professora Titular<br />
Endereço para correspondência:<br />
Yára Dadalti Fragoso<br />
Rua da Constituição 374,<br />
CEP 110<strong>15</strong>-470, Santos - SP<br />
Fone/fax: +55 13 32263400<br />
e-mail: yara@bsnet.com.br<br />
Recebido em: 08/03/2007<br />
Revisão: 09/03/2007 a 23/07/2007<br />
Aceito em: 24/07/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
207<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:207–210
INTRODUÇÃO<br />
A fadiga referida é considerada um dos sintomas<br />
mais incapacitantes e menos compreendidos na<br />
Esclerose Múltipla (EM) 1 . São descritos na literatura<br />
quatro tipos de fadiga referida. A astenia (perda de<br />
energia) e a lassitude (diminuição de energia) ocorrem<br />
ao repouso e não demonstram relação com a execução<br />
de atividades diárias ou exercício físico. Já a fadiga<br />
mental caracteriza-se pela redução da capacidade de<br />
execução das atividades cognitivas. A fadiga física ou<br />
fatigabilidade, por sua vez, é definida como a sensação<br />
de exaustão presente durante ou após a realização de<br />
atividades de vida diária ou exercício físico, com diminuição<br />
ou desaparecimento da mesma ao repouso 2 .<br />
Não existe na atualidade um tratamento específico<br />
para a fadiga referida em pacientes com EM.<br />
A abordagem farmacológica da fadiga com amantadina<br />
3 , L-carnitina 4 ou modafinil 5 vem trazendo<br />
resultados frustrantes. Embora certos autores confirmem<br />
a relação entre a fadiga referida e parâmetros<br />
como depressão e grau de incapacidade 6 , outros não<br />
confirmam esses dados 7 . Estudos mais recentes sugerem,<br />
ainda, a presença de componentes inflamatórios<br />
responsáveis pelo desenvolvimento da fadiga<br />
referida 8 e da existência de uma correlação entre a<br />
fadiga referida e a fadiga física, sendo esta associada<br />
diretamente a disfunções de grupos musculares<br />
específicos 9 . Treinamento de músculos respiratórios<br />
já vem sendo sugerido como uma possibilidade terapêutica<br />
para fadiga na EM 10,11 . O uso de escalas de<br />
avaliação de fadiga tem se mostrado controverso e<br />
nem sempre a avaliação através de questionários e<br />
tarefas realizadas indicam uma correlação entre si 12 .<br />
O objetivo do presente trabalho foi a avaliação de<br />
uma possível associação entre a fadiga física e o grau de<br />
força dos músculos respiratórios em pacientes com EM.<br />
original<br />
MÉTODO<br />
Vinte pacientes portadores de EM (17 mulheres<br />
e 3 homens, com idade média de 42 anos) com<br />
relato de fadiga, sem antecedentes pessoais prévios<br />
de doenças pulmonares, cirurgias torácicas, disfunções<br />
tiroidianas ou alterações do humor não tratadas<br />
e sem surtos da doença nos últimos três meses foram<br />
encaminhados e avaliados nos Setores de Fisioterapia<br />
do Departamento de Neurologia e do Centro de<br />
Referência para Esclerose Múltipla da Secretaria do<br />
Estado de São Paulo, DIR XIX 13 . A consulta específica<br />
de avaliação de força respiratória foi autorizada<br />
pelo Comitê de Ética da Universidade Metropolitana<br />
de Santos, não sendo um trabalho de caráter experimental,<br />
mas sim assistencial de apoio aos pacientes<br />
que freqüentam o ambulatório de referência em<br />
EM. Incapacidade física foi avaliada pelo uso da Escala<br />
de Kurtzke (expanded disability scale — EDSS) 14 .<br />
A avaliação fisioterapêutica consistiu de duas<br />
etapas: primeiramente foi aplicada a Escala de Fadiga<br />
Física de Chalder <strong>15</strong> , composta de oito afirmações especificas<br />
sobre fadiga física, com três opções distintas de<br />
resposta (”nunca”, ”um pouco” e ”com freqüência”),<br />
sendo atribuídas as notas 0, 1 e 2 pontos, respectivamente,<br />
a cada uma delas. Essa escala apenas confirma<br />
a presença ou não da fadiga física através da soma<br />
dos resultados obtidos das respostas, sendo necessária<br />
uma nota final igual ou superior a oito pontos.<br />
Na segunda fase foi realizada a graduação da<br />
força dos músculos respiratórios através da mensuração<br />
da Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e Pressão<br />
Expiratória Máxima (PEmáx) pela manovacuometria.<br />
Os valores negativos se referem à pressão inspiratória<br />
e os positivos, à pressão expiratória. Para músculos<br />
inspiratórios, os valores normais encontram-se<br />
entre -75 e -120 cm H 2<br />
O e índices menores caracterizam<br />
graus de fraqueza (-70 a -45 cm H 2<br />
O), fadiga<br />
(-40 a -25 cm de H 2<br />
O) e falência (menores ou iguais a<br />
-20 cm H 2<br />
O) musculares. Para músculos expiratórios,<br />
os valores normais estão entre +100 e +120 cm H 2<br />
O,<br />
sendo caracterizada fraqueza abaixo de +95 cm H 2<br />
O.<br />
A análise estatística foi realizada através do<br />
Teste t de Student para comparação de médias e análise<br />
de regressão para correlação de parâmetros.<br />
RESULTADOS<br />
Dezesseis pacientes apresentavam EM na forma<br />
remitente-recorrente (EMRR), enquanto quatro apresentavam<br />
a forma secundariamente progressiva (EMSP).<br />
O grau de incapacidade física pelo EDSS 14 , variou entre<br />
zero e 6,5. Os pacientes com forma secundariamente<br />
progressiva tinham limitações graves na deambulação e<br />
estavam classificados como tendo EDSS entre 6,0 e 6,5.<br />
Todos os pacientes com forma EMRR apresentavam<br />
EDSS ≤ 5,0. Também nas formas EMSP que ainda<br />
apresentavam surtos não houve registro de surto nos três<br />
meses precedendo a avaliação.<br />
A fadiga física foi confirmada em todos os pacientes<br />
submetidos à avaliação fisioterapêutica respiratória. Destes,<br />
10 pacientes referiram, ainda, a presença de dispnéia,<br />
não a relacionando diretamente com a fadiga física.<br />
Os pacientes foram divididos em dois grupos:<br />
10 pacientes com fadiga física e sem dispnéia (G1) e<br />
10 pacientes com fadiga física e dispnéia (G2). Um resumo<br />
dos resultados é apresentado nas tabelas 1 e 2.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:207–210 208
original<br />
Os dados a seguir são expressos em cm de<br />
H 2<br />
O, média e desvio-padrão. No grupo 1, a PImáx<br />
encontrava-se no limite inferior da normalidade<br />
(-79,5 ± 3,69), enquanto a PEmáx estava abaixo da<br />
normalidade (75,5 ± 3,69).<br />
No grupo 2, os valores de PImáx e PEmáx foram<br />
significativamente menores e ambos encontravam-se<br />
abaixo da normalidade (respectivamente -31<br />
± 6,14 e 31 ± 12,89; p < 0,001) quando comparados<br />
aos valores obtidos no grupo 1. Estes achados foram<br />
independentes da forma clínica da EM, do tempo de<br />
evolução, do uso de imunomoduladores, do sexo, da<br />
idade, da etnia e do EDSS.<br />
O grau de fadiga física pela Escala de Chalder<br />
<strong>15</strong> foi significativamente maior (p < 0,05) no grupo<br />
2 (11,9 ± 1,37) quando comparados ao grupo 1<br />
(9,3 ± 0,82). Os valores maiores refletem sintomas<br />
mais exacerbados de fadiga física. Utilizando-se correlação<br />
de Pearson, observou-se que a intensidade<br />
da fadiga estava diretamente correlacionada com<br />
idade mais jovem e EDSS mais baixo.<br />
Não houve correlação entre a medicação em<br />
uso e a presença de fadiga física, porém o grupo de<br />
pacientes foi bastante misto, com diferentes tratamentos,<br />
não permitindo comparação e correlação.<br />
DISCUSSÃO<br />
Poucos estudos têm sido realizados correlacionando<br />
a fadiga física a alterações de força dos músculos<br />
respiratórios. Os artigos que tentam relacionar a<br />
fadiga física a outros parâmetros clínicos têm resultados<br />
por vezes contraditórios 3,4 e a própria mensuração<br />
da fadiga física é um desafio à prática clínica 10 .<br />
Nossos resultados sugerem que existam subgrupos<br />
de pacientes cuja fadiga referida seja causada<br />
pela presença de fadiga física. Tal achado justificaria<br />
os resultados inadequados do tratamento farmacológico<br />
proposto de forma geral a todos os pacientes<br />
com relato de fadiga. Enquanto alguns pacientes se<br />
beneficiam com esses medicamentos 16,17 ou com atividade<br />
física programada 12,18 , outros são resistentes a<br />
tais abordagens terapêuticas.<br />
A observação da correlação entre o grau de<br />
fadiga e a idade mais jovem com menor EDSS foi<br />
particularmente inesperada. Talvez este achado<br />
possa sugerir que pacientes menos comprometidos<br />
procurem manter atividades próximas do normal,<br />
relatando mais fadiga.<br />
CONCLUSÃO<br />
É necessário considerar que possam existir<br />
subgrupos de pacientes portadores de EM com relato<br />
de fadiga física, com pelo menos um componente<br />
causal de alteração do grau de força dos músculos<br />
respiratórios. Para os pacientes com grau de força<br />
muscular respiratória próxima da normalidade e<br />
sem queixa de dispnéia, outros programas de tratamento<br />
podem ser sugeridos 18 .<br />
Tabela 1. Resultados para fadiga e manovacuometria de pacientes sem queixa de dispnéia.<br />
Número do Paciente 1 3 7 8 9 <strong>15</strong> 16 17 18 19 Média SD<br />
Sexo F F M F F F F M F F<br />
Idade 39 47 21 55 57 39 32 47 53 38 43 11,2<br />
Etnia C C C C C C C A C C<br />
Forma clínica RR RR RR RR RR RR RR SP RR SP<br />
EDSS 2,0 2,0 4,5 1,5 1,0 2,0 4,0 6,5 1,5 6,0 3,1 2,13<br />
Pimáx -80 -80 -75 -80 -80 -75 -75 -75 -80 -85 -79,5 3,69<br />
Pemax 80 75 70 80 75 70 75 75 75 80 75,5 3,69<br />
Fadiga (Chalder) 10 9 10 8 9 10 10 10 9 8 9,3 0,82<br />
F= feminino, M= masculino, C= caucasiano, A= afro-americano, RR= remitente-recorrente, SP= secundariamente progressiva<br />
Tabela 2. Resultados para fadiga e manovacuometria de pacientes com queixa de dispnéia.<br />
Número do Paciente 2 4 5 6 10 11 12 13 14 20 Média SD<br />
Sexo F F F M F F F F M F<br />
Idade 19 53 43 46 59 38 39 51 16 44 41 14,65<br />
Etnia C C C A C C C C C C<br />
Forma clínica RR RR SP RR RR RR SP SP RR SP<br />
EDSS 3,0 1,0 6,0 1,5 1,5 1,0 5,5 6,5 1,0 6,5 3,4 2,29<br />
Pimáx -40 -40 -30 -35 -25 -25 -30 -25 -35 -25 -31,1 6,<strong>15</strong><br />
Pemax 50 25 20 40 20 30 45 20 45 <strong>15</strong> 31 12,86<br />
Fadiga (Chalder) 10 11 12 11 14 12 11 13 11 14 11,9 1,37<br />
F= feminino, M= masculino, C= caucasiano, A= afro-americano, RR= remitente-recorrente, SP= secundariamente progressiva<br />
209<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:207–210
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Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:207–210 210
original<br />
Análise do esquema e imagem corporal<br />
em pacientes com esclerose lateral<br />
amiotrófica<br />
Analysis of body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis<br />
Cíntia Citelli de França 1 , Vanessa Rodrigues de Queiroz 1 , Letícia Moraes de<br />
Aquino 2 , Sonia Maria Pereira 3<br />
RESUMO<br />
Introdução. A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença<br />
neuromuscular fatal marcada pelo comprometimento dos motoneurônios<br />
da medula espinhal, tronco cerebral e córtex motor, provocando<br />
atrofia muscular progressiva. Na maioria desses pacientes<br />
o grau de consciência permanece intacto, fazendo com que o individuo<br />
se veja conectado ao meio ambiente e prisioneiro do seu<br />
corpo. As conseqüências da doença levam à alterações no esquema<br />
e imagem corporal. Objetivo. O objetivo do presente trabalho foi<br />
avaliar de forma quantitativa e qualitativa o esquema e imagem<br />
corporal de indivíduos com ELA através da análise de desenhos<br />
da figura humana. Métodos. Foram analisados 10 indivíduos com<br />
diagnóstico de ELA, 80% do sexo masculino, com idade média de<br />
56 4,19 anos, através do Teste da Figura Humana, que foi avaliado<br />
de forma qualitativa e quantitativa, individual e em grupo. Resultados.<br />
As principais alterações observadas nos desenhos foram<br />
ausência de partes do corpo e de movimento, além de alterações<br />
relacionadas com as características particulares apresentadas pelos<br />
indivíduos e com o quadro geral da doença. A análise da imagem<br />
corporal aponta para prejuízos relacionados à insatisfação, depreciação,<br />
distorção e preocupação com a auto imagem. Conclusão.<br />
Essa constatação leva a crer que o conhecimento do esquema e<br />
imagem corporal é útil como mais uma forma de avaliação e proposta<br />
de tratamento em programas de reabilitação.<br />
Unitermos: Imagem corporal. Esclerose amiotrófica lateral.<br />
Desenho.<br />
Citação: França CC, Queiroz VR, Aquino LM, Pereira SM. Análise<br />
do esquema e imagem corporal em pacientes com esclerose lateral<br />
amiotrófica.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. The Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS) is fatal<br />
a neuromuscular disease marked by the committal of the<br />
motoneurons of the spinal cord, brain stem and motor cortex<br />
causing progressive muscle atrophy. In these patients the degree<br />
of conscience remains intact, making the individual see<br />
himself connected to the environment and a prisoner in his<br />
own body. The consequences of the disease lead to alterations<br />
in the plan and body image. Objective. The aim of this study<br />
is to evaluate in quantitative and qualitative ways the plan and<br />
the body image of individuals with ALS through the analysis<br />
of drawings of the human figure. Methods. We analysed 10 patients<br />
with ALS diagnosed, 80% male, 56 4.19 years old, with<br />
Human Figure Test. The data was analyzed individually and<br />
in group, qualitatively and quantitatively. Results. The main<br />
alterations observed in the drawings were the absence of parts<br />
of the body and movement, apart from alterations related to<br />
particular characteristics showed by the individuals and with a<br />
general view of the disease. The body image analyze showed<br />
impairments as no satisfaction, distortions, concern about selfimage.<br />
Conclusion. The verification of these alterations makes<br />
us believe that knowledge of the scheme and body image are<br />
useful as one more way of evaluation and criteria of inclusion<br />
in rehabilitation programs.<br />
Keywords: Body image, Amyotrophic lateral sclerosis, Design.<br />
Citation: França CC, Queiroz VR, Aquino LM, Pereira SM. Analysis of<br />
body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis.<br />
Trabalho realizado no Departamento de Neurologia/<br />
Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo<br />
1. Fisioterapeuta, especializanda em doenças neuromusculares<br />
– UNIFESP.<br />
2. Fisioterapeuta, mestranda – UNIFESP.<br />
3. Psicopedagoga e psicomotricista, professora adjunta do curso de<br />
Fisioterapia da Universidade São Camilo.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Cíntia Citelli de França<br />
Av. Vivaldi, 1252<br />
CEP 09617000 - São Bernardo do Campo-SP<br />
Email: ci_citelli@hotmail.com<br />
Recebido em: 14/04/2007<br />
Revisão: <strong>15</strong>/04/2007<br />
Aceito em: 19/09/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
211<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218
INTRODUÇÃO<br />
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma<br />
doença fatal marcada pela depleção dos motoneurônios<br />
do córtex cerebral, tronco encefálico e medula<br />
espinhal 1-3 . Esta pode ser classificada como ELA suspeita,<br />
possível, provável ou definida, de acordo com os<br />
sinais de lesão de neurônios motores superior e inferior<br />
apresentados, através dos critérios do El Scorial 4 .<br />
O tempo médio de evolução da doença até<br />
a morte ou dependência de ventilação mecânica<br />
é de aproximadamente dois a quatro anos 2,5 . Sua<br />
patogenia continua obscura, porém 6 inúmeros mecanismos,<br />
como morte celular por agressão autoimune<br />
dos canais de cálcio e incremento do cálcio<br />
intracelular, infecção viral, estresse oxidativo, dano<br />
por radicais livres, neurotoxicidade por glutamato e<br />
disfunção das mitocôndrias ou dos mecanismos de<br />
transporte axonal por possível deficiência no fator de<br />
crescimento do nervo, são sugeridos nos últimos anos<br />
como fatores contribuintes 7-9 . A degeneração das células<br />
nervosas não afeta a sensibilidade, os sentidos<br />
e nem diminui a capacidade intelectual, exceto nos<br />
casos de Esclerose Lateral Amiotrófica com Atrofia<br />
Fronto-Temporal seguida de demência, que são raramente<br />
encontrados. Observa-se dispnéia progressiva<br />
nos pacientes acometidos, com necessidade de<br />
assistência ventilatória, sendo essa a principal causa<br />
de morte 10-13 .<br />
Não existe nenhuma terapia que possa estacionar<br />
ou levar à cura da doença, porém há um grande<br />
número de estratégias para o controle da sintomatologia<br />
e gerenciamento das capacidades existentes<br />
12,14 . O tratamento interdisciplinar visa prevenir as<br />
complicações provenientes da imobilização na maior<br />
parte do tempo e melhorar, em algum aspecto, a saúde<br />
e a auto-estima. Para isso, torna-se benéfico que<br />
o indivíduo tenha uma imagem corporal valorizada<br />
<strong>15</strong>,16 . Entende-se por esquema e imagem corporal a<br />
representação formada mentalmente do nosso corpo<br />
a partir de experiências vividas desde o nascimento,<br />
seguida de reestruturações constantes geradas pelas<br />
relações estabelecidas com o meio físico e social através<br />
da percepção que o indivíduo tem do seu corpo<br />
e o conceito que faz de si mesmo 17-20 .<br />
A doença orgânica altera a imagem do corpo,<br />
assim como os sinais e sintomas da doença alteram<br />
as ações motoras 21,22 . Havendo uma integração incoerente<br />
da gnosia corporal, podem ocorrer dificuldades<br />
de relação com objetos, insuficiência do investimento<br />
afetivo e lúdico, impedindo assim o acesso de uma<br />
motricidade orientada e ajustada às percepções 23 .<br />
original<br />
O desenho da figura humana é um instrumento<br />
aferidor da consciência da unidade corporal, sendo<br />
um dos mais ricos instrumentos para a investigação da<br />
personalidade e do esquema e imagem corporal, uma<br />
vez que se refere às imagens internalizadas que tem de<br />
si próprio e dos outros 23-25 . As vivências psicomotoras<br />
têm como objetivo estimular os indivíduos a conhecerem<br />
e utilizarem seu corpo, percebendo o quanto ele<br />
está integrado e associado ao seu pensamento e emoções<br />
20 , podendo ser explorada em pacientes de ELA,<br />
uma vez que grande parte desses indivíduos permanece<br />
conectada ao meio ambiente, vivendo literalmente<br />
o drama de sua prisão pessoal 6 .<br />
Os objetivos deste estudo foram de analisar o<br />
esquema e imagem corporal de indivíduos com ELA<br />
por meio do teste do desenho da figura humana,<br />
para observar se existem ou não alterações ou distorções<br />
e caracterizar o grupo avaliado.<br />
MÉTODO<br />
Realizou-se um estudo qualitativo e quantitativo<br />
(descritivo e transversal), com amostra por<br />
conveniência. A pesquisa foi realizada na Associação<br />
Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABRE-<br />
LA), localizada no setor de Investigação em Doenças<br />
Neuromusculares UNIFESP/EPM, uma vez por semana,<br />
no período de agosto a setembro de 2006, até<br />
totalizar o número de 10 indivíduos.<br />
Como critérios de inclusão, determinou-se<br />
diagnóstico de ELA confirmado pelo prontuário<br />
médico, idade entre 20 e 80 anos, possibilidade motora<br />
de escrita, e estar cadastrado na ABRELA, e<br />
de exclusão, pacientes que apresentassem alterações<br />
cognitivas, dor ou fadiga durante a realização do desenho<br />
e incapacidade motora de realizá-lo sozinho.<br />
A caracterização dos participantes foi feita<br />
através da coleta de dados retrospectiva por meio<br />
do prontuário médico e da avaliação fisioterapêutica<br />
do setor que continham o perfil sócio ocupacional<br />
(nome, idade, sexo, profissão, atividade física), exame<br />
físico (movimentação ativa de membros superiores<br />
proximal e distal e movimento de pinça, fadiga, dor<br />
e câimbras), tempo dos sintomas e o tempo de diagnóstico<br />
de ELA, doenças associadas e antecedentes<br />
pessoais. Para o presente estudo, a movimentação<br />
ativa dos membros superiores e o movimento de pinça<br />
foram classificados, independentemente do grau<br />
de força muscular, como preservado (capacidade<br />
em realizar ativamente todo o arco do movimento),<br />
comprometido (incapacidade em realizar ativamente<br />
todo o arco do movimento) e ausente (incapacidade<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218 212
original<br />
em realizar o movimento); aplicação de uma ficha<br />
elaborada pelas aplicadoras para completar os dados<br />
coletados e a escala de funcionalidade ALS Functional<br />
Rating Scale 26 .<br />
O teste do desenho da figura humana foi aplicado<br />
uma única vez em cada indivíduo. Durante a<br />
aplicação, com os dados recolhidos com os indivíduos<br />
(nome, idade, sexo) eram acessados os prontuários,<br />
após ciência e autorização dos responsáveis pelo<br />
setor, e com o consentimento informado dos indivíduos,<br />
previamente aprovado pelo Comitê de Ética<br />
da UNIFESP. Como recursos para sua aplicação foram<br />
utilizadas folha cor branca, prancheta e caneta<br />
hidrográfica cor preta.<br />
Para a realização do desenho, uma folha foi<br />
colocada verticalmente diante do sujeito, fixada em<br />
uma prancheta com a caneta hidrográfica. Os sujeitos<br />
deveriam estar sentados em cadeira com apoio<br />
ou na própria cadeira de rodas com apoio da prancheta<br />
sobre uma mesa fixa.<br />
O teste foi baseado na análise do desenho da<br />
figura humana, sendo avaliado de modo quantitativo<br />
(tabela 1), por uma pontuação entre 0 e 1027, e<br />
qualitativo pela análise individual e em grupo, com<br />
a colaboração de uma investigadora cega à amostra<br />
capacitada para tal avaliação (psicopedagoga e psicomotricista).<br />
A análise foi realizada de forma individual<br />
e grupal, quantitativa e qualitativa 28 .<br />
Tabela 1. Tabela proposta por Oliveira 27 para avaliação quantitativa<br />
do desenho da figura humana.<br />
Pontuação<br />
Desempenho<br />
10 Obedece a proporção, número e posição das partes,<br />
denotando possuir representação mental correta;<br />
figura rica em detalhes; semelhança com o real; orientação<br />
espacial; diferenciação dos sexos, vestimentas<br />
elaboradas; presença de mãos, antebraços, pernas, pés;<br />
figuras em movimento.<br />
8 Desenho pobre, com poucos detalhes, obedecendo ao<br />
número e posição das partes do corpo, com orientação<br />
espacial no papel; boas proporções, com três detalhes<br />
de roupa; presença de ombros, cintura e pescoço.<br />
6 Desenho pobre, sem detalhes; faltando uma ou duas<br />
partes essenciais do corpo; poucas distorções, pernas<br />
muito longas ou muito curtas; figura muito pequena<br />
