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O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO DIANTE DE ... - Unifra

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PIAGET NÃO ESTÁ “ULTRAPASSADO”: O <strong>CONSTRUTIVISMO</strong> <strong>PIAGETIANO</strong><br />

<strong>DIANTE</strong> <strong>DE</strong> DIFICULDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> APRENDIZAGEM<br />

Adriane Cenci 1<br />

Apresento aqui uma proposta pedagógica realizada no estágio de formação em Educação<br />

Especial, que teve como atuação o atendimento de crianças que apresentam dificuldades de<br />

aprendizagem. O trabalho buscou no Construtivismo, principalmente em Piaget, a fundamentação<br />

teórica para a realização de uma prática que priorizou a construção de conceitos operatórios. A<br />

proposta parte do princípio que o pensamento operatório é essencial para se concretizarem as<br />

aprendizagens escolares.<br />

O construtivismo “estourou” na década de 1980; entretanto foi interpretado de maneira<br />

distorcida, acabou transformado em cartilhas e fez com que muitos professores deixassem os alunos<br />

agir sem intervenção, acreditando que as crianças aprendem sozinhas pela ação; não<br />

compreenderam o papel fundamental do adulto ao proporcionar esses momentos de exploração e<br />

questionar os alunos acerca das suas ações.<br />

Busco nesse trabalho resgatar a teoria construtivista, hoje já não mais tão popular,<br />

considerada por alguns ultrapassada, tentando mostrar como a prática pode ser coerente com a<br />

teoria. Piaget dedicou grande parte de seus estudos para explicar como se dá a construção de<br />

conhecimento, compreender essa construção ajuda a entender os alunos em sala de aula.<br />

Piaget destaca que o conhecimento é uma construção, fala em períodos caracterizados por<br />

estruturas cognitivas específicas que se sucedem com uma organização cada vez mais elaborada. O<br />

conhecimento avança à medida que essas estruturas cognitivas se tornam mais equilibradas,<br />

aperfeiçoadas. Compreender isso me ajudou a entender meus alunos e então proporcionar situações<br />

que os levassem a uma organização cognitiva mais avançada. Entendi que deveria priorizar a<br />

construção de conceitos operatórios, uma vez que os meninos se encontravam no estágio préoperatório<br />

num momento que a escola exigia deles um pensamento mais elaborado, característico<br />

do estágio operatório.<br />

Palavras-chave: Piaget, dificuldades de aprendizagem, estrutura cognitiva, construção.<br />

INTRODUÇÃO:<br />

A proposta de estágio foi construída a partir de um processo de observação dos alunos, que<br />

identificou as potencialidades e interesses desses e, ao mesmo tempo, a possibilidade de<br />

concretizado um desenvolvimento real dos alunos perceber os movimentos que poderiam avançar<br />

em seus novos processos de aprendizagem, ampliando e construindo o seu avanço escolar.<br />

Nesse sentido, o foco da proposta na construção de conceitos operatórios deu-se pelo fato de<br />

as crianças a serem atendidas encontrarem-se no período pré-operatório. A possibilidade de buscar<br />

em uma proposta de intervenção essa construção é fruto do entendimento que a compreensão do<br />

mundo e, mais especificamente, as aprendizagens escolares exigem esse pensamento mais<br />

elaborado.<br />

1 Acadêmica do curso de graduação em Educação Especial, 8º semestre, UFSM.


Nessa direção, a literatura infantil surgiu como um tema central, sendo ela a desencadeadora<br />

de questões que desafiam o processo de interação do sujeito com o mundo e com isso levam a um<br />

processo de assimilação e por isso de construção de conhecimentos. O livro, a palavra escrita,<br />

conduz a uma consciência-de-mundo (COELHO, 1984). Dessa consciência-de-mundo deriva o<br />

conhecimento do mundo.<br />

A literatura – ouvir e entender histórias – por si só já implica na construção de conceitos. A<br />

