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ISSN 0104-8112<br />

Terra<br />

Revista<br />

e Cultura<br />

cadernos de ensino e pesquisa<br />

ano<br />

X<br />

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III<br />

Janeiro a Julho<br />

2007<br />

nº 44


CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

ENTIDADE MANTENEDORA:<br />

INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA<br />

Diretoria:<br />

Sra. Ana Maria Moraes Gomes ....................................... Presidente<br />

Sr. Edson Aparecido Moreti ............................................ Vice-Presidente<br />

Dr. Claudinei João Pelisson ............................................. 1º Secretário<br />

Sra. Edna Virgínia C. Monteiro de Melo .......................... 2ºVice-Secretário<br />

Sr. Alberto Luiz Candido Wust ....................................... 1º Tesoureiro<br />

Sr. José Severino ............................................................. 2º Vice-Tesoureiro<br />

Dr. Osni Ferreira (Rev.) ................................................... Chanceler<br />

Dr. Eleazar Ferreira.......................................................... Reitor


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TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


ISSN 0104-8112<br />

TERRA E CULTURA<br />

Ano XXIII – nº 44 – Janeiro a Julho de 2007<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

PRESIDENTE<br />

Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães<br />

Conselho Editorial Interno<br />

Prof. Ms. A<strong>da</strong>lberto Bran<strong>da</strong>lize<br />

Prof. Ms. Ademir Morgenstern Padilha<br />

Profa. Dra. Damares Tomasin Biazin<br />

Profa. Dra. Denise Hernandes Tinoco<br />

Profa. Ms. Elen Gongora Moreira<br />

Profa. Esp. Izabel Fernandes G. de Souza<br />

Prof. Dr. João Antonio Cyrino Zequi<br />

Prof. Dr. João Juliani<br />

Prof. Ms. José Antônio Baltazar<br />

Prof. Ms. José Martins Trigueiro Neto<br />

Profa. Dra. Lenita Brunetto Bruniera<br />

Prof. Ms. Marcos Roberto Garcia<br />

Profa. Ms. Maria Eduvirges Marandola<br />

Profa. Ms. Marisa Batista Brighenti<br />

Profa. Ms. Marta Regina F. de Oliveira<br />

Profa. Dra. Miriam Ribeiro Alves<br />

Profa. Ms. Patrícia Martins C. Branco<br />

Prof. Ms. Pedro Lanaro<br />

Prof. Dr. Sérgio Akio Tanaka<br />

Profa. Ms. Silvia do Carmo Pattarelli<br />

Profa. Esp. Thais Berbert<br />

Conselho Editorial Externo<br />

Prof. Dr.Ab<strong>da</strong>lah Achour Junior<br />

Profa. Ms. Angela Maria de Sousa Lima<br />

Profa. Dra. Dirce S. Fujisawa<br />

Profa. Dra. Gislayne Fernandes L.<br />

Trin<strong>da</strong>de Vilas Boas<br />

Prof. Ms. Ivan Dutra<br />

Prof. Dr. Jefferson Rosa Cardoso<br />

Prof. Dr. José Eduardo Garcia<br />

Prof. Dr. José Miguel Arias Neto<br />

Prof. Dr. Laurival Antonio Vilas Boas<br />

Profa. Dra. Lúcia Helena Tiosso Moretti<br />

Prof. Dr. Luis Filipe Silverio Lima<br />

Profa. Ms. Mara Lúcia Garanhani<br />

Profa. Ms. Marcia Josefina Beffa<br />

Profa. Ms Márcia Regina Garanhani<br />

Profa. Ms. Maria Elisa Pacheco<br />

Profa. Dra. Nair Simone de Toledo Costa<br />

Profa. Ms. Patrícia Queiroz<br />

Profa. Dra. Selma Frossard Costa<br />

Profa. Ms. Silvia Helena Carvalho<br />

3<br />

REVISORES<br />

Júlio Marcos Secco Delallo<br />

Tadeu Elisbão<br />

SECRETARIA<br />

Barbara Vilas Boas Gomes<br />

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO<br />

Wagner Werner<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Janeiro a Julho 2007


R349<br />

Revista Terra e Cultura: cadernos de ensino e pesquisa, v.1, n.1, jan./<br />

jun., 1985- . – Londrina: <strong>UniFil</strong>, 1985.<br />

Semestral<br />

Revista <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário Filadélfia.<br />

ISSN 0104-8112<br />

Filadélfia<br />

1. Educação superior – periódicos. I. <strong>UniFil</strong> – Centro Universitário<br />

CDD 378.05<br />

Bibliotecária responsável Thais Fauro Scalco CRB 9/1165


CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA<br />

REITOR:<br />

Dr. Eleazar Ferreira<br />

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO:<br />

Prof. Ms. Jose Gonçalves Vicente<br />

COORDENADORA DE CONTROLE ACADÊMICO:<br />

Profª Esp. Helena Fumiko Morioka<br />

COORDENADORA DE AÇÃO ACADÊMICA:<br />

Laura Maria dos Santos Maurano<br />

PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO:<br />

Profª. Dra. Damares Tomasin Biazin<br />

COORDENADOR DE PROJETOS ESPECIAIS E ASSESSOR DO REITOR:<br />

Prof. Ms. Reynaldo Camargo Neves<br />

COORDENADOR DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS:<br />

Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães<br />

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:<br />

Administração<br />

Prof. Luís Marcelo Martins<br />

Arquitetura e Urbanismo Prof. Ivan Prado Junior<br />

Biomedicina<br />

Prof. Eduardo Carlos Ferreira Tonani<br />

Ciências Biológicas<br />

Prof. João Antônio Cyrino Zequi<br />

Ciências Contábeis<br />

Prof. Eduardo Nascimento <strong>da</strong> Costa<br />

Ciência <strong>da</strong> Computção<br />

Prof. Sérgio Akio Tanaka<br />

Direito<br />

Prof. Osmar Vieira <strong>da</strong> Silva<br />

Educação Física<br />

Prof. Pedro Lanaro Filho<br />

Enfermagem<br />

Profª .Maria Lúcia <strong>da</strong> Silva Lopes<br />

Farmácia<br />

Profª. Lenita Brunetto Bruniera<br />

Fisioterapia<br />

Profª. Suhaila Mahmoud Smaili Santos<br />

Nutrição<br />

Profª. Ivoneti Barros Nunes de Oliveira<br />

Pe<strong>da</strong>gogia<br />

Profª. Marta Regina Furlan de Oliveira<br />

Psicologia<br />

Profª. Denise Hernandes Tinoco<br />

Secretariado Executivo Profª. Izabel Fernandes Garcia Souza<br />

Sistema de Informação Prof. Sérgio Akio Tanaka<br />

Teologia<br />

Prof. Joaquim José de Moraes Neto<br />

Turismo<br />

Profª. Michelle Ariane Novaki<br />

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430<br />

Fone: (0xx43) 3375-7400 - Londrina - Paraná<br />

www.unifil.br


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TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


EDITORIAL<br />

O número 44 <strong>da</strong> Revista Terra e Cultura chega com novi<strong>da</strong>des: além <strong>da</strong> tradicional<br />

publicação dos artigos divididos em núcleos de estudos, o leitor também poderá conferir os artigos<br />

do Prêmio de Iniciação Científica 2006. Essa seleção de artigos é parte integrante do Simpósio de<br />

Iniciação Científica <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>, que em 2007 alcança a edição número 15. Dos inscritos para o XIV<br />

Simpósio, dois artigos foram selecionados e, como premiação, estão tendo seus trabalhos divulgados<br />

no nosso mais importante periódico. Além desta novi<strong>da</strong>de, temos a publicação on-line deste<br />

periódico e o lançamento de suas “irmãs”: a Revista Eletrônica de Educação, já com o primeiro<br />

número disponível, e a Revista Eletrônica de Negócios, em fase de implantação. Este conjunto de<br />

periódicos pode ser acessado pelo site www.unifil.br.<br />

Em relação aos artigos publicados, o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ciências<br />

Sociais Aplica<strong>da</strong>s – NEPCSA - apresenta discussões volta<strong>da</strong>s para a gestão de pessoas, o papel<br />

ocupado pelas mulheres nas instituições vincula<strong>da</strong>s ao Estado e um artigo abor<strong>da</strong>ndo banco de<br />

<strong>da</strong>dos. No Núcleo de Estudos e Pesquisa Educacionais – NEPE, a avaliação é discuti<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong><br />

análise de uma ferramenta importante e inovadora: o Portfólio. A ética e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é tema de<br />

artigo num estudo de caso acerca <strong>da</strong> UNIOESTE, de Marechal Cândido Rondon e em discussão<br />

acerca <strong>da</strong> indisciplina em sala de aula. Na área de saúde e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, temos uma diversi<strong>da</strong>de<br />

de temas, como: medicamentos fitoterápicos e alopáticos; uma análise de espécies de<br />

ORCHIDACEAE localiza<strong>da</strong>s nas dunas de Abaeté, em Salvador-BA; uma discussão sobre cateter<br />

venoso. Na área de psicologia, dois artigos que tratam <strong>da</strong> teoria comportamental; e um importante<br />

trabalho sobre visita domiciliar, na área de enfermagem. Por fim, dois artigos abor<strong>da</strong>m os<br />

vínculos entre arquitetura e elementos culturais.<br />

7<br />

Boa Leitura.<br />

Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães<br />

Presidente do Conselho Editorial<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


SUMÁRIO<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS -<br />

NEPCSA<br />

O MOVIMENTO DE MULHERES E OS NOVOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS<br />

ESTATAIS ................................................................................................................. 13<br />

WOMEN’S RIGHTS MOVEMENT AND NEW STATE INSTITUTIONAL OPPORTUNITIES<br />

Silvana Aparecido Mariano<br />

IMPASSES NA FORMAÇÃO DO GESTOR DE PESSOAS ..................................... 28<br />

IMPASSES ON THE FORMATION OF PERSONNEL MANAGER<br />

Marcia Josefina Beffa<br />

COMPARATIVO ENTRE BANCO DE DADOS ORIENTADOS A OBJETO ........ 39<br />

COMPARATIVE AMONG DATABASE OBJECT ORIENTATION<br />

Reinaldo Carlos Godinho Tonani<br />

A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EDUCACIONAIS - NEPE<br />

AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O PORTFÓLIO COMO<br />

FERRAMENTA ................................................................................................... 57<br />

EVALUATION ON INFANTILE EDUCATION: THE PROFILE AS A TOOL<br />

Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

ÉTICA E CIDADANIA NOS PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS EM CUR-<br />

SOS DE GRADUAÇÃO: UM ESSTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE ES-<br />

TADUAL DO OESTE DO PARANÁ – CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO<br />

RONDON-PR ........................................................................................................... 69<br />

ETHICS AND CITIZENSHIP ON POLITICAL-PEDAGOGICAL PROJECTS IN GRADUATION COURSES: A<br />

CASE STUDY AT UNIVERSIESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – CAMPUS DE MARECHAL<br />

CÂNDIDO RONDON-PR<br />

Alvori Ahlert<br />

9<br />

INDISCIPLINA EM SALA-DE-AULA: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO<br />

E SUAS IMPLICAÇÕES ......................................................................................... 81<br />

INNDISCIPLINE IN CLASSROOM: A DISCUSSION OVER THE CONCEPT AND ITS APPPLICATIONS<br />

Fernan<strong>da</strong> Martins Melo<br />

Vânia Maria Ferreira<br />

Patrícia Casaroli<br />

João Juliani<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA -<br />

NEPSV<br />

VALIDAÇÃO DE METODOLOGIA ANALÍTICA PARA DETERMINAÇÃO DE<br />

ÁCIDO ASCÓRBICO (VITAMINA C) EM MEDICAMENTOS<br />

FITOTERÁPICOS E ALOPÁTICOS ...................................................................... 89<br />

ANALYTIC METHODOLOGY VALIDATION FOR DETERMINATION OF ASCORBIC ACID (VITAMIN C)<br />

IN ALLOPATHIC AND FITOTHERAPIC MEDICATION<br />

Carla Renata Merlo<br />

Miriam Ribeiro Alves<br />

Suzana Mali<br />

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TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Janeiro a Julho 2007


ANÁLISE CITOGENÉTICA DE ESPÉCIES DE ORCHIDACEAE DE OCORRÊN-<br />

CIA NAS DUNAS DO ABAETÉ (SALVADOR, BA - BRASIL) ........................... 93<br />

CYTOGENETIC ANALISYS OF SPECIES OF ORCHIDACEAE WHITH OCCURENCE ON ABAETÉ<br />

DUNES (SALVADOR, BA – BRAZIL)<br />

Leila Patrício <strong>da</strong> Conceição<br />

Luciana Veiga Barbosa<br />

CATETER VENOSO TOTALMENTE IMPLANTÁVEL .......................................... 99<br />

TOTALLY IMPLANTABLE VENOSE CATHETER<br />

Ana Paula Marcolini Geraix<br />

Giselle Furtado de Campos<br />

Rosangela Galindo de Campos<br />

VISÃO DE HOMEM NA TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL ......... 110<br />

BEHAVIORAL ANALITIC THERAPY: A WORLDVIEW<br />

Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira<br />

O PERCURSO HISTÓRICO DA TERAPIA COMPORTAMENTAL .................... 118<br />

BEHAVIOR THERAPY HISTORICAL COURSE<br />

Marcos Roberto Garcia<br />

ANÁLISE DA VISITA DOMICILIAR PÓS-ALTA HOSPITALAR EM CORNÉLIO<br />

PROCÓPIO-PR ...................................................................................................... 127<br />

ANALYSIS OF THE DOMICILIARY VISIT POST-DISCHARGE FROM HOSPITAL IN CORNÉLIO<br />

PROCÓPIO, PARANÁ. 2006<br />

Claudiane de Andrade<br />

Damares Tomasin Biazin<br />

10<br />

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM ARQUITETURA E URBANISMO -<br />

NEPAU<br />

ESPAÇOS ARQUITETÔNICOS PARA CULTURA E FOLCLORE ....................... 145<br />

ARCHITECTURAL SPACES FOR CULTURE AND FOLKLORE<br />

Cíntia de Paula Cardoso<br />

Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

ESPAÇO CULTURAL MOKITI OKADA EM LONDRINA ................................... 161<br />

MOKITI OKADA CULTURAL AREA IN LONDRINA<br />

Fabiane Sayuri Ito<br />

Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

PRÊMIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO ACADÊMICA E A ATUAÇÃO PROFISSIO-<br />

NAL DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM ESTUDO BIBLIO-<br />

GRÁFICO ............................................................................................................... 175<br />

THE RELATIONSHIP BETWEEN ACADEMICAL FORMATION AND PHYSICAL EDUCATION<br />

TEACHERS’ PROFESSIONAL ACTING: A BIBLIOGRAPHIC STUDY<br />

Francine Daiane Forlini<br />

José Augusto Victória Palma<br />

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UMA PROPOSTA PARA ARAPONGAS – PR: PROMOVER A INCLUSÃO DO<br />

CATADOR DE LIXO E SEU BEM ESTAR SOCIAL ......................................... 183<br />

A PROPOSAL FOR ARAPONGAS: TO PROMOTE SOCIAL INCLUSION AND WELFARE FOR GARBAGE<br />

WORKERS<br />

Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira<br />

Jaqueline Milani<br />

Keila Regina Gonçalves<br />

Patrícia Martins Castelo Branco<br />

Silvia do Carmo Pattarelli<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

APLICADAS - NEPCSA


O Movimento de Mulheres e os Novos Espaços Institucionais Estatais<br />

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Silvana Aparecido Mariano<br />

O MOVIMENTO DE MULHERES E OS NOVOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS<br />

ESTATAIS<br />

WOMEN’S RIGHTS MOVEMENT AND NEW STATE INSTITUTIONAL OPPORTUNITIES<br />

Silvana Aparecido Mariano*<br />

RESUMO:<br />

O presente estudo analisa a relação do movimento de mulheres com o poder público local, em<br />

Londrina/Paraná, privilegiando a interação com os novos espaços institucionais estatais. A criação<br />

de órgãos como Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher e Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong> Mulher<br />

representa uma novi<strong>da</strong>de na estrutura do aparelho estatal e em sua lógica burocrática. Tal novi<strong>da</strong>de<br />

veio inspirar um esforço de análise e uma constante reflexão sobre a relação dos movimentos<br />

de mulheres com o Estado e suas conseqüentes implicações para o modo de participação do sexo<br />

feminino na arena pública. Esse contexto também é importante para se analisar o processo de em<br />

ponderamento <strong>da</strong>s mulheres e repensar o tema <strong>da</strong> autonomia dos movimentos de mulheres. Não<br />

obstante os limites e ambigüi<strong>da</strong>des na experiência de Londrina, a interação entre organizações<br />

comunitárias femininas, a Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher e o Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong><br />

Mulher, tem também forjado possibili<strong>da</strong>des de maior propagação dos debates sobre mulher e gênero,<br />

tanto no seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, quanto no interior <strong>da</strong> administração municipal. Assim, não há apenas<br />

“tradução político-culturais” de gênero, mas também a politização de questões de gênero.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Feminismo, Movimento de Mulheres; Estado; Políticas Públicas; Gênero.<br />

ABSTRACT:<br />

This study analyzes the relationship between women’s rights movement and local public power in<br />

Londrina, State of Paraná, focusing on the interaction with new state wise institutional opportunities.<br />

The foun<strong>da</strong>tion of instituions such as the Municipal Secretary of Women’s Affairs and Municipal<br />

Council for Women’s Rights, represents a novelty in the structure of the state apparatus and in its<br />

bureaucracy. Such novelty encourages an effort for analysis as well as constant reflection on the<br />

relationship between women’s rights movements with the State, and the resulting implications for<br />

the participation of women in public affairs. Such context is also important for the analysis of the<br />

empowerment of women and the consideration of the autonomy of women’s rights movements. In<br />

spite of the limits and ambiguities in this kind of experience in Londrina, the interaction between<br />

women’s community organizations, the Special Secretarry of Women’s Affairs and the Municipal<br />

Council for Women’s Rights, have created possibilities for greater discussion of women and gender<br />

issues, both in the community and in municipal administration. Thus, the debate is not limited to<br />

“political-cultural interpretations” of gender, but also includes the politization of gender related<br />

issues.<br />

13<br />

KEY WORDS: Feminism; Women’s Movements; State; Public Policies; Gender.<br />

*Possui graduação em Ciências Sociais pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina (1998) , especialização em Sociologia e<br />

Sociologia <strong>da</strong> Educação pela Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina (2000) e mestrado em Sociologia Política pela Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal de Santa Catarina (2001).<br />

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O Movimento de Mulheres e os Novos Espaços Institucionais Estatais<br />

INTRODUÇÃO<br />

14<br />

Este é um “paper” resultante de pesquisa realiza<strong>da</strong> em Londrina, nos anos de<br />

2000 e 2001, para elaboração de uma dissertação de mestrado sobre a relação dos movimentos de<br />

mulheres com o poder público local ** Vale destacar algumas <strong>da</strong>s características sobre a situação<br />

local.<br />

Em Londrina, o protagonismo dos movimentos de mulheres encontra-se nas organizações<br />

comunitárias femininas (OCFs), que se expandiram ao longo <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de 1980 e 1990.<br />

É também característica a ausência de grupos feministas atuantes na ci<strong>da</strong>de (MARIANO e<br />

GALVÃO, 2000).<br />

O poder público municipal apresenta algo ain<strong>da</strong> muito pouco comum nos municípios<br />

brasileiros: a existência de uma Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher, com origem em uma<br />

Coordenadoria Especial <strong>da</strong> Mulher, implanta<strong>da</strong> em 1993, e o Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong><br />

Mulher, implantado em 1999. Ao discutirmos a caracterização <strong>da</strong> relação entre o movimento de<br />

mulheres com o Estado, em Londrina, interessa-nos analisá-la a partir <strong>da</strong> interação entre estes três<br />

atores políticos: as organizações comunitárias femininas, o Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong><br />

Mulher e Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher.<br />

O Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong> Mulher, por ser um órgão de composição<br />

paritária, exige um tratamento analítico diferenciado. Embora seja uma instituição incorpora<strong>da</strong> à<br />

estrutura <strong>da</strong> administração municipal, este órgão é também composto por representantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

civil, de forma geral, e dos movimentos de mulheres, em particular. Portanto, temos que<br />

levar em consideração que envolve, ao mesmo tempo, representação do governo e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

civil. Por esta razão, este é um “palco” privilegiado de observação e de análise sobre a atuação dos<br />

movimentos de mulheres nos novos espaços institucionais estatais.<br />

O Protagonismo <strong>da</strong>s Organizações Comunitárias e o Enfoque do Gênero<br />

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O surgimento <strong>da</strong>s organizações comunitárias femininas (OCFs) em Londrina, na<br />

déca<strong>da</strong> de 80, foi marcado pela influência <strong>da</strong> Igreja Católica, a exemplo do que ocorrera de modo<br />

geral no Brasil. Além dos tradicionais clubes de mães, havia uma organização denomina<strong>da</strong> “Movimento<br />

Popular de Mulheres do Paraná” que tinha como principais bandeiras o incentivo à participação<br />

política feminina e a luta pela melhoria na quali<strong>da</strong>de do atendimento à saúde <strong>da</strong> mulher<br />

(MARIANO e GALVÃO, 2000).<br />

No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, uma liderança do Movimento Popular de Mulheres do<br />

Paraná, motiva<strong>da</strong> pela experiência no Movimento e pela necessi<strong>da</strong>de de buscar melhorias para sua<br />

região, e contando com o incentivo de uma assistente social <strong>da</strong> Prefeitura do Município de Londrina,<br />

articulou a formação <strong>da</strong> Associação de Mulheres Batalhadoras do Jardim Franciscato, cria<strong>da</strong><br />

em 1991. Esta Associação marca uma nova fase no movimento popular de mulheres em Londrina,<br />

diferenciando-se <strong>da</strong>s experiências dos clubes de mães. Ela também serviu como exemplo e estímulo<br />

para formação de outras associações de mulheres de caráter comunitário.<br />

**Tese de Mestrado defendi<strong>da</strong> junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa<br />

Catarina, sob a orientação <strong>da</strong> Profª. Drª. Ilse Scherer-Warren.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Silvana Aparecido Mariano<br />

A partir deste período reduziu-se o papel desempenhado pela Igreja Católica na<br />

formação de grupos de mulheres e acentuou-se a influência dos órgãos públicos municipais, especialmente<br />

após a criação <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher, em 1993. Somando-se a atuação <strong>da</strong> Associação<br />

de Mulheres Batalhadoras do Jardim Franciscato, com a atuação <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher e <strong>da</strong><br />

Secretaria de Assistência Social, assistiu-se, na déca<strong>da</strong> de 90, a um relativo afastamento <strong>da</strong> Igreja<br />

Católica no que diz respeito à iniciativa e estímulo para fomentar a criação de organizações de<br />

mulheres.<br />

Este novo contexto produziu mu<strong>da</strong>nças no perfil <strong>da</strong>s organizações de mulheres<br />

cria<strong>da</strong>s nas periferias de Londrina na déca<strong>da</strong> de 90. Elas passaram a empregar, preferencialmente,<br />

o nome de ‘associação de mulheres’ ou, por vezes, ‘grupo de mulheres’, numa tentativa delibera<strong>da</strong><br />

de se diferenciarem dos clubes de mães e de substituir a terminologia “mãe” por “mulheres”. No<br />

entanto, esta tentativa não representou, necessariamente, a politização a respeito <strong>da</strong>s diferenças de<br />

identi<strong>da</strong>de entre ser “mãe” e ser “mulher”. Ao longo de seus discursos pode-se apreender uma<br />

noção de “mulher-mãe”. Com isto queremos destacar que o motivo desta mu<strong>da</strong>nça não tinha<br />

ligação com absorção <strong>da</strong>s críticas feministas à associação <strong>da</strong> figura mulher com a materni<strong>da</strong>de.<br />

Ain<strong>da</strong> que essas possíveis identi<strong>da</strong>des não sejam bem delinea<strong>da</strong>s pelas mulheres, já se configura<br />

um avanço, do ponto-de-vista dos movimentos de mulheres, a substituição dos denominados “clubes<br />

de mães”.<br />

Nas abor<strong>da</strong>gens sobre os motivos e os objetivos para a criação <strong>da</strong>s associações de<br />

mulheres, revela-se o domínio <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s ‘de mulheres’ e ‘não para mulheres’. Por deman<strong>da</strong>s<br />

de mulheres, seguindo Elizabeth JELIN, entende-se as questões que atingem o bairro com um todo,<br />

sem distinguir a forma como atingem diferencia<strong>da</strong>mente homens e mulheres (1994). Incluem-se<br />

nesta categoria as deman<strong>da</strong>s por serviços de transporte coletivo, melhoria <strong>da</strong>s moradias, asfalto,<br />

fornecimento de água, implantação de rede de esgoto, atendimento básico na área de saúde e de<br />

educação, entre outros.<br />

Certamente estes são serviços que alteram o cotidiano <strong>da</strong>s mulheres, mas estas, não<br />

os reivindicam a partir de uma óptica de gênero, justificando os benefícios pela condição feminina.<br />

Elas reivindicam com base na defesa do direito à quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> família e de to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de,<br />

justificando-os pela condição de pobreza. Portanto, na fase de criação dessas organizações, as deman<strong>da</strong>s<br />

dessas mulheres estão mais relaciona<strong>da</strong>s às necessi<strong>da</strong>des práticas, que também são influencia<strong>da</strong>s<br />

pela condição de gênero, mesmo não havendo uma politização quanto a isto.<br />

Seguindo a tradicional divisão do trabalho entre os sexos – também chama<strong>da</strong> por<br />

Le<strong>da</strong> Machado de “divisão do trabalho por linhas de gênero”, como forma de incorporar a perspectiva<br />

de gênero em sua denominação – as mulheres historicamente se ocuparam com as ativi<strong>da</strong>des<br />

ditas reprodutivas, as quais engendraram as lutas por atendimento às necessi<strong>da</strong>des práticas (MA-<br />

CHADO, 1995, 1999). As motivações estão presentes também no surgimento dessas associações<br />

de mulheres aqui analisa<strong>da</strong>s, conforme explicitam as falas:<br />

O motivo <strong>da</strong> criação foi determinado mais pela carência no bairro... na época.<br />

Aliás, continua sendo um bairro muito carente... e muito grande também. E a<br />

gente achou que precisava de uma organização de ativi<strong>da</strong>des no âmbito de<br />

uma associação. Como a gente não tinha água, não tinha ônibus, não tinha<br />

rua, não tinha na<strong>da</strong>, então a gente achou que a associação seria uma<br />

organização melhor para reivindicar... para não estar assim um a um resolvendo<br />

problemas individuais (E. T. – OCFs).<br />

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A preocupação no início era o desemprego, mas não só o desemprego, mas<br />

também o atendimento às famílias, porque aqui era assim: só tinha o posto de<br />

saúde e a escola. (...) Uma <strong>da</strong>s coisas que eu mais adorei foi trabalhar na parte<br />

<strong>da</strong> desnutrição e também aquelas famílias assim... eles não ‘tinha’ roupa, eles<br />

não ‘tinha’ comi<strong>da</strong>, eles não ‘tinha’ cobertor. Foi aonde que a associação<br />

trabalhou muito, fomos atrás de cobertor (M. J. – OCFs).<br />

O objetivo que levou a gente a criar a associação foi a necessi<strong>da</strong>de de ter<br />

uma organização que a gente pudesse lutar pela integração <strong>da</strong> mulher na<br />

socie<strong>da</strong>de, a busca de melhoria do bairro, a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e o reconhecimento de<br />

nossos locais onde a gente morava. (...) Não tinha asfalto, não tinha escola,<br />

posto de saúde... então a luta <strong>da</strong> associação era em cima mais dessas<br />

necessi<strong>da</strong>des básicas mesmo e de buscar a integração <strong>da</strong>s famílias e <strong>da</strong><br />

mulher dentro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de (R. B. – OCFs).<br />

A associação de mulheres também tem o objetivo de estar tirando as mulheres<br />

de casa um pouco, para estar conhecendo uma outra reali<strong>da</strong>de, para ver que<br />

além <strong>da</strong> casa, de cui<strong>da</strong>r dos filhos, de cui<strong>da</strong>r de casa e do marido, tem outras<br />

coisas que elas podem conciliar junto com o trabalho de casa (C. B. – OCFs).<br />

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No entanto, algumas dessas mulheres esboçam em suas falas a introdução, também,<br />

de algumas questões relaciona<strong>da</strong>s à situação <strong>da</strong> mulher, especialmente quanto à participação<br />

em ativi<strong>da</strong>des extra-lar, o que contribui de forma significativa para que essas mulheres pobres <strong>da</strong><br />

periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de modifiquem as normas tradicionais que as limitam no âmbito privado do lar e,<br />

dessa forma, propiciam a delas inclusão na vi<strong>da</strong> pública. Estas são situações em que, conforme<br />

Le<strong>da</strong> MACHADO, o prático pode atingir o estratégico (1995, 1999). Corroborando, também, Sônia<br />

ALVAREZ argumenta que a experiência com as mulheres nestas associações fornece uma base<br />

organizativa que tem o potencial de resultar em mobilização política em termos específicos de<br />

classe e gênero (1988). De fato, isto ain<strong>da</strong> não está sedimentado nestas associações, mas é uma<br />

possibili<strong>da</strong>de em aberto, a julgar pelas tentativas já enceta<strong>da</strong>s.<br />

Se a passagem para as deman<strong>da</strong>s de gênero é improvável de ocorrer espontaneamente,<br />

é nossa opinião, contudo, que, diante de determinados contextos de interlocução com outras<br />

vertentes do movimento de mulheres, ou até mesmo com órgãos públicos voltados para essa<br />

temática, tal possibili<strong>da</strong>de pode ser forja<strong>da</strong>. Em Londrina, essa passagem pode ser identifica<strong>da</strong><br />

quando se analisam os motivos aponta<strong>da</strong>s pelas lideranças para a criação <strong>da</strong>s associações de<br />

mulheres associando-os às principais lutas dessas mesmas associações.<br />

Se no primeiro caso os problemas gerais dos bairros centralizavam as preocupações<br />

<strong>da</strong>s lideranças dessas associações, no segundo, conforme se pode interpretar, em certo sentido,<br />

as deman<strong>da</strong>s de gênero aparecem como a categoria de maior representativi<strong>da</strong>de dentre as<br />

reivindicações. Estas deman<strong>da</strong>s compreendem os projetos de geração de ren<strong>da</strong> para a mulher, as<br />

ações que visam ao resgate <strong>da</strong> auto-estima <strong>da</strong> mulher, a diminuição <strong>da</strong> violência contra a mulher e<br />

as reivindicações na área de saúde por parte <strong>da</strong> mulher.<br />

Com as associações, essas mulheres pretendem ampliar a dimensão política de<br />

suas ações, participando de outras esferas que extrapolam o bairro e seus problemas locais; tanto<br />

é assim que a maioria delas desempenha múltipla militância, com participação nos movimentos de<br />

saúde, em partidos políticos e em outros tipos de movimentos.<br />

Quando apontam as dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s pelas associações, as ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s<br />

falam, principalmente, <strong>da</strong>s carências de recursos físicos e financeiros para realizar cursos e desenvolver<br />

as ativi<strong>da</strong>des dos grupos de produção e geração de ren<strong>da</strong>, bem como <strong>da</strong> ausência de um<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Silvana Aparecido Mariano<br />

espaço fixo e com localização privilegia<strong>da</strong> para a comercialização de seus produtos. Mas estas não<br />

são as únicas dificul<strong>da</strong>des. Esbarram também nos obstáculos culturais impostos pelo controle masculino<br />

sobre as mulheres casa<strong>da</strong>s, exigindo com isso a aplicação de estratégias por parte dessas<br />

lideranças para promover a participação feminina. Este tipo de dificul<strong>da</strong>de está presente na avaliação<br />

de muitas <strong>da</strong>s próprias lideranças:<br />

Tem muitas mulheres que ain<strong>da</strong> chegam e dizem assim: ‘ah, eu não posso<br />

ficar em cargo na diretoria porque o meu marido não deixa eu assumir cargo<br />

de diretoria. Eu posso vir participar, assistir palestra e tudo, mas se ele ver<br />

meu nome na chapa <strong>da</strong> diretoria ele vai brigar comigo quando eu chegar em<br />

casa. Eu não vou participar, eu não posso pegar cargo. Gostaria, adoraria<br />

participar, mas não posso’. Nós fomos à Usina Três Bocas, porque elas<br />

queriam constituir uma associação de mulheres, e não criou, não teve mulher<br />

suficiente para montar uma diretoria, porque muitas esbarram de que o marido<br />

não deixa ela pegar cargo numa diretoria de associação, estar ali<br />

representando a comuni<strong>da</strong>de (C. B. – OCF).<br />

A gente tem caso... aconteceu isso com a gente. Tem a tesoureira <strong>da</strong><br />

associação que teve que deixar de ser tesoureira... ela teve que deixar quase<br />

de ser amiga <strong>da</strong> gente, por causa que o marido dela não deixou ela participar.<br />

Ele achou que ela estava mu<strong>da</strong>ndo demais, que ela saía demais, que ela<br />

ficava fora de casa muito tempo e que as coisas ‘ficava’ lá, e que ele chegava<br />

e não tinha na<strong>da</strong> feito e que ele tinha que aju<strong>da</strong>r em casa. Então ele não<br />

deixou ela participar mais e na maioria <strong>da</strong>s vezes ele não deixou ela nem ser<br />

amiga <strong>da</strong> gente, porque se ele pegasse a gente na casa dele conversando<br />

com ela, ele chegava falando lá do portão já (M. C. – OCF).<br />

Nesta associação, as lideranças falam em mu<strong>da</strong>nças na condição de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

mulheres em relação à dominação masculina, mas ao mesmo tempo procuram demonstrar que não<br />

há radicali<strong>da</strong>de e que, acima de tudo, as mu<strong>da</strong>nças no comportamento <strong>da</strong>s mulheres redun<strong>da</strong>rão<br />

em melhorias para to<strong>da</strong> família. Esta forma de conduzir a participação de homens e de mulheres,<br />

buscando alternativas para evitar os conflitos de gênero, representa uma estratégia que busca a<br />

flexibilização <strong>da</strong>s relações de autori<strong>da</strong>de entre os cônjuges. Creio que este seja o começo do que<br />

Beatriz SCHMUKLER chama de “negociação de gênero”, em que as mulheres com práticas<br />

participativas promovem negociações em suas casas, visando melhorar suas posições de autori<strong>da</strong>de<br />

e promover representações e acordos de gênero dentro <strong>da</strong> família que resultem numa maior<br />

pari<strong>da</strong>de (1995).<br />

A negociação de gênero representa uma transgressão dos papéis tradicionais e<br />

uma forma de luta contra a opressão <strong>da</strong>s mulheres. Portanto, é também uma forma de promover<br />

mu<strong>da</strong>nças na estrutura patriarcal, mesmo que estas não sejam ideologicamente bem articula<strong>da</strong>s<br />

nos discursos <strong>da</strong>s mulheres participantes <strong>da</strong>s organizações femininas. A superação <strong>da</strong> condição de<br />

subordinação feminina não é uma categoria discursiva muito presente entre essas lideranças femininas,<br />

mas o desejo <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de entre homens e mulheres o é, o que indica a introdução de<br />

elementos politizadores sobre a questão de gênero.<br />

Quando levantam as conquistas obti<strong>da</strong>s, as mulheres dessas organizações comunitárias<br />

apontam também a importância <strong>da</strong> visibili<strong>da</strong>de política e <strong>da</strong> participação junto aos órgãos<br />

públicos, quebrando a ‘impermeabili<strong>da</strong>de’ do Estado. Assim aparecem as conquistas:<br />

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Eu acho que a maior conquista <strong>da</strong> associação é o reconhecimento do nome,<br />

a marca <strong>da</strong> associação <strong>da</strong>s mulheres batalhadoras. (...) Eu acho que isso é a<br />

conquista maior de todo o mundo, porque era em cima disso que a gente<br />

lutou para que a gente buscasse a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e que fosse reconheci<strong>da</strong> na<br />

socie<strong>da</strong>de. Quando você consegue buscar o nome <strong>da</strong> associação no nível<br />

de divulgação fora do país, do estado, isso eu acho que é a maior conquista<br />

que a gente tem no mundo (R. B. – OCF).<br />

Eu acho que a gente teve muita conquista, as conquistas boas o conhecimento<br />

com os órgãos públicos, tanto prefeitura, câmara de vereadores, que eu não<br />

tinha conhecimento. (...) E foi uma conquista muito grande os ‘curso’ que a<br />

gente fez... as formaturas, foram coisas boas e foram conquistas delas também,<br />

que muitas estão hoje trabalhando, muitas têm até o seu estabelecimento de<br />

trabalho, através do trabalho que ela aprendeu com a gente na associação,<br />

nesse determinado tempo. Então para mim a maior conquista foi essa, porque<br />

não foi só minha, foi minha e delas como um todo (M. C. – OCF).<br />

Eu acho que a primeira conquista que a gente teve foi a criação do ônibus,<br />

dessa linha de ônibus, porque não tinha ônibus aqui e foi uma conquista<br />

muito grande. Outra conquista foi o reconhecimento do povo hoje ... do<br />

atendimento social. E o outro é o trabalho dos grupos mesmo. Porque hoje a<br />

gente tem muita ligação com os grupos, com as próprias secretarias.(...) Isso<br />

para mim é uma grande conquista que nós teve. O conhecimento de como é<br />

trabalhar com o poder público (M. J. – OCF).<br />

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O surgimento dessas organizações comunitárias femininas esteve marcado pela<br />

indistinção entre as questões dos bairros e as questões <strong>da</strong>s mulheres. Atualmente, no entanto, as<br />

diferenças existentes nas falas <strong>da</strong>s ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s no que diz respeito ao processo de formação, de<br />

um lado, e às lutas, conquistas e projetos futuros, do outro, sinalizam a incorporação de elementos<br />

que projetam a possibili<strong>da</strong>de de que as deman<strong>da</strong>s dos bairros e <strong>da</strong>s mulheres sejam abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

como distintas.<br />

Como conseqüência dessa incorporação <strong>da</strong> perspectiva de gênero, elas também<br />

têm incorporado a defesa <strong>da</strong>s políticas públicas como campo de poder para a participação<br />

feminina:<br />

Acho que para o movimento o grande desafio é a gente conquistar as grandes<br />

‘decisão’, que estão ain<strong>da</strong> muito... aquela cultura de nós ‘fazer’ e os outros<br />

‘decidir’. Acho que o movimento tem que começar a trabalhar uma nova<br />

estratégia, como que a gente vai estar nas grandes decisões, nas políticas.<br />

Começar a trabalhar essa questão de decisão de políticas públicas, de ações...<br />

que ain<strong>da</strong> a gente participa muito atrás ain<strong>da</strong> dos outros. Acho que o grande<br />

desafio hoje <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça dos movimentos é ain<strong>da</strong> como nós podemos entrar<br />

nas grandes decisões (R. B. – OCF).<br />

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A politização de gênero, assim como de outras temáticas, exige experiências<br />

participativas em áreas de atuação que permitem a abor<strong>da</strong>gem sobre as relações de gênero e a<br />

subordinação <strong>da</strong> mulher. Em Londrina, os principais campos para esse debate são, sem dúvi<strong>da</strong>, a<br />

Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher e o Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong> Mulher.<br />

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Silvana Aparecido Mariano<br />

Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher<br />

A Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher – SEM, com origem na Coordenadoria Especial<br />

<strong>da</strong> Mulher, cria<strong>da</strong> em 1993, propunha-se tanto a implementar ações executivas próprias, quanto a<br />

interferir na proposição de políticas a serem executa<strong>da</strong>s por outros órgãos <strong>da</strong> administração municipal.<br />

Em seu decreto de regulamentação, assim era defini<strong>da</strong> sua finali<strong>da</strong>de:<br />

(...) propor, coordenar e acompanhar políticas públicas pela ótica de gênero,<br />

assim como desenvolver projetos, visando combater a violência, a<br />

discriminação e o preconceito contra a mulher, além de defender seus direitos.<br />

Dessa forma, este órgão tem um duplo desafio: influenciar as ações e programas<br />

de outros setores do poder executivo e implantar projetos de sua própria responsabili<strong>da</strong>de.<br />

Em que pese a sobrevivência deste órgão desde 1993, é fato que sua manutenção<br />

na estrutura <strong>da</strong> Administração Municipal é fruto de resistência dos movimentos de mulheres, particularmente<br />

<strong>da</strong>s OCFs, e de conflitos destes com os governos municipais. As várias tentativas de<br />

extinção <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher, em todos os governos, demonstram muito bem esta tensão e a<br />

importância dos movimentos de mulheres para assegurar a existência desses novos espaços<br />

institucionais no interior do aparelho estatal.<br />

Para tratarmos do desempenho <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher, pode-se afirmar que sua<br />

capaci<strong>da</strong>de em exercer influência no conjunto <strong>da</strong>s políticas públicas ou programas governamentais<br />

foi tênue em seus impactos. No entanto, no atendimento à mulher em situação de violência e no<br />

estímulo às práticas associativas entre as mulheres, a Secretaria tem obtido maior êxito, pois depende<br />

mais diretamente de seu próprio empenho. Em virtude dos objetivos <strong>da</strong> presente pesquisa,<br />

interessa aqui a atuação <strong>da</strong> Secretaria junto às organizações comunitárias femininas – OCFs.<br />

Da parte <strong>da</strong> Secretaria, desde sua criação em 1993, sempre houve o claro interesse<br />

em articular ações junto às associações de mulheres, em especial as <strong>da</strong> periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />

Com as mu<strong>da</strong>nças de governo e de secretárias, algumas alterações ocorreram quanto às estratégias<br />

para se construir essa articulação. Foram diferenças assenta<strong>da</strong>s no seguinte debate: apoiar<br />

com mais ou com menos recursos os grupos de produção <strong>da</strong>s OCFs; estimular a criação de mais e<br />

novas OCFs ou dedicar-se mais à consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s existentes.<br />

As diferentes respostas definiram-se muito mais pela conjuntura em ca<strong>da</strong> governo,<br />

do que por diferenças nas orientações políticas em si. No primeiro governo do período estu<strong>da</strong>do<br />

(1993-1996), várias associações de mulheres contavam com apoio <strong>da</strong> Secretaria de Assistência<br />

Social, o que reduzia a deman<strong>da</strong> por recursos financeiros <strong>da</strong> então Coordenadoria <strong>da</strong> Mulher. Por<br />

outro lado, era ain<strong>da</strong> pequeno o número de OCFs existentes, o que gerava para a Coordenadoria a<br />

necessi<strong>da</strong>de de estimular a disseminação de organizações de mulheres para o fortalecimento do<br />

movimento e, conseqüentemente, do próprio órgão.<br />

No segundo governo (1997-2000), já era considera<strong>da</strong> significativa a quanti<strong>da</strong>de de<br />

OCFs existentes em Londrina, o que ocasionava grande deman<strong>da</strong> à Secretaria <strong>da</strong> Mulher no<br />

que diz respeito às orientações técnicas e ao apoio financeiro para garantir a estrutura mínima de<br />

funcionamento <strong>da</strong>s associações. Sendo assim, reduziu-se na Secretaria o empenho em fomentar<br />

novos grupos de mulheres e cresceu a pressão por ações que contribuíssem para a consoli<strong>da</strong>ção<br />

dos grupos existentes.<br />

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No conjunto, as ações <strong>da</strong> Secretaria neste período de 1993 a 2000, contribuíram<br />

para o desenvolvimento e manutenção de organizações comunitárias femininas, ocupando um espaço<br />

onde antes atuavam mais a Igreja Católica e a Secretaria de Assistência Social. O objetivo,<br />

ao privilegiar a atuação junto às OCFs, era aproveitar uma área que concentrava boa parte <strong>da</strong><br />

participação <strong>da</strong> mulher e fomentar nesses espaços o debate e a politização sobre a situação <strong>da</strong><br />

mulher, enfoca<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> tematização sobre as relações de gênero. O fortalecimento <strong>da</strong>s organizações<br />

femininas é também uma estratégia de fortalecimento <strong>da</strong> própria Secretaria <strong>da</strong> Mulher, na<br />

medi<strong>da</strong> em que se firmam relações de reciproci<strong>da</strong>de.<br />

Face às características locais, a Secretaria <strong>da</strong> Mulher é o principal ator externo na<br />

interlocução com as OCFs, juntamente com a Associação de Mulheres Batalhadoras do Jardim<br />

Franciscato que sempre procura estender sua ação política de forma a envolver mulheres de<br />

outros grupos. Neste contexto, foi claramente a Secretaria quem assumiu a incumbência de introduzir<br />

nesses setores as temáticas sobre gênero, cobrindo, em parte, a ausência de grupos feministas<br />

na ci<strong>da</strong>de.<br />

Além destas questões, a existência desta nova instituição estatal tem contribuído<br />

para que muitas mulheres pobres <strong>da</strong> periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de conquistem acesso à participação na arena<br />

pública estatal, como demonstram algumas ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s nas seguintes falas:<br />

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Bom, eu acho que a Secretaria (<strong>da</strong> Mulher) foi uma grande parceira que nós<br />

‘encontrou’... porque... eu criei todos os meus filhos e eu não conhecia a<br />

Prefeitura. Hoje a gente se torna... a secretaria... tipo uma casa, você vai lá,<br />

você entra... entra e sai e todos ‘recebe’ a gente como a gente é mesmo.<br />

Porque antigamente você falava assim: ‘ah, eu sou pobre, o que eu vou fazer<br />

lá?’. Hoje a gente não vê isso (M. J. – OCF).<br />

A secretaria deu... além do apoio <strong>da</strong> secretária, <strong>da</strong>s pessoas que trabalham na<br />

secretaria, tem o conhecimento técnico, que muita associação não tem, sabe.<br />

Ajudou a conduzir alguns trabalhos, a buscar as coisas para a associação.<br />

Eu acho que a relação <strong>da</strong> associação com a Secretaria <strong>da</strong> Mulher foi muito<br />

boa, foi uma fase que eu vejo de grande proveito para nós. Porque a gente<br />

teve outros espaços também, saímos do bairro para participar em outros<br />

espaços, de outras coisas, cursos, palestras, várias coisas, as ativi<strong>da</strong>des<br />

que a secretaria estava proporcionando (C. B. – OCF).<br />

Acho que a coordenadoria foi uma grande alavancadora, porque tinha o<br />

espaço, tinha pessoas ‘capacita<strong>da</strong>’ para estar acompanhando esses trabalhos.<br />

Porque o maior problema de criar o grupo, ele é fácil, agora o problema é a<br />

capacitação e a manutenção dessa proposta. Que se você não tem o<br />

acompanhamento do técnico para estar fazendo esse trabalho, você acaba<br />

<strong>da</strong> noite para o dia está sendo acabado esse trabalho (R. B. – OCF).<br />

Além do contato com o poder público, possibilitado via Secretaria <strong>da</strong> Mulher, essas<br />

mulheres revelam também nessas falas a valorização que atribuem ao papel deste órgão como<br />

suporte técnico e político para as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s associações de mulheres.<br />

A criação de um órgão, tal como a Coordenadoria Especial <strong>da</strong> Mulher ou Secretaria<br />

Municipal <strong>da</strong> Mulher, é, indubitavelmente, uma inovação na estrutura do aparelho estatal e em<br />

sua lógica burocrática. A característica de ser um órgão estatal, porém produto de uma proposta<br />

política de um movimento social, no caso o movimento de mulheres, coloca a Secretaria <strong>da</strong> Mulher<br />

em uma posição desafiadora: identifica-se ao mesmo tempo com o Estado e com o movimento de<br />

mulheres, mesmo sendo um órgão executivo e não representativo.<br />

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Silvana Aparecido Mariano<br />

Para Virginia GUZMÁN, a tarefa dessas novas estruturas governamentais revela-se<br />

complexa, ao li<strong>da</strong>r com as lógicas distintas do movimento de mulheres e do Estado. As<br />

mulheres participantes do movimento contam com maior liber<strong>da</strong>de de posicionamentos e defesa de<br />

valores subjacentes à discriminação de gênero. Ao contrário, “... as mulheres que integram a<br />

instituição devem conformar suas propostas às linhas gerais do governo e ter em conta a lógica de<br />

outros setores do Estado (2000, p.75)”. Isto implica em sempre fazerem mediações entre os aspectos<br />

burocráticos e a correlação de forças políticas. Com isto,<br />

A tarefa <strong>da</strong> nova institucionali<strong>da</strong>de resulta ser então bastante complexa, na<br />

medi<strong>da</strong> em que tem de se legitimar diante do movimento de mulheres que lhe deu<br />

origem e também <strong>da</strong>s restrições de um Estado sem experiência e conhecimento,<br />

nem muita sensibili<strong>da</strong>de para com o tema (GUZMÁN, 2000, p.76).<br />

A criação destas estruturas governamentais produz mu<strong>da</strong>nças na relação entre os<br />

movimentos de mulheres e o Estado. No caso de Londrina, analisando os posicionamentos <strong>da</strong>s<br />

mulheres <strong>da</strong>s OCFs e <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher, verifica-se que há uma mútua legitimi<strong>da</strong>de entre<br />

elas, o que tem favorecido a proliferação <strong>da</strong> linguagem de gênero. Entretanto, a maioria <strong>da</strong>s exsecretárias<br />

apresenta uma outra faceta desta relação, que diz respeito às possíveis fragili<strong>da</strong>des,<br />

envolvendo a escassez de propostas por parte <strong>da</strong>s OCFs.<br />

O Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong> Mulher<br />

A partir de 1993, sempre que se colocava em pauta a defesa <strong>da</strong> Coordenadoria ou<br />

Secretaria <strong>da</strong> Mulher, suscitava-se entre as mulheres a importância de se criar um organismo de<br />

representação do movimento de mulheres, como forma de fortalecê-lo e <strong>da</strong>r suporte político às<br />

ações dentro do poder executivo. Disso resultou a criação do Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong><br />

Mulher em 1999, o qual é paritário, com metade <strong>da</strong> representação composta por indicações do<br />

Poder Executivo e Legislativo e metade por mulheres eleitas por instituições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil<br />

organiza<strong>da</strong>, entre vários segmentos sociais *** .<br />

A co-existência <strong>da</strong> Secretaria Municipal <strong>da</strong> Mulher (SMM) e do Conselho Municipal<br />

dos Direitos <strong>da</strong> Mulher (CMDM) representa uma distinção, ao menos conceitual, quanto ao<br />

papel de ca<strong>da</strong> uma dessas estruturas. Na prática, a convivência é ain<strong>da</strong> confusa e as mediações<br />

sobre o nível de interferência de um órgão sobre o outro acaba, muitas vezes, gerando conflitos<br />

entre Secretaria e membros do Conselho.<br />

Em termos gerais, a atuação do Conselho é de estagnação. Duas questões principais<br />

explicam a situação: a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> participação <strong>da</strong>s representantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil e a<br />

dependência estrutural e política em relação à Secretaria. A maior dificul<strong>da</strong>de é que esses dois<br />

fatores tendem a formar um círculo vicioso: a Secretaria se sobrepõe ao Conselho porque as<br />

representações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil não estão capacita<strong>da</strong>s para disputar espaço, no mesmo nível em<br />

que se encontram as representantes <strong>da</strong> Secretaria; a atuação <strong>da</strong>s representantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil<br />

é frágil porque a Secretaria domina e centraliza o saber técnico; ou ain<strong>da</strong>, a Secretaria domina o<br />

Conselho porque, se não o fizer, a “paralisia” seria ain<strong>da</strong> maior, face ao despreparo <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s<br />

conselheiras.<br />

***Quando de sua criação, o Conselho Municipal dos Direitos <strong>da</strong> Mulher era composto por 26 membros titulares e 26<br />

suplentes.<br />

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Estas são questões refleti<strong>da</strong>s por conselheiras, tanto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil como do<br />

governo; em especial, as representantes <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher. Mas os dilemas inerentes ao<br />

problema ain<strong>da</strong> não foram resolvidos. A maioria <strong>da</strong>s mulheres ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s acredita que cabe à<br />

Secretaria a melhor preparação do conjunto de conselheiras, a fim de potencializar as ações do<br />

CMDM. Este é o caso de E. C., que abor<strong>da</strong> a proposta com mais objetivi<strong>da</strong>de em sua fala:<br />

Eu acho que é de grande responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Mulher estar<br />

discutindo com as conselheiras, com quem participa do Conselho, o<br />

necessário desatrelamento e a necessária autonomia que o Conselho tem<br />

que ter diante do governo. Não é um conselho do governo. É um conselho<br />

do qual participam pessoas... é paritário, participam pessoas do governo,<br />

mas é um conselho que tem que ter a sua autonomia e a sua independência,<br />

o que não tem, não tem mesmo, ninguém prova para mim que tem. (...) O<br />

conselho tem que ser autônomo, independente, tem que elogiar o prefeito ou<br />

o governo quando ele acerta, tem que cacetear, exigir, criticar, quando for<br />

necessário. Um conselho acéfalo que tem medo de criticar o governo e que<br />

tem medo de colocar as suas posições não é conselho, conselho é<br />

instrumento de democracia, e não um instrumento para ser usado de acordo<br />

... ao bel prazer do interesse do governo. É isso que tá acontecendo com o<br />

Conselho <strong>da</strong> Mulher, acontece com os outros conselhos ... de modo geral (E.<br />

C. – CEM e CMDM).<br />

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No entanto, esta é uma alternativa muitas vezes ingênua, pois implica que a Secretaria<br />

deveria desencadear uma ação que resultaria na redução do seu poder dentro do Conselho. A<br />

rigor, seria isto possível por parte de quem detém os instrumentos de poder? Em virtude <strong>da</strong>s características<br />

<strong>da</strong> Secretaria, com sua composição de especialistas burocratas e, muitas vezes, sob a<br />

liderança de mulheres sem vínculo anterior com os movimentos de mulheres, muito menos com o<br />

feminismo, creio ser esta uma possibili<strong>da</strong>de remota. Não se trata de atribuir uma política maniqueísta<br />

à SEM, mas também não se pode desprezar os empecilhos impostos pela lógica estatal.<br />

Diferentemente desta expectativa, creio que as iniciativas pró-autonomia do Conselho<br />

devam partir <strong>da</strong>s próprias mulheres do Conselho, preferencialmente <strong>da</strong>quelas sem vínculos<br />

com a Secretaria. Isto é, <strong>da</strong> mesma forma que o conjunto <strong>da</strong> administração precisa ser pressionado<br />

para responder às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s mulheres, a Secretaria também precisa de pressão para reduzir<br />

seu domínio no Conselho.<br />

A conseqüência desta forma de atuação do Conselho e de relação com a Secretaria<br />

é percebi<strong>da</strong> na avaliação que as mulheres <strong>da</strong>s OCFs fazem a respeito dos dois órgãos. Das<br />

nove ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s, cinco não identificam diferenças entre os dois órgãos, sendo que duas destas<br />

disseram não conhecer ativi<strong>da</strong>des específicas do Conselho. Por outro lado, e, em parte em decorrência<br />

desta indistinção, cinco <strong>da</strong>s nove ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s julgam que a Secretaria é mais importante<br />

que o Conselho. Esta é uma situação que reduz a importância dos espaços de participação direta,<br />

no caso o Conselho, o que compromete o potencial democratizador <strong>da</strong> proposta.<br />

Acompanhando o cotidiano do Conselho, a impressão que se tem, via de regra, é<br />

de que as conselheiras “delegam” à Secretaria a tarefa de conduzir os trabalhos e propor ações.<br />

Trata-se do mesmo risco <strong>da</strong> delegação do movimento aos instrumentos estatais, como apontado<br />

por Eva BLAY (1999), mas, desta vez, ocorrendo dentro do próprio Conselho, que, a rigor, é o<br />

instrumento estatal. O fato de muitas <strong>da</strong>s conselheiras “delegar” à SEM a tarefa de condução do<br />

Conselho reforça um formato de participação passiva. Este é um quadro que envolve representan-<br />

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Silvana Aparecido Mariano<br />

tes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil e do poder público **** .<br />

As OCFs, embora não sejam as únicas representantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil no Conselho,<br />

também recebem uma parcela dessa responsabili<strong>da</strong>de, uma vez que estão diretamente envolvi<strong>da</strong>s<br />

com as questões <strong>da</strong> mulher e são o segmento com maior número de representantes no<br />

Conselho, sendo cinco titulares e cinco suplentes. Os demais segmentos que compõem este órgão<br />

têm todos uma vaga de titular e uma vaga de suplente, exceto a própria Secretaria <strong>da</strong> Mulher que<br />

possui duas vagas de titulares e duas de suplentes * **** .<br />

A dificul<strong>da</strong>de em “definir papéis” entre o Conselho e a Secretaria é sempre muito<br />

destaca<strong>da</strong> pelas mulheres ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s que participam do Conselho, sejam <strong>da</strong>s OCFs, sejam <strong>da</strong><br />

Secretaria. Um de seus reflexos são os conflitos gerados entre os dois órgãos quanto à definição<br />

de pertinência de determina<strong>da</strong>s ações, geralmente eventos. Estes conflitos são explicitados na fala<br />

de uma <strong>da</strong>s ent<strong>revista</strong><strong>da</strong>s:<br />

E aí é que eu acho que a gente ficou um pouco prejudica<strong>da</strong>, quando a gente<br />

fazia ação do Conselho e a Secretaria queria abocanhar como proposta <strong>da</strong><br />

Secretaria e que não pode. A Secretaria tem seu espaço, ela tem que muitas<br />

vezes executar ações que o Conselho levanta, mas o Conselho tem que ser<br />

soberano às secretarias. (...) As razões assim de não consultar o Conselho<br />

para ações ou quando o Conselho deliberava as coisas, elas não tinham<br />

priori<strong>da</strong>de. O Conselho ain<strong>da</strong> depende <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> Secretaria, então muitas<br />

questões que o Conselho deliberou, isso foi de certa maneira jogado para o<br />

lado, para que o Conselho não aparecesse mesmo, as ações do Conselho (R.<br />

B. – OCF e CMDM).<br />

Em resumo, algumas conselheiras acreditam que a Secretaria ofusca as ações do<br />

Conselho, enquanto as representantes <strong>da</strong> Secretaria acreditam que o Conselho espera iniciativas<br />

<strong>da</strong> Secretaria para ter visibili<strong>da</strong>de.<br />

Em termos de influências do Conselho nas políticas públicas, os resultados obtidos<br />

foram algumas ações na área <strong>da</strong> saúde, que inclusive recebe atenção especial de boa parte <strong>da</strong>s<br />

conselheiras, em virtude dos vínculos que estas possuem com os conselhos comunitários de saúde.<br />

O Conselho consome bastante de seu tempo com questões administrativas internas<br />

e não obteve resultados significativos quanto à implantação, por parte do governo municipal,<br />

<strong>da</strong>s diretrizes aprova<strong>da</strong>s na Conferência. Entretanto, isto não implica em dizer que este órgão seja<br />

ineficaz.<br />

23<br />

****Sobre esta discussão ver as análises de Guilhermo O’Donnell a respeito <strong>da</strong> democracia delegativa, que resulta na supremacia<br />

do Poder Executivo nas relações de participação (O’DONNELL, 1996 e 1998).<br />

*****Composição do CMDM em 2000: Socie<strong>da</strong>de civil – um representante de organizações não-governamentais; um de<br />

organizações comunitárias de idosos; um de conselhos regionais de saúde; um de enti<strong>da</strong>des do movimento negro; um de<br />

enti<strong>da</strong>des do ensino superior; um de sindicatos de trabalhadores; um de associações profissionais; um <strong>da</strong> Federação de Associações<br />

de Moradores; cinco de organizações comunitárias femininas. Poder Público – um representante do Poder Legislativo<br />

Municipal e 12 representantes do Poder Executivo Municipal, assim discriminados: dois representantes <strong>da</strong> Secretaria Especial<br />

<strong>da</strong> Mulher; um <strong>da</strong> Secretaria de Ação Social; um <strong>da</strong> Autarquia do Serviço Municipal de Saúde; um <strong>da</strong> Secretaria de Cultura; um <strong>da</strong><br />

Secretaria de Educação; um <strong>da</strong> Secretaria de Agricultura e Abastecimento; um <strong>da</strong> Companhia de Habitação de Londrina; um <strong>da</strong><br />

Secretaria de Planejamento e Fazen<strong>da</strong>; um <strong>da</strong> Companhia de Desenvolvimento de Londrina; um <strong>da</strong> Secretaria de Recursos<br />

Humanos e um <strong>da</strong> Autarquia Municipal do Ambiente (Lei Municipal nº 7.652 de 23 de outubro de 1998, com alterações<br />

introduzi<strong>da</strong>s pela Lei Municipal nº 8.802, de 31 de março de 2000).<br />

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É importante avaliarmos a eficácia <strong>da</strong> ação desses organismos, não somente pelas<br />

vitórias obti<strong>da</strong>s e pelas políticas implanta<strong>da</strong>s, mas também pelo campo político de poder conquistado.<br />

Neste caso, a implantação do Conselho, por si só, já amplia a legitimi<strong>da</strong>de política <strong>da</strong> temática<br />

sobre a mulher e gênero, na agen<strong>da</strong> pública. No campo político, o Conselho eventualmente se<br />

posicionava publicamente sobre questões que atingiam a mulher, durante o período investigado<br />

nesta pesquisa. Dessa forma ele tem obtido alguma visibili<strong>da</strong>de, o que possui um importante valor<br />

político no sentido de marcar presença no debate público e contribuir para a proliferação <strong>da</strong> temática:<br />

mulher e gênero, visando transformar a questão <strong>da</strong> mulher em uma questão social.<br />

A própria existência do Conselho revela, em certo sentido, a aceitação em torno<br />

<strong>da</strong>s questões <strong>da</strong>s mulheres. Converter esta aceitação em ações e políticas públicas efetivas é um<br />

desafio que continua atual e cabe às conselheiras – e preponderantemente aos movimentos de<br />

mulheres – seu enfrentamento.<br />

Reivindicar é Preciso: os Dilemas <strong>da</strong> Atuação <strong>da</strong>s Organizações Comunitárias Femininas<br />

Frente ao Estado<br />

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A relação entre as OCFs com os órgãos públicos municipais voltados para a mulher,<br />

em Londrina, tem uma positivi<strong>da</strong>de na medi<strong>da</strong> em que possibilita um grande ganho em termos<br />

de espaço político e legitimi<strong>da</strong>de para as questões relaciona<strong>da</strong>s à mulher e para as questões de<br />

gênero. Entretanto, quando tratamos <strong>da</strong> formulação e implantação de políticas públicas com a<br />

perspectiva de gênero, o cenário é bem menos favorável.<br />

As mulheres <strong>da</strong>s OCFs solicitam recursos material e financeiro para as ativi<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong>s associações, orientações administrativas e palestras para a comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área de abrangência.<br />

São solicitações relaciona<strong>da</strong>s às suas próprias ativi<strong>da</strong>des. Neste caso, é antiga a reivindicação por<br />

um espaço físico permanente, para comercialização dos produtos artesanais e de alimentação,<br />

confeccionados por mulheres que trabalham nos grupos de produção e geração de ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

OCFs. Até a ocasião <strong>da</strong> pesquisa de campo em 2001, o que conquistaram foram locais para feiras<br />

que se realizam a ca<strong>da</strong> mês, organiza<strong>da</strong>s pela Secretaria e pelo Conselho.<br />

Em termos de políticas públicas ou projetos sociais com relativa duração, não houve,<br />

no período de 1993 a 2000, deman<strong>da</strong>s articula<strong>da</strong>s pelas mulheres <strong>da</strong>s OCFs. A escassez na<br />

formulação de deman<strong>da</strong>s por parte <strong>da</strong>s mulheres <strong>da</strong>s OCFs, sendo elas as principais representantes<br />

do movimento de mulheres em Londrina, é mais um fator que compromete o sucesso esperado<br />

<strong>da</strong> parte dos novos órgãos institucionais. Algumas autoras, como Sonia Alvarez, Céli Regina Pinto,<br />

Eva Blay e Virginia Guzmán, insistem que as pressões externas ao governo, por deman<strong>da</strong>s que<br />

aten<strong>da</strong>m aos interesses <strong>da</strong>s mulheres, é fun<strong>da</strong>mental para o desempenho desses órgãos governamentais<br />

(ALVAREZ, 1988; PINTO, 1994b; BLAY, 1999; GUZMÁN, 2000) como é o caso <strong>da</strong><br />

Secretaria e do Conselho. Seguindo Guzmán,<br />

Acreditamos que as profissionais no Estado ou as especialistas em<br />

determinados temas precisam do apoio de um movimento maior, que lhes dê<br />

força como minoria consistente, que lhes permita atuar como massa crítica e<br />

neutralizar as pressões à sua a<strong>da</strong>ptação às lógicas institucionais<br />

prevalecentes (GUZMÁN, 2000, p.73).<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Silvana Aparecido Mariano<br />

Nesta perspectiva, as propostas de políticas públicas devem ser forja<strong>da</strong>s nos movimentos<br />

ou na socie<strong>da</strong>de civil, portanto fora do Estado, engendrando assim um caráter<br />

democratizador do campo político institucional com deman<strong>da</strong>s que se formam de fora para dentro<br />

do Estado.<br />

Na ausência de um movimento de mulheres organizado que exerça pressão sobre<br />

o governo, as políticas relaciona<strong>da</strong>s às mulheres com a perspectiva de gênero são mais facilmente<br />

coopta<strong>da</strong>s ou anula<strong>da</strong>s no interior do Estado, uma vez que este abriga também forças políticas<br />

conservadoras (ALVAREZ, 1988, 2000; BLAY, 1999). A cooptação representaria a incorporação<br />

de gênero com conteúdo ressignificado, eliminando assim o sentido crítico e emancipador<br />

(ALVAREZ, 1988, 2000b; BLAY, 1999) e reforçando os papéis tradicionais, com “...políticas<br />

públicas com perspectiva de gênero que pouco têm a ver com a eqüi<strong>da</strong>de e muito menos com<br />

o feminismo” (ALVAREZ, 2000b, p.22). Sonia Alvarez denomina este fenômeno de “tradução<br />

político-cultural de gênero”.<br />

Além destes, há também o risco de debili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de formular propostas<br />

no interior desses órgãos institucionais. A Secretaria e o Conselho precisam de interlocução<br />

com os movimentos de mulheres a fim de alimentar seu rol de intenções dentro do governo municipal.<br />

Desta relação também depende o projeto de democratização do Estado proposto pelo movimento<br />

de mulheres e que prevê a capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s mulheres de participar na definição <strong>da</strong>s políticas<br />

públicas.<br />

Partindo <strong>da</strong> premissa sobre a importância de pressões do movimento de mulheres<br />

para a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s propostas de políticas públicas, Eva BLAY analisa que o baixo desempenho<br />

dos instrumentos estatais criados, deve-se em grande parte ao afastamento do movimento de<br />

mulheres, dizendo que:<br />

25<br />

(...) o movimento passou a ‘delegar’ aos governos a execução de novas<br />

políticas públicas, imaginando que os instrumentos criados (Conselhos,<br />

Delegacias) <strong>da</strong>riam continui<strong>da</strong>de à política implanta<strong>da</strong>. (...) Os resultados<br />

mostram que o poder executivo, essencialmente dirigido por homens e por<br />

uma cultura masculina, inconsciente <strong>da</strong>s discriminações de gênero e<br />

desprovido de pressões dos movimentos de mulheres, ignorou as políticas<br />

públicas que evitariam problemas essenciais como mortes no parto,<br />

assassinatos de mulheres, câncer de colo de útero, desigual<strong>da</strong>des salariais,<br />

falta de aprendizado profissional, para não falar no baixo patamar de<br />

participação em cargos políticos do executivo, legislativo ou judiciário. Os<br />

movimentos organizados de mulheres no Brasil abriram seu espaço de pressão<br />

antes <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s conquistas, acreditando na eficácia <strong>da</strong> ação<br />

democrática (1999, p.138-9).<br />

No caso de Londrina, se houvesse mais iniciativas dos movimentos de mulheres<br />

em geral e, se houvesse presença de movimentos feministas em particular, no sentido de pressionar<br />

o governo municipal para implantar políticas públicas com perspectiva de gênero, provavelmente<br />

seria diferente o quadro de dificul<strong>da</strong>des enfrentado pela Secretaria e Conselho, no âmbitoo <strong>da</strong><br />

administração municipal.<br />

Apesar dos limites políticos em suas ações, os movimentos de mulheres em Londrina,<br />

na maioria <strong>da</strong>s vezes, têm oferecido seu apoio à manutenção desses órgãos. Neste caso,<br />

mais uma vez, destacam-se as OCFs. Um fator que marca substantivamente as ambigüi<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

relação entre o movimento de mulheres e o poder público local em Londrina, no que diz respeito às<br />