ou muito grande; falta de orientação espacial, fazendo<br />
a figura muito no canto ou no alto da folha.<br />
4 Desenho muito pobre, faltando mais de três detalhes<br />
essenciais do corpo; sem respeitar a proporção,<br />
número e posição das partes da figura humana, com<br />
algumas distorções; tronco muito longo, falta de delineamento<br />
onde começam as pernas e os braços.<br />
2 Desenho em “palito”, apenas delineando uma figura<br />
humana.<br />
0 Traços irregulares; desenho incompleto, fragmentado,<br />
irreconhecível, com distorções.<br />
RESULTADOS<br />
Dados demográficos<br />
Foram analisados 10 indivíduos, sendo 80%<br />
do sexo masculino, com idade média de 56 ± 4,19<br />
anos, sendo que a maioria apresentava ELA do tipo<br />
apendicular (80%). Na pesquisa de queixas e sintomas,<br />
apenas 30% referiram cãibras e 40% tinham<br />
dor. Quanto à movimentação ativa proximal dos<br />
membros superiores, 60% dos indivíduos a possuíam<br />
preservada e 40% comprometida; em relação à<br />
movimentação ativa distal dos membros superiores,<br />
50% possuíam preservada, 40% comprometida e<br />
10% ausente; em relação ao movimento de pinça,<br />
40% deles o mantinham preservado, 50% apresentavam<br />
comprometimento e 10% ausência. A evolução<br />
da doença teve uma média de 46,3 ± 38,69 meses.<br />
Destes indivíduos, apenas 20% ainda realizavam<br />
atividade profissional, sendo que, do total, somente<br />
10% não possuíam vida profissional ativa anteriormente<br />
à doença. 40% dos indivíduos relatam apenas<br />
atividades de lazer, 20% atividade de lazer associada<br />
à atividade profissional, 20% cuidados básicos e auto<br />
cuidados e 20% relataram não realizar atividade alguma.<br />
Em relação aos tratamentos, 70% realizam<br />
alguma terapia além do tratamento médico ambulatorial,<br />
sendo que destes, 40% fisioterapia, l0%<br />
fisioterapia e fonoaudiologia, 10% fisioterapia, fonoaudiologia<br />
e acompanhamento nutricional, 10%<br />
fisioterapia, hidroterapia e terapias alternativas e<br />
10% somente terapias alternativas. O valor médio<br />
da ALSFRS foi de 26,1 ± 4,99.<br />
Análise individual dos desenhos<br />
a) J.M.D.: quantitativa: 4 pontos de acordo<br />
com a classificação utilizada; qualitativa: figura<br />
grande, centralizada à esquerda e inferior, com tracejado<br />
não contínuo, sem expressão de movimento,<br />
com ausência de partes do corpo (braços e rosto) e<br />
rasura nas pernas. Realizado em 2 minutos.<br />
b) N.F.: quantitativa: 10 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura média,<br />
centralizada à direita, com traçado contínuo, com<br />
expressão de movimento, sem ausência de partes do<br />
corpo. Realizado em 2 minutos e <strong>15</strong> segundos.<br />
c) C.A.H.: quantitativa: 8 pontos de acordo<br />
com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande,<br />
centralizada, com traçado contínuo, com expressão<br />
de movimento, com ausência de partes do corpo<br />
(cabelos e orelhas) e diferença entre os hemicorpos.<br />
Realizado em 3 minutos.<br />
213<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218
d) L.N.: quantitativa: 4 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura pequena,<br />
centralizada à esquerda, com traçado contínuo, sem<br />
expressão de movimento, difícil diferenciação entre<br />
as partes do corpo, desenhou a aplicadora ao lado.<br />
Realizado em 2 minutos.<br />
e) E.F.S.: quantitativa: 6 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura grande,<br />
inferior à direita, com traçado contínuo e rebuscado,<br />
sem expressão de movimento, com ausência de<br />
partes do corpo (membros inferiores e mão direita),<br />
apresentando desorganização espacial. Realizado<br />
em 4 minutos e 45 segundos.<br />
f) J.F.F.: quantitativa: 8 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura média,<br />
superior à esquerda, com traçado contínuo, sem expressão<br />
de movimento, com ausência de partes do<br />
corpo (boca e detalhes). Realizado em 1 minuto e 30<br />
segundos.<br />
g) B.C.G.: quantitativa: 6 pontos de acordo<br />
com a classificação utilizada; qualitativa: figura pequena,<br />
superior à direita, com traçado contínuo, sem<br />
expressão de movimento, com ausência de partes do<br />
corpo, ênfase na presença das orelhas. Realizado em<br />
3 minutos.<br />
h) A.M.R.O.: quantitativa: 8 pontos de acordo<br />
com a classificação utilizada; qualitativa: figura<br />
grande, centralizada, com traçado contínuo, sem expressão<br />
de movimento, com ausência de partes do<br />
corpo (rosto e detalhes devido à incapacidade motora<br />
de realizá-los). Realizado em 2 minutos.<br />
i) R.F.L.: quantitativa: 8 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura grande,<br />
centralizada, com traçado contínuo e rebuscado,<br />
sem expressão de movimento, com ausência de partes<br />
do corpo (cabelo e orelhas), e com presença do<br />
chão. Realizado em 3 minutos e 30 segundos.<br />
j) E.S.: quantitativa: 2 pontos de acordo com<br />
a classificação utilizada; qualitativa: figura média,<br />
centralizada inferior, com traçado contínuo, sem expressão<br />
de movimento, com ausência de partes do<br />
corpo, com ênfase no desenho do rosto. Realizado<br />
em 3 minutos e 10 segundos.<br />
Análise em grupo dos desenhos<br />
Pode-se observar que 40% dos desenhos feitos<br />
classificaram-se com pontuação 8 dentro da escala<br />
utilizada (anexo), 20% com pontuação 6, 20% com<br />
pontuação 2, 10% com pontuação 10 e 10% com<br />
pontuação 4; 30% das figuras estão centralizadas,<br />
10% centralizadas e inferiores, 10% centralizadas<br />
original<br />
e inferiores à esquerda, 10% centralizadas à direita,<br />
10% centralizadas à esquerda, 10% superiores à<br />
direita, 10% superiores à esquerda e 10% inferiores<br />
à direita; quanto ao tamanho das figuras, 50% delas<br />
são grandes, 30% médias e 20% pequenas; apresentando<br />
70% dos traçados contínuos, 20% contínuos<br />
e rebuscados e 10% tracejados; entre elas apenas<br />
20% têm expressão sugestiva de movimento e 80%<br />
não; 90% das figuras apresentam ausência de partes<br />
do corpo enquanto 10% não apresentam. 90%<br />
dos indivíduos iniciaram pela cabeça; 60% usavam<br />
cadeira de rodas, apenas 40% demonstraram alguma<br />
dificuldade durante a realização, 50% do grupo<br />
mostrou-se muito comunicativo, 30% não estavam<br />
acompanhados na ocasião da aplicação do desenho.<br />
O tamanho dos membros não foi avaliado devido à<br />
dificuldade motora apresentada pela doença.<br />
Anexo. ALS Functional Rating Scale.<br />
a.Fala<br />
4.Normal 3.Disartria leve 2.Disartria moderada, fala inteligível 1.Disartria<br />
grave, necessita comunicação não verbal 0.Anartria<br />
b.Salivação<br />
4.Normal 3.Excesso leve, pode haver sialorréia à noite ou no decúbito<br />
2.Excesso moderado, sialorréia mínima 1.Excesso grave, sialorréia<br />
evidente 0.Sialorréia intensa, necessita aspiração constante<br />
c.Deglutição<br />
4.Normal 3.Disfagia leve, ocasionalmente engasga 2.Disfagia moderada,<br />
necessita mudança na quantidade ou consistência 1.Disfagia grave,<br />
necessita sonde 0.Dieta parenteral ou gastrostomia<br />
d.Escrita<br />
4.Normal 3.Lentificada, todas as palavras são legíveis 2.Algumas palavras<br />
são ilegíveis 1.Capaz de manipular caneta mas incapaz de escrever<br />
0.Incapaz de manipular<br />
e.Manipulação de alimentos e utensílios (pacientes sem gastrostomia)<br />
4.Normal 3.Lento mas não necessita de ajuda 2.Lento e necessita de<br />
ajuda 1.Necessita de ajuda de terceiros para os utensílios, mas pode<br />
alimentar-se sozinho 0.Necessita ser alimentado<br />
e1.Manipulação de alimentos e utensílios (pacientes com gastrostomia)<br />
4.Normal 3.Lento mas capaz de todas as manipulações sem auxílio<br />
2.Necessita algum auxílio 1.Praticamente toda a manipulação da dieta<br />
necessita de auxílio 0.Incapaz/necessita de auxílio total<br />
f.Vestuário e higiene<br />
4.Normal 3.Independente para todas as atividades, mas com dificuldade<br />
e eficiência diminuída 2.Necessita assistência intermitente ou para<br />
tarefas específicas 1.Necessita assistência total 0.Totalmente dependente<br />
g.Atitude no leito e manipulação da cama de roupa<br />
4.Normal 3.Lento, mas não necessita de ajuda 2.Pode mexer-se e<br />
ajustar roupa sem auxílio, mas com grande dificuldade 1.Pode iniciar<br />
tais atividades, mas necessita de auxílio para terminá-las 0.Dependente<br />
de auxilio total<br />
h.Marcha<br />
4.Normal 3.Alterações precoces 2.Necessita de auxílio 1.Restrito a<br />
cadeira de rodas ou leito 0.Paraplégico<br />
i.Subir escadas<br />
4.Normal 3.Lento 2.Perde equilíbrio ou fadiga 1.Necessita assistência<br />
0.Incapaz<br />
j<br />
.Respiração<br />
4.Normal 3.Dispnéia com esforço leve (andar/falar) 2.Dispnéia ao<br />
repouso 1.Assistência ventilatória intermitente (noturna) 0.Dependente<br />
ventilador<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218 214
original<br />
J.M.D. N.F. C.A.H. L.N. E.F.S.<br />
J.F.F.<br />
B.C.G.<br />
A.M.R.O.<br />
R.F.L.<br />
E.S.<br />
Figura 1. Desenhos realizados pelos indivíduos participantes da pesquisa.<br />
DISCUSSÃO<br />
Os dados mostram que, apesar de pequena,<br />
esta casuística pode representar a maioria das características<br />
encontradas na literatura referentes à ELA.<br />
A idade média de 56 ± 4,19 anos, a maior incidência<br />
em homens e a forma bulbar em 20% dos casos condizem<br />
com os dados descritos na literatura 2,10 quando<br />
relatam a maior incidência da ELA na 6 a e 7 a décadas,<br />
com proporção maior de homens e sintomas<br />
bulbares em 17 a 25% dos casos.<br />
A presença de cãibras em 20% dos indivíduos<br />
e de dor em 40% relaciona-se com os dados descritos<br />
na literatura 2,9 de pacientes que relatam espasmos<br />
musculares, em geral aliviados com movimentos<br />
de alongamentos ou medicações, e referem uma<br />
dor não específica em fases avançadas da doença. A<br />
câimbra e a dor, quando presentes com freqüência,<br />
podem alterar as ações motoras e, com isso, o esquema<br />
e imagem corporal 22 .<br />
O tempo de evolução da doença teve média de<br />
46,3 ± 38,69 meses, próximo dos dados encontrados em<br />
literaturas atuais que descrevem como tempo de evolução<br />
do início da doença ao óbito entre 24 e 60 meses 11,14 .<br />
Quanto às atividades sociais, de lazer e de<br />
auto-cuidados, encontra-se descrito na literatura 16<br />
que a formação do esquema e imagem corporal sofrem<br />
influência do estado emocional, conflitos psíquicos<br />
e do contato com o mundo proporcionado<br />
pelas diferentes atividades realizadas, sendo o elemento<br />
social e a auto-estima aspectos fundamentais.<br />
Desses indivíduos, apenas 30% não realizam<br />
nenhum tratamento; entre os 70% restantes são realizadas<br />
terapias nutricionais, fisioterapia e fonoaudiologia,<br />
o que se vê descrito como uma busca de tratamento<br />
multiprofissional. Há, também, freqüente procura<br />
por técnicas alternativas na tentativa de melhorar a<br />
qualidade de vida e aliviar o sofrimento 13,27 .<br />
A ALSFRS é a escala preferida para a avaliação<br />
de nível e de mudanças funcionais em pacientes<br />
com ELA, podendo ser usada como dado comparativo<br />
periodicamente através da pontuação obtida<br />
com a sua aplicação <strong>15</strong>,27 . A pontuação na ALSFRS<br />
teve média de 26,1 ± 4,99 na época de avaliação.<br />
Quanto à perda de força muscular, os dados condizem<br />
com a literatura, pois segundo esta 9 em 90% dos<br />
casos a queixa principal dos indivíduos é a fraqueza de<br />
um músculo ou de grupos musculares. Por se tratar de<br />
uma doença de início insidioso, a maioria deles não está<br />
ciente das alterações na força ou se ajustam a elas até<br />
que tenham dificuldade em uma atividade funcional 28 .<br />
Todos os dados descritos podem influenciar<br />
o esquema e imagem corporal. Isso porque há uma<br />
interação entre os aspectos fisiológicos, neurais,<br />
emocionais e sociais para sua formação e constantes<br />
reestruturações 22 . A motricidade é importante na<br />
produção da imagem mental, sendo que ela também<br />
2<strong>15</strong><br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218
se dá através das sensações que nos são percebidas.<br />
Temos as impressões táteis, térmicas e dolorosas, as<br />
sensações viscerais e proprioceptivas, que nos dão a<br />
percepção de um esquema corporal 17, 29 .<br />
A análise do esquema e imagem corporal pode<br />
identificar alterações que vão influenciar na motricidade<br />
voluntária e na qualidade de vida. Essa análise<br />
pode ser realizada a partir do desenho da figura humana,<br />
demonstrando através dele a maturidade conceitual<br />
do indivíduo em relação ao corpo humano e o<br />
próprio corpo 30 . A análise da imagem corporal aponta<br />
para prejuízos relacionados à insatisfação, depreciação,<br />
distorção e preocupação com a auto-imagem,<br />
todos eles influenciados por fatores sócio-culturais 31 .<br />
Durante a realização de qualquer desenho, é<br />
fundamental se observar o processo de produção: a<br />
postura corporal, a motricidade fina, o ritmo e a forma<br />
de elaborar as figuras e a cena. São relevadas as incapacidades<br />
apresentadas durante a criação do desenho,<br />
sendo aceitas quaisquer expressões como profundamente<br />
significativas 23,32 . Um traço gráfico isolado nada<br />
significa, cada traço deve ser considerado em conexão<br />
com os demais e no contexto geral do desenho 30,33 .<br />
A falta de conhecimento do fisioterapeuta<br />
quanto à imagem e esquema corporal dos pacientes<br />
talvez possa aumentar ainda mais a distância entre<br />
o que o terapeuta deseja e o que o paciente imagina<br />
oferecer. A utilização do teste do desenho da figura<br />
humana favorece uma avaliação rápida e é um recurso<br />
que permite comparação de amostras futuras<br />
para mensurar a evolução do tratamento 34 .<br />
A análise individual e em grupo dos desenhos<br />
pode ilustrar o impacto das seqüelas e alterações que<br />
a doença ELA pode trazer ao esquema e imagem<br />
corporal desses indivíduos.<br />
Durante a análise dos desenhos, foi possível<br />
observar que os indivíduos com significativa perda<br />
da força muscular realizaram desenhos grandes e<br />
com ausência de partes do corpo, e quanto maior<br />
a perda da força muscular, menor foi o tempo de<br />
realização. O desenho de A.M.R.O. (figura 1), que<br />
apresenta ausência da movimentação ativa distal de<br />
membros superiores e do movimento de pinça, foi<br />
realizado em 2 minutos, o que pode ser justificado<br />
pela grande dificuldade motora de membros superiores,<br />
não apresentando detalhes e sendo realizado<br />
de maneira contínua. Já o desenho de E.F.S. (figura<br />
2), com movimentação ativa proximal e distal e<br />
movimento de pinça preservados, foi realizado em 4<br />
minutos e 45 segundos, uma vez que ele possui melhor<br />
habilidade motora e realizou o desenho lenta-<br />
original<br />
mente para conseguir fazer os detalhes, devido à sua<br />
fraqueza muscular. No seu desenho, pôde-se notar a<br />
ausência dos membros inferiores, o que representa<br />
uma alteração no seu esquema e imagem corporal 35 ,<br />
podendo sugerir uma não aceitação do uso da cadeira<br />
de rodas.<br />
As figuras dos indivíduos que relatam dor e<br />
cãibras, como as de J.F.F. e B.C.G. (figuras 3 e 4,<br />
respectivamente), foram realizadas na parte superior<br />
da folha, de tamanho de pequeno a médio e com<br />
ausência de movimento. A localização na folha pode<br />
indicar a sensação de possuir objetivos inatingíveis, o<br />
tamanho, sensação de inferioridade e a ausência de<br />
movimento pode estar associada a posturas antálgicas<br />
e à necessidade de permanecer imóvel devido à<br />
presença de câimbras 36 .<br />
A alteração no traçado apresentada por J.M.D.<br />
e R.F.L (figuras 5 e 6, respectivamente), que desenharam<br />
os pés com um traçado rebuscado e não contínuo,<br />
é descrita na literatura 36 como uma busca por<br />
estabilidade e possível perda da própria identidade.<br />
O desenho feito pelos pacientes com ELA do<br />
tipo bulbar apresentaram como única semelhança a<br />
localização na parte central da folha. C.A.H. (figura<br />
7) apresenta em seu desenho calvície, que associa<br />
a apresentada por ele mesmo, e desvio da cabeça à<br />
direita, com hemicorpo direito menor do que o esquerdo,<br />
indicando instabilidade e/ou equilíbrio precário<br />
33 , e o desenho de L.N. (figura 8) foi realizado em<br />
tamanho pequeno e em bloco, além de apresentar ao<br />
seu lado o desenho de outra figura humana, demonstrando<br />
timidez e sentimento de inferioridade 35 .<br />
O desenho de E.S. (figura 9) mostrou-se pobre<br />
e próximo do “palito”, onde é difícil nomear cada<br />
parte do corpo e é dada ênfase ao rosto, sugerindo<br />
falta de percepção corporal e sensação de estar preso<br />
em si mesmo, mantendo íntegras as funções cognitivas.<br />
O maior destaque dado à cabeça é sugestivo de<br />
sensação de inferioridade ou vergonha relacionada<br />
às funções e partes do seu corpo 32 .<br />
O único desenho onde não se encontra alteração<br />
do esquema e imagem corporal foi o realizado<br />
por N.F. (figura 10), por ser rico em detalhes, sem<br />
ausência de partes do corpo, com movimento, tamanho<br />
e proporções adequados, apresentando pequena<br />
diferença entre os membros inferiores, onde há um<br />
destaque para o membro inferior esquerdo, no qual<br />
relata cãibras freqüentes. A presença de movimento<br />
indica adaptação e capacidade mental 35 . O indivíduo<br />
apresenta pouco tempo de evolução da doença,<br />
o que pode justificar que, apesar do seu comprome-<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218 216
original<br />
timento motor, ainda preserva uma boa noção do<br />
seu esquema e imagem corporal.<br />
A presença da doença modifica não somente<br />
a percepção do modelo postural do corpo, mas<br />
também sua estrutura como um todo 21 . Com isso,<br />
a vivência emocional leva o indivíduo a alterações<br />
na percepção de sua identidade e o conceito de si<br />
mesmo, que são expressas na realização do desenho<br />
da figura humana. Em geral, os pacientes de ELA<br />
falecem mantendo íntegras as funções cognitivas, gerando<br />
uma situação chocante para o indivíduo, que<br />
se vê perfeitamente conectado ao seu meio ambiente<br />
e prisioneiro em seu próprio corpo 12,13 .<br />
A fisioterapia pode-se valer dessa noção de esquema<br />
e imagem corporal para enriquecer sua terapia<br />
com os pacientes com ELA.<br />
São muitas as explicações e hipóteses para justificar<br />
as possíveis distorções de esquema e imagem<br />
corporal encontradas em pacientes com ELA. Sabese<br />
que indivíduos com limitações físicas projetam<br />
em seus desenhos qualquer distúrbio apresentado 37 .<br />
Torna-se importante o estudo da noção de imagem e<br />
esquema corporal nesses indivíduos que, devido aos<br />
déficits motores, têm que aprender a lidar com uma<br />
doença progressiva e rapidamente incapacitante.<br />
CONCLUSÃO<br />
Os resultados da análise dos desenhos demonstram<br />
haver, na maioria deles, uma distorção no esquema<br />
e imagem corporal. Os indivíduos estudados, apesar<br />
de em pequeno número, apresentam as principais<br />
características da doença encontradas na literatura.<br />
As alterações observadas no desenho foram, principalmente,<br />
ausência de partes do corpo e de movimento,<br />
além de alterações específicas para os diferentes<br />
casos analisados. Essas alterações se relacionam com<br />
as características individuais coletadas durante as avaliações<br />
e com o quadro da doença em si, uma vez que<br />
a mesma leva a alterações musculares que vão interferir<br />
na organização do esquema e imagem corporal,<br />
levando os indivíduos a ilustrarem suas dificuldades e<br />
comprometimentos físicos em seus desenhos.<br />
A constatação dessas distorções destaca a necessidade<br />
de conhecimento do esquema e imagem corporal<br />
também pelos fisioterapeutas, como mais um recurso<br />
de avaliação e método comparativo periodicamente<br />
em programas de reabilitação. O uso do esquema e<br />
imagem corporal através de sua avaliação e como proposta<br />
de tratamento de integração, pode ser uma ferramenta<br />
adicional à fisioterapia para oferecer melhor<br />
qualidade de vida a esses pacientes.<br />
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Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:211–218 218
original<br />
Trombólise no AVCI agudo em um<br />
Hospital da Rede Pública: a experiência<br />
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre<br />
Thrombolysis for acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre<br />
Clinical Hospital<br />
Sheila Cristina Ouriques Martins 1 , Rosane Brondani 1 , Alan Christmann Frohlich 2 ,<br />
Raphael Machado Castilhos 2 , Cleber Camilo Dallalba 2 , Jéssica Brugnera<br />
Mesquita 2 , Márcia Lorena Fagundes Chaves 3 , Luiz Antonio Nasi 4<br />
RESUMO<br />
Introdução. Poucos hospitais públicos no Brasil estão estruturados<br />
para utilizar rtPA no acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico<br />
agudo. Relatamos a experiência de 1 ano de trombólise no AVC<br />
isquêmico na Unidade Vascular do Hospital de Clínicas de Porto<br />
Alegre, um hospital público, Universitário. Método. Foi criada uma<br />
Unidade Vascular na Emergência, formada uma equipe de AVC,<br />
realizados treinamentos, implementados protocolos e padronizado<br />
o rtPA. Resultados. Foram trombolisados 36 pacientes com rtPA<br />
endovenoso no período de 1 ano. A taxa de elegibilidade para o<br />
tratamento foi de <strong>15</strong>%. A média do escore do NIHSS na chegada<br />
foi de 12; 61% dos pacientes apresentaram-se com escore NIH 0–1<br />
e 67% com independência funcional em 3 meses. Sangramento cerebral<br />
sintomático ocorreu em 4 pacientes (1 fatal). A mortalidade<br />
total foi de 8%. Tempo porta tomografia foi de 28 minutos e portaagulha<br />
de 74 minutos. Conclusão. A trombólise com rtPA foi efetivamente<br />
realizada em um hospital escola público, onde existe um<br />
grande volume de pacientes, geralmente com mais comorbidades e<br />
que chegam mais tardiamente para o atendimento. A organização<br />
dos hospitais e a aprovação do rtPA no sistema público de saúde<br />
pode diminuir o impacto do AVC no Brasil.<br />
Unitermos: Acidente cerebrovascular. Terapia trombolítica.<br />
Saúde pública.<br />
Citação: Martins SCO, Brondani R, Frohlich AC, Castilhos RM, Dallalba<br />
CC, Mesquita JB, Chaves MLF, Nasi LA. Trombólise no AVCI agudo<br />
em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas<br />
de Porto Alegre.<br />
SUMMARY<br />
Introduction. Few public hospitals in Brazil have the structure<br />
necessary for the use of rtPA in acute ischemic stroke patients.<br />
We present the 1-year experience in thrombolytic therapy in<br />