partir dela a criança constrói representações sobre as coisas, vai compreendendo, interpretando,<br />

conceituando o mundo.<br />

OBJETIVOS:<br />

O objetivo da proposta foi a construção de conceitos, mais especificamente conceitos<br />

operatórios, que possibilitarão uma melhor compreensão de mundo e conseqüentemente a<br />

aprendizagem escolar.<br />

Talvez se pense que a leitura e escrita deveriam ter sido objetivos dessa proposta de<br />

trabalho, já que as crianças atendidas na sala de recursos estavam com essas dificuldades de<br />

aprendizagem, no entanto, percebeu-se que seria quase inoperante um trabalho que focasse as<br />

dificuldades de escrita e leitura depois de perceber-se que as crianças não haviam construído as<br />

habilidades operatórias essenciais que compõem a base estrutural de organização do pensamento<br />

para desempenhar com eficiência a leitura e a escrita.<br />

Ao invés de se debruçar unicamente sobre a leitura e escrita – que exigem elaborações<br />

conceituais muito além das atingidas pelos meninos – trabalhei com conceitos, instrumentos lógicos<br />

preliminares que possibilitaram que posteriormente essas crianças dominassem o sistema da escrita.<br />

Isso porque o conhecimento se dá numa sucessão de vários avanços; assim, para que um novo<br />

instrumento lógico se construa, é preciso sempre que instrumentos lógicos preliminares estejam<br />

presentes; quer dizer que a construção de uma nova noção supõe sempre substratos, estruturas<br />

anteriores. São tais estruturas anteriores que busquei construir com as crianças; elas possibilitarão<br />

que atinjam o nível operatório de pensamento, essencial para que se efetivem as aprendizagens que<br />

a escola requer delas.<br />

Dessa forma o objetivo geral da proposta de estágio ficou assim definido: oportunizar a<br />

partir da literatura infantil a construção de conceitos operatórios para a compreensão do mundo.<br />

O TRABALHO <strong>DE</strong> ESTÁGIO NA PERSPECTIVA PIAGETIANA<br />

Esse trabalho realizou-se na Escola Municipal de Ensino Fundamental Lourenço Dalla<br />

Corte, na cidade de Santa Maria, com dois meninos – irmãos gêmeos univitelinos – de oito anos que<br />

estudavam no 2º Ano do Ensino Fundamental. Eles foram atendidos duas vezes por semana, no


turno oposto ao de aula, no período de outubro a dezembro de 2007. O trabalho fundamentou-se nos<br />

princípios construtivistas, tendo em Piaget a principal referência. Esse modo de ver a criança a<br />

percebe como sujeito ativo na construção do conhecimento.<br />

A criança compreende o mundo agindo sobre ele, sua inteligência progride na interação com<br />

o mundo dos objetos e das relações pessoais. Para compreender como ocorre aprendizagem<br />

primeiramente é preciso concebê-la como uma construção, como resultado da ação. O sujeito<br />

constrói conhecimento agindo sobre o mundo, e nessa ação sobre o mundo vai construíndosse a si<br />

mesmo. “O sujeito constitui-se constituindo o mundo” (BECKER, 2003, p.28).<br />

Se o sujeito constitui-se a partir de suas ações, o conhecimento seria resultado da interação<br />

entre sujeito e objeto. Na sua ação sobre o objeto o sujeito busca o alimento de sua transformação,<br />

busca o conhecimento. Entender como se dá essa construção do sujeito e do conhecimento é<br />

importante para nos darmos conta do quão importante é proporcionar à criança inúmeras<br />

possibilidades de ação, de interação com o mundo, e não pretendermos que ela aprenda por mera<br />

instrução oral. Isso porque antes do desenvolvimento das operações formais – no estágio operatório<br />

formal, a partir de aproximadamente 11-12 anos – o conhecimento só pode ser construído a partir<br />