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políticas públicas com perspectiva de gênero, é certamente a ausência de organizações feministas<br />

na ci<strong>da</strong>de.<br />

A relação entre o movimento de mulheres e o Estado é ain<strong>da</strong> marca<strong>da</strong> pelas possibili<strong>da</strong>des<br />

de avanços e retrocessos, sendo que os riscos ain<strong>da</strong> se revelam mais presentes do que<br />

as potenciali<strong>da</strong>des de avanços. Nesta correlação, é o potencial dos movimentos de mulheres que<br />

pode melhor contribuir para uma interação com o Estado, mais favorável às questões de gênero e<br />

<strong>da</strong>s mulheres.<br />

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– CEBRAP. São Paulo, n.51, p.37-61, julho/1998.<br />

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Impasses na Formação do Gestor de Pessoas<br />

IMPASSES NA FORMAÇÃO DO GESTOR DE PESSOAS<br />

IMPASSES ON THE FORMATION OF PERSONNEL MANAGER<br />

Marcia Josefina Beffa*<br />

RESUMO:<br />

Esse estudo objetiva compreender aspectos relacionados à formação do administrador. A formação<br />

do administrador é enfoca<strong>da</strong> devido a sua importância no mundo do trabalho, principalmente no<br />

que tange o ser humano bem como acerca dos fatores que interferem na formação de profissionais<br />

competentes, com capaci<strong>da</strong>de de articular exigências no mundo do trabalho e satisfação <strong>da</strong>s pessoas<br />

e instituições envolvi<strong>da</strong>s. A abor<strong>da</strong>gem metodológica do construcionismo social orientou a<br />

elaboração dessa pesquisa, considerando a produção de sentidos como meio para traduzir formas<br />

de ver e pensar o mundo, num descortinamento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, ressignificando o cotidiano na sua<br />

essência como força motriz <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em busca de mu<strong>da</strong>nça social. Foram realiza<strong>da</strong>s ent<strong>revista</strong>s<br />

com seis administradores/as e investiga<strong>da</strong>s questões relaciona<strong>da</strong>s à formação do administrador.<br />

Os resultados evidenciam que a formação do administrador reforça o atingimento dos objetivos<br />

organizacionais e uma desconexão entre ensinamentos proporcionados pela facul<strong>da</strong>de e a<br />

prática necessária ao desempenho profissional nas organizações. As habili<strong>da</strong>des humanas são<br />

considera<strong>da</strong>s importantes, mas apresentam-se atrela<strong>da</strong>s aos resultados <strong>da</strong> empresa e não como<br />

categoria construí<strong>da</strong> e em construção, como saber e ação crítica, consciente de ser humano, mas<br />

sim algo pronto e acabado. No halo produzido por essa situação, o profissional se empenha numa<br />

busca constante de evolução, mas sempre na direção <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Administração; Administradores: Formação Profissional; Psicologia Social.<br />

28<br />

ABSTRACT:<br />

This study object is to understand the aspects related to the manager formation. The manager<br />

formation is focused due to its relevance on work world, mainly on what concerns the human being<br />

as well as the factors that interfere on the formation of competent professionals, with capacity to<br />

articulate work world demands and the satisfaction of people and institutions involved. The social<br />

constructionism methodological approach oriented this survey, considering the sense production as<br />

a way to interpret the forms of thinking and seeing the world, discovering reality, giving a new<br />

meaning to quotidian in its essence as society’s moving power into a social change. Interviews with<br />

six managers were made, on which issues related to the manager formation were investigated. The<br />

results evidence that the manager formation reinforce the reaching of organization objectives and<br />

a disconnection between the academic knowledge and the practice needed for the professional<br />

performance in such organizations. The human abilities are considered important, but they present<br />

themselves linked to the company results and not as a constructed and in construction category, as<br />

knowledge and critic action, but as something ready and finished. On the halo produced by this<br />

situation, the professional persists on a constant evolution, but always into a reality maintenance.<br />

KEY WORDS: Administration; Managers; Professional Formation; Social Psychology.<br />

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*Professora <strong>da</strong> Disciplina Psicologia aplica<strong>da</strong> à Administração (FECEA; FACCAR; FAP). Mestre em Psicologia Social e <strong>da</strong><br />

Personali<strong>da</strong>de (PUC-RS). E-mail: mjbeffa@uol.com.br.<br />

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Marcia Josefina Beffa<br />

INTRODUÇÃO<br />

As mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s no contexto sócio-econômico-cultural relaciona<strong>da</strong>s ao trabalho<br />

foram grandes nos últimos anos e, a ca<strong>da</strong> ano, aumentam num ritmo muito acelerado. As<br />

inovações tecnológicas liga<strong>da</strong>s à produção de bens e serviços, mu<strong>da</strong>nças nas organizações com<br />

relação à toma<strong>da</strong> de decisões, horizontalização de níveis hierárquicos, terceirização de serviços,<br />

trabalho focalizado para equipes autogerenciáveis, planos de cargos e salários sendo extintos, exigência<br />

de pessoas prepara<strong>da</strong>s para desempenhar inúmeras funções e remunera<strong>da</strong>s de forma diferencia<strong>da</strong><br />

de acordo com o valor que agregam à organização, trouxeram alterações muito grandes<br />

nas relações de trabalho envolvendo os diferentes segmentos que atuam nas organizações.<br />

Se antes havia uma preocupação com o trabalhador e o impacto que as diferentes<br />

gestões organizacionais tinham sobre o seu comportamento, hoje, a preocupação desdobra-se como<br />

diferencial de sobrevivência <strong>da</strong> organização. A recuperação <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de do trabalhador e a<br />

humanização empresarial parecem o foco principal e emergente para que mu<strong>da</strong>nças sejam bem<br />

sucedi<strong>da</strong>s, pois sem isso não há como agregar valor referente à cooperação e trabalho em equipe<br />

e sustentar práticas compatíveis com esses conceitos, tornando o trabalho um ato significativo.<br />

O mundo moderno está exigindo um profissional com visão global do mundo, um<br />

líder de mu<strong>da</strong>nças, um facilitador e principalmente um profissional que tenha uma visão humanística.<br />

Ele pode ser desencadeador de ações que possibilitem a melhoria <strong>da</strong>s “relações e significado do<br />

trabalho” (GUARESCHI & GRISCI, 1993) que conseqüentemente traz quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> ao<br />

trabalhador.<br />

Esse profissional está sensibilizado para isso? Neri (1997) questiona se estão disponíveis<br />

no mercado, profissionais preparados para as mu<strong>da</strong>nças de comportamentos, atitudes e<br />

conhecimentos que a efervescência organizacional está solicitando. Será que os profissionais inseridos<br />

no mercado estão preocupados com a “avalanche” <strong>da</strong>s organizações referentes a exigências,<br />

custos, pressão por lucros, bem como com os aspectos ligados às relações humanas?<br />

A formação profissional e sua ideologia e, em especial a do administrador de empresas,<br />

é enfoca<strong>da</strong> no presente trabalho devido a sua importância no processo de criação, reprodução<br />

de relações de dominação assimétricas, desiguais, no que tange a uma área de importância<br />

fun<strong>da</strong>mental ao ser humano, o trabalho. O trabalho, em função de sua importância no desenvolvimento<br />

do ser humano como ser pensante dá-lhe sentido, prazer, satisfaz necessi<strong>da</strong>des, cria subjetivi<strong>da</strong>de,<br />

mas também pode trazer sofrimento, exclusões.<br />

A atuação na disciplina de Psicologia aplica<strong>da</strong> à Administração é hoje mais<br />

desafiante e preocupante do que há uma déca<strong>da</strong>. Observam-se alterações nas exigências do profissional<br />

de administração de empresas, e isso leva a uma reflexão quanto ao tipo de profissional<br />

que se está formando. Essa preocupação vai além <strong>da</strong> ementa e programa desta disciplina. Ca<strong>da</strong><br />

vez mais, vê-se a necessi<strong>da</strong>de de agregar valor às chama<strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des humanas, em muitos dos<br />

itens do perfil do aluno/a que se espera formar.<br />

Por isso, análises quanto ao “gestor” ideal para atuar nas organizações tem sido<br />

discuti<strong>da</strong> no seio <strong>da</strong>s instituições e partido <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em geral. Os projetos pe<strong>da</strong>gógicos desenvolvidos<br />

pelas instituições de ensino de todo o país são um momento de discussão e reflexão <strong>da</strong>s<br />

condições de formação desse profissional. As facul<strong>da</strong>des e universi<strong>da</strong>des, responsáveis pelo ensino<br />

superior, tem como objetivo definir como o curso está inserido na sua reali<strong>da</strong>de e se está satisfazendo<br />

às necessi<strong>da</strong>des, seja <strong>da</strong> clientela discente, do empregador ou <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em geral. É<br />

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Impasses na Formação do Gestor de Pessoas<br />

uma criação que deve ser construí<strong>da</strong>. Sua essência deve sair do próprio grupo, com análises do tipo<br />

de profissional que os cursos pretendem criar, e, em que reali<strong>da</strong>de sócio histórico cultural. O tipo de<br />

profissional que se pretende formar não pode ser encarado como um processo acabado, mas como<br />

algo em constante transformação.<br />

Parece-nos de importância estudos realizados como o que se pretende, a fim de<br />

ampliar o conhecimento dos fatores que interferem na formação de profissionais competentes,<br />

com capaci<strong>da</strong>de de articular as exigências do mundo do trabalho, com as iniciativas propostas até<br />

o momento pelas instituições liga<strong>da</strong>s à esfera educativa.<br />

Para tanto, se concebermos o ser humano como resultado de suas relações sociais,<br />

conforme referencial conceitual <strong>da</strong> teoria sócio crítica, é necessário se conhecer as condições<br />

sócio histórica e social em que o profissional de administração está inserido, bem como <strong>da</strong> formação<br />

e que influencia sua ações. Por isso, considerou-se o paradigma do construcionismo social<br />

capaz de “apreender” tal historici<strong>da</strong>de e a subjetivi<strong>da</strong>de emana<strong>da</strong>.<br />

Nesse sentido, objetivou-se com esse estudo compreender quais os sentidos os<br />

administradores produzem com relação à formação a partir <strong>da</strong> prática administrativa e como esses<br />

sentidos orientam suas ações nas organizações. Acredita-se que ao considerar os fatores que<br />

interferem na formação dos administradores e problematização de questões que envolvem a melhoria<br />

de quali<strong>da</strong>de de ensino, seja possível prenunciar uma/a profissional/a mais crítico/a com relação ao<br />

seu papel frente à organização bem como na socie<strong>da</strong>de em geral e <strong>da</strong>s interferências sócio econômico<br />

cultural a que está exposto.<br />

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O surgimento <strong>da</strong> Administração teve como objetivo efetivar uma nova ordem<br />

socioeconômica (COVRE, 1991) caracteriza<strong>da</strong> pelo predomínio <strong>da</strong> técnica como solução dos problemas<br />

advindos <strong>da</strong> expansão do capitalismo e reforma industrial.<br />

As exigências quanto à formação do/a administrador/a vêm sendo discuti<strong>da</strong>s em<br />

virtude <strong>da</strong>s transformações ocorri<strong>da</strong>s no mundo e, em especial, no trabalho. Isso parece de primordial<br />

importância no que tange a questões liga<strong>da</strong>s à manutenção do sistema capitalista vigente no<br />

nosso país e seus propósitos de desenvolvimento. Observa-se que as práticas administrativas atendem<br />

a relação capital-força de trabalho e a sua máxima – a lucrativi<strong>da</strong>de. Muitas discussões<br />

acerca dos esforços em melhorar a formação do/a administrador/a, além dos objetivos embutidos<br />

na ideologia que criou e mantém o curso de administração, podem <strong>da</strong>r espaço para discussões que<br />

envolvem aspectos ligados à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> do/a trabalhador/a. Para<br />

isso faz-se necessário compreendermos aspectos ligados à formação deste/a profissional.<br />

As mu<strong>da</strong>nças no mundo do trabalho alteram gra<strong>da</strong>tivamente as expectativas quanto<br />

ao perfil deste profissional, porém a necessi<strong>da</strong>de de efetivação <strong>da</strong> máxima do capitalismo se mantém,<br />

ou seja, a lucrativi<strong>da</strong>de e, para isso, gerenciamentos eficazes <strong>da</strong> relação capital e força do<br />

trabalho são fun<strong>da</strong>mentais.<br />

A consecução <strong>da</strong>s funções gerenciais e interpretação <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des<br />

têm se modificado ao longo deste século juntamente com o pensamento administrativo e a ele<br />

associado à liderança de pessoas e grupos. O comportamento aceitável na busca <strong>da</strong> eficácia,<br />

passa por alterações substanciais frente às exigências para atender um mercado globalizado em<br />

pleno século XXI.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Marcia Josefina Beffa<br />

Segundo pesquisa sobre o perfil e habili<strong>da</strong>des do administrador proposto pelo Exame<br />

Nacional de cursos realiza<strong>da</strong> pela ANGRAD (Associação Nacional dos Cursos de Graduação<br />

em Administração), os coordenadores do curso de administração do país, em 1996, definiram o<br />

perfil almejado para um administrador como um “Generalista- Humanista” que decide com ética,<br />

responsabili<strong>da</strong>de e empreende transformações com competência técnico-científica. Ou seja, uma<br />

formação humanística com visão global que habilite o profissional a compreender o meio social,<br />

político, econômico e cultural onde está inserido e a tomar decisões em um mundo diversificado e<br />

interdependente (ANDRADE, 1997).<br />

Observa-se uma preocupação ca<strong>da</strong> vez mais acentua<strong>da</strong> na inserção do profissional<br />

no mercado de trabalho através de sua adequação e efetivação de suas funções bem como o<br />

atendimento <strong>da</strong>s expectativas do mercado. No entanto, outras questões são levanta<strong>da</strong>s quanto ao<br />

tipo de mu<strong>da</strong>nças que este profissional, através de sua atuação, pode instaurar no meio em que<br />

atua, ou seja, questões quanto ao papel que desempenha no contexto socioeconômico e cultural no<br />

qual está inserido.<br />

Uma nova organização deverá se formar em meio a essas diferentes posições<br />

antagônicas. Sabe-se que to<strong>da</strong>s as mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s no mundo do trabalho limitam a ação<br />

humana (CODO, SAMPAIO, HITOMI, 1994). A burocratização e a racionali<strong>da</strong>de instrumental<br />

orientavam os processos produtivos e de eficiência no passado. Atualmente, o maior fator de<br />

produção e a competitivi<strong>da</strong>de de uma organização se faz pela forma como se organiza o conhecimento.<br />

Então, novas relações deverão sustentar projetos de inovação e aprendizagem social.<br />

Em conseqüência, surge um novo profissional de administração, ou gestor, como é<br />

definido atualmente. Estes gestores deveriam ser como guias e professores, com a finali<strong>da</strong>de de<br />

desencadear os processos de aprendizagem para a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>, seja de si próprios, seja do seu pessoal.<br />

É com essa preocupação que associações e escolas de administração, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

em geral têm procurado analisar o gestor ideal. Além disto, nesta tarefa de analisar o gestor<br />

ideal, têm-se a preocupação de não deixar de se considerar também o contexto sócio histórico do<br />

país, como ocorreu no passado. Apesar <strong>da</strong> globalização e também por esse motivo, devemos imprimir<br />

à formação e atuação do administrador, habili<strong>da</strong>des que os tornem capazes de atuar na nossa<br />

reali<strong>da</strong>de. Essa é a preocupação dos alunos quando se deparam com a reali<strong>da</strong>de pós-formação.<br />

Outro impasse observado na formação do administrador diz respeito às necessi<strong>da</strong>des<br />

de serem as habili<strong>da</strong>des humanas as mais necessárias na atuação do administrador conforme<br />

as pesquisas <strong>da</strong> Angrad (Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração) realiza<strong>da</strong>s<br />

em 1997 e 1999 (ANDRADE, 1997, 1999), e identifica<strong>da</strong>s também como necessi<strong>da</strong>des<br />

atuais <strong>da</strong>s organizações. Porém, resultados de pesquisas não corroboram essas afirmações ou<br />

levantamentos. A formação do administrador volta-se para a habili<strong>da</strong>de conceitual e técnica.<br />

Um administrador para ser eficaz e desempenhar suas funções de planejamento,<br />

organização, liderança e controle, necessita desenvolver habili<strong>da</strong>des técnica, conceitual e humana.<br />

Berndt e Nagelschimidt (1995), em um estudo de caso realizado com alunos recém-formados,<br />

concluíram que o curso estu<strong>da</strong>do não valoriza a natureza de formação deseja<strong>da</strong> pelos alunos, o que<br />

também é desejado pelos empregadores. Observa-se que nas reformulações curriculares há uma<br />

preocupação maior com ênfase aos aspectos técnicos <strong>da</strong>s áreas de marketing, finanças e recursos<br />

humanos. Pouco esforço vem sendo realizado na direção <strong>da</strong>quilo que os alunos, os empregadores<br />

e a socie<strong>da</strong>de desejam.<br />

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Um estudo realizado por Neves, Gimenez e Mendes (1999) verificou até que ponto<br />

os cursos de graduação em administração, responsáveis pela formação <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des necessárias<br />

ao processo administrativo, estão atendendo às legítimas expectativas do mercado de trabalho<br />

e, conseqüentemente, às necessi<strong>da</strong>des dos respectivos alunos. O estudo concluiu que a ênfase no<br />

desenvolvimento <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des técnica e conceitual em detrimento <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> habili<strong>da</strong>de<br />

humana contradiz os objetivos atuais do curso de Administração estabelecidos no manual do calouro<br />

assim como as necessi<strong>da</strong>des atuais do mercado de trabalho.<br />

Os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> pesquisa relatados anteriormente demonstram o impasse vivido pelo<br />

administrador, pois se valoriza a habili<strong>da</strong>de humana, mas há pouco espaço para seu desenvolvimento<br />

na formação e/ou aplicação na atuação como profissional. Segundo Manfredi (1998), o conhecimento<br />

técnico, teórico, elaborado, sistemático é valorizado no meio acadêmico, mas no cotidiano<br />

o conhecimento obtido pela prática, por meio <strong>da</strong> experiência é fator de desenvolvimento profissional.<br />

Essa é uma ambigüi<strong>da</strong>de presente no discurso <strong>da</strong> classe dominante.<br />

Subjacente a estas reflexões pode-se levantar aspectos relacionados à competência<br />

dos profissionais de administração formados pelas instituições de ensino do país. Autores tais<br />

como Desaulniers (1997), Ferreti (1997) e Manfredi (1998) analisam a competência a partir de<br />

uma visão histórico-crítica como uma categoria de análise construí<strong>da</strong> socialmente. A reorganização<br />

do sistema capitalista impôs novas formas de organização do trabalho. O trabalho alienado<br />

regulado pelo capital, onde se valorizava o “fazer”, contrapõe-se à abor<strong>da</strong>gem que assume a natureza<br />

do trabalho como ativi<strong>da</strong>de humana e social, envolvendo ao mesmo tempo reprodução e<br />

apropriação transformadora, caracterizando-o como ativi<strong>da</strong>de de humanização valorizando assim<br />

o saber. Não se restringe ao “saber-fazer”, qualificação propriamente dita, mas a um saber<br />

contextualizado, sempre em transformação e relacionado com a vi<strong>da</strong> diária, com questionamentos,<br />

ou seja, um “saber-ser”. Neste sentido, haveria oportuni<strong>da</strong>de para ampliar o espaço voltado à<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, tornando as pessoas capazes de agir de forma mais crítica, autônoma, empreendedora,<br />

gerando espaço para mu<strong>da</strong>nças. A atuação do administrador, portanto, seria pauta<strong>da</strong> em<br />

operacionalizar as necessi<strong>da</strong>des do contexto cultural onde está inserido.<br />

Os cursos de administração deveriam atender essas expectativas, conforme já<br />

exposto. É premente formar um profissional que compreen<strong>da</strong> sua reali<strong>da</strong>de e para isso é necessário<br />

uma auto-compreensão e identificação de formas de atuação que estabeleçam novas relações<br />

com os outros, com a socie<strong>da</strong>de, com o mundo.<br />

Humanizar as organizações permitindo aos membros desenvolver suas<br />

potenciali<strong>da</strong>des individualmente e em grupo apresenta-se como um desafio às instituições de ensino.<br />

Guareschi (1998) lembra que é a responsabili<strong>da</strong>de ética <strong>da</strong>s pessoas que pode possibilitar<br />

mu<strong>da</strong>nças sociais. O autor ressalta ain<strong>da</strong> a importância do desenvolvimento <strong>da</strong>s pessoas para a<br />

vi<strong>da</strong>, o saber “ser humano”.<br />

O administrador rege um papel imprescindível na organização e deve ter em<br />

mente a contraposição <strong>da</strong> cultura organizacional empresarial em embate com fragmentos <strong>da</strong><br />

cultura organizativa dos trabalhadores, na construção de uma socie<strong>da</strong>de melhor para todos<br />

(COVRE, 1991).<br />

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Marcia Josefina Beffa<br />

METODOLOGIA<br />

Participantes: foram ent<strong>revista</strong>dos 6 administradores (4 homens e 2 mulheres)<br />

formados a pelo menos dois anos e atuando no cargo de administrador.<br />

Método: foi utiliza<strong>da</strong>s ent<strong>revista</strong>s do tipo aberta com um roteiro flexível, elaborado<br />

a partir dos objetivos <strong>da</strong> pesquisa:<br />

• Como você percebe o trabalho do administrador atualmente frente à mu<strong>da</strong>nças<br />

ocorri<strong>da</strong>s no mundo do trabalho?<br />

• Qual a importância <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des humanas na atuação do administrador?<br />

• Quais as contribuições do curso de administração na formação e desenvolvimento<br />

de habili<strong>da</strong>des humanas do administrador?<br />

Abor<strong>da</strong>gem Metodológica: Utilizou-se a metodologia qualitativa a fim de<br />

problematizar, compreender o processo e a subjetivi<strong>da</strong>de do ser humano e sua historici<strong>da</strong>de. Considerou-se<br />

o paradigma do Construcionismo Social e a Produção de Sentidos (SPINK, 1999) como<br />

meio para traduzir formas de ver e pensar o mundo, num descortinamento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, ressignificando<br />

o cotidiano na sua essência como força motriz <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em busca de mu<strong>da</strong>nça social e busca<br />

do princípio <strong>da</strong> diferença.<br />

Análise dos Dados: Inicialmente se deu por um confronto entre os sentidos<br />

construídos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes <strong>da</strong> familiarização<br />

prévia com o campo de estudo, ocorrido através <strong>da</strong> revisão bibliográfica. Desse confronto inicial,<br />

definiram-se categorias de análise e realizou-se um mapeamento <strong>da</strong> ent<strong>revista</strong> (Mapa de Associação<br />

de Idéias, Spink & Medrado, 1999), organizando os conteúdos <strong>da</strong>s falas dos ent<strong>revista</strong>dos e<br />

buscando-se os sentidos produzidos pelos participantes quanto à formação e como orientam a<br />

prática administrativa.<br />

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RESULTADOS<br />

Frente a questões relaciona<strong>da</strong>s ao surgimento e proliferação dos cursos de administração<br />

em meio ao desenvolvimento do capitalismo com vistas à solução de problemas sócioeconômico-políticos<br />

através <strong>da</strong> técnica; <strong>da</strong>s transformações ocorri<strong>da</strong>s no mundo do trabalho com o<br />

advento <strong>da</strong> globalização <strong>da</strong> economia e exigências do trabalhador incluso como tal, o administrador;<br />

<strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s pelas instituições de ensino na formação do profissional administrador,<br />

buscou-se buscar a partir <strong>da</strong>s falas dos participantes, compreender os sentidos produzidos<br />

<strong>da</strong> formação do administrador. Observam-se contradições entre as exigências do profissional no<br />

mercado e a preparação formal.<br />

Primeiramente, as falas dos participantes parecem refletir um sentido de<br />

profissionalização <strong>da</strong> administração relacionado à maior valorização <strong>da</strong> mesma no mundo corporativo.<br />

Os sentidos de evolução e mu<strong>da</strong>nça refletem a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s empresas contratar profissionais<br />

para enfrentar os desafios impostos pela competitivi<strong>da</strong>de e para a sobrevivência <strong>da</strong> organização. A<br />

nova ordem econômica necessita de administradores para sua manutenção.<br />

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... essas (empresas sic) têm buscado esse profissional... prá voltar realmente<br />

na área de formação.(Michael)<br />

... eu contrato essas pessoas que vão administrar... e essas pessoas irão<br />

atuar como se fossem o empresário. (Peter)<br />

As falas dos participantes também revelaram um sentido de dicotomia teoria X<br />

prática. Observa-se uma formação volta<strong>da</strong> apenas para a teoria sem valorizar as experiências dos<br />

envolvidos, uma desconexão dos conceitos escola e reali<strong>da</strong>de – vistos como processos estanques.<br />

Eu recebi uma formação de administração perfeita... (Felipe)<br />

Um sentido de disputa parece significar que escola e empresa ora estão em lados<br />

opostos, ora estão do mesmo lado, quando deveriam estar inter-relaciona<strong>da</strong>s.<br />

... você faz o curso, você quer aplicar, você às vezes não consegue...<br />

você faz <strong>da</strong> sua forma e mostra que fez <strong>da</strong> outra... (Eduar<strong>da</strong>)<br />

Um sentido de desconexão revela que a formação contribui, mas não forma uma<br />

visão crítica e reflexiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e do seu papel no processo de aprendizagem., parece apenas<br />

um expectador <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

... a facul<strong>da</strong>de está capacitando as pessoas... ela contribui muito. (Tom)<br />

34<br />

... é essencial... um curso de administração te dá tecnicamente as condições<br />

para você desenvolver essa função. (Maria Rita)<br />

Um sentido imediatista e utilitarista revela a formação como “receitando” fórmulas<br />

prontas, o que revela falhas no processo ensino-aprendizagem e oportuni<strong>da</strong>de para manutenção<br />

do sistema vigente.<br />

... a facul<strong>da</strong>de ajudou... você começa a se deparar com problemas na<br />

empresa... ou resolvo, ou resolvo. (Peter)<br />

Com relação ao desenvolvimento de habili<strong>da</strong>des necessárias ao processo de administração,<br />

as Habili<strong>da</strong>des Humanas foram considera<strong>da</strong>s as mais importantes, tanto no meio acadêmico<br />

quanto profissional, porém as menos desenvolvi<strong>da</strong>s na formação.<br />

A administração de empresas ca<strong>da</strong> vez mais volta<strong>da</strong> pra você<br />

administrar pessoas. (Felipe)<br />

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As falas dos participantes parecem revelar sentido de Habili<strong>da</strong>des Humanas vista<br />

como dom natural e não algo construído ao longo <strong>da</strong> formação pessoal e profissional.<br />

Eu acho que a minha forma de administrar faz parte <strong>da</strong> minha característica,<br />

<strong>da</strong> minha personali<strong>da</strong>de... (Peter)<br />

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Marcia Josefina Beffa<br />

Quanto ao desenvolvimento <strong>da</strong>s Habili<strong>da</strong>des Humanas, sentidos de atrelamento<br />

revelam que é vinculado à obtenção de resultados nas organizações e garantia de manutenção do<br />

profissional e empresa no mercado, bem como os sentidos de ineficácia revelam as falhas na<br />

formação <strong>da</strong>s Habili<strong>da</strong>des Humanas.<br />

... O curso foi fraco nessa contribuição... ela contribuiu mais nas habili<strong>da</strong>des<br />

técnicas do que humanas. (Peter)<br />

Outros sentidos parecem ter sido construídos quanto à necessi<strong>da</strong>de de formação<br />

continua<strong>da</strong>. Sentidos de evolução e busca constante caracteriza a formação do profissional num<br />

eterno vir a ser, refletindo a condição necessária para o novo paradigma vigente do capital na pósmoderni<strong>da</strong>de.<br />

... a formação é uma coisa que não acaba nunca... você está buscando<br />

o tempo todo... (Maria Rita)<br />

... se você não fizer isso (curso) e não se atualizar, não adianta<br />

na<strong>da</strong>... fica fora mesmo. (Felipe)<br />

No entanto, considera-se que a educação continua<strong>da</strong> deve ser vista não só para<br />

desenvolver competências para se manter no mercado, mas na possibili<strong>da</strong>de de construção de ser<br />

humano total.<br />

Sentidos de substituição surgiram nas falas dos participantes considerando que as<br />

falhas <strong>da</strong> graduação, quanto ao desenvolvimento de habili<strong>da</strong>des inerentes ao processo de administração,<br />

acabam sendo transferidos para uma posterior pós-graduação.<br />

35<br />

... o curso de graduação ele está muito mais voltado para a parte técnica...<br />

a pós-graduação está habilitando o profissional prum outro lado...<br />

(Maria Rita)<br />

Dessa forma, a partir <strong>da</strong>s falas dos participantes é possível refletir acerca de que:<br />

as competências necessárias ao profissional <strong>da</strong> administração são regula<strong>da</strong>s pelo capital; as<br />

dicotomias entre teoria e prática presentes na formação fortalece comportamentos de manutenção<br />

do sistema vigente; as habili<strong>da</strong>des humanas são vista como mercadoria que efetiva apenas o saber<br />

fazer. Com isso, vislumbra-se a necessi<strong>da</strong>de de uma formação que estabeleça contingências para<br />

o aprendizado de novas relações, relações tanto do saber fazer como do saber ser.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Percebe-se que os/as participantes, por estarem inseridos numa visão construí<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> lógica do capital, construíram sentidos que reforçam práticas que levam ao atingimento dos<br />

objetivos organizacionais. Qualquer empresa com fins lucrativos tem o papel de valorizar e reproduzir<br />

em alguma medi<strong>da</strong> os valores imanentes ao capital se almejam a manutenção <strong>da</strong> empresa. A<br />

profissionalização <strong>da</strong> administração de empresas revelou-se nos sentidos de evolução e mu<strong>da</strong>nça<br />

significando apenas adequação às novas regras do mercado. O/A administrador/a continua sendo<br />

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o/a efetivador/a <strong>da</strong> máxima capitalista. Assim, a profissão de administrador é vista como necessária<br />

à nova ordem econômica do capitalismo flexível bem como indispensável para manutenção <strong>da</strong><br />

própria profissão no mercado de trabalho, fato este, observado no surgimento e desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> profissão. As ações do/a administrador/a acabam revelando apenas uma manutenção de seu<br />

status quo mesmo quando este assume outros papéis revelados no sentido produzido de preocupação<br />

com questões sociais.<br />

Quanto à formação do/a administrador/a, o sentido de dicotomia é percebido na<br />

desconexão entre os ensinamentos proporcionados pela facul<strong>da</strong>de e a prática necessária ao desempenho<br />

profissional nas organizações. Nessa perspectiva, um papel passivo do/a estu<strong>da</strong>nte é<br />

revelado pelo sentido de isenção, ao deixar por conta <strong>da</strong> agência formadora a efetivação <strong>da</strong> sua<br />

formação sem perceber a necessi<strong>da</strong>de de uma ação ativa e reflexiva.<br />

Através do sentido de disputa, que emergiu no relato de um dos participantes,<br />

pode-se pensar que escola e empresa permanecem ora em lados opostos, ora do mesmo lado. Em<br />

lados opostos considerando-se que o que é ensinado na escola não é reflexo <strong>da</strong> prática ou viceversa.<br />

Do mesmo lado, pois tanto escola quanto empresa efetivam a manutenção do estado de<br />

coisas, não desenvolvem um senso crítico necessário ao papel do/a administrador/a, pelo contrário,<br />

desenvolvem a sujeição à ideologia dominante além de uma superficiali<strong>da</strong>de na interpretação do<br />

mundo e de si mesmo. Isso se revela de forma mais perceptível no sentido <strong>da</strong>do pelos/as participantes<br />

à importância do curso. Os/as participantes percebem o curso sob uma visão contemplativa<br />

sem assumir um papel ativo na construção do conhecimento. Também se revelou um sentido<br />

utilitarista significando obtenção <strong>da</strong>s condições para atuação no sistema social vigente. E por fim,<br />

um sentido imediatista revelado no uso de fórmulas prontas servindo inclusive como estratégia no<br />

enfrentamento <strong>da</strong>s falhas de formação.<br />

As habili<strong>da</strong>des humanas, a partir dos sentidos de naturalização são percebi<strong>da</strong>s<br />

como características inatas e importantes no processo administrativo. Além disto, o sentido de<br />

atrelamento presente na fala dos/as participantes, revela que estas habili<strong>da</strong>des vinculam-se aos<br />

resultados <strong>da</strong> empresa. Quanto ao desenvolvimento <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des humanas, um outro sentido que<br />

emergiu dos relatos dos/as participantes, o de ineficácia, revela que o curso de administração não<br />

o possibilita. Assim, as habili<strong>da</strong>des humanas não estão sendo vistas, nem pelos estu<strong>da</strong>ntes, nem<br />

pelas agências formadoras desses/as profissionais como categoria construí<strong>da</strong> e em construção,<br />

como saber e ação crítica, consciente do ser humano, mas sim como algo pronto e acabado.<br />

Se a formação na graduação adquiriu um sentido de ineficácia quanto ao desenvolvimento,<br />

principalmente de habili<strong>da</strong>des humanas, a pós-graduação está se pronunciando como<br />

capaz disso. Isso pode ser constatado através <strong>da</strong> produção do sentido de substituição produzido<br />

pelos/as participantes. As lacunas deixa<strong>da</strong>s pela graduação devem ser preenchi<strong>da</strong>s em níveis ca<strong>da</strong><br />

vez mais superiores de ensino. Assim, a graduação não seria mais responsável por integrar conhecimento<br />

e aplicabili<strong>da</strong>de nem muito menos formar ci<strong>da</strong>dãos.<br />

No halo produzido por essa situação, o profissional se empenha numa eterna especialização<br />

revela<strong>da</strong> pelo sentido de busca constante e evolução, mas sempre na direção de manutenção<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

Levando em consideração as análises feitas quanto à produção de sentidos relativos<br />

à formação do administrador <strong>da</strong>do pelos/as participantes, acredita-se que esse trabalho tenha<br />

colaborado para desconstruir algumas questões acerca <strong>da</strong> humanização <strong>da</strong>s empresas. O que se<br />

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Marcia Josefina Beffa<br />

observa é que a mídia e a educação alardeiam uma nova organização, o respeito ao ser humano e<br />

a humanização do trabalho. No entanto, parece que não se consegue sair <strong>da</strong> lógica do capital, nem<br />

seria possível, considerando as organizações inseri<strong>da</strong>s dentro do contexto sócio econômico e a<br />

forma como as relações estão aí estabeleci<strong>da</strong>s. Portanto, é necessário que as relações mudem<br />

para que mu<strong>da</strong>nças efetivas ocorram.<br />

No entanto, um olhar menos ingênuo e mais consciente relativo ao problema e os<br />

objetivos iniciais desenvolveu-se e, como conseqüência, surge a possibili<strong>da</strong>de de se fortalecer as<br />

estratégias necessárias à mu<strong>da</strong>nça social. Para tal, se faz necessário mais estudos acerca de como<br />

outras pessoas envolvi<strong>da</strong>s no processo administrativo, além dos administradores, estão percebendo<br />

a reali<strong>da</strong>de. Assim, é também necessário buscar compreender os sentidos dos empresários contratantes<br />

destes administradores, <strong>da</strong>s pessoas subordina<strong>da</strong>s a eles assim como <strong>da</strong>quelas que compõem<br />

as instituições formadoras. Supõe-se, portanto, que essa busca possibilite propor estratégias<br />

de ações mais humanas considerando o contexto organizacional, educacional do administrador,<br />

bem como buscar uma melhor compreensão <strong>da</strong>s contingências sociais a que estão expostos. Essa<br />

estratégia seria utiliza<strong>da</strong> não só como exercício de pesquisadora e profissional do ensino, mas<br />

também como analista psicossocial como tentativa para que se possa compreender melhor o universo<br />

que rodeia to<strong>da</strong>s as inquietudes em relação à atuação do administrador, ou como se diz na<br />

atuali<strong>da</strong>de, gestor de pessoas.<br />

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SPINK, Mary Jane. (org.). Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações<br />

teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 1999.<br />

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SPINK, Mary Jane; MEDRADO, Benedito. Produção de sentidos: uma abor<strong>da</strong>gem teóricometodológica<br />

para análise <strong>da</strong>s práticas discursivas. In: SPINK, Mary Jane. Práticas discursivas<br />

e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez,<br />

1999.<br />

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Reinaldo Carlos Godinho Tonani e A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

COMPARATIVO ENTRE BANCO DE DADOS ORIENTADOS A OBJETO<br />

COMPARATIVE AMONG DATABASE OBJECT ORIENTATION<br />

Reinaldo Carlos Godinho Tonani*<br />

A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira**<br />

RESUMO:<br />

O desenvolvimento de aplicativos utilizando o Sistema Gerenciado de Banco de Dados Orientado<br />

a Objeto - SGBDOO vem crescendo muito, sendo utilizado por várias empresas de grande porte e<br />

também em estudos nas Universi<strong>da</strong>des. O grande diferencial deste modelo de banco <strong>da</strong>dos é que<br />

reúne todos os princípios <strong>da</strong> orientação a objeto e também faz uma junção ao modelo relacional<br />

favorecendo consultas aos <strong>da</strong>dos, o que é uma característica de um modelo pós-relacional. Desta<br />

forma, este artigo apresenta um comparativo entre 9 diferentes SGBDOO, sendo direcionado<br />

principalmente para pessoas, empresas e universi<strong>da</strong>des que necessitam de informações específicas<br />

com relação aos diversos SGBDOO encontrados no mercado desejando conhecer suas características<br />

e funcionali<strong>da</strong>des. Dos 9 SGBDOO estu<strong>da</strong>dos e detalhados, 4 foram eleitos para um<br />

estudo comparativo abor<strong>da</strong>ndo suas principais características, como Arquitetura, Modelo de Dados,<br />

Evolução de Esquema, Acesso Multidimensional e Arquitetura WEB. O presente artigo inicia<br />

com um breve levantamento histórico sobre SGBDOO, desde a déca<strong>da</strong> de 60, com os modelos em<br />

rede e hierárquicos, passando pelas déca<strong>da</strong>s de 70 e 80, com os modelos relacionais, até chegar<br />

aos dias atuais com os modelos objeto relacional e orientado a objetos. Em segui<strong>da</strong> são descritas as<br />

principais características dos 9 SGBDOO estu<strong>da</strong>dos, sendo eles ITASCA, GEMSTONE,<br />

VERSANT, OBJECTIVITY/DB, ONTOSDB, CACHÉ, JASMINE, OBJECTSTORE e O2. Então,<br />

é apresentado o estudo comparativo dos SGBDOO CACHÉ, OBJECTIVITY/DB, ITASCA e<br />

OBJECTSTORE. Finalmente, são explicita<strong>da</strong>s as conclusões do estudo aqui publicado.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Banco de Dados; Orientação a Objetos; SGBD; SGBDOO.<br />

ABSTRACT:<br />

The development of applicatory using the Managed System of Database Object Orientation –<br />

SGBDOO has grown lately, being used by many great companies and also used in studies at<br />

Universities. This <strong>da</strong>tabase model great differential is that it congregates al the object orientation<br />

and it also makes a junction to the reactionary model in relation to the <strong>da</strong>ta consulting, which is a<br />

post-reactionary model characteristic. Thus, this article presents a comparative among 9 different<br />

SGBDOO’s, being directed mainly to people, companies and universities that need specific<br />

information related to the several SGBDOO found in the market, so that it is possible to know their<br />

characteristics and functionalities. From the 9 SGBDOO’s studied, 4 of them were elected for a<br />

comparative study approaching their main characteristics, as Architecture, Data Models, Scheme<br />

Evolution, Multidimensional Access and WEB Architecture. The present article stars off from a<br />

brief SGBDOO historical survey, since the 1960 th decade, about net and hierarchic models, going<br />

through the 1970 th and 1980 th decades, about the reactionary models, up to recent times, with the<br />

reactionary and object orientation models. Following, it is reported the main characteristics of the 9<br />

SGBDOO’s studied, which are ITASCA, GEMSTONE, VERSANT, OBJECTIVITY/DB,<br />

ONTOSDB, CACHÉ, JASMINE, OBJECTSORE, and O2. Finally, it is explained the conclusions<br />

of this very article.<br />

KEY WORDS: Database; Object Orientation; SGBD; SGBDOO.<br />

*Acadêmico do Curso de Especialização em Engenharia de Software com UML, turma de 2004, do Centro Universitário<br />

Filadélfia – <strong>UniFil</strong>.<br />

**Mestre pela UFSCar. Coordenador dos Cursos de Bacharelado em Sistemas de Informação, Bacharelado em Ciência <strong>da</strong><br />

Computação e Tecnologia em Processamento de Dados <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Docente do Curso de Especialização em Engenharia de<br />

SoIftware com UML desta mesma instituição.<br />

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INTRODUÇÃO<br />

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A Engenharia do Software surgiu na déca<strong>da</strong> de 70 como uma junção de tecnologia<br />

e prática utiliza<strong>da</strong>s na criação de softwares, com a finali<strong>da</strong>de do aumento <strong>da</strong> produção e quali<strong>da</strong>de<br />

do software.<br />

A prática de engenharia de software, tratando-se de desenvolvimento de sistema,<br />

necessita certos requisitos para uma boa produção, sendo eles: metodologias, linguagens de programação,<br />

banco de <strong>da</strong>dos, ferramentas, plataformas, bibliotecas e processo (WIKIPEDIA, 2005).<br />

Este tipo de prática é utilizado para estabilizar sistemas mais complexos, tendo<br />

como característica um conjunto de componentes de software encapsulados em procedimentos,<br />

módulos, funções, e objetos sendo interconectados entre si, compondo assim uma arquitetura de<br />

software que será executa<strong>da</strong> (WIKIPEDIA, 2005).<br />

Antes de um sistema ser implantado, é necessário que passe por várias fases no<br />

decorrer do desenvolvimento <strong>da</strong> aplicação, sendo uma destas fases, a escolha de um banco de<br />

<strong>da</strong>dos apropriado onde as informações serão processa<strong>da</strong>s e armazena<strong>da</strong>s. Não basta somente um<br />

bom banco de <strong>da</strong>dos, mas sim um banco que garanta a sincronização dos <strong>da</strong>dos, e que estes não<br />

sejam redun<strong>da</strong>ntes, respeitando também a integri<strong>da</strong>de dos <strong>da</strong>dos (WIKIPEDIA, 2005).<br />

Existem alguns tipos de modelos de <strong>da</strong>dos para se a<strong>da</strong>ptar a um sistema, sendo<br />

eles: hierárquico, rede, relacional e orientado a objeto.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 60, os computadores se tornaram parte efetiva do custo <strong>da</strong>s empresas,<br />

juntamente com o crescimento <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de armazenamento. Foram desenvolvidos<br />

dois principais modelos de <strong>da</strong>dos: modelo em rede (CODASYL - Comitee for Data Systems<br />

Language) e o modelo hierárquico (IMS – Information Management System). O acesso ao BD<br />

é feito através de operações de ponteiros de baixo nível que unem (link) os registros. Detalhes<br />

de armazenamento dependiam do tipo de informação a ser armazena<strong>da</strong>; desta forma, a adição<br />

de um campo extra necessitaria de uma reescrita dos fun<strong>da</strong>mentos de acesso/modificação do<br />

esquema (WIKIPEDIA, 2005).<br />

Em 1976 o Dr. Peter Chen propôs o modelo Enti<strong>da</strong>de-Relacionamento (ER) para<br />

projetos de banco de <strong>da</strong>dos, possibilitando ao projetista concentrar-se apenas na utilização dos<br />

<strong>da</strong>dos, sem se preocupar com estrutura lógica de tabelas.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 80, a comercialização de sistemas relacionais começou a ser <strong>da</strong>r<br />

entre as organizações, e a Linguagem Estrutura<strong>da</strong> de Consulta – SQL (Structured Query Language)<br />

se tornou um padrão mundial.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 90, com crise econômica nas indústrias, o modelo cliente-servidor<br />

passou a ser uma regra para futuras decisões de negócio e viu-se que o desenvolvimento de<br />

ferramentas de produtivi<strong>da</strong>de como Excel/Access (Microsoft) e ODBC, também foi assinalado<br />

como o início dos protótipos de ODBMS (Object Database Management Systems)<br />

(WIKIPEDIA, 2005).<br />

No meio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90 surgiu a Internet o que fez aumentar o interesse pela<br />

tecnologia Web/BD, com o uso de soluções de código aberto (open source).<br />

Na déca<strong>da</strong> de 80, havia surgido no mercado o banco de <strong>da</strong>dos orientado a objeto,<br />

existindo atualmente no mercado mais de dez empresas de banco de <strong>da</strong>dos orientado a objeto<br />

comercializando produtos com tais características.<br />

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Com a estimativa de aumento, o modelo relacional está agregando recursos <strong>da</strong><br />

orientação a objeto em seus produtos, originando assim, uma arquitetura objeto relacional. Esses<br />

dois tipos de arquitetura tendem a prosseguir juntos, proporcionando assim poderosos recursos<br />

orientados a objeto (FRB, 2005a).<br />

Os bancos de <strong>da</strong>dos orientados a objetos integram o banco de <strong>da</strong>dos à tecnologia<br />

de orientação a objetos. Tem a necessi<strong>da</strong>de de realizar manipulações complexas para os bancos de<br />

<strong>da</strong>dos existentes e uma nova geração de aplicações de bancos de <strong>da</strong>dos, geralmente necessita<br />

mais diretamente de um banco de <strong>da</strong>dos orientado a objeto (FRB, 2005b).<br />

Por outro lado, aplicações de linguagens orienta<strong>da</strong>s a objeto e sistemas, estão<br />

exigindo capaci<strong>da</strong>des especiais de bancos de <strong>da</strong>dos, tais como continui<strong>da</strong>de, simultanei<strong>da</strong>de e transações<br />

dos seus ambientes. Estas necessi<strong>da</strong>des estão levando à criação de sistemas poderosos,<br />

chamados Bancos de Dados Orientados a Objeto (FRB, 2005b).<br />

Este tipo de desenvolvimento teve origem na combinação de idéias dos modelos de<br />

<strong>da</strong>dos tradicionais e de linguagens de programação orienta<strong>da</strong> a objetos.<br />

No SGBDOO, a noção de objeto é usa<strong>da</strong> no nível lógico e possui características<br />

não encontra<strong>da</strong>s nas linguagens de programação tradicionais, como operadores de manipulação de<br />

estruturas, gerenciamento de armazenamento, tratamento de integri<strong>da</strong>de e persistência dos <strong>da</strong>dos<br />

(FRB, 2005b).<br />

O SGBDOO possui um módulo chamado de gerenciador de recuperação que administra<br />

as técnicas de recuperação de falhas de transação, falhas no sistema, e as falhas no meio.<br />

Uma <strong>da</strong>s estruturas mais utiliza<strong>da</strong>s para o gerenciamento de recuperação é o log,<br />

que é utilizado para registrar e armazenar as imagens anteriores e posteriores dos objetos atualizados.<br />

A idéia do banco de <strong>da</strong>dos orientado a objeto surgiu para um simples suporte à<br />

programação orienta<strong>da</strong> a objeto, ou seja, desistindo assim de tabelas e solicitando d um depósito<br />

para aquilo que eles chamavam de <strong>da</strong>dos permanentes, ou seja, <strong>da</strong>dos que permanecem mesmo<br />

depois que um processo é encerrado (FRB, 2005b).<br />

Neste modelo, os <strong>da</strong>dos só podem ser acessados através dos métodos que entrarão<br />

em ação no momento em que recebem uma solicitação ou uma invocação.<br />

Pode-se dizer, então, que a orientação a objetos corresponde à organização de<br />

sistemas como uma coleção de objetos que integram estruturas de <strong>da</strong>dos e comportamento. Além<br />

desta noção básica, a abor<strong>da</strong>gem em questão inclui alguns conceitos, princípios e mecanismos<br />

básicos que a diferenciam <strong>da</strong>s demais, sendo eles: Abstração, Objeto, Encapsulamento, Classes,<br />

Heranças, Métodos, Mensagens, Polimorfismo (FRB, 2005b).<br />

Desta forma, considerando a evolução dos SGBDOO, diversas empresas<br />

disponibilizam suas soluções nesta plataforma, sendo que o presente trabalho apresenta um comparativo<br />

entre 9 diferentes SGBDOO, sendo direcionado, principalmente, para pessoas, empresas<br />

e universi<strong>da</strong>des que necessitam de informações especificas com relação aos diversos SGBDOO<br />

encontrados no mercado para avaliaçãode suas características e funcionali<strong>da</strong>des. Dos 9 SGBDOO<br />

estu<strong>da</strong>dos e detalhados, 4 foram eleitos para um estudo comparativo abor<strong>da</strong>ndo suas principais<br />

características, como Arquitetura, Modelo de Dados, Evolução de Esquema, Acesso Multidimensional<br />

e Arquitetura WEB. O presente texto inicia com um breve levantamento histórico sobre SGBDOO,<br />

desde a déca<strong>da</strong> de 60, com os modelos em rede e hierárquicos, passando pelas déca<strong>da</strong>s de 70 e 80,<br />

com os modelos relacionais, até os dias atuais destacando os modelos objeto relacional e orientado<br />

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a objetos. Na Secção 2 são descritas as principais características dos 9 SGBDOO estu<strong>da</strong>dos,<br />

sendo eles ITASCA, GEMSTONE, VERSANT, OBJECTIVITY/DB, ONTOSDB, CACHÉ,<br />

JASMINE, OBJECTSTORE e O2. Na Secção 3 é apresentado o estudo comparativo dos SGBDOO<br />

CACHÉ, OBJECTIVITY/DB, ITASCA e OBJECTSTORE. Finalmente, na Secção 4 são expressas<br />

as conclusões e sugeridos os trabalhos futuros.<br />

PRINCIPAIS SGBDOO ESTUDADOS<br />

Os SGBDOO começaram a se tornar produtos comercialmente viáveis, pelo motivo<br />

de apresentar um alto desempenho, serem confiáveis e também se a<strong>da</strong>ptarem a outros modelos<br />

de <strong>da</strong>dos, tratando-se de consulta. Hoje algumas empresas já utilizam este modelo de <strong>da</strong>dos<br />

para questões de gerenciamento <strong>da</strong>s informações. Por este motivo iniciou-se uma pesquisa com<br />

alguns SGBDOO.<br />

Com inúmeras pesquisas envolvendo bancos de <strong>da</strong>dos, 9 foram então estu<strong>da</strong>dos,<br />

detalhando suas principais funcionali<strong>da</strong>des e, 4 de maior destaque foram comparados quanto a<br />

algumas de suas principais características.<br />

Existem hoje vários tipos de SGBDOO, tais como: ITASCA, GEMSTONE,<br />

VERSANT, OBJECTIVITY/DB, ONTOS, CACHÉ, JASMINE, OBJECT STORE, O2, entre<br />

outros.<br />

ITASCA<br />

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É baseado em uma série de protótipos para banco de <strong>da</strong>dos orientados a objetos<br />

ORION, sendo executado sob plataforma UNIX e podendo ser utilizados: C++, C, CLOS ou<br />

Common Lisp. As pesquisas tiveram início no ano de 1985, pela MCC (Microelectronics and<br />

Computer Techniology Corporation) e Laboratório de Sistemas Distribuídos, em Austin, no<br />

Texas. Entretanto, em 1995 a IBEX Corporation adquiriu o ITASCA, Sistema Gerenciador de<br />

Bancos de Dados para Objetos Distribuídos – estendendo o protótipo para um produto comercial<br />

(ITASCA, 2001).<br />

Seu modelo de <strong>da</strong>dos suporta os princípios fun<strong>da</strong>mentais de orientação a objetos,<br />

como: abstração de <strong>da</strong>dos, encapsulamento, herança, identificadores de objetos e classes, incorporando<br />

um ambiente persistente e compartilhado. Ca<strong>da</strong> objeto tem um identificador único, sendo<br />

que os atributos representam o estado e os métodos do comportamento. As classes apresentam<br />

objetos que compartilham os mesmos métodos e atributos e a definição do banco de <strong>da</strong>dos<br />

tem como resultado uma hierarquia de classes, de forma que, subclasses podem ser deriva<strong>da</strong>s<br />

de classes existentes, her<strong>da</strong>ndo todos os métodos e atributos, sendo permiti<strong>da</strong> herança múltipla<br />

(ITASCA, 2001).<br />

Este modelo oferece um mecanismo especial para suporte automático de versões<br />

de instâncias, onde os objetos modificados são mantidos no banco de <strong>da</strong>dos, estando disponíveis<br />

para atualizações e consultas. Lembrando que as versões podem ser instâncias, somente, de classes<br />

declara<strong>da</strong>s como versionáveis. O ITASCA permite, ain<strong>da</strong>, operações para o controle de versões<br />

nos domínios <strong>da</strong>s aplicações, tais como: making, promoting, demoting, checking out e<br />

checking in.<br />

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O ITASCA apresenta um mecanismo dinâmico para modificar o esquema, <strong>da</strong>ndo<br />

possibili<strong>da</strong>de de tratar as alterações do esquema como transações normais, enquanto o banco<br />

de <strong>da</strong>dos permanece em execução. Com isso, ca<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça no esquema conduz o banco de<br />

<strong>da</strong>dos de um estado estável para outro igualmente estável, sem que sua estrutura seja abala<strong>da</strong><br />

(ITASCA, 2001).<br />

Apresenta um mecanismo amplo e bem definido para o suporte de versões de objetos.<br />

Entretanto, não há possibili<strong>da</strong>de de aplicar esse mecanismo no tratamento de evolução de esquemas,<br />

impossibilitando a representação do histórico <strong>da</strong>s modificações de esquemas (ITASCA, 2001).<br />

Por outro lado, o modelo de <strong>da</strong>dos do ITASCA suporta novas extensões com a<br />

finali<strong>da</strong>de de melhorar as capaci<strong>da</strong>des de modelagem, introduzindo novos conceitos ao modelo<br />

orientado a objetos clássico. Por exemplo, o tratamento especial a objetos compostos, onde<br />

relacionamentos são aplicados nas classes, mantendo ligações inversas entre as classes e suas<br />

classes componentes, e vice-versa. No que se refere à evolução de esquemas, novas operações<br />

de modificação para objetos compostos são incluí<strong>da</strong>s, ampliando o suporte à evolução disponível<br />

(ITASCA, 2001).<br />

GEMSTONE<br />

Além de sua característica evolutiva e o fato de trabalhar com diversas linguagens<br />

de <strong>da</strong>dos, inclui baixa taxa de erros, recupera falhas no meio, no processo e no processador, enquanto<br />

mantém alta disponibili<strong>da</strong>de, tratando grandes quanti<strong>da</strong>des de <strong>da</strong>dos. Seu ponto principal é<br />

o Class Graph, que permite desenhar as estruturas de hierarquias de classes e os relacionamentos<br />

entre elas (GEMSTONE, 2005.)<br />

Seu modelo de <strong>da</strong>dos, trata apenas mecanismos de herança simples, ou seja, ao<br />

definir subclasses, dois principais tipos de modificação à definição her<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> superclasse podem<br />

ser exercidos, sendo elas: adição de atributos e adição e redefinição de métodos. Com isto, o<br />

GEMSTONE é classificado na categoria dos SGBD’s no qual a persistência é uma proprie<strong>da</strong>de<br />

ortogonal dos objetos, onde nem todos os objeto criados se tornam, automaticamente, persistentes<br />

(GEMSTONE, 2005).<br />

Sua arquitetura, é dividi<strong>da</strong> pelo Gem Server, onde o comportamento do objeto é<br />

executado, e também dentro do server estão tanto os objetos como as páginas de Cache. O Stone<br />

monitor que é o outro componente que integra a arquitetura, aloca novos identificadores de objetos<br />

e coordena o encerramento <strong>da</strong>s transações. O GEMSTONE fazia uso do NFS (Network File<br />

System) para automatizar as réplicas dos bancos pela rede, o que foi alterado para promover uma<br />

melhor performance nos lançamentos seguintes. A máquina que possui a réplica assume as funcionali<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong> máquina em falha, permitindo assim que o processamento seja retomado a partir do<br />

ponto em que foi interrompido. O ponto negativo desta versão é que a “coleta de lixo” era feita offline,<br />

ou seja, o processamento tinha de ser interrompido. O mesmo tinha que acontecer com o<br />

backup. Esses problemas foram solucionados em versões posteriores (GEMSTONE, 2005).<br />

O GEMSTONE usava a contagem de referência para identificar objetos temporários<br />

e assegurar que eles não seriam gravados no disco, não detectando ciclos desses objetos.<br />

Portanto, este controle de concorrência é feito pela combinação de concorrência otimista<br />

(implementado via paginação shadow) e travamento de objetos (GEMSTONE, 2005).<br />

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VERSANT<br />

É um SGBDOO, de ambiente distribuído e suporte multiusuário, fornecido pela<br />

empresa VERSANT Object Technology, disponibilizando um conjunto de produtos, como: SGBD,<br />

ferramentas para desenvolvimento de aplicações e administração do banco de <strong>da</strong>dos, interface<br />

para as linguagens de programação C++ e Smalltalk, SQL baseado na integração de <strong>da</strong>dos legados,<br />

entre outros serviços e produtos, suportando também a evolução de esquemas on-line, através<br />

do comando: “sch2db –d <strong>da</strong>tabase (VERSANT, 2001).<br />

Com a execução desse comando, automaticamente, é examinado o esquema corrente<br />

com o objetivo de determinar as modificações necessárias, atualizando, as classes afeta<strong>da</strong>s.<br />

O mecanismo de conversão é utilizado, tanto para evolução do esquema, quanto para a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong><br />

base de <strong>da</strong>dos; nesse caso, a estratégia adota<strong>da</strong> consiste nas conversões adia<strong>da</strong>s, cujas instâncias<br />

são atualiza<strong>da</strong>s somente quando requeri<strong>da</strong>s pela aplicação (VERSANT, 2001).<br />

Entretanto, considerando bancos de <strong>da</strong>dos distribuídos, VERSANT permite a<br />

redefinição de classes. As instâncias <strong>da</strong>s classes modifica<strong>da</strong>s são atualiza<strong>da</strong>s no instante em que<br />

são requeri<strong>da</strong>s, consistindo em mecanismo de conversão adia<strong>da</strong> de banco de <strong>da</strong>dos.<br />

A bibliografia coleta<strong>da</strong> a respeito do banco de <strong>da</strong>dos VERSANT é um pouco<br />

limita<strong>da</strong>, impossibilitando a realização de uma análise mais rigorosa e aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

(VERSANT, 2001).<br />

OBJECTIVITY/DB<br />

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É um SGBDOO comercial, baseado na linguagem C++, suportando outras linguagens,<br />

como: SmallTalk e JAVA. Sendo compatível com os conceitos definidos pelo grupo ODMG.<br />

Destaca-se por possuir uma arquitetura distribuí<strong>da</strong>, cliente/servidor, que gerencia, corretamente os<br />

objetos distribuídos em ambientes heterogêneos e em múltiplos bancos de <strong>da</strong>dos. É executado nas<br />

seguintes plataformas: Unix, Windows, NT, VMS, tendo como meta, prestar suporte a aplicações<br />

de grande escala, como, por exemplo, bancos de <strong>da</strong>dos federados (OBJECTIVITY/DB, 2001).<br />

Em relação ao modelo de Dados e Versões, os objetos são modelados utilizando<br />

estruturas na linguagem C++, e por classes adicionais. Neste modelo, um objeto simples é uma<br />

classe em C++, estando associado a um conjunto de métodos. O objeto complexo é representado<br />

por uma estrutura arbitrária, podendo sofrer modificações em seu tamanho, e um objeto composto<br />

é formando por uma rede de objetos relacionados, que atuam como objetos simples, através <strong>da</strong><br />

propagação de comportamento para os objetos componentes. Os objetos simples podem, simultaneamente,<br />

atuar como componentes de vários objetos compostos, apresentando relacionamentos<br />

de 1:1, 1:n e n:n (OBJECTIVITY/DB, 2001).<br />

O OBJECTIVITY/DB permite modificações no esquema do banco de <strong>da</strong>dos,<br />

sendo elas: modificações lógicas, como por exemplo a troca de nome de uma classe, modificações<br />

em classes compostas, modificações em referências e associações, modificações em classes, como<br />

inclusão e exclusão e modificações nos relacionamentos de herança entre as classes existentes.<br />

Seu processo de evolução é o versionamento de classes (tipos). To<strong>da</strong> vez que uma definição de<br />

classe é modifica<strong>da</strong>, uma versão é deriva<strong>da</strong> para a classe. Dessa forma, objetos podem ser instâncias<br />

de versões de tipos antigos ou novos. O processo de a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong>s instâncias vigentes no<br />

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banco de <strong>da</strong>dos é realizado pela escrita de funções de conversão (métodos), instalados no sistema<br />

e acionados por ele (OBJECTIVITY/DB, 2001).<br />

O principal destaque do banco de <strong>da</strong>dos OBJECTIVITY/DB é a possibili<strong>da</strong>de de<br />

versionamento de classes durante o processo de evolução de esquemas, permitindo a representação<br />

do histórico <strong>da</strong>s modificações.<br />

Outro ponto importante é a definição de critérios default, tanto para o processo de<br />

evolução de esquemas, quanto para a a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> base de <strong>da</strong>dos. Paralelamente, há a possibili<strong>da</strong>de<br />

de seleção, pelo usuário, de outras opções, ampliando a capaci<strong>da</strong>de do processo de evolução e<br />

a<strong>da</strong>ptação para o OBJECTIVITY/DB (OBJECTIVITY/DB, 2001).<br />

ONTOSDB<br />

É um produto orientado a objeto disponibilizado no mercado por ONTOS Inc., que<br />

fornece a persistência em uma base <strong>da</strong> classe, fornecendo também o objeto <strong>da</strong> classe que define<br />

os comportamentos para o armazenamento persistente dos objetos. Qualquer classe cujos exemplos<br />

devem ser armazenados de forma persistente, deve her<strong>da</strong>r do objeto <strong>da</strong> classe. Todos os<br />

exemplos de uma classe que her<strong>da</strong>m do objeto são persistentes sob o DB de ONTOS e são<br />

alcançados através dos ponteiros em uma aplicação. O DB de ONTOS fornece um número de<br />

funções que recuperam um objeto <strong>da</strong> base de <strong>da</strong>dos e o colocam no espaço de memória de uma<br />

aplicação. As funções retornam um ponteiro ao objeto recuperado, podendo ser usado como um<br />

ponteiro a todo o objeto não persistente de C++. Através destes ponteiros, os membros dos <strong>da</strong>dos<br />

podem ser alcançados e as funções do membro podem ser invoca<strong>da</strong>s.<br />

Todos os acessos do objeto aplicam-se a uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de do fechamento do defeito<br />

ao objeto alcançado. A mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de do fechamento do defeito é dependente do tipo de transação<br />

que a aplicação está executando atualmente (ONTOSDB, 2005).<br />

Ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s funções que ativam objetos (isto é, acesso a objetos <strong>da</strong> base de<br />

<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> memória) fornece um parâmetro para o usuário cancelar a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de, travando do<br />

defeito.<br />

Os objetos que são modificados pela aplicação devem ser explicitamente desativados<br />

(isto é, escrito para trás à base de <strong>da</strong>dos). O DB de ONTOS fornece relações deallocating,<br />

objetos individuais e objetos agregados. Estas relações incluem parâmetros para especificar se os<br />

objetos irão permanecer no espaço de endereço <strong>da</strong> aplicação (ou se serão deallocated desse<br />

espaço de endereço) (ONTOSDB, 2005).<br />

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CACHÉ<br />

É um banco de <strong>da</strong>dos pós-relacional com o armazenamento de objetos, permitindo<br />

que seus <strong>da</strong>dos sejam acessados de diversas maneiras, sendo elas: acesso via SQL/ODBC, acesso<br />

via objetos, ou acesso multidimensional. E possui as vantagens <strong>da</strong> tecnologia relacional em relação<br />

às consultas SQL, porém com maior poder de acesso, e sem as limitações de desempenho. Seu<br />

modelo multidimensional garante o desenvolvimento para aplicações complexas e transações para<br />

a Web através <strong>da</strong>s CACHÉ Server Pages que são páginas em HTML ou XML padrão, que<br />

podem ser cria<strong>da</strong>s ou modifica<strong>da</strong>s com qualquer editor de texto ou ferramenta simple de criação de<br />

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páginas Web e interfaces gráficas. Com seu acesso otimizado via SQL padrão, objetos de alto<br />

desempenho e acesso multidimensional direto, oferece, assim, uma agili<strong>da</strong>de maior nas aplicações<br />

(CACHÉ, 2005).<br />

Devido a essa característica, todos os <strong>da</strong>dos são automaticamente acessíveis tanto<br />

como objetos quanto como tabelas. Esta tecnologia única significa que não há necessi<strong>da</strong>de de se<br />

fazer sincronização entre as definições de objetos e tabelas, e nem há sobrecarga de processamento<br />

para a conversão entre as duas formas. A arquitetura unifica<strong>da</strong> de <strong>da</strong>dos aumenta a produtivi<strong>da</strong>de<br />

e a performance (CACHÉ, 2005).<br />

Mesmo com seu eficiente núcleo multidimensional as consultas via SQL são rápi<strong>da</strong>s<br />

e satisfatórias. O CACHÉ possui também um SQL Gateway, que permite que aplicações<br />

CACHÉ acessem <strong>da</strong>dos armazenados em bases relacionais externas - o que é muito útil quando há<br />

necessi<strong>da</strong>de de se integrar informações de diversas fontes (CACHÉ, 2005).<br />

Um outro ponto positivo do cachê, é a conformi<strong>da</strong>de com XML, que está se<br />

tornando o método preferido para compartilhar <strong>da</strong>dos entre diferentes aplicações. É possível<br />

usar objetos CACHÉ como uma representação direta de documentos XML e vice-versa<br />

(CACHÉ, 2005).<br />

O CACHÉ, além de ser um banco de <strong>da</strong>dos, é rápido em desenvolvimento para<br />

Web, porque as aplicações podem ser programa<strong>da</strong>s usando quaisquer ferramentas simples como<br />

um editor de texto. Torna-se rápido, porque com o CACHÉ, as páginas CSP her<strong>da</strong>m todo o código<br />

necessário para o gerenciamento de sessão. O código de programação é derivado dos objetos de<br />

sistema fornecidos pela InterSystems; o desenvolvedor escolhe o nível de segurança desejado para<br />

a sessão, e o CACHÉ se encarrega do resto (CACHÉ, 2005).<br />

As páginas CSP (CACHÉ Server Pages) são executa<strong>da</strong>s no servidor de <strong>da</strong>dos,<br />

junto aos <strong>da</strong>dos que as páginas irão acessar. Ou seja, a lógica de negócios e os <strong>da</strong>dos estão<br />

estreitamente acoplados, tornando a comunicação muito rápi<strong>da</strong>. Outra vantagem importante desta<br />

abor<strong>da</strong>gem é a maior escalabili<strong>da</strong>de. Já que o servidor Web não fica sobrecarregado processando<br />

a lógica de negócios, ele fica livre para li<strong>da</strong>r com mais requisições que chegam dos navegadores<br />

Web (CACHÉ, 2005).<br />

JASMINE<br />

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É um SGBDOO que armazena estruturas de classes com suas instâncias, sendo<br />

manipulado por uma linguagem de consulta a objetos, chama<strong>da</strong> ODQL, oferecendo interfaces que<br />

permitem o desenvolvimento de códigos em C e C++. Inclui ain<strong>da</strong>, uma ferramenta de desenvolvimento<br />

de aplicações chama<strong>da</strong> de JASMINE Studio. Sendo um banco bem versátil, o JASMINE<br />

possui uma biblioteca de classes multimídia que define classes para gerenciamento de <strong>da</strong>dos<br />

multimídia, contendo classes com definições para vários tipos de objetos multimídia comuns, tais<br />

como: vídeo, áudio, figuras e diversas classes de suporte (JASMINE, 2005).<br />

Com sua arquitetura cliente/servidor, o JASMINE permite que um servidor suporte<br />

múltiplas bases de <strong>da</strong>dos, sendo que ca<strong>da</strong> cliente pode acessar bases múltiplas em vários servidores<br />

(JASMINE, 2005).<br />

Além dos conceitos básicos de orientação a objeto, outros conceitos são importantes<br />

para sua utilização, sendo eles: Codqlie: interpretador que permite a execução de comandos<br />

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Reinaldo Carlos Godinho Tonani e A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

ODQL e de métodos definidos para as classes; Família de Classes: representa o local lógico onde<br />

serão armazena<strong>da</strong>s as classes; JASMINE Studio: ambiente de desenvolvimento e gerenciamento<br />

de classes e objetos, permitindo a criação e manipulação de classes e objetos e aplicações; ODQL:<br />

é a linguagem de criação e manipulação de classes e objetos; e Store: sendo o local físico onde<br />

serão armazenados as classes e os objetos criados no JASMINE. Um store pode compreender um<br />

ou mais arquivos e pode armazenar uma ou mais famílias de classes (JASMINE, 2005).<br />