ischemic stroke in the Vascular Unit of Hospital de Clínicas<br />
de Porto Alegre, a university public hospital. Method. The<br />
Vascular Unit was established, stroke team was structured, the<br />
emergency room staff and the neurology residents were trained<br />
and the rtPA was standardized at the Hospital. Results.<br />
36 patients were thrombolysed with endovenous rtPA. The<br />
eligibility rate was <strong>15</strong>%. The median baseline NIHSS score<br />
was 12. In 3 months, 61% of the patients had NIH 0–1 and<br />
67% had functional independence. Symptomatic intracranial<br />
hemorrhage occurred in 4 patients (1 fatal). The total mortality<br />
rate was 8%. The door to Computed tomography time<br />
was 28 minutes and the door to needle time was 74 minutes.<br />
Conclusion. The thrombolysis was effective in a public schoolhospital,<br />
which assist a great number of patients, usually with<br />
more comorbidities and more delayed arrival to the hospital.<br />
The hospital organization and the rtPA approval to the public<br />
system of health may decrease the impact of stroke in Brazil.<br />
Keywords: Stroke. Thrombolytic therapy. Public health.<br />
Citation: Martins SCO, Brondani R, Frohlich AC, Castilhos RM,<br />
Dallalba CC, Mesquita JB, Chaves MLF, Nasi LA. Thrombolysis for<br />
acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre<br />
Clinical Hospital.<br />
Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.<br />
1. Neurologista vascular da Unidade Vascular do Hospital de Clínicas<br />
de Porto Alegre e do Instituto de Medicina Vascular do Hospital Mãe<br />
de Deus (HMD).<br />
2. Residente do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.<br />
3. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.<br />
4. Chefe do Serviço de Emergência e da Unidade Vascular do Hospital<br />
de Clínicas de Porto Alegre.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Sheila Cristina Ouriques Martins.<br />
Rua Engenheiro Olavo Nunes, 99/703<br />
CEP 90440-170, Porto Alegre, RS<br />
Recebido em: 24/04/2007<br />
Revisão: 25/04/2007 a 18/09/2007<br />
Aceito em: 19/09/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
219<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:219–225
INTRODUÇÃO<br />
Frente ao impacto sócio-econômico mundial<br />
que a doença vascular representa como causa crescente<br />
de morte e incapacidade permanente, uma<br />
atenção especial tem sido dada ao seu atendimento. O<br />
Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a primeira causa<br />
de morte no Brasil, correspondendo a 30% dos óbitos.<br />
As doenças vasculares são a terceira causa de hospitalização<br />
na rede pública (10% das hospitalizações) 1 .<br />
Com as evidências de que o atendimento rápido<br />
e especializado diminui a morbimortalidade das<br />
doenças vasculares agudas, julgamos necessário organizar<br />
o seu atendimento no Serviço de Emergência<br />
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital<br />
público universitário. Foi criada uma Unidade<br />
Vascular (UV) em dezembro de 2005, com cinco leitos<br />
ocupando um espaço físico específico, destinada<br />
ao atendimento de pacientes com suspeita de AVC,<br />
síndrome coronariana aguda, síndromes aórticas<br />
agudas e tromboembolismo pulmonar.<br />
Relatamos aqui a experiência de um ano do<br />
atendimento agudo do AVC isquêmico nesta unidade,<br />
além de sua estruturação e organização dentro<br />
de um Hospital Escola com atendimento a pacientes<br />
do Sistema Único de Saúde (SUS).<br />
MÉTODO<br />
Organização pré atendimento<br />
Antes de iniciarmos o tratamento dos pacientes<br />
com AVC isquêmico com trombólise, medidas<br />
importantes foram tomadas para tornar possível este<br />
tipo de terapia no Hospital de Clínicas.<br />
Equipe de AVC (Stroke Team)<br />
A equipe de AVC foi formada no início de<br />
2005, antes da criação da UV, com o seguinte intuito:<br />
1. Estabelecer os protocolos de tratamento e o<br />
fluxograma de atendimento (figura 1) aos pacientes<br />
com AVC isquêmico agudo.<br />
2. Treinar as equipes de médicos emergencistas<br />
e de enfermagem do Serviço de Emergência, os<br />
residentes da clínica médica e da neurologia quanto<br />
ao reconhecimento de pacientes com AVC; a utilização<br />
das escalas de AVC do NIH (National Institute<br />
of Health Stroke Scale) e de Rankin modificada; a<br />
detecção de sinais precoces de isquemia na tomografia<br />
computadorizada (TC) de crânio e a utilização do<br />
protocolo de AVC.<br />
3. Estabelecer indicadores de qualidade no<br />
atendimento agudo do AVC.<br />
original<br />
4. Criar banco de dados para armazenamento<br />
prospectivo dos casos.<br />
A equipe de AVC do Hospital de Clínicas é<br />
formada por 2 neurologistas com mais de 4 anos de<br />
experiência no tratamento trombolítico do AVC isquêmico<br />
e encontra-se disponível 24 horas por dia,<br />
7 dias por semana. A partir de agosto de 2006, a<br />
equipe de AVC passou a contar também com os residentes<br />
do serviço de neurologia, que começaram<br />
o treinamento no início de 2006 para atendimento<br />
do AVC isquêmico agudo e já encontram-se capacitados<br />
para selecionar os pacientes candidatos a<br />
tratamento, avaliar sinais precoces na tomografia e<br />
administrar rtPA endovenoso com segurança. Todos<br />
os pacientes são acompanhados pela equipe de AVC<br />
desde o atendimento agudo até a alta hospitalar, sendo<br />
seguidos depois ambulatorialmente.<br />
Padronização do rtPA<br />
A padronização do Ativador do plasminogênio<br />
tecidual recombinante (rtPA) no Hospital de Clínicas<br />
foi realizada em janeiro de 2006. Como o SUS<br />
ainda não paga essa medicação para o tratamento<br />
do AVC, o Hospital se responsabilizou pelos custos<br />
do mesmo, para que fosse possível o cumprimento<br />
do protocolo hospitalar.<br />
Hospital de Clínicas de Porto Alegre<br />
É um hospital geral e universitário, com 749<br />
leitos, com um Serviço de Emergência que atende<br />
aproximadamente 6.000 pacientes do SUS por<br />
mês. Para possibilitar o tratamento do AVC agudo,<br />
em 2005 a emergência passou por uma reestruturação<br />
física, com a criação de uma Unidade Vascular<br />
(figura 2), e por uma reestruturação logística,<br />
com a criação de um novo método de triagem baseado<br />
em critérios de risco visando diminuir dentro<br />
da emergência os pacientes que poderiam ser<br />
atendidos nos postos de saúde. Esse novo sistema<br />
de triagem entrou em funcionamento em agosto<br />
de 2005 e foi premiado em Brasília em 28 de março<br />
de 2007 no 11 o Concurso Inovação na gestão<br />
Pública Federal da Escola Nacional de Administração<br />
Pública (ENAP). Dos 56 trabalhos inscritos,<br />
o trabalho “Como um protocolo de classificação<br />
de risco pode qualificar o encaminhamento dos<br />
pacientes na emergência do Hospital de Clínicas<br />
de Porto Alegre” foi premiado com o quinto lugar.<br />
A Unidade Vascular passou a funcionar em de 28<br />
de dezembro de 2005, com 5 leitos exclusivos para<br />
o atendimento do paciente com doença vascular<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:219–225 220
original<br />
Figura 1.<br />
aguda: AVC, síndrome coronariana aguda, síndromes<br />
aórticas agudas e tromboembolismo pulmonar.<br />
Os pacientes são triados pelo enfermeiro<br />
e, se houver suspeita de doença vascular, são classificados<br />
como de alto risco (identificados pela cor<br />
vermelha), recebendo atendimento priorizado,<br />
sendo imediatamente encaminhados para a Unidade<br />
Vascular.<br />
Triagem dos pacientes com suspeita de AVC<br />
A equipe de enfermagem foi treinada para reconhecer<br />
os principais sinais de alerta do AVC: fraqueza<br />
ou dormência súbita na hemiface, na perna ou no<br />
braço; súbita dificuldade para falar ou compreender a<br />
fala; súbita alteração visual: visão dupla, perda de visão<br />
em um ou ambos os olhos; dor de cabeça intensa, diferente<br />
da usual; perda súbita do equilíbrio ou tontura.<br />
221<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:219–225
Após o reconhecimento, é determinado o tempo<br />
de início dos sintomas e encaminhado para Unidade Vascular.<br />
Todo paciente com AVC isquêmico agudo é considerado<br />
um potencial candidato à terapia trombolítica<br />
(idealmente dentro de 3 horas do início dos sintomas).<br />
Unidade Vascular<br />
Imediatamente, o médico residente ou o emergencista<br />
de plantão avalia o paciente, confirma o tempo de<br />
início dos sintomas e se desencadeia o protocolo de AVC:<br />
1. Aciona o neurologista vascular,<br />
2. Solicita laboratório (TP, KTTP, plaquetas,<br />
hemograma e bioquímica),<br />
3. Solicita TC de crânio sem contraste.<br />
Após a coleta de sangue, o paciente é levado<br />
à radiologia, acompanhado pelo residente. O neurologista<br />
vascular, após avaliação do paciente, da TC<br />
e dos exames de sangue, inicia a trombólise EV na<br />
UV. O paciente estável pós-trombólise permanece<br />
de 36 a 72 horas monitorizado na UV, sendo depois<br />
transferido para um leito de enfermaria. Apenas os<br />
pacientes mais graves, que não recanalizam ou apresentam<br />
complicações, são transferidos para a Unidade<br />
de Tratamento Intensivo (UTI).<br />
Foram elaborados termos de compromisso para<br />
a realização prioritária dos exames na radiologia e no<br />
laboratório. Esses serviços respondem prontamente<br />
assim que são acionados pelo protocolo de AVC.<br />
Protocolo de Tratamento<br />
O protocolo de tratamento com rtPA EV para<br />
o AVCI dentro de 3 horas do início dos sintomas segue<br />
as recomendações da American Stroke Association<br />
2 . É administrada a dose de 0,9 mg/kg de rtPA,<br />
com 10% em bolus em 1 minuto e o restante em<br />
infusão de 1 hora (no máximo 90 mg).<br />
original<br />
A partir de 2004, com a publicação da análise<br />
combinada dos ensaios clínicos ATLANTIS, ECASS,<br />
e NINDS 3 , que mostrou benefício do tratamento além<br />
da janela de 3 horas, começamos a utilizar tratamento<br />
EV também para alguns pacientes selecionados com<br />
início dos sintomas entre 3 e 5 horas.<br />
O protocolo de tratamento foi aprovado pela<br />
comissão de protocolos do Hospital de Clínicas e o<br />
projeto de seguimento dos pacientes com AVC isquêmico<br />
numa coorte foi aprovado pelo comitê de<br />
ética do hospital.<br />
RESULTADOS<br />
De janeiro a dezembro de 2006 foram atendidos<br />
236 pacientes com AVC isquêmico agudo na Unidade<br />
Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Desses,<br />
36 receberam tratamento trombolítico, conferindo<br />
uma elegibilidade para o tratamento de <strong>15</strong>%, com uma<br />
média de 3 pacientes tratados por mês.<br />
A média de idade foi 66 anos (24–89 anos),<br />
53% eram mulheres e 89% brancos. Dos fatores de<br />
risco, 86% eram hipertensos, 39% diabéticos, 31%<br />
fibrilados, 35% cardiopatas, 36% tinham AVC isquêmico<br />
prévio e 70% tinham doença aterosclerótica<br />
grave. O subtipo de AVC mais comum foi aterotrombótico<br />
de grandes vasos (50%), seguido pelo<br />
cardioembólico (38%). Nenhum paciente tinha AVC<br />
lacunar. O tempo médio do início dos sintomas até a<br />
chegada na emergência foi de 96 minutos.<br />
O tempo do início dos sintomas até o tratamento<br />
com rtPA foi de 169 ± 43 minutos. O tempo<br />
entre a chamada e a chegada do neurologista vascular<br />
foi de 16 ± 11 minutos, o tempo porta-tomografia<br />
28 minutos e o tempo porta-agulha 74 minutos (45%<br />
dos pacientes foram tratados dentro de 60 minutos<br />
da chegada ao hospital).<br />
Figura 2. A. Sala de Observação antes da reestruturação da Emergência. B. Unidade Vascular (criada pós reestruturação).<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:219–225 222
original<br />
Figura 3. Independência funcional (escore de Rankin modificado 0–2) em 3 meses de acordo com o NIH da chegada.<br />
O escore médio do NIHSS na chegada foi<br />
de 12 ± 5 (4–22), na alta de 2,8 ± 5 e em 3 meses<br />
2,6 ± 5. Em 3 meses, 61% dos pacientes apresentaram-se<br />
com mínimo ou nenhum déficit neurológico<br />
(NIHSS 0–1) e 67% tinham independência funcional<br />
(Rankin modificado 0–2). Dos pacientes que chegaram<br />
ao hospital com escore NIHSS baixo (entre<br />
0 e 5), 100% ficou sem déficit neurológico enquanto,<br />
daqueles que chegaram com NIHSS alto (acima<br />
de 20), nenhum ficou sem déficit (figura 3). A figura<br />
4 demonstra a porcentagem de pacientes em cada<br />
categoria do NIH na chegada ao hospital e após 3<br />
meses. Na chegada, 24% dos pacientes tinha NIH<br />
elevado (> <strong>15</strong>) enquanto em 3 meses apenas 11%<br />
tinha o desfecho combinado de NIH > <strong>15</strong> ou óbito.<br />
Hemorragia intracraniana sintomática ocorreu<br />
em 4 pacientes. A mortalidade foi de 8%, com apenas 1<br />
óbito relacionado a sangramento pelo rtPA. Os outros 2<br />
óbitos foram relacionados a infarto extenso secundário<br />
à oclusão do T carotídeo sem recanalização e a sepse.<br />
Todos os pacientes que tiveram sangramento<br />
cerebral sintomático eram mulheres, o escore do NIH<br />
inicial era quase 2 vezes maior que o escore do grupo<br />
sem sangramento (17,2 x 9,7; p = 0,006), tinham<br />
uma média de idade 13 anos maior (78 x 65 anos, p =<br />
0,049) e as pressões arteriais sistólicas pré-trombólise<br />
eram maiores (PAS <strong>15</strong>8 ± 20 x 145 ± 25). O grupo<br />
que teve sangramento foi tratado mais precocemente<br />
(tempo sintomas até rtPA 135 x 172 minutos).<br />
O tempo de internação foi de 8,5 dias (mediana),<br />
variando de 1 a 119 dias. Apenas 7 pacientes (19%)<br />
necessitaram transferência para o CTI. Os demais foram<br />
tratados na Unidade vascular durante a fase aguda<br />
e depois receberam alta para o domicílio (<strong>15</strong> pacientes)<br />
ou foram transferidos para unidade de internação.<br />
Cinco pacientes tinham 80 anos ou mais. Esse<br />
grupo também apresentou evolução favorável com o<br />
rtPA, apesar de menos expressiva que o grupo mais jovem<br />
(40% obtiveram escore NIH 0–1 e 60% independência<br />
funcional em 3 meses). Apenas 1 paciente teve sangramento<br />
cerebral sintomático (não fatal) e 1 paciente foi a<br />
óbito nesse grupo (devido a infarto extenso secundário à<br />
oclusão do T carotídeo). Essas diferenças não atingiram<br />
significância estatística, certamente devido ao pequeno<br />
número de pacientes no grupo mais idoso.<br />
DISCUSSÃO<br />
A trombólise no AVC isquêmico é comprovadamente<br />
efetiva quando realizada dentro dos protocolos,<br />
mesmo em hospitais públicos universitários,<br />
onde existe um número maior de pacientes e médicos<br />
ainda em formação.<br />
A taxa de elegibilidade na maioria dos hospitais<br />
norte-americanos geralmente é menor que 5% 4 . Nossa<br />
taxa de elegibilidade de <strong>15</strong>% demonstra que um<br />
serviço público organizado pode tratar um número de<br />
pacientes semelhante aos melhores centros de AVC.<br />
Com a modificação dos critérios de triagem dos pa-<br />
223<br />
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cientes com AVC, identificamos uma demanda reprimida<br />
de pacientes que chegavam na janela terapêutica<br />
mas eram perdidos dentro da rotina de espera do<br />
SUS. No primeiro mês de funcionamento da Unidade<br />
Vascular foram tratados 5 pacientes com rtPA.<br />
Os pacientes atendidos no Hospital de Clínicas<br />
têm mais co-morbidades que os pacientes de<br />
outras séries 4-6 , com maior freqüência de diabete, fibrilação<br />
atrial, cardiopatia, AVC prévio e doença aterotrombótica<br />
grave. Nenhum paciente tratado teve<br />
AVC lacunar. Isso confirma estudos internacionais<br />
que verificaram que pacientes sem seguro saúde têm<br />
menos acesso aos cuidados ambulatoriais preventivos<br />
de doenças crônicas (por exemplo, hipertensão e<br />
dislipidemia) 7,8 e aderem menos aos medicamentos e<br />
modificação de hábitos quando prescritos 9,10 .<br />
Apesar de os pacientes terem mais doenças de<br />
base, uma proporção significativa ficou funcionalmente<br />
independente em 3 meses (67% dos casos) com excelente<br />
resposta ao tratamento. A taxa de sangramento<br />
sintomático foi maior que a do estudo NINDS (sem<br />
diferença estatística), mas semelhante ao subgrupo de<br />
pacientes mais graves demonstrados nos ensaios clínicos<br />
11 . Os pacientes que tiveram sangramento eram<br />
mais idosos (3 pacientes tinham mais que 75 anos) e<br />
tinham NIH mais elevado na chegada. Apesar disso,<br />
a mortalidade foi ainda menor que as dos ensaios clínicos<br />
(8% versus 17%). Em um estudo americano publicado<br />
recentemente, pacientes com AVC isquêmico<br />
sem seguro saúde têm uma chance maior de sair<br />
com seqüelas da hospitalização e 56% mais chance de<br />
morrer que o grupo com seguro saúde 12 .<br />
original<br />
O tratamento nos idosos demonstrou benefício<br />
menor que nos pacientes mais jovens, mas 60%<br />
dos idosos apresentaram-se com independência funcional<br />
em 3 meses, confirmando que esse grupo não<br />
deve ser negligenciado.<br />
A média de tempo do início dos sintomas até o<br />
tratamento (169 ± 45 minutos) foi maior que a maioria<br />
das séries de trombólise, com um tempo porta-agulha<br />
semelhante aos demais centros (74 minutos) 4-6 , o que<br />
sugere que os pacientes que chegam aos hospitais públicos<br />
demoram mais para procurar atendimento.<br />
A criação da Unidade Vascular possibilitou<br />
um local seguro para o tratamento e monitorização<br />
dos pacientes trombolisados, com necessidade de<br />
transferência para o CTI em apenas 19% dos casos,<br />
o que possibilita a diminuição do custo da internação.<br />
Muitos pacientes ficaram somente na Unidade<br />
Vascular com alta precoce (em 3 a 5 dias) desse local<br />
para o domicílio (42%), demonstrando que a melhora<br />
mais rápida dos pacientes com AVC diminui a necessidade<br />
de hospitalização prolongada.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A utilização de protocolos de AVC agudo em<br />
hospitais universitários permite a formação de novos<br />
médicos, principalmente neurologistas, capacitados<br />
para tratar esses pacientes sem medo e com a mesma<br />
convicção de quem trabalha hoje para divulgar a<br />
trombólise no Brasil.<br />
Seguimos na luta para que mais hospitais possam<br />
ser preparados para oferecer tratamento trombolítico<br />
aos pacientes, vencendo o preconceito com<br />
Figura 4. Evolução do déficit neurológico em pacientes tratados com trombólise endovenosa (categorias de escore do NIH inicial e em 3 meses).<br />
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original<br />
a doença, que ainda é considerada uma fatalidade<br />
sem tratamento por muitos médicos, e vencendo as<br />
barreiras de falta de rtPA nesses hospitais, que ainda<br />
aguardam a padronização pelo SUS.<br />
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225<br />
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evisão<br />
Lesões nervosas periféricas: uma revisão<br />
Peripheral Nerve Injury: A Review<br />
Rinaldo Siqueira 1<br />
RESUMO<br />
Lesões de nervos periféricos são comuns, mas o sucesso no tratamento<br />
irá depender de alguns fatores como: idade, a ferida propriamente<br />
dita, reparo do nervo, nível da lesão, e período transcorrido<br />
entre lesão e reparo. As lesões são classificadas em três tipos descritas<br />
por Seddon: neuropraxia, axonotmesis e neurotmesis. Após a transecção<br />
completa o corpo do neurônio sofre mudanças estruturais e<br />
funcionais e o axônio passa por um processo de degeneração, seguido<br />
por uma tentativa de regeneração. Um cone de crescimento é<br />
formado para que os axônios cresçam em direção aos alvos, sendo<br />
guiados pelos fatores de crescimento neurotróficos. Vários estudos<br />
têm sido realizados para desvendar os segredos das células gliais na<br />
regeneração axonal periférica. Diferentes técnicas cirúrgicas têm<br />
sido utilizadas na tentativa de direcionar os axônios em busca de<br />
seus alvos, que vão desde suturas simples até enxertos. A busca por<br />
melhores técnicas de reparo cirúrgico tem sido um desafio para a<br />
área clínica com o objetivo de se atingir a máxima perfeição no<br />
direcionamento dos axônios. Quando se tem uma l esão periférica<br />
além da perda funcional o mapa cortical referente à área lesada<br />
sofre alterações. Estudos na área da reabilitação têm sido realizados<br />
para buscar uma melhor efetividade no processo de recuperação<br />
funcional e sensorial, e velocidade na regeneração axonal.<br />
Unitermos: Nervos periféricos. Regeneração nervosa. Degeneração<br />
Walleriana. Fisioterapia. Estimulação elétrica.<br />
Recuperação de função fisiológica.<br />
Citação: Siqueira R. Lesões nervosas periféricas: uma revisão.<br />
SUMMARY<br />
Peripheral nerve injuries are common, but the treatment success<br />
will only depend on some factors such as: age, the wound<br />
itself, nerve repair, level of the injury, and period between<br />
injury and repair. They are classified in three types described<br />
by Seddon as: neuropraxia, axonotmesis, and neurotmesis.<br />
After complete axonal transection, the body neuron undergoes<br />
structural and function changes, and axon passes for a<br />
degenerative process, followed by attempts at regeneration.<br />
A growth cone is formed so that the axon grows towards leading<br />
targets by neurotrophics growth factors. Several studies<br />
have been done to better understanding the Glial cells at the<br />
peripheral axonal regeneration. Different surgery techniques<br />
have been applied attempting to lead the axons towards its<br />
targets that undergo from simple sutures to grafting. The search<br />
for better techniques of surgical repair has been a challenging<br />
to clinical area aiming the optimal performance at<br />
axon direction. When one has a peripheral injury, besides the<br />
functional, loss the cortical map referred to the injured area<br />
undergoes changes.<br />
Keywords: Peripheral nerves. Nerve regeneration. Wallerian<br />
degeneration. Physical therapy. Electric stimulation. Recovery<br />
of function.<br />
Citation: Siqueira R. Peripheral Nerve Injury: A Review.<br />
Trabalho realizado na UNIMEP.<br />
1. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurológica - Adulto,<br />
UNIMEP.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Rinaldo Siqueira<br />
R. Ayrton Armbruster, 200<br />
CEP 13482-214, Limeira/ SP<br />
E-mail: rinaldo_siqueira@yahoo.com.br<br />
Recebido em: 11/05/2006<br />
Revisão: 12/05/2006 a 23/01/2007<br />
Aceito em: 24/01/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233 226
evisão<br />
INTRODUÇÃO<br />
As teorias das lesões nervosas periféricas, assim<br />
como técnicas de reparo, possuem uma longa<br />
história. O primeiro a distinguir nervos e tendões foi<br />