da experiência com objetos significativos, ele não pode ser adquirido de representações (por<br />

exemplo, palavras faladas e escritas) dos objetos e eventos. Assim, é ilógico exigir que a criança,<br />

que ainda não atingiu o pensamento formal, aprenda por mera instrução oral; ela precisa ser<br />

construtora ativa e não receptora passiva de conhecimento.<br />

Piaget dedicou grande parte de seus estudos a explicar essa construção, a explicar como os<br />

sujeitos passam de um estado de menor conhecimento a um estado de maior conhecimento. Quatro<br />

fatores influenciam esse desenvolvimento mental: maturação, experiência ativa com o meio físico,<br />

interação social e equilibração. Porém Piaget parece dar ênfase ao fator de equilíbrio, que<br />

coordenaria os demais fatores. O equilíbrio é um fator interno, espécie de auto-regulação.<br />

A ênfase no equilíbrio transparece quando Piaget diz que o desenvolvimento é um processo<br />

de equilibração progressiva, passagem contínua de um estado para outro de maior equilíbrio. Este<br />

equilíbrio progressivo explica a construção das estruturas cognitivas que caracterizam os sucessivos<br />

estágios de desenvolvimento, nos quais cada estrutura assegura um equilíbrio mais estável que a<br />

estrutura precedente.<br />

Na perspectiva construtivista, herdamos um organismo formado por uma série de estruturas<br />

biológicas e neurológicas que vão dar lugar ao surgimento de certas estruturas mentais. As<br />

estruturas mentais vão sendo construídas e reorganizadas sucessivamente no decorrer do<br />

processo de maturação biológica, à medida que a criança interage com o meio dos objetos e<br />

seu ambiente social. Assim, patamares cada vez mais elevados de organização vão sendo<br />

atingidos por estas estruturas, que se concretizam sob a forma de desempenhos específicos,<br />

em situações concretas dadas. (FERREIRA, 1993, p.24)<br />

Vemos nas palavras de Ferreira como os fatores do desenvolvimento – maturação, interação


com o meio dos objetos, ambiente social e equilíbrio – se relacionam; sendo a busca do equilíbrio o<br />

que leva o indivíduo agir. O equilíbrio seria o motor do desenvolvimento. Temos uma tendência a<br />

buscar o equilíbrio, a nos melhor adaptar ao ambiente, essa adaptação envolve dois processos<br />

complementares: assimilação e acomodação.<br />

Assimilação é a incorporação de um novo conceito ou experiência em um conjunto de<br />

esquemas já existentes – o objeto é transformado e se torna parte do organismo. “Inteligência é<br />

assimilação na medida em que incorpora dentro de sua estrutura todos os dados de experiência<br />

fornecidos” (Piaget apud RICHMOND, 1981, p. 102)<br />

Já na acomodação é o organismo que se transforma para poder lidar com o ambiente; a<br />

acomodação faz com que esquemas de assimilação sejam modificados quando têm que reagir a<br />

novos objetos ou situações. Ela ocorre porque a cada nova experiência as estruturas já construídas<br />

precisam modificar-se para aceitar a nova experiência, pois quando cada nova experiência é<br />

ajustada às velhas, as estruturas modificam-se ligeiramente.<br />

Só para efeito de análise é possível separar assimilação e acomodação; elas ocorrem<br />

juntamente. No desenvolvimento do indivíduo assimilação e acomodação não se separam, se<br />

complementam visando sempre um maior equilíbrio, uma melhor adaptação.<br />

Cada passo à frente no desenvolvimento intelectual exige a aplicação do que já é<br />

compreendido ao que não é compreendido, seguida por um ajustamento no qual o<br />

conhecido é modificado pelo desconhecido. A aplicação de experiência passada ao presente<br />