OBJECTSTORE<br />

O OBJECTSTORE é SGBDOO para aplicações Web e outros ambientes de computação<br />

distribuí<strong>da</strong>, tendo como características principais a segurança, manuseio de grandes coleções<br />

de <strong>da</strong>dos, alta veloci<strong>da</strong>de, suporte a transações complexas e gerenciamento em redes, entre<br />

outras. Suas aplicações podem ser utiliza<strong>da</strong>s tanto no sistema de rede Internet, quanto Intranet,<br />

sendo inseri<strong>da</strong>s no sistema pelos próprios desenvolvedores <strong>da</strong> aplicação ou por fontes de <strong>da</strong>dos<br />

externas, como usuários que utilizam a aplicação, através de browsers de navegação. Também<br />

provê aplicações em diversas áreas, como: Telecomunicações, Finanças, Saúde e Ciência, Internet,<br />

Manufatura, e Documento/Imagem (OBJECTSTORE, 2001).<br />

O OBJECTSTORE segue os padrões definidos pela ODMG, sendo o mesmo baseado<br />

nos princípios fun<strong>da</strong>mentais de orientação a objetos como: conceito de identi<strong>da</strong>de de objetos,<br />

classes, composição, herança, funções virtuais, templates, encapsulamento, entre outros, destacando<br />

o eficiente gerenciamento de relacionamentos. Com seu conceito de OID (Object Identifier),<br />

fornece OIDs embutidos. Todo controle é realizado, automaticamente, pelo (SGBD), como, por<br />

exemplo, o OID de um objeto permanece válido mesmo quando a referência a ele é troca<strong>da</strong>.<br />

Possui ain<strong>da</strong> uma capaci<strong>da</strong>de de integração de <strong>da</strong>dos com outros sistemas, sendo possível importar<br />

<strong>da</strong>dos para o SGBD ou apenas realizar o acesso a esses <strong>da</strong>dos, disponibilizando para isto, ferramentas<br />

apropria<strong>da</strong>s para realização desta integração de <strong>da</strong>dos, como, por exemplo, o Dbconnect<br />

que faz uma integração transparente com SGBDs relacionais (OBJECTSTORE, 2001).<br />

Quanto à evolução de esquemas, é feita pela modificação <strong>da</strong> semântica dos objetos,<br />

modificação do esquema durante uma aplicação, enfatizando, a atualização dos objetos presentes<br />

no banco de <strong>da</strong>dos, sendo possível modificar o esquema, e, automaticamente, são realiza<strong>da</strong>s<br />

as atualizações nas representações de to<strong>da</strong>s as instâncias na base de <strong>da</strong>dos, conforme as novas<br />

definições, garantindo a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações armazena<strong>da</strong>s. É através de uma ferramenta<br />

chama<strong>da</strong> Ossevol, que é feito o processo de evolução de esquemas, que realiza a modificação e<br />

atualiza fisicamente a estrutura e a base de <strong>da</strong>dos, sendo de importância que o usuário execute<br />

manualmente procedimentos de backup para garantir o estado anterior no caso de falhas<br />

(OBJECTSTORE, 2001).<br />

O OBJECTSTORE apresenta um mecanismo de evolução de esquema bem definido,<br />

específico e documentado, que possibilita o tratamento de evolução de esquema, através de<br />

operações individuais ou sob um pacote de operações, agilizando assim o processo e fornecendo<br />

amplas possibili<strong>da</strong>des de modificação (OBJECTSTORE, 2001).<br />

Considerando mecanismos de versões, o processo de evolução de esquemas do<br />

OBJECTSTORE apresenta, sempre, apenas duas versões, tanto <strong>da</strong> estrutura do esquema, quanto<br />

<strong>da</strong> base de <strong>da</strong>dos. O processo de evolução é realizado sobre a segun<strong>da</strong> versão e, depois de conclu-<br />

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ído com sucesso, a versão antiga é totalmente excluí<strong>da</strong>. Essa técnica assegura a vali<strong>da</strong>de do<br />

processo de evolução, uma vez que as atualizações são, irreversivelmente, realiza<strong>da</strong>s quando o<br />

processo é finalizado com sucesso; caso contrário é recusado.<br />

Entretanto, o estado anterior às modificações não é conservado, impedindo retornar<br />

aos estados anteriores <strong>da</strong> estrutura e <strong>da</strong> base de <strong>da</strong>dos (OBJECTSTORE, 2001).<br />

O2<br />

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Iniciou-se em 1986, sendo resultado de um programa que durou cinco anos e no<br />

qual se decidiu desenvolver um sistema de banco de <strong>da</strong>dos. Em dezembro de 1987 os primeiros<br />

protótipos do sistema foram demonstrados, sendo liberados para testes em universi<strong>da</strong>des e indústrias<br />

somente em 1989. Neste mesmo ano, foi feita uma análise profun<strong>da</strong> do projeto, o que levou a<br />

mu<strong>da</strong>nças significativas. Em 1991, com o projeto finalizado, foi cria<strong>da</strong> a O2 Technology, que então<br />

passou a comercializar, <strong>da</strong>r suporte e investir pesa<strong>da</strong>mente na tecnologia O2. Já em 1992, a O2<br />

Tecnology se juntou ao grupo ODMG’93. Desde então, a O2 Technology tem estado comprometi<strong>da</strong><br />

com a melhoria e o suporte ao padrão OQL, sendo a primeira a desenvolver um interpretador<br />

e uma ligação com o C++ compatíveis com este padrão (UCRJO2, 2005).<br />

O O2 é mais utilizado para aplicações que necessitam de gerenciamento de <strong>da</strong>dos<br />

complexos e/ou multimídia, sendo eles: telecomunicações, sistemas de gerenciamento de documentos,<br />

sistemas de informação geográfica, aplicações financeiras. Para isto, possui algumas metas<br />

importantes como: aumentar a produtivi<strong>da</strong>de no desenvolvimento de aplicações através <strong>da</strong>s<br />

fases de análise, projeto, implementação, teste e evolução, utilizando a tecnologia orienta<strong>da</strong> a objeto;<br />

desenvolver aplicações de armazenamento e transação de grandes volumes de <strong>da</strong>dos complexos<br />

e multimídia; permitir a usuários que já utilizem banco de <strong>da</strong>dos orientados a objetos, migrar<br />

facilmente para o O2, já que este segue o padrão ODMG; e melhorar a quali<strong>da</strong>de de aplicações<br />

finais, em termos de performance, aparência, manutenibili<strong>da</strong>de e customização (UCRJO2, 2005).<br />

O2Engine, que é a base do sistema, é responsável pelo armazenamento de objetos<br />

estruturados e multimídia, fazendo gerenciamento de disco (incluindo buferização, indexação,<br />

clusterização e I/O), distribuição, gerenciamento de transações, recuperação, segurança e administração<br />

de <strong>da</strong>dos. Suas aplicações podem ser desenvolvi<strong>da</strong>s em C, C++, Smalltalk ou com a<br />

linguagem de quarta geração O2C, suportando também a linguagem de consulta OQL, estabeleci<strong>da</strong><br />

como padrão pela ODMG (UCRJO2, 2005).<br />

Com uma arquitetura cliente/servidor basea<strong>da</strong> em um servidor que trata somente<br />

de páginas não entendendo a semântica de objetos, as consultas e métodos são executados no<br />

cliente, concentrando a maior parte <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de do sistema na estação de trabalho e deixando<br />

o servidor livre para tarefas que somente ele pode executar, melhorando assim o desempenho.<br />

Um cliente pode acessar <strong>da</strong>dos distribuídos sob o controle de uma transação global.<br />

O ambiente cliente/servidor é heterogêneo, pois o cliente e o servidor podem estar em diferentes<br />

hardwares (UCRJO2, 2005).<br />

No O2, o gerenciador de versões é responsável por administrar as versões de<br />

objetos mantidos na base de <strong>da</strong>dos O2. Utiliza a noção de Unit Version (UV), que consiste em<br />

uma coleção arbitrária de objetos que terão suas versões controla<strong>da</strong>s, e de um grafo de derivação<br />

que descreve a evolução <strong>da</strong> UV. Assim que um objeto é incluído em uma aplicação, pode-se<br />

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Reinaldo Carlos Godinho Tonani e A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

acessar a base de <strong>da</strong>dos e determinar explicitamente que versão deseja utilizar. Caso não indique<br />

a versão deseja<strong>da</strong>, o próprio sistema determina qual versão do objeto à aplicação se deve acessar<br />

(UCRJO2, 2005).<br />

A qualquer momento, a aplicação pode derivar uma nova versão de outra, seja<br />

esta uma folha do grafo ou não. Duas versões de um mesmo objeto podem ser assinala<strong>da</strong>s por<br />

diferentes transações, sem haver conflito (UCRJO2, 2005).<br />

ESTUDO COMPARATIVO<br />

Para se ter uma noção de como são os bancos de <strong>da</strong>dos orientados a objeto, foi<br />

abor<strong>da</strong>do neste estudo o funcionamento de ca<strong>da</strong> um deles, sendo realizado um comparativo sobre<br />

as principais características de quatro bancos pesquisados.<br />

Devido à dificul<strong>da</strong>de de se encontrar materiais e os próprios bancos em versão<br />

fre, para estudo, não foi possível seguir um padrão igual de comparação para todos os bancos e<br />

também aplicar testes reais. Sendo assim, alguns deles tiveram o mesmo tipo de comparação e<br />

outros não. A Tabela comparativa exibe os padrões de características que foram comparados, dos<br />

seguintes bancos de <strong>da</strong>dos: CACHÉ, OBJECTIVITY/DB, ITASCA, OBJECT STORE.<br />

Quadro Comparativo (CACHÉ, OBJECTIVITY/DB, ITASCA, OBJECT<br />

STORE).<br />

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Detalhamento <strong>da</strong> Tabela<br />

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Com base na Tabela Comparativa dos bancos de <strong>da</strong>dos abor<strong>da</strong>dos, será relatado<br />

detalha<strong>da</strong>mente ca<strong>da</strong> característica dos bancos, de forma que será possível compreender, por<br />

exemplo, o funcionamento de ca<strong>da</strong> banco de <strong>da</strong>dos para uma determina<strong>da</strong> aplicação.<br />

CACHÉ<br />

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O CACHÉ, sendo um banco de <strong>da</strong>dos pós-relacional e possuindo uma arquitetura<br />

Web única, tem como principal virtude aplicações para WEB, tornando-se um acesso rápido e<br />

possível.<br />

Arquitetura: sua arquitetura é pós-relacional, isto é, possui as vantagens <strong>da</strong> tecnologia<br />

relacional porém, com poderoso acesso e um alto desempenho. Além de ser um banco de <strong>da</strong>dos<br />

com acesso otimizado via SQL padrão, objetos de alto desempenho e acesso multidimensional<br />

direto, oferecendo assim uma agili<strong>da</strong>de maior nas aplicações<br />

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Modelo de <strong>da</strong>dos/versão: permite que todos os <strong>da</strong>dos sejam automaticamente<br />

acessívei, tanto como objetos quanto como tabelas; sendo assim, significa que não há necessi<strong>da</strong>de<br />

de se fazer sincronização entre as definições de objetos e tabelas, e nem há sobrecarga de<br />

processamento para a conversão entre as duas formas.<br />

Acesso multidimensional: permite que os desenvolvedores tenham controle absoluto<br />

sobre a forma como os <strong>da</strong>dos são armazenados, sendo útil para aplicações de processamento<br />

transacional que precisam integrar <strong>da</strong>dos armazenados em outras bases multidimensionais.<br />

Arquitetura Web única: comunicação rápi<strong>da</strong>; outra vantagem é a maior<br />

escalabili<strong>da</strong>de, já que o servidor Web não fica sobrecarregado no processamento, permanecendo<br />

livre para li<strong>da</strong>r com mais requisições que chegam dos navegadores Web.<br />

OBJECTIVITY/DB<br />

É um banco de <strong>da</strong>dos orientado a objetos, comercial, baseado na linguagem C++,<br />

que suporta várias linguagens, sendo compatível com os conceitos definidos pelo grupo ODMG.<br />

Arquitetura: possui uma arquitetura distribuí<strong>da</strong> cliente/servidor, que gerencia os<br />

objetos distribuídos em ambientes heterogêneos e em múltiplos bancos de <strong>da</strong>dos, possibilitando o<br />

versionamento de classes durante o processo de evolução de esquemas, permitindo a representação<br />

do histórico <strong>da</strong>s modificações.<br />

Modelo de <strong>da</strong>dos e versão: suporta características de versionamento, com a presença<br />

de referências estáticas e dinâmicas aos objetos versionados, defini<strong>da</strong>s através de métodos.<br />

Evolução de esquema: permite várias possibili<strong>da</strong>des de modificações em seu esquema,<br />

sendo elas: lógicas, modificações em classes compostas, modificações em referências e<br />

associações, modificações em classes (como inclusão e exclusão), e modificações nos relacionamentos<br />

de herança entre as classes existentes.<br />

51<br />

ITASCA<br />

O ponto fraco deste banco é que não há possibili<strong>da</strong>de de aplicar esse mecanismo<br />

no tratamento de evolução de esquemas, impossibilitando a representação do histórico <strong>da</strong>s modificações<br />

de esquemas.<br />

Arquitetura: o ITASCA possui uma boa arquitetura, que é independente e não<br />

necessita de linguagens específicas e apresenta um bom mecanismo para suporte de versões de<br />

objetos.<br />

Modelo de <strong>da</strong>dos/versão: suporta os princípios fun<strong>da</strong>mentais de orientação a objetos<br />

e incorpora a esses princípios um ambiente persistente e compartilhado para um gerenciador de<br />

banco de <strong>da</strong>dos distribuído. Fornece um suporte automático de versões de instâncias, onde os<br />

objetos modificados são mantidos no banco de <strong>da</strong>dos, estando disponíveis para atualizações e<br />

consultas.<br />

O ITASCA permite, ain<strong>da</strong>, operações para o controle de versões nos domínios <strong>da</strong>s<br />

aplicações, tais como: making, promoting, demoting, checking out e checking in.<br />

Evolução de esquema: Fornece um mecanismo dinâmico para modificar o esquema,<br />

possibilitando tratar as alterações como transações normais, enquanto o banco de <strong>da</strong>dos per-<br />

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manece em execução. Com isto, são gerados alguns benefícios como: facili<strong>da</strong>de aos desenvolvedores,<br />

bem como agili<strong>da</strong>de e rapidez nos processos de testes e prototipação; redução dos custos de<br />

manutenção; permite ao sistema permanecer em execução durante todo processo de modificação;<br />

e não há necessi<strong>da</strong>de de recompilação <strong>da</strong>s aplicações, entre outros.<br />

OBJECT STORE<br />

52<br />

É um banco de <strong>da</strong>dos que dispõe de aplicações em diversas áreas, podendo ser<br />

utilizado, tanto no sistema de rede Internet, quanto Intranet.<br />

Para esses tipos de aplicações, as novas informações podem ser inseri<strong>da</strong>s no sistema<br />

pelos próprios desenvolvedores <strong>da</strong> aplicação ou por fontes de <strong>da</strong>dos externas, como usuários<br />

que utilizam a aplicação através de browsers de navegação.<br />

Arquitetura: o OBJECTSTORE possui uma boa arquitetura de ambiente<br />

computacional distribuí<strong>da</strong>, servindo também para aplicações WEB.<br />

Modelo de <strong>da</strong>dos/versão: este modelo segue os padrões definidos pela ODMG,<br />

baseado nos princípios fun<strong>da</strong>mentais de orientação a objetos. Fornece OIDs embutidos, ou seja,<br />

todo controle de versão é realizado automaticamente pelo SGBD.<br />

Tem a capaci<strong>da</strong>de de integração de <strong>da</strong>dos com outros sistemas, importando os<br />

<strong>da</strong>dos para o SGBD, ou apenas realizando o acesso a esses <strong>da</strong>dos.<br />

Evolução de esquema: é possível modificar o esquema e, automaticamente, são<br />

realiza<strong>da</strong>s as atualizações nas representações de to<strong>da</strong>s as instâncias na base de <strong>da</strong>dos, conforme<br />

as novas definições, garantindo a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações armazena<strong>da</strong>s.<br />

CONCLUSÕES<br />

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Com o comparativo dos bancos de <strong>da</strong>dos abor<strong>da</strong>dos conclui-se que vem crescendo<br />

muito o desenvolvimento de aplicativos utilizando o modelo de banco de <strong>da</strong>dos orientados<br />

a objeto.<br />

Os quatro bancos que foram comparados apresentaram características muito importantes,<br />

como, principalmente, no controle de versão e no desenvolvimento de aplicativos Web.<br />

O ObjectivityDB, por exemplo, é muito bom em relação ao versionamento de<br />

classes durante o processo de evolução de esquemas, e com isso, permite um histórico <strong>da</strong>s<br />

modificações.<br />

Já o banco de <strong>da</strong>dos ITASCA tende ao melhoramento em relação à capaci<strong>da</strong>de de<br />

modelagem, com a iniciação dos conceitos ao modelo orientado a objetos clássico.<br />

O banco de <strong>da</strong>dos CACHÉ e o OBJECTSTORE são ótimos para aplicativos Web.<br />

O CACHÉ destaca-se por ser rápido e muito acessível, com múltiplos acessos a<br />

<strong>da</strong>dos, sendo o principal o acesso multidimensional, obtendo-se nisto um controle rigoroso sobre os<br />

<strong>da</strong>dos.<br />

Já o OBJECTSTORE, além de servir para aplicações Web, é um banco bom,<br />

considerando-se que seu esquema possui um mecanismo de evolução muito bem organizado,<br />

viabilizando o tratamento de evolução de esquemas através de operações individuais e fornecendo<br />

amplas possibili<strong>da</strong>des de modificação.<br />

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Reinaldo Carlos Godinho Tonani e A<strong>da</strong>il Roberto Nogueira<br />

Com base nas características destes bancos abor<strong>da</strong>dos destaca-se, entre eles, o<br />

OBJECTSTORE porque além de ser bom para aplicações Web, possui uma ótima organização em<br />

seu esquema.<br />

REFERÊNCIAS<br />

WIKIPEDIA. Engenharia de Software:- GNU Free Documentation License. Disponível em<br />

. Modificado em 18 de Maio 2005. Acessado<br />

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FRB - FACULDADE RUI BARBOSA. Banco de Dados Orientado a Objeto: Introdução.<br />

Disponível em . Acessado em<br />

19 de maio de 2005b.<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Evolução de Esquema em BDOO<br />

com Emprego de Versões – 8.1.2 ITASCA. Disponível em . Acessado em 25/05/2005 – Porto Alegre, 2001.<br />

BANCO DE DADOS NÃO CONVENCIONAIS (DIM310). 2000.1 – Banco de Dados<br />

GEMSTONE. Disponível em . Acessado em<br />

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Sistema Gerenciador em BDOO<br />

com Emprego de Versões – 8.1.5 SGBOO VERSANT. Disponível em . Acessado em 25/05/2005.<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Sistema Gerenciador em BDOO<br />

com Emprego de Versões – 8.1.3 OBJECTIVITY/DB. Disponível em . Acessado em 25/05/2005.<br />

Object-Oriented Database Management Systems Revisited - 5.2.1 Application Development<br />

Issues - BDOO Ontos. Disponível em .<br />

Acessado em 05/05/05.<br />

Linha de código – Tecnologia CACHÉ. Disponível em: . Publicado em 19/04/03. Acessado em – 29/05/05.<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. Manual de Utilização do JASMINE - 1.<br />

JASMINE. Disponível em -. Consultado em 29/05/05.<br />

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Comparativo entre Banco de Dados Orientados a Objeto<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Sistema Gerenciador em BDOO<br />

com Emprego de Versões – 8.1.4 OBJECTSTORE. Disponível em . Acessado em 25/05/2005.<br />

UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO. Armazenamento em Banco de Dados<br />

Orientado a Objeto – 4.1.1 O2 – Histórico. Disponível em .<br />

Acessado em 29/05/05.<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EDUCACIONAIS - NEPE


Avaliação na Educação Infantil: O Portfólio como Ferramenta<br />

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Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O PORTFÓLIO COMO FERRAMENTA<br />

Evaluation on infantile education: The profile as a tool<br />

Silvia Helena Raimundo de Carvalho*<br />

Há, que se cui<strong>da</strong>r do broto pra que a vi<strong>da</strong> nos dê flor e frutos.<br />

(Milton Nascimento)<br />

RESUMO:<br />

Todo processo avaliativo está pautado em uma concepção de educação e de avaliação. Ao buscar<br />

uma alternativa de avaliação que viesse ao encontro <strong>da</strong> educação, necessária para a atuali<strong>da</strong>de,<br />

encontrou-se a avaliação formativa que se dá ao longo de todo processo de ensino e aprendizagem.<br />

Essa perspectiva de avaliar possibilita a regulação constante do processo, porque todos atores<br />

envolvidos podem examinar seus rumos e segui-lo ou readequá-lo conforme sua necessi<strong>da</strong>de. O<br />

portfólio se apresenta como a ferramenta adequa<strong>da</strong> para essa proposta de avaliação, uma vez que<br />

compila amostras que refletem a aprendizagem ou dificul<strong>da</strong>des e possibilita a evidência <strong>da</strong> natureza<br />

evolutiva do processo de ensino aprendizagem, permitindo a análise e reflexão a partir de <strong>da</strong>dos<br />

significativos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação, Educação Infantil e Portfólio.<br />

ABSTRACT:<br />

The current study is about a bibliography research which shows conception and links itself, to offer<br />

subsidies to a reflection about valuation and the process of teaching and learning, specially those<br />

developed at the kindergarten. We assumed that all valuating process is enroled in a conception of<br />

education and valuation. Looking for an alternative of valuation that could content the requests of<br />

an educational process which can attend the actually lawsuit, we can find it, on the shaped valuation<br />

which is built during the process of teaching and learning a model. This perspective of valuate<br />

allows a constant regulation of the process, because all actors envolved can test your own route<br />

and follow or a<strong>da</strong>pt it according to your necessity. The portfolio presents itself in this context as a<br />

tool to the process of valuate, once that collects and shows samples that reflect the learning or<br />

difficulties, as well, it allows the evolutive nature of this process, teaching and learning, let analysis<br />

and reflections with meaningful basis.<br />

57<br />

KEY WORDS: Valuation, Kindergarten, Portfolio.<br />

AVALIAÇÃO: UMA CONCEPÇÃO PARA NORTEAR O CAMINHO<br />

A avaliação legitima o processo de ensino e aprendizagem; por este motivo, tornou-se<br />

o centro <strong>da</strong>s discussões e preocupações entre professores, especialistas e profissionais <strong>da</strong><br />

educação. Os pesquisadores <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70 foram concordes quanto à idéia de que a tarefa dos<br />

educadores é a de descobrir o mundo, e a dos avaliadores é de melhorá-lo. Este pensamento<br />

reflete a ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> à avaliação a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80 e reforça<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> mais na déca<strong>da</strong> de 90.<br />

* Pe<strong>da</strong>goga. Especialista em Metodologia do Ensino e em Supervisão Escolar. Mestre em Educação pela Universi<strong>da</strong>de Estadual<br />

de Londrina - UEL. Consultora Educacional.<br />

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Avaliação na Educação Infantil: O Portfólio como Ferramenta<br />

De modo geral, as pessoas estão constantemente avaliando tudo à sua volta. Desde<br />

criança julgamos e classificamos pessoas, objetos e situações; quanto mais o tempo passa, mais<br />

nos sentimos capazes de avaliar; nossas experiências e conhecimentos acumulados nos levam a<br />

crer que estamos aptos a emitir pareceres sobre muitas situações como se fosse uma ver<strong>da</strong>de<br />

absoluta. Este processo acontece desde a antigui<strong>da</strong>de, quando o homem começa a privilegiar um<br />

foco de atenção, a partir do qual to<strong>da</strong>s as coisas serão referencia<strong>da</strong>s. Ain<strong>da</strong> hoje o homem estabelece<br />

critérios de avaliação que são determinados pelos valores fun<strong>da</strong>mentais instituídos e mantidos<br />

nos diferentes grupos sociais em um determinado contexto histórico/geográfico. Assim também a<br />

escola, por volta do século XVII, inicia a prática <strong>da</strong> avaliação para analisar, julgar e classificar seu<br />

trabalho.<br />

A avaliação não é uma tortura medieval. É uma invenção mais tardia, nasci<strong>da</strong><br />

com os colégios por volta do século XVII e torna indissociável do ensino de<br />

massa que conhecemos desde o século XIX, com a escolari<strong>da</strong>de obrigatória.<br />

(PERRENOUD, 2000, p.9).<br />

O paradigma <strong>da</strong> avaliação tem mu<strong>da</strong>do em função do contexto histórico. Vários<br />

autores, como VIANA, ALVARENGA e MEZZAROBA (1999), SOUZA (1999) e<br />

DEPRESBITERIS (1998) entre outros, analisam os estudos e fatos históricos referentes à avaliação<br />

educacional considerados como determinantes <strong>da</strong>s atuais práticas de avaliação escolar.<br />

Apesar de to<strong>da</strong>s as controvérsias e dificul<strong>da</strong>des que o tema suscita, podemos<br />

considerar, como aponta PERRENOUD (2000, p. 09), que:<br />

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Avaliar é – cedo ou tarde – criar hierarquias de excelência, em função <strong>da</strong>s<br />

quais se decidirão a progressão no curso seguido, a seleção no início do<br />

secundário, a orientação para diversos tipos de estudos, a certificação antes<br />

<strong>da</strong> entra<strong>da</strong> no mercado de trabalho e, freqüentemente, a contratação. Avaliar<br />

é também um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas<br />

de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo<br />

e autônomo para outros[...].<br />

Segundo HADJI (2001), a avaliação é uma operação de leitura <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, através<br />

<strong>da</strong> qual o avaliador tem em vista um conhecimento e/ou atitude que toma para si como ideal e,<br />

a partir desta leitura, irá dizer em que posição está o aluno em relação àquela. Neste sentido, a<br />

leitura deve ser orienta<strong>da</strong>, ou seja, não é descrever o que se apresenta e, sim, a relação que se<br />

estabelece com um objeto de saber:<br />

... porém sempre com referência a uma relação ideal entre um aluno ideal e o<br />

mesmo objeto de saber.<br />

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Em outras palavras: o avaliador tem sempre um pé fora do presente do ato de<br />

avaliação.<br />

Avaliar não consiste, pois, simplesmente, em medir esse desempenho, mas<br />

em dizer em que medi<strong>da</strong> ele é adequado, ou não, ao desempenho que se<br />

podia esperar desse aluno. Em nome de quê? Do modelo ideal que orienta a<br />

leitura <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e que preside ao levantamento de indícios. Será em função<br />

desse modelo que se manifestarão expectativas precisas acerca do aluno<br />

(HADJI, 2001, p. 45).<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

A literatura atual está marca<strong>da</strong> pela busca de novos paradigmas para a avaliação<br />

escolar e salienta a necessi<strong>da</strong>de de que eles sejam coerentes com a abor<strong>da</strong>gem do processo de<br />

ensino e aprendizagem que servirá de referencial teórico para a prática. Pode-se considerar que,<br />

nesta déca<strong>da</strong>, floresceu a idéia de que, mesmo que o educador persiga uma valoração imparcial,<br />

objetiva e padroniza<strong>da</strong> para avaliar, ele está comprometido com o ato avaliativo pela releitura<br />

própria do que vê a partir de suas concepções de mundo, de educação, de aluno, de escola e do<br />

saber sobre uma área de conhecimento. Esta releitura precisa respeitar as diferenças e por isso<br />

será complexa; o sujeito só pode ser apreendido na sua própria complexi<strong>da</strong>de.<br />

Há que se considerar, também, o momento de ca<strong>da</strong> um e ser sensível a este aspecto;<br />

o presente não é um segmento de tempo cristalizado, mas um campo aberto, absorvente, plástico<br />

e inacabado; formado por tudo que foi vivenciado pelo sujeito nas situações passa<strong>da</strong>s e que<br />

delinearão e estruturarão o futuro. Nesta perspectiva, a avaliação está volta<strong>da</strong> para a atuação do<br />

professor como mediador. O resultado <strong>da</strong> mediação é individual e provoca o aluno a buscar novos<br />

caminhos, mostrar quais aspectos pode melhorar e onde encontrar os caminhos para esta melhora.<br />

Desta forma entendemos que a tarefa de avaliar não deve ser posiciona<strong>da</strong> ao final<br />

de um conteúdo e, sim, durante o processo, na introdução, no desenvolvimento e na conclusão,<br />

respeitando as diferenças individuais desde que respeita<strong>da</strong> também a essência do conhecimento<br />

em foco. Isto permite, ao professor, obter parâmetros para buscar formas varia<strong>da</strong>s de propor<br />

desafios, de modo que o aluno reflita e possa recriar suas soluções, construindo, de fato, seus<br />

conhecimentos.<br />

Podemos, a partir deste entendimento, considerar avaliação como um processo<br />

permanente no contexto educacional. É no ato de avaliar que o professor pode refletir sobre todo<br />

o caminhar, e buscar alternativas para transformar o futuro, estando no presente assumindo uma<br />

perspectiva antecipatória. Ma<strong>da</strong>lena FREIRE (1997, p.37) afirma que: “aprender a avaliar é aprender<br />

a modificar o planejamento. No processo de avaliação contínua o educador agiliza sua leitura de<br />

reali<strong>da</strong>de podendo assim criar encaminhamentos adequados para seu constante replanejar”.<br />

Concor<strong>da</strong>mos que avaliar não pode mais ser entendido como o olhar do professor<br />

sobre o aluno e seu conhecimento e, sim, como o ato de repensar todo o processo, sobre ele<br />

próprio, sobre o aluno e todo o contexto educacional, com vistas à toma<strong>da</strong> de decisões.<br />

Neste sentido podemos chamar COLL (1996, p. 375) diz que:<br />

Por hora, basta assinalar que consideramos a avaliação como uma ativi<strong>da</strong>de<br />

mediante a qual, em função de determinados critérios, se obtém informações<br />

pertinentes acerca de um fenômeno, situação, objeto ou pessoa, emite-se um<br />

juízo sobre o objeto de que se trate e adota-se uma série de decisões relativas<br />

ao mesmo. Neste contexto, a avaliação educativa, quer se dirija ao sistema<br />

em seu conjunto, quer se dirija a qualquer de seus componentes,<br />

corresponde sempre a uma finali<strong>da</strong>de, a qual, na maioria <strong>da</strong>s vezes, implica<br />

tomar uma série de decisões relativas ao objeto avaliado. A finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

avaliação é um aspecto crucial desta, já que determina em grande parte o tipo<br />

de informações que se consideram pertinentes para avaliar, os critérios que<br />

se toma como ponto de referência, os instrumentos que se utilizam e a situação<br />

temporal <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de avaliativa.<br />

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HADJI (2001), ao abor<strong>da</strong>r aspectos relevantes <strong>da</strong> avaliação, aponta seis questões<br />

importantes sobre a avaliação: a primeira diz respeito ao conceito de avaliação que permeia a<br />

prática. Geralmente, quando se busca resposta para esta questão, a primeira idéia que se apresenta<br />

é a de medir, quantificar acertos. No caso <strong>da</strong> Educação Infantil, por exemplo, a inexistência de um<br />

conceito para a avaliação leva muitos educadores a se limitarem a apenas quantificar ações ou<br />

observá-las e descrevê-las. O autor salienta o engano em que se pode incorrer, pois entende que<br />

avaliar é: “...pronunciar-se, isto é, tomar partido sobre a maneira como expectativas são realiza<strong>da</strong>s;<br />

ou seja, sobre a medi<strong>da</strong> na qual uma situação real corresponde a uma situação deseja<strong>da</strong>... A<br />

avaliação é uma operação de leitura orienta<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de (HADJI, 2001, p.128)”.<br />

A segun<strong>da</strong> questão aponta<strong>da</strong> pelo autor refere-se à possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> avaliação ser<br />

objetiva. HADJI (2001) justifica esta impossibili<strong>da</strong>de a priori, uma vez que esta ação se dá em um<br />

contexto social, media<strong>da</strong> por uma ‘comunicação/negociação’, envolvendo um ‘ator-avaliador’, que<br />

pode ter seu julgamento alterado por fatores sociais (sua história e leitura de contexto), e um<br />

avaliado, também sujeito a interferências do meio. Apesar destas considerações, aponta-se a possibili<strong>da</strong>de<br />

de que se delimite o objeto <strong>da</strong> avaliação e se busque minimizar ao máximo esta influência<br />

social. Mais do que a objetivi<strong>da</strong>de, a pertinência e a justiça devem ser persegui<strong>da</strong>s.<br />

A importância <strong>da</strong> avaliação é a terceira questão destaca<strong>da</strong>; é relativa aos efeitos<br />

<strong>da</strong> avaliação como norteadora do destino dos alunos e à indicação de seu êxito ou fracasso, bem<br />

como ao seu poder social de negociação didática. Além disso, ao seu poder de regulação, uma vez<br />

que a avaliação tem caráter formativo:<br />

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[...] acentuando-a, organizando-a, instrumentalizando-a, para auxiliar o aluno<br />

a “apreendê-la”, a dominá-la, e talvez a integrá-la de modo tal que possa<br />

fazer parte desse autocontrole quase automático, que faz a grande força do<br />

especialista. Do novato ao especialista, é necessária, sem dúvi<strong>da</strong>, a passagem<br />

por fases automatiza<strong>da</strong>s, e trabalha<strong>da</strong>s, de avaliação instrumentaliza<strong>da</strong><br />

com vocação formativa (HADJI, p.130).<br />

Salienta também a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pesquisa na avaliação, uma vez que a pesquisa que<br />

foca a avaliação propicia a compreensão do avaliar, bem como as pesquisas em psicologia <strong>da</strong><br />

aprendizagem, em didática ou ergonomia cognitiva <strong>da</strong>s aprendizagens podem contribuir para delimitar<br />

o objeto <strong>da</strong> avaliação e sugerir novas ativi<strong>da</strong>des de intervenção.<br />

Alerta, ain<strong>da</strong>, para os cui<strong>da</strong>dos a serem tomados com a avaliação quando usa<strong>da</strong><br />

como ‘‘arma’’ do avaliador para coagir, manipular e submeter o aluno frente à autori<strong>da</strong>de que lhe<br />

é <strong>da</strong><strong>da</strong> via avaliação. Como forma de evitar incorrer em tal armadilha, o professor pode se valer de<br />

técnicas para aproximar-se o máximo possível <strong>da</strong> ação de avaliar em sua essência, na constituição<br />

de uma ética do agir avaliacional (HADJI, 2001, p.131).<br />

Finalmente, quanto à avaliação poder tornar-se formativa, sugere que a possibili<strong>da</strong>de<br />

existe e está atrela<strong>da</strong>, entre outras coisas, à coragem dos professores para ousar falar, e<br />

‘‘julgar’’. Colocar o julgamento de avaliação, que o aluno começa por sofrer, a serviço de uma<br />

dinâmica que lhe permitirá tornar-se soberano, e não mais se submeter; este é o desafio <strong>da</strong>queles<br />

que desejam tornar a avaliação formativa (HADJI, 2001, p.132).<br />

Ao se optar por adotar a avaliação formativa em um processo educativo, é necessário<br />

destacar que uma proposta só se traduz em prática pe<strong>da</strong>gógica com segurança se o professor<br />

estiver aderido a ela emocional e intelectualmente; to<strong>da</strong> e qualquer proposta de inovação há que<br />

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Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

ser antecedi<strong>da</strong> por momentos vários e profundos de reflexão junto aos professores, para que possam<br />

analisar as razões e a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proposta e, assim, conseguir a adesão necessária para uma inovação.<br />

Quando analisamos a avaliação formativa, entendemos que, para que ela se efetive,<br />

é preciso que haja uma mu<strong>da</strong>nça na postura do professor e do aluno, uma vez que esta estabelece<br />

uma relação de proximi<strong>da</strong>de e confiança entre ambos, através <strong>da</strong> qual o aluno torna-se capaz<br />

de revelar, sem medo de crítica, sanção, reprovação ou nota baixa, suas dificul<strong>da</strong>des, suas falhas,<br />

suas faltas e suas incompreensões. Assim, a avaliação formativa pode ser considera<strong>da</strong> como uma<br />

bússola orientadora do processo de ensino-aprendizagem (CORTESÃO,1993, p.13)<br />

De modo geral podemos afirmar que a avaliação é o processo que norteia o ensino<br />

e a aprendizagem, que permite a leitura do que foi realizado e, a partir dela, continuar ou mu<strong>da</strong>r o<br />

caminho a seguir; a avaliação propicia uma orientação adequa<strong>da</strong> ao “barco”, garantindo que o<br />

“marinheiro” possa assumir o curso do “timão” de modo que sua “embarcação” chegue <strong>da</strong> melhor<br />

forma possível a seu destino e que todos os “tripulantes” possam ficar satisfeitos com a viagem.<br />

EDUCAÇÃO INFANTIL E AVALIAÇÃO: PROXIMIDADES POSSÍVEIS<br />

A criança e seu modo de aprender têm sido motivos de preocupação e mistério há<br />

muitas déca<strong>da</strong>s. A partir <strong>da</strong> urbanização crescente, a inserção ca<strong>da</strong> vez maior <strong>da</strong> mulher no mercado<br />

de trabalho cria uma deman<strong>da</strong> por quanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de nas instituições que atendem as<br />

crianças de 0 a 6 anos.<br />

Estes fatores colaboraram para que tanto a socie<strong>da</strong>de civil como os órgãos governamentais<br />

implementassem ações em relação à educação escolariza<strong>da</strong>, com o objetivo de atender<br />

a esta faixa etária. A expansão <strong>da</strong> Educação Infantil tem sido, então, notória nas últimas déca<strong>da</strong>s.<br />

Um estudo relacionado a este aspecto foi apresentado por KUHLMANN Jr. (1998)<br />

ao abor<strong>da</strong>r a evolução histórica <strong>da</strong> educação infantil, a partir <strong>da</strong> qual não podemos ignorar que a<br />

dicotomia entre assistência e educação, constata<strong>da</strong> na leitura histórica <strong>da</strong> Educação Infantil, tem<br />

sido supera<strong>da</strong>. Os estudos atuais nos dão conta de que ambas se constituíram em instituições<br />

educacionais; o fator diferenciador está relacionado com sua destinação social. O discurso polarizador<br />

entre assistência e educação, que parece denunciar o ‘errado’ e propor o ‘novo’, denominado<br />

pe<strong>da</strong>gógico, sem, no entanto, refletir sobre a discriminação <strong>da</strong> população pobre.<br />

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 208, inciso IV, que [...] a educação<br />

é “Um dever do Estado e um direito <strong>da</strong> criança e realizar-se-á em creches e pré-escolas”.<br />

(p.96). Ao menos do ponto de vista legal, este foi um marco importante. Logo em segui<strong>da</strong>, em 1990,<br />

o Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente, vem confirmar este direito <strong>da</strong> criança.<br />

A nova Lei de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> Educação Nacional, Lei 9.394/96, diz que:<br />

[...] a educação infantil é a primeira etapa <strong>da</strong> educação básica e um complemento<br />

<strong>da</strong> ação <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de (art. 29, caput). Deve ser desenvolvi<strong>da</strong><br />

em creches (para crianças até três anos de i<strong>da</strong>de) (art. 30, inciso I)<br />

e em pré-escolas (para crianças de quatro a seis anos de i<strong>da</strong>de) (art. 30,<br />

inciso II).<br />

Portanto, as instituições tipo creche que praticam tão somente a assistência<br />

e guar<strong>da</strong>, devem ser, <strong>da</strong>qui por diante, locais de educação para crianças,<br />

onde a avaliação do desempenho <strong>da</strong> criança será feita sem o objetivo de<br />

promoção para o ensino fun<strong>da</strong>mental. (art. 31, caput).<br />

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A fim de subsidiar a viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> execução do exposto, o Ministério <strong>da</strong> Educação<br />

e do Desporto elaborou o “RCNEI - Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil”,<br />

que, segundo o ex Ministro <strong>da</strong> Educação Paulo Renato Souza, na apresentação deste documento,<br />

pretende:<br />

[...] apontar metas de quali<strong>da</strong>de que contribuam para que as crianças tenham<br />

um desenvolvimento integral de suas identi<strong>da</strong>des, capazes de crescerem<br />

como ci<strong>da</strong>dãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa,<br />

também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo<br />

socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso<br />

e a ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social e<br />

cultural (BRASIL,1998, p.07).<br />

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Entendendo que o RCNEI constitui-se em um avanço para o debate sobre a educação<br />

de crianças de 0 a 3 anos, longe de ser uma resposta efetiva para as questões <strong>da</strong> Educação<br />

Infantil ele se apresenta como uma possibili<strong>da</strong>de metodológica, sem considerar as diferenças gritantes<br />

existente em nosso país.<br />

Para haver uma mu<strong>da</strong>nça em relação à Educação Infantil a criança precisa deixar<br />

de ser caso de polícia e passar a ser foco principal de políticas públicas nacionais, e não sazonais,<br />

uma vez que aquelas dependem de vontade política e comprometimento efetivo, tanto <strong>da</strong> classe<br />

dirigente de nosso país, em to<strong>da</strong>s as esferas, como dos profissionais envolvidos com este nível de<br />

escolarização.<br />

O RCNEI pretende ser um parâmetro para que os profissionais <strong>da</strong> Educação<br />

Infantil reflitam acerca de suas práticas e, a partir de seu estilo próprio e <strong>da</strong> clientela com a qual<br />

irão trabalhar, possam estabelecer objetivos, conteúdos, orientações didáticas e modos de avaliação<br />

que norteiem a prática pe<strong>da</strong>gógica.<br />

A avaliação é aponta<strong>da</strong> no RCNEI como elemento indissociável do processo<br />

educativo, que deve superar de longe as práticas equivoca<strong>da</strong>s que a usam de forma classificatória,<br />

conferindo conceitos, notas ou outros critérios para expressar o julgamento do professor sobre o<br />

desempenho <strong>da</strong> criança; ou, em outros casos, a avaliação é ignora<strong>da</strong> por não ter valor de promoção<br />

para uma nova fase de escolarização.<br />

Esse documento pressupõe que a avaliação deve iniciar com a observação criteriosa<br />

e sistemática, por parte dos professores, <strong>da</strong>s experiências <strong>da</strong>s crianças na escola e que serão<br />

registra<strong>da</strong>s de modo a construir o principal instrumento de reflexão sobre todos os aspectos<br />

concernentes ao ensino e à aprendizagem, e que o levará a ter uma visão contextualiza<strong>da</strong> dos<br />

processos de desenvolvimento <strong>da</strong> criança, <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s interações estabeleci<strong>da</strong>s com as outras<br />

crianças e com os adultos, do desenvolvimento global <strong>da</strong> criança e outros, com vistas a atribuir<br />

função formativa à avaliação e buscar novos rumos para sua prática.<br />

Nesta perspectiva, segundo o RCNEI, “...a avaliação tem como função acompanhar,<br />

orientar, regular e redirecionar esse processo (educacional) como um todo.” (1998, v.1, p.59).<br />

O professor se servirá <strong>da</strong> avaliação para refletir sobre as condições de aprendizagem propícias às<br />

crianças e regular suas práticas de acordo com os resultados decorrentes <strong>da</strong>s mesmas. Assim, as<br />

crianças devem tomar conhecimento de seus avanços, suas dificul<strong>da</strong>des e possibili<strong>da</strong>des de superálas,<br />

bem como os seus pais devem acompanhar o desenvolvimento de seus filhos, compreendendo<br />

os objetivos estabelecidos e os meios usados para alcançá-los.<br />

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Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

Poderíamos criticar a superficiali<strong>da</strong>de com que o RCNEI trata algumas questões,<br />

mas consideramos que ele serve de ponto de parti<strong>da</strong> para a estruturação de todo um trabalho e um<br />

estudo aprofun<strong>da</strong>do que o professor deverá fazer sobre a criança e seus modos de aprender. Neste<br />

contexto, acredita-se que estudos devem ser conduzidos no sentido de pesquisar como elaborar,<br />

operacionalizar e avaliar uma proposta de avaliação para Educação Infantil que seja decorrente de<br />

uma proposta pe<strong>da</strong>gógica coerente. Este é o principal problema que tem nos impulsionado a buscar<br />

alternativas de ações para o trabalho na Educação Infantil, mas, acima de tudo, a questão que mais<br />

tem inquietado é a avaliação realiza<strong>da</strong> na Educação Infantil.<br />

O PORTFÓLIO: UMA FERRAMENTA PARA A AVALIAÇÃO FORMATIVA<br />

Muitos educadores, insatisfeitos com os modos usuais pelos quais a avaliação se<br />

desenvolveu durante déca<strong>da</strong>s, por vários motivos, dentre eles a limitação do modelo tradicional em<br />

medir respostas e não de acompanhar as produções e construções do aluno que denotem seu<br />

desenvolvimento, optaram pelo uso do portfólio como um recurso ou ferramenta para avaliação.<br />

Comumente o portfólio é utilizado no campo <strong>da</strong> arte, os artistas se utilizam a muito<br />

tempo dessa ferramenta para apresentar as amostras de seu trabalho, de modo a registrar os momentos<br />

mais importantes ou significativos de sua trajetória em uma ordem cronológica de suas execuções.<br />

SISTÊLOS, SCHIEL e DOMÍNGUEZ (2001, p.1), citando HART e CAMPBELL<br />

(2001), definem portfólio:<br />

Um portfólio é uma pasta que mantém evidências <strong>da</strong> habili<strong>da</strong>de individual,<br />

idéias, interesses e acompanhamento de um estu<strong>da</strong>nte no tempo. Ele deverá<br />

ser mais do que uma coleção de documentos. Um portfólio bem projetado<br />

conterá um indiscutível corpo de trabalho do estu<strong>da</strong>nte (HART, 1994).<br />

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Um portfólio não é meramente um arquivo de projetos de curso e anotações,<br />

nem um colecionador de memoráveis atos de ensinos. Um portfólio é uma<br />

documentação organiza<strong>da</strong> e direciona<strong>da</strong> a alvo do crescimento profissional<br />

e competência alcança<strong>da</strong> no complexo ato de ensinar. Através desta coleção<br />

de documentos, um portfólio é uma evidência tangível de um largo campo de<br />

conhecimento, disposições e habili<strong>da</strong>des que se processa quando do crescimento<br />

profissional/ educacional. Além disso, documentos em um portfólio<br />

são auto-selecionados, refletindo sua individuali<strong>da</strong>de e autonomia.<br />

(CAMPBELL,1997, p. 34).<br />

Quando se trata do trabalho escolar, de uma turma ou disciplina, o portfólio se<br />

constitui no agrupamento de amostras de trabalhos produzidos pelos alunos com as devi<strong>da</strong>s anotações<br />

sobre os <strong>da</strong>dos em questão. Ele pode ser montado pelo professor ou, de modo mais participativo<br />

e ideal, contar com a contribuição do aluno.<br />

Algumas razões importantes podem ser destaca<strong>da</strong>s como motivos para o uso de<br />

portfólios:<br />

• permite a avaliação formativa do aluno;<br />

• possibilita a reflexão por parte de todos atores do processo: alunos,<br />

professores e pais;<br />

• auxilia a continui<strong>da</strong>de do trabalho, caso o professor seja afastado;<br />

• apresenta-se como ótima ferramenta para o ensino;<br />

• propicia aos pais compreender o processo escolar através do acompanhamento<br />

do desenvolvimento <strong>da</strong> criança.<br />

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Avaliação na Educação Infantil: O Portfólio como Ferramenta<br />

O uso de portfólio na escola, principalmente como ferramenta para avaliação tem<br />

sido recente e, no entanto, inovações quanto à sua utilização já têm sido relata<strong>da</strong>s, especialmente<br />

com o uso de tecnologias.<br />

No Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, realizado em 2001, pelo menos<br />

dois trabalhos apresentados propunham a utilização de portfólio. Um deles foi ‘Um Sistema de<br />

Apoio ao Método de Avaliação Autêntica: Projeto POETA (Portfólio Eletrônico Temporal e Ativo)’,<br />

descrito pelos professores Sistêlos, Schiel e Dominguez, <strong>da</strong>s Universi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Paraíba e de<br />

Pernambuco, que propõe a utilização do portfólio como mecanismo de ensino e aprendizagem e o<br />

portfólio eletrônico como alternativa para a avaliação.<br />

Para os envolvidos no Projeto POETA:<br />

Um portfólio é uma pasta que mantém evidências <strong>da</strong> habili<strong>da</strong>de individual,<br />

idéias, interesses e acompanhamentos de um estu<strong>da</strong>nte no tempo. Ele pode<br />

ser representado por um classificador preenchido com papéis selecionados,<br />

ou documentos eletrônicos que armazenam informações seleciona<strong>da</strong>s dos<br />

estu<strong>da</strong>ntes. (SISTÊLOS, SCHIEL e DOMINGUEZ, 2001, p.02).<br />

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Alguns cursos virtuais ou à distância, que estão ganhando ca<strong>da</strong> vez mais espaço,<br />

utilizam os portfólios eletrônicos como forma de avaliação; mesmo cursos presenciais estão solicitando<br />

que alunos façam suas homepages como forma de avaliação, nas quais os autores descrevem<br />

o caminho percorrido no processo, comentam a bibliografia utiliza<strong>da</strong> e fazem seus registros<br />

pessoais, entre outros.<br />

Relatos, especialmente de pesquisadores norte-americanos, demonstram a adoção<br />

do portfólio como ferramenta para avaliação, como, por exemplo, a fala dos dirigentes <strong>da</strong> rede<br />

estadual de ensino de Rhode Island e <strong>da</strong> University of Dayton. Fernando HERNANDÉZ (2000)<br />

também sugere a utilização do portfólio como ferramenta para avaliação, em seu livro ‘Cultura<br />

Visual, Mu<strong>da</strong>nça Educativa e Projeto de Trabalho’.<br />

Cabe ressaltar que a idéia de compor um portfólio como ferramenta para avaliação<br />

muito se difere do agrupamento organizado <strong>da</strong>s produções <strong>da</strong>s crianças, que muitas escolas de<br />

Educação Infantil faziam e fazem para apresentar as ativi<strong>da</strong>des realiza<strong>da</strong>s. Arquivam os trabalhos<br />

<strong>da</strong>s crianças e, depois de um certo período (ex: bimestral ou semestralmente), enviam para casa,<br />

para conhecimento dos pais, sem ter um objetivo claro. Os professores não retomam o processo<br />

vivenciado, nem analisam sua prática a partir dele.<br />

O conceito de portfólio se amplia ao propiciar, ao professor, a oportuni<strong>da</strong>de de<br />

reflexão sobre o desenvolvimento do aluno, analisar seus avanços e dificul<strong>da</strong>des e decidir sobre<br />

sua atuação didática em relação às tarefas propostas e os projetos desenvolvidos.<br />

Em nossa forma de pensar, o portfólio é uma testemunha <strong>da</strong> ação pe<strong>da</strong>gógica,<br />

o registro de como o trabalho ocorreu, a memória de uma mesma proposta<br />

desenvolvi<strong>da</strong> em diferentes momentos. A utilização desta forma de documentação<br />

envolve interpretações <strong>da</strong>s dimensões pe<strong>da</strong>gógica e psicológica.<br />

Pe<strong>da</strong>gógica porque o portfólio surge como um objeto fun<strong>da</strong>mental de ensino,<br />

<strong>da</strong> valorização <strong>da</strong> reflexão e <strong>da</strong> ação do aluno. Psicológica porque mostra<br />

um pouco <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> aluno, <strong>da</strong> sua forma de ser e de pensar.<br />

Através dessa documentação o professor pode compreender alguns anseios,<br />

algumas dificul<strong>da</strong>des e as conquistas de ca<strong>da</strong> aluno (SMOLE, 1996, p.186).<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

O sucesso <strong>da</strong> adoção do portfólio como ferramenta de avaliação está diretamente<br />

ligado às anotações, aos registros do observador no momento real. A maioria dos alunos <strong>da</strong> Educação<br />

Infantil ain<strong>da</strong> não domina a linguagem escrita; assim, cabe ao professor esta tarefa.<br />

O portfólio permite o ensino centrado na criança, em suas tarefas de aprendizagem,<br />

sem compará-la com outras crianças mas, sim, com seu próprio desenvolvimento cognitivo,<br />

socioemocional e físico. A criança utiliza, entre outras formas, as artes visuais como forma de<br />

expressar o que pensa, sente e sabe. Assim, registra as idéias que construiu dentro e fora <strong>da</strong><br />

escola, permitindo uma reflexão sobre o seu próprio trabalho e o estabelecimento de conexões<br />

entre os temas estu<strong>da</strong>dos.<br />

SHORES e GRACE (2001) salientam que o portfólio é uma ferramenta que também<br />

permite ao professor desenvolver-se profissionalmente, uma vez que com a aju<strong>da</strong> dessa ferramenta<br />

poderá conhecer individualmente as crianças através <strong>da</strong> observação e análise, entendêlas;<br />

considerando que nesse processo as crianças são, como indivíduos, a base do ensino e <strong>da</strong><br />

avaliação efetiva. Decorre que conhecer sobre desenvolvimento infantil e o modo como as crianças<br />

aprendem, e realizar atualização constante sobre estes conhecimentos, torna-se imprescindível;<br />

e isto é possível quando o professor observa e se questiona sobre como determina<strong>da</strong> aprendizagem<br />

aconteceu ou porque determina<strong>da</strong>s crianças não responderam à ativi<strong>da</strong>de, e quando ele<br />

reflete buscando alternativas de ação frente a ca<strong>da</strong> criança. A observação constante também<br />

propicia o conhecimento sobre a diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças e de suas famílias, por serem diferentes<br />

uma <strong>da</strong>s outras, por terem inteligência mais ou menos desenvolvi<strong>da</strong>.<br />

De acordo com autores que estu<strong>da</strong>m e orientam a formulação de portfólio, ele<br />

pode conter vários itens, os quais dependerão <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de do professor e dos alunos. Pode-se<br />

ter portfólios de vários tipos, como dividem SHORES e GRACE (2001):<br />

65<br />

a) O portfólio particular, em que professor, pais e equipe diretiva registram<br />

<strong>da</strong>dos pessoais do aluno, descrevem aspectos de seu desenvolvimento e/<br />

ou o estágio em que ele se encontra, sua postura frente ao desenvolvimento<br />

<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des, ent<strong>revista</strong>s com pais, aspectos disciplinares e outros gerais<br />

que foram observados;<br />

b) O portfólio de aprendizagem em que professor e criança colecionam anotações,<br />

produções, rascunhos e esboços de projetos; enfim, pistas do aprendizado<br />

em curso;<br />

c) O portfólio demonstrativo que contém amostras <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des realiza<strong>da</strong>s<br />

pela criança, fotos ou filmes de sua participação durante o processo;<br />

enfim, todo material que possa demonstrar os avanços e as possíveis dificul<strong>da</strong>des<br />

apresentados pela criança.<br />

Para compor ca<strong>da</strong> tipo de portfólio, o professor poderá lançar mão de sua<br />

criativi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de seu grupo, e é importante que ca<strong>da</strong> portfólio contenha material<br />

suficiente para representar uma amostra do desenvolvimento do aluno, possibilitar a avaliação<br />

formativa e assim atingir o objetivo a que se destina.<br />

Como sugestões podemos citar: fichas individuais (tipo anamnese) para o portfólio<br />

particular; relatório sucinto individual ou coletivo <strong>da</strong> turma; amostras <strong>da</strong>s produções que ilustrem as<br />

análises para o portfólio de aprendizagem; e, as produções <strong>da</strong>s crianças (desenhos, escritos, textos),<br />

fotos dos diferentes momentos do processo, filmes, fitas e outros registros, para o portfólio<br />

demonstrativo.<br />

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Avaliação na Educação Infantil: O Portfólio como Ferramenta<br />

Um outro instrumento que o professor pode lançar mão é a lista elabora<strong>da</strong> antecipa<strong>da</strong>mente,<br />

na qual descreve as competências/habili<strong>da</strong>des que os alunos devem atingir, naquele<br />

trimestre, nas diferentes áreas, como, por exemplo:<br />

a) cognitiva - de acordo com os eixos de: linguagem oral e escrita, matemática,<br />

natureza e socie<strong>da</strong>de, movimento, música e artes visuais;<br />

b) socioafetiva – a<strong>da</strong>ptação, rotina, comportamento geral e relacionamento.<br />

A vantagem do trabalho é que auxilia o professor, a focar sua atenção em um<br />

determinado aspecto, otimizando o tempo gasto para os registros.<br />

O ver<strong>da</strong>deiro valor do portfólio não se encontra em sua aparência física ou<br />

organização, mas na postura colaborativa que infunde naqueles que o usam.<br />

Mais que um procedimento ele representa uma filosofia que requer que a<br />

avaliação assuma a função de apoiar o trabalho <strong>da</strong> escola e <strong>da</strong> aprendizagem.<br />

Enfatiza-se o processo e o produto, assim como a participação ativa do<br />

professor e do aluno em sua própria avaliação e desenvolvimento<br />

(VALÊNCIA, apud BOAS, 1999, p.340).<br />

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Ca<strong>da</strong> professor vai a<strong>da</strong>ptar os tipos de portfólio que sua reali<strong>da</strong>de deman<strong>da</strong> ou<br />

comporta. Introduzir variações em ca<strong>da</strong> tipo depende <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de dos atores envolvidos, que<br />

com a prática de uso desta ferramenta, com certeza, irão se ampliando a ca<strong>da</strong> ano.<br />

É importante que seja de conhecimento de todos, professor, pais e alunos, as intenções<br />

que existem para a execução dos portfólios. Para tanto, na apresentação do portfólio deve<br />

conter uma explicação sobre a sua finali<strong>da</strong>de.<br />

A utilização do portfólio como ferramenta para a avaliação formativa requer a<br />

apresentação dos registros dos professores, <strong>da</strong>s reflexões, análises e julgamentos sobre os diferentes<br />

documentos apresentados.<br />

Mesmo considerando as crianças no estágio pré-escolar e sua falta de domínio <strong>da</strong><br />

linguagem escrita, o professor deve buscar alternativas para apresentar a auto-avaliação, a reflexão<br />

do aluno quanto ao seu processo de aprendizagem ou quanto às dificul<strong>da</strong>des que enfrentou.<br />

Através <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de auto-avaliação o aluno percebe e expressa o que aprendeu,<br />

quais estratégias são significativas para ele, como enfrenta as dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s ao<br />

longo do processo, quais fontes de informação pode recorrer para aprender, como se relaciona<br />

com a aprendizagem, com o professor e com os colegas, que conceito tem de si mesmo.<br />

Assim, além de oportunizar ao aluno uma forma de se conhecer e de perceber-se<br />

como sujeito de seu desenvolvimento, o professor contará com mais uma possibili<strong>da</strong>de de avaliar<br />

seu próprio processo de ensino.<br />

É importante o comprometimento do professor em proceder atenciosamente em<br />

to<strong>da</strong>s as etapas <strong>da</strong> elaboração do portfólio, a fim de que essa ferramenta sirva de modo adequado<br />

aos fins que se pretende.<br />

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Silvia Helena Raimundo de Carvalho<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A utilização do portfólio como ferramenta para avaliação na Educação Infantil se<br />

constitui em um valioso instrumento para a implementação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do trabalho desenvolvido<br />

nessa etapa <strong>da</strong> escolarização.<br />

Através <strong>da</strong> utilização do portfólio pode-se implementar a sistematização do acompanhamento<br />

do desenvolvimento <strong>da</strong> criança ao longo do processo de escolarização, bem como sua<br />

autonomia em relação a ele.<br />

Nesta perspectiva a avaliação não acontecerá em um momento privilegiado e<br />

sim durante todo processo, sem a pretensão de classificar os alunos mas como meio de regulação<br />

do processo, e contará com a sinergia, com a cooperação dos professores, alunos e pais, visando<br />

o melhor resultado possível de todo processo de aprendizagem, a valorização e qualificação do<br />

produto.<br />

Para além do simples registro do vivido pela criança como resultante <strong>da</strong> ação<br />

exerci<strong>da</strong> pela escola, a utilização do portfólio incide no monitoramento do processo de desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> criança, partindo do acompanhamento de sua ação e <strong>da</strong> evolução de seu pensamento<br />

e <strong>da</strong> expressão dele. Entende-se que a criança ‘é’, e não ‘será’; nesta perspectiva, o professor<br />

acompanhará o momento de ca<strong>da</strong> criança, determinado pelas experiências vivi<strong>da</strong>s na escola e<br />

fora dela.<br />

As avaliações pauta<strong>da</strong>s em listagens padroniza<strong>da</strong>s perdem totalmente seu sentido,<br />

pois, a criança é um ser cultural, determina<strong>da</strong> pelo seu entorno, e este se faz diferente para ca<strong>da</strong><br />

uma. Assim, o professor vai regular suas ações a partir desta leitura, oferecendo situações desafiadoras<br />

que propiciem novas conquistas.<br />

Para o aluno, a avaliação será um componente do processo de escolarização na<br />

medi<strong>da</strong> em que, através dela, possa conhecer seu desempenho e compreender seu processo de<br />

aprendizagem, suas dificul<strong>da</strong>des e seus acertos, para desenvolver-se de modo global.<br />

Para os professores a avaliação formativa proposta é fun<strong>da</strong>mental enquanto prática<br />

de análise reflexiva sobre os avanços e dificul<strong>da</strong>des dos alunos, a partir dos quais irão rever<br />

sua prática pe<strong>da</strong>gógica, preparar intervenções, selecionar ativi<strong>da</strong>des e metodologias que superem<br />

as dificul<strong>da</strong>des apresenta<strong>da</strong>s com vistas a promover o desenvolvimento do aluno. Assim, os professores<br />

contextualizarão as respostas e produções dos alunos, compreenderão o modo como foram<br />

elabora<strong>da</strong>s, planejarão suas intervenções individuais e coletivas e poderão também encaminhar<br />

suas preocupações à equipe diretiva <strong>da</strong> escola (supervisão, direção e coordenação) bem como<br />

compartilhá-las com seus pares, e juntos buscarem alternativas teóricas e práticas de encaminhamentos<br />

<strong>da</strong>s possíveis intervenções.<br />

Os pais serão convi<strong>da</strong>dos a participar de modo mais efetivo desse processo. Deixarão<br />

de apenas receber comunicados mostrando os resultados <strong>da</strong> aprendizagem de seus filhos e<br />

passarão a ser convi<strong>da</strong>dos a entender e participar efetivamente do processo, compreendendo as<br />

dificul<strong>da</strong>des e os avanços de seus filhos, bem como serão orientados de como contribuir nesse<br />

processo, tanto na escola como em casa.<br />

Assim, ao propor uma abor<strong>da</strong>gem para o tema avaliação não se pode pretender<br />

esgotar o assunto nem mesmo oferecer to<strong>da</strong>s as pistas para a construção de uma proposta singular;<br />

no entanto, com certeza, as idéias descritas servem de ponto de reflexão e indícios para a<br />

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Avaliação na Educação Infantil: O Portfólio como Ferramenta<br />

busca de referenciais que possibilitem o conhecimento aprofun<strong>da</strong>do dos caminhos percorridos,<br />

bem como para elaboração de projetos de avaliação que possam favorecer a aprendizagem dos<br />

alunos que se encontram nessa fase, tão importante <strong>da</strong> escolarização, que é a Educação Infantil.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BOAS. O que é um Portfólio. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCA-<br />

ÇÃO. Acessado em 25 jul. 2001.<br />

BRASIL. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil - 1998. São Paulo: Saraiva, 1998.<br />

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> Educação. Brasília: Material publicado pelos gabinetes<br />

dos deputados Irineu Colombo e Nedson Micheleti. LDB: As Novas Diretrizes <strong>da</strong> Educação Básica,<br />

1997.<br />

BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fun<strong>da</strong>mental. Referencial<br />

Curricular Nacional para a Educação Infantil. V.3, Brasília: MEC/SEF, 1998.<br />

CAMPBELL, Dorothy M. et al. How to develop a professional portfolio: A manual for Teachers.<br />

USA: Allyn & Bacon, 1996.<br />

68<br />

COLL, César et al. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos<br />

e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.<br />

CORTESÃO, Luiza. Avaliação Formativa: que desafios? Coleção Cadernos Pe<strong>da</strong>gógicos, 2.ed.<br />

Lisboa: Edições Asa, 1993.<br />

FREIRE, MADALENA et al. Avaliação e planejamento: a prática educativa em questão. Instrumentos<br />

metodológicos II. São Paulo: Artcolor, 1997.<br />

HADJI, Charles. A avaliação desmistifica<strong>da</strong>. Porto Alegre: ArtMed, 2001.<br />

PERRENOUD, Philippe. Pe<strong>da</strong>gogia diferencia<strong>da</strong>: <strong>da</strong>s intenções à ação. Porto Alegre: Artes<br />

Médicas Sul, 2000.<br />

SISTÊLOS, Antônio J. C. M.; SCHIEL, Ulrich; DOMÍNGUEZ, Arturo Hernández. Um sistema<br />

de apoio ao método de avaliação autêntica: Projeto POETA (Portfolio Eletrônico Temporal e Ativo).<br />

In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO. Disponível em<br />

. Acessado em: 25 jul. 2001.<br />

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SHORES, Elizabeth; GRACE, Cathy. Manual de portfólio: um guia passo a passo para o professor.<br />

Porto Alegre: Artmed, 2001.<br />

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Alvori Ahlert<br />

ÉTICA E CIDADANIA NOS PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS EM CUR-<br />

SOS DE GRADUAÇÃO: UM ESSTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE ESTA-<br />

DUAL DO OESTE DO PARANÁ – CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO<br />

RONDON-PR<br />

ETHICS AND CITIZENSHIP ON POLITICAL-PEDAGOGICAL PROJECTS IN GRADUATION<br />

COURSES: A CASE STUDY AT UNIVERSIESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – CAMPUS DE<br />

MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR<br />

Alvori Ahlert*<br />

RESUMO:<br />

Esta pesquisa investiga a presença <strong>da</strong> reflexão ética e ci<strong>da</strong>dã nos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos dos<br />

cursos de graduação <strong>da</strong> UNIOESTE campus de Marechal Cândido Rondon. Entendemos a ética<br />

e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como elementos constitutivos e inseparáveis do processo de ensino/aprendizagem e,<br />

portanto, fun<strong>da</strong>mentais para a construção de uma socie<strong>da</strong>de justa, democrática e participativa.<br />

Assim sendo, ética e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia devem ser o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> construção de todo o projeto políticope<strong>da</strong>gógico<br />

de uma escola ou de um curso de graduação no ensino superior. Sob este fun<strong>da</strong>mento<br />

são analisados aqui, através de uma leitura hermenêutica, os projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos de quatro<br />

cursos de graduação que compõem os três Centros <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual do Oeste do<br />

Paraná – UNIOESTE, do campus de Marechal Cândido Rondon. Esta análise comprova que a<br />

construção de um projeto político-pe<strong>da</strong>gógico, e sua constante avaliação e reconstrução, necessitam<br />

de uma reflexão mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre sua epistemologia e sua construção prática. Faz-se<br />

necessário uma constante reflexão, sempre atualiza<strong>da</strong>, sobre como se constrói um projeto políticope<strong>da</strong>gógico,<br />

sua importância e seu processo prático.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ética; Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia; Projeto Político Pe<strong>da</strong>gógico.<br />

ABSTRACT:<br />

This research investigates the presence of ethical and citizen reflection on the political-pe<strong>da</strong>gogical<br />

projects in the graduation courses of UNIOESTE campus Marechal Cândido Rondon. We<br />

understand ethics and citizenship as constructive and inseparable elements of the teaching/learning<br />

process, and, therefore, fun<strong>da</strong>mental to the construction of a fair, democratic and active society.<br />

Thus, ethics and citizenship must be the fun<strong>da</strong>ment for the construction of all political-pe<strong>da</strong>gogical<br />

projects of a school or college. Based on this fun<strong>da</strong>ment, four graduation courses political-pe<strong>da</strong>gogical<br />

projects, from the three Departaments which compose the Universi<strong>da</strong>de Estadual do Oeste do<br />

Paraná – UNIOESTE, campus Marechal Cândido Rondon, were analyzed in this study, through<br />

hermeneutic reading. This analysis confirms that the construction of a political-pe<strong>da</strong>gogical project,<br />

and its constant evaluation and reconstruction, need a deeper reflection over its epistemology and<br />

practical construction. It is necessary a constant up-to-<strong>da</strong>te reflection, over how a political-pe<strong>da</strong>gogical<br />

project is built, its importance and its practical process.<br />

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KEY WORDS: Ethics; Citizenship; Political-pe<strong>da</strong>gogical Project.<br />

* Mestre em Educação. Doutor em Teologia – Área Religião e Educação. Prof. Adjunto <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual do Oeste do<br />