Galeno (130–200 d.C.). O avanço nos estudos sobre<br />
lesões nervosas periféricas se deu nas guerras civis e<br />
na Segunda Guerra Mundial, em que Mitchell resumiu<br />
suas observações clínicas a respeito das lesões<br />
nervosas periféricas e incluiu suas descrições de causalgia,<br />
ou dor em queimadura. Sir Herbert Seddon e<br />
Barnes Woodhall estudaram as cirurgias realizando<br />
enxertos de ponte em lesões nervosas periféricas e,<br />
após a Segunda Guerra Mundial, Sir Sidney Sunderland<br />
resumiu a anatomia interna detalhada dos<br />
nervos 1 . As classificações das lesões comumente utilizadas<br />
na prática clínica seguem as estabelecidas por<br />
Seddon em 1975, que são as neuropraxias, axonotmeses<br />
e as neurotmeses 2,3 .<br />
Após uma lesão por esmagamento ou transecção,<br />
as fibras distais à lesão sofrem degeneração por<br />
meio de um processo conhecido como degeneração<br />
Walleriana 4 . Quando a lesão for do tipo neurotmese<br />
com espaços entre cotos maiores do que 5 cm, fazse<br />
necessária a utilização de reparos cirúrgicos. O<br />
método clássico utilizado é a sutura, sendo a sutura<br />
epineural a mais tradicional. Outras técnicas como<br />
enxerto de nervo e enxerto de músculo também podem<br />
ser utilizadas para o reparo cirúrgico 1,5,6 . A lesão<br />
axonal não somente induz a fraqueza do músculo, a<br />
perda de sensação e dores neuropáticas, como também<br />
alterações no mapa cortical somatossensorial 7,8 .<br />
Logo após o reparo cirúrgico, torna-se necessário<br />
iniciar uma cuidadosa mobilização para uma melhor<br />
recuperação funcional, e o quanto antes se iniciar a<br />
reeducação sensorial, melhores serão os resultados e<br />
menor será a desorganização do mapa cortical 9,10 .<br />
Dada a importância do tempo na recuperação<br />
funcional após uma lesão nervosa periférica, diferentes<br />
estudos têm sido conduzidos para melhor obter<br />
ou acelerar a recuperação do nervo periférico lesado,<br />
além de se evitar desajustes no córtex cerebral.<br />
Portanto, foi realizado um levantamento bibliográfico<br />
referente ao tema, com o objetivo de dar um<br />
subsídio maior aos profissionais.<br />
MÉTODO<br />
Foram selecionados livros e artigos publicados<br />
em revistas internacionais e nacionais sobre o assunto,<br />
priorizando os estudos realizados nos últimos 20<br />
anos e indexados nas seguintes bases de dados: Medline,<br />
PubMed, Scielo, Lilacs e Bireme.<br />
REVISÃO DA LITERATURA<br />
Anatomia do Nervo Periférico<br />
Os nervos periféricos são cordões esbranquiçados<br />
subdivididos em 3 componentes importantes:<br />
axônios, células de Schwann e tecido conjuntivo 2 . Os<br />
axônios dos nervos periféricos são agrupados em feixes<br />
paralelos, conhecidos como fascículos, revestidos<br />
por bainhas de tecido conjuntivo frouxo, que fornece<br />
suporte à regeneração axonal. O tecido que reveste<br />
cada axônio individualmente é o endoneuro, possui<br />
matriz de colágeno frouxo, onde as fibras de colágeno<br />
irão formar as paredes de proteção dos tubos<br />
endoneurais. Os feixes de axônios são revestidos pelo<br />
perineuro, separando as fibras nervosas em fascículos,<br />
e contendo fibroblastos, macrófagos, mastócitos,<br />
linfócitos e adipócitos. Dentro dos feixes, as fibras são<br />
envolvidas pelo neurilema (bainha de Schwann). Ao<br />
redor do neurilema há tubos endoneurais constituídos<br />
por redes delicadas de fibrilas, associadas com uma<br />
substância intercelular amorfa. O tecido que reveste<br />
todo o tronco nervoso e que tem como função proteger<br />
os fascículos de tramas externas é denominado<br />
epineuro, constituído de tecido conjuntivo frouxo<br />
que se estende ao longo de todo o nervo 2,11 .<br />
Os axônios são isolados eletricamente pelo<br />
próprio endoneuro e por um complexo lipoprotéico<br />
denominado bainha de mielina. Esta é formada por<br />
células provindas da crista neural, que são conhecidas<br />
como células de Schwann. Essas células possuem<br />
a função crítica de suporte axonal regenerativo, servindo<br />
de via de crescimento para as fibras nervosas 2 ,<br />
além de servirem de isolantes elétricos para uma<br />
melhor condução dos impulsos nervosos. Na falta<br />
deste, o impulso é mais lento 12 . Os nervos periféricos<br />
são alimentados por artérias que entram no tronco<br />
nervoso procedentes de vasos sangüíneos vizinhos.<br />
A rede arterial é rica em vasos colaterais, tanto em<br />
torno como no interior dos próprios nervos. Resulta<br />
daí um sistema que apresenta resistência notável à<br />
isquemia que afeta os grandes vasos 11,12 .<br />
Tipos de Lesão<br />
De acordo com Seddon 13 , as lesões nervosas<br />
periféricas são classificadas em: a) Neuropraxia<br />
— lesão leve com perda motora e sensitiva, sem alteração<br />
estrutural; b) Axonotmese — é comumente<br />
vista em lesões por esmagamento, estiramento ou<br />
por percussão. Há perda de continuidade axonal e<br />
subseqüente degeneração Walleriana do segmento<br />
distal. Nesse tipo de lesão não ocorre perda de célula<br />
227<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233
de Schwann, e a recuperação irá depender do grau<br />
de desorganização do nervo e também da distância<br />
do órgão terminal; c) Neurotmese — separação<br />
completa do nervo, com desorganização do axônio<br />
causada por uma fibrose tecidual com conseqüente<br />
interrupção do crescimento axonal. A recuperação<br />
espontânea é pobre sem intervenção cirúrgica 2,3 .<br />
Além da classificação de Seddon 13 , há uma outra<br />
conhecida pouco utilizada na prática, a classificação<br />
de Sunderland 14 . Este refinou a classificação de<br />
Seddon dividindo-a em cinco tipos ou graus. A neuropraxia<br />
foi classificada como tipo I; já a axonotmese<br />
foi dividida em três tipos, que variam de acordo com<br />
o grau da lesão, enquanto que a neurotmese foi classificada<br />
como tipo 5. É raramente possível, através da<br />
classificação de Sunderland, classificar com exatidão<br />
uma lesão axonotmética com base em dados clínicos e<br />
eletromiográficos. O subtipo é geralmente discriminável<br />
pelo exame histológico da lesão do nervo 2,4 .<br />
Degeneração e Regeneração Nervosa Periférica<br />
Um dano severo no axônio leva à interrupção<br />
de sua integridade. Os axônios do coto proximal<br />
degeneram de maneira retrógrada até chegar ao<br />
próximo nódulo de Ranvier do local da lesão, criando<br />
uma pequena área de degeneração 4,<strong>15</strong> . As fibras<br />
distais à lesão sofrem degeneração em 48–96 horas<br />
após a transecção do nervo, por meio de um processo<br />
conhecido como degeneração Walleriana 4 . A degeneração<br />
Walleriana conduz à remoção e reciclagem<br />
axonal e do material mielínico-derivado e prepara o<br />
ambiente através do qual os axônios em regeneração<br />
irão crescer 7,16 . Lesões próximas ao corpo do neurônio<br />
podem levar à morte do corpo celular. Nas 2 a e<br />
3 a semanas após a lesão, com a instalação da degeneração<br />
Walleriana, iniciam-se mecanismos de mudanças<br />
no corpo celular, que podem ser estruturais e<br />
funcionais. Primeiro, ocorre aumento do volume do<br />
corpo celular, em seguida há um deslocamento do<br />
núcleo para a periferia, há uma dispersão dos corpúsculos<br />
de Nissl — Cromatólise 7,11 .<br />
No 2 o ou no mais tardar do 4 o ao 7 o dia, os<br />
macrófagos se acumulam no coto distal para realizar<br />
a remoção dos restos mielínicos em degeneração<br />
e, mais tarde, células de Schwann se proliferam<br />
para também desempenhar o papel de fagocitose <strong>15</strong> .<br />
A proliferação de células de Schwann no coto distal<br />
ocorre em 3 dias após a agressão axonal. Essa proliferação<br />
está associada com a produção de algumas<br />
substâncias difusas que podem atrair os axônios em<br />
crescimento. Mecanismos de orientação e regulação<br />
revisão<br />
do crescimento axonal são conhecidos como Neurotropismo<br />
ou Quimiotaxia 11 . Com a extrusão inicial<br />
da bainha de mielina, as células de Schwann são estimuladas<br />
a proliferarem e a dividirem-se no máximo<br />
em 3 dias, alinhando-se dentro do tubo de lâmina<br />
basal para formar as bandas de Büngner, que mais<br />
tarde irão fornecer um caminho para as fibras do<br />
nervo em regeneração 7 .<br />
Mudanças estruturais e funcionais ocorrem no<br />
coto proximal nos primeiros dias ou semanas após a<br />
transecção do tronco do nervo. Seus axônios passam<br />
a produzir um grande número de brotos colaterais e<br />
terminais, que irão competir entre si em busca de substâncias<br />
tróficas fornecidas pelos órgãos-alvo, que estão<br />
no coto distal e, por fim, realizar suas conexões. Ao nível<br />
distal de cada broto axonal, encontram-se filopódios<br />
ricos em actina, de onde surge uma protuberância chamada<br />
cone de crescimento. Devido ao excesso de brotos<br />
que invadem as colunas de Büngner, o número total<br />
de axônios no coto distal pode exceder ao número de<br />
axônios em crescimento. Com o tempo, esse número<br />
decai a partir do instante em que os brotos fazem suas<br />
conexões com os órgãos-alvo, devido a um fenômeno<br />
conhecido como repressão sináptica 11,17 . Em experimentos<br />
com animais, tem-se demonstrado que há um<br />
crescimento axonal de 2,0 a 3,5 mm/dia em lesões do<br />
tipo neurotmese e de 3,0 a 4,5 mm/dia nas do tipo axonotmese.<br />
Em humanos, a taxa de crescimento axonal<br />
não é linear, estima-se que a taxa de crescimento seja<br />
de aproximadamente 1 a 2 mm/dia 11 .<br />
Para que ocorra o crescimento do cone, fazse<br />
necessária a presença de substâncias que auxiliem<br />
na sobrevivência, extensão e maturação do axônio.<br />
Essas substâncias são os fatores de crescimento, que<br />
agem por meio de receptores específicos. Embora o<br />
fator de crescimento tenha um papel importante na<br />
regeneração axonal, a interação entre membrana da<br />
célula de Schwann e o cone de crescimento se dá<br />
pelas Moléculas de Adesão Celular (CAMS) 18 . O primeiro<br />
fator de crescimento identificado foi o Fator de<br />
Crescimento Nervoso (Nerve Growth Factor — NGF),<br />
que possui em sua família, denominada de neurotrofinas,<br />
outros fatores como: BDNF, NT-3, NT-4/5,<br />
NT-6, NT-7. Vale ressaltar a existência dos fatores de<br />
crescimento CNTF, MNGF e GDNF 4,19,20 .<br />
Num segundo estágio, como conseqüência<br />
da degeneração Walleriana, os músculos começam<br />
a diminuir de volume já na primeira semana, apresentando<br />
uma atrofia progressiva das fibras e uma<br />
substituição por tecido conjuntivo. Histologicamente,<br />
há um decréscimo no volume da fibra muscular<br />
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evisão<br />
de 80 a 90%. Ao contrário dos músculos, para os<br />
órgãos sensoriais não existe um tempo definido para<br />
a reparação sensorial. Os nervos sensoriais buscam<br />
seus órgãos-alvo (corpúsculos de Meissner, corpúsculos<br />
de Ruffini e células de Merkel) para realizarem<br />
suas reinervações 4 .<br />
Em animais, a remielinização inicia-se após<br />
8 dias com o axônio já regenerado e sendo inicialmente<br />
envolvido pelas células de Schwann e seus<br />
tubos endoneurais, os quais se enrolam e formam a<br />
mielina. A informação que determina se os axônios<br />
serão mielínicos ou não é dada pelo próprio axônio<br />
e, para que ocorra uma boa recuperação da função<br />
após a regeneração do nervo, os axônios precisam<br />
ser conectados com seus alvos originais 16 . Logo que<br />
retornam aos seus alvos, os axônios regenerados podem<br />
formar novas terminações nervosas funcionais.<br />
Finalmente, aqueles axônios que foram desmielinizados<br />
tornam-se remielinizados e o corpo cromatólico<br />
recupera sua aparência original 21 .<br />
Conseqüências da Lesão<br />
Lesão no tronco do nervo pode ter conseqüências<br />
funcionais e mudanças de vida para o indivíduo<br />
devido à perda sensorial e motora, dor e desconforto.<br />
As lesões podem também causar uma remodelação<br />
no mapa cortical somatossensorial 8,9 .<br />
Formações de fibroses em torno do nervo provocam<br />
perda de sua extensibilidade. Se um nervo desenvolver<br />
adesões, o movimento e o alongamento não<br />
serão possíveis 10 . Lesões no SNC e SNP, no qual rompe<br />
a comunicação entre os músculos esqueléticos e<br />
neurônios, levam a uma atrofia muscular progressiva,<br />
além de mudanças na composição das fibras musculares<br />
16,22 . A atrofia muscular é a mudança mais evidente<br />
após a lesão nervosa. Para Lundborg 11 , com a denervação<br />
do músculo rapidamente se tem atrofia. Após<br />
2 anos, as fibras podem fragmentar e desintegrar. No<br />
primeiro mês há uma perda no peso muscular de 30%<br />
a 60% no segundo mês e, com a atrofia muscular, essa<br />
perda chega de 60% a 80% em 4 meses 4 .<br />
Uma cicatriz extensa reduz a velocidade de<br />
regeneração e a probabilidade de encontrar os órgãos<br />
terminais, podendo até inervar órgãos errados.<br />
Se acontecer de ocorrer um neuroma, necessita-se<br />
de intervenção cirúrgica 3 .<br />
Reparo Cirúrgico<br />
Segundo Robinson 3 , a reconstrução cirúrgica<br />
é dividida em três fases: Imediata (1 mês); Demorada<br />
(3 a 6 meses) e Tardia (1 a 2 anos ou mais).<br />
No geral, não há necessidade de realizar enxerto<br />
em lesões com espaço entre os cotos menor que<br />
1,5 cm. Em humanos, os enxertos são sempre indicados<br />
em espaços entre cotos maiores que 5 cm 5 .<br />
O método clássico de reparo do nervo é a sutura,<br />
que pode ser reparo epineural, reparo de grupos<br />
fasciculares, reparo fascicular ou uma mistura<br />
desses métodos 1 . O método de sutura epineural é<br />
o mais tradicional, sendo de fácil realização e sem<br />
trauma, mas não assegura uma correta junção das<br />
estruturas internas fasciculares devido ao mau alinhamento<br />
destas 11 . Os enxertos de nervo também<br />
são utilizados para o reparo cirúrgico. Esse método<br />
foi proposto como escolha, quando a sutura do nervo<br />
não for possível sem uma tensão indevida 11 . Estes podem<br />
ser obtidos da mesma pessoa (autoenxerto), de<br />
outro ser humano (aloenxerto) ou de outra espécie<br />
(xenoenxerto). O nervo mais utilizado para enxerto é<br />
o nervo sural. Os enxertos são ligados aos fascículos<br />
correspondentes e suturados com monofilamento de<br />
nylon com suturas epineurais. Cola de fibrina pode<br />
ser usada para ligar os enxertos, principalmente enxertos<br />
de cabo, pois diminui o número de suturas e<br />
minimiza traumas adicionais ao enxerto 4 .<br />
Há vários tipos de enxerto de nervo: cabos,<br />
tronco e enxerto de nervo vascularizado, enxerto<br />
nervoso livre, enxerto de nervo interfascicular 4,10 .<br />
Quando o enxerto de nervo não é possível,<br />
um outro material a ser usado é o enxerto de músculo<br />
23 . A desvantagem da técnica é o local fornecedor<br />
de tecido, mas essa técnica pode ser adicionada ao<br />
arsenal dos cirurgiões no reparo do nervo periférico,<br />
especialmente para se construir uma ponte sobre lesões<br />
curtas ou quando os autoenxertos de nervos não<br />
puderem ser empregados 6 .<br />
Intercorrências após Reparo Cirúrgico<br />
As intercorrências mais comuns após reparo<br />
cirúrgico incluem: 1) neuroma doloroso no local doador<br />
de enxerto nervoso 4 ; 2) tensão na linha de sutura<br />
levando a um aumento na formação de tecido cicatricial<br />
e dificultando a regeneração axonal; 3) hematoma<br />
no local do enxerto, podendo destruir o enxerto, sendo<br />
necessária, nesse caso, uma revisão do reparo para<br />
evacuação do hematoma e inspeção do enxerto para<br />
eventualmente repetir o procedimento cirúrgico 10 .<br />
Atuação da Fisioterapia<br />
Apesar da capacidade de regeneração do sistema<br />
nervoso periférico e dos avanços da microcirurgia,<br />
a recuperação funcional é pobre devido aos<br />
229<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233
evisão<br />
caminhos inapropriados de reinervação axonal de<br />
nervos mistos. Não há consenso sobre o tempo exato<br />
para se iniciar o tratamento fisioterapêutico, entretanto<br />
alguns estudos mostram que uma intervenção<br />
precoce deve ser realizada para uma boa recuperação<br />
funcional e para se evitar atrofia muscular, neuromas,<br />
alterações no mapa cortical etc 24 .<br />
Millesi preconiza que após 8 dias do reparo cirúrgico<br />
deve-se iniciar uma cuidadosa mobilização e<br />
progredir ao longo das semanas seguintes 10 . Para alguns<br />
autores, o início do tratamento se faz necessário<br />
logo após o reparo cirúrgico. Al-Majed et al. 24 , em um<br />
estudo com estimulação elétrica de músculo denervado<br />
de rato, iniciaram o tratamento imediatamente após o<br />
reparo cirúrgico do nervo. Van Meeteren et al. 25 realizaram<br />
um treinamento com exercícios em músculos<br />
denervados de ratos por esmagamento no primeiro dia<br />
pós-operatório. Pachter e Eberstein 26 , em estudo com<br />
exercício passivo em músculo de rato denervado por esmagamento,<br />
iniciaram tratamento aproximadamente<br />
24 horas após a denervação ter sido realizada. Apesar<br />
de os estudos terem sido realizados com animais e não<br />
com humanos, sugere-se que a intervenção seja a mais<br />
precoce possível, sempre respeitando a equipe muldisciplinar<br />
envolvida no caso.<br />
Lee e Wolfe 4 relatam que, em uma extremidade<br />
denervada, os objetivos pré-operatórios são proteger<br />
e manter a amplitude de movimento, a fim de ser<br />
funcional quando reinervada. As talas são úteis para<br />
prevenir contraturas e deformidades. As mobilizações<br />
são necessárias enquanto se espera a regeneração axonal<br />
e ajudam a manter o fluxo sangüíneo e linfático e<br />
prevenir aderência do tendão. A extremidade deve ser<br />
mantida aquecida, pois a exposição ao frio danifica o<br />
músculo e leva a uma fibrose. Uma cuidadosa bandagem<br />
protege e limita a congestão venosa e o edema.<br />
A estimulação galvânica reduz a atrofia muscular e<br />
pode ser um benefício psicológico ao paciente durante<br />
a fase de recuperação prolongada, mas não está claro<br />
se obtém ou acelera a recuperação do nervo. Durante<br />
a recuperação motora inicial pode ser utilizada a<br />
piscina terapêutica para mobilizações articulares. O<br />
Biofeedback pode promover um input sensorial para<br />
facilitar a reeducação motora.<br />
Van Meeteren et al. 25 realizaram um estudo<br />
com treinamento através de exercícios, com o objetivo<br />
de promover a recuperação funcional e a velocidade<br />
de condução do nervo após lesão por esmagamento<br />
do nervo ciático do rato. O exercício teve início no 1 o<br />
dia pós-operatório (1 a fase após o esmagamento) e seguiu<br />
por 24 dias, sendo os animais induzidos ao treinamento<br />
por 24 horas. Os animais foram divididos<br />
em 2 grupos, sendo um grupo treinado e um grupo<br />
controle. Nas gaiolas dos animais a serem treinados<br />
foram colocadas garrafas de água suspensas induzindo<br />
os animais a se exercitarem levantando ao máximo<br />
ambas as patas dianteiras, ficando assim eretos<br />
sobre as patas traseiras para beberem água por 4<br />
horas ao dia. A recuperação motora foi monitorada<br />
através de uma análise de um padrão de marcha e a<br />
recuperação sensorial através de um teste de retirada<br />
da pata, aplicando corrente elétrica na planta da<br />
pata. Os autores concluíram que 4 horas de exercício<br />
diário suave aumenta a recuperação funcional na<br />
primeira fase após o esmagamento do nervo, e que<br />
o treinamento com exercícios acelera as respostas de<br />
brotamento do neurônio motor e diminui o tempo<br />
de latência (intervalo entre a lesão axonal e a resposta<br />
de brotamento), e que foi possível adquirir retorno<br />
da função sensório-motora. Seus efeitos persistiram<br />
numa fase tardia, mas ressalta-se a necessidade de se<br />
ter um cuidado com a carga de exercício imposta.<br />
Diferentes estudos têm sido conduzidos para<br />
melhor obter ou acelerar a recuperação do nervo<br />
periférico lesado.<br />
A fim de fornecer um retorno funcional, pesquisas<br />
apontam para o uso da estimulação elétrica no processo<br />
de acelerar a reinervação. Brushart et al. 27 realizaram<br />
um estudo no nervo femoral do rato com aplicação<br />
de estimulação elétrica a 20 Hz por 1 hora, onde foram<br />
explorados dois mecanismos: a sincronização da reinervação<br />
do coto distal e a velocidade de regeneração. Tal<br />
estudo concluiu que a estimulação elétrica promove o<br />
início da regeneração do axônio motor sem aumentar<br />
a sua velocidade. Para um bom resultado no reparo do<br />
nervo, inicia-se com a estimulação elétrica que recruta<br />
todos os motoneurônios através do reparo e segue-se<br />
com outros tratamentos para prolongar o crescimento<br />
axonal. Períodos prolongados desde a denervação até a<br />
reinervação diminuem a habilidade dos músculos em<br />
recuperar massa e força, mas a estimulação elétrica durante<br />
o período de denervação pode permitir a recuperação<br />
da função motora de acordo com a reinervação.<br />
Complicações secundárias à lesão, como a atrofia por<br />
desuso, podem ser prevenidas com a estimulação elétrica.<br />
Dow et al. 28 realizaram um estudo para avaliar o número<br />
necessário de contrações através de estimulação<br />
elétrica para manter massa e força do músculo denervado<br />
do rato. Os autores concluíram que protocolos de<br />
estimulação com contrações diárias de 200 a 800 mantiveram<br />
força, massa e tamanho de fibra iguais aos do<br />
músculo controle e foram designados como protocolos<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233 230
evisão<br />
essenciais para o músculo extensor longo dos dedos do<br />
rato. Al-Majed et al. 24 estimularam eletricamente nervos<br />
femurais de ratos, com o objetivo de validar o uso da estimulação<br />
elétrica como método clínico na recuperação<br />
funcional após transecção do nervo. Os animais foram<br />
estimulados por 2 semanas com eletrodos implantados,<br />
1 hora por dia com pulsos de 100 µs; 3 v a 20 Hz. O<br />
estudo mostrou que a estimulação elétrica acelerou o<br />
processo de regeneração e os axônios cresceram 25 mm<br />
dentro de 3 semanas, fazendo oposição aos axônios que<br />
não foram estimulados e que requeriam de 8 a 10 semanas<br />
para alcançar o mesmo comprimento.<br />
O tratamento do músculo denervado com estimulação<br />
elétrica ainda é controverso, muitas questões<br />
ainda precisam ser respondidas. Eberstein 29 realizou<br />
uma revisão de 25 anos sobre estimulação elétrica<br />
com achados de estudos em animais e humanos e<br />
relatou que ainda existe uma falta de consenso, devido<br />
ao fato de o músculo denervado ser complexo,<br />
variedade de características de estimulação, regime de<br />
treinamento e espécies usadas nos estudos, tornando<br />