é assimilação. O ajustamento dessa experiência para levar em conta o presente é<br />

acomodação. (RICHMOND, 1981, p.129)<br />

Transpondo essa idéia para a questão da aprendizagem concluímos que toda situação de<br />

aprendizagem envolve assimilação e acomodação. Assimilação porque a criança só pode absorver<br />

uma nova experiência mudando-a de modo que se ajuste a seu modelo do mundo. Acomodação<br />

porque a presença dessa nova experiência muda seu modelo mental.<br />

Assimilação-acomodação é um processo contínuo que possibilita o desenvolvimento. À<br />

medida que cada nova experiência encontra seu lugar na mente e modifica as experiências velhas, o<br />

intelecto torna-se ligeiramente mais amplo e o modelo mental do mundo externo mais completo.<br />

Esse é um processo cumulativo, mas a nova experiência não é introduzida à força, pois se funde<br />

com o que lá já existe, modificando assim o que já existe e sendo ela própria modificada.<br />

(RICHMOND, 1981)<br />

A cada desequilíbrio corresponderá um movimento de assimilação-acomodação; é dessa<br />

forma que evolui o desenvolvimento – um constante processo de desequilíbrio-equilíbrio<br />

possibilitado pela assimilação-acomodação visando a adaptação.<br />

Piaget refere-se à adaptação como uma invariável funcional, o que quer dizer que ela é um<br />

processo que continua por toda a vida. Outra invariável funcional a qual Piaget se refere é a


organização. Adaptação e organização estão ligadas entre si; sendo a adaptação o processo pelo<br />

qual a inteligência se relaciona externamente com o ambiente, e organização o processo pelo qual a<br />

inteligência como um todo se relaciona com suas partes. A adaptação é o aspecto externo do ciclo<br />

no qual a organização é o aspecto interior. Piaget explica a relação entre essas duas invariáveis<br />

funcionais da seguinte maneira:<br />

O “acordo de pensamento com coisas” e o “acordo de pensamento consigo mesmo”<br />

expressam essa dupla invariável funcional de adaptação e organização. Esses dois aspectos<br />

de pensamento são indissociáveis: é adaptando-se a coisas que o pensamento se organiza e<br />

é organizando-se que ele estrutura as coisas. (Piaget apud RICHMOND, 1981, p.116)<br />

Quando fala de organização Piaget está tratando da organização interna mental, referindo-se<br />

à organização das estruturas, de seus esquemas e como estes se relacionam, se diferenciam, se<br />

coordenam.<br />

O que define a organização são as relações entre as partes e o todo, onde cada operação<br />

intelectual é sempre relativa a todas as outras, com implicações mútuas e significações<br />

solidárias. (AZENHA, 1995, p.26)<br />

Para a teoria piagetiana esse aspecto da organização é muito importante. Piaget dedica<br />

muitos estudos a explicar essa organização interna das estruturas, como estas evoluem a partir dos<br />

esquemas e como estes relacionam-se entre si. A hipótese que explica o desenvolvimento apóia-se<br />

na idéia de estrutura.<br />

O desenvolvimento cognitivo é um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas<br />

das estruturas cognitivas (esquemas), derivando cada estrutura e sua respectiva mudança,<br />

lógica e inevitavelmente, da estrutura precedente. Novos esquemas não substituem os<br />

anteriores: eles os incorporam, resultando numa mudança qualitativa. (WADSWORTH,<br />

1992, p.16)<br />

Essas mudanças no desenvolvimento intelectual são graduais, nunca abruptas. Os esquemas<br />

são construídos e reconstruídos gradualmente, uma seqüência de desequilíbrios e equilibrações que<br />

se dão quando o sujeito age sobre o mundo assimilando e acomodando os estímulos do ambiente.<br />