Paraná - UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon. Membro do GEPEFE e do Grupo de Pesquisa Cultura, Fronteira<br />

e Desenvolvimento Regional. E-mail: alahlert@brturbo.com.br; alvoriahlert@hotmail.com.<br />

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INTRODUÇÃO<br />

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A presente análise dos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos dos cursos de graduação concentra-se<br />

em alguns dos cursos que constituem o campus <strong>da</strong> UNIOESTE de Marechal Cândido<br />

Rondon. Esta escolha deu-se por critérios históricos, isto é, foram eleitos os cursos mais antigos.<br />

Do Centro de Ciências Sociais Aplica<strong>da</strong>s escolhemos o curso de Ciências Contábeis. Do Centro<br />

de Ciências Agrárias optamos pelo curso de Agronomia. E do Centro de Ciências Humanas, Educação<br />

e Letras elegemos os cursos de História e Educação Física. Escolhemos dois cursos deste<br />

centro, por se tratar, essencialmente, de cursos de licenciatura, centro ao qual estamos vinculados.<br />

Nossa pesquisa inscreve-se no quadro referencial de pesquisa bibliográfica e análise<br />

documental. Foi concebi<strong>da</strong> como estudo de um tema (ética e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia) no marco referencial<br />

<strong>da</strong> educação. A educação, como ato do autoconstruir-se do ser humano, desenvolveu-se a partir<br />

de vários pólos que a humani<strong>da</strong>de experienciou historicamente. Emergiu <strong>da</strong>í a teoria <strong>da</strong> educação<br />

como uma ciência do fazer-se ser humano. Uma ciência que passou a ser chama<strong>da</strong> de pe<strong>da</strong>gogia,<br />

vinculando-se aos problemas metodológicos relativos ao como ensinar, ao o que ensinar, ao quando<br />

ensinar e a quem ensinar. A pe<strong>da</strong>gogia transformou-se em teoria e a educação em prática. “A<br />

educação é, antes de tudo, uma prática educativa. É uma prática geradora de uma teoria pe<strong>da</strong>gógica.<br />

A educação, ao mesmo tempo que produz pe<strong>da</strong>gogia, é também direciona<strong>da</strong> e efetiva<strong>da</strong> a<br />

partir <strong>da</strong>s diretrizes <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia.” (GUIRALDELLI Jr., 1991, p.9)<br />

Foi Wilhelm Dilthey (1833-1911) que estabeleceu a pe<strong>da</strong>gogia como ciência humana<br />

(Geisteswissenschaft), designando-lhe a reali<strong>da</strong>de educacional (Erziehungswirklichkeit)<br />

como objeto e a hermenêutica, como linguagem destina<strong>da</strong> a interpretar a reali<strong>da</strong>de (Verstehen),<br />

como método (BECK, 1996, p.53-56). Esta teoria pe<strong>da</strong>gógica evolui através de diferentes desdobramentos,<br />

de onde tomamos como referencial teórico a pe<strong>da</strong>gogia emancipatória e suas vertentes<br />

libertadoras de educadores brasileiros.<br />

Assim, as reflexões e análises fun<strong>da</strong>mentam-se nos referenciais <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia<br />

emancipatória, que desenvolve uma ciência crítica <strong>da</strong> educação a partir <strong>da</strong> combinação <strong>da</strong> dialética<br />

hegeliana, <strong>da</strong> dialética marxista (TRIVÑOS, 1987, p.49-74) e <strong>da</strong> hermenêutica psicanalista <strong>da</strong><br />

Escola de Frankfurt, desdobra<strong>da</strong> na Teoria <strong>da</strong> Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas e, mais<br />

consistentemente, na postura educativa proposta por Paulo Freire.<br />

Para Zitkoski, as principais convergências entre Freire e Habermas estão na defesa<br />

do paradigma emancipatório que perpassa suas obras, na perspectiva dialógica de suas propostas<br />

(Pe<strong>da</strong>gogia Dialógica e Teoria <strong>da</strong> Ação Comunicativa), na revisão crítica que ambos fazem do<br />

marxismo enquanto releitura <strong>da</strong> teoria de Marx à luz dos tempos atuais, na reconstrução de uma<br />

nova racionali<strong>da</strong>de, na superação <strong>da</strong> alienação cultural, na reconstrução cultural para a emancipação<br />

e na orientação para a construção de alternativas políticas para a emancipação social<br />

(ZITKOSKI, 2000, p.122-166). Mas o autor também alerta para as diferenças entre ambos<br />

(ZITKOSKI, 2000, p.167-173), especialmente no ponto de parti<strong>da</strong> para as suas teorias. Enquanto<br />

Freire parte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de dos oprimidos e com eles e entre eles propõe o diálogo a partir de suas<br />

reali<strong>da</strong>des, Habermas parte <strong>da</strong> tradição filosófica ocidental, inspirado nas obras dos grandes filósofos<br />

dos quais é herdeiro. Também há divergências sobre as concepções de ética. As concepções<br />

de Freire inscrevem-se na Ética <strong>da</strong> Libertação, especialmente aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Enrique Dussel. Já<br />

Habermas fun<strong>da</strong>menta suas concepções de ética na Ética do Discurso.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Alvori Ahlert<br />

A diferença entre Ética <strong>da</strong> Libertação e Ética do Discurso é um tema polêmico<br />

e ain<strong>da</strong> encontra-se em uma fase inicial <strong>da</strong>s discussões que terão futuros<br />

desdobramentos no campo filosófico-político <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. O ponto<br />

nevrálgico dessa discussão está no aspecto <strong>da</strong>s condições práticas para a<br />

realização do diálogo e/ou <strong>da</strong> construção do entendimento e, por outro lado,<br />

na situação concreta de exclusão <strong>da</strong> grande maioria <strong>da</strong> população mundial.<br />

Ou seja, a Ética <strong>da</strong> Libertação preocupa-se, por princípio, com as condições<br />

concretas para produzir a humanização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

prática <strong>da</strong>s pessoas que hoje se encontram parcial, ou totalmente excluí<strong>da</strong>s,<br />

tanto do mercado econômico, quanto do acesso à cultura e à comunicação<br />

social emancipatória; enquanto a Ética do Discurso preocupa-se, acima de<br />

tudo, em estabelecer teoricamente as condições ideais necessárias à construção<br />

de processos de emancipação dos sujeitos sociais que se defrontam<br />

com situações ca<strong>da</strong> vez mais complexas em um mundo desafiador para a<br />

comunicação livre e desburocratiza<strong>da</strong>. Portanto, a Ética do Discurso supõe<br />

que a racionali<strong>da</strong>de comunicativa já tenha atingido níveis satisfatórios de<br />

seu desenvolvimento concreto em nossas socie<strong>da</strong>des (ZITKOSKI, 2000,<br />

p.169-170).<br />

O conceito de emancipação em educação fun<strong>da</strong>menta-se no conceito marxiano,<br />

constituído a partir <strong>da</strong> discussão de Marx sobre o trabalho alienado na Economia Política. A discussão<br />

de Marx sobre o trabalho alienado traz embuti<strong>da</strong> a superação do trabalho alienado, ou seja: a<br />

emancipação humana num aspecto universal através <strong>da</strong> luta política trava<strong>da</strong> pelos trabalhadores.<br />

Na educação, a dialética marxista trabalha com a percepção, a mediação e a superação.<br />

Marx desven<strong>da</strong> a alienação do trabalho/trabalhador a partir <strong>da</strong> própria Economia<br />

Política, mostrando que o trabalhador é reduzido a mercadoria (a mais miserável); que isso leva e<br />

é conseqüência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de dividi<strong>da</strong> em classes distintas e antagônicas: proprietários e trabalhadores<br />

sem proprie<strong>da</strong>de.<br />

A Economia Política se estrutura a partir <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>. Por isso, ela não<br />

consegue eluci<strong>da</strong>r o conflito, a oposição entre capital e trabalho, entre capital e meios de produção.<br />

Assim, ela não percebe as circunstâncias externas que engendram e envolvem essas relações, pois<br />

sua análise se concentra na história e não na reali<strong>da</strong>de concreta do momento. Daí Marx defender<br />

a necessi<strong>da</strong>de de uma percepção que apreen<strong>da</strong> a existência de uma interconexão entre proprie<strong>da</strong>de<br />

priva<strong>da</strong>, ganância, separação entre trabalho e capital e a desvalorização e coisificação do ser<br />

humano.<br />

Para Marx é preciso tomar a Economia Política em suas relações na reali<strong>da</strong>de<br />

concreta do momento histórico. O trabalhador se esvazia na medi<strong>da</strong> em que produz mercadorias.<br />

Estas mercadorias tomam vi<strong>da</strong> própria, desvalorizando o mundo humano na proporção em<br />

que se valoriza o mundo <strong>da</strong>s mercadorias. E é esta relação que se transforma em alienação. O<br />

trabalhador coloca tudo, sua própria vi<strong>da</strong>, no produto que, por sua vez, cria vi<strong>da</strong> própria e se<br />

afasta do trabalhador. Assim, o produto do trabalho torna-se, ele próprio e sua realização, alheio<br />

ao trabalhador.<br />

Neste processo, o trabalhador transforma a natureza para a produção de mercadorias.<br />

Assim ele se pauperiza duplamente: de um lado produz mercadorias que se alienam dele e,<br />

de outro lado, esgota as fontes naturais de matéria-prima não renováveis, as quais se transformam<br />

em proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, por exemplo, minérios, fontes de energia e outras matérias-primas.<br />

Marx caracteriza três formas de alienação: através do produto, ou seja, a mercadoria<br />

cria vi<strong>da</strong> própria e se opõe ao trabalhador; através <strong>da</strong> ação produtiva ou ato de produção (ao<br />

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Ética e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia nos Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos em Cursos de Graduação:...<br />

assinar o contrato com a indústria, o trabalhador vende a sua força de trabalho, logo esta já não<br />

mais lhe pertence); através <strong>da</strong> individualização (individualizado, o trabalhador aliena-se de seus<br />

‘outros’).<br />

Por isso Marx preconiza que a emancipação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de passa pela extinção <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>. A humani<strong>da</strong>de precisa emancipar-se dessas relações alienadoras. Trata-se<br />

de uma perspectiva universal. Em A Consciência Revolucionária <strong>da</strong> História, ele afirma que:<br />

[...] o emancipar a socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, etc., <strong>da</strong> servidão, se<br />

exprime na forma política <strong>da</strong> emancipação dos trabalhadores, não como se se<br />

tratasse apenas <strong>da</strong> emancipação deles, mas porque na emancipação deles<br />

está conti<strong>da</strong> a emancipação humana universal, e esta está conti<strong>da</strong> naquela<br />

porque a servidão humana está envolvi<strong>da</strong> na relação do trabalhador com a<br />

produção e to<strong>da</strong>s as relações de servidão são apenas modificações e conseqüências<br />

desta relação (MARX, 1989, p.162).<br />

Para Theodor Adorno, representante <strong>da</strong> Escola de Frankfurt, a emancipação do<br />

ser humano tem na educação seu lugar privilegiado. Num diálogo com Becker, Adorno, fun<strong>da</strong>mentando-se<br />

em Georg Pich, mostra que a educação já não pode mais estar volta<strong>da</strong> para certos modelos<br />

ideais. Trata-se de um re-direcionamento <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia moderna.<br />

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[...] educação tem muito mais a declarar acerca do comportamento no mundo<br />

do que intermediar para nós alguns modelos ideais pré-estabelecidos. Pois<br />

não fosse por outro motivo, a simples e acelera<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> situação<br />

social bastaria para exigir dos indivíduos qualificados que podem ser designa<strong>da</strong>s<br />

como capacitação à flexibili<strong>da</strong>de, ao comportamento emancipado e<br />

crítico (ADORNO, 1995, p.141).<br />

Por isso Adorno coloca a importância de uma concepção inicial de educação, ou<br />

seja, de que ela não significa modelagem de pessoas, pois ninguém tem o direito de modelar pessoas<br />

a partir de fora. Educação é mais que mera transmissão de conhecimentos, é produção de uma<br />

consciência ver<strong>da</strong>deira, ou seja, uma exigência política.<br />

Apesar de a educação ter um inegável objetivo de a<strong>da</strong>ptação do indivíduo para<br />

que este se oriente no mundo, ela não pode abdicar <strong>da</strong> conscientização, <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. Pois<br />

conforme o mais importante pe<strong>da</strong>gogo polonês, Bog<strong>da</strong>n Suchodolski, a educação é a “[...] preparação<br />

para a superação permanente <strong>da</strong> alienação.” (ADORNO, 1995, p.148). Daí que uma<br />

educação emancipadora significa a exigência intrínseca <strong>da</strong> democracia. Desde Kant, que culpou<br />

a própria pessoa pela menori<strong>da</strong>de quando esta não é causa<strong>da</strong> pela falta de entendimento, a<br />

democracia fun<strong>da</strong>-se na constituição e na vontade dos indivíduos. Estes indivíduos, conscientes<br />

e com capaci<strong>da</strong>de de opção, buscam relações, propiciando, assim, o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />

(ADORNO, 1995, p.169).<br />

Entretanto, ninguém é educado para a emancipação na medi<strong>da</strong> em que fragmentamos<br />

a escola em estruturas como uma escola para os altamente dotados, outra para os medianamente<br />

dotados e uma terceira para os desprovidos de talento. Isto predetermina uma menori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual<br />

não há saí<strong>da</strong>. Por isso é necessário superar esta visão que é falsa, pois está estrutura<strong>da</strong> sobre um<br />

falso conceito de talento. Conforme Adorno, uma pesquisa, denomina<strong>da</strong> Talento e Aprendizagem,<br />

concluiu que não há pessoas especialmente aptas para melhor exercerem ativi<strong>da</strong>des intelectuais.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Alvori Ahlert<br />

Todos, quando tiverem acesso a uma formação de quali<strong>da</strong>de, podem desenvolver as mais diferentes<br />

aptidões. Esta pesquisa atestou que:<br />

[...] o talento não se encontra previamente configurado nos homens, mas<br />

que, em seu desenvolvimento, ele depende do desafio a que ca<strong>da</strong> um é<br />

submetido. Isto quer dizer que é possível ‘conferir talento’ a alguém. A partir<br />

disto a possibili<strong>da</strong>de de levar ca<strong>da</strong> um a aprender por intermédio <strong>da</strong> motivação,<br />

converte-se numa forma particular de desenvolvimento de emancipação<br />

(ADORNO, 1995, p.170).<br />

Isto, portanto, exige percepção e superação <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais presentes já<br />

dentro dos sistemas escolares. Emancipação deman<strong>da</strong> o desmonte <strong>da</strong>s barreiras estruturais dentro<br />

destes sistemas. Um desmonte que deve perpassar a escola desde a pré-escola até alcançar o<br />

aperfeiçoamento contínuo, ou a formação continua<strong>da</strong> em to<strong>da</strong>s as profissões.<br />

O propósito dessa investigação inscreve-se numa perspectiva ético-ci<strong>da</strong>dã. E uma<br />

formação ci<strong>da</strong>dã deman<strong>da</strong> uma reflexão sobre as questões <strong>da</strong> ética e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no processo de<br />

ensino/aprendizagem na formação universitária. Com esta pesquisa, buscamos investigar a presença<br />

<strong>da</strong> reflexão ética e ci<strong>da</strong>dã nos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos dos cursos de graduação <strong>da</strong> UNIOESTE<br />

campus de Marechal Cândido Rondon. Neste sentido, a nossa pesquisa pretende ser uma contribuição<br />

para um diagnóstico sobre a concepção de formação ético-ci<strong>da</strong>dã nos cursos em questão.<br />

Ética e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia nos Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos dos Cursos de Graduação <strong>da</strong><br />

UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon<br />

O desafio de uma educação ética e ci<strong>da</strong>dã no contexto <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de requer a<br />

formação de sujeitos com independência intelectual, capazes de intervirem na reali<strong>da</strong>de de seu<br />

campo profissional e, assim, atuarem na transformação e emancipação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

Para apreendermos as contribuições dos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos para a ética<br />

e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, elegemos um conjunto de cinco questões como “chave hermenêutica” para nossa<br />

leitura interpretativa dos referidos projetos. As questões são as seguintes: Que profissional o curso<br />

quer formar? Para qual reali<strong>da</strong>de este profissional será formado? Que ética sustenta este profissional?<br />

O que referencia a quali<strong>da</strong>de do seu trabalho? O mercado? A ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia? Os quadros em<br />

anexo propõem-se a explicitar as reflexões presentes nos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos eleitos<br />

para a nossa análise:<br />

73<br />

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

Quanto ao profissional a ser formado pelos cursos, por um lado, os projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos<br />

buscam uma formação que insira o candi<strong>da</strong>to na comuni<strong>da</strong>de, com o desafio de<br />

realizar transformações sociais e políticas. Entretanto, não dão informações sobre quais transformações<br />

políticas e sociais se pretende. Por outro lado, desafiam estes profissionais para uma<br />

atuação competente e sintoniza<strong>da</strong> com seu contexto sócio-econômico e cultural. Estas afirmações,<br />

no nosso entender, evidenciam uma certa dificul<strong>da</strong>de sobre que profissionais efetivamente se quer<br />

formar, pois, as duas posições acima referi<strong>da</strong>s são, de certa forma, contraditórias. Por um lado, se<br />

desafia para transformação, mas, por outro lado, espera-se um profissional em sintonia com seu<br />

contexto político, social e cultural.<br />

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Sobre a reali<strong>da</strong>de para a qual se pretende formar profissionais, todos os projetos<br />

afirmam ter havido um processo participativo, ou seja, a realização de reuniões e encontros, inclusive<br />

com outras instituições <strong>da</strong> área, e por meio de pesquisas de mercado, como o caso <strong>da</strong> Educação<br />

Física. Entretanto, não se informa sobre o público destas reuniões, sobre quem participou <strong>da</strong>s<br />

mesmas e sobre a vinculação continua<strong>da</strong> dos projetos com seus egressos, nem sobre as constantes<br />

avaliações pelas quais um projeto deveria ser perpassado.<br />

No caso de Ciências Contábeis, ao afirmar uma a<strong>da</strong>ptação de conteúdos à reali<strong>da</strong>de<br />

sócio-econômica de ca<strong>da</strong> campus, parece aceitar-se a socie<strong>da</strong>de tal qual como ela se apresenta,<br />

inseri<strong>da</strong> no contexto social e global.<br />

Sobre a reali<strong>da</strong>de social do entorno <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de, apenas o projeto <strong>da</strong> Agronomia<br />

traz uma reflexão crítica e consistente. Já o curso de Educação Física se limita a uma discussão<br />

sobre a reali<strong>da</strong>de epistemológica <strong>da</strong>s ciências, sem mostrar como esta crise de paradigmas<br />

influencia a educação local. Os demais projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos não fazem uma discussão<br />

sobre a reali<strong>da</strong>de social, política e econômica do contexto local, regional e global. Na medi<strong>da</strong> em<br />

que buscam acomo<strong>da</strong>r o profissional a ser formado à sua reali<strong>da</strong>de assim como esta se apresenta,<br />

parece haver um concordância com o modelo político, econômico e social hegemônico em vigor.<br />

Esta perspectiva vai mostrar uma certa fragili<strong>da</strong>de com que os projetos apontam<br />

para as questões éticas implica<strong>da</strong>s na formação destes profissionais. Ain<strong>da</strong> que os textos afirmem<br />

que o processo educacional não é um processo neutro na socie<strong>da</strong>de, e que a formação técnica<br />

deva vir acompanha<strong>da</strong> de uma consciência política, os projetos, enquanto não discutem suas perspectivas<br />

éticas com mais rigor e clareza, parecem não implicar-se suficientemente com a ética<br />

excludente dos sistemas econômicos que normatizam a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des sob a bandeira do<br />

movimento neoliberal.<br />

Consequentemente, as referências <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do trabalho dos profissionais a<br />

serem formados é, muito menos a preocupação com a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, e mais o mercado de profissionais<br />

<strong>da</strong>s diferentes graduações. Por exemplo, as proposições no projeto de Ciências Contábeis apontam<br />

exclusivamente para os problemas gerenciais e contábeis <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des, não fazendo nenhuma<br />

referência à construção de uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia participativa com a liderança de contabilistas.<br />

Neste contexto, os cursos de Educação Física e Agronomia trazem uma preocupação<br />

bem mais intensa com as perspectivas de formação para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia por meio de proposições<br />

de extensão e pesquisa participante junto às comuni<strong>da</strong>des-alvo de seus futuros egressos.<br />

Buscam pe<strong>da</strong>gogias participativas para o desenvolvimento de profissionais que ajudem na organização<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des com as quais vão atuar, no sentido de que estas comuni<strong>da</strong>des tenham<br />

autonomia na construção coletiva de suas decisões.<br />

O Planejamento Estratégico <strong>da</strong> UNIOSTE, que em 1996 possibilitou a construção<br />

de uma visão e missão institucional, poderia ter sido, no nosso entender, mais valorizado e integrado<br />

na construção dos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos.<br />

Visão <strong>da</strong> Unioeste: Ser reconheci<strong>da</strong> como uma universi<strong>da</strong>de multi-campi,<br />

com centros de excelência na produção e socialização do conhecimento,<br />

atenta às características regionais.<br />

Missão <strong>da</strong> Unioeste: Ser uma universi<strong>da</strong>de que promova a inovação qualitativa<br />

nos cursos de graduação e crie núcleos de competência, prioritariamente,<br />

nas áreas de educação básica, integração regional e latino-americana, saúde,<br />

biotecnologia, turismo e meio-ambiente e que busque a excelência na área do<br />

desenvolvimento agroindustrial (COLOGNESE, 2003, p.27).<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Alvori Ahlert<br />

Entendemos que a visão e a missão <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de deveriam ser o ponto de<br />

parti<strong>da</strong> para a construção dos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos. Isso proporcionaria uma maior atenção<br />

dos referidos projetos para com seus desafios éticos e ci<strong>da</strong>dãos no contexto onde a universi<strong>da</strong>de<br />

está inseri<strong>da</strong>.<br />

Por último, acreditamos que os processos de construção dos projetos político-pe<strong>da</strong>gógicos,<br />

muitas vezes, acontecem sem uma reflexão mais epistemológica e prática sobre o<br />

processo de construção de um projeto democrático e participativo. Sem ele, a socie<strong>da</strong>de pouco<br />

consegue avançar para a ética e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, pois as decisões ficam por demais restritas dentro <strong>da</strong><br />

academia.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro:<br />

Paz e Terra, 1995.<br />

AHLERT, Alvori. A etici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação: o discurso de uma práxis solidária/universal. 2.ed.<br />

Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2003.<br />

BECK, Nestor Luiz João. Educar para a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de: estudos em ciência <strong>da</strong> educação.<br />

Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.<br />

GHIRALDELLI Jr., Paulo. O que é pe<strong>da</strong>gogia. 6.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

MARX, Karl. A consciência revolucionária <strong>da</strong> história. In: FERNADES, F. K. Marx e F. Engels.<br />

História. São Paulo: Ática, p.146-181, 1989.<br />

75<br />

RINALDI, Rúbia Nara. A<strong>da</strong>ptação estratégica em universi<strong>da</strong>des públicas: o caso <strong>da</strong><br />

UNIOESTE. Cascavel: Edunioeste, 2002.<br />

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa<br />

qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.<br />

ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes <strong>da</strong> refun<strong>da</strong>mentação em educação popular. Frederico<br />

Westphalen: Ed. URI, 2000.<br />

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Quadro 1 – Centro de Ciências Humanas, Educação e Letras.<br />

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Quadro 2 – Centro de Ciências Sociais Aplica<strong>da</strong>s.<br />

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Quadro 3 – Centro de Ciências Agrárias.<br />

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Fernan<strong>da</strong> Martins Melo, Vânia Maria Ferreira, Patrícia Casaroli e João Juliani<br />

INDISCIPLINA EM SALA-DE-AULA: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO<br />

E SUAS IMPLICAÇÕES<br />

INNDISCIPLINE IN CLASSROOM: A DISCUSSION OVER THE CONCEPT AND ITS<br />

APPPLICATIONS<br />

Fernan<strong>da</strong> Martins Melo*<br />

Vânia Maria Ferreira*<br />

Patrícia Casaroli*<br />

João Juliani**<br />

RESUMO:<br />

O uso do boné em uma sala de aula é uma questão de indisciplina? Ser disciplinado ou indisciplinado<br />

depende <strong>da</strong>s regras, pois em uma classe em que o aluno não pode usar o boné, se ele usar, será<br />

avaliado como indisciplinado. A disciplina e a indisciplina dependem <strong>da</strong>s normas explícitas e implícitas<br />

vigentes nas situações. A indisciplina pode acontecer devido à revolta contra as regras, ou<br />

mesmo, pelo fato de o aluno desconhecê-las. No presente trabalho, serão considera<strong>da</strong>s as definições<br />

de disciplina e indisciplina, assim como sugestões de diversos autores para li<strong>da</strong>r com este<br />

tema na área <strong>da</strong> Educação.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Disciplina; Indisciplina; Sala-de-Aula.<br />

ABSTRACT:<br />

Using a cap in a classroom is an indiscipline question? Being disciplined or undisciplined depends on<br />

the rules, therefore, in a classroom where the pupils may are not allowed to use a cap, if he uses it,<br />

he will be evaluated as undisciplined. Discipline and indiscipline depend on the explicit and implicit<br />

standing rules on such situation. Indiscipline may occur due to rising against the standing rules, or<br />

even by the fact that the student is unaware of them. In this work, the definitions to be considered<br />

are indiscipline and discipline, as well as suggestions from several authors, on how to wok with this<br />

theme in Education area.<br />

81<br />

KEY WORDS: Discipline; Indiscipline; Classroom.<br />

Um aluno que usa boné em sala-de-aula pode ser considerado indisciplinado? Em<br />

uma sala <strong>da</strong> 2ª série do Ensino Fun<strong>da</strong>mental um estu<strong>da</strong>nte estava com um boné que ele tinha<br />

ganhado como presente de aniversário no dia anterior. Então, a professora se vira e diz:<br />

__ “Retire o boné, pois você está infringindo as regras <strong>da</strong> sala-de-aula”.<br />

O aluno sorri e faz uma pergunta à professora:<br />

__ “Professora, o meu boné está atrapalhando a sua aula”?<br />

E ela insiste:<br />

__ “Retire o boné”!<br />

*Discentes do 4º. Ano do Curso de Psicologia.<br />

**Doutor em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universi<strong>da</strong>de de São Paulo – USP(1999). Professor Titular do Centro<br />

Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>, de Londrina-PR e Psicólogo do ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DO DEFICIENTE<br />

AUDITIVO DE LONDRINA<br />

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Indisciplina em Sala-de-Aula: Uma Discussão Sobre o Conceito e suas Implicações<br />

O comportamento deste aluno pode ser considerado como um exemplo de<br />

indisciplina? O que é indisciplina? A indisciplina é um conceito complexo, polêmico e que tem<br />

diferentes implicações para a educação. Este conceito pode ser melhor entendido quando analisado<br />

juntamente com o conceito do termo oposto: disciplina.<br />

O que é disciplina? Ela pode ser considera<strong>da</strong> como um aspecto importante no<br />

desenvolvimento do indivíduo? “A disciplina é o fazer o que posso, o que devo e o que preciso<br />

fazer.” (FREIRE, 1989, p.12). Ain<strong>da</strong> nesta direção MANACORDA diz:<br />

(...) é um hábito interno que facilita a ca<strong>da</strong> pessoa o cumprimento de suas<br />

obrigações, é um autodomínio, é a capaci<strong>da</strong>de de utilizar a liber<strong>da</strong>de pessoal,<br />

isto é, a possibili<strong>da</strong>de de atuar livremente superando os condicionamentos<br />

internos ou externos que se apresentam na vi<strong>da</strong> cotidiana (1995, p.26).<br />

Uma outra maneira de conceituar o termo consiste em tomá-la como uma forma<br />

de controle do comportamento <strong>da</strong>s pessoas. Neste sentido KHOURI afirma que disciplina é:<br />

(...) uma forma de dominação e de exercício de poder nos espaços sociais<br />

menores, cuja organização não é garanti<strong>da</strong>, no seu cotidiano, pelas leis maiores.<br />

Ela permite, portanto, nestes locais, o controle do corpo e <strong>da</strong> alma, isto<br />

é, do comportamento integral dos que neles se encontram e lhes impõem<br />

uma relação de docili<strong>da</strong>de e utili<strong>da</strong>de. Essa situação domestica<strong>da</strong> tem suas<br />

origens no funcionamento <strong>da</strong>s prisões e dos quartéis (1989, p.41).<br />

82<br />

Pensamento equivalente pode ser encontrado em ABUD e ROMEU:<br />

O conceito de disciplina está intimamente associado aos condicionamentos<br />

sócio-culturais, assumindo, portanto, significados diversos em momentos<br />

diferentes para pessoas diferentes (1989, p.80).<br />

O exemplo citado no início deste texto parece que se coloca nesta direção. O uso<br />

do poder pelo aluno rompe com a obediência passiva e coloca o professor na ingrata posição de<br />

fazer cumprir as normas estabeleci<strong>da</strong>s. AQUINO também abor<strong>da</strong> esta questão ao dizer que:<br />

Quando se busca entender por disciplina os comportamentos regidos<br />

por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de outras<br />

formas, tais como a revolta contra estas normas ou seu desconhecimento<br />

(1996, p.09).<br />

O aluno que usa seu boné em aula pode simplesmente, como diz Aquino, desconhecer<br />

a norma. Porém, se ele sabe que não se pode fazer aquilo naquela situação, o uso será<br />

configurado como uma afronta à autori<strong>da</strong>de e, dessa forma, um ato de indisciplina.<br />

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Pode–se afirmar que uma classe disciplina<strong>da</strong> é to<strong>da</strong> aquela que ofereça ao<br />

professor oportuni<strong>da</strong>des adequa<strong>da</strong>s para o desenvolvimento de seu processo<br />

de aju<strong>da</strong> na construção do conhecimento e desenvolvimento de habili<strong>da</strong>des<br />

e atitudes socialmente aceitas por partes dos alunos (MAKARENKO,<br />

1981, p.23).<br />

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Fernan<strong>da</strong> Martins Melo, Vânia Maria Ferreira, Patrícia Casaroli e João Juliani<br />

Se a indisciplina acontece devido à revolta contra as normas, ela transforma-se em<br />

uma forma de desobediência insolente. Procurando explicar este fenômeno, AQUINO coloca<br />

alguns motivos que podem levar os alunos a cometer atos tidos como indisciplinados.<br />

A falta de interesse está muito grande. Os alunos estão dispersos, não respeitam<br />

mais o professor, estão vivendo em outro mundo. A tecnologia avançou<br />

demais e o professor infelizmente não acompanhou, ficou desinteressante<br />

para eles. Eles estão acostumados apertar botão ou tecla de ‘videogame’, de<br />

computador, a ver televisão e aí aparece o professor com apagador e giz. O<br />

professor não está conseguindo ter domínio, as aulas estão muito no passado,<br />

muito antigas. Os meios de comunicação, ao invés de aju<strong>da</strong>r estão atrapalhando:<br />

programas muito violentos. Não está existindo liber<strong>da</strong>de com responsabili<strong>da</strong>de<br />

(1996, p.9).<br />

Segundo AQUINO (1996) as crianças de hoje são mais espertas do que as de<br />

antigamente. Embora este autor mencione a falta de tecnologia em sala-de-aula como um<br />

fator que pode levar à indisciplina, não se deve esquecer que em todos os tempos surgiram<br />

professores que conduziam suas aulas sem necessi<strong>da</strong>de de grandes recursos tecnológicos,<br />

pelo fato de reunir capaci<strong>da</strong>de e habili<strong>da</strong>de didática. Ao lado destes docentes, houve e haverá<br />

sempre os que parecem incapazes de se impor e, por isso, as suas aulas rapi<strong>da</strong>mente se<br />

transformam em desordens sem fim.<br />

É indiscutivelmente desejável que em um ambiente de ensino haja silêncio por<br />

parte dos alunos. Objetiva-se este comportamento, desde que os alunos não se portem como<br />

se fossem “mudos”, não se pronunciando quando necessário para a discussão de um trabalho,<br />

de um tema, ou assuntos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que vivem. Dessa forma, a discussão <strong>da</strong> matéria não<br />

é necessariamente um ato de “indisciplina”. ABUD e ROMEU ilustram este tema com a<br />

seguinte afirmação.<br />

83<br />

O que é a escola? Um ambiente silencioso, sem nenhum vestígio de comportamento<br />

infantil, ou um ambiente social vibrante, que comunica alegria e<br />

predispõe para a concentração de todo o esforço no ato de aprender? Pensamos<br />

não ser ideal alunos encaminharem-se para a sala-de-aula perfilados,<br />

sentarem-se simultaneamente e dirigirem o olhar na mesma direção, como se<br />

fossem robôs ou, intencionalmente, robotizados (1989, p.84).<br />

A disciplina é importante quando existe um alvo a ser perseguido. O boné, para<br />

muitos adoleslentes, faz parte do seu traje. É uma peça tão importante como a camiseta, as calças;<br />

enfim, sem o boné o aluno pode se sentir mais feio, pode se sentir despido. É isto que se objetiva<br />

com a educação. Nesta direção, SCHIMIDT (1989, p.37) afirma que “(...) a disciplina só é eficaz<br />

quando se tem uma meta a atingir”.<br />

O problema <strong>da</strong> indisciplina é apenas a ponta de um iceberg , onde se esconde um<br />

leque de variáveis relaciona<strong>da</strong>s à educação que afetam a formação dos alunos e culminam na<br />

organização de uma socie<strong>da</strong>de que privilegia poucas e subjuga muitas pessoas. É necessário garantir<br />

a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia a todos, inclusive às crianças. Para Rosemberg, “...é preciso saber ouvir e<br />

compreender a mensagem que se esconde por trás do comportamento manifesto como indisciplina”<br />

(apud Vasconcellos, 1994, p. 50).<br />

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Indisciplina em Sala-de-Aula: Uma Discussão Sobre o Conceito e suas Implicações<br />

Deve-se levar em conta, também, o fato de que em uma sala-de-aula quando as<br />

crianças e adolescentes são colocados juntos, sentando-se lado a lado por muitas horas segui<strong>da</strong>s,<br />

são gera<strong>da</strong>s “conversas paralelas”. É como se fosse o momento adequado para discutirem os fatos<br />

ocorridos em outros instantes, fora do ambiente escolar. Desta forma surge a “indisciplina”.<br />

Não faz sentido, no entanto, iniciar uma discussão que se propõe a ser<br />

participativa, com os alunos sentados em fila, ou de costas uns para os<br />

outros. Se os professores pensarem como isso estimula a indisciplina, pois<br />

leva os jovens a virarem para trás ou <strong>da</strong>r recados às escondi<strong>da</strong>s, certamente<br />

pensariam, duas vezes, se não seria melhor dispor as mesas em U. Um bom<br />

arranjo espacial permite também que o professor olhe diretamente para os<br />

alunos (ABRANTES, 1994, p.22).<br />

Basta uma inspeção casual para constatar que devem ser feitas mu<strong>da</strong>nças radicais<br />

na estrutura <strong>da</strong> escola para possibilitar ao aluno um comportamento respeitoso. O currículo, as<br />

técnicas de ensino, a avaliação, entre outros aspectos, precisam ser revistos.<br />

Classificar o que o aluno faz como ato indisciplinado não aju<strong>da</strong> em na<strong>da</strong>. É necessário<br />

entender o que ele faz e porque o faz. Ajustar as “lupas” do ensino para detectar os pontos<br />

que determinam as ações, os pensamentos e as emoções dos alunos. Compreendê-lo melhor, para<br />

melhorar a quali<strong>da</strong>de do ensino nas escolas.<br />

84<br />

Ao se condenar um ato de indisciplina deve-se, antes, cui<strong>da</strong>r de examinar as<br />

razões de ser <strong>da</strong>s normas impostas e dos comportamentos esperados (e sem,<br />

também, termos pensado na i<strong>da</strong>de dos alunos: não se pode exigir as mesmas<br />

condutas e compreensão entre crianças de oito anos e adolescentes de 13 a<br />

14 anos) (GIROUX, 1996, p.08).<br />

Compreender os estu<strong>da</strong>ntes que apresentam “atos de indisciplina” é fun<strong>da</strong>mental,<br />

mas não basta; é necessário uma educação volta<strong>da</strong> para a formação integral do aluno. Quando se<br />

tem como meta a transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, é preciso entender todos os alunos, compreender<br />

também aqueles que podem ser classificados como disciplinados, mas que não se beneficiam,<br />

integralmente, <strong>da</strong> escola. Nesta direção BRUNET escreve:<br />

Quando ocorrem casos de indisciplina, o professor deverá ganhar algum<br />

tempo ouvindo as sugestões dos alunos. Em certas aulas, como no ensino<br />

do Português ou <strong>da</strong>s línguas estrangeiras, é possível organizar textos sobre<br />

o assunto que incitarão o debate, promovendo a seguir, novas composições<br />

sobre o tema. Será do maior interesse se o professor conseguir organizar um<br />

texto-síntese sobre o que foi apurado, de modo que todos se sintam mais<br />

vinculados às decisões toma<strong>da</strong>s (1992, p.53).<br />

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A indisciplina, freqüentemente, é defini<strong>da</strong> como qualquer ato ou omissão que contraria<br />

alguns princípios do regulamento interno ou regras básicas estabeleci<strong>da</strong>s pela escola ou pelo<br />

professor. De acordo com esta definição, ser ou não indisciplinado depende de tais regras. Por<br />

outro lado, a indisciplina pode ser uma resposta à autori<strong>da</strong>de do professor, levando o aluno a contestar,<br />

porque ele não está de acordo com as exigências, com os valores que se pretende impor,<br />

com os critérios de avaliação, métodos de ensino, etc. Retomando o exemplo com o qual este<br />

texto foi iniciado, o aluno poderia ser considerado indisciplinado porque usou o boné, infringindo as<br />

regras <strong>da</strong> escola. E continuaria sendo se não o retirasse.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Fernan<strong>da</strong> Martins Melo, Vânia Maria Ferreira, Patrícia Casaroli e João Juliani<br />

A discussão desse conceito exige um olhar mais amplo na área <strong>da</strong> Educação. É<br />

necessário que se avalie o contexto em que o aluno está inserido, levando-se em consideração os<br />

valores e princípios que a educação busca ensinar. Necessitando que eles sejam repensados por<br />

todos os atores que fazem parte do ambiente educacional; em especial, os alunos e professores.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ABRANTES, J. C. A outra face <strong>da</strong> escola. Lisboa: Ministério <strong>da</strong> Educação, 1994.<br />

AQUINO, Julio Groppa. Indisciplina na escola, Alternativas Teóricas e Praticas. 6.ed. São<br />

Paulo: Sammus, 1996.<br />

BRUNET, L. V. Clima de trabalho e eficácia <strong>da</strong> escola. In: A. Nova (Coord.). As organizações<br />

escolares em anáise. Lisboa: D. Quixote, 1992.<br />

COLLARES, Cecília A, L; MOYSES, M. Apareci<strong>da</strong> A. Preconceitos no cotidiano escolar:<br />

ensino e medicalização. São Paulo: Cortez, 1996.<br />

GAVALDO, Luiza Laforgia. Desnu<strong>da</strong>ndo a escola. São Paulo: Pioneira, 1997.<br />

MAKARENKO, A. S. Disciplina In: Conferência sobre Educação Infantil. São Paulo: Moraes,<br />

1981.<br />

MONACORDA, M. A. História <strong>da</strong> Educação. São Paulo: Cortes, 1995.<br />

SACRISTÁN, J. Gimeno; GOMES, A, I. Perez. Compreender e transformar o ensino. 4.ed.<br />

(Trad. Ermani F. Da Fonseca Rosa). Porto Alegre: Art. Méd., 1998.<br />

85<br />

VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina: construção <strong>da</strong> disciplina consciente e interativa em<br />

sala de aula na escola. 3.ed. São Paulo: Libertad, 1994.<br />

VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina: Construção <strong>da</strong> disciplina consciente e interativa em<br />

sala de aula e na escola. 4.ed. São Paulo: Libertad, 1995.<br />

VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina na escola: autori<strong>da</strong>de versus autoritarismo.<br />

D’ANTOLA, Arlette (Org.). São Paulo: EPU, 1989.<br />

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Indisciplina em Sala-de-Aula: Uma Discussão Sobre o Conceito e suas Implicações<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E<br />

QUALIDADE DE VIDA - NEPSV


Vali<strong>da</strong>ção de Metodologia Analítica para Determinação de Ácido Ascórbico...<br />

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Carla Renata Merlo, Miriam Ribeiro Alves e Suzana Mali<br />

VALIDAÇÃO DE METODOLOGIA ANALÍTICA PARA DETERMINAÇÃO DE<br />

ÁCIDO ASCÓRBICO (VITAMINA C) EM MEDICAMENTOS FITOTERÁPICOS<br />

E ALOPÁTICOS<br />

ANALYTIC METHODOLOGY VALIDATION FOR DETERMINATION OF ASCORBIC ACID (VITAMIN<br />

C) IN ALLOPATHIC AND FITOTHERAPIC MEDICATION<br />

Carla Renata Merlo*<br />

Miriam Ribeiro Alves**<br />

Suzana Mali***<br />

RESUMO:<br />

O ácido ascórbico (vitamina C), substância orgânica simples, tem despertado interesse nos últimos<br />

anos devido aos efeitos benéficos relatados e assim vem sendo muito emprega<strong>da</strong> na produção de<br />

cosméticos e medicamentos. A quantificação <strong>da</strong> vitamina C está descrita na Farmacopéia Brasileira,<br />

IV Edição; no entanto, faltam maiores subsídios nos casos em que há variação quanto ao tipo de<br />

amostra a ser analisa<strong>da</strong>. Diante disso, os objetivos do presente trabalho foram vali<strong>da</strong>r uma metodologia<br />

analítica basea<strong>da</strong> na titulometria de óxido-redução, de acordo com os parâmetros <strong>da</strong> legislação<br />

brasileira (RDC ANVISA – 899/2003), para a determinação <strong>da</strong> vitamina C em medicamentos<br />

fitoterápicos e alopáticos. Paralelamente procurou-se treinar estu<strong>da</strong>ntes de graduação em todo o<br />

processo de vali<strong>da</strong>ção, possibilitando um conhecimento importante para a inserção deles no mercado<br />

de trabalho. A amostra do medicamento alopático utiliza<strong>da</strong> foi de comprimidos efervescentes<br />

contendo 1 g. de vitamina C (CebionÒ) e, a do medicamento fitoterápico, foi constituí<strong>da</strong> por<br />

cápsulas de acerola com 60 mg. de vitamina C (BionatusÒ). O método analítico aplicado para a<br />

quantificação <strong>da</strong> vitamina C mostrou-se adequado dentro dos limites estabelecidos pela legislação<br />

brasileira para a vali<strong>da</strong>ção, exceto para o parâmetro precisão, que para o BionatusÒ mostrou-se<br />

fora dos padrões, provavelmente devido à não uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s amostras.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Precisão; Exatidão; Robustez; Lineari<strong>da</strong>de.<br />

89<br />

ABSTRACT:<br />

The ascorbic acid (vitamin C), simple organic substance, has raised interest lately due to benefic<br />

effects reported and thus has been quite used in the cosmetics and medication production. The<br />

amount of vitamin C is described in Farmacopéia Brasileira, 4 th Edition; nevertheless, there is a<br />

lack of subsidies in cases that there is variation as to the type of sample to be analyzed. Thus, the<br />

objectives of this study are to vali<strong>da</strong>te an analytic methodology based on the oxide-reduction<br />

titlemetrics, in accor<strong>da</strong>nce to the Brazilian legislation patterns (RDC ANVISA – 899/2003), for the<br />

determination of vitamin C in allopathic and fitotherapic medications. Close to it, there was training<br />

of graduation students in al vali<strong>da</strong>tion process, making possible an important knowledge to their<br />

work market insertion. The allopathic medication sample used was effervescent pills containing 1g.<br />

of vitamin C (Cebion®) and, the fitotherapic medication was composed by Barbados cherry capsules<br />

containing 60mg. of vitamin C (Bionatus®). The analytic method applied to the vitamin C<br />

quantification appeared inside the limits established by the Brazilian legislation for vali<strong>da</strong>tion, patterns,<br />

probably due to the samples uniformity.<br />

KEY WORDS: Precision; Accuracy; Vigour; Linearness.<br />

*Graduan<strong>da</strong> do 4º ano do Curso de Farmácia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

**Doutora em Química Analítica. Docente <strong>da</strong> Uel e <strong>UniFil</strong>.E-mail: miriam.maiola@unifil.br<br />

***Farmacêutica – Bioquímica. Doutora em Ciência de Alimentos. Docente do Dep. de Bioquímica e Biotecnologia <strong>da</strong> UEL.<br />

E-mail: smali@dilk.com.br<br />

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Vali<strong>da</strong>ção de Metodologia Analítica para Determinação de Ácido Ascórbico...<br />

INTRODUÇÃO<br />

A vali<strong>da</strong>ção de métodos analíticos é um importante requisito que dá suporte às<br />

ativi<strong>da</strong>des de análise química e de garantia <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de produtos <strong>da</strong>s indústrias química, farmacêutica,<br />

alimentícia, de cosméticos, e outras. As características de desempenho dos produtos são<br />

expressas em termos de parâmetros ou variáveis analíticas (FONSECA et al., 2004).<br />

O ácido ascórbico (vitamina C), substância orgânica de molécula simples, tem<br />

despertado interesse nos últimos anos devido a muitos efeitos benéficos relatados com relação a<br />

esta vitamina. Tem sido muito emprega<strong>da</strong> na produção de cosméticos e medicamentos, e também<br />

como aditivo em alimentos (PAIM, KRONKA & REIS, 1998). A quantificação do ácido ascórbico<br />

está descrita na Farmacopéia Brasileira, IV Edição. Contudo, há carência de subsídios quando<br />

varia o tipo de amostra a ser analisa<strong>da</strong>. Consequentemente, torna-se interessante a vali<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

metodologia para diferentes tipos de amostras, como medicamentos alopáticos e fitoterápicos que<br />

contenham o ácido ascórbico como princípio ativo, possibilitando, então, o uso <strong>da</strong> metodologia com<br />

maior confiabili<strong>da</strong>de.<br />

Diante do exposto, o objetivo <strong>da</strong> presente pesquisa foi vali<strong>da</strong>r uma metodologia<br />

analítica basea<strong>da</strong> na titulometria de óxido-redução, de acordo com os parâmetros <strong>da</strong> legislação<br />

brasileira (RDC ANVISA – 899/2003), para a determinação de ácido ascórbico (Vitamina C) em<br />

medicamentos fitoterápicos e alopáticos. Adicionalmente foi possível treinar acadêmicos de graduação<br />

em todo o processo de vali<strong>da</strong>ção, implementando um treinamento importante para a formação<br />

profissional dos estu<strong>da</strong>ntes.<br />

90<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

Material<br />

Foram utilizados reagentes de pureza analítica (PA) para a análise do ácido<br />

ascórbico, tanto em uma substância padrão (ensaio), como nos medicamentos escolhidos para a<br />

análise. A amostra de medicamento alopático foi de comprimidos efervescentes com 1 g. de vitamina<br />

C (Cebion ® ) e, a <strong>da</strong> droga fitoterápica, foi de cápsulas de acerola com 60 mg. de vitamina C<br />

(Bionatus ® ).<br />

Métodos<br />

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A metodologia emprega<strong>da</strong> para a determinação do ácido ascórbico teve como<br />

princípio de quantificação a Volumetria ou Titulometria de Óxido Redução (Iodimetria), empregando<br />

a solução de iodo como agente titulante (Farmacopéia Brasileira, IV Edição).<br />

O processo de vali<strong>da</strong>ção desta metodologia foi baseado na Resolução 899 <strong>da</strong><br />

ANVISA (2003) e, devido ao fato de se tratar de um método normalizado pela Farmacopéia<br />

Brasileira, IV Edição, foram avaliados os seguintes parâmetros: precisão (repetibili<strong>da</strong>de), lineari<strong>da</strong>de,<br />

exatidão e robustez.<br />

To<strong>da</strong>s as análises estatísticas necessárias ao processo de vali<strong>da</strong>ção foram realiza<strong>da</strong>s<br />

em Programa Computacional Estatística Versão 6.0 (Statsoft – Oklahoma).<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Carla Renata Merlo, Miriam Ribeiro Alves e Suzana Mali<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

A precisão do método, conceitua<strong>da</strong> como repetibili<strong>da</strong>de, foi estima<strong>da</strong> como sendo<br />

a concordância entre os resultados, dentro de um curto período de tempo e com o mesmo analista<br />

e mesma instrumentação. A repetibili<strong>da</strong>de do método foi verifica<strong>da</strong> por 9 determinações, contemplando<br />

o intervalo linear do método (<strong>da</strong>dos não apresentados), com 3 concentrações: baixa, média<br />

e alta, e com 3 réplicas ca<strong>da</strong> uma delas. Foi observado que para as amostras de medicamentos<br />

alopáticos, o coeficiente de variação máximo foi de 1,06%, estando de acordo com os valores<br />

permitidos pela legislação brasileira para vali<strong>da</strong>ção (RDC 899 - 2003), que exige, no máximo, 5%<br />

de variação. Quando foram analisa<strong>da</strong>s as amostras de medicamentos fitoterápicos, os coeficientes<br />

variaram de 4,8 a 8,1 %, ultrapassando os limites estabelecidos, dependendo <strong>da</strong> concentração <strong>da</strong><br />

amostra. Provavelmente, a precisão com relação aos fitoterápicos, situou-se fora dos padrões<br />

devido à não uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s amostras.<br />

A lineari<strong>da</strong>de do método foi determina<strong>da</strong> pela análise de 5 concentrações diferentes<br />

do padrão de vitamina C (0,08; 0,09; 0,10; 0,11 e 0,12 g./mL.). As análises foram realiza<strong>da</strong>s<br />

com duas repetições, e as duas curvas obti<strong>da</strong>s estão apresenta<strong>da</strong>s na Figura 1 (a,b) Não houve<br />

diferença estatística entre os resultados <strong>da</strong>s curvas. O coeficiente de correlação (r) foi igual a 1,0<br />

nos dois casos, podendo-se observar que os modelos derivados <strong>da</strong> regressão linear se adequaram<br />

bem aos <strong>da</strong>dos experimentais; portanto, a lineari<strong>da</strong>de do método atendeu aos critérios mínimos<br />

aceitáveis pela legislação.<br />

91<br />

Figura 1 – Curvas de volume gasto <strong>da</strong> solução titulante versus concentração de vitamina<br />

C: (a) repetição 1 – modelo matemático (y=0,009x + 7.10 -16 ); e (a) repetição 2 – modelo matemático<br />

(y=0,009x - 1.10 -15 ). A linha deriva do modelo matemático linear e, os pontos, dos <strong>da</strong>dos<br />

experimentais.<br />

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Vali<strong>da</strong>ção de Metodologia Analítica para Determinação de Ácido Ascórbico...<br />

A exatidão de um método analítico consubstancia-se na proximi<strong>da</strong>de dos resultados<br />

obtidos pelo método em estudo em relação ao valor ver<strong>da</strong>deiro. No presente trabalho, a exatidão<br />

foi determina<strong>da</strong> aplicando-se a metodologia analítica proposta para a análise de uma substância<br />

de pureza conheci<strong>da</strong> (padrão de vitamina C). A exatidão do método foi obti<strong>da</strong> a partir de 9<br />

determinações contemplando o intervalo linear do procedimento, ou seja, 3 concentrações: baixa,<br />

média e alta, com 3 réplicas ca<strong>da</strong>.<br />

Nas três diferentes concentrações, 0,10; 0,11 e 0,12 g./mL. de vitamina C, a exatidão<br />

foi de 100, 99 e 98%, respectivamente, valores que ficaram, também, dentro dos parâmetros<br />

estabelecidos pela legislação.<br />

A robustez de um método analítico é a medi<strong>da</strong> de sua capaci<strong>da</strong>de para resistir a<br />

pequenas e delibera<strong>da</strong>s variações dos parâmetros analíticos e indica o grau de confiança do método<br />

durante o uso normal. Ao longo do desenvolvimento <strong>da</strong> metodologia, houve variação <strong>da</strong> marca<br />

do reagente empregado para o preparo <strong>da</strong> solução padrão de iodo; esta modificação não gerou<br />

alterações significativas no resultado do doseamento, realizado, tanto nas amostras de medicamentos<br />

alopáticos quanto nas de fitoterápicos.<br />

CONCLUSÕES<br />

92<br />

O método analítico aplicado para a quantificação de vitamina C mostrou-se adequado<br />

aos limites estabelecidos pela legislação brasileira para vali<strong>da</strong>ção, exceto para o parâmetro<br />

precisão, que para os medicamentos fitoterápicos apresentou-se além dos padrões, provavelmente<br />

devido à não uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s amostras.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANVISA. Resolução 899 de 29 de maio de 2003. Disponível em, .<br />

Acessado em 20 de setembro de 2004.<br />

FARMACOPÉIA BRASILEIRA IV. 4.ed. São Paulo: Atheneu Editora, 1988.<br />

FONSECA, Said G. C., SILVA, Leila B. L. <strong>da</strong>, CASTRO, Rebeka F. et al. Vali<strong>da</strong>tion of the<br />

Analytical Methodology for Evaluation of Lapachol. In: Solution by HPCL. Quím. Nova. v.27, n.1,<br />

jan./feb., p.157-159, 2004.<br />

PAIM, Ana Paula S.; KRONKA, Eloisa Ap. M.; REIS, Boaventura F. et al. Spectrophotometric<br />

Determination of Ascorbic Acid in Drugs Employing Binary Sampling in Flow System. Quím.<br />

Nova. v.21, n.1, jan./feb., p.47-50, 1998.<br />

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UNITED STATES PHARMACOPEIA - NATIONAL FORMULARY. USP 26 NF21. Rockville:<br />

United Sates Pharmacopeia Convention, Inc., 2003.<br />

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Leila Patrício <strong>da</strong> Conceição e Luciana Veiga Barbosa<br />

ANÁLISE CITOGENÉTICA DE ESPÉCIES DE ORCHIDACEAE DE OCORRÊN-<br />

CIA NAS DUNAS DO ABAETÉ<br />

(SALVADOR, BA - BRASIL)<br />

CYTOGENETIC ANALISYS OF SPECIES OF ORCHIDACEAE WHITH OCCURENCE ON ABAETÉ<br />

DUNES (SALVADOR, BA – BRAZIL)<br />

Leila Patrício <strong>da</strong> Conceição*<br />

Luciana Veiga Barbosa**<br />

RESUMO:<br />

No presente estudo foram determinados o número cromossômico e o nível de ploidia <strong>da</strong>s espécies<br />

Cyrtopodium parviflorum, Vanilla bahiana e Galeandra sp. e o comportamento meiótico de V.<br />

bahiana. Foram analisa<strong>da</strong>s metáfases mitóticas de tecido meristemático de pontas de raiz cora<strong>da</strong>s<br />

segundo o método de Feulgen e células-mãe de pólen, cora<strong>da</strong>s com carmim-propiônico. O número<br />

somático foi 2n=2x=46 em C. parviflorum, confirmando o número básico do gênero x=23, e<br />

2n=2x=32 em V. bahiana, com cariótipo bimo<strong>da</strong>l e presença de 16 II. Galeandra sp. apresentou<br />

2n=4x-2=110, sugerindo a ocorrência de disploidia na evolução dessa espécie.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Número Básico; Número de Cromossomos; Cariótipo; Disploidia; Poliploidia.<br />

ABSTRACT:<br />

In this study there determined the chromosome number and ploidy level of Cyrtopodium<br />

parviflorum, Vanilla bahiana and Galeandra sp. and meiotic behavior of V. bahiana. Miotic<br />

metaphases were analyzed in meristematic tissue of the root tips stained following the Feulgen<br />

method. Pollen mother cells, were analysed with propionic carmine. The somatic number was<br />

2n=2x=46 in C. parviflorum, in accor<strong>da</strong>nce to the basic number x=23, and 2n-2x=32 in V. bahiana,<br />

with bimo<strong>da</strong>l karyotype and 16II. Galeandra sp. presented 2n=4x-2=110, suggesting the occurrence<br />

of dysploidy in the evolution of the species.<br />

93<br />

KEY WORDS: Basic Number; Chromosome Number; Karyotype; Displidy; Polyploidy.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A família Orchi<strong>da</strong>ceae representa cerca de 10% de to<strong>da</strong>s as espécies de<br />

Angiospermas, possuindo cerca de 19.500 espécies e 775 gêneros (JUDD et al., 1999). Na última<br />

grande revisão <strong>da</strong>s espécies brasileiras, PABST & DUNGS (1975, 1977), apontaram cerca de<br />

2.350 espécies e 191 gêneros para o Brasil. Atualmente, acredita-se que este número aproxima-se<br />

de 2.500 espécies (DRESSLER 1982). Trata-se de uma família altamente especializa<strong>da</strong>, considera<strong>da</strong>,<br />

por muitos botânicos, a mais diretamente deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Liliopsi<strong>da</strong>. Já foram descritas mais de<br />

25.000 espécies e produzidos outros tantos híbridos, através de cruzamentos entre formas espontâneas<br />

e cultiva<strong>da</strong>s. Sua distribuição é ampla, sendo considera<strong>da</strong> uma família tipicamente tropical,<br />

bastante variável, tanto do ponto de vista morfológico como <strong>da</strong>quele do número de cromossomos<br />

de suas espécies (BLUMENSCHEIN, 1957).<br />

*Acadêmica do Curso de Graduação em Ciências Biológicas <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>da</strong> Bahia, Instituto de Biologia, Departamento<br />

de Biologia Geral, Laboratório de Citogenética Vegetal – Bolsista PIBIC/CNPq.<br />

**Docente do Curso de Graduação em Medicina Veterinária <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>da</strong> Bahia, Instituto de Biologia, Departamento<br />

de Biologia Geral, Laboratório de Biologia Molecular. Pós-Doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas<br />

(ESALQ/USP-Piracicaba-SP).E-mail veiga@ufba.br<br />

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Análise Citogenética de Espécies de Orchi<strong>da</strong>ceae de Ocorrência nas Dunas do Abaeté<br />

Dezessete espécies, distribuí<strong>da</strong>s em doze gêneros, são encontra<strong>da</strong>s na Área de<br />

Proteção Ambiental <strong>da</strong>s Lagoas e Dunas do Abaeté (APA-Abaeté), Salvador/BA – Brasil:<br />

Brassavola ceboletta Rchb. f., Catasetum discolor Lindl., C. macrocarpum Kunth, Cyrtopodium<br />

paranaense Schltr., C. parviflorum Lindl., Cyrtopodium sp., Encyclia dichroma (Lindl.) Schltr.,<br />

Epidendrum cinnabarinum Salzm., E. huebneri Schltr., Epistephium lucidum Cogn., Eulophidium<br />

maculatum (Lindl.) Pitz, Galeandra montana Lindl., Liparis sp., Vanilla bahiana Hoehne, V.<br />

palmarum Lindl. e duas espécies ain<strong>da</strong> não identifica<strong>da</strong>s (BRITTO et al., 1993; Vieira, 1998).<br />

Muitas delas ain<strong>da</strong> não têm registro do número cromossômico.<br />

Apesar <strong>da</strong> existência de alguns estudos citogenéticos na família, o número básico<br />

de cromossomos ain<strong>da</strong> é incerto, dificultando tanto a estimativa do nível de ploidia, quanto estudos<br />

de evolução cariotípica (FÉLIX & GUERRA, 2000). Dentro deste contexto, o presente trabalho<br />

tem como objetivo analisar a mitose e a meiose <strong>da</strong>s espécies Cyrtopodium parviflorum, Vanilla<br />

bahiana e Galeandra sp., de ocorrência na APA-Abaeté, Salvador/BA - Brasil, contribuindo<br />

para o conhecimento citogenético <strong>da</strong>s orquidáceas, e embasando discussões para o estabelecimento<br />

do número básico nos gêneros e na família.<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

94<br />

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Os materiais utilizados nesse estudo, <strong>da</strong>s espécies C. parviflorum, V. bahiana e<br />

Galeandra sp. foram coletados na APA-Abaeté, localiza<strong>da</strong> ao Norte de Salvador, Bahia, Brasil, a<br />

38°21’ Oeste e 12°56’ Sul. As identificações dessas espécies foram basea<strong>da</strong>s em BRITTO et al.<br />

(1993). No caso de Galeandra sp., aparentemente só o gênero foi identificado, podendo ser<br />

Galeandra montana, uma espécie registra<strong>da</strong> na APA-ABAETÉ por VIEIRA (1998).<br />

Nas análises mitóticas, raízes com cerca de 3cm. de comprimento, <strong>da</strong>s três espécies,<br />

foram coleta<strong>da</strong>s e submeti<strong>da</strong>s ao pré-tratamento com 8-hidroxiquinoleína (0,002M) a 4°C<br />

durante 24 horas, sendo em segui<strong>da</strong>, fixa<strong>da</strong>s em solução de Carnoy (3 álcool etílico: 1 ácido acético)<br />

por 18-24 horas, manti<strong>da</strong>s em etanol 70% e estoca<strong>da</strong>s em refrigerador a 4ºC. Para a observação<br />

dos cromossomos mitóticos, procedeu-se à hidrólise em HCl 1N a 60ºC por 8 min, segundo o<br />

método de coloração de Feulgen. As lâminas foram prepara<strong>da</strong>s em carmim acético 1% e observa<strong>da</strong>s<br />

ao microscópio em segui<strong>da</strong>. Lâminas permanentes foram monta<strong>da</strong>s com Entelan. Um mínimo<br />

de 30 metáfases de ca<strong>da</strong> espécie foi analisado para a contagem cromossômica.<br />

Para os estudos meióticos, botões florais de V. bahiana foram fixados em Carnoy<br />

durante 24 horas e armazenados em etanol 70% em refrigerador a 4ºC. Os microsporócitos foram<br />

corados usando-se a metodologia convencional de coloração em carmim propiônico 2%. Nas análises<br />

meióticas de V. bahiana, um mínimo de 20 células no estágio de diacinese foram observa<strong>da</strong>s,<br />

considerando-se o pareamento dos cromossomos homólogos.<br />

As lâminas foram observa<strong>da</strong>s em microscópio Olympus BX 41, e fotografa<strong>da</strong>s<br />

utilizando-se filme preto-e-branco NEOPAN ASA 100.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Leila Patrício <strong>da</strong> Conceição e Luciana Veiga Barbosa<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

As análises mitóticas em C. parviflorum mostraram 2n=46 cromossomos (Figura<br />

1a) e em V. bahiana, 2n=32, com cariótipo tendendo à bimo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de (Figura 1b). Para a espécie<br />

Galeandra sp., foi determinado o número cromossômico 2n=110 (Figura 1c). Nas análises meióticas,<br />

foram observados 16 II para a espécie V. bahiana, confirmando o número diplóide 2n=32.<br />

Figura 1. Número de cromossomos mitóticos de Orchi<strong>da</strong>ceae. (a) Cyrtopodium<br />

parviflorum 2n = 46; (b) Vanilla bahiana 2n = 32; (c) Galeandra sp. 2n = 110.<br />

O sinal Barra nas imagens representa 10mm.<br />

Os números cromossômicos conhecidos na família Orchi<strong>da</strong>ceae mostram uma<br />

grande variação, estendendo-se entre os limites de 2n=12 em Psymorchis pusilla (FÉLIX & GUER-<br />

RA, 1999) a 2n@240 em Epidendrum cinnabarinum (GUERRA, 2000). DODSON (1957) considerava<br />

possível o número básico <strong>da</strong>s orquídeas n=5, mas a freqüente ocorrência de n=10 e n=20<br />

na família, sugere x=10 como o número básico mais provável. Já SINOTO (1962) admite, para a<br />

subtribo Oncidiinae, uma variação do número básico de x=5 e x=7. Já os gêneros Vanilla e<br />

Cyrtopodium são relativamente uniformes quanto ao número de cromossomos (Tabela 1). Segundo<br />

GUERRA (2000), o provável número básico de ca<strong>da</strong> gênero é identificado como o número<br />

haplóide que mais parcimoniosamente explica a variabili<strong>da</strong>de cromossômica estabeleci<strong>da</strong> no táxon.<br />

Assim é possível indicar o número que, mais provavelmente, representa o complemento haplóide<br />

original de ca<strong>da</strong> gênero.<br />

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Análise Citogenética de Espécies de Orchi<strong>da</strong>ceae de Ocorrência nas Dunas do Abaeté<br />

Tabela 1. Número de cromossomos de espécies dos gêneros Vanilla, Cyrtopodium e Galeandra<br />

(Orchi<strong>da</strong>ceae).<br />

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Leila Patrício <strong>da</strong> Conceição e Luciana Veiga Barbosa<br />

A espécie V. bahiana apresentou 2n=32 cromossomos, confirmado pelas análises<br />

meióticas, que evidenciaram a presença de 16 II. Esta espécie é endêmica <strong>da</strong>s Dunas do Abaeté,<br />

crescendo como epífita, tendo o primeiro registro cromossômico determinado no presente estudo.<br />

As espécies analisa<strong>da</strong>s no gênero Vanilla mostram uniformi<strong>da</strong>de de 2n=32 (Tabela 1), confirmando<br />

o número básico x=16 para o gênero, tratando-se, portanto, de espécie diplóide (TANAKA &<br />

KAMEMOTO, 1984). Entretanto, a espécie V. planifolia apresenta uma variação que reflete<br />

uma série aneuplóide n=13, 14, 15, 16 (Tabela 1). Nesta espécie, NAIR & RAVINDRAN (1994),<br />

observaram variação cromossômica de 2n=20 a 32 cromossomos. Nessas análises, o grande número<br />

de associações de cromossomos mitóticos observado reflete uma dinâmica de rearranjos<br />

cromossômicos que, possivelmente, resultaram na variação cromossômica registra<strong>da</strong>.<br />

O número cromossômico 2n=46 em C. parviflorum, determinado pela primeira<br />

vez, confirma o número básico do gênero, x=23 (FÉLIX & GUERRA 2000). Estes autores mostraram<br />

a ocorrência de uma variação aneuplóide decrescente de 2n=22 em Cyrtopodium eugenii e<br />

variação no nível de ploidia em Cyrtopodium blanchetii, um tetraplóide com 2n=92, os quais são<br />

morfologicamente distintos <strong>da</strong>s outras espécies de Cyrtopodium.<br />

Para Galeandra sp. foi estabelecido, pela primeira vez, 2n=110, não confirmando<br />

assim o número básico x=28 para o gênero (FÉLIX & GUERRA, 2000). Esses <strong>da</strong>dos sugerem que<br />

a espécie seja tetraplóide em sua origem, segui<strong>da</strong> <strong>da</strong> ocorrência <strong>da</strong> disploidia (2n=4x-2=110).<br />

CONCLUSÕES<br />

As espécies analisa<strong>da</strong>s mostraram números cromossômicos de 2n=2x=46 em C.<br />

parviflorum, confirmando o número básico do gênero x=23, e 2n=2x=32 em V. bahiana, com<br />

cariótipo bimo<strong>da</strong>l e presença de 16 II na meiose I. Galeandra sp. apresentou 2n=4x-2=110, sugerindo<br />

a ocorrência de disploidia na evolução dessa espécie.<br />

97<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e<br />

Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro e à Profª. Maria Lenise Silva Guedes, pela identificação<br />

<strong>da</strong>s espécies.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AOYAMA, M. Karyomorphological studies in Cymbidium and its allied genera, Orchi<strong>da</strong>ceae.<br />

Bulletin of the Hiroshima Botanical Garden, 11: 1-121, 1989.<br />

BLUMENSCHEIN, A. Estudos citológicos na família Orchi<strong>da</strong>ceae. Tese de Doutorado, Universi<strong>da</strong>de<br />

de São Paulo, Piracicaba, 1957.<br />

BRITTO, I. C.; QUEIROZ, L.C.; GUEDES, M.L.S.; OLIVEIRA, N. C. de; SILVA, L. B. Flora<br />

fanerogâmica <strong>da</strong>s dunas e lagoas do Abaeté, Salvador, Bahia. Sitientibus, 11: 31-46, 1993.<br />

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Análise Citogenética de Espécies de Orchi<strong>da</strong>ceae de Ocorrência nas Dunas do Abaeté<br />

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University Press, 1982.<br />

DODSON, C. H.. Chromosome number in Oncidium and allied genera. Am. Orchid Soc. Bull., 26:<br />

323-330, 1957.<br />

FÉLIX, L. P. ; GUERRA, M. Chromosome analysis in Psygmorchis pussilla (L.) Dodson &<br />

Dressler: the smallest chromosome number known in Orchi<strong>da</strong>ceae. Caryologia, 52: 165-168,<br />

1999.<br />

FÉLIX, L. P.; GUERRA, M. Cytogenetics and cytotaxonomy of some Brazilian species of<br />