as comparações difíceis. A atrofia muscular é a mudança<br />
mais drástica encontrada após a lesão e varia<br />
consideravelmente entre indivíduos da mesma espécie<br />
e entre músculos do mesmo indivíduo. A maioria das<br />
pesquisas com estimulação elétrica ocorre no músculo<br />
sóleo do rato e, para estes, diversas freqüências e tempo<br />
de estimulação foram usadas nos estudos. Nem todos<br />
os padrões de estimulação são igualmente efetivos<br />
na restauração de propriedades normais do músculo<br />
denervado. A eficácia da estimulação depende dos parâmetros<br />
e padrões de estimulação, onde os padrões<br />
incluem: amplitude do estímulo, duração do estímulo,<br />
freqüência do pulso, duração dos trens de pulso e<br />
o intervalo entre os trens, enquanto que o padrão de<br />
estimulação é o estímulo a uma dada freqüência e a<br />
duração do trem de pulso sobre um período de tempo<br />
fixado. O tempo necessário para se iniciar a estimulação<br />
elétrica em músculos denervados é logo após o<br />
início da denervação, com estimulação direta iniciada<br />
cerca de 1 dia aproximadamente depois da denervação<br />
para previnir atrofia muscular. Apesar das divergências<br />
quanto ao uso da estimulação, ainda se pode<br />
considerar como um procedimento útil para preservar<br />
ou restaurar as propriedades normais do músculo<br />
denervado. Mas o autor salienta a necessidade de se<br />
realizar pesquisas em humanos para definir os padrões<br />
apropriados de estimulação, assim como o tipo<br />
da corrente de estimulação e o local dos eletrodos.<br />
O laser de baixa freqüência é um dos métodos<br />
estudados para tentar acelerar o processo de<br />
recuperação das lesões dos nervos periféricos. Essa<br />
nova modalidade de tratamento tem recebido uma<br />
atenção crescente nas últimas décadas, por ter vários<br />
efeitos na função do nervo, crescimento e regeneração<br />
do tecido neural in vitro e in vivo. Anders et<br />
al. 30 estudaram os efeitos da irradiação do laser de<br />
baixa freqüência no nervo facial do rato em dois<br />
modelos de estudo: esmagamento e transecção. Os<br />
autores concluíram que o laser de baixa freqüência<br />
de HeNe aplicado ao primeiro modelo causou um<br />
retorno prévio da imunorreatividade da acetilcolina,<br />
gerando uma síntese de acetilcolina mais cedo,<br />
e também aumentou a taxa de regeneração por 2<br />
dias. No segundo modelo de estudo, o laser de baixa<br />
freqüência de HeNe demonstrou causar um aumento<br />
significante de α-CGRP (ácido peptídico), que é<br />
encontrado nos nervos motores e sensitivos, servindo<br />
como indicador para a regeneração após 11 dias. Os<br />
efeitos do laser foram relatados em outros estudos e<br />
locais de lesão, como no nervo ciático do rato e na<br />
regeneração do nervo periférico após reparo cirúrgico,<br />
nos quais observa-se uma resposta positiva ao<br />
laser de baixa freqüência.<br />
Após os reparos cirúrgicos dos principais troncos<br />
de nervo, há uma reorganização funcional rápida<br />
do cérebro caracterizada por uma mudança no mapeamento<br />
cortical, devido a uma incorreta reinervação.<br />
Na pós-lesão nervosa periférica, a sensibilidade<br />
do dedo pode estar perdida por até 6 meses até que<br />
ocorra a reinervação. Durante esse tempo, a representação<br />
cortical da mão é reorganizada em resposta<br />
aos eventos centrais durante o processo de aferenciação<br />
e reaferenciação. A reeducação sensorial é usualmente<br />
introduzida na fase de reabilitação após reparo<br />
do nervo, quando alguma percepção do toque<br />
possa ser vista na parte distal da mão. O treinamento<br />
utiliza-se de um toque guiado pela visão em várias<br />
sessões diárias e por longo período. Também inclui<br />
localização do toque, reconhecimento dos tamanhos<br />
e texturas dos objetos 8,9,31 .<br />
O ambiente enriquecido é fundamental para<br />
facilitar a reaprendizagem sensorial. Os fatores positivos<br />
à reaprendizagem são: atenção, coragem e<br />
diversão — a música também pode ter um papel importante<br />
no processo 9 . Recentemente foi apresentado<br />
um modelo para sensibilidade artificial, baseado<br />
na substituição do sentido, usando escutas como um<br />
substituto para a sensibilidade. Microfones-miniatura<br />
foram montados nos dedos de luvas. O som gerado<br />
pela ação do toque de várias estruturas (som de<br />
fricção) pode ser apanhado, amplificado e transposto<br />
231<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233
para estímulo acústico estereofônico. Com isso, torna-se<br />
possível treinar localização de diferentes dedos,<br />
identificação de diferentes texturas e usar o feedback<br />
alternado em AVD’s. Esse princípio é usado para<br />
fornecer inputs ao córtex sensorial no momento em<br />
que fibras de nervos em regeneração ainda não alcançaram<br />
seus alvos periféricos 31 .<br />
Rosén e Lundborg 32 propuseram um tratamento<br />
com espelhos na reeducação sensorial após reparo<br />
do nervo, antes de a mão se tornar reinervada. Em<br />
tal método, a observação do estímulo tátil aplicado na<br />
mão lesada pode, hipoteticamente, ativar os neurônios<br />
do córtex somatossensorial. O objetivo é preservar a<br />
representação cortical da mão lesada e reduzir ou inibir<br />
a profunda reorganização do córtex somatossensorial,<br />
já que, de outra forma, não ocorreria.<br />
Avaliação da recuperação motora/sensorial<br />
O sistema comumente utilizado para avaliar a<br />
recuperação motora e sensitiva do nervo é o desenvolvido<br />
pelo Medical Research Council (MRC), que<br />
gradua a recuperação motora em M0 a M5 e a recuperação<br />
sensorial em S0 a S4, com base no exame<br />
físico 4 . Para Rosén e Lundborg 8 , os princípios atuais<br />
de avaliação da recuperação após reparo do nervo,<br />
baseado no MRC, apresenta limitações. Sendo assim,<br />
um novo modelo de avaliação da sensibilidade<br />
tátil foi apresentado e um protocolo foi desenvolvido<br />
para permitir marcar numericamente o desenvolvimento<br />
da recuperação funcional. O teste é executado<br />
usando somente a polpa digital de um dedo para<br />
identificar formas e texturas, e este é aplicado em<br />
lesões de nervos ulnar e mediano.<br />
As medidas objetivas da recuperação sensorial<br />
incluem teste de densidade através do uso da discriminação<br />
de 2 pontos estático e móvel, e testes limiares<br />
através do uso dos filamentos de Frey ou Semmes-<br />
Weinstein. Para a função motora, é usado o dinamômetro<br />
de Jamar, onde se avalia a força de aperto 4 .<br />
Estudos eletrodiagnósticos podem ser úteis em<br />
detectar os primeiros sinais da reinervação do músculo,<br />
vários meses antes da contração muscular evidente<br />
clinicamente 2 .<br />
CONCLUSÃO<br />
As lesões nervosas periféricas levam a perdas<br />
sensoriais, dor e desconforto, e as perdas motoras causam<br />
paralisia e, por conseqüência, atrofia muscular,<br />
sendo esta a causa mais drástica em lesões nervosas<br />
periféricas, além de alterações no mapa somatossensorial.<br />
Para tanto, uma intervenção precoce, tanto<br />
revisão<br />
cirúrgica, quando necessário, quanto fisioterapêutica<br />
irá minimizar as conseqüências impostas pela lesão.<br />
Resultados funcionais melhores na reabilitação<br />
do nervo periférico podem ser obtidos através da<br />
ampliação dos conhecimentos das melhores atividades<br />
com exercício, dos padrões e parâmetros de eletroestimulação<br />
e dos meios de reabilitação sensorial<br />
pelos profissionais, facilitando, dessa forma, a seleção<br />
da técnica mais eficaz para cada caso.<br />
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Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:226–233
evisão<br />
Escalas clínicas e funcionais no<br />
gerenciamento de indivíduos com Lesões<br />
Traumáticas da Medula Espinhal<br />
Functional and clinical scales in management of individuals with Traumatic Injuries of<br />
Spinal Cord<br />
Marco Antonio Orsini Neves 1 , Mariana Pimentel de Mello 2 , Reny de Souza<br />
Antonioli 2 , Marcos R.G de Freitas 3<br />
RESUMO<br />
A utilização de perfis, medidas e indicadores de avaliação padronizados<br />
na avaliação e acompanhamento de indivíduos com<br />
deficiências e incapacidades decorrentes de lesões traumáticas da<br />
medula espinhal é consenso nas sociedades médicas e entidades especializadas<br />
de áreas afins. A dificuldade, entretanto, é selecionar<br />
uma classificação que permita uma avaliação específica do déficit<br />
neurológico e a mensuração do nível de independência funcional<br />
dos pacientes. Com tal objetivo o presente estudo utilizou a escala<br />
estabelecida pela Associação Americana de Lesões Medulares<br />
(ASIA) e associou-a a Medida de Independência Funcional (MIF),<br />
em um paciente com lesão traumática da medula espinhal por<br />
arma de fogo, dando enfoque a avaliação e o impacto da lesão<br />
medular nas atividades básicas e instrumentais de vida diária.<br />
Unitermos: Traumatismos da medula espinhal. Escalas.<br />
Avaliação.<br />
Citação: Neves MAO, Mello MP, Antonioli RS, Freitas MRG. Escalas<br />
clínicas e funcionais no gerenciamento de indivíduos com Lesões Traumáticas<br />
da Medula Espinhal.<br />
SUMMARY<br />
The use of profiles, measures and standardized pointers of evaluation<br />
in the evaluation and accompaniment of individuals<br />
with deficiencies and incapacities of traumatic injuries of the<br />
spinal marrow is consensus in the medical societies and specialized<br />
entities. The difficulty, however, is selecting a classification<br />
that allows an objective evaluation of neurological deficit<br />
and the establishment of the level of functional independence<br />
of patients. With such objective, it was used a scale established<br />
by the American Association of Marrow Injuries and Functional<br />
Independence Measure, in a patient victim of spinal cord<br />
injury by gunshot, focusing the evaluation and the impact of<br />
the marrow injury in basic and instrumental activities of daily<br />
life.<br />
Keywords: Spinal cord injuries. Scales. Evaluation.<br />
Citation: Neves MAO, Mello MP, Antonioli RS, Freitas MRG. Functional<br />
and clinical scales in management of individuals with Traumatic<br />
Injuries of Spinal Cord.<br />
Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense<br />
1. Fisioterapeuta, Professor Adjunto de Neurologia Clínica da Fundação<br />
Educacional Serra dos Órgãos – FESO, Teresópolis e Assistente<br />
Voluntário do Serviço de Neurologia (Setor de Doenças Neuromusculares),<br />
Universidade Federal Fluminense<br />
2. Graduandos em Fisioterapia e Estagiários do Serviço de Neurologia<br />
da Fundação Educacional Serra dos Órgãos, FESO, Teresópolis<br />
3. Professor Titular de Neurologia Clínica e Chefe do Serviço de<br />
Neurologia da UFF<br />
Endereço para correspondência:<br />
Marco Antonio Orsini Neves<br />
R. Prof. Miguel Couto, 322/1001<br />
CEP 24230240, Niterói-RJ<br />
tel 021 81257634<br />
E-mail: orsini@predialnet.com.br<br />
Recebido em: 05/06/2006<br />
Revisão: 06/06/2006 a 20/09/2006<br />
Aceito em: 21/09/2009<br />
Conflito de interesses: não<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239 234
evisão<br />
INTRODUÇÃO<br />
No Brasil, a incidência de lesões traumáticas<br />
da medula espinal vem aumentando consideravelmente<br />
nos últimos anos devido aos acidentes automobilísticos<br />
e episódios de violência, principalmente<br />
nos grandes centros urbanos 1,2 . A medula espinhal<br />
conduz impulsos para o encéfalo e que dele se originam.<br />
As várias vias aferentes e eferentes proporcionam<br />
um elo vital no controle do sistema nervoso<br />
central, portanto a lesão dessa estrutura irá resultar<br />
na perda parcial ou total da capacidade motora,<br />
sensibilidade, controle vaso-motor, esfincteriano,<br />
e função sexual 3 . O traumatismo raqui-medular<br />
(TRM) de etiologia penetrante, seja ele provocado<br />
por projétil de arma de fogo (PAF) ou objetos perfurantes,<br />
acarreta lesões geralmente associadas a um<br />
grave prognóstico neurológico. No momento em que<br />
o projétil atinge a coluna vertebral, provoca lesões<br />
primárias devido a traumas (mecânico e térmico) sobre<br />
as estruturas neurais e vasculares. Posteriormente,<br />
podem ser desencadeados eventos geradores de<br />
lesões secundárias, tanto por alterações isquêmicas<br />
como hiperêmicas sobre o tecido lesado 4-6 , levando<br />
a lesões muitas vezes irreversíveis sobre os elementos<br />
nervosos 4 .<br />
Os avanços ocorridos nas últimas décadas na<br />
medicina e o conseqüente aumento da sobrevida de<br />
indivíduos vítimas de TRM foram acompanhados<br />
de uma evolução no tratamento, que passou a objetivar<br />
a minimização das incapacidades e complicações<br />
e o retorno gradual dos indivíduos à sociedade 7,8 . A<br />
importância de normas uniformes para avaliação e<br />
classificação das lesões da medula espinhal (LME)<br />
com o propósito de uma melhor interação entre os<br />
profissionais e pesquisadores envolvidos com o paciente,<br />
têm sido reconhecida há pelo menos duas<br />
décadas 9,10 .<br />
A American Spinal Injury Association (ASIA)<br />
em parceria com a International Medical Society of<br />
Paraplegia (IMSOP) publicaram e validaram os “Padrões<br />
Internacionais para Classificação Neurológica<br />
e Funcional das Lesões Medulares”. Atualmente tal<br />
modelo é considerado de excelência na avaliação<br />
destes pacientes, possibilitando a comparação de<br />
achados clínicos entre serviços e pesquisadores de diferentes<br />
países e localidades. A ASIA/IMSOP aperfeiçoou<br />
também a escala de Frankel, desenvolvendo<br />
posteriormente um indicador de comprometimento<br />
referente ao tipo e gravidade das lesões 11 .<br />
A Medida de Independência Funcional é um<br />
instrumento que têm como objetivo a mensuração<br />
do nível de independência funcional dos indivíduos.<br />
A MIF serve para avaliar o impacto do TRM sobre<br />
as atividades de vida diária e vem ganhando espaço<br />
na preferência das equipes de reabilitação, pois demonstra<br />
através de uma pontuação específica a magnitude<br />
e o potencial incapacitante das lesões 12,13 .<br />
Escala de Classificação Neurológica da Lesão<br />
Medular (ASIA)<br />
Tal escala permite aos profissionais da área de<br />
saúde classificar a lesão medular dentro de uma extensa<br />
variedade de tipos, auxiliando-os a determinar<br />
o prognóstico e o estado atual dos pacientes. Apresenta<br />
dois componentes (sensitivo e motor), além de<br />
elementos obrigatórios e medidas opcionais. Os elementos<br />
obrigatórios são usados para determinar o<br />
nível neurológico, gerando uma contagem específica<br />
de pontos que servem para caracterizar o funcionamento<br />
(sensitivo-motor) e o tipo de lesão (completa<br />
ou incompleta). As medidas opcionais, ainda que<br />
não sejam utilizadas na contagem, podem adicionar<br />
dados à descrição clínica do paciente 11,12 .<br />
O termo lesão medular completa é utilizado<br />
quando existe ausência da função motora e sensitiva<br />
a partir do segmento lesado 11,12 . As lesões medulares<br />
incompletas ocorrem quando houver alguma função<br />
sensitiva e/ou motora abaixo do nível neurológico<br />
11,12 . A zona de preservação parcial (ZPP) referese<br />
aos dermátomos e miótomos localizados abaixo<br />
do nível neurológico que se mantêm parcialmente<br />
inervados 11,12 . O nível neurológico estabelecido pela<br />
ASIA refere-se ao segmento mais inferior da medula<br />
com sensibilidade e função motora normais em ambos<br />
os lados do corpo. Torna-se importante ressaltar<br />
que os segmentos com função normal podem ser freqüentemente<br />
diferentes em termos de sensibilidade<br />
e motricidade quando comparados bilateralmente.<br />
Quatro ou mais segmentos distintos podem ser identificados<br />
na determinação do nível neurológico. Nesses<br />
casos, geralmente cada um dos segmentos é separadamente<br />
marcado e não é utilizado apenas um<br />
“nível” para determinação do nível neurológico 11,12 .<br />
A porção requerida do exame sensitivo (sensibilidade<br />
ao toque leve e a agulhada) é preenchida<br />
através da avaliação de 28 dermátomos (lado direito<br />
e esquerdo do corpo). O teste para a sensibilidade<br />
dolorosa é realizado com uma agulha descartável,<br />
enquanto o toque leve é testado com algodão. O esfíncter<br />
anal externo também é testado para auxiliar<br />
na determinação do tipo de lesão (completa ou incompleta).<br />
O exame motor é completado através do<br />
235<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239
teste muscular manual de 10 miótomos específicos<br />
(lado direito e esquerdo do corpo) 11,12 .<br />
A escala de restrições da ASIA utiliza os<br />
achados do exame neurológico para classificar os tipos<br />
de lesão dentro de cinco categorias: A = Lesão<br />
Completa. Não existe função motora e sensitiva nos<br />
segmentos medulares abaixo da lesão, incluindo os<br />
segmentos sacrais; B = Lesão Incompleta. Sensibilidade<br />
(total ou parcialmente) preservada com extensão<br />
através dos segmentos sacrais S4-S5, sem função<br />
motora abaixo do nível neurológico; C = Lesão Incompleta.<br />
Função motora preservada abaixo do nível<br />
da lesão com a maior parte dos músculos-chave<br />
abaixo do nível neurológico apresentando um grau<br />
de força muscular menor que 3; D = Lesão Incompleta.<br />
Função motora preservada abaixo do nível da<br />
lesão com a maior parte dos músculos-chave abaixo<br />
do nível neurológico apresentando um grau de força<br />
muscular maior ou igual a 3; E = Função Normal.<br />
Função motora e sensitiva normais 6,9,11,14-16 . A escala<br />
ainda enumera algumas síndromes clínicas decorrentes<br />
de traumas medulares: Síndrome do Cordão<br />
Central, Síndrome da Cauda Eqüina; Síndrome da<br />
Artéria Espinhal Anterior; Síndrome de Brown-Sequard<br />
e Síndrome do Cone Medular 11,17-19 .<br />
Medida de Independência Funcional (MIF)<br />
A Medida de Independência Funcional é considerada<br />
a escala mais ampla em uso na reabilitação.<br />
O instrumento avalia 18 categorias pontuadas de um<br />
a sete e classificadas quanto ao nível de dependência<br />
para a realização de tarefas específicas. As categorias<br />
são agrupadas em seis dimensões: autocuidados,<br />
controle de esfíncteres, transferências, locomoção,<br />
comunicação e cognição social 20 . Cada dimensão é<br />
analisada pela soma de suas categorias referentes;<br />
quanto menor a pontuação, maior é o grau de dependência.<br />
Somando-se os pontos das dimensões<br />
da MIF obtém-se um escore total mínimo de 18 e o<br />
máximo de 126 pontos, que caracterizam os níveis<br />
de dependência pelos subescores 7,20 . Segundo alguns<br />
autores, a escala também oferece subsídios para uma<br />
ótima correlação entre a quantidade dos dados obtidos<br />
e a diversidade de profissionais envolvidos na<br />
mensuração dos mesmos, sendo considerado um instrumento<br />
confiável e sensível às mudanças relacionadas<br />
às habilidades de auto-cuidado, locomoção,<br />
intervenções cirúrgicas e pesquisas 17,21-24 .<br />
A MIF faz parte do Sistema Uniforme de Dados<br />
para Reabilitação Médica (SUDRM) e é amplamente<br />
utilizada e aceita como medida de avaliação<br />
revisão<br />
funcional internacionalmente 25 . No Brasil, teve sua<br />
tradução e reprodutibilidade da versão em 2001 por<br />
Riberto et al 26 . Sua natureza é multidimensional, podendo<br />
ser utilizada para trazer resultados quanto ao<br />
tratamento e como forma de planejamento terapêutico.<br />
O objetivo do presente estudo foi o de associar<br />
dois instrumentos de avaliação, a Medida de Independência<br />
Funcional e a Escala de Classificação Padrão<br />
de Lesões Medulares, e avaliar a aplicabilidade<br />
destes no gerenciamento e acompanhamento de um<br />
paciente vítima de traumatismo raqui-medular por<br />
arma de fogo.<br />
MÉTODOS<br />
O paciente foi submetido primeiramente a<br />
uma avaliação pela Escala de Classificação Padrão<br />
de Lesões Medulares, com duração aproximada de<br />
45 minutos. Testou-se o toque leve com algodão e<br />
a sensibilidade dolorosa com agulha descartável. Os<br />
resultados e a pontuação foram discutidos entre os<br />
integrantes do grupo. Após cerca de 30 minutos de<br />
pausa, a Medida de Independência Funcional foi<br />
aplicada e os resultados, preenchidos. Foram simuladas<br />
situações referentes aos itens específicos da escala<br />
para uma melhor certificação da pontuação final.<br />
Não houve necessidade de nenhum recurso especial<br />
além da aplicação dos instrumentos em questão. Todos<br />
os colaboradores envolvidos são profissionais/<br />
estagiários da área da saúde e foram treinados previamente<br />
para a aplicação das escalas. As demais informações<br />
necessárias para a pesquisa foram obtidas<br />
por meio de consulta ao prontuário. Um termo de<br />
consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo<br />
paciente.<br />
CASO<br />
R.D.L, sexo masculino, 30 anos, segurança de<br />
casa noturna, relata que em julho de 2002, após envolver-se<br />
em uma discussão, foi atingido por 3 projéteis<br />
de arma de fogo, sendo que um atingiu a região<br />
torácica. No momento do ocorrido, referiu sensação<br />
de queimação seguida de paralisia dos membros inferiores.<br />
Foi encaminhado para a emergência de um<br />
Hospital Estadual localizado na Zona Norte do Município<br />
do Rio de Janeiro, onde se constatou uma<br />
lesão traumática da medula espinhal a nível torácico.<br />
Na admissão, o quadro apresentado pelo paciente<br />
era de paralisia dos membros inferiores com função<br />
parcial de tronco.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239 236
evisão<br />
No primeiro semestre de 2006, deu entrada<br />
no Serviço de Reabilitação Física Aplicada a Pacientes<br />
Neurológicos anexado ao Curso de Fisioterapia<br />
da Fundação Educacional Serra dos Órgãos.<br />
Após avaliação neurológica baseada nos critérios<br />
estabelecidos pela Classificação Neurológica Padrão<br />
das Lesões Medulares, concluiu-se que o nível<br />
de lesão localizava-se no sexto segmento torácico<br />
da medula espinhal comprometendo parcialmente<br />
o tronco e completamente os membros inferiores.<br />
Abaixo do segmento afetado, o quadro clínico era<br />
marcado pela presença de anestesia (tátil e dolorosa)<br />
associada a uma paralisia dos miótomos correspondentes<br />
à escala.<br />
RESULTADOS<br />
O escore total apresentado relativo à sensibilidade<br />
superficial (tátil e dolorosa) foi 104/224, enquanto<br />
que a pontuação motora foi 50/100. O nível<br />
localizou-se em T6 (sensitivo) e T1 (motor). A lesão<br />
apresentada foi completa - ASIA: A (quadro 1).<br />
Na Medida de Independência Funcional, a<br />
pontuação apresentada foi de 85/126, justificando a<br />