Piaget dividiu esse desenvolvimento em estágios, sendo que cada um é caracterizado por<br />

determinada estrutura e esta é composta de uma série de esquemas integrados. Cada nova etapa –<br />

cada estágio – é construída sobre as etapas anteriores, integrando-se a elas. O desenvolvimento<br />

seguiria uma série de estágios fixos, porém a idade em que cada um surge pode variar. Piaget<br />

estabeleceu idades aproximadas para a manifestação de cada estrutura, mas elas podem variar em<br />

conseqüência de influências orgânicas ou ambientais, pode ocorrer também de uma criança estar<br />

num determinado estágio para algumas coisas e em outros para outras; isso porque cada estágio,<br />

cada estrutura, envolve vários esquemas e alguns deles podem evoluir mais rapidamente. Os<br />

estágios são os seguintes: estágio sensório-motor (0 a 2 anos), estágio pré-operatório (2 a 6 anos),<br />

estágio operatório concreto (7 a 11 anos) e estágio operatório formal (a partir de 12 anos).


Os meninos que atendi estavam no estágio pré-operatório; dessa forma busquei, através da<br />

literatura infantil, auxiliar as crianças a construir conceitos operatórios (atingindo assim o estágio<br />

operatório concreto). Durante toda intervenção sempre houve uma história, a qual suscitou diversas<br />

questões. A partir dessa história foram trabalhadas diversas atividades que buscaram a construção<br />

de estruturas operatórias, assim como a capacidade de compreensão e interpretação – indispensáveis<br />

para entender o mundo que nos cerca e com isso construir a leitura e a escrita.<br />

As atividades tiveram um tema central – a história escolhida para a semana – e relacionado a<br />

ele foram trabalhados os conceitos operatórios. As atividades não tiveram caráter de teste que<br />

verifica, classifica, quantifica o desempenho dos alunos; mas sim deveriam provocar perturbações –<br />

os desequilíbrios dos quais fala Piaget – que levassem a reconstrução, a melhor adaptação. As<br />

atividades também não tiveram um grau de dificuldade inacessível às crianças, precisaram ser<br />

assimiláveis; considerando que, por meio de assimilação-acomodação, os meninos pudessem atingir<br />

o nível de pensamento operatório. Compreendendo a importância da ação preocupei-me, durante as<br />

intervenções, em priorizar o agir dos meninos. Os estímulos, as atividades sempre exigiam a<br />

participação das crianças. Acredito, dessa forma, que contribuí para que elas passassem a atribuir<br />

significado a tais ações e assim construíssem conhecimento. Piaget (apud SEBER, 1997) afirma que<br />

conhecer não consiste em copiar o real, mas em agir sobre ele e transformá-lo; sendo assim busquei<br />

afastar-me das práticas tradicionais que supõem que a criança aprende copiando e repetindo o que<br />

lhes é “ensinado”.<br />

Resultados:<br />

Ao fim do processo de intervenção os dois meninos ainda permanecem com a estrutura préoperatória<br />

de pensamento, entretanto é possível perceber avanços, eles passaram a uma fase de<br />

transição; assim o pensamento operatório virá com o tempo e exploração. Os alunos já conseguem<br />

realizar algumas operações, quando as dominarem terão construído as bases para acompanhar as<br />

aprendizagens escolares.<br />

O fato das dificuldades de aprendizagem das crianças serem maiores do que imaginei fez<br />

com que permanecesse mais tempo, persistisse mais em determinadas aquisições. Penso que não<br />

adianta “correr com conteúdo” – o que geralmente se faz em sala de aula – se as crianças não o<br />

compreenderem. Hoffmann utiliza uma metáfora bastante interessante para explicar esse tempo de<br />

aprendizagem:<br />

Se usarmos a metáfora de uma construção (apropriada aos fundamentos da teoria de<br />

Piaget), podemos dizer que é mais rápido construir uma torre colocando apenas um tijolo<br />

sobre o outro. Essa torre rapidamente alcançará uma grande altura. Mas em que base terá<br />

sido construída? Qual a extensão e profundidade dos seus alicerces, em comparação com<br />

outras torres, que, construídas com toda segurança, levarão tempo para alcançar aquela<br />

altura? (HOFFMANN, 2000, p.29)