Cymbidioid orchids. Genet Mol. Biol. 23: 957-978, 2000.<br />

GOLLDBLAT, P. (Ed.). Index to plant chromosome numbers 1975-1978. Missouri Botanical Garden,<br />

Saint Louis. 1981.<br />

GUERRA, M. Chromosome number variation and evolution in monocots. Iin: Wilson, K. L. and<br />

Morrison, D. A. (Eds.) Monocots II: Systematics and Evolution. Melbourne: CSIRO Publ., p.127-<br />

136, 2000.<br />

JUDD, W. S.; CAMPBELL, C. S.; KELLOGG, E. A.; STEVENS, P. F. Plant systematics: a<br />

phylogenetic approach. Sunderland: Sinauer Associates,1999.<br />

98<br />

NAIR, R. R.; RAVINDRAN, P. N. Somatic association of chromossomes and other mitotic<br />

abnormalities in Vanilla planifolia (Andrews). Caryologia, 47:65-73, 1994.<br />

PABST, G. F. J.; DUNGS, F. Orchi<strong>da</strong>ceae Brasilienses. Band I, Kurt Schmersow. Hildesheim,<br />

1975.<br />

PABST, G. F. J.; DUNGS, F. Orchi<strong>da</strong>ceae Brasilienses. Band II, Kurt Schmersow. Hildesheim,<br />

1977.<br />

SINOTO, Y. Chromosome numbers in Oncidium Alliance. Cytologia 27: 306-317, 1962.<br />

TANAKA, R. & KAMEMOTO, H. Chromosomes in orchids: counting and numbers. In: Arditti, J.<br />

(Ed.) Orchid Biology: Reviews and Perspectives III. Cornell University Press, Ithaca. p.324-410,<br />

1984.<br />

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Federal <strong>da</strong> Bahia, p.73, 1998.<br />

VIJAYAKUMAR, N. & D. SUBRAMANIAN. Karyomorphological studies of Orchi<strong>da</strong>ceae from<br />

Tamilnadu. Cell and Chromosome Resea, 1994.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Ana Paula Marcolini Geraix, Giselle Furtado de Campos e Rosangela Galindo de Campos<br />

CATETER VENOSO TOTALMENTE IMPLANTÁVEL<br />

TOTALLY IMPLANTABLE VENOSE CATHETER<br />

Ana Paula Marcolini Geraix*<br />

Giselle Furtado de Campos*<br />

Rosangela Galindo de Campos**<br />

RESUMO:<br />

A busca do cateter ideal é contínua. Este deve apresentar: longa permanência, baixa complicação,<br />

acesso à circulação com mínimo risco durante inserção e remoção, fácil manutenção, baixo custo<br />

e aceitação por parte do paciente, além de oferecer um razoável conforto. O presente estudo<br />

analisa a literatura científica sobre cateteres totalmente implantáveis. Foram examinados oito<br />

artigos que abor<strong>da</strong>ram o tema “cateter totalmente implantável em pacientes oncológicos”, publicados<br />

em periódicos nacionais e internacionais, de janeiro de 1986 a janeiro de 2005, e indexados nas<br />

bases de <strong>da</strong>dos: Lilacs, Scielo, e Bdenf. Vários estudos têm destacado as vantagens do uso dos<br />

cateteres totalmente implantáveis, salientando as baixas taxas de complicação, a segurança, e a<br />

conveniência do uso dos acessos totalmente implantáveis em paciente sob regime prolongado de<br />

quimioterapia. Concluímos então que o número de complicações observa<strong>da</strong>s é baixo em face <strong>da</strong>s<br />

grandes vantagens que o uso dos cateteres propicia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Cateter; Cateter Implantável; Pacientes Oncológicos.<br />

ABSTRACT:<br />

The search for the ideal catheter is continuous. It should provide long stay, low complication,<br />

access to the circulation with minimum risk during insertion and removal, easy maintenance, low<br />

cost and the patient’s acceptance. It should also be presented with comfort and aesthetics. This<br />

study analyzes the scientific studies about the totally implanted catheter system. The sample was<br />

composed of eight articles approaching the subject ‘totally implanted catheter system’ in oncology<br />

patients, published in national and international journals from 1986 to January of 2005, and indexed<br />

in the <strong>da</strong>tabases: Lilacs, Scielo, and Bdenf. Several studies highlited the advantages of the use of<br />

the totally implanted catheters pointing out its low rate of complication, its safety and convenience<br />

of accessibility in patient with lingering regime of chemotherapy. We concluded that the number of<br />

complications observed is low in comparison to the great advantages that the use of the catheters<br />

present.<br />

99<br />

KEY WORDS: Catheter, Implanted Catheter, Oncology Patients<br />

INTRODUÇÃO<br />

A luta contra o câncer tem avançado com vitórias relevantes. Entretanto, esta é<br />

uma <strong>da</strong>s doenças mais complexas com as quais a medicina já se deparou; é a segun<strong>da</strong> causa de<br />

morte do Brasil.<br />

O tratamento de suporte ao paciente com câncer evoluiu muito nos últimos anos,<br />

* Gradua<strong>da</strong>s em Enfemagem pela <strong>UniFil</strong>. Discentes do Curso de Pós-Graduação em Assistência Multiprofissional a Pacientes<br />

com Agravos Crônicos: Neoplasia, Insufiência Renal, Diabetes e Hipertensão.<br />

**Mestre em Enfermagem Fun<strong>da</strong>mental pela EERP-USP. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Assistência<br />

Multiprofissional a Pacientes com Agravos Crônicos: Neoplasia, Insufiência Renal, Diabetes e Hipertensão. Docente de<br />

Graduação do Curso de Enfermagem <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.E-mail r.galindo@sercomtel.combr<br />

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sendo o acesso venoso um tópico desafiador. A busca do cateter ideal é contínua; este deve prover<br />

longa permanência, baixa complicação, acesso à circulação com mínimo risco durante inserção e<br />

remoção, fácil manutenção, baixo custo e aceitação por parte do paciente.<br />

Os cateteres são instrumentos cirúrgicos tubulares que funcionam como son<strong>da</strong> e<br />

permitem a introdução de medicamentos num vaso sangüíneo sem que seja necessário puncionar<br />

as veias a to<strong>da</strong> hora (SILVA, 2003).<br />

Os acessos vasculares centrais, nas ultimas déca<strong>da</strong>s, têm sido responsáveis por<br />

salvar e prolongar a vi<strong>da</strong> de muitos pacientes. Transplante de medula óssea, quimioterapia, nutrição<br />

parenteral total e hemodiálise, são exemplos de situações que deman<strong>da</strong>m um acesso venoso central<br />

durante longos períodos. Além destas indicações, incluem-se hoje as transfusões sangüíneas e<br />

as terapias endovenosas. PINTO & ALTOÉ (2003).<br />

Nos últimos anos têm sido estu<strong>da</strong>dos e desenvolvidos vários tipos de cateteres<br />

venosos de longa permanência para a infusão de agentes quimioterápicos, com os objetivos de<br />

facilitar o manuseio do paciente oncológico, melhorar sua performance clínica e reduzir as complicações.<br />

Há, atualmente, duas grandes categorias de acesso venoso central de longa duração:<br />

cateteres transcutâneos parcialmente implantáveis, exemplificados pelo modelo de Broviac-Hickman,<br />

e cateteres totalmente implantáveis, descritos pela primeira vez em 1982.<br />

Com desenvolvimento a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 e a utilização clínica introduzi<strong>da</strong><br />

por Broviac em 1973, os sistemas implantáveis, hoje, são rotina em todos os serviços de câncer do<br />

mundo PINTO & ALTOÉ (2003).<br />

Quando o tratamento quimioterápico não inclui drogas vesicantes nem prevê um<br />

longo período de tratamento, o acesso venoso periférico é bastante adequado e seguro. Em tratamentos<br />

com duração superior a seis meses, há exaustão <strong>da</strong> rede venosa periférica, dificultando o<br />

tratamento e exigindo o uso de acessos centrais. Quando o tratamento tiver duração p<strong>revista</strong> para<br />

mais de seis meses, é aconselhável utilizar o sistema implantável desde o início.<br />

A manutenção adequa<strong>da</strong> dos acessos venosos no tratamento quimioterápico é<br />

quase tão importante quanto o próprio tratamento. Os cui<strong>da</strong>dos necessários à manutenção dos<br />

acessos são relativamente simples mas as complicações decorrentes do extravasamento<br />

quimioterápico podem ser severas, a ponto de comprometer todo o tratamento.<br />

A grande vantagem do sistema implantável sobre os acessos periféricos é a comodi<strong>da</strong>de<br />

no tratamento e a segurança no manuseio dos acessos venosos. O quase total desaparecimento<br />

dos extravasamentos e dos atrasos de infusões, a comodi<strong>da</strong>de do uso de bombas de infusão<br />

e coleta de sangue e a diminuição do estresse do paciente, são também importantes fatores. A<br />

escolha do sistema mais adequado para ca<strong>da</strong> paciente é decisiva no sucesso do tratamento.<br />

Além do conforto para o paciente, os cateteres tornam a quimioterapia mais eficiente,<br />

pois não é preciso interromper a administração dos medicamentos em função de problemas<br />

com veias perdi<strong>da</strong>s ou prejudica<strong>da</strong>s pelas constantes perfurações.<br />

Uma vez introduzido no vaso, o cateter evita o processo doloroso que fere as veias<br />

e pode causar flebites e até tromboses. Alguns quimioterápicos são muito irritativos quando extravasam<br />

<strong>da</strong>s veias e atingem tecidos vizinhos. Todo esse sofrimento, hoje praticamente evitável com<br />

a implantação de cateteres, fez, no passado, muitos pacientes abandonarem o tratamento e se<br />

entregarem à doença SILVA (2003).<br />

Por ser o câncer uma patologia de grande impacto na vi<strong>da</strong> e sobrevi<strong>da</strong> dos pacien-<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Ana Paula Marcolini Geraix, Giselle Furtado de Campos e Rosangela Galindo de Campos<br />

tes, e pela agressivi<strong>da</strong>de do tratamento a ele agregado, a preservação de uma via de acesso para<br />

manutenção do tratamento se faz imprescindível. A busca de um cateter que possibilite a satisfatória<br />

manutenção <strong>da</strong> terapêutica medicamentosa, e a identificação de suas vantagens e formas de manuseio,<br />

consistem no objetivo deste estudo.<br />

Para tanto, ele objetiva identificar, na literatura nacional, a produção científica<br />

sobre “cateter totalmente implantável”, sua aplicabili<strong>da</strong>de, e os cui<strong>da</strong>dos pertinentes.<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

Foi elabora<strong>da</strong> uma pesquisa bibliográfica retrospectiva, de natureza descritiva, com<br />

abor<strong>da</strong>gem quanti-qualitativa, enfatizando a importância do tema “cateter totalmente implantável<br />

em pacientes oncológicos”.<br />

Escolhemos a técnica <strong>da</strong> revisão integrativa, na qual se resume o que já foi publicado<br />

sobre um tema, e assim se obtém uma visão geral a partir de muitos autores especialistas.<br />

Uma revisão integrativa deve ser rigorosa e sistemática, discutir os métodos e<br />

estratégias utilizados, avaliar as fontes e sintetizar os resultados. O presente trabalho foi desenvolvido<br />

conforme os pressupostos de GANONG (1987), cumprindo as seis etapas que ele propõe para<br />

se obter os mesmos níveis de clareza, rigor e replicação <strong>da</strong>s pesquisas anteriores.<br />

A amostra foi composta por todos os artigos encontrados que abor<strong>da</strong>ram o tema<br />

“cateter totalmente implantável em pacientes oncológicos”, publicados em periódicos nacionais e<br />

internacionais, de 1986 a janeiro de 2005, e indexados nas bases de <strong>da</strong>dos: Lilacs, Scielo, Bdenf.<br />

Ao final, ficou constituí<strong>da</strong> por sete artigos que preenchiam os seguintes<br />

critérios de inclusão:<br />

101<br />

• Periódicos nacionais, publicados em português, e inglês, de 1997 a Janeiro<br />

de 2005;<br />

• Indexados pelos descritores: cateter totalmente implantável; câncer.<br />

• Critérios de exclusão: dissertações, teses, artigos com mais de 10 anos de<br />

desde a publicação.<br />

A análise dos <strong>da</strong>dos envolveu duas etapas. Na primeira, foi feita a análise referente<br />

aos <strong>da</strong>dos de identificação do autor, ano de publicação e localização do artigo, sendo os<br />

<strong>da</strong>dos agrupados em um banco e realiza<strong>da</strong> análise estatística simples. Na etapa seguinte, foi<br />

feita a análise de conteúdo dos artigos, em relação a seus objetivos, método empregado, e suas<br />

características.<br />

Para a coleta de <strong>da</strong>dos foi montado um instrumento específico, composto por três<br />

partes: <strong>da</strong>dos referentes ao pesquisador (número de autores e titulação, profissão, local de atuação<br />

e país de origem); identificação do periódico (nome, ano de publicação, idioma e país de origem);<br />

<strong>da</strong>dos referentes à pesquisa (título, ano de publicação, método utilizado, objetivos, população/amostra,<br />

aspectos abor<strong>da</strong>dos).<br />

Os artigos que preenchiam os critérios de inclusão e não estavam disponíveis,<br />

foram solicitados através do Sistema COMUT.<br />

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Cateter Venoso Totalmente Implantável<br />

Os autores analisados estarão evidenciados em negrito para diferenciar de outros<br />

autores que foram apenas consultados.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

102<br />

Os resultados são apresentados em relação ao periódico, ao pesquisador e à pesquisa,<br />

de acordo com os itens definidos nos objetivos propostos para o estudo.<br />

Foram encontra<strong>da</strong>s 18 pesquisas através do cruzamento dos descritores propostos,<br />

sendo o Lilacs a base de <strong>da</strong>dos que apresentou o maior número de artigos (13 ou 72,2%).<br />

Somente oito artigos (44,4%) atenderam aos critérios de inclusão e, destes, quatro<br />

foram excluídos por aparecerem repetidos em mais de uma base de <strong>da</strong>dos.<br />

Em relação ao idioma em que os artigos foram publicados, dois estavam em inglês<br />

e os demais em português. Todos os autores são brasileiros.<br />

Os artigos que compuseram a amostra estavam publicados em oito periódicos,<br />

com predomínio <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Acta Oncológica Brasileira (25%).<br />

Em relação à formação profissional do primeiro autor, todos são médicos. Nos<br />

estudos analisados, tais médicos salientam a importância dos enfermeiros em relação ao conhecimento<br />

e domínio dos cateteres, visto serem eles a categoria profissional que mais manipula e<br />

identifica as alterações.<br />

Quanto à titulação dos autores, observou-se um predomínio de especialistas, oito<br />

ou (87,5%); apenas um artigo (12,5%) apresentou o primeiro autor como doutor.<br />

O hospital é o local onde o maior número de autores trabalha: quatro (50%); facul<strong>da</strong>des,<br />

três (37,5%); e Secretarias de Saúde, um (12,5%).<br />

Em relação ao design, observamos que, dos oito artigos, todos têm caráter não<br />

experimental; a predominância foi do modelo descritivo retrospectivo, três (37,5%), um (12,5%)<br />

descritivo, um (12,5%) descritivo exploratório, dois (25%) retrospectivo, e um (12,5%) prospectivo.<br />

As categorias de análise emergiram <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> orientadora deste trabalho<br />

no ensino e na assistência aos pacientes com câncer, e <strong>da</strong>s publicações referentes ao cateter<br />

totalmente implantável.<br />

São elas:<br />

• Conceituação e tipos de cateter totalmente implantado;<br />

• Técnicas para colocação de cateter totalmente implantável;<br />

• Vantagens na utilização de cateter totalmente implantável;<br />

• Complicações precoces e tardias.<br />

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Analisado-se as Categorias Temáticas presentes nos artigos, observa-se que 50%<br />

<strong>da</strong>s pesquisas apresentam conceituações e tipos de cateter totalmente implantado, 25% descrevem<br />

técnicas para colocação de cateter totalmente implantável, 100% apresentam vantagens na<br />

utilização de cateteres totalmente implantáveis e 62,5% relatam complicações precoces e tardias.<br />

As categorias temáticas emergiram a partir <strong>da</strong> leitura dos artigos que compõem a<br />

amostra, bem como de artigos pertinentes à temática.<br />

Está apresenta<strong>da</strong> a seguir a análise dos artigos em ca<strong>da</strong> categoria temática.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Ana Paula Marcolini Geraix, Giselle Furtado de Campos e Rosangela Galindo de Campos<br />

Conceituação e Tipos de Cateter Totalmente Implantável<br />

É importante conhecer as alternativas de acessos venosos para quimioterapia que<br />

proporcionem mais conforto e segurança ao paciente oncológico que se submeterá a tratamento<br />

prolongado.<br />

Há disponíveis, basicamente, dois tipos de cateteres de longa permanência: os<br />

cateteres do tipo externo, ou semi-implantáveis e os cateteres totalmente implantáveis. Estes, também<br />

conhecidos como “PORTS” são constituídos por um reservatório de plástico ou titânio, com<br />

um diafragma em sua porção central e um cateter de silicone, sendo biologicamente compatíveis,<br />

com baixa trombogenici<strong>da</strong>de, alta durabili<strong>da</strong>de e produzindo mínima distorção em exames de imagem<br />

PINTO (1997).<br />

Há duas categorias de acesso venoso central de longa duração: cateteres<br />

transcutâneos, parcialmente implantáveis, exemplificados pelo modelo de Broviac-Hickman e cateteres<br />

totalmente implantáveis, descritos em 1982 (CARVALHO,1999; MARCONDES, 2000).<br />

TEIXEIRA (2001) salienta que, o Port-a-cath consiste em um reservatório subcutâneo,<br />

geralmente implantado na região infraclavicular, conectado a um cateter inserido no sistema<br />

venoso e com sua ponta localiza<strong>da</strong> na junção <strong>da</strong> veia cava superior com o átrio direito.<br />

Os cateteres totalmente implantáveis são compostos por um tubo de silicone cuja<br />

extremi<strong>da</strong>de distal deve estar posiciona<strong>da</strong> na junção <strong>da</strong> veia cava superior com o átrio direito, e a<br />

proximal conecta<strong>da</strong> a um reservatório inserido em tecido subcutâneo, na maior parte <strong>da</strong>s vezes na<br />

parede anterior do tórax (NISHINARI, 2003).<br />

Técnicas para Colocação de Cateter totalmente Implantável<br />

Três artigos abor<strong>da</strong>m alternativas técnicas para a colocação de cateter totalmente<br />

implantável e as descrevem.<br />

Técnica de colocação de cateter totalmente implantável por punção <strong>da</strong> veia subclávia<br />

em incisão única.<br />

A técnica desenvolvi<strong>da</strong> pelo Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa<br />

Rita mostra-se simples, rápi<strong>da</strong> e de fácil compreensão, apresentando um risco de complicações<br />

conhecido e proporcionando uma ótima via de acesso ao sistema venoso central, preservando tanto<br />

a rede venosa periférica quanto a profun<strong>da</strong>. Deve ser divulga<strong>da</strong> e entendi<strong>da</strong> como uma alternativa<br />

váli<strong>da</strong> e disponível entre as técnicas já existentes e consagra<strong>da</strong>s para a implantação dos cateteres,<br />

ressaltando-se a importância do profissional estar qualificado para executá-la.<br />

Segundo PINTO (1997), a técnica ideal para a colocação de cateter totalmente<br />

implantável para quimioterapia é aquela que apresenta maior conforto para o doente, maior pratici<strong>da</strong>de<br />

do procedimento, maior facili<strong>da</strong>de de ensinamento, menor índice de complicações, e menor custo<br />

operacional, oferecendo uma adequa<strong>da</strong> via de acesso ao sistema venoso central, bem como preservando<br />

a rede venosa superficial e profun<strong>da</strong>.<br />

A primeira via é a veia jugular externa, quando não é possível dissecá-la, prolongase<br />

a incisão medialmente e então é disseca<strong>da</strong> a veia jugular interna BRANDÃO (2000). Com o<br />

objetivo de evitar complicações maiores ou menores associa<strong>da</strong>s à subclávia e à jugular interna,<br />

alguns autores descrevem um método simples, fácil e seguro para o acesso venosos central através<br />

de dissecção <strong>da</strong> veia jugular externa GODOY (2005).<br />

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Cateter Venoso Totalmente Implantável<br />

Vantagens <strong>da</strong> Implantação de Cateter Totalmente Implantável<br />

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Os cateteres totalmente implantáveis, além de oferecerem uma maior conforto,<br />

tanto funcional como estético ao paciente, apresentam menor índice de infecção quando comparados<br />

a outros cateteres disponíveis; portanto, parecendo ser ideais para os pacientes que requerem<br />

uso de quimioterapia sistêmica intermitente e prolonga<strong>da</strong>.<br />

Nos últimos anos tem sido conjecturados e desenvolvidos vários tipos de cateteres<br />

venosos de longa permanência para infusão de agentes quimioterápicos, com os objetivos de facilitar<br />

o manuseio do paciente oncológico, melhorar sua performance clínica e reduzir as complicações<br />

(PINTO, 1997).<br />

Abor<strong>da</strong>gens ca<strong>da</strong> vez mais agressivas no tratamento de pacientes candi<strong>da</strong>tos ao<br />

transplante de medula óssea, quimioterapia, nutrição parenteral total e hemodiálise, exigem o Acesso<br />

Venoso Central de Longa Duração (AVCLD) com intuito de oferecer maior segurança e comodi<strong>da</strong>de.<br />

Cateteres de duplo lúmen, tipo Broviac-Hickman, são, tecnicamente, de fácil implante<br />

e manuseio, mas exigem muitos cui<strong>da</strong>dos e são desconfortáveis para o paciente. O fato de<br />

não possuírem agulhas, trazem maior segurança aos profissionais de saúde que os manipulam<br />

(risco de acidentes) e melhor aceitação para uso pediátrico, visto que, muitas vezes, a criança não<br />

é colaborativa durante a manipulação. Os cateteres totalmente implantáveis, quando não estão<br />

sendo utilizados, dispensam maiores cui<strong>da</strong>dos por parte dos pacientes e são discretos.<br />

A duração do implante nos casos analisados variou entre sete (7) e mil e duzentos<br />

(1.200) dias. A duração média foi de trezentos e setenta e um (371) dias para o cateter de Borviac-<br />

Hickman e trezentos e noventa e cinco (395) para o cateter totalmente implantável considerandose<br />

a ocasião <strong>da</strong> retira<strong>da</strong>, ou seja, excluindo-se os casos de complicações.<br />

As indicações para implante deste tipo cateter são claras na literatura, destacando-se<br />

a necessi<strong>da</strong>de de AVCLD para infundir quimioterápicos, sangue e derivados em cateteres de<br />

duplo lúmen (CARVALHO, 1999).<br />

O cateter totalmente implantável apresenta as seguintes vantagens: o sistema é<br />

totalmente subcutâneo, reduzindo o risco de infecções; preserva o sistema venoso periférico; minimiza<br />

o risco de trombose; fácil punção; permite o tratamento ambulatorial; não altera as imagens radiológicas;<br />

é radiopaco; não interfere nas ativi<strong>da</strong>des diárias do paciente; e é estético. Em seis meses<br />

de uso seus custos se equiparam aos de outros tipos de cateter; e após esse período torna-se mais<br />

eficaz. Não apresenta os riscos de complicações mecânicas <strong>da</strong>s punções repeti<strong>da</strong>s do sistema<br />

venoso central e o material é biocompatível. É uma via de acesso vascular segura e permanente ao<br />

longo de anos, quando a manipulação é realiza<strong>da</strong> por profissionais treinados.<br />

O tempo médio de permanência foi de 382 dias, variando de 5 a 2.897, totalizando<br />

106.457 dias.<br />

Foram critérios para implante: diagnóstico histopatológico de câncer; expectativa<br />

de vi<strong>da</strong> maior que 3 meses; programa de quimioterapia de longo prazo; e ausência de infecção<br />

(BRANDÃO, 2000).<br />

As indicações são as mais varia<strong>da</strong>s, desde hemodiálise, nutrição parenteral, até<br />

quimioterapia, transplante de medula óssea e terapia endovenosa. Muitos desses tratamentos são<br />

prolongados e, para tanto, são necessários cateteres venosos centrais de longa duração.<br />

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Ana Paula Marcolini Geraix, Giselle Furtado de Campos e Rosangela Galindo de Campos<br />

A duração dos implantes variou entre treze e 1.048 dias. A duração média foi de 69<br />

dias para o cateter de Broviac-Hickman e 568 para o cateter totalmente implantável, considerando<br />

a retira<strong>da</strong> eletiva, ou seja, excluindo-se as retira<strong>da</strong>s por complicações (MARCONDES, 2000).<br />

Segundo TEIXEIRA (2001), a utilização do cateter venoso totalmente implantável<br />

resolve uma série de dificul<strong>da</strong>des no cui<strong>da</strong>do de pacientes oncológicos, principalmente a prevenção<br />

de acidentes com extravasamento de quimioterápicos e a preservação de veias periféricas<br />

para colheita de sangue para exames laboratoriais, sem nenhum desconforto e por um tempo<br />

prolongado.<br />

A indicação principal para a implantação foi à necessi<strong>da</strong>de de quimioterapia de<br />

longa duração.<br />

O tempo médio de utilização foi 316 dias.<br />

Conforme NISHINARI (2003), os cateteres totalmente implantáveis proporcionam<br />

menores taxas de infecção e nenhuma restrição às ativi<strong>da</strong>des físicas dos pacientes. Em seu<br />

estudo, dos 430 cateteres implantados, o tempo total de uso foi de 124.641 dias com variação de 2<br />

a 1.356 dias, com uma mediana de 182 dias e média de 290 dias.<br />

Os cateteres venosos de longa permanência têm sido usados com maior freqüência<br />

pelo pacientes portadores de câncer, no intuito de melhorar a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e do tratamento<br />

(PRACCHIA, 2004), podendo ser usados para transplante de medula óssea, nutrição parenteral ou<br />

administração de agentes quimioterápicos (GODOY, 2005).<br />

Complicações Precoces e Tardias<br />

Dentre as complicações imediatas pós-implantes foram considerados os problemas<br />

decorrentes <strong>da</strong> técnica utiliza<strong>da</strong>: pneumotórax, hemorragias, punção arterial, trombose e mau<br />

posicionamento do cateter. Em relação às complicações tardias, foram incluídos os problemas de<br />

infecção, oclusão, embolia e trombose. Foi avalia<strong>da</strong> também a mortali<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong> ao uso de<br />

acesso venoso central de longa duração, relaciona<strong>da</strong> a complicações técnicas ou sepse, devi<strong>da</strong>s<br />

ao cateter.<br />

As complicações imediatas, relaciona<strong>da</strong>s ao procedimento, ocorreram em 3,2%<br />

dos implantes. A freqüência de complicações imediatas, observa<strong>da</strong>s neste levantamento, foi semelhante<br />

à encontra<strong>da</strong> por Hickman.<br />

Dentre as complicações tardias observa<strong>da</strong>s, infecção e oclusão do cateter foram<br />

as mais freqüentes.<br />

A incidência de per<strong>da</strong> do cateter por oclusão <strong>completa</strong> foi alta. Entretanto, com a<br />

melhora <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> equipe e, principalmente, com os cui<strong>da</strong>dos pós-implante, houve uma<br />

grande redução deste tipo de complicação (CARVALHO, 1999).<br />

Arritmia cardíaca é a mais freqüente de to<strong>da</strong>s as complicações associa<strong>da</strong>s à instalação<br />

de cateteres. Infecção causa<strong>da</strong> pelo cateter é a mais séria complicação, devendo ser reconheci<strong>da</strong><br />

precocemente, com acura<strong>da</strong> observação clínica, métodos diagnósticos rápidos e tratamento.<br />

Nos casos de obstrução, a rapidez no diagnóstico e tratamento é fun<strong>da</strong>mental para maximizar a<br />

possibili<strong>da</strong>de de restaurar a função do cateter, aumentar o seu tempo de uso e diminuir as conseqüências<br />

de uma possível trombose.<br />

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Ocorreram 27 episódios de hematoma, sendo que em dois foi necessária a reexploração<br />

cirúrgica para controle do vaso sangrante, e 25 casos de hematomas pequenos tratados<br />

com conduta conservadora. Todos os pacientes que apresentaram hematoma eram leucêmicos.<br />

Trombose <strong>da</strong> veia jugular interna ocorreu em três casos.<br />

Em um caso ocorreu lesão do septo de silicone devido à manipulação por profissional<br />

não qualificado (BRANDÃO, 2000).<br />

Das complicações imediatas, relaciona<strong>da</strong>s à técnica, houve apenas um sangramento<br />

no local <strong>da</strong> punção, sem maiores repercussões. Foram observa<strong>da</strong>s as seguintes complicações<br />

tardias: oclusão em 8 casos (11,6%); 29 (44%) infecções provoca<strong>da</strong>s pelo cateter, sendo que<br />

destes 21 (56,75%) foram em cateter parcialmente implantável e 8 (27,6%) em cateter totalmente<br />

implantável. O germe mais comum foi o staphilococus em 18 casos de infecções <strong>da</strong> feri<strong>da</strong> cirúrgica.<br />

Também foram registrados: 3 hematomas, que surgiram em média no sexto dia de pós-operatório;<br />

1 extravasamento para o subcutâneo; 1 cateter que saiu de sua posição, dificultando o<br />

posicionamento; e 1 deiscência de sutura (MARCONDES, 2000).<br />

Entre as complicações relaciona<strong>da</strong>s à instalação do sistema, observou-se que cinco<br />

de seis casos ocorreram entre 30 e 35 dias após o procedimento. Em alguns deles, observou-se<br />

uma hiperemia na região do reservatório que não se resolveu, até evoluir para exteriorização. Esse<br />

fato poderia estar relacionado com alguma reação tardia do tipo corpo estranho, pois uma infecção<br />

primariamente devi<strong>da</strong> a contaminação exógena deveria ter se manifestado mais próximo <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta<br />

<strong>da</strong> inserção, e não 30 dias após.<br />

As complicações durante a utilização do sistema foram poucas (11 casos) e, atualmente,<br />

tendem a se estabilizar, talvez refletindo uma maior experiência adquiri<strong>da</strong>. Os casos de<br />

extravasamentos (cinco) ocorreram mais precocemente, enquanto as obstruções (dois casos) tenderam<br />

a ocorrer mais tardiamente. A ocorrência de infecção (quatro casos) distribuiu-se mais<br />

uniformemente durante o tempo de ação (TEIXEIRA, 2001).<br />

Nas complicações precoces, observou-se: 11 hematomas de trajeto; 6 pacientes<br />

com flebite de coto distal <strong>da</strong> veia jugular externa; um caso de infecção de bolsa subcutânea com<br />

manifestações infecciosas sistêmicas, tendo sido retirado o cateter após 11 dias <strong>da</strong> introdução. Foi<br />

observa<strong>da</strong> arritmia cardíaca após a colocação do fio guia em 10 dos 67 procedimentos realizados<br />

pela técnica de punção. As complicações tardias ocorreram em 61 dos 430 cateteres implantados<br />

(14,1%). Em três pacientes observou-se mais de uma complicação durante o seguimento do mesmo<br />

cateter; um deles com infecção e trombose venosa e dois com infecção e oclusão. As complicações<br />

infecciosas ocorreram em 38 dos cateteres (8,8%). As complicações não infecciosas ocorreram<br />

em 23 casos. Em 10 deles houve obstrução do cateter. Em 13 casos houve Trombose<br />

Venosa Profun<strong>da</strong> (TVP) (NISHINARI, 2003).<br />

CONCLUSÕES<br />

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Não existe um procedimento ideal para todos os pacientes, sendo necessário adequar<br />

as diversas técnicas às diferentes situações vivencia<strong>da</strong>s pelo paciente oncológico. A técnica<br />

desenvolvi<strong>da</strong> pelo Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Santa Rita de Porto Alegre mostrase<br />

simples, rápi<strong>da</strong> e de fácil compreensão, apresentando um risco de complicações conhecido e<br />

sendo uma ótima via de acesso ao sistema venoso central, preservando tanto a rede venosa perifé-<br />

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Ana Paula Marcolini Geraix, Giselle Furtado de Campos e Rosangela Galindo de Campos<br />

rica quanto a profun<strong>da</strong>, devendo então ser divulga<strong>da</strong> e entendi<strong>da</strong> como uma alternativa váli<strong>da</strong> e<br />

disponível entre as técnicas já existentes e consagra<strong>da</strong>s para implantação destes cateteres, ressaltando<br />

também a importância do profissional estar qualificado para executá-la (PINTO, 1997).<br />

Os acessos venosos centrais de longa duração estão sendo ca<strong>da</strong> vez mais solicitados,<br />

acompanhando os avanços <strong>da</strong> oncologia e nutrição parenteral prolonga<strong>da</strong>, constituindo-se em<br />

um procedimento relativamente seguro com um mínimo de complicações graves.<br />

A análise dos relatos aponta que a manutenção adequa<strong>da</strong> por longo prazo, depende,<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente, de cui<strong>da</strong>dos multiprofissionais (CARVALHO, 1999).<br />

A interação entre as equipes multidisciplinares é essencial para a utilização de<br />

cateteres de longa duração. O alto índice de infecção tardia, observado nesta casuística, reforça a<br />

necessi<strong>da</strong>de de maiores cui<strong>da</strong>dos de assepsia quando <strong>da</strong> manipulação dos cateteres por parte <strong>da</strong><br />

equipe médica, paramédica e do próprio paciente. (MARCONDES, 2000).<br />

Segundo BRANDÃO (2000), o manuseio dos cateteres deve ser realizado por<br />

profissionais treinados, através de um programa de educação, tanto deles como dos pacientes, para<br />

se obter maior durabili<strong>da</strong>de e menor índice de complicações.<br />

Existindo uma equipe treina<strong>da</strong> e experiente na instalação e utilização desses sistemas,<br />

o cateter venoso totalmente implantável torna-se um procedimento com relativo baixo índice<br />

de complicações, ratificando a sua importância no manejo de mulheres com câncer e justificando o<br />

investimento realizado (TEIXEIRA, 2001).<br />

A análise dos estudos destaca a aplicabili<strong>da</strong>de dos cateteres totalmente implantáveis,<br />

e suas vantagens na quali<strong>da</strong>de de sobrevi<strong>da</strong> dos pacientes com patologias crônicas, como o câncer,<br />

salientando também as baixas taxas de complicação, a segurança e conveniência do uso dos acessos<br />

totalmente implantáveis em pacientes em regime prolongado de quimioterapia. O risco de<br />

infecção é menor nos dispositivos totalmente implantáveis do que nos parcialmente.<br />

107<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRANDÃO, M. A. et al. Cateter venoso totalmente implantável em 278 pacientes oncológicos.<br />

Revista Brasileira de Cancerologia, v.46, n.1, p.49-56, jan.–mar., 2000.<br />

CARVALHO R. M. et al. Acesso venoso central de longa duração. Experiência com 79 cateteres<br />

em 66 pacientes. Medicina Ribeirão Preto, v.32, p.97-101, jan.-mar., 1999.<br />

GANONG, L. H. Integrative reviews of nursing research. Research in Nursing and Health,<br />

v.10, p.11, 1987.<br />

GODOY J. L. et al. Central venous access through the external jugular vein in children submitted<br />

to bone marrow transplantation. Brazilian Archives of Biology and Tchenology, v.48, n.1, p.41-<br />

44, jan., 2005.<br />

MARCONDES C. R. R. et al. Complicações precoces e tardias em acesso venoso central. Análise<br />

de 66 implantes. Acta Cirúrgica Brasileira, v.15, n.2, p.73-75, 2000.<br />

NISHINARI K. et al. Cateter venoso totalmente implantável para quimioterapia: experiências<br />

com 415 pacientes. Acta Oncológica Brasileira, v.23, n.2, 2003.<br />

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Cateter Venoso Totalmente Implantável<br />

PINTO, C. F.; ALTOÉ, L. M. Cateter venoso central semi-implantável de baixo custo no tratamento<br />

quimioterápico. Prática Hospitalar, Ano V, n.30, nov.-dez. 2003.<br />

PINTO R. D. et al. Alternativa técnica para a colocação de cateter totalmente implantável para<br />

quimioterapia. Acta Oncológica Brasileira, v.17, n.1, p.33-36, 1997.<br />

PRACCHIA L. F. et al. Comparison of catheter-related infection risk in two different long-term<br />

venous devices in adult hematology-oncology patients. Revista do Hospital <strong>da</strong>s Clínicas, v.59,<br />

n.5, p. 291-295, 2004.<br />

TEIXEIRA J. C. et al. Avaliação <strong>da</strong> instalação e <strong>da</strong> utilização de sistemas para acesso venoso<br />

central totalmente implantável em mulheres com câncer. Revista Brasileira de Mastologia, v.11,<br />

n.4, p.132-136, 2001.<br />

WILSON, S. E. Vascular access principles and pratice. 3.ed. Mosby (Missouri-USA), 1996.<br />

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Anexo A<br />

FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS BIBLIOGRÁFICOS<br />

1. Dados referentes ao pesquisador:<br />

Autor:<br />

Nome:<br />

Profissão:<br />

Titulação:<br />

( ) Enfermeiro<br />

( ) Médico Especiali<strong>da</strong>de:<br />

( ) Outra<br />

( ) Pós-doutor<br />

( ) Doutor<br />

( ) Mestre<br />

( ) Especialista<br />

( ) Graduado<br />

( ) Discente Ano <strong>da</strong> obtenção do título:<br />

Local de atuação:<br />

Atua na área de Oncologia? ( ) Sim ( ) Não<br />

2. Dados referentes à publicação (artigo analisado):<br />

Título:<br />

Ano:<br />

Volume:<br />

Número:<br />

Páginas:<br />

País de origem:<br />

Fonte (Revista):<br />

Idioma:<br />

109<br />

3. Base de <strong>da</strong>dos:<br />

( ) Bedenf<br />

( ) Lilacs<br />

( ) Medline<br />

( ) Pubmed<br />

( ) Scielo<br />

4. Acesso à publicação na íntegra:<br />

( ) Base de <strong>da</strong>dos<br />

( ) COMUT<br />

5. Objetivos do estudo:<br />

6. População:<br />

7. Amostra:<br />

8. Tipo de design:<br />

( ) Experimental<br />

( ) Quase experimental<br />

( ) Não experimental Qual ?:<br />

( ) Qualitativo Qual ?:<br />

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Visão de Homem na Terapia Analítico-Comportamental<br />

VISÃO DE HOMEM NA TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL<br />

BEHAVIORAL ANALITIC THERAPY: A WORLDVIEW<br />

Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira*<br />

RESUMO:<br />

O presente artigo se propõe a apresentar a visão de homem que fun<strong>da</strong>menta a prática do terapeuta<br />

analista-comportamental. O Behaviorismo Radical é a filosofia que fun<strong>da</strong>menta a ciência do comportamento<br />

humano. E esta última é o campo do conhecimento que ampara a prática do terapeuta<br />

analista-comportamental. O legado de B. F. Skinner permite a interpretação e a intervenção no<br />

comportamento humano em vários contextos, inclusive o clínico. B. F. Skinner propõe a ruptura<br />

com: 1) o argumento “depois disto, logo causado por isto” e 2) a correspondência “público-objetivo<br />

e/ou privado-subjetivo”. O paralelo entre a seleção natural e o condicionamento operante é proposto<br />

em substituição ao primeiro argumento. Uma explicação fisicalista para os eventos privados é<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> para solucionar o problema dos eventos internos. O conceito de operante é a proposição de<br />

B. F. Skinner mais estreitamente relaciona<strong>da</strong> à noção de homem nesse referencial teórico. A<br />

relação operante implica na produção de conseqüências. Essa relação caracteriza-se por respostas<br />

produzindo conseqüências que as determinam. O comportamento produz assim, aquilo que<br />

passa a fazer parte de seus determinantes. Discutem-se implicações para a prática clínica dessas<br />

importantes posições filosóficas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Behaviorismo Radical, terapia analítico-comportamental, análise<br />

comportamental clínica.<br />

110<br />

ABSTRACT:<br />

The aim of this article is to present a worldview which underlines the clinical behavior analyst<br />

work. Radical behaviorism is the philosophy of the science of human behavior, and they both are<br />

related to the clinical behavior analyst practice. B. F. Skinner legacy allows interpretations as well<br />

as interventions in human behavior under several contexts, including the clinical one. B. F. Skinner<br />

states against the post hoc ergo propter hoc argument and he also object the corresponding<br />

between public-objective events and private-subjective events. The natural selection parallel and<br />

operant conditioning are proposed to substitute the argument post hoc ergo propter hoc and a<br />

physicalist treatment is offered as a solution to the inner events. Operant is the main concept in the<br />

B. F. Skinner formulation relied to clinical behavior analytic worldview. An operant relation produces<br />

consequences which will influence the repertoire. So, man produces what make part of his own<br />

determinants. Implications to clinical practice are discussed.<br />

KEY WORDS: Radical Behaviorism, behavior analytic therapy, clinical behavior analysis<br />

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*Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná - PR. E-mail:<br />

jocelainesilveira@ufpr.br Doutora em Psicologia Clínica/USP, mestre em Psicologia Experimental/USP, Especialista em<br />

Psicoterapia na Análise do Comportamento/UEL.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira<br />

O presente artigo ** se propõe a apresentar brevemente a visão de homem<br />

subjacente à prática do Terapeuta Analista Comportamental (TAC). Para isso, discutem-se inicialmente<br />

duas importantes rupturas estabeleci<strong>da</strong>s pelo Behaviorismo Radical de B. F. Skinner com<br />

maneiras convencionais de conceber o comportamento humano e sua causali<strong>da</strong>de. Em segui<strong>da</strong>, o<br />

conceito de comportamento operante é examinado em termos de sua implicação na visão de homem.<br />

Por último, apresenta-se a correspondência de alguns pontos desta visão e a postura do<br />

Terapeuta Analista Comportamental.<br />

É preciso considerar que o título “Psicoterapia analítico comportamental” *** contém<br />

uma contradição – “psico” é incompatível com o “analítico comportamental”. Assim, para se<br />

diferenciarem de terapeutas comportamentais alinhados filosoficamente ao Behaviorismo<br />

Metodológico, os alinhados ao Behaviorismo Radical têm preferido a designação “terapeutas analistas<br />

comportamentais” (TOURINHO & CAVALCANTI, 2001) ou terapeutas que aplicam a<br />

“terapia por contingências de reforçamento” (GUILHARDI, 2004).<br />

O Behaviorismo Radical admite a existência dos eventos ditos “mentais”, rejeitando,<br />

entretanto, a “mente” como enti<strong>da</strong>de e seu status causal sobre comportamentos publicamente<br />

observáveis. O Behaviorismo Radical de B. F. Skinner rompe com critérios de causali<strong>da</strong>de e<br />

epistemológicos problemáticos para um projeto de estudo científico do comportamento humano.<br />

A noção de causali<strong>da</strong>de proposta por B. F. Skinner deriva do estabelecimento de<br />

um paralelo entre o modelo de seleção natural que incide nas espécies, delineando os organismos e<br />

o condicionamento operante que incide no organismo, delineando o comportamento individual. A<br />

esse modelo causal, Skinner designou seleção por conseqüências (SKINNER, 1969/1980). Tratase<br />

de um modelo distinto de processos causais mecanicistas, inspirados na mecânica clássica<br />

newtoniana como o são, por exemplo, os processos de associação estímulo-resposta (S-R) e processos<br />

mentalistas, que sugerem a determinação do comportamento por agentes racionais (RINGEN,<br />

1993). A perspectiva proposta por Skinner aproxima-se, portanto, <strong>da</strong> biologia evolucionária enquanto<br />

se distancia do associacionismo (S-R) e do mecanicismo.<br />

De acordo com Skinner, o comportamento humano<br />

111<br />

É produto de três tipos de seleção, a primeira <strong>da</strong>s quais, a seleção natural,<br />

é o campo <strong>da</strong> etologia. A segun<strong>da</strong>, o condicionamento operante, é o<br />

campo <strong>da</strong> análise comportamental. A terceira, a evolução <strong>da</strong>s contingências<br />

sociais do comportamento, que chamamos de culturas, explica amplos<br />

repertórios de comportamentos característicos <strong>da</strong> espécie humana<br />

(SKINNER, 1989/1991, p. 44).<br />

A seleção requer variabili<strong>da</strong>de e tende a ocorrer mais rapi<strong>da</strong>mente, se a variabili<strong>da</strong>de<br />

for grande (HHANHAN & CHASE, 2002). O comportamento, entendido como a interação<br />

organismo/ambiente apresenta variações e inovações. Ele é evanescente e não permanece armazenado<br />

em lugar algum. É histórico, podendo ser identificado no tempo, mas não no espaço.<br />

**O presente artigo decorre <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> autora em uma mesa redon<strong>da</strong> que discutiu o tema na V Jorna<strong>da</strong> de Psicologia<br />

<strong>da</strong> <strong>UniFil</strong> (2004), Londrina PR.<br />

***O título foi “Psicoterapia Analítico Comportamental”.<br />

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Visão de Homem na Terapia Analítico-Comportamental<br />

Skinner apresenta uma solução para o problema <strong>da</strong> privaci<strong>da</strong>de de eventos ditos<br />

mentais, propondo uma explicação fisicalista para eles ou outros eventos privados. Sua célebre<br />

frase “Minha dor de dente é tão física quanto minha máquina de escrever” indica o tratamento<br />

fisicalista que confere aos eventos privados (SKINNER, 1945, p. 294). Desde que tenha natureza<br />

física, que seja objetivo, observável e manipulável, um evento relacionado ao organismo humano é<br />

passível de investigação científica. O tratamento preconizado por Skinner confronta critérios de<br />

cientifici<strong>da</strong>de que estabelecem uma correspondência necessária quanto à natureza dos eventos; se<br />

públicos, então objetivos; se privados, então subjetivos. Eventos privados podem receber um tratamento<br />

objetivo, sendo passíveis de observação, ain<strong>da</strong> que por um único observador.<br />

A Visão de Homem no Behaviorismo Radical<br />

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Em um artigo intitulado “Homem: objeto ou sujeito para Skinner”, Micheletto e<br />

Sério (1993) afirmam que a proposição skinneriana mais estreitamente relaciona<strong>da</strong> à concepção<br />

de homem é a do conceito de operante. O comportamento é dito operante, quando a relação<br />

importante está entre a resposta os efeitos que ela produz.<br />

Micheletto e Sério (1993) chamam a atenção para a idéia de produção implícita no<br />

conceito de operante. Isto é, a idéia de que a resposta produz seu efeito e este passará a fazer<br />

parte de seus determinantes. De acordo com as autoras, o conceito de operante esboça uma<br />

“...concepção de homem como relação. O homem constrói o mundo a sua volta, agindo sobre ele<br />

e, ao fazê-lo, está também se construindo. Não se absolutiza nem o homem, nem o mundo; nenhum<br />

dos elementos <strong>da</strong> relação tem autonomia” (MICHELETTO & SÉRIO, 1993, p. 14).<br />

Segundo Micheleto e Sério (1993), novi<strong>da</strong>des nas relações do organismo com o<br />

ambiente modificam-no em sua totali<strong>da</strong>de. Aprender é transformar-se em sua totali<strong>da</strong>de. Portanto,<br />

aprender é diferente de somar conhecimentos e armazená-los de algum modo (na memória, no<br />

passado, no cérebro ou em qualquer lugar). De acordo com Micheletto e Sério (1993) “...Skinner<br />

é bastante claro em relação ao fato de ser a totali<strong>da</strong>de do organismo ou pessoa que está sendo<br />

altera<strong>da</strong> na interação com o ambiente...” (MICHELETTO & SÉRIO, 1993, p. 14) “A ca<strong>da</strong> relação<br />

obtém-se, como produto, um ambiente e um homem diferentes.” (MICHELETTO & SÉ-<br />

RIO,1993, p. 14).<br />

Ain<strong>da</strong> de acordo com as autoras, os ambientes sociais permitem ao homem a<br />

superação do acaso. “...Como fruto de contingências sociais, os homens podem descrever seus<br />

comportamentos, sentimentos e as relações entre seus comportamentos, sentimentos e o ambiente;<br />

estas descrições podem se referir a eventos passados, presentes e futuros. Para Skinner,<br />

autoconhecimento é sinônimo de consciência...” (MICHELETTO & SÉRIO, 1993, p. 19). Os<br />

ambientes sociais possibilitam o autoconhecimento. Nesses ambientes, aprende-se a descrever o<br />

comportamento e as variáveis <strong>da</strong>s quais ele é função. O autoconhecimento pode deixar uma pessoa<br />

em melhores condições de planejar mu<strong>da</strong>nças deseja<strong>da</strong>s em seu comportamento.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira<br />

A Visão de Homem na TAC<br />

Conhecendo as idéias expostas até aqui, o leitor poderá compreender a relação<br />

entre alguns pressupostos do Behaviorismo Radical e suas implicações na postura do terapeuta. O<br />

comportamento humano é compreendido como resultado de contingências filogéticas, ontogenéticas<br />

e culturais (SKINNER, 1989/1991). O primeiro desses tipos de contingências dá origem ao organismo,<br />

o segundo tipo resulta no repertório comportamental individual (a pessoa) e o terceiro tipo,<br />

a cultura, possibilita o desenvolvimento do “eu”. O eu é entendido “...como predisposição que<br />

acompanha estados internos...(SKINNER, 1989/1991, p. 45)”. Portanto, os dois últimos tipos de<br />

contingência permitem a individuali<strong>da</strong>de. É o terceiro tipo de contingência, o <strong>da</strong> cultura, que fomenta<br />

o surgimento do amor e do auto-amor (auto-estima). A existência de um outro é condição<br />

para o aprendizado do amor (sentir-se bem com o bem-estar do outro) e <strong>da</strong> auto-estima (gostar de<br />

si, quando alguém lhe tiver ensinado a fazê-lo).<br />

Considerando esses pontos, o terapeuta interessa-se pelo contexto de interação<br />

em que o cliente vive e investiga contingências vigoraram no passado e as atuais. Interessa-se pela<br />

história de vi<strong>da</strong> do cliente, considerando a influência dos três níveis de contingências, ao analisar o<br />

comportamento do cliente. O terapeuta supõe que sua interação com o cliente deverá alterar os<br />

sentimentos do cliente em relação a si próprio, o que faz <strong>da</strong> relação terapêutica um instrumento<br />

essencial para a promoção <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça clínica. Ao interagir com o cliente, poderá levá-lo a sentir<br />

coisas diferentes sobre si mesmo. Nesse caso, o terapeuta estaria ocupando o papel de interlocutor<br />

em uma comuni<strong>da</strong>de verbal especial – o contexto clínico. Este contexto corresponde ao terceiro<br />

tipo de contingência de seleção.<br />

Se o repertório comportamental individual resulta <strong>da</strong> seleção por conseqüências,<br />

ao longo <strong>da</strong> história de ca<strong>da</strong> organismo, o comportamento é, de algum modo, a<strong>da</strong>ptativo. O terapeuta<br />

prefere então, o termo “cliente” ao termo “paciente”, rejeitando o modelo médico na explicação do<br />

sofrimento. Isto quer dizer que os comportamentos problemáticos do cliente não são entendidos<br />

como sintomas de um mal subjacente. No modelo médico, um espirro poderia indicar a contaminação<br />

por um vírus. Diversamente, em uma análise comportamental, admite-se que o repertório<br />

comportamental do cliente é produto dos três tipos de contingências já mencionados. Um comportamento<br />

bizarro do cliente é entendido apenas produto dessas contingências e não como a expressão<br />

de forças psicodinâmicas.<br />

Uma vez que a seleção e a a<strong>da</strong>ptação requerem variabili<strong>da</strong>de comportamental, o<br />

terapeuta promove a variação no comportamento do cliente para facilitar a mu<strong>da</strong>nça clínica, incentivando<br />

a criativi<strong>da</strong>de e a inovação em muitas áreas.<br />

O terapeuta é assumi<strong>da</strong>mente diretivo nas sessões psicoterápicas, encorajando<br />

enfrentamentos e modelando comportamentos do cliente que alterarão pontos críticos do contexto<br />

de interação. Isso porque pressupõe, como já se discutiu, um homem produtor de conseqüências<br />

que passarão a fazer parte dos determinantes de seu próprio comportamento (MICHELETTO &<br />

SÉRIO, 1993).<br />

O terapeuta analista comportamental adota uma concepção monista de homem, o<br />

que significa pressupor que mu<strong>da</strong>nças nas relações organismo/ambiente implicam em mu<strong>da</strong>nças<br />

na totali<strong>da</strong>de do organismo (Micheletto & Sério, 1993). Assim, o terapeuta não estabelece distinção<br />

formal entre as fases de diagnóstico e intervenção. Desde a primeira sessão, presume-se que<br />

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o cliente já está se modificando. Usa a relação terapêutica para promover a mu<strong>da</strong>nça clínica e vai<br />

além <strong>da</strong> deliberação de procedimentos e técnicas para influenciar o comportamento do cliente.<br />

Afinal, o organismo do terapeuta também se modifica em sua totali<strong>da</strong>de ao interagir com um<br />

cliente. Todo cliente é único para ele e, desse ponto de vista, ele é também sempre único para seu<br />

cliente.<br />

O terapeuta considera que os sentimentos são importantes produtos colaterais de<br />

contingências. Em razão disto, incentiva o relato de sentimentos, analisa-os e reconhece que o<br />

cliente busca terapia querendo sentir-se melhor. Ao programar a intervenção clínica, o terapeuta<br />

visa alterar os sentimentos do cliente e o faz por meio de mu<strong>da</strong>nças nas contingências. Busca-se<br />

portanto, o controle dos sentimentos, mas trata-se de um controle não ostensivo, que é mediado<br />

pela mu<strong>da</strong>nça nas contingências.<br />

De acordo com Skinner (1989/1991)<br />

As pessoas usualmente procuram a terapêutica médica ou comportamental<br />

em função <strong>da</strong>quilo que estão sentindo. O médico mu<strong>da</strong> o que sentimos, de<br />

maneiras médicas; os terapeutas comportamentais alteram as contingências<br />

<strong>da</strong>s quais os sentimentos são função (SKINNER, 1989/1991, p. 114).<br />

114<br />

Por último, é preciso considerar o papel <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de verbal na seleção do comportamento<br />

de seus membros e as implicações dessa relação na postura do terapeuta. A proprie<strong>da</strong>de<br />

verbal do organismo humano lhe permite responder a coisas com as quais jamais teve contato<br />

direto (HAYES, JACOBSON, FOLLETTE & DOUGHER, 1994; HAYES, HAYES, REESE &<br />

SARBIN, 1993). No contexto clínico, isso se reflete na capaci<strong>da</strong>de do cliente de responder a<br />

coisas como perfeição, morte ou à noção de “nunca”, sem jamais tê-las tocado diretamente. As<br />

idéias e S. Hayes sobre o comportamento verbal indicam que o “eu”, como a ação, ensina<strong>da</strong> pela<br />

comuni<strong>da</strong>de verbal, de observar-se a si mesmo se comportando a partir de sua própria perspectiva,<br />

por definição, não pode conhecer seu fim. Para testemunhar sua própria destruição, o “eu”<br />

precisaria estar existindo.<br />

Considerando essa proprie<strong>da</strong>de verbal do organismo humano, o terapeuta analista<br />

comportamental respeita o potencial do cliente para a espirituali<strong>da</strong>de e para a compreensão de<br />

noções como as de perfeição, plenitude e infinitude.<br />

Em suma, a visão de homem do Terapeuta Analista Comportamental admite eventos<br />

mentais sem a mente; o passado sem elos temporais entre seqüências causais, o sofrimento do<br />

cliente sem que “seja ele o doente” e a espirituali<strong>da</strong>de, sem que haja um fantasma operando a<br />

máquina.<br />

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Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira<br />

A Tabela 1 apresenta algumas correspondências entre a visão de homem e a<br />

postura do terapeuta analista comportamental, conforme discuti<strong>da</strong>s nesta seção.<br />

Tabela 1 – Visão de homem no behaviorismo radical e alguns correspondentes na postura do<br />

terapeuta analista comportamental.<br />

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Jocelaine Martins <strong>da</strong> Silveira<br />

REFERÊNCIAS<br />

GUILHARDI, J. H.. Terapia por contingências de reforçamento. In: ABREU, C. N.; GUILHARDI,<br />

J. H. (Orgs). Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental. São Paulo: Roca, 2004.<br />

HAYES, S.C., JACOBSON, N. S. FOLLETTE, V. M., & DOUGHER, M. J. Acceptance and<br />

change: content and context in psychotherapy. Reno: Context Press, 1994.<br />

HAYES, S. C., HAYES, L. J.; REESE; H. W., & SARBIN, T. R. Varieties of Scientific<br />

Contextualism. Reno: Context Press, 1993.<br />

HHANHAN, T., & CHASE, P. Novelty, stimulus control and operant variability. The Behavior<br />

Analyst, 25, 175-190. 2002.<br />

MICHELETTO, N., & SÉRIO, T. M. A. P. Homem: objeto ou sujeito para Skinner? Temas em<br />

Psicologia, 2, 11-21, 1993.<br />

RINGEN, J. D.. A<strong>da</strong>ptation, teleology, and selection by consequences. Journal of the experimental<br />

analysis of behavior, 60, 3-15, 1993.<br />

SKINNER, B. F. The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52,<br />

271-277, 1945.<br />

SKINNER, B. F. Contingências do Reforço: uma análise teórica. Coleção Os Pensadores.<br />

São Paulo: Abril Cultural e Industrial, 1980.<br />

117<br />

SKINNER, B. F. Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus, 1991.<br />

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1992.<br />

TOURINHO, E. Z., & CAVALCANTE, S. N. Por que Terapia Analítico-Comportamental. Contexto,<br />

2001.<br />

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O Percurso Histórico <strong>da</strong> Terapia Comportamental<br />

O PERCURSO HISTÓRICO DA TERAPIA COMPORTAMENTAL<br />

BEHAVIOR THERAPY HISTORICAL COURSE<br />

Marcos Roberto Garcia*<br />

RESUMO:<br />

O presente artigo tem como objetivo apontar o processo histórico <strong>da</strong> terapia comportamental,<br />

passando brevemente pela orientação respondente e se detendo em algumas análises sobre a<br />

orientação operante. Através deste objetivo, foi possível avançar di<strong>da</strong>ticamente pelas déca<strong>da</strong>s de<br />

1910 até 1990, esclarecendo a origem desta prática, que atualmente vem sendo estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

muitos pesquisadores analistas do comportamento. O resultado deste estudo teórico levou a perceber<br />

o desvio que a terapia comportamental fez dentro <strong>da</strong> proposta do Behaviorismo Radical de B.<br />

F. Skinner, passando por períodos de pouca consistência teórico-prática, de extremo tecnicismo e<br />

ênfase no cognitivismo, e, por fim, resgatando as idéias de Skinner no que tange aos estados<br />

privados e ao comportamento verbal. Apesar <strong>da</strong> consciência de que a prática do terapeuta<br />

comportamental não está estanque, parece ser notável a posição dos atuais pensadores que, os<br />

terapeutas considerados analistas do comportamento terão mais crédito quando a análise que fazem<br />

se pautar em contingências atuantes; tanto aquelas a que são submetidos os clientes quanto as<br />

a que o próprio terapeuta está submetido.<br />

PALAVRAS-CHAVE: História <strong>da</strong> Terapia Comportamental; Orientação Respondente e Operante;<br />

Psicoterapia Comportamental.<br />

118<br />

ABSTRACT:<br />

The present article aims to point out the historical process of behavior therapy, going through<br />

responding orientation and stopping at some analyses over operating orientation. Through this<br />

objective, it was possible to di<strong>da</strong>ctically advance from the 1910’s to the 1990’s, eluci<strong>da</strong>ting the<br />

practice origin, which has been recently studied by many behavior analysts and researchers. The<br />

result of this theoretical study led to realizing the deflection that the behavior therapy makes on the<br />

proposal of B. F. Skinner’s Radical Behaviorism, going through periods of little theoretical-practical<br />

consistence, extreme technism and cognitivism emphasis, and then, reviewing Skinner’s ideas on<br />

private states and verbal behavior. Although the awareness of the behavior therapist practice is not<br />

still, it seems remarkable the position of contemporaneous thinkers that, the therapists considered<br />

behavior analysts have more creditability when the analysis they make are based on acting<br />

contingences; as for those the patients are submitted to as those the therapist himself is submitted.<br />

KEY WORDS: Behavior Therapy History; Operating and Responding Orientation; Behavior<br />

Psychotherapy<br />

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*Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná - PR. E-mail:<br />

jocelainesilveira@ufpr.br Doutora em Psicologia Clínica/USP, mestre em Psicologia Experimental/USP, Especialista em<br />

Psicoterapia na Análise do Comportamento/UEL.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Marcos Roberto Garcia<br />

O presente trabalho tem por objetivo esquadrinhar o processo histórico <strong>da</strong> terapia<br />

comportamental no contexto operante. Desta forma, tentará esclarecer a origem desta prática, que<br />

atualmente vem sendo muito estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por vários pesquisadores analistas do comportamento.<br />

Esta retrospectiva histórica deve ser inicia<strong>da</strong>, necessariamente, citando-se os primeiros<br />

experimentos de laboratório, passando depois para a prática aplica<strong>da</strong>, até chegar aos anos<br />

90, visualizando finalmente o trabalho psicoterápico atual.<br />

ORIENTAÇÃO RESPONDENTE<br />

Um ponto interessante na história diz respeito aos primeiros experimentos desenvolvidos<br />

no laboratório de Pavlov, os quais eram chamados de neuroses experimentais (KAZDIN,<br />

1978). Tais experimentos tentavam desenvolver comportamentos neuróticos, comumente achados<br />

em humanos, em gatos. Estes estudos foram iniciados por duas razões: primeira, porque eles apontavam<br />

para o papel <strong>da</strong> aprendizagem na aquisição de respostas emocionais, e, segun<strong>da</strong>, porque<br />

produzindo neuroses experimentalmente induzi<strong>da</strong>s, eventualmente em humanos, poder-se-ia obter<br />

procedimentos para melhorar estas reações. Então, estes estudos trouxeram novas tentativas de<br />

técnicas terapêuticas, assim como a tentativa de superar dificul<strong>da</strong>des que envolviam o condicionamento<br />

respondente.<br />

A partir dos trabalhos com neurose experimental, muitos outros se originaram,<br />

assim como a aplicação e extensão do condicionamento respondente para o comportamento<br />

humano.<br />

Nos Estados Unidos, no início dos anos 10, influenciados por estudos de Bechterev<br />

(Rússia), muitos pesquisadores começaram a analisar diversos tipos de comportamentos.<br />

Watson, no final dos anos 10, foi um dos mais influentes investigadores do condicionamento<br />

respondente do comportamento humano. Ele pesquisou o condicionamento de reações<br />

emocionais em crianças, gerando muitos estudos na área, assim como influenciando outros estudiosos,<br />

como Rosalie Rayner, a qual investigou o condicionamento de medo em uma criança de 11<br />

meses de i<strong>da</strong>de (caso Albert), a qual estava hospitaliza<strong>da</strong>. Outros, após Rayner, vieram implementando<br />

o método utilizado, como fez, em 1924, Mary Cover Jones. Paralelo aos estudos de Watson,<br />

Burnham estudou o desenvolvimento infantil e higiene mental.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 30, KAZDIN (1978) aponta os estudos de Mowrer e Mowrer como<br />

sendo influentes na enurese infantil. Na metade desta déca<strong>da</strong>, a aplicação do condicionamento foi<br />

utiliza<strong>da</strong> para indivíduos alcoólatras e adictos de drogas, como a morfina. Técnicas de tratamento<br />

foram desenvolvi<strong>da</strong>s, como a de Dunlap (entre 1930 e 32), denomina<strong>da</strong> prática clínica, que consistia<br />

em eliminar hábitos, principalmente o papel <strong>da</strong> repetição na aprendizagem, e a de Voegtlin (de<br />

1935), denomina<strong>da</strong> de terapia aversiva, tentando aju<strong>da</strong>r alcoólicos através <strong>da</strong> ingestão de agentes<br />

químicos que causavam mal estar ao ingerir álcool (condicionamento clássico).<br />

O condicionamento clássico foi utilizado para muitos propósitos clínicos, como psicoses,<br />

retardo mental, etc.<br />

A aplicação dos princípios <strong>da</strong> aprendizagem para relatar comportamentos-problema,<br />

demonstra<strong>da</strong> por Watson, Rayner, e Mowrers, (apud KAZDIN, 1978) era o início <strong>da</strong> modificação<br />

do comportamento. Eles consoli<strong>da</strong>ram uma visão geral para o caminho de uma nova abor<strong>da</strong>gem<br />

para a psicopatologia.<br />

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Na déca<strong>da</strong> de 40, na África do Sul, Joseph Wolp, ain<strong>da</strong> influenciado pelos experimentos<br />

de neurose experimental e por vários pensadores, como Pavlov, Hull, Taylor, Reyna, desenvolve<br />

uma técnica, inicialmente estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em gatos (influenciado pelos estudos de Sherrington<br />

sobre inibição recíproca), denomina<strong>da</strong> de dessensibilização sistemática. Esta técnica foi muito<br />

utiliza<strong>da</strong>, e ain<strong>da</strong> é, em programas de modificação do comportamento, no tratamento de fobias,<br />

pânico, e outros transtornos <strong>da</strong> ansie<strong>da</strong>de.<br />

ORIENTAÇÃO OPERANTE E A PRÁTICA CLÍNICA<br />

Com a influência de Hull nos Estados Unidos, começava a expansão dos princípios<br />

<strong>da</strong> aprendizagem para humanos. Nesta época, Skinner, já havia desenvolvido o conceito de operante,<br />

e escreve o livro “Walden II” (1948), marcando a extensão <strong>da</strong> análise do comportamento para a<br />

socie<strong>da</strong>de, aplicando os princípios operantes aos humanos.<br />

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No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 50, a extensão do condicionamento operante para o comportamento<br />

humano trouxe maior força à modificação do comportamento. Skinner escreve o livro<br />

“Ciência e Comportamento Humano” em 1953, o qual explicava o papel <strong>da</strong>s contingências de<br />

reforçamento na lei, no governo, religião, psicoterapia, economia e educação, identificando as agências<br />

que controlavam e como controlavam o comportamento humano.<br />

Tópicos específicos, relatados para a psicologia clínica e psiquiatria, também foram<br />

explicitados. Skinner discutiu a etiologia e o tratamento de desordens psiquiátricas sobre um<br />

ponto de vista behaviorista. Ele notou que a mu<strong>da</strong>nça terapêutica, provavelmente, resultava na<br />

mu<strong>da</strong>nça de contingências reforçadoras pelo terapeuta. A extrapolação dos princípios <strong>da</strong> aprendizagem<br />

para o homem, mais particularmente para os comportamentos clinicamente relevantes,<br />

sugeriu a utilização <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem comportamental como uma alternativa para um modelo<br />

intrapsíquico.<br />

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Marcos Roberto Garcia<br />

Em 1953, Skinner e Lindsley, começam a estu<strong>da</strong>r a aplicação dos princípios <strong>da</strong><br />

análise do comportamento com pacientes psicóticos. Uma característica histórica importante do<br />

trabalho desses autores foi a utilização, pela primeira vez, do termo “terapia comportamental”,<br />

significando o foco direto sobre o comportamento e o uso de condicionamento operante.<br />

Nesta mesma época, em que Skinner e Lindsley pesquisavam, Bijou, em 1957,<br />

estava trabalhando com o condicionamento operante em crianças. Ele estudou processos<br />

comportamentais básicos em pesquisas com animais, incluindo extinção, aquisição, discriminação e<br />

diferenciação. O efeito de várias manipulações em laboratório foi transferido para os estudos com<br />

humanos (crianças retar<strong>da</strong><strong>da</strong>s e normais).<br />

O trabalho de Bijou foi significativo, porque ele estendeu o condicionamento operante<br />

para crianças e atentou para um método experimental que permitiu investigar diversas formas de<br />

manipulação de contingências.<br />

No início dos anos 60, a terapia comportamental tornou-se um visível movimento.<br />

Diversas publicações aparecem, assim como a primeira <strong>revista</strong> de terapia comportamental: “Behavior<br />

Research and Therapy”, em 1963, promovendo uma identi<strong>da</strong>de para trabalhos individuais com<br />

técnicas comportamentais, problemas, e settings distintos.<br />

A terapia comportamental aparece, como muitos outros movimentos, em situação<br />

contrária à posição dominante existente na psiquiatria e na psicologia clínica, denomina<strong>da</strong>, “modelo<br />

médico”, baseado na conceitualização do comportamento anormal, e especificamente, contrapondo<br />

a teoria psicanalista.<br />

Na metade dos anos 60 aumentou o número de críticas à terapia comportamental<br />

na literatura. Os mais notáveis ataques foram feitos por Breger e MacGaugh em 1965, no artigo:<br />