necessidade de assistência ao paciente na realização<br />
de algumas atividades básicas e instrumentais de vida<br />
diária. Itens relativos a cuidados pessoais, controle<br />
esfincteriano, transferências, locomoção e cognição<br />
social (interação social) apontaram dependência modificada<br />
(quadro 2).<br />
DISCUSSÃO<br />
As deficiências e incapacidades advindas do<br />
Traumatismo Raquimedular (TRM) levam a tratamentos<br />
de alto custo e provocam alterações no estilo<br />
de vida dos pacientes devido às limitações funcionais<br />
24 . O aumento da expectativa de vida desses<br />
indivíduos fez com que o processo de reabilitação<br />
fosse para além da prevenção dos danos causados<br />
pela lesão medular, e objetivasse também a melhora<br />
da qualidade de vida e a independência funcional.<br />
R.D.L. passou a necessitar de auxílio para a realização<br />
de determinadas atividades básicas e instrumentais<br />
da vida diária. Atualmente, depende financeiramente<br />
dos pais, parentes e amigos próximos. Muitas<br />
atividades sociais que antes realizava de forma independente,<br />
após o trauma tornaram-se dificultadas ou<br />
mesmo impossíveis.<br />
A lesão da medula espinhal é uma das mais<br />
graves complicações que causam incapacidade no<br />
ser humano, pois provoca falência de uma série<br />
de funções vitais como: locomoção, sensibilidade,<br />
sexualidade, sistema urinário e intestinal e do sistema<br />
nervoso autônomo. Considerando ainda que<br />
as principais causas de lesão medular são as traumáticas<br />
e que a maioria da população atingida é<br />
constituída por jovens com idade inferior a 40 anos,<br />
podemos observar uma grave incapacidade que os<br />
acomete de forma abrupta, com repercussões físicas<br />
e psicológicas 27 .<br />
Quadro 1. Avaliação padronizada nos traumatismos raquimedulares 9 .<br />
237<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239
Quadro 2. Medida de Independência Funcional 20 .<br />
Um dos principais fatores envolvidos no prognóstico<br />
dos pacientes com lesão medular é a apresentação<br />
clínica na admissão, com as lesões completas<br />
apresentando baixo potencial de recuperação, enquanto<br />
que as lesões incompletas e, principalmente,<br />
lesões da cauda eqüina, um potencial de recuperação<br />
mais elevado 4,5,28 . Os traumas na região torácica são<br />
aqueles com o menor índice de recuperação, uma<br />
vez que neste nível o canal medular é mais estreito,<br />
possui menor suprimento sanguíneo e as lesões geralmente<br />
se apresentam como uma secção completa 4 .<br />
Embora a versão brasileira validada da Medida<br />
de Independência Funcional (MIF) tenha sido<br />
desenvolvida em 2000, estudos ainda são necessários<br />
como forma de corroborar seu uso na avaliação de<br />
brasileiros incapacitados, uma vez que peculiaridades<br />
socioculturais nacionais podem determinar um<br />
comportamento diverso dos dados fornecidos pelo<br />
instrumento 26 . A MIF forneceu resultados expressivos<br />
que corroboram com a realidade e magnitude<br />
da lesão. A pontuação motora de 85 pontos obtida<br />
pelo paciente nos forneceu uma idéia clara das deficiências<br />
e incapacidades apresentadas e do potencial<br />
incapacitante da lesão.<br />
A escassez de estudos entre medidas de observação<br />
do profissional e a percepção que não seja a<br />
do próprio paciente e a proximidade que deve existir<br />
revisão<br />
entre o profissional e o cuidador, geraram a necessidade<br />
de verificar se ambos compartilham da mesma<br />
realidade quanto às condições funcionais do paciente<br />
ou se existem padrões estereotipados de cuidados<br />
que promovam a dependência.<br />
Wijlhuizen & Ooijendijk 29 apontaram, por<br />
exemplo, que os pacientes relataram maior dependência<br />
em atividades funcionais do que a apresentada<br />
nos prontuários médicos, e que a tendência<br />
é que as análises de observação direta apresentem<br />
níveis mais baixos de incapacidade do que as análises<br />
subjetivas fornecidas pelos pacientes. Seel et al 30<br />
estudaram a concordância entre o comportamento<br />
neurológico após traumatismo cerebral observado<br />
pelo familiares e pelo próprio paciente, mostrando<br />
que ambos concordaram nas seis categorias do instrumento<br />
por eles utilizados, no caso a MIF. Houve<br />
diferença apenas na categoria comunicação, em que<br />
o paciente revelou ter maior dificuldade do que a<br />
percepção do familiar.<br />
Os resultados do presente estudo mostraram<br />
concordância excelente entre as medidas do profissional<br />
e do paciente em questão, com relação aos<br />
escores da MIF. Também sugerem que, quando<br />
utilizados instrumentos de validade e confiabilidade<br />
como a MIF e a Classificação Padrão de Lesões<br />
Medulares, a reprodutibilidade das medidas encontradas<br />
é grande, mesmo para diferentes formas de<br />
observação, tornando a utilização das informações<br />
mais seguras, seja por fonte direta ou mesmo indireta.<br />
Os critérios descritos pelos instrumentos e seu<br />
emprego possibilitam o uso dos dados em futuras<br />
pesquisas, tanto para comparar a evolução dos pacientes<br />
quanto para confrontar os resultados com os<br />
de outros autores.<br />
O paciente relatou que, a partir dos resultados<br />
fornecidos pelas escalas, passou a interpretar, conhecer<br />
e gerenciar com mais especificidade algumas<br />
complicações secundárias e incapacidades provocadas<br />
pela lesão. Além disso, considera-se mais participativo<br />
nas discussões da equipe multidisciplinar<br />
voltadas às suas expectativas funcionais e atividades<br />
de reabilitação.<br />
CONCLUSÃO<br />
Conhecer a apresentação dos pacientes com<br />
lesão medular em termos de independência funcional<br />
e padronizar a nomenclatura utilizada para<br />
descrever as lesões, permite aos serviços de reabilitação<br />
estruturar-se para atender às demandas dessa<br />
população de forma mais eficiente. Neste estudo, a<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239 238
evisão<br />
associação da Medida de Independência Funcional<br />
e da Classificação Padrão de Lesões Medulares se<br />
mostrou eficaz para esses objetivos, pois facilita e<br />
norteia a equipe multidisciplinar no estabelecimento<br />
de metas realistas de intervenção. O atendimento de<br />
reabilitação ao paciente com lesão medular deve ser<br />
o mais precoce possível, a fim de propiciar a aquisição<br />
de melhor desempenho em menor tempo e de<br />
forma mais apropriada.<br />
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239<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:234–239
Metástases na coluna vertebral<br />
revisão<br />
Spinal metastases<br />
Andrei Fernandes Joaquim 1 , Francisco Alexandre de Paula Maturana 1 ,<br />
Diogo Valli Anderle 1 , Hélder José Lessa Zambelli 2 , Marcos Vinícius Calfat<br />
Maldaun 3<br />
RESUMO<br />
As metástases para a coluna vertebral são comuns e constituem-se<br />
em uma emergência médica quando causam compressão<br />
da medula. A incidência das mesmas está aumentando,<br />
tendo em vista o aumento da sobrevida dos pacientes<br />
com câncer. Após revisão da literatura, destacamos pontos<br />
importantes quanto ao quadro clínico, exames subsidiários,<br />
indicações cirúrgicas e o papel das terapias adjuvantes no manejo<br />
destas lesões.<br />
Unitermos: Metástase neoplásica. Coluna vertebral.<br />
Citação: Joaquim AF, Maturana FAP, Anderle DV, Zambelli HJL,<br />
Maldaun MVC. Metástases na coluna vertebral.<br />
SUMMARY<br />
Metastases to the spine are a common manifestation of cancer.<br />
Metastatical spine involvement consists in a medical emergency<br />
when causing cord compression. The incidence of spinal metastases<br />
continues to increase, probably as result of increasing<br />
survival of patients with cancer. Based on literature review, we<br />
emphasized the most important aspects on clinical presentation,<br />
investigation, indications for surgical therapy and the role<br />
of adjuvant therapies on spinal column metastases.<br />
Keywords: Metastasis. Spine column.<br />
Citation: Joaquim AF, Maturana FAP, Anderle DV, Zambelli HJL, Maldaun<br />
MVC. Spinal Metastases.<br />
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de<br />
Ciências Médicas da Universidade de Campinas – UNICAMP.<br />
1. Médico Residente de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade<br />
de Ciências Médicas da Universidade de Campinas – UNICAMP.<br />
2. Médico Neurocirurgião, Coordenador do Serviço de Neurocirurgia<br />
do Hospital Estadual de Sumaré, UNICAMP.<br />
3. Médico Neurocirurgião, Hospital Estadual de Sumaré, UNICAMP<br />
e Posdoctoral Fellow em Neurocirurgia Oncológica – MD, Anderson<br />
Câncer Center, Universidade do Texas, Houston.<br />
4. Professor Titular e Chefe do Serviço de Neurologia, UFF.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Andrei Fernandes Joaquim<br />
Rua Pedro Vieira da Silva 144/11 Bloco F<br />
CEP 13080-570, Campinas, SP<br />
E-mail: andjoaquim@yahoo.com<br />
Recebido em: 29/01/2007<br />
Revisão: 30/01/2007 a 27/03/2007<br />
Aceito em: 28/03/2007<br />
Conflito de interesses: não<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245 240
evisão<br />
INTRODUÇÃO<br />
A coluna vertebral é o local mais comum de<br />
metástases ósseas 1 . Essas metástases constituem-se<br />
em emergência médica quando causam compressão<br />
da medula ou da cauda eqüina, requerendo pronto<br />
reconhecimento e tratamento específico.<br />
Falhas na suspeita do diagnóstico, em referenciar<br />
rapidamente o paciente ou na demora na instituição<br />
do tratamento são as principais causas de deterioração<br />
neurológica nos pacientes com metástases<br />
na coluna 2 . O presente artigo, baseado em revisão da<br />
literatura, tem como objetivo proporcionar maiores<br />
subsídios para o reconhecimento rápido dos sinais e<br />
sintomas de metástases na coluna, discorrendo sobre<br />
as principais formas de diagnóstico e de tratamento,<br />
suas indicações e contra-indicações.<br />
Epidemiologia<br />
Mais de 95% das metástases na coluna são<br />
extradurais, sendo que cerca de 5% das lesões são<br />
intradurais e menos de 0,5% intramedulares 3,4 .<br />
A compressão medular (CM) ocorre em 10 a<br />
<strong>15</strong>% dos pacientes com diagnóstico de metástases na<br />
coluna. Pode ser causada tanto pela compressão tumoral<br />
direta quanto pelo colapso de um corpo vertebral<br />
por invasão tumoral 5 . É uma emergência médica<br />
que requer pronto reconhecimento e tratamento,<br />
uma vez que pode resultar em déficit neurológico<br />
permanente 2 .<br />
Estima-se que mais de 10% dos pacientes com<br />
câncer desenvolverão algum grau de CM durante o<br />
curso da doença 6,7 . Entre as causas de CM, as metástases<br />
são mais freqüentes do que os tumores primários.<br />
As neoplasias primárias adquirem maior expressão<br />
epidemiológica em adultos jovens e crianças,<br />
sendo que o mieloma múltiplo é a causa de CM por<br />
neoplasia primária mais comum em adultos 8 .<br />
As neoplasias de coluna mais comuns são as<br />
metástases do adenocarcinoma de mama, de neoplasias<br />
pulmonares, de próstata, dos rins e dos tumores<br />
hematopoiéticos, destacando-se os linfomas e o<br />
mieloma múltiplo 9-13 . A maior freqüência dessas neoplasias<br />
pode ser explicada por possuírem maior prevalência<br />
na população geral e também pela maior<br />
predileção intrínseca das mesmas para a disseminação<br />
óssea. O diagnóstico geralmente ocorre no período<br />
em que a doença primária já é conhecida, mas<br />
cerca de 10% dos pacientes podem ter sinais de CM<br />
como primeira manifestação da neoplasia 14 .<br />
Estudos em autópsias demonstram que a distribuição<br />
das metástases extradurais se relaciona com<br />
o tamanho das vértebras, sendo mais prevalentes<br />
nas lombares, seguidas pelas torácicas e cervicais <strong>15</strong> .<br />
Porém, a compressão sintomática ocorre mais freqüentemente<br />
na coluna torácica (50–70%), seguida<br />
pela coluna cervical (10–30%) e, por fim, pela coluna<br />
lombo-sacra (20–30%) 5,14 , provavelmente pelo<br />
relativo pequeno diâmetro do canal torácico e maior<br />
número de vértebras. Neoplasias pulmonares e de<br />
mama geralmente cursam com lesões cervicais ou<br />
torácicas, enquanto que de próstata, cólon e tumores<br />
pélvicos têm maior predileção pela coluna lombosacra<br />
16 . Em 17–30% dos casos há múltiplas metástases<br />
vertebrais demonstradas pela RNM, em vários<br />
níveis, sintomáticas ou não 17 .<br />
QUADRO CLÍNICO<br />
As informações mais relevantes na avaliação<br />
do paciente com possibilidade de CM por neoplasia<br />
(CMN) estão na história e no exame físico do paciente,<br />
atráves da identificação de alguns sinais de<br />
alerta, ou seja, elementos da anamnese que aumentem<br />
as chances de patologia grave subjacente. Na<br />
história clínica, destacam-se os extremos de idade,<br />
perda de peso inexplicada, imunossupressão, alterações<br />
neurológicas e, principalmente, a história prévia<br />
de câncer 8 . Pacientes com câncer e queixa de dor<br />
nas costas ou no pescoço devem ser avaliados rigorosamente<br />
quanto à suspeita de metástase na coluna 5 ,<br />
o que pode prevenir, minimizar ou reverter graves<br />
complicações neurológicas 14,16 .<br />
Cerca de 90% dos pacientes mantêm a capacidade<br />
de deambulação quando diagnosticados<br />
e tratados precocemente, enquanto que menos de<br />
10% dos pacientes recuperam a função neurológica<br />
após a instalação do déficit 18 . Sabe-se, ainda, que<br />
um dos fatores prognósticos mais importantes nos<br />
pacientes com metástases na coluna é a capacidade<br />
de deambulação na época do diagnóstico 19 . Caso<br />
haja suspeita clínica de CM, os pacientes sem déficits<br />
neurológicos devem ser avaliados e tratados em nível<br />
ambulatorial, enquanto que aqueles com alterações<br />
neurológicas devem ser internados e investigados<br />
imediatamente, com rápida introdução de corticoesteróides<br />
e de tratamento específico 5 .<br />
A CMN pode estar presente em qualquer momento<br />
durante a história natural do câncer. Os sinais<br />
e sintomas geralmente ocorrem progressivamente,<br />
conforme o local das metástases vertebrais e o grau<br />
de invasão tumoral 14 . Mais ainda, há grande variação<br />
da sintomatologia, desde pequenas alterações sensitivas,<br />
motoras ou autonômicas até dor incapacitante<br />
241<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245
ou plegia 5 . Caracterizamos abaixo alguns pontos da<br />
apresentação clínica dos pacientes com CMN:<br />
Dor<br />
É o primeiro sintoma em 96% dos pacientes<br />
com CMN 16 . É comum a queixa de dor ao longo de<br />
semanas ou meses antes do início de outros sintomas<br />
neurológicos 5,14 . Geralmente, a dor é atribuída<br />
erroneamente a outras causas, como artrite, problemas<br />
musculares, hérnia de disco, entre outras 16,20 .<br />
Devemos lembrar do axioma: “dor nas costas ou no<br />
pescoço no paciente com neoplasia é secundária à<br />
metástase na coluna até que se prove o contrário”.<br />
Três tipos de dores podem estar presentes: localizada,<br />
referida ou radicular.<br />
1. Dor Localizada: geralmente localizada na<br />
linha média, acompanhada ou não de dor referida<br />
ou radicular 14 . A dor localizada costuma ser constante,<br />
aumenta quando o paciente está deitado em<br />
repouso, podendo acordá-lo à noite 5 .<br />
2. Dor Radicular: com o crescimento tumoral,<br />
a dor adquire uma distribuição radicular conforme<br />
o segmento do dermátomo correspondente à compressão<br />
nervosa 14 . A dor radicular pode piorar com<br />
manobra de Valsalva, com a tosse e durante a pesquisa<br />
dos sinais de Lasègue, Kernig e Brudzinski 5,16 .<br />
3. Dor Referida: pode ser vista em compressão<br />
medular epidural lombar, com metástases em<br />
L1, causando dor na articulação sacro-íliaca, o que<br />
se constitui em um falso sinal de localização 16 .<br />
Alterações Motoras<br />
Fraqueza é o segundo sintoma mais comum,<br />
depois da dor, precedendo as alterações objetivas<br />
da sensibilidade. A perda de força em geral ocorre<br />
nas pernas, proximalmente, progredindo para dificuldade<br />
em deambular, queixa de pernas pesadas,<br />
dificuldade em subir escadas, perda de coordenação<br />
e, posteriormente, plegia, em intervalo de tempo variado<br />
16 . Pacientes com queixa de dificuldade para<br />
deambular devem ser mantidos em repouso na cama<br />
até serem devidamente investigados 5 .<br />
Alterações Sensitivas<br />
Perdas sensitivas incluem hipoestesias e parestesias nos<br />
dedos, que podem ascender até o nível da compressão, também<br />
em intervalo de tempo variado 5 . As queixas sensitivas<br />
são menos freqüentes do que a de fraqueza, mas também são<br />
comuns. Na compressão mediana da cauda eqüina há perda<br />
da sensibilidade sacra, bilateral, envolvendo a área perineal e<br />
a região posterior das coxas (anestesia em sela) 16 .<br />
revisão<br />
Alterações Autonômicas<br />
Geralmente tardias e associadas a outras alterações.<br />
Incluem o comprometimento da função<br />
sexual e disfunção esfincteriana, com constipação e<br />
retenção urinária. Associadas a um pior prognóstico<br />
14 . Síndrome de Horner desenvolve-se em metástases<br />
paraespinhais cervicais ou em compressão torácica<br />
alta significante. Anidrose pode ocorrer abaixo<br />
do nível da compressão e geralmente está associada<br />
com paraparesia/plegia 16 .<br />
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS<br />
Os principais diagnósticos diferenciais a serem<br />
considerados são:<br />
Doenças degenerativas (hérnia discal, estenose<br />
espinhal, espondilolistese);<br />
Meningite carcinomatosa;<br />
Doenças infecciosas (osteomielite, discite, abscesso<br />
epidural);<br />
Mielopatia tardia induzida por radiação;<br />
Hematoma epidural secundário à coagulopatia;<br />
Mielite transversa;<br />
Síndrome paraneoplásica;<br />
Malformações vasculares;<br />
Fraturas por osteoporose.<br />
EXAMES COMPLEMENTARES<br />
A investigação geral do paciente com suspeita<br />
de CMN deve incluir: dosagem de uréia e creatinina,<br />
função renal, dosagem de cálcio, eletrólitos e hemograma.<br />
Em casos específicos, são necessárias eletroforese<br />
sérica e urinária para dosagem de proteína de<br />
Bence Jones, frente à suspeita de mieloma, e dosagem<br />
do PSA, frente à hipótese de câncer de próstata.<br />
Radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome,<br />
tomografias de tórax, abdome e pelve podem ser<br />
exames úteis na investigação da neoplasia primária,<br />
norteados pela suspeita clínica de cada caso.<br />
Para a investigação da existência de metástases<br />
podemos recorrer aos seguintes métodos:<br />
A) Radiografias simples<br />
De baixo custo e não invasivas, com alta disponibilidade<br />
na maioria dos serviços, as radiografias em incidência<br />
antero-posterior e perfil podem demonstrar lesões<br />
vertebrais líticas ou blásticas nas vértebras, como erosões<br />
pediculares, fraturas, além de aumento de tecidos moles<br />
adjascentes. Como investigação inicial para dor nas costas,<br />
podem identificar até 85% de lesões vertebrais, porém<br />
têm baixa sensibilidade (pelo menos 50% do osso devem<br />
ser destruídos para serem detectadas na radiografia) 14 .<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245 242
evisão<br />
B) Mielografia<br />
Outrora considerada um exame padrão-ouro,<br />
atualmente foi substituída pela ressonância magnética<br />
(RNM). Ainda assim, seu papel persiste em pacientes<br />
com severa escoliose, implantes ferromagnéticos, pacientes<br />
grandes, com clips de aneurismas ou marcapassos<br />
cardíacos 14 . Pacientes claustrofóbicos também<br />
podem se beneficiar deste exame, embora a sedação<br />
possa ser feita durante a realização da RNM.<br />
C) Tomografia Computadorizada<br />
Sua principal utilidade está na avaliação da<br />
arquitetura óssea, graduando a destruição neoplásica.<br />
Sendo assim, constitui-se em importante complemento<br />
da RNM, principalmente frente a possível<br />
planejamento cirúrgico.<br />
D) Cintilografia óssea<br />
Mais sensível do que as radiografias na detecção<br />
precoce de anormalidades vertebrais 14 , sua utilidade<br />
está na detecção de metástases ósseas difusas,<br />
não tendo grandes implicações no planejamento de<br />
eventual conduta cirúrgica ou de radioterapia. Útil<br />
no estadiamento das neoplasias.<br />
E) Ressonância Magnética (RNM)<br />
Consiste no melhor exame para diagnóstico<br />
de CMN 21 . Não invasiva, fornece informações das<br />
vértebras e estruturas adjacentes, permitindo visualizar<br />
múltiplas secções ao longo de toda a coluna, demonstrando<br />
compressão medular ou nervosa, bem<br />
como informações quanto à estabilidade da coluna e<br />
orientações quanto ao tipo de tratamento a ser instituído<br />
21 . RNM de toda coluna é o exame de escolha<br />
na investigação de pacientes com lesões suspeitas ou<br />
já conhecidas 19,21-24 , com grande superioridade em<br />
relação à tomografia na detecção de doença epidural,<br />
intradural, extramedular, intramedular ou mesmo<br />
na avaliação das meninges 14 .<br />
Exames radiográficos com alterações compatíveis<br />
com o exame neurológico podem predizer a presença<br />
e o nível da CMN, porém a RNM fornece dados<br />
capazes de alterar o planejamento do tratamento. Assim,<br />
não havendo contra-indicações, a RM é imprescindível<br />
para a instituição do tratamento adequado 2 .<br />
TRATAMENTO<br />
O tratamento é individualizado, baseado em<br />
vários fatores, destacando-se localização, tipo de tumor,<br />
agressividade, sensibilidade à radioterapia, status<br />
funcional do paciente e o exame neurológico 14 .<br />
Os objetivos terapêuticos são: 1) aliviar a dor, 2) estabilizar<br />
a coluna e 3) manter ou melhorar a função<br />
neurológica. Destaca-se, ainda, que o tratamento é<br />
paliativo, tendo em vista a curta expectativa de vida<br />
desses pacientes, que varia de 4 a <strong>15</strong> meses 13,25-27 .<br />
O tratamento de níveis assintomáticos é controverso.<br />
Cerca de 16% dos pacientes com CMN têm<br />
um segundo episódio 28 , porém apenas 8% dos casos<br />
de metástases assintomáticas não irradiadas evoluirão<br />
com sintomatologia, incidência similar aos dos pacientes<br />
com CMN em um único nível na apresentação inicial<br />
29 . Contudo, determinar se um nível acometido é<br />
sintomático ou não nem sempre é possível, sendo recomendado<br />
o tratamento dos demais níveis de compressão<br />
desde que os pacientes tenham razoável expectativa<br />
de vida e não se agregue morbidade excessiva.<br />
Abaixo, discorremos sobre as principais linhas<br />
de tratamento 16 : 1) terapia com esteróides, 2) alívio da<br />
dor, 3) radioterapia, 4) ressecção cirúrgica/descompressão,<br />