Assim, entendi que primeiramente é preciso construir bases resistentes – trabalhar com<br />

instrumentos lógicos prévios (conceitos operatórios). Depois que estas estiverem constituídas podese<br />

prosseguir a construção da torre, tomando o cuidado para que cada tijolo esteja firmemente<br />

assentado sobre o inferior. Novas aprendizagens devem vir após as anteriores estarem consolidadas;<br />

isso requer mais tempo, porém é a garantia de que a aprendizagem será efetiva, significativa.<br />

Se uma criança passa algum tempo a explorar todas as possibilidades relacionadas com<br />

uma determinada noção, isso pode significar que ela tem necessidade de se demorar mais<br />

tempo nessa situação, e que avançará para o próximo estágio menos rapidamente; mas, na<br />

altura em que ela fizer esse avanço, terá uma fundação, em termos de conhecimento muito<br />

melhor, a idéia ser-lhe-á mais proveitosa, prepara-la-á melhor para enfrentar surpresas.<br />

(DUCHWORTH apud HOFFMANN, 2000, p.30)<br />

Explorar todas as possibilidades eis o caminho da construção efetiva. Creio que esse aspecto<br />

deve estar sempre presente na prática de educadores; deixar a criança explorar todas as<br />

possibilidades de determinado brinquedo, jogo ou atividade. Muitas vezes queremos fazer o tempo<br />

render, “ensinar” mais; assim limitamos a exploração a alguns aspectos pré-determinados, dizemos<br />

exatamente o que queremos com cada coisa, impedindo a criança de conhecer outras possibilidades<br />

do que está em questão.<br />

A intervenção priorizou a construção das bases – conceitos operatórios – contudo a escola, a<br />

série em que se encontram, já exigia a colocação dos primeiros tijolos – leitura, escrita, operações<br />

numéricas, etc. Esse descompasso entre a demanda da escola e as possibilidades dos meninos se<br />

reflete no fato de eles terem repetido o 2º Ano. Acredito que repetir de ano pode trazer benefícios.<br />

Ainda que a escola, os conteúdos e a professora provavelmente sejam os mesmos, as crianças agora<br />

dispõem de uma estruturação cognitiva pouco mais avançada que pode lhes possibilitar, dessa vez,<br />

acompanhar as aprendizagens escolares referentes à série.<br />

Como níveis de estruturação variam no decorrer do processo evolutivo, isso significa que<br />

as crianças não aprendem sempre da mesma maneira. Ou seja, o valor dos conteúdos<br />

escolares depende da etapa de desenvolvimento de raciocínio das crianças. Em algumas<br />

etapas, elas podem aprender ou se beneficiar bastante com determinadas coisas, mas em<br />

outras não. E o interesse pelos conteúdos escolares varia à medida que os processos<br />

cognitivos avançam. (SEBER, 1997, p.217)<br />

Enfatizando que as crianças não aprendem sempre da mesma maneira, acredito que<br />

repetindo o 2º Ano os gêmeos podem se beneficiar dos conteúdos escolares que até então não eram<br />

assimiláveis. Isso porque agora já contam com algumas estruturas importantes, inexistentes no<br />

princípio do ano.<br />

Conclusão:<br />

A construção do conhecimento não pode ser isolada do desenvolvimento da inteligência. O


conhecimento avança gradativamente, na medida que a inteligência avança por construções<br />

sucessivas, e tudo isso tendo como fonte a ação.<br />

Esse avanço não é linear. As novas informações, novos conhecimentos não são<br />

simplesmente somados ao que se tem até então, mas modificam a estrutura presente, visando um<br />

equilíbrio cada vez mais estável.<br />

Na realidade, a inteligência se constrói por etapas de equilibração sucessivas, de modo<br />

que o trabalho começa, em cada uma delas, por uma reconstrução do que já se tinha<br />

adquirido na etapa precedente, mas sob uma forma mais restrita [...] a inteligência procede<br />

assim de maneira não-linear [...]. (PIAGET apud SEBER, 1997; P.78)<br />

Os gêmeos não acompanhavam os conteúdos escolares relativos à série que estavam – 2º<br />