‘Crítica e reformulação <strong>da</strong> ‘teoria <strong>da</strong> aprendizagem’ para a psicoterapia e neurose”. O artigo<br />

serviu para duas coisas: (1) trazer considerável atenção à terapia comportamental, e (2) promover<br />

uma clara confrontação de questões que não tinham sido previamente esclareci<strong>da</strong>s na literatura.<br />

Logo, mais precisamente um ano depois, em 1966, obtiveram respostas. Rachman<br />

e Eysenck dirigiram-se a Breger e MacGaugh apontando que a terapia comportamental embasavase<br />

mais em achados empíricos do que em uma teoria monolítica, porém muitas <strong>da</strong>s “acusações”<br />

não puderam ser comprova<strong>da</strong>s, e assim, no final dos anos 60, pesquisadores <strong>da</strong> área, voltaram-se<br />

para as investigações, o que iria demonstrar a eficácia de diversas técnicas.<br />

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Embora a terapia comportamental fosse resistente à integração com técnicas<br />

tradicionais, isto foi se tornando um campo muito mais amplo do que havia sido concebido. Nas<br />

recentes descrições <strong>da</strong> terapia comportamental, a definição era em defesa <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> aprendizagem<br />

e pesquisa. Eysenck em 1964, definia terapia comportamental como “... atender para<br />

alterar o comportamento e emoções do homem em seu benefício, de acordo com as leis <strong>da</strong> teoria<br />

<strong>da</strong> aprendizagem moderna” (KAZDIN, 1978). Similarmente, Lazarus e Wolpe, definem como<br />

sendo “...a aplicação de princípios <strong>da</strong> aprendizagem estabelecidos experimentalmente”. Porém,<br />

os princípios <strong>da</strong> aprendizagem foram reduzidos e a prática <strong>da</strong> terapia comportamental começou<br />

a ser questiona<strong>da</strong>.<br />

122<br />

Na déca<strong>da</strong> de 70, muitos terapeutas comportamentais mantinham a idéia de que<br />

quaisquer achados estabelecidos empiricamente poderiam ser usados na prática clínica. Esta crítica<br />

foi defendi<strong>da</strong> por Lazarus, Ullmann, Krasner e Yates, os quais alegavam que identificar a terapia<br />

comportamental como a teoria <strong>da</strong> aprendizagem poderia retar<strong>da</strong>r a utilização de subsídios de<br />

outras áreas de conhecimento como a psicologia experimental e as ciências sociais.<br />

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Em 1972, Perry London afirma que se deveria <strong>da</strong>r importância histórica para a<br />

utilização <strong>da</strong>s técnicas sobre a teoria <strong>da</strong> aprendizagem, no entanto, a relação do emprego <strong>da</strong>s<br />

técnicas com a teoria era questionável. As bases teóricas de muitas técnicas como a dessensibilização<br />

sistemática, condicionamento encoberto, e terapia aversiva eram duvidosas, embora os resultados<br />

fossem aceitos.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Marcos Roberto Garcia<br />

As técnicas foram pesquisa<strong>da</strong>s nos mais diferentes settings, com os mais diferentes<br />

sujeitos (em presídios, escolas, hospitais psiquiátricos e hospitais-dia, com menores infratores,<br />

psicóticos, presidiários, etc.)<br />

Para BARCELLOS e HAYDU (1995) na déca<strong>da</strong> de 70, a terapia comportamental<br />

foi consagra<strong>da</strong> mundialmente. Apesar de seu avanço, ela sofreu muitas críticas pelo seu tecnicismo<br />

e por sua deficiência em li<strong>da</strong>r com comportamentos humanos complexos, como, por exemplo, os<br />

comportamentos encobertos.<br />

Neste momento <strong>da</strong> história <strong>da</strong> terapia comportamental, fica mais claro o<br />

distanciamento <strong>da</strong>s idéias de Skinner, e consequentemente, dos princípios <strong>da</strong> aprendizagem descobertos<br />

por ele.<br />

123<br />

A inclusão de tratamentos baseados na cognição representa uma nova direção na<br />

modificação do comportamento. Uma outra razão que fez com que houvesse a aceitação dos<br />

processos cognitivos, foi porque muitos problemas, requerendo intervenções terapêuticas, eram<br />

baseados nas próprias cognições (obsessões, compulsões, auto controle, etc.).<br />

A prática terapêutica cognitiva visa à mu<strong>da</strong>nça dos processos cognitivos, como<br />

pensamentos e emoções.<br />

Na tentativa de li<strong>da</strong>r com estes conteúdos, surgiram nesta déca<strong>da</strong> (1970) a Modificação<br />

de Comportamento Cognitiva, defendi<strong>da</strong> por Ellis em 1974, a teoria <strong>da</strong> Aprendizagem<br />

Social de Bandura em 1977, e a de Beck em 1979, entre outros.<br />

Segundo BARCELLOS e HAYDU (1995), o surgimento <strong>da</strong> terapia<br />

comportamental cognitiva levou os pesquisadores <strong>da</strong> área operante a desenvolver várias investigações<br />

com seres humanos e contribuiu para que Skinner, em 1966, desenvolvesse o conceito de<br />

Comportamento Governado por Regra.<br />

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O Percurso Histórico <strong>da</strong> Terapia Comportamental<br />

No final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80, percebe-se um outro movimento<br />

dentro <strong>da</strong> terapia comportamental, contrário àquele que vinha sendo implementado pelos<br />

cognitivistas. Muitos pesquisadores <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem operante criticam o movimento cognitivista como,<br />

por exemplo, Skinner em 1977, Zettle e Hayes em 1982 e Sidman em 1986. Estes pesquisadores<br />

revelam ser desnecessário recorrer aos processos cognitivos ao se analisar o comportamento<br />

humano em diversos contextos, incluindo o clínico.<br />

No final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80 e início de 90, vários estudos foram publicados por<br />

pesquisadores clínicos que recorreram ao Behaviorismo Radical e à análise do comportamento<br />

verbal de Skinner para retornarem à terapia comportamental. Percebe-se então a volta do<br />

Behaviorismo de Skinner para dentro <strong>da</strong> psicoterapia comportamental. Dentre estes, destacam-se<br />

os artigos de Hayes (1999) “A contextual approach to therpeutic change” e o de Kohlenberg e Tsai<br />

(1987), “Functional analitic psichotherapy”. São denominados pelos autores de não-tecnicistas,<br />

por optar por uma análise funcional do comportamento.<br />

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BARCELLOS e HAYDU (1995) enfatizam que Stevens Hayes, em seu trabalho,<br />

aponta os princípios fun<strong>da</strong>mentais do Behaviorismo Radical, como o Contextualismo, o Monismo<br />

e Funcionalismo. A sua proposta apoia-se fortemente nas decorrências do conceito de comportamento<br />

governado por regras, o que implica em controle de estímulos de natureza verbal. Kohlenberg<br />

e Tsai, apresentam uma nova proposta terapêutica, enfocando a relação entre o cliente e o terapeuta,<br />

enfatizando a análise funcional e os princípios propostos por Skinner (1945, 1953, 1957, 1974).<br />

Mais do que propor uma opção de trabalho não-tecnicista para terapeutas<br />

comportamentais, EDWARDS (1991), analisa a prática clínica nos Estados Unidos, discutindo as<br />

contingências e metacontingências envolvi<strong>da</strong>s na atuação e no papel <strong>da</strong> psicoterapia vincula<strong>da</strong> ao<br />

modelo médico, identificando o quanto isto traz prejuízos para a comuni<strong>da</strong>de (terapeuta e cliente).<br />

Blau (1983) apud EDWARDS (1991), afirma que “...o psicólogo clínico tem tomado<br />

a profissão médica e psiquiátrica como um modelo parcial”. E reconhece: “...que a profissão<br />

médica, com sua tradição de aju<strong>da</strong> e responsabili<strong>da</strong>de é um modelo respeitável”. Porém, este é o<br />

modelo que o psicólogo quer ?<br />

Blau, em 1983 e Ullmann e Krasner, em 1965, afirmam que a medicina apóia um<br />

modelo “doente”. A falta de um modelo tem contribuído para a inabili<strong>da</strong>de do psicólogo frente à<br />

quanti<strong>da</strong>de de práticas que cabem a ele. Psicólogos são raramente treinados para serem independentes.<br />

O afastamento do modelo médico exigiu do psicólogo clínico a definição de um modelo<br />

próprio. E uma saí<strong>da</strong> para tal impasse encontra-se nos argumentos de Epling e Pierce, em 1986, os<br />

quais afirmam que a pesquisa básica é pouco utiliza<strong>da</strong> pelos clínicos e que pesquisadores básicos e<br />

aplicados têm muito a oferecerem um para o outro.<br />

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Marcos Roberto Garcia<br />

Krasner em 1990 é otimista quanto ao fenômeno terapia/modificação do comportamento<br />

clínico. Primeiro, ele argumenta que os termos utilizados são, basicamente, sinônimos na<br />

literatura. Segundo, ele afirma que a especiali<strong>da</strong>de tem crescido e se fortalecido extraordinariamente.<br />

Porém, um dos problemas <strong>da</strong> prática clínica refere-se às definições do DSM-<br />

VI-R, a “Bíblia” <strong>da</strong> psicologia e <strong>da</strong> psiquiatria clínica. Algumas definições de comportamento<br />

estão se tornando ca<strong>da</strong> vez mais limita<strong>da</strong>s e isto começa a ser mais aceito pelos analistas<br />

do comportamento.<br />

EDWARDS (1991), esclarece que a prática clínica faz parte de uma prática cultural,<br />

e com isto, faz-se necessário a análise <strong>da</strong>s contingências e metacontingências que envolvem o<br />

trabalho do clínico, fazendo com que o profissional olhe muito mais para o que está fazendo do que<br />

para os resultados de sua prática. Afirma, ain<strong>da</strong>, que a solução está nas mãos dos analistas do<br />

comportamento, pois eles estão em uma posição intelectual e tecnológica privilegia<strong>da</strong> para influenciar<br />

uma mu<strong>da</strong>nça positiva na prática clínica. Tal mu<strong>da</strong>nça tem que partir <strong>da</strong> manipulação <strong>da</strong>s<br />

contingências do ambiente do analista do comportamento.<br />

CONCLUSÕES<br />

A realização do presente estudo permitiu entender o caminho palmilhado pela<br />

psicoterapia comportamental, seus desvios e a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> proposta do Behaviorista Radical.<br />

Iniciou com os experimentos dentro de uma orientação respondente, passando<br />

para o operante dentro do laboratório, e na déca<strong>da</strong> de 50, a extrapolação para o ambiente natural<br />

do ser humano. Neste momento, Skinner destaca-se, além de suas publicações, pelo estudo, junto<br />

com Lindsley, do comportamento de pacientes psicóticos. Logo em segui<strong>da</strong> ele sai de cena, e o<br />

que passa a predominar o controle <strong>da</strong> prática são as técnicas desenvolvi<strong>da</strong>s com humanos, em<br />

diferentes settings, e com diferentes sujeitos, <strong>da</strong>ndo à prática clínica um caráter tecnicista.<br />

Na déca<strong>da</strong> de 70, a prática clínica depara-se com inúmeros questionamentos<br />

acerca de comportamentos complexos, e entram em cena os estudos dos processos cognitivos,<br />

ganhando força dentro do contexto clínico. Paralelamente a isto, Skinner publicava e já havia<br />

publicado vários artigos criticando a posição cognitivista. Com o que então os terapeutas estariam<br />

preocupados?<br />

Somente no final dos anos 80 e nos anos 90, aparecem clínicos voltados para uma<br />

prática não-tecnicista dentro de uma orientação operante, resgatando as idéias do Behaviorismo<br />

Radical, no que se refere às causas dos comportamentos: abertos e encobertos.<br />

No final dos anos 90 ain<strong>da</strong> são encontrados terapeutas preocupados com a prática<br />

<strong>da</strong> terapia comportamental, voltando a estu<strong>da</strong>r os escritos de Skinner, e tentando fazer uma história<br />

menos tecnicista e mais volta<strong>da</strong> para a análise do comportamento dentro de um modelo de seleção<br />

por conseqüências.<br />

Parece ser claro que a história <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> prática do terapeuta comportamental<br />

não acabou, vindo ao encontro às idéias de EDWARDS (1991), que a prática do terapeuta só será<br />

considera<strong>da</strong> entre os analistas do comportamento quando este se aliar aos pesquisadores <strong>da</strong> área<br />

básica, e além disto, fazer de sua prática a mais coerente possível, analisando, tanto as contingências<br />

e metacontingências em que o terapeuta está submetido, quanto as que ele (o terapeuta) está<br />

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submetendo ao outro (cui<strong>da</strong>ndo para não replicar o status quo). Assim, podendo aplicar, em seu<br />

próprio contexto, enquanto educador, pesquisador ou clínico, aquilo que acredita ser a solução para<br />

as dificul<strong>da</strong>des que o “mundo” impõe, ou seja, assumir um papel que além de clínico, seja dirigido<br />

ao ci<strong>da</strong>dão.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BARCELLOS, A. B.; HAYDU, V. B. História <strong>da</strong> psicoterapia comportamental. In: RANGÉ, B.<br />

(Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas.<br />

Campinas: Editorial Psi II, 1995.<br />

EDWARDS, K. A. Behavioral analysis of clinical practice in the United States. In: LAMAL, P. A.<br />

(Ed.). Behavior analysis of societies and cultural practices. New York: Hemisphere Publishing<br />

Corporation, 1991.<br />

HAYES, S. C. et. al. Acceptance and Comitemment Therapy: an experiential approach to<br />

behavior change. New York: Guilford Press, 1999.<br />

KAZDIN, A. E. History of behavior modification: experimental foun<strong>da</strong>tions of contemporary<br />

research. Baltimore: University Park Press, 1978.<br />

126<br />

KOHLENBERG, R. J. e TSAI, M. Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas<br />

intensas e curativas. Santo André, S.P.: ESETec - Editores Associados, 2001.<br />

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1953/1985.<br />

SKINNER, B. F. The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, v. 52,<br />

n.5, 1945.<br />

SKINNER, B. F. Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, 1957.<br />

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.<br />

WERRY, J. S.; WOLLERSHEIM, J. P. Behavior therapy with children and adolescents: a thentyyear<br />

overview. J. Am. Acad. Child Adolesc. Psychiatry, 1989.<br />

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Claudiane de Andrade e Damares Tomasin Biazin<br />

ANÁLISE DA VISITA DOMICILIAR PÓS-ALTA HOSPITALAR EM CORNÉLIO<br />

PROCÓPIO-PR<br />

ANALYSIS OF THE DOMICILIARY VISIT POST-DISCHARGE FROM HOSPITAL IN CORNÉLIO<br />

PROCÓPIO, PARANÁ. 2006<br />

Claudiane de Andrade*<br />

Damares Tomasin Biazin**<br />

RESUMO:<br />

O presente estudo analisa as Visitas Domiciliares (VD), realiza<strong>da</strong>s pelas Equipes do Programa de<br />

Saúde <strong>da</strong> Família (11 equipes), aos pacientes pós-alta hospitalar <strong>da</strong> Casa de Misericórdia, referência<br />

de internações do SUS, no município de Cornélio Procópio-PR, com o objetivo de analisar<br />

quantitativamente, este serviço, no período de abril a dezembro de 2005. As fontes de <strong>da</strong>dos<br />

utiliza<strong>da</strong>s foram coleta<strong>da</strong>s de instrumentos criados pela própria Coordenadora do PSF, para<br />

implementação do Serviço de Saúde prestado à comuni<strong>da</strong>de. Os resultados mostraram que 83,5%<br />

dos pacientes pós alta hospitalar, receberam a visita domiciliar pela equipe de saúde mais próxima<br />

de seu domicilio. Os fatores que dificultaram a realização <strong>da</strong>s demais visitas, também foram coleta<strong>da</strong>s<br />

e comenta<strong>da</strong>s, porém, foi possível concluir que a parceria com o hospital e os instrumentos utilizados,<br />

contribuem para alcançar os objetivos propostos pelo PSF, que são promoção e prevenção de<br />

saúde, assim como a integrali<strong>da</strong>de proposta pelo SUS.<br />

PALAVRAS-CHAVES: PSF, Visita Domiciliar, Alta hospitalar<br />

ABSTRACT:<br />

The present study analyzes the Domiciliary Visits (DV), carried out by the Health Family Program<br />

Teams (11 teams), to the post-discharge from hospital patients from Casa de Misericórdia, SUS<br />

internments reference, in the city of Cornélio Procópio-PR, with the objective to analyze quantitatively<br />

this service, in the period from April to December in 2005. The used sources of <strong>da</strong>ta were collected<br />

from instruments created by the PSF Coordinator herself, for the Health Service implementation<br />

provided to the community. The results showed that 83.5% of post-discharge from hospital patients,<br />

received the domiciliary visit from the closer next door health team. The factors which made it<br />

difficult to carry out the visits, were also collected and commented, however, it was possible to<br />

conclude that the partnership with the hospital and the instruments used, contribute to reach the<br />

objectives proposed by the PSF, which are health promotion and prevention, as well as the<br />

completeness proposed by SUS.<br />

127<br />

KEY WORDS: PSF, Domiciliary Visit, Discharge from Hospital<br />

*ANDRADE, C. Análise <strong>da</strong> visita domiciliar pós-alta hospitalar em Cornélio Procópio, Paraná. 2006. 27 f. Monografia<br />

(Especialização em Saúde <strong>da</strong> Família). Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Unifil. Londrina, Pr.<br />

**Doutora em Enfermagem Fun<strong>da</strong>mental pela USP de Ribeirão Claro. Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

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Análise <strong>da</strong> Visita Domiciliar Pós-Alta Hospitalar em Cornélio Procópio-PR<br />

INTRODUÇÃO<br />

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O município de Cornélio Procópio está localizado na região Norte do Paraná, sendo<br />

sede <strong>da</strong> 18ª Regional de Saúde. A origem do nome <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de está relaciona<strong>da</strong> à pessoa do<br />

Coronel Cornélio Procópio de Araújo Carvalho, figura de destaque no Império durante o final do<br />

último século. Fun<strong>da</strong>do em janeiro de 1937, possui hoje uma população estima<strong>da</strong> de 47.019 habitantes<br />

(DATA SUS 2006), destes aproxima<strong>da</strong>mente 9% residem na zona rural.<br />

O município é sede do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Norte do Paraná e<br />

possui 10 Uni<strong>da</strong>des Básicas de Saúde (UBS), 03 hospitais, sendo a Casa de Misericórdia a referência<br />

para internamento do SUS.<br />

O Programa Saúde <strong>da</strong> Família (PSF) iniciou-se no município em 2001, com apenas<br />

3 equipes, sendo ampliado em 2002 para 11 equipes sob módulo de contrato (CLT). No final de<br />

2004, todos os profissionais <strong>da</strong>s equipes de Saúde <strong>da</strong> Família foram contratados por concurso<br />

público.<br />

O PSF é uma estratégia que prioriza as ações de promoção e recuperação de<br />

saúde dos indivíduos e <strong>da</strong> família, do recém nascido ao idoso, sadios ou doentes, de forma integral<br />

e contínua. As equipes de PSF possuem atribuições e características próprias que as habilita a<br />

conhecer a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características<br />

socioeconômicas, demográficas e epidemiológicas, e a identificar os problemas de saúde mais<br />

comuns, assim como as situações de risco que a população está exposta.<br />

Para o médico mexicano Jakobo Finkelman, representante <strong>da</strong> Organização Pan-<br />

Americana de Saúde e <strong>da</strong> Organização Mundial de Saúde “O Programa de Saúde <strong>da</strong> Família é um<br />

grande triunfo <strong>da</strong> Saúde Pública no Brasil. Aproxima os serviços de saúde <strong>da</strong> população que,<br />

muitas vezes, nunca viu um médico em sua vi<strong>da</strong>. È um grande avanço em termos estratégicos, pois<br />

não se trata apenas do fornecimento de serviços médicos e clínicos. O mais importante é a sinergia<br />

que o programa cria para atender integralmente outras áreas, como a epidemiologia e a prevenção<br />

<strong>da</strong> doença. Ao final, o produto é maior do que a soma individual <strong>da</strong>s partes” (MINISTÉRIO DA<br />

SAUDE , 2002 b, p. 25 ).<br />

As equipes do Programa de Saúde <strong>da</strong> Família são compostas por Médico, Enfermeiro,<br />

Auxiliar de Enfermagem, Dentista, Auxiliar de Consultório Dentário e Agentes Comunitários<br />

de Saúde. Esses profissionais trabalham em equipe, porém ca<strong>da</strong> um, de acordo com as suas<br />

atribuições determina<strong>da</strong>s pelas diretrizes do PSF.<br />

Segundo o Guia Prático do PSF (MINISTÉRIO DA SAUDE, 2002 a) as atribuições<br />

comuns a todos os profissionais que integram as equipes são:<br />

• conhecer a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase<br />

nas suas características sociais, econômicas, culturais, demográficas e<br />

epidemiológicas;<br />

• identificar os problemas de saúde e situações de risco mais comuns aos<br />

quais aquela população está exposta;<br />

• elaborar com a participação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, um plano local para o<br />

enfrentamento dos problemas de saúde e de vigilância epidemiológica, nas<br />

diferentes fases do ciclo de vi<strong>da</strong>;<br />

• valorizar a relação com o usuário e com a família, para criação de vínculo de<br />

confiança, de afeto e de respeito;<br />

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Claudiane de Andrade e Damares Tomasin Biazin<br />

• realizar visitas domiciliares de acordo com o planejamento;<br />

• resolver problemas de saúde no nível de atenção básica;<br />

• garantir o acesso à continui<strong>da</strong>de do tratamento dentro de um sistema de<br />

referência e contra-referência para os casos de maior complexi<strong>da</strong>de ou que<br />

necessitam de internação hospitalar;<br />

• prestar assistência integral à população adstrita, respondendo à deman<strong>da</strong><br />

de forma contínua e racionaliza<strong>da</strong>;<br />

• coordenar, participar de e/ou organizar grupos de educação para a saúde ;<br />

• promover ações intersetoriais e parcerias com organizações formais e informais<br />

existentes na comuni<strong>da</strong>de para o enfrentamento conjunto dos problemas<br />

identificados;<br />

• fomentar a participação popular, discutindo com a comuni<strong>da</strong>de conceitos<br />

de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, de direito à saúde e suas bases legais;<br />

• incentivar a formação e/ou participação ativa <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de nos Conselhos<br />

Locais de Saúde e no Conselho Municipal de Saúde; e<br />

• auxiliar na implantação do Cartão Nacional de Saúde.<br />

Segundo Souza (MINISTÉRIO DA SAUDE , 1999), a equação internacionalmente<br />

aceita e comprova<strong>da</strong> aponta para a seguinte regra: as Uni<strong>da</strong>des Básicas de Saúde, desde<br />

que funcionem adequa<strong>da</strong>mente, são capazes de resolver pelo menos 80% dos problemas de saúde<br />

<strong>da</strong> sua população. O restante <strong>da</strong>s pessoas precisará, em parte, de atendimento em ambulatórios de<br />

especiali<strong>da</strong>des e apenas um pequeno número necessitará de atendimento hospitalar.<br />

A proposta brasileira refere também que a Atenção Básica deve prever instrumentos<br />

que sistematizem os serviços prestados na lógica <strong>da</strong> hierarquização, resolutivi<strong>da</strong>de e continui<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> atenção.<br />

A assistência domiciliar, foco deste estudo, realiza<strong>da</strong> pelas equipes deve ser direciona<strong>da</strong><br />

à clientela adstrita a um território de atuação e estar inseri<strong>da</strong> na política social do município.<br />

É de grande importância que sejam construídos instrumentos de avaliação para a<br />

quali<strong>da</strong>de do atendimento, resolutivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> assistência, número de pessoas assisti<strong>da</strong>s pelas equipes,<br />

satisfação <strong>da</strong>s equipes, entre outros.<br />

O Sistema de Informação <strong>da</strong> Atenção Básica (SIAB), foi criado em 1998 pelo<br />

Departamento de Informação e Informática do SUS (DATASUS), em conjunto com a Coordenação<br />

de Saúde <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de/Secretaria <strong>da</strong> Assistência à Saúde (COSAC/SAS), para auxiliar o<br />

acompanhamento e avaliação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des realiza<strong>da</strong>s pelos profissionais <strong>da</strong>s equipes do PSF,<br />

agregando e processando <strong>da</strong>dos advindos <strong>da</strong>s visitas domiciliares e atendimentos realizados nas<br />

UBS e domicílios (MINISTÉRIO DA SAUDE, 2004 a).<br />

Esse sistema é muito eficiente, porém, seus <strong>da</strong>dos de visitas domiciliares avalia o<br />

número de famílias visita<strong>da</strong>s pelos profissionais, não explora o atendimento domiciliar individual e<br />

não contempla as visitas pós-alta hospitalar, visto que é uma ação local <strong>da</strong>s equipes de Cornélio<br />

Procópio, na qual prestam assistência integralmente, orientando, encaminhando e/ou realizando<br />

procedimentos.<br />

Apesar <strong>da</strong> eficiência do SIAB como Sistema de Informação Nacional, houve a<br />

necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criação de instrumentos próprios para avaliação <strong>da</strong> visita pós alta hospitalar, realiza<strong>da</strong><br />

em parceria com a Casa de Misericórdia que é a referência do SUS para internação no<br />

município.<br />

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Análise <strong>da</strong> Visita Domiciliar Pós-Alta Hospitalar em Cornélio Procópio-PR<br />

Em abril de 2005, no intuito de sistematizar e implementar as ações <strong>da</strong>s equipes do<br />

PSF em relação às visitas domiciliares pós-alta hospitalar, com objetivos de diminuir a reinternação<br />

e aumentar a adesão dos pacientes aos tratamentos propostos na internação, foi criado pela Coordenação<br />

Municipal do PSF e Supervisão Geral <strong>da</strong> Casa de Misericórdia de Cornélio Procópio, dois<br />

instrumentos: “Planilha de Alta” e “Visita de Alta” , o primeiro agrega a coleta de <strong>da</strong>dos relevantes<br />

do paciente no momentos <strong>da</strong> alta (nome, endereço, diagnóstico) priorizando as crianças (apêndice<br />

A), gestantes/puérperas (apêndice B) e adultos acima de 50 anos( apêndice C). Estas planilhas são<br />

encaminha<strong>da</strong>s à Coordenação do PSF semanalmente. O segundo instrumento é preenchido com<br />

os <strong>da</strong>dos do primeiro, porém lançado no instrumento “Visita de Alta” ( apêndice D), por UBS, ou<br />

seja, de acordo com a área de abrangência que o paciente pertencer. Estas são envia<strong>da</strong>s imediatamente<br />

para as equipes do PSF, para planejamento e realização <strong>da</strong> visita pós-alta hospitalar, partindo<br />

sempre do diagnóstico fornecido pelo hospital.<br />

Na visita pós-alta hospitalar os <strong>da</strong>dos são confirmados com o paciente, são<br />

registra<strong>da</strong>s a evolução, orientação, encaminhamento e/ou procedimento, assinados pelos profissionais<br />

e encaminha<strong>da</strong>s à Coordenação do PSF, comprovando a sua realização e tornando possível<br />

várias formas de avaliação desta estratégia..<br />

Desde a implantação desta estratégia sistematiza<strong>da</strong>, ou seja, desde abril até dezembro<br />

de 2005 foram solicita<strong>da</strong>s 1560 visitas, lembrando que prioriza<strong>da</strong>s em crianças, gestantes/<br />

puérperas e adultos acima de 50 anos.<br />

Diante do exposto este estudo tem como objetivos:<br />

130<br />

• analisar o número de visitas domiciliares pós-alta hospitalar realiza<strong>da</strong>s e<br />

não realiza<strong>da</strong>s pelas equipes do PSF de Cornélio Procópio, no período de<br />

abril a dezembro de 2005, em relação ao número total de visitas solicita<strong>da</strong>s<br />

pela Casa de Misericórdia, através <strong>da</strong> “planilha de alta”, neste mesmo<br />

período;<br />

• verificar através dos registros realizados pelos profissionais <strong>da</strong>s equipes<br />

do PSF, os motivos pelos quais não realizaram as visitas domiciliares pósalta<br />

hospitalar.<br />

Revisão <strong>da</strong> Literatura<br />

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O Programa Saúde <strong>da</strong> Família (PSF), foi concebido com o objetivo de proceder “a<br />

organização <strong>da</strong> prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional<br />

de assistência” (MINISTÉRIO DA SAUDE, 2000 b, p.2). Foi criado com intuito de reestruturar<br />

o modelo de atenção à saúde, o qual deve estar centrado na família, entendido e percebido a partir<br />

de seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes, compreensão amplia<strong>da</strong> do<br />

processo saúde-doença e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de intervenções que vão além <strong>da</strong>s práticas curativas.<br />

O PSF, de acordo com o Ministério <strong>da</strong> Saúde (2002 b), prioriza as ações de<br />

proteção e promoção à saúde dos indivíduos e <strong>da</strong> família de forma integral e contínua, adotando um<br />

novo paradigma: a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />

O objetivo geral do PSF é melhorar o estado de saúde <strong>da</strong> população, mediante a<br />

construção de um modelo assistencial de atenção baseado na promoção, proteção, diagnóstico<br />

precoce, tratamento e recuperação <strong>da</strong> saúde, em conformi<strong>da</strong>de com os princípios e diretrizes do<br />

Sistema Único de Saúde (SUS) e dirigido aos indivíduos, à família e a comuni<strong>da</strong>de. Uma <strong>da</strong>s<br />

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Claudiane de Andrade e Damares Tomasin Biazin<br />

ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> equipe do PSF é o atendimento à comuni<strong>da</strong>de, tendo como uma de suas ações a<br />

Visita Domiciliar (VD) (Ministério <strong>da</strong> Saúde, 1997).<br />

Além do atendimento às consultas na Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde, os profissionais<br />

percorrem os bairros visitando as casas, dentro de sua área de abrangência, pois, a VD permite<br />

aproximar a equipe de saúde <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, propiciando-lhe um acompanhamento mais particularizado<br />

<strong>da</strong>s famílias. Os profissionais passam então, a conhecer não só o quadro clínico e problemas<br />

de saúde, mas, também, as suas condições de vi<strong>da</strong>, em termos econômicos, culturais, sociais e<br />

familiares. A visita domiciliar é fator essencial ao processo de vigilância à saúde e interação entre<br />

equipe e comuni<strong>da</strong>de, tendo por finali<strong>da</strong>de acompanhar a situação de saúde <strong>da</strong>s famílias, esperando-se,<br />

assim, resultados positivos através <strong>da</strong> antecipação do diagnóstico personalizado do atendimento<br />

e de uma maior orientação ao individuo e sua família.<br />

Segundo Nogueira e Fonseca (1997) a VD é um método de trabalho junto às<br />

famílias tendo como vantagens: proporcionar, ao indivíduo, o conhecimento de seu próprio meio<br />

ambiente, atentando-se para as condições de habitação, relações afetivas e sociais <strong>da</strong> família;<br />

facilitar a a<strong>da</strong>ptação e planejamento <strong>da</strong> família conforme seus próprios recursos; proporcionar<br />

maior liber<strong>da</strong>de para que possam expor seus problemas, pois o tempo dedicado a eles é bem maior<br />

do que no contexto institucional, além de outros.<br />

O que o autor colocou em relação a VD, evidentemente é percebido pelos profissionais<br />

e na maioria <strong>da</strong>s vezes é o fator causador de doenças, principalmente <strong>da</strong>s psicossomáticas,<br />

pois os laços afetivos familiares são os mais observados na assistência a um membro <strong>da</strong> família<br />

com diagnóstico de depressão, muito comum hoje na comuni<strong>da</strong>de atendi<strong>da</strong>. O fato de conhecer a<br />

família e seu modo de viver facilita o planejamento de ação dos profissionais em relação a conduta<br />

a ser realiza<strong>da</strong>.Conforme enfatizam Fonseca e Bertolozzi (1997), a VD permite uma aproximação<br />

com os determinantes do processo saúde-doença no âmbito familiar. Ou seja, a VD é um instrumento<br />

que possibilita ao profissional identificar como se expressam, na família, as formas de trabalho<br />

e vi<strong>da</strong> dos membros, quais padrões de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de se desenvolvem no interior do universo<br />

familiar e como estes podem contribuir para o processo de cui<strong>da</strong>do, cura ou recuperação de um de<br />

seus membros.<br />

A VD permite ao profissional criar um relacionamento afetivo e amistoso com a<br />

comuni<strong>da</strong>de envolvi<strong>da</strong>, pois ele está adentrando em seu lar, sua casa, sua intimi<strong>da</strong>de, mantendo<br />

assim interações, ou seja, relacionamento interpessoal, que permite obter <strong>da</strong>dos mais fidedignos<br />

sobre a saúde <strong>da</strong>s famílias. Para isso é necessário estabelecer confiança entre os membros <strong>da</strong><br />

equipe de saúde e os <strong>da</strong> família, para que esta se sinta segura com as ações desenvolvi<strong>da</strong>s pelos<br />

profissionais e em casos de problemas ou dúvi<strong>da</strong>s, solicite aju<strong>da</strong>, explicações e orientações. A VD<br />

serve, também, para que os profissionais enten<strong>da</strong>m o significado do momento vivido e possam<br />

atender as necessi<strong>da</strong>des evidencia<strong>da</strong>s e as solicitações feitas, aju<strong>da</strong>ndo a família a descobrir suas<br />

possibili<strong>da</strong>des. Quanto mais for efetivo o relacionamento e o envolvimento profissional com a<br />

família, maior será o seu reconhecimento profissional.<br />

Na realização <strong>da</strong> visita domiciliar pós-alta hospitalar, a confiança <strong>da</strong> família aumenta<br />

em relação a equipe de saúde, pois mesmo que seja um único membro <strong>da</strong> família que<br />

passou por uma internação, o fato <strong>da</strong> equipe ter a informação do diagnóstico e estar ali para <strong>da</strong>r<br />

continui<strong>da</strong>de ao tratamento proposto no hospital, ou uma simples orientação quanto a receita<br />

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medicamentosa, faz com que a família tenha a certeza de que está sendo cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, sendo alvo de<br />

preocupação <strong>da</strong> equipe naquele momento.<br />

Os maiores problemas de saúde que os homens enfrentaram sempre estiveram<br />

relacionados com a natureza de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Na Grécia (443 a.c) encontram-se relatos de<br />

médicos que percorriam as ci<strong>da</strong>des prestando assistência às famílias, de casa em casa, orientandoas<br />

quanto ao controle e a melhoria do ambiente físico, provisão de água e alimentos puros, alívio <strong>da</strong><br />

incapaci<strong>da</strong>de e do desamparo.Para os médicos a saúde estava relaciona<strong>da</strong> a “pensamentos sadios”<br />

(ROSEN, 1994 , p.31).<br />

No Brasil, atualmente, os médicos estão recebendo formação para uma melhor<br />

atuação, pois no marco <strong>da</strong> implantação do PSF, as equipes encontravam dificul<strong>da</strong>des e segundo<br />

Schraiber (2000) as escolas médicas, salvo, exceções, reproduzem o modelo hospitalocêntrico,<br />

condicionados por fatores como: capitalização do setor saúde, condição esta produtora de um<br />

intenso fracionamento do trabalho médico.<br />

No caso do enfermeiro, no Brasil, o aparecimento do serviço de enfermeiras<br />

visitadoras é marcado com o objetivo de prevenção. Em 1920, Amaury de Medeiros introduz na<br />

escola de enfermagem <strong>da</strong> Cruz Vermelha um curso de visitadoras sanitárias. Neste mesmo ano foi<br />

criado o serviço de visitadoras como parte do serviço de profilaxia <strong>da</strong> tuberculose. Tal iniciativa<br />

marca a inclusão <strong>da</strong> visita domiciliar como ativi<strong>da</strong>de de saúde pública, uma vez que o serviço<br />

referido fazia parte do Departamento Nacional de Saúde Pública (Nogueira; Fonseca, 1977). Os<br />

mesmos autores afirmam que as visitadoras deveriam prestar assistência priorizando aspectos<br />

educativos de higiene, dirigidos aos doentes. Concomitantemente, em todo o país, nesse período<br />

foram sendo criados os Centros de Saúde, os quais tinham como objetivo o tratamento <strong>da</strong> tuberculose,<br />

hanseníase e diminuição <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de infantil. Nesta assistência, desempenhavam papel<br />

preponderante as visitas domiciliárias executa<strong>da</strong>s por pessoal de nível médio.<br />

Analisando os autores acima, conclui-se que os profissionais do PSF podem executar<br />

as visitas domiciliares, independentemente de seu nível ou <strong>da</strong> formação predominante na<br />

Universi<strong>da</strong>de em que se formou, pois há muito tempo, profissionais e pessoas <strong>da</strong> própria comuni<strong>da</strong>de<br />

prestavam assistência através de visita domiciliar com objetivos em comum com o do PSF, hoje,<br />

que é a prevenção.<br />

A VD faz parte, também, do panorama <strong>da</strong> área de pesquisa, quando se busca<br />

obter <strong>da</strong>dos para identificar problemas que atingem indivíduos e suas famílias em situações especificas,<br />

como apontam Glashan e Diccini (1997) destacando os indivíduos que realizam diálise peritonial,<br />

os portadores de asma, queimados, idosos, entre outros problemas vigentes na área de abrangência<br />

do local de atendimento de ca<strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de Básica de Saúde.<br />

A VD é um dos instrumentos mais indicados à prestação de assistência à saúde,<br />

do indivíduo, família e comuni<strong>da</strong>de e deve ser realiza<strong>da</strong> mediante processo racional, com objetivos<br />

definidos e pautados nos princípios de eficiência. Apesar de antiga, a VD traz resultados inovadores,<br />

uma vez que possibilita conhecer a reali<strong>da</strong>de do cliente e sua família in loco, contribuir para a<br />

redução de gastos hospitalares, além de fortalecer os vínculos cliente-terapêuta-profissional. Também<br />

deve ser considera<strong>da</strong> no contexto de educação em saúde por contribuir para a mu<strong>da</strong>nça de<br />

padrões de comportamento e, conseqüentemente, promover a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> através <strong>da</strong> prevenção<br />

de doenças e promoção <strong>da</strong> saúde.<br />

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Claudiane de Andrade e Damares Tomasin Biazin<br />

Atuar em visita domiciliar, respeitando esses princípios aponta o horizonte de possibili<strong>da</strong>des<br />

que contribuem para superar o paradigma de saúde-doença centrado no individuo que<br />

até então predominou no modelo de saúde brasileiro.<br />

METODOLOGIA<br />

Trata-se de um estudo analítico quantitativo, onde foram analisados dois instrumentos<br />

criados pela própria Coordenadora do PSF: o primeiro “Planilha de Alta”, com <strong>da</strong>dos obtidos<br />

no momento <strong>da</strong> alta hospitalar na Casa de Misericórdia e o segundo, “Visita de Alta”, com<br />

<strong>da</strong>dos obtidos e registrados no momento <strong>da</strong> visita domiciliar pós-alta hospitalar, realiza<strong>da</strong> pelas<br />

equipes do PSF, no período de abril até dezembro de 2005.<br />

Através <strong>da</strong> “Planilha de Alta” foram somados apenas com a utilização de calculadora<br />

os números de crianças, gestantes/puérperas e adultos acima de 50 anos, que constavam nas<br />

mesmas. Obtendo um total de visitas solicita<strong>da</strong>s.<br />

Através <strong>da</strong> “Visita de Alta”, foram soma<strong>da</strong>s as visitas realiza<strong>da</strong>s. As visitas não<br />

realiza<strong>da</strong>s foram analisa<strong>da</strong>s e divi<strong>da</strong>s em: pacientes não encontrados no domicílio, endereços fictícios,<br />

fora de área de abrangência, internados em hospitais de alta complexi<strong>da</strong>de e visitas não<br />

realiza<strong>da</strong>s por dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> equipe.<br />

O demonstrativo dos resultados foi elaborado a partir de um gráfico de colunas,<br />

com valores absolutos e um gráfico de percentuais, com uma breve discussão dos mesmos, de<br />

acordo com a reali<strong>da</strong>de vivencia<strong>da</strong> pela própria autora.<br />

Resultados e Discussões<br />

133<br />

Gráfico 1<br />

Número absoluto de visitas, por alta hospitalar, realiza<strong>da</strong>s e não realiza<strong>da</strong>s pelas equipes do PSF de<br />

Cornélio Procópio-Paraná no período de abril a dezembro de 2005.<br />

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Gráfico 2<br />

Número em percentual de visitas realiza<strong>da</strong>s e não realiza<strong>da</strong>s pelas equipes do PSF de Cornélio<br />

Procópio-Paraná no período de abril a dezembro de 2005.<br />

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Analisando o gráfico 1 em número absoluto e o gráfico 2 em percentual pode-se<br />

observar que o total de visitas solicita<strong>da</strong>s através <strong>da</strong> “Planilha de Alta” pelo hospital foi de 1560<br />

pacientes (100%), destes 1303 pacientes receberam a visita domiciliar pós-alta hospitalar (83.8%)<br />

registrados pelos profissionais no instrumento “Visita de Alta”, com evolução clínica, orientações,<br />

encaminhamentos e/ou procedimentos realizados. Este resultado superou a expectativa <strong>da</strong> Coordenação<br />

do PSF, visto que os profissionais prestam atendimentos na UBS e estão inseridos no<br />

contexto de funcionamento <strong>da</strong> mesma, atendendo a deman<strong>da</strong> para consultas considera<strong>da</strong> alta (3,4<br />

consulta/habitante/ano) apresentado pelo Departamento de Saúde do município em Audiência Pública,<br />

onde o preconizado pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde é de 1,5 consulta/habitante/ano, participam de<br />

todos os eventos e realizam grupos de educação em saúde para gestantes, hipertensos e diabéticos,<br />

assim como trabalhos educativos em escolas e creches.<br />

As visitas não realiza<strong>da</strong>s apresentaram um total de 257 (16,2%), destes 56 pacientes<br />

(3,5%) não foram encontrados em seus domicílios.. Esta é uma dificul<strong>da</strong>de conheci<strong>da</strong> por to<strong>da</strong>s<br />

as equipes de PSF, pelo menos no Brasil segundo Felisberto (Ministério <strong>da</strong> Saúde, 2004 b) e neste<br />

estudo não foi diferente, trata-se <strong>da</strong>s puérperas que em busca de apoio para si e para o RN,<br />

permanecem na primeira semana, no domicílio <strong>da</strong> mãe, irmã ou sogra. Esse fato impossibilita a<br />

equipe de realizar a visita domiciliar pós-alta hospitalar, para orientações de puerpério importantes<br />

como, por exemplo, o aleitamento materno, 39 (2,5%) os endereços eram fictícios, ou seja, no<br />

momento <strong>da</strong> coleta dos <strong>da</strong>dos no hospital os pacientes inventaram ou informaram endereços fictícios.<br />

Este resultado aponta para um problema nacional, apesar de “saúde é um direito de todos e<br />

dever do Estado”, conforme afirma o artigo 196 <strong>da</strong> Constituição Federal, as descentralizações e as<br />

cotas para internamentos têm limitado o atendimento hospitalar no país. Segundo o próprio hospital,<br />

muitos pacientes que residem na região, com receio de não receberem o atendimento, informam<br />

endereços do município e as equipes, muitas vezes, chegam a encontrar o endereço, porém os<br />

moradores não conhecem o paciente procurado, 98 pacientes, (6,2%) não receberam a visita por<br />

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residirem fora <strong>da</strong> área de abrangência .Isso ocorre segundo foi descrito na introdução, pelo fato de<br />

9% residirem na zona rural e pelo fato <strong>da</strong> cobertura do PSF ser de 70% do município. Desta forma,<br />

esse foi um resultado esperado pela Coordenação, 17 pacientes (1,0%) em função do paciente se<br />

encontrar internado em outro hospital para tratamento de alta complexi<strong>da</strong>de, pós alta <strong>da</strong> Casa de<br />

Misericórdia de Cornélio Procópio. Este tipo de paciente é considerado de alto risco, visto que<br />

normalmente são pacientes com problemas cardíacos, encaminhados para procedimentos em Londrina<br />

ou Arapongas e que necessitam de um acompanhamento especial <strong>da</strong> equipe de saúde <strong>da</strong><br />

UBS mais próxima de seu domicílio e 47 pacientes (3,0%) não receberam a visita de alta por<br />

dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> equipe sem motivos justificados nos registros. Neste caso pode-se supor que tal<br />

fato tenha ocorrido por dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s pelas equipes do PSF, ou seja, pela falta de transporte,<br />

falta de recursos humanos nas UBS em alguns períodos do dia, ausência dos profissionais<br />

em função de eventos, treinamentos ou reuniões fora <strong>da</strong> área de abrangência.<br />

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES<br />

Este estudo permite concluir através dos resultados apresentados, que a maioria<br />

(83,5%) dos pacientes pós-alta hospitalar receberam apoio e assistência de acordo com suas necessi<strong>da</strong>des,<br />

de uma equipe de saúde <strong>da</strong> UBS mais próxima de seu domicílio. Conforme Fonseca e<br />

Bertolozzi (1997) a visita domiciliar permite uma aproximação com os determinantes do processo<br />

saúde-doença no âmbito familiar.<br />

A VD pós-alta hospitalar permite que a equipe conheça os padrões de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

dos familiares e como estes podem contribuir para o processo do cui<strong>da</strong>do, cura ou recuperação<br />

de um de seus membros. Na maioria <strong>da</strong>s vezes, a equipe já conhece a família to<strong>da</strong> e pode, se<br />

houver necessi<strong>da</strong>de, indicar um membro que considera mais preparado para os cui<strong>da</strong>dos com a<br />

pessoa doente, apoiando-a, orientando-a, possibilitando a autonomia para determinados cui<strong>da</strong>dos.<br />

Conclui-se também que, o trabalho desenvolvido em parceria com outros serviços<br />

de saúde, como a Casa de Misericórdia de Cornélio Procópio, contribuiu muito para a implementação<br />

do PSF, tornando possível atingir a integrali<strong>da</strong>de, princípio do SUS e os objetivos <strong>da</strong> Estratégia<br />

Saúde <strong>da</strong> Família, propostos pelo Ministério <strong>da</strong> Saúde em relação a prevenção e promoção de<br />

saúde <strong>da</strong> população adstrita pelas equipes do município.<br />

Diante dos resultados obtidos, a autora recomen<strong>da</strong> a utilização <strong>da</strong> mesma estratégia<br />

e dos instrumentos desenvolvidos, pois podem contribuir para que outros municípios que<br />

referenciam seus pacientes para o serviço de internação na Casa de Misericórdia de Cornélio<br />

Procópio, possam também realizar a visita domiciliar pós alta hospitalar em suas áreas atendi<strong>da</strong>s<br />

pelo PSF, visto que a distância é um fator determinante no processo saúde-doença e desta forma<br />

contribuir para diminuição do índice de reinternações, que geram custos e serviços, principalmente<br />

de transporte, para os municípios que não possuem o serviço de internação hospitalar.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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de 50 municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Fun<strong>da</strong>ção Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande<br />

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM ARQUITETURA E<br />

URBANISMO - NEPAU


Espaços Arquitetônicos para Cultura e Folclore<br />

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Cíntia de Paula Cardoso e Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

ESPAÇOS ARQUITETÔNICOS PARA CULTURA E FOLCLORE<br />

ARCHITECTURAL SPACES FOR CULTURE AND FOLKLORE<br />

Cíntia de Paula Cardoso*<br />

Antonio Manuel Nunes Castelnou**<br />

RESUMO:<br />

Neste artigo, a partir de uma revisão bibliográfica, procura-se apresentar algumas considerações<br />

sobre concepção e projeto de espaços culturais, uma vez que os mesmos se constituem em pontos<br />

de referência fun<strong>da</strong>mentais para a vi<strong>da</strong> urbana, atuando como focos de cultura e lazer. Proposta a<br />

introdução a este tema, procura-se então destacar, principalmente, os pontos fun<strong>da</strong>mentais de<br />

discussão a respeito do desenvolvimento, produção e difusão <strong>da</strong> cultura e do folclore nos dias<br />

atuais.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura; Projeto; Cultura; Folclore.<br />

ABSTRACT:<br />

In this article, through bibliographic revision, we intend to present some considerations culture<br />

spaces conception and project, showing that they constitute fun<strong>da</strong>mental reference spots to urban<br />

life, acting as culture and leisure foci. Proposed as an introduction to this subject, the intention is<br />

mainly to emphasize the fun<strong>da</strong>mental points of discussion about culture and folklore development,<br />

production an propagation in these times.<br />

KEY WORDS: Architecture; Architectural Project; Culture; Folklore.<br />

INTRODUÇÃO<br />

145<br />

Nos tempos contemporâneos, as ativi<strong>da</strong>des culturais devem ser considera<strong>da</strong>s como<br />

aspectos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, uma vez que são capazes de abrir novos caminhos de<br />

interesses intelectuais e, deste modo, contribuir, de forma essencial, para o autodesenvolvimento de<br />

ca<strong>da</strong> indivíduo. É a partir do acesso à informação e ao conhecimento que existirão pessoas com<br />

maior possibili<strong>da</strong>de de crescimento pessoal, técnico e profissional; e, conseqüentemente, dota<strong>da</strong>s<br />

de maior consciência e responsabili<strong>da</strong>de perante os demais membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Assim, somente<br />

através <strong>da</strong> disseminação <strong>da</strong> cultura, é possível combater o preconceito e a desigual<strong>da</strong>de social,<br />

baseando-se na digni<strong>da</strong>de e no respeito que devem sempre existir nas relações entre todos os<br />

homens.<br />

Paralelamente, surge a problemática, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na característica comum dos<br />

novos tempos, de haver a tendência de grande parte <strong>da</strong> população para convergir para os centros<br />

urbanos, provocando o enchimento descontrolado <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des, acelerando os processos de urbanização<br />

e causando graves deficiências nos campos de transporte, saneamento, lazer e infra-estrutura,<br />

com rebatimentos inevitáveis nas áreas <strong>da</strong> saúde, educação e segurança, entre outras. Todo<br />

* Acadêmica (em 2002) do 5º. ano do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Filadélfia de<br />

Londrina – <strong>UniFil</strong>. Realizou seu Trabalho Final de Graduação – TFG na área de Projeto de Edificações intitulado “Anteprojeto<br />

de Módulos Culturais de Bairro para a Ci<strong>da</strong>de de Londrina-PR”.<br />

**Docente na área de Teoria e História <strong>da</strong> Arquitetura e Urbanismo <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Orientador do TFG. Arquiteto e engenheiro civil.<br />

Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pela Escola de Engenharia de São Carlos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo – EESC/<br />

USP. Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná – UFPR<br />

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Espaços Arquitetônicos para Cultura e Folclore<br />

esse universo e os problemas a ele relacionados conduziram ao presente artigo – um resumo <strong>da</strong><br />

fun<strong>da</strong>mentação teórica do Trabalho Final de Graduação – TFG –, que pretende, de modo geral,<br />

apontar as relações existentes entre arquitetura e cultura, através <strong>da</strong> discussão de alguns pontos de<br />

tangência, em especial no que se refere à concepção e projeto de espaços voltados à produção e<br />

disseminação <strong>da</strong> cultura, tanto a nível erudito como popular.<br />

Dado à necessi<strong>da</strong>de de lançar alternativas que auxiliem os sistemas educacionais<br />

<strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de, os quais vêm seguindo uma tendência de descentralização dos serviços<br />

públicos, objetiva-se, a partir <strong>da</strong> criação de novos espaços arquitetônicos, instituir melhorias nas<br />

condições de acesso à informação e à cultura para maiores parcelas <strong>da</strong> população. Desta maneira,<br />

de modo mais específico, pretende-se apresentar um resumo <strong>da</strong> conceituação teórica, a qual possibilitou<br />

a proposta do que aqui se denominou de Módulos Culturais de Bairro, que funcionariam<br />

como uma espécie de centros de convivência e apoio a pesquisas escolares, voltados para a população<br />

carente <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Londrina-PR. Além de uma tentativa de polimerização dos conhecidos<br />

centros culturais urbanos, a meta também é atender a novos setores populacionais, que não se<br />

restringem somente às parcelas <strong>da</strong> elite intelectual.<br />

O QUE É CULTURA<br />

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Basicamente, pode-se dizer que a questão cultural fun<strong>da</strong>menta-se na preocupação<br />

contemporânea em se entender as diversas direções que levaram às relações presentes e às perspectivas<br />

futuras dos ci<strong>da</strong>dãos, tendo portanto bases antropológicas e sociológicas que abrangem<br />

vários conceitos. Nasci<strong>da</strong> com o homem, a cultura sofreu grandes modificações ao longo do<br />

tempo, enriquecendo-se de novos elementos e adquirindo valores originais; ou ain<strong>da</strong>, sofrendo o<br />

desaparecimento de outros valores. Ela faz parte de um processo social, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de, não<br />

sendo apenas um conjunto de práticas e concepções, mas sim um produto coletivo de to<strong>da</strong>s as<br />

maneiras de existência humana. Através de seu estudo, pode-se chegar a uma firme base sobre o<br />

respeito e a digni<strong>da</strong>de existentes nas relações entre os homens, combatendo aspectos tais como o<br />

preconceito e a desigual<strong>da</strong>de social.<br />

Para SANTOS (1983), o conceito de cultura passou por muitas transformações<br />

registra<strong>da</strong>s na história e, deste modo, sempre se relacionou com a humani<strong>da</strong>de em to<strong>da</strong> a sua<br />

riqueza e complexi<strong>da</strong>de de formas de existência. Segundo CHAUÍ (1996), a palavra “cultura” tem<br />

sua origem no verbo do latim colere, o qual significava, originalmente, o cultivo e os cui<strong>da</strong>dos com<br />

as plantas, os animais; ou ain<strong>da</strong>, a tudo que se relacionava com a terra. Mesmo hoje, agricultura<br />

significa o que se faz extensiva ou intensivamente, explorando a riqueza do solo. Contudo, com o<br />

decorrer do tempo, o termo passou a se relacionar também ao cui<strong>da</strong>do com crianças e sua educação.<br />

De maneira análoga, na antigui<strong>da</strong>de, a palavra também era utiliza<strong>da</strong> para se referir ao trato<br />

com os deuses, ou seja, o culto e a celebração.<br />

Esses significados foram ampliados pelos antigos romanos, passando a palavra<br />

cultura a se referir também ao refinamento pessoal, conforme a expressão “cultura <strong>da</strong> alma”.<br />

Desde então, conforme SANTOS (1983), é sinônimo do refinamento, sofisticação e educação elabora<strong>da</strong><br />

de um indivíduo, estando assim muito vincula<strong>da</strong> com o estudo, manifestações artísticas e, mais<br />

tarde, os meios de comunicação de massa. Seguindo esta idéia, a partir do final <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, o<br />

conceito de cultura transformou-se na descrição de um conhecimento dominante nos estados naci-<br />

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Cíntia de Paula Cardoso e Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

onais que se formavam na Europa. Assim, nascia a cultura volta<strong>da</strong> para o conhecimento oficial, ao<br />

qual apenas as classes dominantes tinham acesso: a cultura erudita. Paralelamente, surgia a<br />

concepção de um tipo de conhecimento pertencente à maior parte <strong>da</strong> população – um saber que se<br />

supunha inferior, atrasado e que, aos poucos, passou a ser entendido como uma forma váli<strong>da</strong> de<br />

cultura: a cultura popular.<br />

De maneira segura, a cultura erudita desenvolveu um espaço próprio, através <strong>da</strong><br />

filosofia, <strong>da</strong> ciência e do saber produzido nas universi<strong>da</strong>des, academias e ordens profissionais,<br />

enquanto a cultura popular seria mais uma tentativa de classificar as manifestações culturais <strong>da</strong>s<br />

populações mais pobres de uma socie<strong>da</strong>de, que são distintas <strong>da</strong> cultura dominante e estão fora de<br />

suas instituições. Para KUPTAS-CAMPOS (1988), de acordo com conceitos contemporâneos, a<br />

idéia de cultura adquiriu também outras duas subdivisões: a cultura criadora, a qual seria inventiva,<br />

acabando com padrões reconhecidos e sendo vista como uma cultura de vanguar<strong>da</strong>, cria<strong>da</strong> por<br />

artistas e intelectuais ligados a academias e universi<strong>da</strong>des; e a cultura de massa, esta diretamente<br />

relaciona<strong>da</strong> à indústria de consumo, à socie<strong>da</strong>de de massa e à multimídia; e que surgiu em resposta<br />

ao avanço tecnológico e aos meios de comunicação de massa, após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial<br />

(1939/45), acabando por produzir bens de consumo provindos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> indústria cultural.<br />

No século XVIII, Raymond Williams dizia que a cultura tinha certa relação com o<br />

termo “civilização”, o qual se originou do verbo latino civis, ligado a civitas, que se referia o civil,<br />

como sendo um homem educado. Como civilização também se relaciona com uma fase de desenvolvimento<br />

e ideologia de progresso, com a evolução dos tempos, o termo “cultura” acabou se<br />

tornando um medidor que também analisa, compara e classifica as diversas civilizações. SANTOS<br />

(1983) diz que cultura e civilização seriam quase que sinônimos, embora se prefira o termo “civilização”<br />

para usualmente se fazer referência a socie<strong>da</strong>des poderosas, de extensa tradição histórica<br />

e de grande influência, enquanto o termo “cultura” é usado não somente para falar em socie<strong>da</strong>des,<br />

mas também para se referir a grupos no seu interior – ao contrário de civilização, de significado<br />

mais universal.<br />

Mesmo que existam tendências gerais constatáveis na história <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des,<br />

não é possível estabelecer seqüências fixas detalha<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s fases de ca<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de cultural do<br />

passado. Na ver<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> cultura tem sua história particular, além <strong>da</strong>s próprias relações com<br />

outras culturas, as quais podem ter – e geralmente têm – características bem distintas. De acordo<br />

com a NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA (1998), a cultura faz parte de todos os povos, inclusive<br />

os mais primitivos, sendo transmiti<strong>da</strong> através do tempo, de geração para geração, e sendo uma<br />

espécie de herança que o homem recebe ao nascer, tais como as len<strong>da</strong>s, as crenças religiosas, os<br />

mitos, os sistemas jurídicos e os valores éticos referentes ao comportamento, sentimento e pensamento;<br />

e que compõem, assim, o patrimônio cultural de um determinado povo.<br />

Segundo o antropólogo inglês Edward B. Tylor (1831-1917), cultura consistiria em<br />

um complexo no qual estariam incluídos conhecimentos, crenças, artes, leis, costumes, conceitos<br />

morais e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

Já na opinião do antropólogo norte-americano Melville J. Herskovitz (1895-1963), a cultura originar-se-ia<br />

de fatores ligados ao homem, tais como meio ambiente, psicologia, sociologia, antropologia<br />

e história, os quais contribuiriam na formação <strong>da</strong> cultura dentro de uma socie<strong>da</strong>de, que deverá<br />

ser aprendi<strong>da</strong>, de modo estruturado e dinâmico. Assim, ocorreria um acúmulo cultural de conhecimentos<br />

que estariam abertos para aperfeiçoamentos contínuos, de maneira nem sempre perceptí-<br />

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veis, mas que serviriam de instrumentos de a<strong>da</strong>ptação do homem ao ambiente. Por sua vez, no<br />

século XX, Ashley Montagu, um antropólogo e biólogo social inglês, afirmou que cultura<br />

corresponderia à maneira de ca<strong>da</strong> povo se a<strong>da</strong>ptar ao ambiente, dentro de um território comum,<br />

construindo idéias, instituições, linguagens, serviços e sentimentos.<br />

A cultura, mesmo estrutura<strong>da</strong>, cumulativa e contínua, pode ser dividi<strong>da</strong> e assim<br />

classifica<strong>da</strong>. Os elementos que a integram não dominam uns aos outros, mas aju<strong>da</strong>m a compreendêla<br />

em seu funcionamento. Uma <strong>da</strong>s classificações de cultura mais aceitas partiu do sociólogo inglês<br />

William F. Ogburn, que, em 1922, a dividiu em cultura material e cultura não-material: a primeira<br />

consistiria em todos os elementos capazes de uma representação objetiva, em objetos ou fatos;<br />

enquanto que a segun<strong>da</strong> compreenderia tudo que é feito pelo ser humano, nem sempre traduzido<br />

em objetos concretos, tais como idéias e concepções. Conforme o DICIONÁRIO DE SOCIOLO-<br />

GIA GLOBO (1977), a cultura material (ergológica) abrangeria o conjunto de to<strong>da</strong>s as objetivações<br />

materiais (artefatos) e a cultura não-material (espiritual) consistiria em to<strong>da</strong>s as maneiras de sentir,<br />

pensar e agir, segundo padrões socialmente aprovados. Já OUTHWAITE-BOTTOMORE (1996)<br />

diz que a cultura material referir-se-ia a tudo feito, modelado ou transformado como parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

social coletiva. Por sua vez, a cultura não-material seria feita de símbolos e palavras, bem como de<br />

idéias e crenças que modelam e informam a vi<strong>da</strong> do homem em relação recíproca com a socie<strong>da</strong>de.<br />

Dessas idéias, as mais importantes seriam as atitudes, as crenças, os valores e as normas<br />

sociais.<br />

Há ain<strong>da</strong> outras classificações de cultura, como a do antropólogo norte-americano<br />

Ralph Linton (1893-1953), que, de acordo com a NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA (1998), acreditava<br />

que os fatos culturais resultariam <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do ser humano; estas divi<strong>da</strong>s em: necessi<strong>da</strong>des<br />

biológicas, onde estariam todos os fatos que corresponderiam à vi<strong>da</strong> física, tais como<br />

alimentação, habitação e vestuário, entre outros; necessi<strong>da</strong>des sociais, liga<strong>da</strong>s à reunião de todos<br />

os fatos ligados com a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de, tais como educação, organização política e outros; e<br />

necessi<strong>da</strong>des psíquicas, que compreenderiam todos os fatos que representam a demonstração de<br />

pensamentos humanos, tais como crenças, estéticas, etc. Por sua vez, o já citado Melville J.<br />

Herskovitz distribuía a cultura em quatro instâncias de elementos: a cultura material e suas sanções;<br />

as instituições sociais; o homem e o universo; e estética e linguagem.<br />

Contudo, para ULLMANN (1991), a cultura também pode ser classifica<strong>da</strong> em:<br />

cultura subjetiva, esta entendi<strong>da</strong> como o aprimoramento individual <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des mentais superiores<br />

do homem, tais como inteligência, memória e vontade; e cultura objetiva, esta referencia<strong>da</strong><br />

como modo de vi<strong>da</strong>, incluindo os padrões de comportamento de grupos humanos, as crenças, os<br />

valores e todo esse conjunto elaborado pelos homens que vivem em socie<strong>da</strong>de. Quanto à transmissão<br />

cultural, pode-se dizer que, segundo a NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA (1998), o homem é<br />

sempre o portador <strong>da</strong> cultura e, portanto, somente ele a cria, a possui e a transmite. Sendo uma<br />

herança recebi<strong>da</strong> ao nascer, é ela que trará uma série de influências na maneira de se alimentar,<br />

vestir, dormir ou mesmo falar, e assim por diante. Porém, à medi<strong>da</strong> que vai crescendo, o ser<br />

humano recebe novas influências do grupo em que vive, de modo a se integrar na socie<strong>da</strong>de.<br />

É correto dizer que o ser humano pode ser considerado, tanto agente como paciente<br />

<strong>da</strong> cultura. Ain<strong>da</strong> conforme ULLMANN (1991), “...o homem cria a cultura; esta, por sua vez, é<br />

criadora do homem”. Enfim, todo ser humano que vive em socie<strong>da</strong>de sofre um lento ajustamento à<br />

vi<strong>da</strong> social, administrado por costumes e valores culturais deixados e transmitidos pela tradição.<br />

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Cíntia de Paula Cardoso e Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

Tradição, segundo CASTELNOU (1999), seria o conjunto de precedentes culturais conhecidos e<br />

de uso consagrado, parcialmente repetidos ou modificados, consistindo em uma espécie de soma<br />

<strong>da</strong>s regras, costumes e modificações recolhidos ao longo do tempo e transmitidos através <strong>da</strong>s<br />

gerações. Trata-se, assim, do produto <strong>da</strong> destilação e <strong>da</strong> combinação de muitas experiências culturais<br />

que deram certo, ou seja, um ressurgir contínuo e fluente do aprendizado de uma geração nas<br />

experiências <strong>da</strong>s gerações seguintes. Deste modo, denomina-se tradicional o costume ou prática<br />

cultural de há muito reconhecido como válido. Uma tradição cultural nunca é estática: ela se<br />

renova dia-a-dia, estando assim em lenta e eterna mu<strong>da</strong>nça; e não impondo restrições ao trabalho<br />

<strong>da</strong> criação artística. A destruição não pode criar novas formas culturais: a tradição é para ser<br />

entendi<strong>da</strong> e respeita<strong>da</strong> – e não para ser copia<strong>da</strong> –, constituindo-se em um ideal a ser descoberto<br />

por ca<strong>da</strong> indivíduo.<br />

CULTURA POPULAR E FOLCLORE<br />

A esta altura, vale voltar ao tema sobre a cultura popular, cuja complexi<strong>da</strong>de<br />

conceitual engloba várias subdivisões e questionamentos. Conforme BIDERMANN (1992), cultura<br />

popular seria to<strong>da</strong> aquela que não poderia ser chama<strong>da</strong> de erudita ou oficial. Logo, poderia se<br />

ramificar em diversos termos, tais como o primitivismo (tradições manti<strong>da</strong>s), o comunitarismo<br />

(espírito coletivo) e o purismo (ingenui<strong>da</strong>de diante do mundo novo). De acordo com JOHNSON<br />

(1997), a expressão referir-se-ia a um repertório acumulado de produtos culturais – entre eles, a<br />

música, a literatura, a arte, a mo<strong>da</strong>, o rádio, o cinema e a televisão – que seriam consumidos,<br />

principalmente, por grupos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> não-elite, tais como as populações operárias, os setores<br />

mais baixos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou mesmo um segmento substancial <strong>da</strong> classe média.<br />

Em termos filosóficos, a cultura popular pôde ser analisa<strong>da</strong> através de dois pontos<br />

de vista distintos: a Escola de Frankfurt argumentava que a cultura popular seria banal,<br />

homogeneiza<strong>da</strong> e comercializa<strong>da</strong>, entorpecendo a mente <strong>da</strong>s pessoas, tornando-as passíveis e fáceis<br />

de manipular; enquanto os sociólogos britânicos diziam que ela seria um veículo para a rebelião<br />

contra a cultura dos grupos dominantes, sendo assim um espaço cheio de diversi<strong>da</strong>de e conflito<br />

social. Para os ingleses, a cultura popular não seria passivamente absorvi<strong>da</strong> pelas classes baixas,<br />

adolescentes, negros, mulheres ou outros grupos subordinados, mas sim desempenharia o papel de<br />

reproduzir neles a visão do que seriam suas vi<strong>da</strong>s.<br />

Desse modo, é importante saber distinguir a cultura popular <strong>da</strong> cultura de massa<br />

que, embora semelhante à anterior, pelo fato de também atingir de maneira bastante ampla grande<br />

quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> população nas socie<strong>da</strong>des modernas, possui características distintas. De acordo<br />

com OUTHWAITE-BOTTOMORE (1996), a cultura de massa seria marca<strong>da</strong> pela ausência do<br />

caráter reflexivo e <strong>da</strong> sofisticação <strong>da</strong> cultura eleva<strong>da</strong>, possuindo, na ver<strong>da</strong>de, um caráter direto e<br />

também a simplici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s culturas populares, mas não sendo autônoma como estas, já que necessitaria<br />

<strong>da</strong> produção e distribuição pelas mãos <strong>da</strong>s elites capitalistas. Basea<strong>da</strong> na massificação de<br />

gostos e conceitos, seus críticos elitistas referem-se a uma cultura que seria acessível às massas<br />

iletra<strong>da</strong>s, buscando agra<strong>da</strong>r os sentimentos e emoções menos nobres. Logo, tratar-se-ia de uma<br />

cultura sentimental e superficial, que, ao invés de promover conhecimento e ação, intensificava a<br />

alienação e a manipulação social.<br />

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Conforme SANTOS (1983), a indústria cultural seria o núcleo dessa cultura de<br />

massa, sendo capaz de homogeneizar a visão de mundo <strong>da</strong>s diversifica<strong>da</strong>s populações que formam<br />

essas socie<strong>da</strong>des contemporâneas, rompendo barreiras de classe social e, assim, facilitando o<br />

controle <strong>da</strong>s massas. Transmiti<strong>da</strong> através dos chamados mass media – meios de comunicação<br />

como a imprensa, o rádio, o cinema e a televisão –, não se baseia somente em informações ou<br />

mensagens de noticiários, mas principalmente na difusão de modos de se comportar, propondo<br />

estilos de vi<strong>da</strong>, modos de se vestir, maneiras de falar, de escrever, de pensar, de sonhar e de amar.<br />