5) quimioterapia adjuvante ou terapia hormonal:<br />
tumores específicos, conforme o tratamento sistêmico.<br />
1) Terapia com esteróides<br />
Usados para reduzir o edema e a inflamação,<br />
diminuindo os déficits neurológicos e controlando<br />
a dor, principalmente nos pacientes com quadro de<br />
mielopatia 16,30 . Baseado apenas em dados clínicos,<br />
esteróides podem ser administrados previamente à<br />
realização dos exames diagnósticos. Em pacientes<br />
recebendo dexametasona, esteróide mais usado, a<br />
dose pode ser reduzida gradualmente a cada 3–4<br />
dias após o início da radioterapia 14 . Não devem ser<br />
usados rotineiramente em pacientes com boa função<br />
motora no início do quadro 30 .<br />
2) Medidas para alívio da dor<br />
A dor dos pacientes deve ser qualificada e<br />
quantificada previamente ao início do tratamento.<br />
Desta forma, seleciona-se a melhor forma de analgesia<br />
a ser utilizada, bem como o perfil mais adequado<br />
dos efeitos colaterais. Destaca-se que a radioterapia<br />
também tem importante papel no combate à dor.<br />
Os pacientes com dor axial não candidatos<br />
ao tratamento cirúrgico e com doença em múltiplos<br />
níveis podem se beneficiar com a vertebroplastia<br />
percutânea, procedimento pouco invasivo e com<br />
bons efeitos analgésicos. As contra-indicações à vertebroplastia<br />
são: compressão epidural secundária à<br />
presença da metástase e fragmentos ósseos do muro<br />
posterior do corpo da vértebra no interior do canal<br />
vertebral; impossibilidade da localização da vértebra<br />
243<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245
esponsável pelos sintomas da dor; intolerância ao<br />
decúbito para realizar o procedimento; coagulopatia;<br />
infecção no local da injeção percutânea 31,32 .<br />
3) Radioterapia<br />
É o tratamento de escolha na maior parte das<br />
CMN 17 . Deve ser iniciada rapidamente após confirmação<br />
radiológica. Geralmente, irradiam-se regiões<br />
sintomáticas ou regiões assintomáticas, mas com<br />
metástases epidurais significativas, com margem de<br />
um ou dois corpos vertebrais acima e abaixo do nível<br />
acometido 14,16 , objetivando o alívio da dor e melhora<br />
da função neurológica, sendo o status funcional prétratamento<br />
o mais importante indicador prognóstico.<br />
A dose padrão para metástases na coluna consiste<br />
de 20 a 30 Gy, administradas de 5 a 10 sessões.<br />
Sessões específicas são estudadas caso a caso. Efeitos<br />
colaterais podem ocorrer, destacando-se esofagites<br />
transitórias (por 1 a 2 semanas, secundárias à radiação<br />
após tratamento de lesões torácicas altas), náuseas<br />
e vômitos (devido à irradiação epigástrica em<br />
lesões torácicas baixas e lombares altas), controlados<br />
com anti-eméticos e mielopatia tardia induzida por<br />
radiação, complicação rara, porém grave 27,33 .<br />
Indicações para Radioterapia Primária:<br />
1. Expectativa de vida menor do que 3 meses;<br />
2. Múltiplos níveis de metástases simultâneas;<br />
3. Pacientes com paraplegia de mais de 24 horas<br />
de duração;<br />
4. Co-morbidades que contra-indiquem intervenção<br />
cirúrgica;<br />
5. Pacientes sem indicação para cirurgia e com<br />
tumores sabidamente radiossensíveis: linfoma, mieloma<br />
múltiplo, carcinoma de pequenas células pulmonares,<br />
seminoma, neuroblastoma ou sarcoma de Ewing 34 .<br />
Há boa resposta à radioterapia em 30% dos casos<br />
de CMN, mesmo frente a tumores mais radioresistentes<br />
como o carcinoma de mama e o melanoma 35 .<br />
revisão<br />
4) Cirurgia<br />
Não há evidências de que o tratamento aumente<br />
a expectativa de vida. A laminectomia descompressiva<br />
consistia no procedimento cirúrgico padrão na CMN,<br />
porém alguns estudos demonstraram que apenas uma<br />
minoria dos pacientes (cerca de 40%) melhorava após<br />
o procedimento 36,37 . Acrescenta-se, ainda, que, em estudos<br />
comparativos da eficácia da radioterapia versus a<br />
combinação da mesma com laminectomia, não havia<br />
diferenças no prognóstico funcional dos pacientes 17,38 .<br />
A explicação para esses resultados é baseada principalmente<br />
na variedade de posições das metástases em<br />
relação ao saco dural, uma vez que lesões puramente<br />
posteriores são incomuns. Mais ainda, a laminectomia<br />
pode piorar a instabilidade da coluna. Neste contexto,<br />
ressalta-se a importância do tratamento cirúrgico<br />
individualizado, com novas abordagens (como a via<br />
anterior e a póstero-lateral) baseadas no reestabelecimento<br />
anatômico e biodinâmico e no desenvolvimento<br />
tecnológico de novos mecanismos de estabilização<br />
da coluna, que melhoraram muito a eficácia da intervenção<br />
cirúrgica no tratamento das metástases 7,39,40 .<br />
A definição do tratamento cirúrgico específico a ser<br />
empregado é norteada pela experiência do cirurgião e<br />
por Sistemas de Escores existentes na literatura, como<br />
os propostos por Tokuhashi 41 , Tomita 42 e Bunger 43 .<br />
Indicações de intervenção cirúrgica individualizada<br />
na CMN 34 :<br />
1. Compressão medular em um paciente sem<br />
história prévia de câncer ou mesmo com história de<br />
câncer, mas com suspeita de compressão medular de<br />
etiologia não neoplásica;<br />
2. O nível da compressão está em uma área<br />
previamente irradiada;<br />
3. Deterioração neurológica durante radioterapia<br />
ou em falha terapêutica, principalmente em<br />
tumores sabidamente radioresistentes;<br />
4. Pacientes com instabilidade na coluna;<br />
5. Progressão rápida dos sintomas para paraplegia;<br />
6. Dor intratável por terapias não cirúrgicas.<br />
Contra-Indicações Relativas para cirurgia de<br />
descompressão medular 16,34 :<br />
1. Plegia há mais de 24 horas;<br />
2. Tumores radiosensíveis (linfoma, mieloma etc.);<br />
3. Múltiplos níveis de envolvimento;<br />
4. Expectativa de vida curta (menor do que 3 meses);<br />
5. Co-morbidades médicas graves.<br />
Paciente com mais de 24 horas de plegia não<br />
deve ser submetido a procedimento cirúrgico, pois<br />
não há benefício estabelecido, exceto se não há o<br />
diagnóstico histológico da lesão. Pacientes com baixa<br />
expectativa de vida, gravemente debilitados ou<br />
sem condições cirúrgicas devem ser submetidos à radioterapia<br />
como terapia de primeira linha. Pacientes<br />
com CMN na junção crânio-cervical ou lombo-sacral<br />
podem não ser candidatos à intervenção cirúrgica<br />
devido à alta morbidade associada a esses procedimentos.<br />
As órteses podem ser úteis para o controle<br />
da dor e dar maior segurança ao paciente.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245 244
evisão<br />
O prognóstico dos pacientes com CMN é<br />
extremamente heterogêneo, tendo em vista as inúmeras<br />
variáveis existentes em cada caso. O alívio da<br />
dor e a estabilização da função neurológica podem<br />
ser alcançados em até 90% dos casos, com melhora<br />
importante da qualidade de vida 13,44-46 . A individualização<br />
do tratamento é fundamental para se alcançar<br />
bons resultados.<br />
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245<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:240–245
Uso de Rosuvastatina em Esclerose<br />
Múltipla<br />
relato de caso<br />
Use of Rosuvastatin in Multiple Sclerosis<br />
Marcela Ramos de Oliveira 1 , Diogo Fernandes dos Santos 1 , Sheila Bernardino<br />
Fenelon 2 , Nilson Penha-Silva 3<br />
RESUMO<br />
A terapêutica convencional da esclerose múltipla (EM) compreende<br />
o uso de imunossupressores e imunomoduladores. Como as<br />
estatinas têm ações antiinflamatórias e imunomoduladoras, elas<br />
poderiam constituir uma terapia alternativa para essa doença.<br />
Descrevemos neste trabalho o resultado do uso de rosuvastatina<br />
por uma paciente de 34 anos, portadora de EM remitente-recorrente.<br />
A paciente iniciou tratamento com interferon-beta 1A,<br />
porém, após queixas de efeitos adversos, recusou-se a continuar<br />
o tratamento. Em 2005, ela iniciou uso de rosuvastatina. Seu<br />
EDSS (Expanded Disability Status Scale) era igual a 6,0. Após 6 meses<br />
de tratamento, ela apresentava boa evolução no quadro neurológico,<br />
passando a deambular distâncias maiores e a praticar<br />
exercícios físicos. Seu EDSS baixou para 4,5. O tratamento com<br />
estatina é racionalmente promissor na melhoria da qualidade de<br />
vida e, provavelmente, no controle da doença.<br />
Unitermos: Inibidores de hidroximetilglutaril-CoA redutases.<br />
Esclerose Múltipla. Terapias em estudo.<br />
Citação: Oliveira MR, Santos DF, Fenelon SB, Penha-Silva N. Uso de<br />
Rosuvastatina em Esclerose Múltipla.<br />
SUMMARY<br />
The conventional therapeutics of multiple sclerosis (MS) comprises<br />
the use of immunosuppressant and immunomodulator<br />
agents. Since statins presents antiinflammatory and immunomodulator<br />
actions, they may constitute an alternative therapy<br />
to this disease. In this case report we describe the result of the<br />
use of rosuvastatin by a 34 years old woman with relapsing-remitting<br />
MS. The patient initiated treatment with interferon-beta<br />
1A, but after reclaims of adverse effects she refused to follow this<br />
treatment. In 2005, she initiated use of rosuvastatin. Its EDSS<br />
(Expanded Disability Status Scale) was 6.0. After 6 months of<br />
treatment, she presented good evolution of her neurological<br />
state, being able to deambulate larger distances and to practice<br />
physical exercises. Her EDSS decreased to 4.5. The treatment<br />
with statins is rationally promising in the improvement of the life<br />
quality and probably in the control of the disease.<br />
Keywords: Hydroxymethylglutaryl-CoA reductase inhibitors.<br />
Multiple Sclerosis. Investigational therapies.<br />
Citation: Oliveira MR, Santos DF, Fenelon SB, Penha-Silva N. Use of<br />
Rosuvastatin in Multiple Sclerosis.<br />
Trabalho realizado na Universidade Federal de Uberlândia.<br />
1. Estudantes de graduação em Medicina da Universidade Federal de<br />
Uberlândia (UFU).<br />
2. Doutora em Medicina, Professora Adjunta de Neurologia da Faculdade<br />
de Medicina (FAMED) da Universidade Federal de Uberlândia<br />
(UFU), Coordenadora do Centro de Estudos Triangulino de Esclerose<br />
Múltipla (CETEM).<br />
3. Professor titular do Instituto de Genética e Bioquímica (INGEB) da<br />
Universidade Federal de Uberlândia (UFU).<br />
Endereço para correspondência:<br />
Nilson Penha-Silva<br />
Universidade Federal de Uberlândia<br />
Instituto de Genética e Bioquímica<br />
Av. Pará 1720<br />
CEP 38400-902, Uberlândia, MG<br />
E-mail: nspenha@ufu.br<br />
Recebido em: 05/04/2006<br />
Revisão: 05/12/2006<br />
Aceito em: 06/04/2006 a 04/12/2006<br />
Conflito de interesses: não<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:246–250 246
elato de caso<br />
INTRODUÇÃO<br />
A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória<br />
desmielinizante que afeta o sistema nervoso<br />
central 1 . A base anatômica comum das doenças desmielinizantes<br />
do SNC é representada por alterações<br />
primárias da bainha de mielina. A lesão primária da<br />
bainha de mielina leva à liberação de seus componentes<br />
e causa danos e morte de oligodendrócitos 2 . A etiologia<br />
dessa doença ainda não é bem conhecida. Evidências<br />
indiretas apóiam uma etiologia auto-imune para a<br />
EM 3 , provavelmente desencadeada por fatores epigenéticos<br />
num hospedeiro geneticamente susceptível.<br />
A EM pode evoluir de diferentes maneiras.<br />
A forma recorrente-remitente (EMRR) caracterizase<br />
por surtos bem individualizados que deixam ou<br />
não seqüelas, não havendo progressão das deficiências<br />
entre os surtos. A forma secundariamente progressiva<br />
(EMSP) apresenta uma fase precedente de<br />
recorrências e remissões seguida de progressão das<br />
deficiências, sem surtos ou com surtos subjacentes.<br />
Outra forma de evolução da EM é a primariamente<br />
progressiva (EMPP), que se caracteriza desde o início<br />
por doença progressiva, evoluindo com discretos<br />
períodos de melhora. Por fim, há a forma progressiva<br />
recorrente (EMPR), que também se caracteriza<br />
desde o início por doença progressiva, porém intercalada<br />
por surtos, com ou sem recuperação total,<br />
mas com progressão contínua entre os surtos 4 .<br />
As manifestações clínicas dessa doença desmielinizante<br />
são inicialmente muito variáveis. Às vezes<br />
elas são muito drásticas, mas outras vezes elas são tão<br />
brandas que o paciente nem procura assistência médica.<br />
Os sintomas iniciais mais comuns consistem em<br />
fraqueza em um ou mais membros, visão turva devido<br />
à neurite óptica, distúrbios sensoriais, diplopia e<br />
ataxia. Os sintomas sensoriais incluem parestesia (sensação<br />
espontânea de dor, adormecimento e/ou queimação)<br />
ou hiperestesia (aumento da intensidade e/ou<br />
da duração da sensação produzida por um estímulo).<br />
O comprometimento cerebelar resulta em ataxia da<br />
marcha e dos membros. Outros sintomas relatados por<br />
portadores de EM são neuralgias do trigêmeo, vertigem<br />
associada a vômitos, urgência vesical, hesitação,<br />
esvaziamento incompleto ou incontinência, constipação<br />
e urgência fecal. A disfunção cognitiva comum na<br />
fase avançada da doença também pode aparecer em<br />
seu estágio inicial. As alterações cognitivas observadas<br />
com maior freqüência incluem perda da memória,<br />
comprometimento da atenção, dificuldade na resolução<br />
de problemas e processamento lento das informações.<br />
A depressão é também comum na EM 3 .<br />
O diagnóstico de EM é baseado nos critérios<br />
estabelecidos pelo Painel Internacional para o Diagnóstico<br />
da Esclerose Múltipla, por McDonalds et al.,<br />
em 2001 5 . Ele define a distribuição temporal e espacial<br />
da doença, utilizando, quando necessário, resultados<br />
obtidos com a Ressonância Magnética do encéfalo e<br />
da medula espinhal 6 . Recentemente, em 2005, houve<br />
uma revisão desses critérios a fim de tornar mais sensível<br />
e específico o diagnóstico da doença 7 .<br />
Os tratamentos da EM podem estar associados<br />
à detenção do processo patológico e/ou à atenuação<br />
dos sintomas 3 . A terapêutica convencional da EM<br />
compreende imunossupressores e imunomoduladores,<br />
como IFNb1B, IFNb1A e acetato de glutiramer 6 .<br />
Entretanto, nos últimos anos, vários estudos<br />
têm demonstrado que as estatinas, além de diminuir<br />
o nível de colesterol sanguíneo, apresentam também<br />
propriedades imunomoduladoras e antiinflamatórias<br />
8 , devido à ação inibitória sobre a óxido nítrico<br />
sintase (NOS ase ) e citocinas pró-inflamatórias 9 , justificando<br />
seu uso como terapia alternativa em doenças<br />
inflamatórias crônicas como a EM 10-12 . A região do<br />
genoma responsável pela produção da enzima NO-<br />
S ase está localizada no cromossomo 12, onde também<br />
está presente um loci gênico relacionado à EM. Assim,<br />
existe possibilidade de que a ação da NOS ase implique<br />
em uma maior susceptibilidade à EM, uma vez que o<br />
óxido nítrico tem-se mostrado tóxico para oligodendrócitos<br />
e responsável por induzir degeneração do<br />
axônio. O gene responsável pela síntese dessa enzima<br />
tem sido mostrado como sendo indutor da resposta<br />
inflamatória, no caso da EM 13 . A utilização de lovastatina<br />
14 e sinvastatina <strong>15</strong> em pacientes com EM, em<br />
pequenos ensaios clínicos 14,<strong>15</strong> , mostrou uma aparente<br />
diminuição das lesões vistas na ressonância magnética<br />
nuclear e ausência de efeitos adversos graves.<br />
Essas alternativas de prevenção, atenuação e<br />
mesmo tratamento da doença, à base de estatinas,<br />
carece, entretanto, de suporte experimental. Este relato<br />
procura explorar a questão relatando o caso de<br />
uma paciente com EM que fez uso de rosuvastatina<br />
durante seis meses. Em nossa revisão da literatura,<br />
não encontramos nenhum outro estudo que tenha<br />
usado a rosuvastatina com esse propósito. O estudo<br />
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da<br />
Universidade Federal de Uberlândia e documentalmente<br />
consentido pela paciente.<br />
CASO<br />
Em 1999, a paciente, leucoderma, então com<br />
34 anos, procurou o Hospital de Clínicas da Univer-<br />
247<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:246–250
elato de caso<br />
sidade Federal de Uberlândia, apresentando edema<br />
no tronco e membros inferiores (MMII), parestesia<br />
em região lombar e MMII, oligúria, obstipação intestinal<br />
e perda de sensibilidade em área cutânea<br />
abdominal, com progressão do quadro neurológico<br />
durante internação com perda de sensibilidade dolorosa<br />
e tátil desde 4 cm abaixo da fúrcula esternal até<br />
os pés. No exame neurológico, a paciente apresentava<br />
paraplegia, arreflexia em membros inferiores,<br />
perda de sensibilidade e motricidade de T4 a S5, flacidez<br />
e hipotonia muscular de membros superiores<br />
e Sinal de Babinski à esquerda. Ainda durante esse<br />
surto, a paciente teve piora do quadro, apresentando<br />
diplopia e nistagmo.<br />
O exame do líquido cefalorraquidiano revelou<br />
líquor incolor e de aspecto límpido, com nível<br />
de glicose dentro dos limites da normalidade (61<br />
mg%), mas aumento na concentração de proteínas<br />
totais (46 mg%). Ainda durante a internação, a paciente<br />
iniciou corticoterapia (prednisona a 1 mg/kg).<br />
O exame oftalmológico revelou ausência de neurite<br />
óptica. Após alta hospitalar, houve melhora parcial<br />
da motricidade e tônus muscular dos membros superiores<br />
e discreta melhora da movimentação em<br />
membros inferiores, além de referir retorno da sensibilidade<br />
dolorosa. Quatro meses depois, houve reagudização<br />
do quadro neurológico e, além disso, a<br />
paciente apresentou infecções urinárias recorrentes.<br />
Nessa ocasião, foi realizada Ressonância Magnética<br />
Nuclear (RMN), quando foi confirmado o diagnóstico<br />
de EM do tipo recorrente-remitente (EMRR). A<br />
RMN (figura 1) mostrou lesões múltiplas na substância<br />
branca cortical do parênquima cerebral e cerebelo,<br />
infratentoriais, supratentoriais, justacorticais e<br />
periventriculares.<br />
Em 2003, a paciente iniciou acompanhamento<br />
ambulatorial no Centro de Estudos Triangulino de<br />
Esclerose Múltipla (CETEM) da Universidade Federal<br />
de Uberlândia (centro de pesquisa filiado ao Comitê<br />
Brasileiro de Tratamento e Pesquisa da Esclerose<br />
Múltipla). Realizado exame neurológico, o escore obtido<br />
na Escala Expandida do Estado de Incapacidade<br />
(EDSS) foi 6,0. Ela, então, iniciou tratamento com<br />
interferon-beta 1A (6.000.000 UI, uma vez por semana),<br />
durante um mês, porém relatou efeitos adversos<br />
e recusou-se a continuar o tratamento com qualquer<br />
medicação injetável para a doença.<br />
Em 2005, devido à recusa da paciente em se<br />
submeter ao tratamento convencional, foi-lhe proposta<br />
uma nova terapia baseada no uso de rosuvastatina.<br />
Antes de iniciar a nova terapêutica, sua avaliação<br />
neurológica mostrou que ela mantinha o mesmo<br />
escore no EDSS (6,0) que havia apresentado antes<br />
do início do tratamento.<br />
Ela iniciou, então, o uso de rosuvastatina, a<br />
10 mg/dia nos primeiros 10 dias, passando para 20<br />
mg/dia, durante 6 meses, já que não foi evidenciado<br />
nenhum efeito adverso ao uso desse medicamento.<br />
Durante o uso da rosuvastatina, foi acompanhada<br />
ambulatorialmente e através de testes hematológicos<br />
e bioquímicos, incluindo perfil lipídico e dosagem de<br />
creatina-quinase (CK).<br />
Durante todo esse período, a paciente não fez<br />
uso de outra medicação — como anti-inflamatórios,<br />
imunomoduladores ou imunossupressores — que<br />
pudesse ter modificado favoravelmente a evolução<br />
da doença. Além da rosuvastatina, fez uso apenas de<br />
antibióticos para o tratamento das infecções recorrentes<br />
do trato urinário e de antidepressivos tricíclicos<br />
e benzodiazepínicos, drogas que ela já utilizava<br />
desde 2003. Ela também não se submeteu a outros<br />
tratamentos concomitantes, como fisioterapia, psicoterapia,<br />
técnicas de relaxamento e ergoterapia.<br />
Figura 1. Ressonância Magnética Nuclear, com lesões múltiplas no parênquima<br />
cerebral e cerebelo. A e B: lesões infratentorial e justacortical.<br />
C e D: lesões justacorticais. E e F: lesões periventriculares.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:246–250 248
elato de caso<br />
Dois meses após o uso de rosuvastatina, a paciente<br />
apresentou uma boa evolução do quadro neurológico,<br />
passando a deambular distâncias maiores,<br />
a praticar exercícios físicos e não necessitar continuamente<br />
de sonda vesical. Não ocorreram surtos durante<br />
o tratamento. Após seis meses de tratamento,<br />
seu EDSS caiu para 4,5, com melhora considerável<br />
principalmente das funções piramidais e vesicais.<br />
Houve, também, uma diminuição no nível sérico de<br />
colesterol total (tabela 1) e a CK manteve-se dentro<br />
dos limites da normalidade (< 130 U/l). Atualmente,<br />
continua em acompanhamento ambulatorial e com<br />
o uso de rosuvastatina.<br />
DISCUSSÃO<br />
A paciente, desde o início do quadro, apresentou<br />
sintomas típicos de doença desmielinizante. Seu<br />
diagnóstico de EM foi confirmado de acordo com os<br />
critérios de McDonalds 5 , já que ela apresentou dois<br />
ou mais surtos, evidência clínica objetiva de uma<br />
lesão, além de disseminação espacial (pelo menos 1<br />
lesão infratentorial, 1 lesão justacortical e 3 lesões<br />
periventriculares) compatível com os critérios de Barkhof<br />
16 . Os surtos tiveram duração maior que 24 horas<br />
e foram intercalados por um intervalo de tempo,<br />
desde o início dos sintomas, de mais de um mês.<br />
O uso de imunomodulador foi inicialmente<br />
proposto para a paciente pelo fato de apresentar diagnóstico<br />
definido de EMRR, além de evidências clínicas<br />
da atividade da doença através da presença de um<br />
surto recente. Além disso, a paciente não apresentava<br />
nenhuma contra-indicação ao uso desse medicamento,<br />
como gravidez, depressão, doença hepática e/ou<br />
doença cardíaca grave. A paciente foi devidamente<br />
informada quanto aos possíveis benefícios, eventuais<br />
riscos e efeitos colaterais, tendo concordado em iniciar<br />
o tratamento sob observação regular. Porém, ela apresentou<br />
efeitos adversos e não foi possível assegurar a<br />
adesão ao tratamento devido à recusa da paciente.<br />
Assim, foi proposta uma terapia alternativa com uso<br />
de rosuvastatina, com base em resultados de ensaios<br />
clínicos realizados com outras estatinas 14,<strong>15</strong> .<br />
Os resultados desse tipo de terapia alternativa<br />
sugerem que o tratamento com rosuvastatina possa<br />