Se por um lado, a denomina<strong>da</strong> cultura industrial tende à produção <strong>da</strong> alienação do homem através<br />

do reforço de normas sociais não discuti<strong>da</strong>s e do desencorajamento do debate sobre as questões<br />

vitais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, seu dinamismo é capaz de gerar efeitos sociais além dos previstos, produzindo<br />

uma forma cultural despretensiosa e sincera, complementar às formas tradicionais.<br />

Paradoxalmente, segundo CASTELNOU (1999), alguns defendem que a maior<br />

característica <strong>da</strong> indústria cultural seria o fato dela consistir em um primeiro processo democratizado<br />

<strong>da</strong> cultura, portanto instrumento privilegiado no combate à alienação. Assim, pode-se dizer que<br />

seus produtos serão bons ou maus – alienantes ou reveladores –, conforme a mensagem, eventualmente,<br />

por eles veiculados. Assim, ela teria duas funções concomitantes: a função narcotizante,<br />

pois enfatizando o divertimento em seus produtos, mascara reali<strong>da</strong>des intoleráveis e fornece ocasiões<br />

<strong>da</strong> fuga <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de; e a função transformadora, pois beneficia o desenvolvimento humano,<br />

como, por exemplo, acelerando o processo de aprendizado <strong>da</strong>s crianças ou promovendo alterações<br />

positivas no comportamento ético.<br />

De acordo com OUTHWAITE-BOTTOMORE (1996), a cultura <strong>da</strong> juventude<br />

seria distinta <strong>da</strong> cultura dominante ou erudita, pois se relacionaria mais a símbolos, crenças e<br />

comportamentos singulares dos jovens <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea. Esta expressão poderia representar<br />

tanto os valores e normas <strong>da</strong> população jovem em geral, como também expressar a<br />

ideologia e práticas de subgrupos juvenis, tais como grupos subculturais ou contraculturais. Esclarecendo<br />

melhor: as subculturas aceitariam alguns dos valores do sistema predominante, mas também<br />

expressariam a sua própria cultura, sendo esta constituí<strong>da</strong> por artistas e escritores de vanguar<strong>da</strong>,<br />

delinqüentes juvenis, guangues, boêmios e centros de jovens autônomos – grupos que se<br />

retiram <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Já a contracultura seria uma subcultura que desafiaria a cultura e a socie<strong>da</strong>de<br />

dominante, sendo representa<strong>da</strong> por grupos mais contestadores e confrontantes, participantes<br />

de ativi<strong>da</strong>des políticas rebeldes, tais como hippies, punks, skinheads e outros.<br />

Na opinião do sociólogo norte-americano Talcott Parsons (1902-1979), a modernização,<br />

a industrialização, a urbanização, a ascensão <strong>da</strong> classe média e a ampliação <strong>da</strong> educação<br />

pública estimularam a segregação com base na i<strong>da</strong>de e estagnação <strong>da</strong> juventude. Através <strong>da</strong><br />

história moderna, as culturas jovens se formaram, separa<strong>da</strong>s ou liga<strong>da</strong>s a movimentos jovens que<br />

defendiam mu<strong>da</strong>nças políticas ou outros ideais. Paralelamente, os avanços tecnológicos, as comunicações<br />

rápi<strong>da</strong>s, a comercialização e a globalização <strong>da</strong> última metade do século XX, têm facilitado,<br />

em escala mundial, a propagação de ativi<strong>da</strong>des relaciona<strong>da</strong>s à juventude. Por sua vez, a<br />

cultura <strong>da</strong> juventude pode vir a motivar alterações no comportamento de jovens, pelas necessi<strong>da</strong>des<br />

de formação de identi<strong>da</strong>de, autodeterminação, experiências psicossociais, auto-afirmação, ou<br />

ain<strong>da</strong>, traços de personali<strong>da</strong>de, desejo de romper o convencional ou busca de risco. Sendo, às<br />

vezes, chama<strong>da</strong> de cultura generaliza<strong>da</strong> ou pop, não quer dizer um rompimento significante com<br />

a socie<strong>da</strong>de adulta, mas a criação e adoção de estilos próprios de roupa, linguagem, expressão<br />

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Cíntia de Paula Cardoso e Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

artística, práticas sexuais e comuni<strong>da</strong>des. Para alguns, o conceito positivo <strong>da</strong> cultura juvenil significaria<br />

o desenvolvimento nos jovens do desejo de criar um mundo melhor para sua geração; para<br />

outros, consistiria em uma falha <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de adulta. De qualquer maneira, concor<strong>da</strong>-se quanto à<br />

sua existência e os impactos que pode exercer sobre a socie<strong>da</strong>de contemporânea.<br />

De modo geral, pode-se dizer que o conhecido folclore estaria incluído na cultura<br />

popular pela sua relação com as formas de pensar, agir e sentir de um povo, preservado por<br />

tradições populares, sem a influência direta do erudito. Segundo BRANDÃO (1982), o termo veio<br />

<strong>da</strong> fusão de duas palavras anglo-saxônicas – folk (gente, povo) e lore (cultura, saber) – o que<br />

resultou no significado básico de saber tradicional do povo, expressão que apareceu pela primeira<br />

vez em uma carta do inglês William John Thoms, em Londres, 1856. Hoje em dia, considera-se<br />

folclore como a ciência <strong>da</strong>s tradições, usos, crenças, len<strong>da</strong>s, canções e literatura popular, cuja área<br />

vem ultimamente sendo alarga<strong>da</strong> a outros e diversos conhecimentos. Entretanto, ain<strong>da</strong> não existe<br />

grande concordância no tocante ao campo de ativi<strong>da</strong>des do folclore, que alguns teóricos restringem<br />

à cultura espiritual; outros à simples literatura oral; enquanto muitos o ampliam também às manifestações<br />

<strong>da</strong> cultura material.<br />

Foram os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, nos seus trabalhos Deutsche sagen<br />

(Len<strong>da</strong>s alemãs), de 1816/18, e Kinder-und hausmärchen (Contos de fa<strong>da</strong>s e infantis), de 1812/<br />

14, que chamaram a atenção para o valor <strong>da</strong> literatura oral e seu amplo significado na psicologia<br />

dos povos. Assim, no século XIX, depois que o romantismo realçou sua importância e que o arqueólogo<br />

inglês William J. Thoms propôs, em um artigo publicado pela <strong>revista</strong> Athenaeum, de Londres,<br />

em 22 de agosto de 1856, que se chamassem essas “antigui<strong>da</strong>des populares” com as duas raízes<br />

saxônicas FOLK (povo) e LORE (sabedoria), que os estudos, as pesquisas, as in<strong>da</strong>gações e as<br />

projeções do folclore começaram a interessar ao mundo científico de todos os países. Em 1878,<br />

fundou-se em Londres a Folk-Lore Society. Na França, aparecia a primeira <strong>revista</strong> Mélusine<br />

(1875), a qual promoveu o primeiro congresso internacional de folclore, em Paris, 1889. Nos EUA,<br />

fundou-se a American Folklore Societ, em 1888. A palavra foi, a princípio, recebi<strong>da</strong> com certas<br />

reservas, sendo propostas várias outras, mas terminado por se impor, sendo hoje de aceitação<br />

universal, embora os alemães ain<strong>da</strong> insistam na denominação Volkskunde.<br />

Como ciência social que estu<strong>da</strong> a cultura do homem, através <strong>da</strong> história de suas<br />

manifestações populares e tradicionais, o estudo do folclore é usado tanto em geral como no contexto<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de onde vive ca<strong>da</strong> homem. Sua análise e importância Têm sido assinala<strong>da</strong>s desde<br />

a antigui<strong>da</strong>de até os dias de hoje, realçando o valor <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, contos e fábulas na cultura de uma<br />

comuni<strong>da</strong>de. Conforme RAMOS apud BRANDÃO (1988), o folclore seria uma subdivisão <strong>da</strong><br />

antropologia cultural, a qual viria estu<strong>da</strong>r todos os aspectos <strong>da</strong> cultura de qualquer povo, relacionando-se<br />

com a literatura tradicional, que aqui incluiria mitos, adivinhas, músicas, poesias e provérbios,<br />

além <strong>da</strong> sabedoria tradicional e anônima. Ele estaria incorporado aos costumes de uma comuni<strong>da</strong>de,<br />

sendo passado de uma geração a outra e, por este motivo, alheio a modismos. Ao contrário<br />

do que ocorre na cultura erudita ou populariza<strong>da</strong> através dos meios de comunicação de massa –<br />

onde os produtos culturais possuem padrões de pequena duração –, o folclore, quando renovado<br />

para se a<strong>da</strong>ptar a novos contextos ou por iniciativa de seus participantes, ain<strong>da</strong> mantêm, por muito<br />

tempo, os mesmos elementos dentro de uma mesma estrutura.<br />

Até finais do século XVIII, seu âmbito não ultrapassava o conjunto de <strong>da</strong>nças,<br />

contos, sagas ou peças de artesanato que tinham determinado povo como produtor. Foi somente a<br />

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partir do início do século XIX que alguns estudiosos começaram a valorizar as criações populares,<br />

tais como a música e a poesia, nas quais encontravam uma profundi<strong>da</strong>de e rigidez semelhantes às<br />

<strong>da</strong> arte acadêmica. Conforme BRANDÃO (1988), o inspirador dessa corrente foi o inglês Albert<br />

Lard, que aplicou suas conclusões aos estudos e poemas populares. De modo análogo, os artistas<br />

literatos, tais como pintores, músicos, poetas e arquitetos, também se inspiraram em motivos folclóricos.<br />

Assim, com a fixação dos problemas do folclore desde logo, notou-se a tendência de alargar<br />

seu campo de ação, e os norte-americanos já incluíam os “produtos” primitivos, quando a idéia<br />

inicial, defendi<strong>da</strong> pelo francês Saintyves, era a de que o folclore só existia nas classes populares<br />

<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des civiliza<strong>da</strong>s. Hoje, a tendência mundial é para incluir no estudo também o folclore<br />

urbano.<br />

EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS CULTURAIS<br />

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Atualmente, para se entender um espaço cultural é preciso compreender a socie<strong>da</strong>de<br />

de consumo e a cultura de massa. Além disso, é interessante analisar as evoluções pelas<br />

quais passaram esses espaços ao longo dos tempos, além <strong>da</strong>s conseqüências dessas mu<strong>da</strong>nças.<br />

Segundo GRAEFF (1986), o número de edifícios culturais construídos hoje e a varie<strong>da</strong>de de necessi<strong>da</strong>des<br />

que eles devem atender são muito grandes. Além disso, em diversas partes do mundo, vem<br />

ocorrendo uma fase de grandes transformações nas necessi<strong>da</strong>des contemporâneas, período este<br />

que já dura quase dois séculos. Desta forma, fica difícil dizer o que é típico e estável. Mesmo<br />

assim, o que se poderiam considerar típico seriam os edifícios que, de alguma maneira, adquiriram<br />

na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de maior importância e significado para a socie<strong>da</strong>de.<br />

Pode-se dizer que os edifícios destinados a atender às preocupações de ordem<br />

social e cultural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea em constante transformação, começaram a se multiplicar<br />

a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XVIII e, principalmente, durante o século XIX, com<br />

o decorrer <strong>da</strong>s primeiras etapas <strong>da</strong> Revolução Industrial na Europa. No plano do lazer e <strong>da</strong><br />

cultura, por exemplo, adquiriram um novo significado e importância as bibliotecas, os museus, os<br />

teatros, as salas de concertos, os auditórios e os cinemas, entre outros.<br />

Basicamente, as praças podem ser considera<strong>da</strong>s como um dos primeiros espaços<br />

que surgiram para as manifestações culturais, caracterizando-se como lugares de concentração de<br />

pessoas, nos quais ocorriam grandes e importantes ativi<strong>da</strong>des urbanas, permitindo às pessoas se<br />

encontrarem e se comunicarem, fazendo comércio de mercadorias, trocando informações e idéias.<br />

Desde as eras antiga e medieval, estes foram os locais em que também aconteciam as festas<br />

populares, as manifestações artísticas e as decisões políticas. Portanto, as praças eram – e, em<br />

alguns casos, pode-se dizer que ain<strong>da</strong> são – os espaços onde se refletiam, através <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des ali<br />

realiza<strong>da</strong>s, a vi<strong>da</strong> social, política, comercial e ideológica de um povo, expondo e desenvolvendo a<br />

cultura de uma ci<strong>da</strong>de.<br />

Um importante exemplo de praça está caracterizado pelas ágoras gregas, existentes<br />

na Antigüi<strong>da</strong>de, as quais serviam de suporte à estrutura moral e política <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des, refletindo<br />

a concepção democrática dos gregos, uma vez que serviam de palco para as manifestações <strong>da</strong>s<br />

idéias dos ci<strong>da</strong>dãos. Por sua vez, os fóruns romanos inspiraram-se muito nas ágoras, diferenciando-se<br />

<strong>da</strong>s primeiras pelo fato de, além <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des civis e comerciais, permitirem as ativi<strong>da</strong>des<br />

religiosas. Já na Baixa I<strong>da</strong>de Média, a praça transformou-se no “coração” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, cerca<strong>da</strong> por<br />

muitas casas e ruas de comércio.<br />

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Cíntia de Paula Cardoso e Antonio Manuel Nunes Castelnou<br />

Em uma breve análise <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de brasileira, segundo MARX (1980), pode-se dizer<br />

que, no Brasil, as praças demoraram a surgir, sendo antecedi<strong>da</strong>s em suas funções de aglomeração<br />

e convivência urbana pelos antigos largos, ou ain<strong>da</strong> pelos adros <strong>da</strong>s primeiras igrejas. Hoje em dia,<br />

a praça em nosso país mudou suas características, mantendo sua função de encontro e reunião de<br />

pessoas, mas passando a reunir também as ativi<strong>da</strong>des lúdicas – como um produto saudável do<br />

lazer, cujo estudo seria bastante interessante. Contudo, tendo-se em vista que o principal objetivo<br />

deste trabalho baseia-se em um enfoque voltado aos espaços edificados, não se deve, a partir deste<br />

ponto, fazer maiores considerações a respeito de praças, mas sim abor<strong>da</strong>r a evolução de outros<br />

espaços de transmissão cultural, tais como os museus, as bibliotecas e os teatros. Estes são, deste<br />

modo, compreendidos como os antecessores históricos dos espaços culturais por excelência, cujo<br />

desenvolvimento acelerou-se após o industrialismo, permitindo o surgimento dos chamados centros<br />

culturais que, em sua essência, na<strong>da</strong> mais são do que locais onde haveria a concentração de<br />

diversas opções para a produção, exposição e difusão <strong>da</strong> cultura.<br />

A palavra “museu” tem sua origem no termo grego mouseion, que designava o<br />

templo <strong>da</strong>s musas. A NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA (1998) define museu como sendo to<strong>da</strong><br />

instituição pública ou priva<strong>da</strong> que se dedicaria a reunir, classificar e expor coleções de obras,<br />

objetos e documentos de interesses históricos, técnicos, cientifico ou artístico, preservando e oferecendo<br />

o acervo ao público, que poderia utilizar como objeto de estudo ou contemplação. Os museus<br />

possuiriam conjuntos permanentes de obras, as quais poderiam ser classifica<strong>da</strong>s em vários gêneros<br />

e naturezas, enquanto que as galerias poderiam ser distingui<strong>da</strong>s deles por permitirem exposições<br />

itinerantes ou temporárias, além de possuirem dimensões mais resumi<strong>da</strong>s.<br />

Conforme GRAEFF (1986), o Museu de Alexandria pode ser considerado o mais<br />

antigo local deste gênero, criado a partir <strong>da</strong> inspiração na política helenizante de Alexandre, o<br />

Grande (356-323 a.C.); embora possuísse, também, as características de uma biblioteca e centro<br />

de estudos avançados, especialmente sobre a cultura helenística. Por sua vez, os romanos costumavam<br />

organizar mostras, nas quais exibiam os “troféus” conquistados nos saques de outras terras,<br />

embora não tenham criado nenhum edifício para esse fim. Já a Igreja Católica, no período<br />

medieval, criou locais de preservação para as relíquias eclesiásticas. No entanto, esses espaços<br />

somente tinham o objetivo de adoração desses objetos sacros, e não de estudo <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de e<br />

cultura humanas. Logo, não se caracterizavam exatamente como museus, como se compreende<br />

hoje em dia.<br />

No século XIV, o hábito de colecionar objetos acabou mu<strong>da</strong>ndo de valor, adquirindo<br />

uma conotação mais material do que motivações culturais ou científicas, como as <strong>da</strong> elite do<br />

mundo feu<strong>da</strong>l. Assim, encontram-se as origens mais recentes dos museus, justamente, nas coleções<br />

que se formaram no final <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média e início do Renascimento. Foi a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong><br />

metade do século XV que a palavra “museu” adquiriu seu sentido atual, o qual foi aplicado primeiramente<br />

à coleção dos Médici. Entretanto, tal concepção ain<strong>da</strong> entendia o museu como um local<br />

fechado à visitação pública, já que, embora significasse uma seleção e reunião de objetos de interesse<br />

artístico, não permitia o acesso à cultura, que permanecia nas mãos <strong>da</strong> aristocracia.<br />

Segundo a GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL (1998), somente<br />

no final do século XVIII surgiu o conceito de museu como reunião de objetos artísticos,<br />

científicos e técnicos em local aberto ao público. Embora o British Museum tenha sido criado em<br />

1753, em Londres, considera-se o Musée du Louvre o primeiro museu nacional europeu, aberto ao<br />

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público em 1793. Em segui<strong>da</strong>, criaram-se os museus históricos, de ciências e de técnicas, tais como<br />

o Museu de História Natural e o Conservatório Nacional de Artes e Profissões, em 1794,<br />

Paris. Mais tarde, apareceram os museus de artes decorativas, tais como o Victoria and Albert<br />

Museum, fun<strong>da</strong>do em 1852, em Londres. Depois, vieram os de folclore e etnologia, como o Skansen<br />

Museum, em 1891, Estocolmo.<br />

Entretanto, esse desenvolvimento provocou críticas em relação à finali<strong>da</strong>de e papel<br />

de conservação, consagração e legitimi<strong>da</strong>de de obras. Assim, a partir de 1945, instituiu-se uma<br />

nova orientação, tanto nos museus tradicionais, quanto nos espaços modernos. Adquirindo maior<br />

dinamismo, o museu acabou estabelecendo um contato direto com a criação contemporânea em<br />

to<strong>da</strong>s as suas manifestações, tornando-se, deste modo, um centro ativo de informação, comunicação,<br />

animação e educação. Conforme GRAEFF (1986), durante os decênios seguintes, ocorreu<br />

uma multiplicação de museus e galerias de arte. Enquanto todos os centros urbanos de alguma<br />

importância passaram a aspirar em ter o seu museu, nas capitais e metrópoles contemporâneas,<br />

multiplicavam-se também as galerias especializa<strong>da</strong>s.<br />

Por muito tempo, os museus foram instalados em antigos palácios e outras grandes<br />

mora<strong>da</strong>s, a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para o novo uso. Já as primeiras construções especialmente projeta<strong>da</strong>s<br />

para esse fim eram inspira<strong>da</strong>s em estilos históricos, uma vez que se pensava conferir digni<strong>da</strong>de<br />

e nobreza, desejáveis para esse tipo de edifício. Portanto, se a arquitetura museológica permaneceu<br />

por muito tempo historicista, as inovações e desenvolvimentos dos museus deram-se principalmente<br />

na organização, procurando-se sempre expor as peças <strong>da</strong> melhor maneira possível. A<br />

partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XX, houve uma grande renovação no movimento <strong>da</strong> arquitetura<br />

de museus, quando se criaram inovações em to<strong>da</strong>s as suas partes, aparecendo novos princípios,<br />

principalmente nos EUA. Atualmente, a idéia de monumento foi substituí<strong>da</strong> pelo conceito<br />

como “o lugar perfeito para mostrar, desfrutar e estu<strong>da</strong>r os objetos expostos”. Assim, os museus<br />

mais recentes possuem características de aprofun<strong>da</strong>mento de seu papel educativo, em especial<br />

na colaboração com escolas.<br />

Para MONTANER apud ZEIN (1991), nos últimos vinte anos, com a ampliação<br />

de significados e de conteúdo que abrange o termo museu, torna-se ca<strong>da</strong> vez mais difícil definir<br />

com precisão e determinar seus limites, onde as vastas desigual<strong>da</strong>des de utilização unem-se apenas<br />

pelo fato de serem edifícios que acolhem objetos especiais que podem ser vistos pelo grande<br />

público. Quanto às bibliotecas, a NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA (1998) as define como sendo<br />

to<strong>da</strong> coleção, priva<strong>da</strong> ou pública, de obras escritas, o que inclui desde o edifício aos móveis destinados<br />

à guar<strong>da</strong> de seus volumes. Nas bibliotecas mais antigas, era comum haver em seus acervos<br />

desenhos, pinturas, me<strong>da</strong>lhas e demais antigui<strong>da</strong>des. Já as atuais, principalmente as de grande<br />

porte, mantêm igualmente jornais, <strong>revista</strong>s, materiais audiovisuais e computadores interligados à<br />

Internet, além dos livros propriamente ditos.<br />

Os templos egípcios, cerca de 3.000 anos antes <strong>da</strong> era cristã, já abrigavam grande<br />

quanti<strong>da</strong>de de papiros científicos e teológicos. Acredita-se que a primeira biblioteca tenha sido a do<br />

faraó Ramsés II, o Grande (1301-1235 a.C.), embora se saiba que outra biblioteca importante <strong>da</strong><br />

Antigui<strong>da</strong>de tenha sido a de Nínive, organiza<strong>da</strong> por volta de 650 a.C., pelo rei assírio Assurbanipal<br />

(669-627 a.C.), e que continha tábulas com documentos literários, jurídicos e históricos. A mais<br />

célebre, contudo, foi a de Alexandria, cria<strong>da</strong> no século III a.C., que tinha cerca de 700.000 volumes<br />

de papiros. Apesar de tudo isso, foi a civilização greco-romana que criou o sentido de biblioteca que<br />

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se tem nos dias atuais, ou seja, <strong>da</strong> própria origem <strong>da</strong> palavra, resultante <strong>da</strong> junção de biblos (livros)<br />

e theke (depósito). Os templos gregos possuíam bibliotecas e arquivos, sendo que no século V<br />

a.C., as grandes escolas de filosofia começaram a formar coleções para uso dos alunos, nascendo<br />

assim as bibliotecas institucionais, além <strong>da</strong>s particulares já existentes.<br />

De acordo com GRAEFF (1989), a primeira biblioteca pública foi instituí<strong>da</strong> pelos<br />

gregos em 571a.C., mas foram os romanos que difundiram e popularizaram seu uso. Roma antiga<br />

chegou a ter mais de 20 bibliotecas públicas no século IV d.C., sendo as mais importantes a<br />

Ulpiana, localiza<strong>da</strong> no fórum romano e ergui<strong>da</strong> por Marcus Ulpius Traianus (53 e 117 d.C.); e a<br />

Palatina, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo imperador Caius Julius Caesar Augustus (63 a.C.-14 d.C.). Até então as<br />

bibliotecas eram apenas depósitos de rolos escritos que faziam parte de templos ou palácios. Entretanto,<br />

as bibliotecas sob influência <strong>da</strong> cultura helenística passaram a conservar também textos<br />

profanos, funcionando como órgãos de difusão do pensamento, sendo abertas aos eruditos, mesmo<br />

não pertencentes a classes sacerdotais ou nobres.<br />

Segundo PEVSNER (1989), as ver<strong>da</strong>deiras bibliotecas públicas praticamente desapareceram<br />

nos séculos III e IV d.C., principalmente devido aos problemas sofridos com a ascensão<br />

dos reinos bárbaros na Europa. O ressurgimento deu-se somente em plena I<strong>da</strong>de Média,<br />

passando a serem instala<strong>da</strong>s em mosteiros, conventos e igrejas. As bibliotecas monacais foram as<br />

grandes condicionadoras de livros e guardiãs do acervo existente. Foram nelas que apareceram os<br />

códices, semelhantes aos livros atuais, assim como apareceram também as primeiras estantes<br />

para a guar<strong>da</strong> dos materiais. As bibliotecas medievais eram instituições estritamente sagra<strong>da</strong>s ou<br />

religiosas, acessíveis somente para os sacerdotes ou aos que faziam parte de uma ordem ou algum<br />

corpo igualmente religioso, como uns poucos sábios, eruditos e professores. Contudo, existiam<br />

também bibliotecas particulares, monta<strong>da</strong>s por grandes senhores, geralmente ligados ao clero, além<br />

<strong>da</strong>s bibliotecas de universi<strong>da</strong>des, uma vez que as primeiras, de certo modo, nasceram como um<br />

prolongamento <strong>da</strong>s ordens eclesiásticas.<br />

De acordo com a GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL (1998),<br />

a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des representou um marco na história <strong>da</strong>s bibliotecas, pois estes centros<br />

foram responsáveis pela laicização <strong>da</strong> cultura ocidental. Esta ocorreu durante o século XIII, devido<br />

à necessi<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> vez mais evidente, <strong>da</strong> propagação <strong>da</strong> leitura, principalmente graças ao comércio<br />

e administração. As bibliotecas passaram assim a acompanhar a difusão <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des e<br />

colégios, adquirindo um aspecto um pouco menos restrito. A biblioteca mais importante desse<br />

período foi a de Sorbonne, cria<strong>da</strong> por volta de 1254 em Paris, pelo teólogo francês Robert de<br />

Sorbon (1201-1274), a qual mantinha acorrentados os livros de seu acervo, costume medieval para<br />

salvaguar<strong>da</strong>r as obras.<br />

Conforme GRAEFF (1989), as bibliotecas começaram a adquirir suas características<br />

modernas somente no decorrer do Renascimento. Foi a partir do século XV, que elas passaram<br />

por uma lenta transformação, marca<strong>da</strong> por quatro fatores de mu<strong>da</strong>nças fun<strong>da</strong>mentais: a<br />

laicização, na qual deixava de ter caráter religioso, não pelo conteúdo dos livros, mas pela natureza<br />

de sua administração, e adquirindo um caráter leigo e civil; a democratização, quando a biblioteca<br />

passou a ser realmente pública, aberta a todos, mu<strong>da</strong>ndo seu sentido de conservação para o<br />

de difusão; a especialização, devido à difusão que implicava em atender aos mais variados gostos<br />

e necessi<strong>da</strong>des; e a socialização, passando a biblioteca a ser um órgão dinâmico, possuindo uma<br />

função importante junto aos ci<strong>da</strong>dãos.<br />

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A partir de então, houve um aumento em ritmo extraordinário <strong>da</strong> criação de novas<br />

bibliotecas, embora o mesmo não tenha ocorrido com a construção de edifícios específicos para<br />

elas. Foi somente na era contemporânea que surgiu uma metodologia de projeto específico para<br />

sua concepção e, no século XX, ocorreu a formação de grandes e importantes instituições. Uma<br />

<strong>da</strong>s mais destaca<strong>da</strong>s é a Biblioteca do Congresso, em Washington D.C. Neste mesmo período,<br />

difundiram-se as bibliotecas especializa<strong>da</strong>s e paralelamente, sobretudo nos EUA, surgiram as primeiras<br />

escolas de biblioteconomia. Entre as maiores instituições <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, pode ser cita<strong>da</strong> a<br />

Bibliothèque Nationale de France, localiza<strong>da</strong> em Paris.<br />

Nos dias atuais, as bibliotecas são indispensáveis para a formação e desenvolvimento<br />

intelectual de uma socie<strong>da</strong>de. Portanto, devem ser funcionais e confortáveis, com acervo<br />

constantemente enriquecido. Há, inclusive, uma tendência de polimerização de bibliotecas e núcleos<br />

de pesquisas, através de uma flexibilização crescente do sistema, tendo em vista a evolução dos<br />

recursos de armazenamento de <strong>da</strong>dos e informações, principalmente por meios eletrônicos. Hoje<br />

em dia existem, inclusive, bibliotecas virtuais, as quais podem ser consulta<strong>da</strong>s através de computadores<br />

em qualquer parte do mundo.<br />

Em relação aos teatros, também presentes em centros culturais <strong>da</strong><br />

contemporanei<strong>da</strong>de, estes possuem origem também bastante remota, <strong>da</strong>tando dos primórdios <strong>da</strong><br />

civilização ocidental. De acordo com GRAEFF (1989), há vestígios <strong>da</strong> existência de áreas teatrais<br />

em ruínas, como as dos Palácios de Cnossos e de Festo, ambos surgidos por volta do século XX<br />

a.C.. Os teatros gregos primitivos começaram a ser construídos em pedra nos séculos V e IV a.C.,<br />

o que demonstra a importância que esse tipo de edificação possuía. Nessa época, o teatro ain<strong>da</strong><br />

tinha caráter religioso, estando sempre vinculado a algum santuário. Basicamente, os três elementos<br />

básicos do teatro foram definidos pelos gregos: a platéia, para os espectadores; a cena, para<br />

os atores; e a orquestra, para o coro. A partir do século VI a .C., o coro passou a ocupar um lugar<br />

do espaço circular e, assim, o teatro grego assumiu a forma semicircular.<br />

Quanto aos romanos, existiam três tipos de teatro antes do Império: o teatro cômico,<br />

de pequenas dimensões e coberto por um telhado; o teatro trágico, com uma cena profun<strong>da</strong><br />

precedi<strong>da</strong> de ranhuras para o pano de boca; e o anfiteatro, com arquibanca<strong>da</strong> de todos os lados,<br />

usa<strong>da</strong> para combate de feras ou gladiadores, jogos e representações. Inicialmente, o teatro romano<br />

manteve as características do grego, mas foi sofrendo modificações conforme iam acontecendo<br />

mu<strong>da</strong>nças nas representações. Aos poucos, o coro foi retirado, o que levou os espectadores a<br />

ficarem mais afastados do palco. A orquestra passou a ser um lugar reservado aos espectadores<br />

mais bem posicionados socialmente e o anfiteatro acabou sendo organizado por circulações radiais<br />

e anulares, segundo uma hierarquia, com a zona de bancos decrescendo de importância de baixo<br />

para cima. Ao lado <strong>da</strong> cena, passou a existir uma tribuna reserva<strong>da</strong> ao magistrado que presidia a<br />

apresentação. Além disso, as apresentações não se baseavam mais apenas em temas religiosos,<br />

tornando-se um importante instrumento de dominação sobre a população.<br />

Durante a I<strong>da</strong>de Média, segundo GRAEFF (1989), não houve a construção de<br />

edifícios especiais para teatros, devido às poucas manifestações cênicas, que em geral, eram apresenta<strong>da</strong>s<br />

nos adros <strong>da</strong>s catedrais e igrejas mais importantes, sempre de cunho religioso. Os teatros<br />

somente reapareceram no Renascimento, ain<strong>da</strong> com caráter provisório, o que perdurou até meados<br />

do século XVI. Os primeiros teatros permanentes começaram mesmo com o Teatro <strong>da</strong> Academia<br />

Olímpica de Vicenza, idealizado por Andrea Palladio (1508-1580), em cerca de 1580, sen-<br />

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do o mais antigo teatro renascentista ain<strong>da</strong> existente. A partir de então, o desenvolvimento do<br />

espaço cênico foi surpreendente, chegando até hoje.<br />

Conforme SEGAWA (1982), após a Revolução Industrial, os sindicatos conquistaram<br />

direitos, os quais aumentaram o tempo livre <strong>da</strong> classe trabalhadora. Assim, o lazer passou a<br />

se constituir em uma <strong>da</strong>s funções básicas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, o que inclusive foi consagrado no urbanismo<br />

moderno através <strong>da</strong> famosa Carta de Atenas (1933). Entretanto, esse lazer deve ser conduzido de<br />

maneira construtiva pelo homem, agindo para o enriquecimento <strong>da</strong> própria cultura e a de sua<br />

comuni<strong>da</strong>de. Com isso, a socie<strong>da</strong>de contemporânea passou a necessitar de novos espaços para o<br />

lazer. E assim, deu-se início a um processo que envolve elementos políticos, questões psicológicas<br />

e aspectos sociais, que estão presentes no campo <strong>da</strong>s relações humanas, mantendo a cultura como<br />

sua estrutura básica. Foi a partir deste contexto que surgiu o termo centro cultural, que, basicamente,<br />

consiste em um local onde se aglutinam vários espaços culturais.<br />

De modo geral, o surgimento dos centros culturais iniciou-se com as transformações<br />

e a<strong>da</strong>ptações ocorri<strong>da</strong>s nos museus, bibliotecas e teatros. Tais mu<strong>da</strong>nças foram inevitáveis<br />

para possibilitar o atendimento <strong>da</strong> população menos favoreci<strong>da</strong>, uma vez que, até então, tratava-se<br />

de lugares freqüentados apenas por burgueses de classe média e alta. Todo esse processo de<br />

transformação resultou em um espaço enxuto, mas complexo; reunindo múltiplas ativi<strong>da</strong>des volta<strong>da</strong>s<br />

às diferentes i<strong>da</strong>des; orientando, ensinado, descontraindo e até mesmo preparando profissionais,<br />

com a preocupação de permitir que o indivíduo desenvolva suas experiências, e possibilitando<br />

o enriquecimento <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de, juntamente com o desenvolvimento de suas capaci<strong>da</strong>des.<br />

Segundo SILVA apud PEREIRA (2001), as origens do centro cultural contemporâneo<br />

<strong>da</strong>tam do período segundo do pós-guerra, mais precisamente na déca<strong>da</strong> de 50, na França,<br />

com o inicio do movimento de valorização do tempo dedicado ao lazer. Os municípios franceses<br />

foram sendo incorporados a estas perspectivas e, para <strong>da</strong>r conta de todo esse crescimento cultural,<br />

algumas políticas começaram a ser traça<strong>da</strong>s, cujo reflexo estendeu-se até as bibliotecas municipais,<br />

que, para acompanhar o ritmo <strong>da</strong>quele momento, começaram a se transformar em centros<br />

culturais. Este processo culminou com a criação, em 1975, do Centre National d’Arte et de<br />

Culture Georges Pompidou, projetado pelos arquitetos Richard Rogers (1933) e Renzo Piano<br />

(1936).<br />

Procurando exemplificar casos de centros culturais voltados para a população de<br />

baixa ren<strong>da</strong>, podem ser cita<strong>da</strong>s as chama<strong>da</strong>s “casas de cultura” <strong>da</strong> Inglaterra, México e Cuba. Na<br />

Grã-Bretanha, os centros culturais destinados às classes menos favoreci<strong>da</strong>s são denominados arts<br />

centers, sendo sua principal função a de amenizar os efeitos negativos causados pela desigual<strong>da</strong>de<br />

social. Sempre volta<strong>da</strong>s para as artes, estas edificações não são somente locais para a ocupação<br />

do tempo, mas também para treinamento profissional de ativi<strong>da</strong>des artísticas e técnicas. Já no<br />

México, as casas de cultura têm como objetivo aumentar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação, elevando o<br />

grau cultural e a eficiência do sistema educacional. Para isso, são previstos em seus programas:<br />

oficinas livres, exposições de arte, peças teatrais, cinema, <strong>da</strong>nça, conferências e debates, incentivando<br />

e divulgando a prática <strong>da</strong> cultura regional. Sendo a cultura popular a preocupação básica <strong>da</strong><br />

política cultural mexicana, tais centros buscam o resgate, através <strong>da</strong> educação, <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural<br />

<strong>da</strong> nação.<br />

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Em Cuba, é a educação que, praticamente, determina qualquer ação na área <strong>da</strong><br />

cultura, pelo fato de ambas estarem intimamente relaciona<strong>da</strong>s. As cita<strong>da</strong>s casas de cultura, nesse<br />

caso, estão direciona<strong>da</strong>s a ativi<strong>da</strong>des de caráter patriótico. Tais instituições têm como objetivos:<br />

levar a população a participar de ativi<strong>da</strong>des artísticas e culturais, vinculando to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de em<br />

seu movimento; incentivar e organizar círculos de amigos e oficinas, promovendo festivais, exposições<br />

e encontros; e procurar engajar membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de no trabalho <strong>da</strong> casa, captando<br />

alunos para o sistema de ensino artístico.<br />

Finalizando, um centro cultural deve sempre buscar no dia-a-dia orientar crianças,<br />

jovens, adultos e idosos, na descoberta do mundo através <strong>da</strong> arte. Desta forma, sempre refletirá a<br />

cultura de uma socie<strong>da</strong>de. Para tanto, deve promover ações que visem socializá-la e discuti-la,<br />

conquistando seu público e mostrando-se atraente e interessante para to<strong>da</strong>s as pessoas. Deve, em<br />

suma, funcionar como um irradiador de idéias novas e provocadoras; como um livre espaço para<br />

manifestações, onde o importante seria não expor respostas prontas, mas criar meios de reflexão e<br />

debate, pois, é a partir deste ponto que o centro cultural será útil, tornando-se capaz de abrir novos<br />

caminhos de interesses intelectuais e artísticos, constituindo, enfim, uma via de auto desenvolvimento<br />

para ca<strong>da</strong> indivíduo<br />

CONCLUSÕES<br />

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A partir <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des humanas, individuais e sociais, sabe-se que a simples<br />

sobrevivência é insuficiente para a humanização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, uma vez que o homem sente a carência<br />

de crescer, de desenvolver sua parte física e espiritual. Para isso, requer a satisfação de necessi<strong>da</strong>des<br />

culturais, religiosas, educacionais e comemorativas, entre outras. O ambiente e a divulgação<br />

<strong>da</strong> cultura fazem parte de uma reali<strong>da</strong>de diretamente liga<strong>da</strong> às questões políticas, sociais e econômicas<br />

do meio no qual o homem está se desenvolvendo. Desta maneira, pode-se usar o termo<br />

espaço cultural para designar todos os lugares destinados às ativi<strong>da</strong>des volta<strong>da</strong>s para a cultura,<br />

transformando-se assim em um local aberto para receber qualquer tipo de expressão cultural e sua<br />

constante metamorfose, principalmente atraindo o público para se identificar com sua própria reali<strong>da</strong>de.<br />

Paralelamente, pode-se considerar o folclore como uma faceta <strong>da</strong> cultura, onde<br />

se criam formas anônimas de modo popular, coletivo, persistente, tradicional e divulgado através<br />

dos sistemas comunitários não-eruditos ou <strong>da</strong> comunicação do saber. Logo, consistiria em uma<br />

espécie de cultura ingênua não-oficial, em que, mesmo vindo de expropriação e imposição do<br />

passado, resiste nas maneiras de pensar, agir e fazer de um povo. Sendo chamado por alguns como<br />

o poder dos fracos, expressando a vi<strong>da</strong> e as lutas <strong>da</strong>s classes populares, defendendo-se de formas<br />

próprias, diz-se que o fato folclórico encontra-se nas origens dos nossos hábitos tradicionais e<br />

técnicos, ou seja, faz parte de nossa cultura material e espiritual. O folclore existe em nosso centro<br />

de convivência; e somos nós os portadores do folclore em nossa linguagem diária, nos nossos<br />

hábitos familiares e em nosso comportamento, nos julgamentos que fazemos sobre as coisas e as<br />

pessoas.<br />

Diante disso, pode-se dizer que o conceito de centro cultural é bastante amplo,<br />

pois seus programas são muito flexíveis, variando com o objetivo pelo qual foi criado, embora sua<br />

função seja universal. Sendo destinado para ser um ponto de encontro de ações culturais – um<br />

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local ecumênico –, deve abrigar sempre espaços dedicados à educação e ao lazer, tais como<br />

exposições, oficinas, auditórios, áreas livres para diversas manifestações artísticas, bibliotecas e<br />

videotecas, entre muitos outros. Historicamente, observa-se que a idéia de aglutinação de espaços<br />

com o objetivo de resgate cultural não é nenhuma novi<strong>da</strong>de, como já citado através dos exemplos<br />

do Museu e Biblioteca de Alexandria, um complexo cultural criado por Alexandre, o Grande,<br />

cujo intuito básico era o de difundir a cultura helenística.<br />

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ZEIN, R. V. Duas déca<strong>da</strong>s de arquitetura para museus. In: REVISTA PROJETO. São Paulo: n.144,<br />

ago.1991.<br />

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Fabiane Sayuri Ito e Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

ESPAÇO CULTURAL MOKITI OKADA EM LONDRINA<br />

MOKITI OKADA CULTURAL AREA IN LONDRINA<br />

Fabiane Sayuri Ito*<br />

Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong>**<br />

RESUMO:<br />

O presente artigo conjectura o desenvolvimento de um anteprojeto do Espaço Cultural Mokiti<br />

Oka<strong>da</strong> para a ci<strong>da</strong>de de Londrina. A estrutura do trabalho inclui a coleta de informações sobre<br />

cultura e arte em geral, destacando a cultura japonesa, em especial. Analisa espaços de cultura<br />

existentes, através de bibliografias e de visitas in loco. To<strong>da</strong> a concepção do projeto baseia-se na<br />

arte do Ikebana Sanguetsu, destacando os elementos Sol, Lua e Terra, pertencentes à filosofia do<br />

patrono Mokiti Oka<strong>da</strong>, trazendo a sua essência e a representando na arquitetura minimalista, tendo<br />

como inspiração as obras do arquiteto de referência Ta<strong>da</strong>o Ando. Verificou-se a importância de<br />

retratar e implantar a arte na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas. A arquitetura como arte, de forma a integrar o belo,<br />

compondo assim um espaço de plenitude e aberto a to<strong>da</strong>s as pessoas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Cultura; Arte; Cultura e Arte Japonesas; Espaços Culturais; Mokiti Oka<strong>da</strong>.<br />

ABSTRACT:<br />

The present article is based on scientific researches to develop the project of Mokiti Oka<strong>da</strong> Cultural<br />

Area for the city of Londrina. This work is composed by the <strong>da</strong>ta collection about cultures and<br />

art in general, specially about the Japanese culture. It analyses cultural areas already built, through<br />

bibliographic review and in loco visits. The whole project conception is based on Ikenbana Sanguetsu’s<br />

art, emphasizing elements such as the Sun, Moon and earth, which are part of Mokiti Oka<strong>da</strong><br />

philosophy, bringing its essence and representing it into the minimalist architecture, inspired by<br />

Ta<strong>da</strong>o Ando’s work. The importance of introducing art into people’s lives was observed. The<br />

architecture as art was manifested in a way to integrate the beauty and compose a space of<br />

plenitude, open to all people.<br />

161<br />

KEY WORDS: Culture; Art; Culture; Japanese Art, Culture and Architecture; Cultural Spaces;<br />

Mokiti Oka<strong>da</strong>.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A humani<strong>da</strong>de veio evoluindo juntamente com a questão cultural, política e social,<br />

gerando transformações ao longo <strong>da</strong> história. Sendo assim, os espaços voltados para o desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> cultura, também foram progredindo, construindo alicerces e se definindo como Espaços<br />

Multifuncionais capacitados para transmitir a essência <strong>da</strong> arte em geral.<br />

*Arquiteta e urbanista, gradua<strong>da</strong> em 2002 pelo Centro Universitário Filadélfia - <strong>UniFil</strong>.<br />

**Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Arquiteto e urbanista. E-mail: neva<strong>da</strong>@uel.br<br />

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Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong> em Londrina<br />

No momento dessa transição cultural, o Japão ganhou forças para expandir a sua<br />

cultura particular, pois esta se baseava na ideologia de elevar o Homem através do Belo. Foi nesse<br />

meio que nasceu, viveu e morreu o filósofo Mokiti Oka<strong>da</strong>. Ele tinha um desejo de realizar em vi<strong>da</strong><br />

o protótipo de um paraíso terrestre através <strong>da</strong> arte. Sendo assim, idealizando e construindo uma<br />

filosofia de vi<strong>da</strong>, Mokiti Oka<strong>da</strong> foi o precursor do estilo Sanguetsu de Ikebana e fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong><br />

Igreja Messiânica, que, posteriormente, vieram a se expandir até o Brasil. Seguindo o seu desejo,<br />

ele idealizou e concretizou a construção de dois grandes museus de nível internacional no Japão.<br />

Hoje, Mokiti Oka<strong>da</strong> é considerado um mestre, que deixou para os seus seguidores a missão de<br />

transmitir a to<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de a herança cultural que ele nos legou.<br />

Com base nos ensinamentos de Mokiti Oka<strong>da</strong>, a divulgação do Belo se expandiu<br />

em tal dimensão que foram criados espaços culturais a<strong>da</strong>ptados nas dependências <strong>da</strong>s Igrejas<br />

Messiânicas, para que houvesse uma continui<strong>da</strong>de dos propósitos de Mokiti Oka<strong>da</strong> de levar a arte<br />

a to<strong>da</strong>s as pessoas, independente de raça, credo ou condição social. O presente artigo refere-se ao<br />

Trabalho Final de Graduação apresentado em 2002, como requisito para a colação de grau no<br />

Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Apresenta o<br />

anteprojeto de um Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong> para a ci<strong>da</strong>de de Londrina–Pr. Sendo assim,<br />

buscou-se na literatura conteúdos sobre cultura, arte, arquitetura e espaços culturais, bem como<br />

várias análises correlatas liga<strong>da</strong>s às idéias e sonhos de Mokiti Oka<strong>da</strong>.<br />

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE CULTURA E ARTE<br />

162<br />

Conforme a ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL (1976), a palavra<br />

cultura é de origem latina e significa lavoura, cultivo dos campos. É deriva<strong>da</strong> do verbo colere,<br />

que é traduzi<strong>da</strong> como cultivar, ação que só é realiza<strong>da</strong> com a participação direta do homem. De<br />

acordo, ain<strong>da</strong>, com a ENCICOLPÉDIA BARSA (1967), a cultura é uma herança que o homem<br />

recebe ao nascer. Adquire no decorrer do tempo os hábitos transmitidos por um determinado grupo<br />

de pessoas, e, ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, o homem recebe novas influências desse mesmo grupo, de modo a<br />

integrá-lo na socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> qual ele participa como uma personali<strong>da</strong>de, em função do papel que<br />

nela exerce, participando <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que vive. Conforme SANTOS, apud<br />

GIACOMO (2000), a cultura:<br />

Diz respeito à humani<strong>da</strong>de como um todo e ao mesmo tempo a ca<strong>da</strong> um dos<br />

povos, nações, socie<strong>da</strong>des e grupos humanos. Quando se considera as<br />

culturas particulares que existem ou existiram, logo se constata a sua grande<br />

variação. Saber em que medi<strong>da</strong> as culturas variam e quais as razões <strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s culturas humanas são questões que provocam muita discussão. É<br />

então sempre fun<strong>da</strong>mental entender os sentidos que uma reali<strong>da</strong>de cultural<br />

faz para aqueles que a vivem.<br />

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Para SANTOS (1994), existem duas concepções básicas de cultura: a primeira<br />

concepção de cultura é direciona<strong>da</strong> a todos os aspectos de uma reali<strong>da</strong>de social; a segun<strong>da</strong> referese,<br />

mais especificamente, ao conhecimento e às idéias e crenças de um povo. O autor destaca a<br />

cultura como sendo tudo aquilo que diz respeito à existência social ou à nação, ou então a grupos<br />

formados no interior de uma socie<strong>da</strong>de. Existe também a referência à cultura alternativa, que<br />

compreende as tendências de pensar a vi<strong>da</strong> e a socie<strong>da</strong>de, onde a natureza e a realização individual<br />

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Fabiane Sayuri Ito e Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

são enfatiza<strong>da</strong>s, desenvolvendo temas ligados à ecologia, à alimentação, ao corpo, às relações<br />

pessoais e à espirituali<strong>da</strong>de.<br />

Para OKADA (1994), a cultura atual, compara<strong>da</strong> à cultura primitiva, de milhares<br />

de anos atrás, alcançou um progresso positivo e está se expandindo ca<strong>da</strong> vez mais. O homem<br />

sofreu e lutou para chegar até aqui, enfrentando catástrofes naturais, guerras, doenças e outros<br />

males. Durante dezenas de séculos, a humani<strong>da</strong>de vem empregando muito esforço para o progresso<br />

e desenvolvimento cultural. Sendo assim, atingiu-se uma uma varie<strong>da</strong>de de cultura notável. A<br />

cultura material progrediu tanto que, através <strong>da</strong> invenção do rádio, <strong>da</strong> televisão e de outros meios<br />

de comunicação, podemos tomar ciência dos acontecimentos mundiais quase que simultaneamente.<br />

Sendo liga<strong>da</strong> a uma maneira coletiva de pensar ou sentir, a cultura exibe uma grande missão<br />

diante <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Afinal, o sonho do homem é alcançar a felici<strong>da</strong>de, sendo esta alcança<strong>da</strong><br />

através <strong>da</strong> postura de ca<strong>da</strong> indivíduo ao exercer a sua parte na socie<strong>da</strong>de. Sendo assim, as diversas<br />

culturas existentes estarão fazendo parte <strong>da</strong> civilização. Os diversos meios de comunicação transmitem<br />

a reali<strong>da</strong>de que o mundo está vivenciando na atuali<strong>da</strong>de. Há inúmeros atos de selvageria,<br />

como violências de grupos, roubos, pessoas ferindo e sendo feri<strong>da</strong>s, e muitos outros fatos que<br />

intranqüilizam to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. As agressões coletivas, como o atentado terrorista contra os EUA,<br />

ocorrido em 11 de setembro de 2001, retratam a situação a que chegou o sentimento em relação à<br />

humani<strong>da</strong>de.<br />

Diante de tudo isso, a arte possui um significado bastante amplo, pois não se restringe<br />

apenas aos quadros pintados, ou às esculturas, como é de costume. A arte vai muito mais<br />

além, pois tem a grande missão de elevar os sentimentos do homem para se criar um belo individual<br />

e, como seguimento, um belo social. Conforme OKADA (1994), a arte é a representação do Belo.<br />

Diz-se que a missão <strong>da</strong> arte é enobrecer os sentimentos do homem e enriquecer-lhe a vi<strong>da</strong>, proporcionando<br />

alegria e sentido de vi<strong>da</strong>. Naturalmente, o aperfeiçoamento <strong>da</strong> arte é desejável, seja a<br />

pintura, a escultura, a música, as artes cênicas, a <strong>da</strong>nça, a literatura, a arquitetura, etc. Entretanto,<br />

para poder se referir ao Belo, é preciso que to<strong>da</strong>s as artes estejam reuni<strong>da</strong>s, ou melhor, que tudo<br />

seja artístico e percorra um caminho pleno de Ver<strong>da</strong>de, Bem e Belo.<br />

Segundo BOSI (1995), a arte é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais<br />

se mu<strong>da</strong> a forma, se transforma a matéria ofereci<strong>da</strong> pela natureza e pela cultura. É entendi<strong>da</strong><br />

como qualquer ativi<strong>da</strong>de humana conduzi<strong>da</strong> regularmente para um fim. São classifica<strong>da</strong>s como<br />

arte, não somente as ativi<strong>da</strong>des que visam comover a alma (música, poesia, teatro), mas também<br />

os ofícios de artesanato, a cerâmica, a tecelagem e a ourivesaria, que ligam o útil ao belo. Sendo<br />

assim, percebe-se a importância <strong>da</strong> arte, que desde a Pré-história, tem representado uma ativi<strong>da</strong>de<br />

fun<strong>da</strong>mental do ser humano.<br />

Segundo OKADA (1994), as conseqüências graves causa<strong>da</strong>s pela ausência <strong>da</strong><br />

Arte, estão exemplifica<strong>da</strong>s em vários campos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana. O incentivo à arte proporciona<br />

uma elevação dos sentimentos do homem, concretizando um mundo de alta espirituali<strong>da</strong>de, isento<br />

de doença, pobreza e conflito. O paraíso é o mundo <strong>da</strong> arte e, portanto, torna-se necessário elevar<br />

o caráter do homem através <strong>da</strong> literatura, <strong>da</strong> pintura, <strong>da</strong> música, do teatro, do cinema, e de outras<br />

artes. As vibrações espirituais emiti<strong>da</strong>s pela alma do artista tocam a sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas,<br />

criando uma sóli<strong>da</strong> ligação entre o espírito do artista e o espírito de quem aprecia suas obras.<br />

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Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong> em Londrina<br />

De acordo com BASTIDE (1971), a religião e a arte caminham juntas, pois a<br />

religião utiliza o poder artístico que se transforma nas técnicas de ação. Exemplifica citando que a<br />

arte é capaz de modificar um momento ruim, como o de um indivíduo que esteja em sofrimento: ele<br />

senta-se ao piano e começa a tocar, assim transformando docilmente os seus sentimentos. Essa é<br />

a missão <strong>da</strong> arte: transformar o mundo infernal em um mundo paradisíaco que, segundo OKADA<br />

(1994), “...deleitando-se com a arte, o homem purifica o seu corpo e sua alma...”.<br />

ASPECTOS DA CULTURA, ARTE E ARQUITETURA JAPONESAS<br />

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Na época atual, no panorama artístico japonês encontram-se as melhores obras de<br />

todo o mundo, as quais estão sendo assimila<strong>da</strong>s de modo que, aos poucos, vai se criando uma arte<br />

universal. Por isso, pode-se dizer que o Japão é um centro cultural. É um país que já enfrentou<br />

momentos de terror diante <strong>da</strong>s guerras. Até o fim <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, o Japão veio sendo<br />

arrastado sob um regime de brutali<strong>da</strong>de, só interrompido após o grande choque <strong>da</strong> derrota. Com<br />

tudo o Japão é uma nação que possui maravilhosas paisagens que extasiam a visão do apreciador.<br />

A arte pode ser o principal combustível de vi<strong>da</strong>. A prova disso é o número elevado de grandes obras<br />

de arte cria<strong>da</strong>s no Japão, não obstante o passado cheio de guerras. A natureza é tão rica, exuberante,<br />

capaz de transformar o território japonês no “jardim do mundo”.<br />

De acordo com ABE (1989), a lei <strong>da</strong> mutação na vi<strong>da</strong> é a lei que governa o belo.<br />

A arte japonesa se caracteriza pela assimetria, equilíbrio aberto, uso de números ímpares em suas<br />

composições, e formas in<strong>completa</strong>s para que a imaginação possa <strong>completa</strong>r a obra. A beleza é<br />

mostra<strong>da</strong> com discrição, através <strong>da</strong> sugestão, distinção e conservação. É uma arte que apresenta<br />

harmonia latente e não explicita<strong>da</strong>, pois acredita que a essência <strong>da</strong> arte japonesa está na simplici<strong>da</strong>de<br />

do fluxo natural <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, sem artifícios, no mínimo de detalhes, sutis e profundos. As criações<br />

artísticas japonesas são desenvolvi<strong>da</strong>s com densi<strong>da</strong>de, um poder de concentração que atinge um<br />

estágio onde um único traço cria uma paisagem, em que o carvão cria mais cores que as próprias<br />

paletas de cores, e um poema de dezessete sílabas, denominado haikai 1 , pode expressar todo o<br />

mundo.<br />

São diversas as expressões artísticas japonesas, como a arte do Ikebana, que se<br />

perpetua como arte milenar japonesa de composição de arranjos florais, ou através <strong>da</strong> cerâmica,<br />

que permite ao homem construir, plasticamente, o seu imaginário. Para CALMON (2000), a prática<br />

<strong>da</strong> cerimônia do chá é a conjunção de treinamento, arte, cerimonial e sociabili<strong>da</strong>de. É uma arte<br />

que necessita de um momento e de um espaço para que tenha sentido, para que quem a pratique<br />

encontre a si mesmo, ilumine seu próprio caminho.<br />

A arquitetura, também se integra na história <strong>da</strong> cultura e arte japonesas. Conforme<br />

a ENCICLOPÉDIA BARSA (1967), a origem <strong>da</strong> arquitetura japonesa se deu com a presença <strong>da</strong><br />

arquitetura chinesa no território japonês. Embora tenha her<strong>da</strong>do <strong>da</strong> China as formas e as técnicas<br />

arquitetônicas, o Japão possui os edifícios mais antigos, já demosntrando um avanço <strong>da</strong> tecnologia.<br />

É a mais conservadora de to<strong>da</strong>s as arquiteturas. A religião foi a precursora dos estilos arquitetônicos<br />

no Japão. Segundo o site JAPAOONLINE (2002), a arquitetura japonesa apresenta elementos<br />

budistas, o que mostra a intensa ligação <strong>da</strong> cultura japonesa com o Budismo. Eram construidos em<br />

1 Poema típico japonês<br />

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Fabiane Sayuri Ito e Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

belos locais e apresentavam uma atmosfera de grandiosi<strong>da</strong>de ou de mistério, sugerindo a proximi<strong>da</strong>de<br />

dos deuses.<br />

De acordo com MEYHOFER (1994), a arquitetura contemporânea japonesa passa<br />

por uma fase notável, sendo manifesta uma eleva<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de, quer no estilo ou na criação. A<br />

quali<strong>da</strong>de e a quanti<strong>da</strong>de chegaram a um nível tal que pode se dizer que a arquitetura japonesa é a<br />

primeira na cena mundial. Afirma ain<strong>da</strong> que a arquitetura no Japão não é apenas compósita; ela se<br />

encontra em pleno movimento, devido a razões que têm a ver com o passado e com o presente.<br />

Tóquio, assim como outras ci<strong>da</strong>des japonesas, possuíam até a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, uma silhueta<br />

própria que lhe era característica. Mas a reconstrução que seguiu à devastação <strong>da</strong> guerra não<br />

lhe devolveu um contexto histórico. Por princípio, os japoneses não constroem as suas casa para a<br />

eterni<strong>da</strong>de. Os templos são construídos para uma curta duração, cerca de trinta anos. No xintoísmo,<br />

não é o durável que se venera, mas a beleza simbólica <strong>da</strong> renovação constante. Esta mentali<strong>da</strong>de,<br />

alia<strong>da</strong> ao desaparecimento de ci<strong>da</strong>des japonesas durante a guerra, faz deste país um campo de<br />

experiências extraordinário para a arquitetura.<br />

ESPAÇOS PARA CULTURA E ARTE<br />

Para conceituar um espaço cultural, há a necessi<strong>da</strong>de de, primeiramente, entender<br />

a sua origem e evolução, pois ele surgiu devido à necessi<strong>da</strong>de de se criar ambientes menores do<br />

que museus e centros culturais. Os espaços voltados à cultura, de um modo geral, se propagaram<br />

através <strong>da</strong>s bibliotecas, museus, centros culturais e espaços culturais.<br />

De acordo com a ENCICLOPÉDIA MIRADOR NTERNACIONAL (1976), “...os<br />

museus são instituições nas quais se reúnem e classificam coleções de objetos que apresentam<br />

interesse histórico, técnico, científico, e, sobretudo artístico”. É reconheci<strong>da</strong> a condição de museu<br />

a qualquer instituição que apresente e conserve coleções e objetos de importância cultural e científica,<br />

com finali<strong>da</strong>de destina<strong>da</strong> ao estudo, educação e prazer. É uma definição que engloba as<br />

galerias permanentes de exposição, dependências de bibliotecas, os monumentos históricos, civis<br />

religiosos, moradias e palácios, etc. A conservação desses objetos é uma <strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des dos museus.<br />

Além de utilizá-los para a difusão dos conhecimentos, facultando ao público as suas coleções.<br />

Ao longo do tempo, o termo Museu foi adquirindo um sentido ca<strong>da</strong> vez mais amplo<br />

e ambíguo. O termo novo, denominado de Centro Cultural, surgiu devido à necessi<strong>da</strong>de de distribuição<br />

espacial <strong>da</strong> cultura. Para GIACOMO (2000), é o resultado de uma nova consciência do público,<br />

decorrente do advento <strong>da</strong> cultura de massa, com a expansão do turismo internacional, e o<br />

surgimento de novas exigências culturais. Em conseqüência, os Centros Culturais adquiriram maior<br />

dinamização nos seus usos, na condição de espaços de ativa elaboração cultural. Conforme<br />

ZEIN (1991), “...a cultura ocupa lugar; mas nunca havíamos pensado que tanto”. A inclusão <strong>da</strong>s<br />

artes plásticas e cênicas originou uma singular profusão de museus e auditórios. Sendo assim,<br />

cresce o número de edificações para este fim, com o objetivo único de divulgar a arte.<br />

Com base em frases cita<strong>da</strong>s acima, deve-se considerar que o espaço cultural<br />

surgiu para proporcionar, ao público, um local de pouca extensão, aconchegante, que ofereça ao<br />

usuário uma interação profun<strong>da</strong> com a arte, sentindo e apreciando o lugar, podendo assim analisar<br />

e usufruir as culturas dos diferentes grupos humanos. Para MONTANER (1991), esta denominação<br />

de espaço cultural é um fato recente, que obteve uma repercussão significante. Os diversos<br />

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Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong> em Londrina<br />

espaços foram se proliferando, como salas de exposições, de conferências, museus, bibliotecas,<br />

ateliês, escritórios, além de outros tipos de espaços destinados ao público. “Nestes casos, o museu<br />

ou a sala de exposições, constituem um serviço a mais em um grande centro de cultura e artes”.<br />

Ain<strong>da</strong> com base em MONTANER (1991), o conceito de museu contemporâneo se restringe a dois<br />

princípios opostos, pois, de um lado, se encontra a criação de grandes museus de massa e modernos<br />

espaços culturais multifuncionais, e, por outro, a multiplicação dos espaços menores para a<br />

propagação <strong>da</strong> arte, ca<strong>da</strong> vez mais especializa<strong>da</strong>.<br />

BIOGRAFIA DE MOKITI OKADA<br />

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De acordo com o livro LUZ DO ORIENTE (1999), Mokiti Oka<strong>da</strong>, nasceu no<br />

Japão, na ci<strong>da</strong>de de Tóquio, no dia 23 de dezembro de 1882. Os 72 anos de vi<strong>da</strong> de Mokiti Oka<strong>da</strong>,<br />

que desejou ardentemente concretizar a Ver<strong>da</strong>de e construir a ver<strong>da</strong>deira civilização, foram repletos<br />

de experiências que abrangiam os campos religiosos, empresarial, educacional, artístico e filosófico.<br />

Sua vi<strong>da</strong> foi caracteriza<strong>da</strong> por três períodos distintos: de 1822 a 1919, 37 anos de aprimoramentos<br />

diante <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des impostas pela vi<strong>da</strong>; de 1920 a 1926, tempo de profun<strong>da</strong>s buscas<br />

espirituais; e de 1927 a 1955, período de pleno comprometimento com a Causa Divina.<br />

Mokiti Oka<strong>da</strong> faleceu no dia 10 de fevereiro de 1955, em Atami, sendo sepultado<br />

em Hakone. Deixou como legado para a humani<strong>da</strong>de três Solos Sagrados, dois museus de arte<br />

conceituados internacionalmente, e ensinamentos preciosos. As milhares de pessoas que acompanharam<br />

seu funeral despediam-se, não somente do primeiro líder espiritual <strong>da</strong> Igreja Messiânica<br />

Mundial, mas também do antigo empresário de quem muitos guar<strong>da</strong>vam as melhores lembranças,<br />

e <strong>da</strong>quele homem simples que, se tornou filósofo, escritor, poeta, calígrafo, pintor, projetista de<br />

jardins e conjuntos arquitetônicos, colecionador de arte, fun<strong>da</strong>dor e diretor de museu, fun<strong>da</strong>dor e<br />

chefe de jornal, e grande inspirador do estilo Sanguetsu de Ikebana. Tudo isso, para Mokiti Oka<strong>da</strong>,<br />

visava um único propósito: conduzir as pessoas ao caminho <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de, a prática do Bem e a<br />

manifestação do Belo no seu cotidiano.<br />

ANÁLISE DE CORRELATOS<br />

As obras correlatas analisa<strong>da</strong>s foram escolhi<strong>da</strong>s seguindo suas características físicas<br />

e importância no panorama internacional e nacional. A primeira obra analisa<strong>da</strong> foi o Museu<br />

de Belas-Artes MOA (Mokiti Oka<strong>da</strong>) na ci<strong>da</strong>de de Atami e, em segui<strong>da</strong>, o Museu de Belas Artes<br />

de Hakone, ambos localizados no Japão. Em segui<strong>da</strong>, foram analisados 3 (três) Espaços Culturais<br />

Mokiti Oka<strong>da</strong>, sendo 2 (dois) em São Paulo e 1(um) em Curitiba. As obras foram basea<strong>da</strong>s nos<br />

conceitos filosóficos de Mokiti Oka<strong>da</strong>, objetivando difundir, de uma maneira ou de outra, a arte<br />

para to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de.<br />

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TADAO ANDO COMO REFERENCIAL ESTÉTICO<br />

Conforme MEYHOFER (1994), o estilo de Ta<strong>da</strong>o Ando se caracteriza pela<br />

integração <strong>da</strong> arquitetura moderna clássica e <strong>da</strong> filosofia do Extremo Oriente. Três elementos<br />

presidem às construções desse arquiteto: o amor pela geometria, o desejo de intervir sobre a<br />

natureza e a sua preferência por materiais autênticos, sobretudo o betão. Para SPADONI (1998),<br />

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Fabiane Sayuri Ito e Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

a arquitetura de Ando é segui<strong>da</strong>mente rotula<strong>da</strong> como minimalista ou essencialista por ser resultante<br />

de uma ação econômica no emprego de materiais e formas. Oculta, no entanto, há uma face muito<br />

mais profun<strong>da</strong> do que esta visão, apenas periférica, é capaz de relacionar.<br />

Conforme CASTELNOU (2001), o arquiteto japonês parte <strong>da</strong> tradição nacional<br />

<strong>da</strong> modéstia e <strong>da</strong> pureza, através de um modernismo minimal que protesta, tanto contra o consumismo<br />

estendido como contra o tradicionalismo romântico. Através <strong>da</strong> composição disciplina<strong>da</strong> de formas<br />

geométricas, austeras superfícies e galerias e materiais tradicionais e simples (madeira e pedra<br />

combinados com vidro e concreto), confere-se força aos projetos, carregados de valores<br />

contemplativos orientais. Considerado como um dos arquitetos japoneses mais dotados de consciência<br />

regional, seu trabalho consiste em aplicar o vocabulário e as técnicas desenvolvi<strong>da</strong>s por um<br />

modernismo aberto e universalista, dentro de um domínio fechado de estilos de vi<strong>da</strong> individuais e<br />

diferenciações regionais. Vê o paradoxo <strong>da</strong> limpidez espacial que emerge <strong>da</strong> luz como algo particularmente<br />

inerente ao caráter japonês. Seus espaços são capazes de estimular a lembrança de suas<br />

formas mais intrínsecas, estimulando novas descobertas.<br />

PARTIDO ARQUITETÔNICO<br />

A concepção do anteprojeto do Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong>, se baseou na prática<br />

do Ikebana Sanguetsu estabeleci<strong>da</strong> pelo patrono Mokiti Oka<strong>da</strong> e que expressa em sua técnica,<br />

a posição do Sol, <strong>da</strong> Lua e <strong>da</strong> Terra. O projeto deseja simbolizar a integração e harmonização <strong>da</strong><br />

natureza com a arte e, principalmente, com as pessoas, por meio <strong>da</strong> tecnologia do século XXI,<br />

sugerindo novos caminhos para os ambientes urbanos.<br />

De acordo com o fascículo VIVIFICAÇÃO FLORAL SANGUETSU (1983), a<br />

filosofia de Mokiti Oka<strong>da</strong> diz que a força criadora do Grande Universo isto é, deste mundo em que<br />

a humani<strong>da</strong>de vive e respira, advém <strong>da</strong> ação de três elementos básicos: Fogo, Água e Terra. A<br />

ciência e o homem, pelos seus cinco sentidos, têm conhecimento do eletromagnetismo, do ar, <strong>da</strong><br />

matéria, dos elementos etc., mas, a energia que constitui o Universo e que tem a função de criar e<br />

fazer evoluir a Natureza origina-se <strong>da</strong> ação desses elementos, cuja origem está respectivamente<br />

no Sol, na Lua e na Terra, que ao moverem-se, cruzarem-se e unirem-se horizontalmente e verticalmente,<br />

constituem a ver<strong>da</strong>deira essência <strong>da</strong> Natureza. O Sol é a origem do elemento fogo; a<br />

Lua do elemento água, a Terra, do elemento solo. O Céu é o mundo do fogo, centralizado no Sol; o<br />

espaço intermediário é o mundo do solo, centralizado no globo terrestre. Os elementos fogo e água<br />

unem-se com o elemento solo, e dessa união produz-se a energia que dá existência a to<strong>da</strong>s as<br />

coisas. Sendo assim, essas três forças geradoras de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, e que são também a própria<br />

constituição do Universo estão presentes na arte de Ikebana Sanguetsu, através dos ramos do Sol,<br />

<strong>da</strong> Lua e <strong>da</strong> Terra. A união desses três elementos gera um triângulo escaleno. Partindo desse<br />

pensamento, inicia-se a concepção de um projeto embasado nos três eixos, sendo o elemento Sol,<br />

o ponto gerador do projeto.<br />

O anteprojeto foi concebido de modo a causar sensações positivas nas pessoas<br />

que por ali passassem. O elemento Sol representa o bloco principal, que engloba as ativi<strong>da</strong>des<br />

liga<strong>da</strong>s ao desenvolvimento <strong>da</strong>s obras literárias e artísticas em geral, enchendo de alegria seus<br />

realizadores, como também seus apreciadores. Este bloco representa, arquitetonicamente, o ponto<br />

gerador do projeto, destacando a torre de elevador que se destina rumo ao céu. A Lua representa<br />

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o bloco de comando, ou seja, onde está instala<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a administração do edifício cultural, e a Terra<br />

se destina à ocupação dos ambientes de serviços. A culminância dos três eixos do projeto Sol-Lua-<br />

Terra induz o homem a evidenciar a essência <strong>da</strong> arte, através <strong>da</strong> harmonia expressa pela estrutura<br />

<strong>da</strong> arte do Ikebana, interferindo diretamente em to<strong>da</strong> a concepção do projeto do Espaço Cultural<br />

Mokiti Oka<strong>da</strong> para a ci<strong>da</strong>de de Londrina. Ele defende uma obra sem tantos adornos e efeitos<br />

artificiais, de formas suaves e curvas, de extrema leveza, assemelhando-se ás características do<br />

Lago Igapó e fundos de vale <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, também considera<strong>da</strong>s na concepção do trabalho.<br />

A forma condiz com a proposta geométrica, inspira<strong>da</strong> no conceito de Ta<strong>da</strong>o Ando,<br />

correspondendo a uma volumetria simples e que transmitisse, a todo o momento, a Ver<strong>da</strong>de, o Bem<br />

e o Belo.<br />

168<br />

FIGURA 1 – Ikebana Sanguetsu, destacando Sol, Lua e Terra.<br />

(Fonte: Fascículo nº. 2 - VIVIFICAÇÃO FLORAL SANGUETSU, 1983).<br />

FIGURA 2 – Estrutura Ikebana, destacando Sol, Lua e Terra.<br />

(Fonte: Fascículo nº. 2 - VIVIFICAÇÃO FLORAL SANGUETSU, 1983).<br />

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FIGURA 3 – Posição Sol, Lua e Terra; triângulo escaleno.<br />

(Fonte: Fascículo nº. 1 - VIVIFICAÇÃO FLORAL SANGUETSU, 1983).<br />

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Fabiane Sayuri Ito e Roberto Mititaka Ike<strong>da</strong><br />

FIGURA 4 – Perspectiva Frontal.<br />

FIGURA 5 – Foto <strong>da</strong> Maquete<br />

169<br />

CONCLUSÕES<br />

Londrina é uma ci<strong>da</strong>de que se apresenta em ascensão cultural. Atualmente, é<br />

considera<strong>da</strong> um ver<strong>da</strong>deiro pólo regional, que vem, ao longo do tempo, buscando um crescimento<br />

constante, consoli<strong>da</strong>ndo-se pouco a pouco, como principal ponto de referência no norte do Paraná,<br />

onde exerce grande influência e atrativi<strong>da</strong>de regional. Devido a esse crescimento, a ci<strong>da</strong>de desenvolveu<br />

projetos de incentivo à cultura <strong>da</strong> população, ressaltando-se a importância de assimilar<br />

novas influências culturais.<br />

Procurando expandir a questão cultural, visando uma mu<strong>da</strong>nça de sentimentos por<br />

parte <strong>da</strong>s pessoas, ou seja, não mais se irá enxergar o prédio como sendo apenas uma edificação,<br />

mas sim, uma construção que transmite sensações positivas trazendo para dentro de ca<strong>da</strong> um, o<br />

Belo individual e conseqüentemente, o Belo social. Não é utopia, é simplesmente um desejo ardente<br />

de por em evidência a importância que a arte tem sobre a vi<strong>da</strong> humana. Sendo assim, a proposta<br />

vem em forma de uma publicação científica, conclusão <strong>da</strong> etapa final do curso de graduação em<br />

Arquitetura e Urbanismo <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>, na denominação de “Anteprojeto de um Espaço Cultural Mokiti<br />

Oka<strong>da</strong> para a ci<strong>da</strong>de de Londrina”.<br />

A edificação integra um grande complexo cultural. O projeto baseia-se em princípios<br />

<strong>da</strong> filosofia de Mokiti Oka<strong>da</strong>, adotados para desenvolver to<strong>da</strong> a concepção do Espaço Cultu-<br />

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ral. Filósofo espiritualista, artista, fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Igreja Messiânica e introdutor do estilo Kado-Sanguetsu<br />

de Ikebana, na déca<strong>da</strong> de 40, defendendo a simplici<strong>da</strong>de, o respeito à natureza e a expressão do<br />

sentimento sincero na vivificação floral, um método <strong>da</strong> arte milenar japonesa que busca trazer a<br />

harmonia por meio <strong>da</strong> composição de flores. Mokiti Oka<strong>da</strong>, sempre valorizou o contato com os<br />

elementos <strong>da</strong> natureza e a organização espacial como elemento estimulador <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de e do<br />

aprendizado, procurando desenvolver a sensibili<strong>da</strong>de e as aptidões naturais de ca<strong>da</strong> praticante <strong>da</strong><br />

arte. Com esse princípio, é que foi resgata<strong>da</strong> esta filosofia para compor o anteprojeto do Espaço<br />

Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong>. Este Espaço deverá ser desenvolvido puro e simples buscando introduzir a<br />

arte na vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> pessoa.<br />

Inegavelmente, nos primórdios <strong>da</strong> sua história, a humani<strong>da</strong>de possuía muitas características<br />

animais; mas não há dúvi<strong>da</strong>s de que, após a era selvagem, ela veio progredindo<br />

gra<strong>da</strong>tivamente, construindo-se, pouco a pouco, aproximando-se <strong>da</strong> civilização ideal. Neste sentido,<br />

o progresso <strong>da</strong> civilização consiste na eliminação do caráter animal do homem, pois ain<strong>da</strong> nos<br />

dias de hoje, as pessoas estão sujeitas ao terror <strong>da</strong> guerra, prova de que persiste no homem uma<br />

grande parcela de características animais. Assim, cabe ao artista uma grande missão: ele é um dos<br />

encarregados <strong>da</strong> eliminação de tais características, elevando o caráter do homem por meio <strong>da</strong><br />

Arte, através <strong>da</strong> literatura, <strong>da</strong> pintura, <strong>da</strong> música, do teatro, do cinema, <strong>da</strong> arquitetura e, principalmente,<br />

<strong>da</strong> arte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. O espírito dos artistas, comunicando-se por esses veículos, influenciará o<br />

espírito do povo. De uma maneira mais clara, as vibrações positivas emiti<strong>da</strong>s pela alma do artista<br />

tocarão a sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas que apreciarem suas obras.<br />

E assim, acontece na arquitetura. Vários edifícios são levantados todos os dias,<br />

com a função de servir à socie<strong>da</strong>de. A ver<strong>da</strong>de é que muitos passam desapercebidos, sem manifestar<br />

nenhuma atração a nível emocional. Isto acontece freqüentemente, mas é uma variável a<br />

ser mu<strong>da</strong><strong>da</strong>, pois a arquitetura exerce um papel importante na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas e por isso precisa<br />

ser trabalha<strong>da</strong>, levando em consideração a arte de se criar um espaço de plenitude, não bastando<br />

ser apenas mais um espaço frio e exaustivo, mas sim uma área onde seja possível habitar, freqüentar<br />

ou trabalhar com tranqüili<strong>da</strong>de, sentindo as emoções transmiti<strong>da</strong>s pela obra, interferindo diretamente<br />

no cotidiano de ca<strong>da</strong> pessoa, proporcionando um clima de energização positiva, vital para<br />

elas suportarem os contratempos e as incertezas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna. Eis a importância <strong>da</strong> Arte<br />

retrata<strong>da</strong> no Espaço Cultural Mokiti Oka<strong>da</strong>.<br />

“Enobrecer os sentimentos do homem e enriquecer-lhe a vi<strong>da</strong>, proporcionando-lhe<br />

alegria e sentido, é a missão <strong>da</strong> Arte”. (Mokiti Oka<strong>da</strong>).<br />

REFERÊNCIAS<br />

ABE, C. Cultura japonesa. São Paulo: Hitz – Berba Editores Associados, 1989.<br />

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VIVIFICAÇÃO FLORAL SANGUETSU. IKEBANA A MILENAR ARTE JAPONESA. (Fascículo).<br />

Editora MOA, 1983.<br />

GIACOMO, T. de. Espaço cultural Paulo Leminski. Londrina, Trabalho Final de Graduação.<br />

Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Estudos Superiores de Londrina (Cesulon),<br />

2000.<br />

LUZ do Oriente. Biografia de Mokiti Oka<strong>da</strong>. 3.ed.,v.01. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Mokiti Oka<strong>da</strong>,<br />

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MEYHOFER, D. Contemporary japanese architets. Editora TASCHEN, 1994.<br />

MONTANER, J. M. Museu contemporâneo: lugar e discurso. Revista Projeto. (São Paulo),<br />

n.144, ago., 1991.<br />

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OKADA, M. Alicerce do paraíso. 6.ed. São Paulo: Margraf – Editora e Ind. Graf. Lt<strong>da</strong>., 1994.<br />

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SPADONI, F. Ta<strong>da</strong>o Ando: a difícil forma fácil. Editorial Arqlab, São Paulo, n. 03, nov. 1998.<br />

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PRÊMIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA


A Relação Entre a Formação Acadêmica e a Atuação Profissional de Professores de Educação Física:<br />

Um Estudo Bibliográfico<br />

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Francine Daiane Forlini e José Augusto Victória Palma<br />

A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO ACADÊMICA E A ATUAÇÃO PROFISSI-<br />

ONAL DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM ESTUDO BIBLIO-<br />

GRÁFICO<br />

THE RELATIONSHIP BETWEEN ACADEMICAL FORMATION AND PHYSICAL EDUCATION<br />

TEACHERS’ PROFESSIONAL ACTING: A BIBLIOGRAPHIC STUDY<br />

Francine Daiane Forlini*<br />

José Augusto Victória Palma**<br />

RESUMO:<br />

Tornar-se professor abrange uma combinação de aprendizagem e de experiência. No entanto,<br />

conciliar esses dois itens, ao término <strong>da</strong> graduação, não é tarefa fácil, pois envolve mu<strong>da</strong>nças de<br />

natureza cognitiva, afetiva e de conduta, registra<strong>da</strong>s gra<strong>da</strong>tivamente ao longo de um processo de<br />

formação. Perante isso, discute-se a idéia de que os problemas encontrados pelo professor que<br />

ingressa no magistério, após o término <strong>da</strong> graduação, estejam ligados fun<strong>da</strong>mentalmente à sua<br />

formação inicial. Hipótese essa que culmina na seguinte questão: Como deve ser a formação<br />

acadêmica de professores de Educação Física para diminuir o impacto no início <strong>da</strong> atuação profissional?<br />

Portanto, foi estabelecido o seguinte objetivo para o presente estudo: verificar a relação<br />

entre formação inicial e a atuação profissional de professores e as possibili<strong>da</strong>des de diminuição do<br />

impacto na atuação profissional. Para tanto, foi desenvolvido este estudo através de revisão de<br />

literatura, tomando como base três etapas. São elas: exploração, decisão e descoberta. Os resultados<br />

indicaram que os problemas encontrados pelos professores, na atuação profissional estão ligados<br />

aos processos vivenciados na formação acadêmica.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores; Atuação Profissional, Pesquisa Bibliográfica.<br />

ABSTRACT:<br />

Becoming a teacher includes a combination of learning and experience. However, conciliating<br />

these questions, by the graduation end, is not an easy job, because it involves cognitive, affective<br />

and conduct wise changes, registered in the graduation process. Thus, the discussion over the<br />

problems a teacher may find when he starts teaching, right after concluding college, needs to be<br />

linked to his former studies. That leads to the following question: how should the physical education<br />

teachers’ academic formation be to reduce the impact at the beginning of his professional acting?<br />

Therefore, the following objective has been established: to verify the relationship between former<br />

studies and teachers’ professional acting, as well as possibilities to reduce the impact on professional<br />

acting. To achieve that goal, this study was developed through bibliographic review, divided into<br />

three steps. They are: exploration, decision and discovery. The results indicate that the problems<br />

found by teachers, during his professional acting, are linked to the processes he went through on his<br />

academic formation.<br />

175<br />

KEY WORDS: Teachers’ Formation; Professional Acting; Bibliographic Research.<br />

*Graduan<strong>da</strong> do 4º ano do Curso de Educação Física <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina – UEL.<br />

**Docente do Curso de Educação Física <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina – UEL.<br />

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A Relação Entre a Formação Acadêmica e a Atuação Profissional de Professores de Educação Física:<br />

Um Estudo Bibliográfico<br />

INTRODUÇÃO<br />

176<br />

Tornar-se professor exige a junção de aprendizagem com experiência. Sendo assim,<br />

um professor precisa aprender a se utilizar <strong>da</strong>s suas aprendizagens (teorias) para implementar<br />

as suas experiências (prática).<br />

No entanto, conciliar esses dois itens, ao término <strong>da</strong> graduação, não é tarefa fácil.<br />

Participando de um grupo de estudos organizado na UEL (Universi<strong>da</strong>de Estadual de Londrina),<br />

formado por profissionais de Educação Física, atuantes na educação básica, chamado GEPEF *** ,<br />

a autora pode observar as falas de outros integrantes, declarando que apesar dos conhecimentos<br />

adquiridos e constantemente revistos e atualizados, era patente a dificul<strong>da</strong>de em conciliar as “teorias”<br />

com a “prática”. Qual será a causa dessa dificul<strong>da</strong>de? Por que um professor com conhecimento<br />

e dedicação, às vezes, não consegue desempenhar sua prática profissional eficazmente?<br />

Segundo PACHECO (1999), tornar-se professor envolve mu<strong>da</strong>nças de natureza<br />

cognitiva, afetiva e condutual registra<strong>da</strong>s ao longo de um percurso de formação. Perante essa<br />

colocação pode-se hipotetizar a idéia de que os problemas encontrados pelo professor ao término<br />

<strong>da</strong> graduação estejam ligados à sua formação, pois esta abrange fatores subjetivos do ser humano,<br />

como a afetivi<strong>da</strong>de, as quais atribuem características específicas a ele, como ser individual que é.<br />

Sendo assim essa formação pode estar sendo deficiente em algum aspecto, ou não atendendo, por<br />

completo, à preparação para a atuação imediata após a graduação.<br />

Seguindo esse raciocínio, chega-se à seguinte in<strong>da</strong>gação: Como deve ser a<br />

formação acadêmica de professores de Educação Física para diminuir o impacto na atuação<br />

profissional?<br />

Então, estabelecemos o seguinte objetivo para este estudo: verificar a relação<br />

entre formação universitária e a atuação profissional de docentes, e as possibili<strong>da</strong>des de diminuição<br />

do impacto na atuação profissional.<br />

A elaboração do estudo, através de revisão de literatura, tomou por base três<br />

etapas: exploração, decisão e descoberta.<br />

FORMAÇÃO PROFISSIONAL<br />

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Este tópico terá como fun<strong>da</strong>mento principal a responsabili<strong>da</strong>de educativa do professor<br />

de Educação Física (e <strong>da</strong>s demais áreas), a qual exige que se fale sobre os saberes e sobre<br />

a subjetivi<strong>da</strong>de desse profissional. Pois o cumprimento satisfatório de sua responsabili<strong>da</strong>de educacional<br />

depende, e muito, desses fatores.<br />

Atualmente, ao se considerar que os professores são atores competentes, sujeitos<br />

do conhecimento sobre o ato de ensinar, faz-se necessário deixar de configurá-los como técnicos,<br />

que aplicam as “informações” produzi<strong>da</strong>s por outros. Pois, o professor, através de sua atuação e<br />

dos conflitos nela encontrados, faz com que elabore melhor seus próprios conhecimentos. Contudo,<br />

não deixando de lado a renovação de informações provenientes <strong>da</strong> literatura, pois é através <strong>da</strong><br />

transposição <strong>da</strong>s mesmas que o docente reelabora os seus conhecimentos. Pensamento este apoiado<br />

por vários autores, como PACHECO e FLORES (1999).<br />

***GEPEF: Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física, que tem como objetivo geral promover estudos que possibilitem<br />

ao profissional <strong>da</strong> Área de Educação Física responder a problemas decorrentes <strong>da</strong> sua ação pe<strong>da</strong>gógica no cotidiano educacional<br />

escolarizado.<br />

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Francine Daiane Forlini e José Augusto Victória Palma<br />

No entanto, há autores, como TARDIF (2002), que mesmo defendendo a renovação<br />

de conhecimentos desconsideram, de certa forma, a utilização do saber produzido nas universi<strong>da</strong>des<br />

(teoria), tendo a concepção de que ele provém de pesquisas efetua<strong>da</strong>s fora <strong>da</strong> prática do<br />

ofício de professor. Porém, há de se citar que esse quadro já vem sendo considerado e revisto por<br />

muitos outros autores. Até o momento poucas universi<strong>da</strong>des modificaram seus currículos de formação<br />

de professores e já os implantaram. Nesses currículos, são valoriza<strong>da</strong>s concepções que<br />

superam a idéia <strong>da</strong> reduzi<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de atuar do docente de Educação Física.<br />

Perante as visões dos autores sobre a visão de um profissional que possui deficiência<br />

para elaborar as teorias de forma a colocá-las em prática, pode-se supor que essa deficiência<br />

é proveniente de uma formação que não fornece bases suficientes ao estu<strong>da</strong>nte para efetuar tal<br />

associação (teoria + prática).<br />

O estu<strong>da</strong>nte, assim como qualquer outra pessoa, não é um livro com páginas em<br />

branco, onde o professor-formador inscreve suas teorias e sugestões de práticas. Esse estu<strong>da</strong>nte<br />

possui uma bagagem de conceitos, a qual foi forma<strong>da</strong> na escola e em sua vi<strong>da</strong> cotidiana fora dela.<br />

Ou seja, nenhum estu<strong>da</strong>nte é igual ao outro. Ca<strong>da</strong> um tem seus próprios conceitos e formas de<br />

pensar, inclusive com relação ao o que é ser professor(a) de Educação Física. As experiências na<br />

educação básica enquanto aluno, no ensino médio e até no meio social, é que trazem subsídios para<br />

a formação <strong>completa</strong> do profissional.<br />

Outro ponto que deve ser enfocado na individuali<strong>da</strong>de do estu<strong>da</strong>nte é o modelo de<br />

ensino no qual ele foi formado na educação básica e no ensino médio. Pois é sabido que a escola<br />

adotava, e a maioria ain<strong>da</strong> adota, as metodologias de ensino provenientes <strong>da</strong> teoria do condicionamento,<br />

ou seja, passa as informações esperando que o educando apenas a assimile e as devolva <strong>da</strong><br />

mesma forma que a recebeu, sem refletir sobre ela, impossibilitando a transformação <strong>da</strong> mesma<br />

em conhecimento.<br />

É sabido também que os professores <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de, ou seja, professores formadores<br />

de profissionais (como coloca TARDIF, 2002), tiveram a mesma formação, ou até mais<br />

acentua<strong>da</strong>, pela teoria do condicionamento (estímulo/resposta), e que também não tiveram estímulos<br />

para a reflexão. Com isso, fica difícil, mesmo estando em uma universi<strong>da</strong>de, mu<strong>da</strong>r <strong>da</strong> noite<br />

para o dia; porém não é impossível. Quando colocamos em questão a responsabili<strong>da</strong>de do professor,<br />

temos a consciência que ela abrange, inclusive, a aplicação de valores e, como conseqüência<br />

disso, comportamentos. Sendo assim, surge uma in<strong>da</strong>gação: que valores e comportamentos são<br />

esses?<br />

Partindo do pressuposto de que a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola é formar ci<strong>da</strong>dãos<br />

aptos a conviver em socie<strong>da</strong>de e que a <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de é formar profissionais/professores para<br />

executar essa responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola chega-se à conclusão de que os valores e comportamentos<br />

são os mediadores dessa formação, tanto na escola quanto na universi<strong>da</strong>de. Valores estes que<br />

abrangem a chama<strong>da</strong> “moral”. Um assunto um tanto quanto delicado de se tratar na socie<strong>da</strong>de em<br />

que vivemos hoje. Como afirmou a Profª. Dr.ª Telma Pileggi Vinha, em uma palestra ministra<strong>da</strong> no<br />

Congresso Norte Paranaense de Educação Física (2005).<br />

Encontrar os lapsos na formação profissional é possível, mas corrigi-los não é<br />

tarefa fácil. Tem que se dissecar um grupo em sua totali<strong>da</strong>de de necessi<strong>da</strong>des. Será que conseguiríamos<br />

corrigir esses lapsos de forma a neutralizarmos nossos próprios valores para que aconteça<br />

uma reelaboração imparcial e justa para com essa “plurali<strong>da</strong>de de valores” ? Quem somos nós<br />

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A Relação Entre a Formação Acadêmica e a Atuação Profissional de Professores de Educação Física:<br />

Um Estudo Bibliográfico<br />

pesquisadores/professores, para dizer que esse ou aquele valor é ideal para determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de?<br />

Somos seres, passíveis de erros. Sendo assim, nos embasando pela idéia de socialização sobre<br />

o individualismo, podemos apenas <strong>da</strong>r diretrizes para uma melhora nessa formação, mas nunca<br />

uma receita definitiva.<br />

Apesar de to<strong>da</strong>s essas colocações mais direciona<strong>da</strong>s ao comportamento humano,<br />

tem que se falar <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s disciplinas, fragmentações do saber, que o estu<strong>da</strong>nte recebe como<br />

informação para embasar sua atuação profissional.<br />

Analisando este quesito “disciplina” surgem as seguintes questões: Será que a<br />

disciplina tem que ser um fragmento isolado dos saberes? Não há possibili<strong>da</strong>de de articulação entre<br />

elas, de forma a facilitar a relação e a reflexão <strong>da</strong>s mesmas pelos estu<strong>da</strong>ntes?<br />

SABERES DOCENTES<br />

178<br />

Saber docente, o que a literatura atual nos traz como componente do saber de um<br />

professor? Os saberes adquiridos durante a vi<strong>da</strong> também se enquadram dentre eles? E os saberes<br />

práticos, aqueles adquiridos durante a atuação docente, são de relevância perante a literatura<br />

científica? Qual será o grau de responsabili<strong>da</strong>de que os saberes científicos, aqueles proporcionados<br />

pelas instituições formadoras de professores, têm para com a ativi<strong>da</strong>de docente? Essas e outras<br />

in<strong>da</strong>gações é que nortearam este capítulo.<br />

Muitos autores se dedicaram a procurar respostas para essas e outras questões<br />

referentes ao saber docente, levados pela curiosi<strong>da</strong>de de entender a ação docente, os porquês <strong>da</strong>s<br />

atitudes e decisões, dos conflitos internos dos professores, <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des dos mesmos em atuar<br />

na docência após a graduação, a dificul<strong>da</strong>de em se a<strong>da</strong>ptar à hierarquia existente na organização<br />

estrutural pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> escola. Enfim, conflitos entre a prática <strong>da</strong> teoria apreendi<strong>da</strong> na graduação<br />

quando se defronta com uma nova reali<strong>da</strong>de e com conceitos próprios do profissional.<br />

TARDIF (2002) define o saber <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

‘“... o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores<br />

é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identi<strong>da</strong>de dela, com a<br />

sua experiência de vi<strong>da</strong> e com a sua história profissional, com as suas relações<br />

com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na<br />

escola, etc.<br />

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CHAKUR (2001) desmembra esse saber total em quatro grupos de saberes que<br />

se inter-relacionam: os saberes <strong>da</strong> formação profissional, que são o conjunto de saberes provenientes<br />

<strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> educação transmitidos nas instituições de formação de docente. Formados<br />

pelos saberes pe<strong>da</strong>gógicos. Os saberes <strong>da</strong>s disciplinas, que correspondem aos vários campos de<br />

conhecimento, transmitidos em forma de disciplinas nas universi<strong>da</strong>des. Os curriculares, ou seja,<br />

discursos, objetivos, conteúdos e métodos que os professores devem apreender e aplicar na forma<br />

de programas escolares. E, por fim, os saberes <strong>da</strong> experiência, aqueles construídos pelos próprios<br />

professores em sua atuação prática profissional.<br />

Apesar desses saberes serem constituintes <strong>da</strong> formação e prática docente é feita<br />

uma priorização entre eles pelos professores, através <strong>da</strong> prática docente. Pois é na utilização<br />

desses saberes que ca<strong>da</strong> profissional identifica a sua necessi<strong>da</strong>de, levando em consideração a sua<br />

“identi<strong>da</strong>de profissional”, seu ambiente de atuação e seu objeto de trabalho (o aluno).<br />

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Francine Daiane Forlini e José Augusto Victória Palma<br />

Perante isso, pode-se observar que todos os profissionais docentes possuem os<br />

“mesmos” saberes, porém ca<strong>da</strong> um dá um grau diferente de significância a ca<strong>da</strong> saber. Pode-se<br />

observar também que os saberes provindos <strong>da</strong> prática docente são de maior relevância, pois são<br />

adquiridos na utilização prática dos demais.<br />

A literatura também afirma que o saber do professor é um saber social porque é<br />

partilhado por todo um grupo de agentes – os professores - que possuem uma formação comum,<br />

trabalham numa mesma organização e estão sujeitos, por causas <strong>da</strong> estrutura coletiva de seu<br />

trabalho cotidiano, a condicionamentos e recursos comparáveis, entre os quais programas, matérias<br />

a serem ensina<strong>da</strong>s, regras do estabelecimento, etc. Colocando desta forma em evidência o lado<br />

coletivo dos saberes.<br />

SABERES TRANSMITIDOS PELAS INSTITUIÇÕES<br />

Os saberes fornecidos nas instituições são construídos pelas ciências e transmitidos<br />

nas instituições responsáveis pela formação profissional de professores. Esses saberes estão<br />

relacionados aos saberes pe<strong>da</strong>gógicos, aos vários campos de conhecimento transmitidos em forma<br />

de disciplinas nas universi<strong>da</strong>des, os saberes curriculares.<br />

Hoje, a literatura coloca muitas questões que visam quantificar e classificar a<br />

importância desses saberes na atuação docente, através <strong>da</strong> observação <strong>da</strong> forma como esses<br />

saberes vem sendo transmitidos pelas universi<strong>da</strong>des.<br />

Muitos autores mostram resultados de pesquisas feitas com educadores atuantes<br />

que alegam que tais saberes adquiridos nas universi<strong>da</strong>des tenham sido transmitidos de forma a não<br />

preparar o professor para a reali<strong>da</strong>de na qual eles deverão ser aplicados. Sendo assim, defendem<br />

a opinião de que são saberes muito significativos, porém a universi<strong>da</strong>de não fornece visão prática<br />

suficiente para aplicação adequa<strong>da</strong> e eficaz dos mesmos.<br />

Outros comentam sobre a linguagem utiliza<strong>da</strong> pelos autores nas publicações científicas<br />

dessas informações. Expõem o conflito <strong>da</strong> relação entre publicação científica (universi<strong>da</strong>de)<br />

e público alvo (os docentes atuantes). Alegam que a linguagem utiliza<strong>da</strong> é de difícil compreensão.<br />

Problema esse causado, segundo eles, pela falta de tempo dos professores, devido à sua extensa<br />

jorna<strong>da</strong> de trabalho, que impossibilita a leitura de textos muito complexos, com expressões científicas<br />

desconheci<strong>da</strong>s por eles. Chegam a propor solução para o problema, sugerindo que as obras<br />

científicas sejam escritas com uma linguagem mais simples para os professores e mais elabora<strong>da</strong><br />

para a comuni<strong>da</strong>de acadêmica; e que as pesquisas sejam feitas junto ao cotidiano do educador e<br />

não nos laboratórios <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des.<br />

A questão <strong>da</strong> má remuneração <strong>da</strong> profissão docente é um fato visível, o qual<br />

interfere, e muito, nas possibili<strong>da</strong>des de obtenção de conhecimento pelos professores. Um professor,<br />

hoje, atuante na rede pública de ensino, para manter financeiramente uma família precisa atuar<br />

em até três turnos por dia; sendo assim, fica impossibilitado de participar de congressos, palestras,<br />

cursos. Além do que, muitas vezes, não há como dispor de seu salário para investir na construção<br />

de seu conhecimento (é uma pequena minoria que consegue aulas suficientes para o recebimento<br />

de um salário razoável). A escola, em geral, não apóia a ausência do professor <strong>da</strong> sala-de-aula em<br />

prol de sua atualização. Dessa forma, os professores passam a depender prioritariamente dos<br />

conhecimentos fornecidos pela atuação cotidiana, desconhecendo conceitos e teorias científicas<br />

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A Relação Entre a Formação Acadêmica e a Atuação Profissional de Professores de Educação Física:<br />

Um Estudo Bibliográfico<br />

recentemente elaborados, o quais proporcionariam melhores condições de atuação docente.<br />

Porém, apesar <strong>da</strong> literatura analisar com mais severi<strong>da</strong>de a atuação <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des,<br />

ela também encontra pontos positivos para defendê-las. A precarie<strong>da</strong>de financeira do docente<br />

é um fato real, no entanto, mesmo quando a universi<strong>da</strong>de se propõe a oferecer conhecimento<br />

adicional sem nenhum custo, muitos profissionais que dispõem de apoio na escola onde trabalham,<br />

negam-se a recebê-lo. Sendo assim, onde está o problema: nas universi<strong>da</strong>des que não ajustam a<br />

forma de transmitir conhecimento, ou nos professores que se negam a se colocar em situação de<br />

aprendizagem?<br />

Observando a literatura, fica difícil responder a essa questão, pois os dois lados<br />

são defendidos e criticados com plausíveis argumentações. Porém, se faz presente nas obras uma<br />

grande tendência dos autores para apontar a universi<strong>da</strong>de como responsável pela formação inicial<br />

do professor. E, assim, ela não prepara o profissional para a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atuação docente.<br />

OS SABERES DA EXPERIÊNCIA<br />

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O ser humano está em constante aprendizagem. Além <strong>da</strong> escola existem muitas<br />

outras fontes geradoras de conhecimento, como a relação familiar e a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de.<br />

Todos os dias apreendemos algo novo, observamos conceitos alheios, e revemos<br />

os nossos próprios. Nossos conhecimentos estão sempre sendo reelaborados, de uma forma ou de<br />

outra.<br />

A própria idéia do que é ser um professor(a) de Educação Física, o conhecimento<br />

popular <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia utiliza<strong>da</strong>, entre outros conhecimentos referentes à profissão, vão sendo formados<br />

desde a pré-escola, através <strong>da</strong> observação <strong>da</strong> atuação dos profissionais, observação essa<br />

feita com olhos de aluno. No entanto, esses conceitos virão a ser reelaborados na universi<strong>da</strong>de,<br />

onde o conhecimento científico é aplicado. Porém, essas e outras informações vão ser <strong>revista</strong>s e<br />

reelabora<strong>da</strong>s, além <strong>da</strong> graduação, após ela e durante to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> do profissional.<br />

A aplicação prática <strong>da</strong>s teorias adquiri<strong>da</strong>s na graduação mais o relacionamento<br />

com os alunos e com to<strong>da</strong> a estrutura organizacional <strong>da</strong> escola, possibilita a obtenção de conhecimentos<br />

(saberes) desconhecidos. Esses saberes induzidos pela prática docente foram intitulados<br />

“saberes <strong>da</strong> experiência”. E são tidos, hoje, como os de maior relevância, tanto pela literatura<br />

quanto pelos próprios docentes.<br />

A literatura mostra <strong>da</strong>dos de pesquisas com professores atuantes, indicando que o<br />

saber mais valorizado e utilizado por eles em suas ações pe<strong>da</strong>gógicas é o saber <strong>da</strong> experiência.<br />

Argumentam apontando que é conseqüência do processo de transmissão de informações e <strong>da</strong><br />

forma de li<strong>da</strong>r com a reali<strong>da</strong>de proporciona<strong>da</strong> pelas universi<strong>da</strong>des.<br />

O vivenciar, o experimentar e o refletir são verbos que embasam o conhecimento<br />

necessário para uma boa atuação docente. Apoiados nesse fato autores, como PIMENTA (2005),<br />

propõem uma reforma na formação profissional, tomando a prática docente atual como referência.<br />

IDENTIDADE PROFISSIONAL<br />

Identi<strong>da</strong>de, palavra que significa os caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa.<br />

Identi<strong>da</strong>de profissional então é: os caracteres próprios e exclusivos de uma profissão. Essa<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Francine Daiane Forlini e José Augusto Victória Palma<br />

identi<strong>da</strong>de é constituí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> “... significação social <strong>da</strong> profissão; <strong>da</strong> revisão constante dos<br />

significados sociais <strong>da</strong> profissão; <strong>da</strong> revisão <strong>da</strong>s tradições. Mas também <strong>da</strong> reafirmação <strong>da</strong>s práticas<br />

consagra<strong>da</strong>s culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem à inovação<br />

porque prenhes de saberes válidos às necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Do confronto entre as teorias e<br />

as práticas, <strong>da</strong> análise sistemática <strong>da</strong>s práticas à luz <strong>da</strong>s teorias existentes, <strong>da</strong> construção de novas<br />

teorias.” (PIMENTA, 1999, p.19).<br />

A identi<strong>da</strong>de profissional docente compreende a forma como diferentes discursos<br />

e agente sociais expõem como o professor(a) deva ser, como será a sua atuação propriamente<br />

dita. No entanto, esse docente possui suas próprias convicções com relação a gênero, raça e<br />

classe social. Com isso, quando se depara com essa imposição de comportamentos considerados<br />

adequados chocam-se, porque, muitas vezes, os mesmos vão contra suas próprias convicções.<br />

Diante disso pode-se fazer uma ponte entre a identi<strong>da</strong>de profissional docente e a<br />

crise <strong>da</strong> docência. Já que a identi<strong>da</strong>de é forja<strong>da</strong>, principalmente, na atuação profissional e também<br />

que, segundo os autores citados a cima, há um choque ideológico do professor ao se defrontar com<br />

as imposições institucionais e sociais para com a sua identi<strong>da</strong>de profissional, tudo isso torna a sua<br />

atuação profissional mais árdua.<br />

Sendo assim, pode-se considerar que, não só a formação insuficiente (deficiente)<br />

<strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des como também a forma com que a identi<strong>da</strong>de profissional é construí<strong>da</strong>, são algumas<br />

<strong>da</strong>s causas do choque ocorrido na atuação docente após o término <strong>da</strong> graduação.<br />

Ao impor uma determina<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de a um profissional cria-se um universo de<br />

barreiras e conflitos, pois ele já possui uma identi<strong>da</strong>de própria que não pode ser apaga<strong>da</strong> ou até<br />

mesmo separa<strong>da</strong> de uma nova. Ele não dá conta de ter dentro de si duas, digamos, “personali<strong>da</strong>des”,<br />

ou seja, não dá para assumir a identi<strong>da</strong>de de professor ao entrar em sala-de-aula e neutralizar<br />

a identi<strong>da</strong>de pessoal; e, ao sair <strong>da</strong> sala fazer o inverso. Haveremos de concor<strong>da</strong>r que isso é quase<br />

humanamente impossível, ou pelo menos um tanto quanto penoso.<br />

Pode-se então, após essas considerações, afirmar que a identi<strong>da</strong>de profissional é<br />

um fator de extrema importância na atuação docente, englobando os subsídios comportamentais e<br />

ideológicos utilizados pelo profissional para atuar de acordo com o esperado pela socie<strong>da</strong>de e pelas<br />

instituições.<br />

Deve-se levar em conta, também, ao discutir a identi<strong>da</strong>de profissional do docente<br />

de Educação Física, a atual situação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área, a qual se encontra em construção, o<br />

que dificulta ain<strong>da</strong> mais a questão.<br />

181<br />

CONCLUSÕES<br />

A formação de professores sempre foi entendi<strong>da</strong> como um processo que tem na<br />

formação acadêmica o primeiro passo mas que se estende por todos os momentos futuros <strong>da</strong><br />

atuação docente. A formação inicial se constitui em uma fase preparatória que, por sua vez, deverá<br />

ser complementa<strong>da</strong> com processos que são denominados por “formação contínua”.<br />

Entende-se que uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de diminuição do impacto entre a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

graduação e o início <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de profissional está intimamente vincula<strong>da</strong> aos conhecimentos adquiridos<br />

na universi<strong>da</strong>de. Assim, o estágio curricular, bem como outras ações no período <strong>da</strong> graduação,<br />

oferecerão subsídios de construção de saberes importantes para a vi<strong>da</strong> profissional.<br />

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A Relação Entre a Formação Acadêmica e a Atuação Profissional de Professores de Educação Física:<br />

Um Estudo Bibliográfico<br />

O envolvimento em processos de formação contínua, quer seja em cursos, congressos<br />

ou outras mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des, devem oferecer condições para os novos docentes minimizarem as<br />

dificul<strong>da</strong>des origina<strong>da</strong>s pela transição.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CHAKUR, C. R. S. L. Desenvolvimento profissional docente: contribuição de uma leitura<br />

piagetiana. 2001.<br />

CORTESÃO, L. Ser Professor: um ofício em risco de extinção? 1.ed., 2002.<br />

DAY, C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios <strong>da</strong> aprendizagem permanente.<br />

Porto (Portugal): Porto Editora, 2001.<br />

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE. Dossiê: os saberes dos docentes e sua formação. Revista<br />

Quadrimestral de Ciência <strong>da</strong> Educação, Ano XXII, n.74, abril/2001. Campinas: Cedes. 2001.<br />

MACIEL, L. S. B. M.; NETO, A. S. Formação de professores: passado presente e futuro. 1.ed.,<br />

2004.<br />

VÁRIOS AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.<br />

182<br />

PACHECO, J. A.; FLORES, M. A. Formação e avaliação de professores. Porto: Porto Editora,<br />

1999.<br />

PIMENTA, S. G. Formação de professores: Identi<strong>da</strong>de e saberes <strong>da</strong> docência. In: PIMENTA, S.<br />

G. (Org.). Saberes pe<strong>da</strong>gógicos e ativi<strong>da</strong>de docente. 4.ed., 2005.<br />

PIMENTEL, M. G. O professor em construção. Campinas, SP: Papirus, 1996.<br />

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.<br />

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Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira, Jaqueline Milani, Keila Regina Gonçalves, Patrícia<br />

Martins Castelo Branco e Silvia do Carmo Pattarelli<br />

UMA PROPOSTA PARA ARAPONGAS – PR: PROMOVER A INCLUSÃO DO<br />

CATADOR DE LIXO E SEU BEM ESTAR SOCIAL* .<br />

A PROPOSAL FOR ARAPONGAS: TO PROMOTE SOCIAL INCLUSION AND WELFARE FOR<br />

GARBAGE WORKERS<br />

Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira<br />

Jaqueline Milani**<br />

Keila Regina Gonçalves***<br />

Patrícia Martins Castelo Branco****<br />

Silvia do Carmo Pattarelli*****<br />

Leandro Henrique Magalhães******<br />

RESUMO:<br />

Este artigo é resultado de reflexões teóricas referentes a projeto de pesquisa a ser desenvolvido na<br />

Usina de Reciclagem de Arapongas - PR, mais especificamente na Cooperativa dos Recicladores<br />

de Arapongas – Coopreara. Entendemos que neste tipo de organização, os trabalhadores garantem<br />

maior rendimento, condições mais adequa<strong>da</strong>s de trabalho e autonomia no gerenciamento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des.<br />

Apesar do aspecto libertador, o trabalho desenvolvido mantém características fordistas de<br />

produção, diferenciando-se <strong>da</strong> perspectiva tradicional pelo fato do resultado do trabalho não ser<br />

expropriado. Partindo destas considerações, delineamos nosso problema: primeiramente entender<br />

a lógica do trabalho cooperativo em uma estrutura que mantém a perspectiva fordista de produção<br />

e, em um segundo momento, como estes elementos afetam o trabalhador e quais as estratégias que<br />

a Psicologia pode desenvolver para auxiliar na auto-estima do trabalhador e no aumento de sua<br />

produtivi<strong>da</strong>de.<br />

PALAVRAS CHAVES: Cooperativismo, Mundo do Trabalho, Fordismo, Subjetivi<strong>da</strong>de<br />

ABSTRACT:<br />

This article results from theoretical reflections over a research project to be developed at Usina de<br />

Reciclagem de Arapongas – PR, more specifically at Cooperativa dos Recicladores de Arapongas<br />

– Coopreara. It is understood that at this kind of organization, the workers get a greater income,<br />

better work conditions and autonomy on the activities management. Despite the liberating aspect,<br />

the work developed upholds fordist production characteristics, differing from the traditional<br />

perspective by the fact that the result of the work is not expropriated. From these considerations,<br />

we point out our research problem: firstly, to understand the cooperative labor logics in a structure<br />

that maintains a fordist productions perspective, and on a second moment, how those elements<br />

affect the worker and which are the strategies that Psychology may develop to help out on the<br />

worker’s self-esteem, as well as on his productivity raising.<br />

183<br />

KEY WORDS: Cooperative System; Labor World; Fordism; Subjectivity;<br />

* Projeto financiado pelo Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>.<br />

** Bolsista <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Araucária.<br />

*** Alunas do Curso de Psicologia <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

**** Mestre em História. Professora para o Curso de Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Orientadora do<br />

Projeto.<br />

***** Mestre em Educação. Professora para o Curso de Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – <strong>UniFil</strong>. Orientadora<br />

do Projeto.<br />

******Doutor em História pela Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná-UFPR. Coordenador de Publicações Científicas <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>.<br />

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Uma Proposta para Arapongas–Pr: Promover a Inclusão do Catador de Lixo e seu Bem Estar Social<br />

INTRODUÇÃO<br />

184<br />

O presente artigo é resultado <strong>da</strong>s reflexões inerentes ao projeto de pesquisa, ain<strong>da</strong><br />

em an<strong>da</strong>mento, desenvolvido na Usina de Reciclagem de Arapongas, município localizado no Estado<br />

do Paraná, mais especificamente na Cooperativa dos Recicladores de Arapongas – Coopreara,<br />

cria<strong>da</strong> em 12 de fevereiro de 2004, e que desenvolve seus trabalhos na usina, existente desde 1989.<br />

A cooperativa possui me torno de 100 cooperados, com uma diretoria composta por presidente,<br />

vice-presidente, secretário tesoureiro e uma comissão de ética, que visa discutir e solucionar possíveis<br />

desavenças. É manti<strong>da</strong> através de convênio com a prefeitura, que repassa uma quantia<br />

destina<strong>da</strong> a auxiliar no pagamento dos salários e uma cesta básica aos cooperados. Devido a esse<br />

convênio dois funcionários <strong>da</strong> prefeitura são destinados ao local: um gerente e um chefe de manutenção.<br />

Seu funcionamento se dá <strong>da</strong>s 06h00min ás 18h00min, com 2 horas de almoço e sábados<br />

<strong>da</strong>s 06h00min ás 12h00min. A capaci<strong>da</strong>de atual de recebimento e processamento de lixo na usina<br />

chega a uma média de 70 tonela<strong>da</strong>s diariamente, com 15% sendo reciclados, 35% destinados o<br />

aterro municipal e 20% sendo transformados em composto orgânico para adubo.<br />

Ao se organizarem, estes trabalhadores, que já atuavam como catadores de lixo<br />

nas ruas do município garantiram maiores rendimentos, condições mais adequa<strong>da</strong>s de trabalho e<br />

autonomia no gerenciamento de suas ativi<strong>da</strong>des. Apesar do aspecto libertador desta proposta, o<br />

trabalho desenvolvido mantém características fordistas de produção, e assim, vincula-se a uma<br />

perspectiva de controle que parte do domínio do tempo / movimento, além de caracterizar-se como<br />

um tipo de trabalho alienante, por não se ter clareza do processo produtivo como um todo. No<br />

entanto, diferencia-se <strong>da</strong> perspectiva tradicional pelo fato do resultado de seu trabalho não ser<br />

expropriado, mas sim garantido a todos a partir do cooperativismo.<br />

Partindo destas considerações, delineamos nosso problema de pesquisa, que se<br />

divide em duas etapas:<br />

1. Como entender a lógica do trabalho cooperativo em uma estrutura que,<br />

além de caracterizar-se como trabalho degra<strong>da</strong>nte, mantém a perspectiva<br />

fordista de produção?<br />

2. Como estes elementos afetam a subjetivi<strong>da</strong>de deste trabalhador?<br />

ASPECTOS TEÓRICOS: COOPERATIVISMO E O MUNDO DO TRABALHO<br />

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A proposta de trabalho aqui apresenta<strong>da</strong> está pauta<strong>da</strong> na perspectiva contemporânea<br />

de ação social do pesquisador que, devido ao enfraquecimento do Estado, vem sendo cobrado<br />

no sentido de atuar na busca <strong>da</strong> solução de problemas que atingem a socie<strong>da</strong>de como um todo. Um<br />

destes elementos é a questão do trabalho. Atualmente parte <strong>da</strong> população brasileira está desemprega<strong>da</strong><br />

e outra atua no mercado informal, o que indica uma intensificação <strong>da</strong> precarização do<br />

trabalho no país. Uma <strong>da</strong>s saí<strong>da</strong>s encontra<strong>da</strong>s por parte dos trabalhadores é a organização em<br />

cooperativas, elemento que pode tanto levar a organização e garantia de autonomia como o enfraquecimento<br />

e o empobrecimento <strong>da</strong> classe trabalhadora.<br />

Esta pesquisa está assim pauta<strong>da</strong> em uma problemática atual, que não se restringe<br />

apenas aos estudiosos do mundo do trabalho, mas que exige uma visão multidisciplinar e integra<strong>da</strong>,<br />

em especial a partir dos olhares de sociólogos, antropólogos, psicólogos, administradores e histori-<br />

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Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira, Jaqueline Milani, Keila Regina Gonçalves, Patrícia<br />

Martins Castelo Branco e Silvia do Carmo Pattarelli<br />

adores, dentre outros. Este conjunto de conhecimentos contribui para a delimitação de conceitos<br />

que perpassam esta pesquisa, como o de capitalismo, trabalho, cooperativismo, exclusão, reciclagem<br />

e meio ambiente. Atualmente o lixo deve ser considerado um problema sócio-ambiental, na medi<strong>da</strong><br />

em que há um aumento do consumo sem uma preocupação efetiva com a sustentabili<strong>da</strong>de do meio<br />

que garanta sua produção. Este projeto alia preocupações inclusivas como a questão ambiental, na<br />

medi<strong>da</strong> em que trata de trabalhadores que atuam em uma solução encontra<strong>da</strong> para o lixo do<br />

município de Arapongas-PR e que pode servir como modelo para outras ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> região.<br />

Para uma análise pormenoriza<strong>da</strong> de nosso objeto de estudo, a Cooperativa dos<br />

Recicladores de Arapongas – Coopreara, faz-se necessário mapear alguns conceitos importantes.<br />

Primeiramente é preciso entender que a usina está inseri<strong>da</strong> na lógica capitalista, tanto no que se<br />

refere a organização do trabalho como no fato de que o lixo, atualmente, é resultado <strong>da</strong> lógica de<br />

consumo que o sistema nos impõe. Além disso, não devemos nos esquecer que estamos tratando<br />

de uma cooperativa que, com suas particulari<strong>da</strong>des, nos impõem uma lógica contraditória no que se<br />

refere ao mundo do trabalho.<br />

O fato de uma <strong>da</strong>s etapas de trabalho consistir na seleção do lixo por meio de uma<br />

esteira remonta a lógica moderna de produção, vincula<strong>da</strong> mais precisamente aos modelos taylorista<br />

e fordista de produção. Frederik Winslow Taylor foi o criador de uma metodologia que apresenta<br />

uma proposta de padronização, visando produzir mais em menos tempo, tendo como foco principal<br />

o controle do tempo de trabalho. Para tanto elabora quatro técnicas administrativas, no qual se<br />

destacavam a introdução do cronômetro para a contagem de ca<strong>da</strong> operação e a realização de ca<strong>da</strong><br />

objetivo em um processo produtivo. Em seu sistema, Taylor sempre manteve a divisão do trabalho<br />

e <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des entre direção e operário para prescrever o que ca<strong>da</strong> um deveria fazer e<br />

como deveria fazer, desta forma, evitava os conflitos de classes no interior <strong>da</strong> fábrica (MORAES<br />

NETO, 1991).<br />

Avançando em direção ao controle mais efetivo <strong>da</strong> produção, Henry Ford, dono <strong>da</strong><br />

indústria automobilística Ford, colocou em prática a produção em série através <strong>da</strong>s linhas de montagem.<br />

Com a criação <strong>da</strong> esteira móvel, obteve o controle do ritmo e tempo através <strong>da</strong> fragmentação<br />

<strong>da</strong>s tarefas para assim aumentar ain<strong>da</strong> mais a produtivi<strong>da</strong>de. Desta forma temos que tanto<br />

Taylor quanto Ford possuíam um objetivo em comum: o aumento <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de, e assim, do<br />

lucro, contribuído para a alienação do trabalho (MORAES NETO, 1991).<br />

Contraditoriamente, o momento de surgimento <strong>da</strong>s concepções de Taylor e Ford<br />

foi também o momento de constituição <strong>da</strong> noção de cooperativismo. Desta forma entendemos que<br />

ambos estão vinculados a constituição do mundo moderno, e assim, a perspectiva capitalista de<br />

produção.<br />

Segundo Américo Utumi (1973), ao contrário do fordismo, o cooperativismo está<br />

inserido na socie<strong>da</strong>de e visa corrigir problemas sociais. Para o autor, a organização conjunta <strong>da</strong>s<br />

cooperativas poderia enfraquecer o sistema econômico e, ou mesmo tempo, eliminar o desequilíbrio<br />

social resultante <strong>da</strong> intranqüili<strong>da</strong>de que o liberalismo econômico acarreta. O cooperativismo teria<br />

assim por objetivo a cooperação para produzir coletivamente, com o lucro passando a pertencer a<br />

todos, a partir do interesse de ca<strong>da</strong> associado.<br />

Portanto, as cooperativas não podem ser pensa<strong>da</strong>s simplesmente como instrumento<br />

econômico, mas também social. A desigual<strong>da</strong>de gera<strong>da</strong> pelo capitalismo, e intensifica<strong>da</strong> no<br />

Brasil, favorece a constituição de problemas sociais, como o preconceito que separa os mais ricos,<br />

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dos assalariados, ou mesmos os miseráveis, que estão excluídos inclusive do mercado de trabalho<br />

e, desta forma, se encontram a margem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

Para Freud a essência humana é social, pois a socialização ocorre por meio de<br />

grupos e instituições e, a partir <strong>da</strong>í, são construídos os valores, ideais e conceitos que marcam uma<br />

pessoa. Em sua obra “O Mal-Estar na civilização”, Freud afirma que: “(...) a evolução <strong>da</strong> civilização<br />

(...) deve nos mostrar a luta entre Eros e a Morte, entre o instinto de vi<strong>da</strong> e o instinto de<br />

destruição (FREUD apud SAWAIA, 1999, p.67)”. Esta afirmação nos leva a acreditar que o ser<br />

humano só existe em socie<strong>da</strong>de, vivendo um anseio pelo futuro, marcado pelo desejo de deixar<br />

suas marcas. Estas, por sua vez, podem gerar incompatibili<strong>da</strong>de de interesses no interior de uma<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, gerando assim conflito e a divisão de classes, afetando privilégios e posicionamentos<br />

na comuni<strong>da</strong>de a qual pertencemos.<br />

Para Bader Sawaia, em seu artigo no livro “Artimanhas <strong>da</strong> Exclusão” (1999), a<br />

socie<strong>da</strong>de exclui para incluir. Esta transferência de valores nos apresenta uma visão ilusória sobre<br />

a inclusão e, assim, no lugar de exclusão temos exclusão/Inclusão. Esta duali<strong>da</strong>de envolve sentimentos<br />

específicos, desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado, não apenas pela ordem<br />

econômica, mas também social e individual que se manifestam por meio de identi<strong>da</strong>des, sociabili<strong>da</strong>des,<br />

consciência e inconsciência. A exclusão só existe tendo a inclusão como sua parte constitutiva.<br />

Pensa-se que ambas são conseqüências do funcionamento do sistema que existe em uma socie<strong>da</strong>de<br />

e que são processos que envolvem os homens e suas relações com os outros.<br />

Não é somente o desemprego que exclui as pessoas na socie<strong>da</strong>de capitalista, pois<br />

a exclusão econômica se estende para outros elementos, como a divisão social do emprego e dos<br />

locais de moradia. Este é o caso de muitos trabalhos que fogem a ideologia de que o trabalho<br />

dignificar o homem, como os catadores de lixo. Para agravar a situação, tratamos aqui de pessoas<br />

estão vincula<strong>da</strong>s a uma cooperativa que perante o sistema capitalista não gera lucro e, assim,<br />

colocam-se contrária a ordem <strong>da</strong>s coisas.<br />

A forma que nos engajamos nos grupos dos quais pertencemos faz com que a<br />

imagem que temos de nós mesmos esteja liga<strong>da</strong> à que temos de nosso grupo, o que nos leva a<br />

defender seus valores, a diferenciar e, em segui<strong>da</strong>, excluir aquelas pessoas que não fazem parte<br />

dele. Esta é uma <strong>da</strong>s características do preconceito, entendido como: “(...) um julgamento positivo<br />

ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma pessoa ou coisa e que, assim, compreende<br />

vieses e esferas específicas” (JODELET apud SAWAIA, 1999, p.52).<br />

Geralmente, ao separar quem faz ou não parte do grupo social, o fazemos por meio<br />

de estereótipos impregnados pelo meio em que se vive, a partir <strong>da</strong> imputação de atributos específicos<br />

às outras pessoas, ou a um grupo de uma categoria social. Assim, diríamos que a pobreza não<br />

significa exclusão social, mas esta pode levar a exclusão, pois os pobres são obrigados a viver<br />

isolados e aceitar a inferiori<strong>da</strong>de de seu status na socie<strong>da</strong>de em que vivem. Automaticamente<br />

acabam mantendo relações distantes com os outros, até mesmo com aqueles que se encontram na<br />

mesma situação. Este enfraquecimento de vínculos sociais pode relacionar-se ain<strong>da</strong> a precarie<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> profissional, conforme aponta Serge Paugam (apud SAWAID,1999, p.72) “(...) quanto<br />

mais precária for a situação no mercado de trabalho, maior é a possibili<strong>da</strong>de de o indivíduo não ter<br />

relação nenhuma com a família.”. Com isso, sentem-se humilhados e mantém-se muitas vezes<br />

isolados, o que explicaria o fato de serem pouco sociáveis.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira, Jaqueline Milani, Keila Regina Gonçalves, Patrícia<br />

Martins Castelo Branco e Silvia do Carmo Pattarelli<br />

Acreditamos que este seja o caso dos cooperados do nosso estudo, tendo em vista<br />

o tipo de ativi<strong>da</strong>de que desenvolvem, que pode gerar situações de exclusão. Entendemos que,<br />

mesmo que estejam atuando em um trabalho de grande importância social, em especial no que se<br />

refere a proteção do meio ambiente através <strong>da</strong> reciclagem, a socie<strong>da</strong>de acaba por excluí-los.<br />

Devemos considerar o fato de que a palavra lixo possui uma conotação de descarte e imundice e<br />

que, consciente ou inconscientemente, essas pessoas têm que conviver com o pensamento que<br />

ninguém deseja o lixo. Quanto mais invisível for o lixo melhor, pois este pode atrapalhar os indivíduos<br />

considerados inclusos na socie<strong>da</strong>de, e que tem uma vi<strong>da</strong> “limpa” e “feliz”. Desta forma, também<br />

os trabalhadores do lixo devem tornar-se invisíveis, atuando ou no período <strong>da</strong> noite ou em lugares<br />

distantes dos grandes centros urbanos.<br />

No Brasil vem ocorrendo, pouco a pouco, parcerias entre prefeituras e cooperativas<br />

de catadores de papel, trazendo a possibili<strong>da</strong>de de geração de trabalho e ren<strong>da</strong> para muitas<br />

pessoas que viviam em situações precárias de vi<strong>da</strong>. Deste modo, cooperativas estão sendo cria<strong>da</strong>s<br />

nos municípios que, além de prestarem serviços, estão reintegrando populações desemprega<strong>da</strong>s ou<br />

marginaliza<strong>da</strong>s, apresentando uma nova perspectiva de desenvolvimento econômico e social.<br />

Os catadores de papel no Brasil vêm aparecendo de forma ca<strong>da</strong> vez mais organiza<strong>da</strong>,<br />

rompendo com os depósitos de lixo e passando a vender os materiais recolhidos para indústrias<br />

de reciclagem, ou ain<strong>da</strong> se organizam em cooperativas. Uma vez monta<strong>da</strong> uma cooperativa<br />

de reciclagem esses trabalhadores têm o papel de dominar e conhecer todo o processo de trabalho<br />

que seria: a coleta; separação; prensagem; estocagem; comercialização e investimento <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>;<br />

articular com órgãos públicos a importância <strong>da</strong> coleta seletiva e <strong>da</strong> separação do lixo. Portanto, o<br />

trabalho que desenvolvem garante inúmeros benefícios para a socie<strong>da</strong>de, para a economia e uma<br />

importância ambiental sem precedentes.<br />

Uma outra dinâmica também vem se constituindo: a constituição de cooperativas<br />

em usinas de reciclagem. Uma prática ain<strong>da</strong> recente, mas que vem garantindo uma ativi<strong>da</strong>de<br />

econômica para aquelas pessoas que atuavam como catadores nos aterros sanitários. Este é o<br />

caso <strong>da</strong> Cooperativa dos Recicladores de Arapongas – Coopreara, que atua a partir de um sistema<br />

implantado pela prefeitura.<br />

Com isso pretendemos, levando em consideração os aspectos do mundo do trabalho<br />

e o conceito de cooperativismo, aliados as questões vincula<strong>da</strong>s à exclusão social, entender as<br />

contradições inerentes a um trabalho cooperativo organizado de forma tradicional, chamando atenção<br />

para a forma como este afeta os trabalhadores e qual o papel que a psicologia pode desenvolver<br />

para garantir uma melhora de estima destes, assim como o aumento de produtivi<strong>da</strong>de, e assim,<br />

uma sustentabili<strong>da</strong>de e autonomia efetiva.<br />

187<br />

ASPECTOS METODOLÓGICOS<br />

A metodologia que será utiliza<strong>da</strong> com os 89 cooperados são técnicas de dinâmicas<br />

de grupo. Estas são instrumentos e ferramentas que poderão levar o individuo a um processo de<br />

compreensão e organização, com a finali<strong>da</strong>de de aprendizagem através <strong>da</strong> recriação do conhecimento.<br />

Com isto pretendemos atingir nossos objetivos, tendo em vista a possibili<strong>da</strong>de de apreender<br />

o que os sujeitos pensam, sentem, vivem e sofrem, no nosso caso especifico, em relação ao processo<br />

de trabalho cooperativo e a concepção de meio ambiente e lixo. Além disso, as dinâmicas<br />

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Uma Proposta para Arapongas–Pr: Promover a Inclusão do Catador de Lixo e seu Bem Estar Social<br />

possibilitarão ampliação <strong>da</strong> teorização a partir <strong>da</strong> prática, transformando-a, redimensionando-a,<br />

levando a um processo de mu<strong>da</strong>nça que parte <strong>da</strong>s expectativas e experiências dos sujeitos.<br />

Os grupos serão divididos em subgrupos de doze sujeitos, sempre acompanhados<br />

de dois orientadores e um observador, sendo que ca<strong>da</strong> subgrupo será atendido pelo menos uma vez<br />

por mês. As ativi<strong>da</strong>des primeiras terão por objetivo aproximar os cooperados ao projeto, <strong>da</strong>í a<br />

necessi<strong>da</strong>de de partir de sua reali<strong>da</strong>de, ou seja, o lixo. Em um segundo momento, as ativi<strong>da</strong>des<br />

serão diversifica<strong>da</strong>s, sendo utilizados como recursos músicas, vídeos, pinturas, cartazes, teatros,<br />

etc. A expectativa é que, a partir de ativi<strong>da</strong>des participativas, possamos aproximar os cooperados<br />

dos pesquisadores e que, assim, possam colaborar para a resolução do problema proposto, entender<br />

a lógica do trabalho cooperativo em uma estrutura fordista de produção e as formas como<br />

estes elementos afetam o trabalhador.<br />

Paralelamente, será utiliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> observação participativa, visando a descrição do<br />

processo de trabalho para que, assim, possamos comparar com a documentação levanta<strong>da</strong>, como<br />

estatutos, funcionamento e estruturação e, ao cotejar com as ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s com os<br />

cooperados, realizar uma revisão teórica a respeito <strong>da</strong> lógica do trabalho cooperativo, a autonomia<br />

e o bem estar do trabalhador.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARAUJÓ, Silva Maria P de. Eles: A cooperativa; um estudo sobre a ideologia <strong>da</strong> participação.<br />

Curitiba: Projeto, 1982.<br />

188<br />

BARBOSA, Francisco de Assis; PEREIRA, Manuel <strong>da</strong> Cunha. Minidicionário Luft. 12ª ed. São<br />

Paulo: Ática, 1996.<br />

DEL PRETTE, Zil<strong>da</strong> A. P. Psicologia <strong>da</strong>s Habili<strong>da</strong>des Sociais: terapias e educação. 3ª ed.<br />

Petrópolis: Vozes, 1999.<br />

MAURER, Theodoro Júnior. O Cooperativismo. São Paulo, 1950.<br />

MORAES NETO, Rodrigues de. Marx, Taylor, Ford: As forças produtivas em discussão. 2ª ed.<br />

São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

NUNES, Lucia Bucar. Socie<strong>da</strong>de Cooperativa: um estudo sobre a ideologia <strong>da</strong> participação.<br />

Curitiba: Projeto, 1982.<br />

NUNES, Lucia Bucar. Socie<strong>da</strong>des Cooperativas: como funcionam estas empresas facilitadoras<br />

de negócios. 2ª ed. Brasília: Sebrae, 1994.<br />

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OLIVEIRA, Eurenice. Toyotismo no Brasil: desencantamento <strong>da</strong> fábrica, envolvimento e resistência.<br />

São Paulo: Expressão Popular, 2004.<br />

PADILHA, Dráuzio Leme. Socie<strong>da</strong>des Cooperativas: Organização, Contabili<strong>da</strong>de e Legislação.<br />

São Paulo: Atlas, 1966.<br />

TERRA E CULTURA - Nº 44 - Ano 23 - Jameiro a Julho 2007


Ana Maria de Almei<strong>da</strong> Prado Lhamas Ferreira, Jaqueline Milani, Keila Regina Gonçalves, Patrícia<br />

Martins Castelo Branco e Silvia do Carmo Pattarelli<br />

MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 9ª ed. Rio de Janeiro:<br />

José Olympio, 2000.<br />

SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas <strong>da</strong> exclusão: análise psicossocial e ética <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de<br />

social. Petropolis: Vozes, 1999.<br />

SOUZA, Ana Inês; MARCHI, Lourdes; MACHADO, Maria Izabel. O trabalho e o Capitalismo:<br />

Alienação e Desumanização. 3ª ed. Curitiba, 2004.<br />

UTUMI, Américo. A Problemática Cooperativista No Desenvolvimento Econômico. São Paulo:<br />

Artegrafica,1973<br />

VESENTINI, William J. & VLACH, Vânia. Geografia Crítica. 15ª ed. São Paulo: Ática, 2001.<br />

ANDRIOLI, Antônio Inácio. Cooperativismo: uma resistência à exclusão. Disponível em . Acessado em 19/08/2006.<br />

KRAEMER, Maria Elisabeth Pereira. A questão ambiental e os resíduos industriais. Disponível<br />

em .<br />

Acessado em 27/082006.<br />

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AOS COLABORADORES<br />

A Revista TERRA E CULTURA é uma publicação<br />

semestral <strong>da</strong> <strong>UniFil</strong>. Tem por finali<strong>da</strong>de<br />

divulgar artigos científicos e/ou culturais que<br />

possam contribuir para o conhecimento, o desenvolvimento<br />

e a discussão nos diversos ramos<br />

do saber. Um artigo encaminhado para<br />

publicação deve obedecer às seguintes normas:<br />

1- Estar consoante com as finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

Revista.<br />

2- Ser escrito em língua portuguesa e digitado<br />

em espaço 1,5 (um e meio), papel tamanho<br />

A4, mantendo a configuração e<br />

formatação de acordo com as normas<br />

<strong>da</strong> ABNT. Recomen<strong>da</strong>-se que o número<br />

de páginas não ultrapasse a 15 (quinze).<br />

3- Serão publicados trabalhos originais que<br />

se enquadrem em uma <strong>da</strong>s seguintes<br />

categorias:<br />

3.1- Relato de Pesquisa: apresentação de investigação<br />

sobre questões direta ou<br />

indiretamente relevantes ao conhecimento científico,<br />

através de <strong>da</strong>dos analisados com técnicas<br />

estatísticas pertinentes.<br />

3.2- Artigo de Revisão Bibliográfica: destinado<br />

a englobar os conhecimentos disponíveis<br />

sobre determinado tema, mediante análise e interpretação<br />

<strong>da</strong> bibliografia pertinente.<br />

3.3- Análise Crítica: será bem-vin<strong>da</strong>, sempre<br />

que um trabalho dessa natureza possa apresentar<br />

especial interesse.<br />

3.4- Atualização: destina<strong>da</strong> a relatar informações<br />

técnicas atuais sobre tema de interesse para<br />

determina<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de.<br />

3.5- Resenha: não poderá ser mero resumo,<br />

pois deverá incluir uma apreciação crítica.<br />

3.6- Atuali<strong>da</strong>des e informações: texto destinado<br />

a destacar acontecimentos contemporâneos<br />

sobre áreas de interesse científico.<br />

4 - Re<strong>da</strong>ção:<br />

4.1 - Nos casos de relato de pesquisa, embora<br />

permitindo liber<strong>da</strong>de de estilos aos autores,<br />

recomen<strong>da</strong>-se que, de um modo geral, sigam à<br />

clássica divisão:<br />

Introdução – proposição do problema e <strong>da</strong>s<br />

hipóteses em seu contexto mais amplo, incluindo<br />

uma análise <strong>da</strong> bibliografia pertinente;<br />

Metodologia - descrição dos passos principais<br />

de seleção <strong>da</strong> amostra, escolha ou elaboração<br />

dos instrumentos, coleta de <strong>da</strong>dos e procedimentos<br />

estatísticos de tratamento de <strong>da</strong>dos;<br />

Resultados e Discussão – apresentação dos<br />

resultados de maneira clara e concisa, seguidos<br />

de interpretação dos resultados e <strong>da</strong> análise de<br />

suas implicações e limitações.<br />

4.2 - Nos casos de Revisão Bibliográfica, Análises<br />

Críticas, Atualizações e Resenhas, recomen<strong>da</strong>-se<br />

que os autores observem às tradicionais<br />

etapas:<br />

Introdução, Desenvolvimento e Conclusões.<br />

5- Deve ser encaminhado por e-mail, para o<br />

endereço - <strong>revista</strong>terraecultura@unifil.br<br />

6- O artigo deverá apresentar resumo e palavras<br />

chaves em português e abstract e<br />

keywords em inglês.<br />

7- Indicar, por uma chama<strong>da</strong> de asterisco, em<br />

nota de ro<strong>da</strong>pé, a qualificação técnico-profissional<br />

do(s) autor(es), com acréscimo dos<br />

respectivos e-mails para que ocorram possíveis<br />

contatos por parte dos leitores.<br />

8- O sistema de chama<strong>da</strong> para citações deverá<br />

ser o alfabético (autor-<strong>da</strong>ta), nesse caso, as<br />

referências deverão ser lista<strong>da</strong>s por ordem<br />

alfabética ao final do Artigo, respeitando a<br />

última edição <strong>da</strong>s Normas <strong>da</strong> ABNT.<br />

A publicação do trabalho nesta Revista dependerá<br />

<strong>da</strong> observância <strong>da</strong>s normas acima<br />

sugeri<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> apreciação por parte do Conselho<br />

Editorial e dos pareceres emitido pelos Consultores.<br />

Serão selecionados os artigos apresentados<br />

de acordo com a relevância a atuali<strong>da</strong>de do<br />

tema, com o n° de artigos por autor, e com a<br />

atuali<strong>da</strong>de do conhecimento dentro <strong>da</strong> respectiva<br />

área.<br />

Conselho Editorial de<br />

TERRA E CULTURA.<br />

Av Juscelino Kubitschek,1626<br />

86020-000 – Londrina-PR.<br />

Telefone: 43_3375-7400<br />

E-mail: <strong>revista</strong>terraecultura@unifil.br<br />

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