apresentar efeitos clínicos favoráveis em pacientes<br />
com EM. Provavelmente, esses benefícios são decorrentes<br />
da capacidade das estatinas de diminuírem a<br />
migração de leucócitos para o Sistema Nervoso Central,<br />
inibirem o complexo principal de histocompatibilidade<br />
classe II e os sinais dos co-estimuladores<br />
requeridos para a ativação de células T, além de in-<br />
Tabela 1. Efeito do tratamento com rosuvastatina sobre o EDSS (Kurtzke<br />
Expanded Disability Status Scale) e os níveis de colesterol total plasmático.<br />
Tempo EDSS Colesterol total<br />
(meses)<br />
(mg/dl)<br />
0 6,0 322,0<br />
3 5,0 186,8<br />
6 4,5 177,6<br />
duzirem o fenótipo Th2 e diminuir a produção de<br />
mediadores no SNC, como óxido nítrico e fator de<br />
necrose tumoral alfa 11,17,18 .<br />
No caso aqui relatado, os efeitos benéficos da rosuvastatina<br />
fizeram-se presentes principalmente na melhora<br />
da qualidade de vida e na queda do EDSS, que é<br />
o parâmetro utilizado para acompanhar a evolução da<br />
doença. No início do tratamento, a paciente já se encontrava<br />
estável, com o mesmo escore há dois anos, e necessitava<br />
de assistência com auxílio unilateral constante.<br />
Após seis meses de utilização de rosuvastatina, passou<br />
a deambular plenamente até 300 metros sem ajuda ou<br />
descanso, necessitando de mínima assistência.<br />
As estatinas podem causar efeitos adversos,<br />
como rabdomiólise 19 , quando usadas em doses elevadas.<br />
Embora a rosuvastatina apresente os mais<br />
baixos riscos quando comparada às outras estatinas<br />
20 e nós tenhamos usado uma baixa dosagem do<br />
medicamento, a paciente não apresentou nenhuma<br />
evidência clínica de rabdomiólise e, durante todo o<br />
tratamento, os níveis de CK mantiverem-se absolutamente<br />
dentro da normalidade (abaixo de 168 U/l).<br />
A função renal também foi acompanhada laboratorialmente,<br />
não tendo apresentado alterações.<br />
O tratamento aqui sugerido é racionalmente<br />
promissor na promoção de melhorias na qualidade<br />
de vida de pacientes com EM e, provavelmente, no<br />
controle da doença, mas é preciso ter cautela, pois<br />
efeitos pró-inflamatórios foram descritos para a sinvastatina,<br />
que induz um aumento dose-dependente<br />
de citocinas pró-inflamatórias, como o interferon<br />
gama e a interleucina 12 21,22 .<br />
Apesar do sucesso terapêutico obtido neste<br />
caso, faz-se necessária a realização de ensaios clínicos<br />
adequadamente controlados, com amostragem<br />
ampla e um maior tempo de acompanhamento, visando<br />
a exclusão de um possível efeito placebo.<br />
249<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:246–250
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Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:246–250 250
elato de caso<br />
Doença de Hirayama: relato de caso<br />
e atualização<br />
Hirayama disease: case report and update<br />
Marco Antonio Orsini Neves 1 , Reny de Souza Antonioli 2 , Marcos RG de Freitas 3<br />
RESUMO<br />
A Atrofia Muscular Juvenil Distal de Membro Superior ou Doença<br />
de Hirayama (DH) atinge as células da ponta anterior<br />
da medula nos segmentos de C7-T1 sendo caracterizada por<br />
atrofia com fraqueza progressiva da mão e antebraço unilateral<br />
na maioria dos indivíduos. Relatamos o caso de um paciente,<br />
que há 4 anos iniciou um quadro de fraqueza na mão esquerda<br />
associada à dificuldade para realizar a preensão de determinados<br />
instrumentos utilizados no trabalho. Após a realização da<br />
ressonância magnética funcional verificou-se um comprometimento<br />
da medula cervical nos últimos segmentos cervicais e<br />
primeiro torácico, caracterizando a doença. Diante de suas características<br />
gerais, podemos diferenciá-la de outras Amiotrofias<br />
Monomélicas Benignas (AMB). É importante que se realize<br />
novas pesquisas visando tornar o diagnóstico mais preciso.<br />
Unitermos: Medula espinhal. Células do corno anterior.<br />
Doenças neuromusculares.<br />
Citação: Neves MAO, Antonioli RS, Freitas MRG. Doença de Hirayama:<br />
relato de caso e atualização.<br />
SUMMARY<br />
The Juvenile Muscular Atrophy of the Distal Upper Extremity<br />
or Hirayama Disease (HD) affects the spinal cord’s<br />
anterior region at segments C7–T1 and is characterized by<br />
atrophy with gradual weakness of the unilateral hand and<br />
forearm in majority of patients. We reported a case of a<br />
patient, 20 years old that have approximately 4 years ago<br />
started with weakness in his left hand and difficulty to hold<br />
work instruments. After the accomplishment of an examination<br />
of Functional Magnetic Resonance it was verified a injury<br />
of the cervical spinal cord in the last cervical segments.<br />
Aware of its general characteristics, we can differentiate it<br />
of other Benign Monomelic Amyotrophy (BMA). It is important<br />
new research that can become the diagnosis more<br />
certain.<br />
Keywords: Spinal cord. Anterior horn cells. Neuromuscular<br />
diseases.<br />
Citation: Neves MAO, Antonioli RS, Freitas MRG Hirayama disease:<br />
case report and update.<br />
Trabalho realizado no Serviço de Neurologia da<br />
Universidade Federal Fluminense – UFF.<br />
1. Fisioterapeuta. Professor Adjunto de Neurologia Clínica, Fundação<br />
Educacional Serra dos Órgãos – FESO e Assistente Voluntário do<br />
Serviço de Doenças Neuromusculares, UFF.<br />
2. Graduanda em Fisioterapia e Estagiária do Serviço de Reabilitação<br />
Neurológica, FESO.<br />
3. Professor Titular de Neurologia e Chefe do Serviço de<br />
Neurologia,UFF.<br />
Endereço para correspondência:<br />
Marco Antonio Orsini Neves<br />
R. Prof. Miguel Couto, 322/1001<br />
CEP 24230240, Niterói-RJ<br />
E-mail: orsini@predialnet.com.br<br />
Recebido em: 03/08/2006<br />
Revisão: 04/08/2006 a 19/09/2006<br />
Aceito em: 20/09/2006<br />
Conflito de interesses: não<br />
251<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:251–253
INTRODUÇÃO<br />
A Doença de Hirayama (DH) é marcada pelo<br />
comprometimento das células da ponta anterior da<br />
medula nos últimos segmentos cervicais e primeiro<br />
torácico, atingindo particularmente jovens do sexo<br />
masculino e cursando com fraqueza progressiva da<br />
mão e antebraço, unilateral na maioria dos pacientes<br />
1-3 . Foi relatada primeiramente em 1959 e, desde<br />
então, indivíduos com características similares têm<br />
sido descritos em países asiáticos, europeus e norteamericanos<br />
4-5 .<br />
Inúmeros fatores etiológicos estão relacionados<br />
à DH: infecções virais, insuficiência vascular da medula<br />
espinhal, atividade física de alto impacto e atrofia<br />
focal da medula durante a flexão da coluna cervical.<br />
Estudos originados da Índia Oriental sugerem que<br />
fatores ambientais, étnicos, culturais e hábitos comportamentais<br />
possam influenciar na susceptibilidade<br />
à doença. Sabe-se, entretanto, que achados eletrofisiológicos<br />
e histopatológicos revelam uma desordem<br />
neurogênica nas células da ponta anterior e nos axônios<br />
motores, resultando em sinais característicos de<br />
comprometimento do neurônio motor inferior 3,6 .<br />
CASO<br />
Paciente de 20 anos, sexo masculino, negro,<br />
auxiliar de controladoria, relata que há 4 anos deuse<br />
início quadro de fraqueza na mão esquerda e dificuldade<br />
para realizar a preensão de instrumentos<br />
utilizados no trabalho. Posteriormente, tornou-se<br />
evidente a atrofia dos músculos do antebraço e da<br />
mão, quando comparados ao lado oposto. No primeiro<br />
semestre de 2003, procurou auxílio no Serviço<br />
de Neurologia (Setor de Doenças Neuromusculares)<br />
da Universidade Federal Fluminense, recebendo<br />
relato de caso<br />
o diagnóstico de DH. Ao exame físico, apresentava<br />
atrofia, paresia e fasciculações no terço distal do<br />
membro superior esquerdo. Os reflexos profundos<br />
encontravam-se normais, com exceção do flexor dos<br />
dedos (arreflexia à esquerda). O exame de Ressonância<br />
Magnética Funcional apontou um achatamento<br />
(atrofia) da medula cervical nos últimos segmentos<br />
cervicais (figura 1). A eletroneuromiografia mostrou<br />
desnervação e recrutamento neurogênico seguido de<br />
reinervação nos músculos do terço distal do membro<br />
superior esquerdo. Na figura 2, mostramos o paciente<br />
com acentuada atrofia dos músculos do antebraço<br />
e da mão à esquerda.<br />
DISCUSSÃO<br />
Os exames complementares são imprescindíveis<br />
para auxiliar o diagnóstico da doença. O exame<br />
de Tomografia Computadorizada (TC), por exemplo,<br />
pode demonstrar um deslocamento anterior do saco<br />
dural posterior durante a flexão da região cervical,<br />
provocando um achatamento da medula espinhal que<br />
adquire a forma de “berinjela” 1 . Já a mielografia é difícil<br />
de ser realizada pela dificuldade de retenção do<br />
contraste no espaço subaracnóide cervical durante o<br />
movimento de flexão 7 . Entre os métodos, o processamento<br />
de Imagem de Ressonância Magnética (IRM)<br />
mostra o deslocamento anterior do saco dural posterior<br />
e um secundário congestionamento do plexo<br />
venoso epidural posterior, característica esta diferenciada<br />
de malformações vasculares e tumores pelo seu<br />
desaparecimento quando o pescoço retorna à posição<br />
neutra 4,8 . Essas alterações estavam ausentes no paciente<br />
em questão. O congestionamento venoso é desencadeado<br />
basicamente por três mecanismos: pressão<br />
negativa no canal espinhal posterior resultante do<br />
Figura 1. Atrofia da medula cervical nos últimos segmentos.<br />
Figura 2. Atrofia no membro superior esquerdo.<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:251–253 252
elato de caso<br />
desvio anterior, compressão do plexo venoso anterior<br />
causado pelo deslocamento anterior do canal dural e<br />
postura de flexão de pescoço, diminuindo a drenagem<br />
venosa das veias jugulares 4 . Vários autores relatam<br />
que estudos de velocidade de condução nervosa nos<br />
nervo mediano e ulnar são normais (sem bloqueio de<br />
condução), o que sugere um comprometimento das<br />
células da ponta anterior da medula cervical 7,9 . Em<br />
contrapartida, alterações neurogênicas crônicas foram<br />
encontradas durante estudos envolvendo eletroneuromiografia<br />
(ENM), caracterizados por potenciais<br />
de amplitude aumentados e polifásicos, compatíveis<br />
ao processo patofisiológico de desnervação aguda e<br />
reinervação crônica 10 .<br />
A DH ou Amiotrofia Muscular Juvenil de<br />
Membros Superior é comumente encontrada no<br />
Oriente, porém há relatos, como no presente estudo,<br />
de casos em países ocidentais 7,11 . Essa afecção é<br />
caracterizada por ser uma forma rara de doença do<br />
neurônio motor inferior, afetando um único membro<br />
superior de forma focal 12 . O termo atrofia muscular<br />
espinhal distal também foi sugerido pelas evidências<br />
de progressão da doença para segmentos adjacentes<br />
e de anormalidades eletromiográficas nos membros<br />
inferiores de alguns pacientes, o que indicaria um envolvimento<br />
mais generalizado da medula espinhal 13 .<br />
A etiologia da DH ainda é muito discutida. Porém,<br />
o mecanismo mais aceito é considerado o movimento<br />
brusco e repetido de flexão do pescoço, que<br />
ocasiona um achatamento da medula espinhal cervical<br />
14-16 . Entretanto, há relatos de pacientes com manifestações<br />
clínicas típicas da DH, mas que não apresentam<br />
qualquer anormalidade da coluna cervical<br />
ou estruturas adjacentes, nem compressão dinâmica<br />
da medula espinhal 17 . Diante de suas características<br />
clínicas, imaginológicas e eletrofisiológicas, podemos<br />
diferenciá-la de outras AMB. Esse epônimo poderia<br />
ser utilizado apenas como a forma distal do membro<br />
superior (variante de Hirayama) da AMB. Os profissionais<br />
de saúde devem realizar uma avaliação detalhada,<br />
levando em consideração a clínica e o resultados<br />
de exames complementares. Não existem estudos<br />
que relacionam a DH à terapia física 18 . Acreditamos<br />
que um programa cauteloso de exercícios/atividades<br />
voltados à prevenção ou minimização de contraturas<br />
e treino de habilidades funcionais possa oferecer<br />
benefícios aos pacientes. Os fisioterapeutas precisam<br />
ser cautelosos ao iniciarem as medidas reabilitativas,<br />
principalmente para não provocarem uma demanda<br />
metabólica intensa sobre os neurônios motores remanescentes,<br />
contribuindo assim para um possível agra-<br />
vamento do quadro 18 . O paciente do presente relato<br />
foi submetido a técnicas de alongamento e movimentos<br />
ativos livres para o membro superior, e recebeu<br />
orientações quanto à redução de atividades exaustivas<br />
e pausas no período de trabalho para repouso<br />
e realização de alongamentos, a fim de evitar danos<br />
por uso excessivo e contraturas por posturas viciosas.<br />
Faz-se necessária a realização de novas pesquisas, não<br />
somente por tornarem o diagnóstico mais preciso,<br />
devido à semelhança da DH com outras amiotrofias,<br />
mas principalmente pela busca do agente etiológico<br />
envolvido com a doença 9 .<br />
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253<br />
Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3:251–253
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Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando<br />
na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São<br />
Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor<br />
e endereço para correspondência.<br />
Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica<br />
do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado<br />
em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder<br />
200 palavras.<br />
Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o<br />
Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte<br />
descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br).<br />
Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente:<br />
introdução e objetivo; método (sujeitos ou relato de caso,<br />
Comitê de Ética, Consentimento Informado, procedimento ou<br />
intervenção e análise estatística) com detalhes suficientes para a<br />
pesquisa poder ser duplicada, resultados (apresentados de forma<br />
clara e concisa), discussão (interpretação dos resultados comparados<br />
à literatura), conclusões, agradecimentos, referências<br />
bibliográficas. As abreviações devem vir acompanhadas do seu<br />
significados na primeira vez que aparecerem no texto. Nomes<br />
comerciais e marcas registradas devem ser utilizadas com parcimônia,<br />
devendo-se dar preferência aos nomes genéricos.<br />
Quadros, Gráficos e Tabelas: até 5, apresentadas em páginas<br />
separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar<br />
seu número de ordem, título e legenda.<br />
Figuras: até 2 ilustrações com tamanho não superior a 6 cm<br />
x 9 cm cada uma, com alta resolução. As fotos devem ser em<br />
preto e branco contrastadas com eventuais detalhes como setas,<br />
números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número<br />
de ordem e legenda, devem ser encaminhadas em outro arquivo<br />
com nome do autor e do artigo. Ilustrações reproduzidas de<br />
textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de<br />
reprodução, tanto do autor como da publicadora.<br />
Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado,<br />
será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por<br />
número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde<br />
que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido<br />
não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas.<br />
Referências: Até cerca de 30 (as Revisões Sistemáticas deverão<br />
solicitar o aumento do número de referências ao Editor, conforme<br />
a necessidade), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo<br />
254
do artigo. Todos os autores e trabalhos citados no texto devem<br />
constar na listagem de referências bibliográficas. No texto, as<br />
citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados<br />
por ordem de sua citação no texto, utilizando-se números arábicos<br />
sobrescritos segundo o estilo Vancouver (www.icmje.org). Por<br />
exemplo: “....o horário de ir para a cama e a duração do sono na<br />
infância e adolescência 6-12,14,<strong>15</strong> .”<br />
As referências devem ser ordenadas consecutivamente na ordem<br />
na qual os autores são mencionados no texto. Mais de 6 autores,<br />
listar os 6 primeiros seguidos de “et al.”.<br />
a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do periódico<br />
(abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume: página<br />
inicial – final.<br />
Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of attention-deficit/hyperactivity<br />
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syndrome. Sleep 2004;27:1499-504.<br />
b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não<br />
for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação:<br />
editora, ano, total de páginas.<br />
Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep<br />
medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company,<br />
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c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo.<br />
In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for a<br />
primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora,<br />
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d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento<br />
e seu número, se for o caso): página(s). Quando não publicado<br />
em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi<br />
publicada: editora, ano, página(s).<br />
Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive<br />
dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003;<br />
26(Suppl):A135.<br />
e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto<br />
entre parênteses.<br />
f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação).<br />
Cidade: instituição, ano, número de páginas.<br />
Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade<br />
de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP,<br />
2004, 75p.<br />
g) Documento eletrônico: Título do documento (Endereço<br />
na Internet). Local: responsável (atualização mês/ano; citado<br />
em mês/ano). Disponível em: site.<br />
Ex.: The pre-history of cognitive science (endereço na<br />
Internet). Inglaterra: World Federation Neurology. (última<br />
atualização 12/2005; citado em 01/2006). Disponível em:<br />
http://www.wfneurology.org/index.htm.<br />
Artigos de Revisão de Literatura e Atualização: revisão crítica<br />
de literatura ou atualização relativo à neurociências, com<br />
ênfase em causa, diagnóstico, prognóstico, terapia ou prevenção<br />
(8000 palavras).<br />
Título: em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito<br />
ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação,<br />
não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos<br />
informativos.<br />
Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) por extenso. Referir<br />
a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo.<br />
Referir formação acadêmica, títulação máxima e vínculo<br />
profissional de cada autor, ex.: 1- Neurologista, Livre Docente,<br />
Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando<br />
na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São<br />
Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor<br />
e endereço para correspondência.<br />
Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica<br />
do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado<br />
em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder<br />
200 palavras.<br />
Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o<br />
Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte<br />
descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br).<br />
Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente:<br />
introdução, conclusão e referências bibliográficas.<br />
Referências: até 100 referências, seguindo o sistema numérico<br />
por ordem de sua citação no texto segundo o estilo Vancouver.<br />
Quadros e Tabelas: até 2, apresentadas em páginas separadas<br />
e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de<br />
ordem, título e legenda.<br />
Artigos de Resenha: análise crítica de livros publicados, teses e<br />
dissertações dos últimos dois anos (3000 palavras).<br />
As Resenhas de livros, teses ou dissertações devem seguir os itens:<br />
título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito<br />
ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação,<br />
não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos<br />
informativos; nome do(s) revisor(es), com formação, titulação<br />
acadêmica e vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi<br />
realizado, endereço para correspondência; referência completa<br />
da obra seguindo estilo Vancouver; corpo do texto contendo:<br />
tema, hipótese ou idéia central; argumentos; evidências científicas;<br />
avaliação pessoal quanto à organização da obra, pontos<br />
fortes e fracos, bibliografia utilizada, benefícios, trabalhos semelhantes;<br />
conclusão, críticas e comentários.<br />
Ensaios: pesquisas, análises e avaliações de tendência teórico-metodológicas<br />
e conceituais da área das neurociências<br />
(3000 palavras). Deverão conter: título em inglês e em português<br />
ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas<br />
contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo<br />
90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos;<br />
nome do(s) autor(es), com formação, titulação acadêmica e<br />
vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi realizado,<br />
endereço para correspondência; e no máximo 10 referências<br />
bibliográficas.<br />
Texto de Opinião e Carta ao Editor: devem conter opinião<br />
qualificada sobre um tema na área de neurociências, nota curta,<br />
crítica sobre artigo já publicado na Revista Neurociências ou<br />
relato de resultados parciais ou preliminares de pesquisa (1000<br />
palavras).<br />
Deverão conter: título em inglês e em português ou espanhol,<br />
sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente<br />
para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista<br />
prefere títulos informativos; nome do(s) autor(es), com formação,<br />
titulação acadêmica e vínculo profissional, instituição onde<br />
o trabalho foi realizado, endereço para correspondência; e no<br />
máximo 10 referências bibliográficas.<br />
Modelo de Carta de Autorização e Declaração de Conflito de<br />
Interesse: http://www.revistaneurociencias.com.br<br />
Instructions for authors: http://www.revistaneurociencias.com.br<br />
255 Rev Neurocienc 2007;<strong>15</strong>/3