Ano – por lhes faltar aquisições prévias. A inteligência procede de maneira não-linear, entretanto<br />

não há descontinuidade entre a sucessão das construções, existe uma regularidade seqüencial nas<br />

conquistas da inteligência; assim sendo os meninos precisavam ainda passar por etapas de<br />

construção prévias para que suas estruturas cognitivas fossem capazes de lidar adequadamente com<br />

as aprendizagens que a escola requeria. A inteligência, desse ponto de vista, é uma construção<br />

contínua das estruturas.<br />

Segundo Seber, a criança/aluno “[...] só tem condições de realizar aquilo que sua<br />

organização intelectual permite, ou seja, um estímulo qualquer só modifica uma conduta se estiver<br />

integrado, assimilado à organização intelectual.” (SEBER, 1997, p.110). Essa afirmação explica, em<br />

grande parte, aquilo que pude vivenciar no trabalho realizado na escola com aos alunos, porque o<br />

que lhes era “ensinado” em sala de aula não era “aprendido”; os estímulos oferecidos não<br />

condiziam com a estrutura de pensamento deles.<br />

Depois de ter detectado tal fato, percebi que a intervenção deveria visar a construção da<br />

estrutura de pensamento operatório – estrutura condizente com as aprendizagens que o meio escolar<br />

requer das crianças. As operações – o pensamento operatório – são construídas a partir da ação, são<br />

ações interiorizadas.<br />

Chamaremos “operações” ações interiorizadas, quer dizer, executadas não mais material,<br />

mas interior e simbolicamente, e ações que podem ser combinadas de todas as maneiras;<br />

em particular, que podem ser invertidas, que são reversíveis [...] Ora, essas ações que<br />

constituem o pensamento, essas ações interiorizadas, é necessário aprender primeiramente<br />

a executá-las materialmente; elas exigem primeiramente todo um sistema de ações<br />

efetivas, de ações materiais [...] para em seguida [a criança] ser capaz de construí-las em<br />

pensamento. (PIAGET apud SEBER, 1997, p.162-163)<br />

Busquei ao longo da intervenção fazer exatamente o que Piaget afirmou acima: que os<br />

meninos executassem materialmente ações a fim de interiorizá-las, transformando-as em operações,<br />

ações reversíveis. Percebi que na ausência dessas operações torna-se difícil a construção de<br />

determinadas noções de conteúdos escolares.<br />

Acreditando na possibilidade das crianças superarem desafios é que propus atividades que


exigiam raciocínio pouco além da estrutura pré-operatória. Ao compreender tais exercícios as<br />

crianças dariam mais um passo na direção da lógica operatória. Entretanto, vale lembrar que a<br />

organização cognitiva limita o que pode ou não ser assimilado; dessa forma, alguns dos desafios<br />

foram superados, enquanto outros necessitam ainda de mais tempo e interação para serem vencidos.<br />

REFERÊNCIAS:<br />

AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo: Ática, 1995.<br />

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar. Porto Alegre:<br />

Artmed, 2003.<br />

COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: história, teoria, análise. São Paulo: Quíron, 1984.<br />

FERREIRA, Izabel Neves. Caminhos do aprender: uma alternativa educacional para a criança<br />

portadora de deficiência mental. Brasília: COR<strong>DE</strong>, 1993.<br />

HOFFMANN, Jussara. Pontos e contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre:<br />

Mediação, 2000. (5ª edição)<br />

RICHMOND, Peter Graham. Piaget: teoria e prática. São Paulo: IBRASA, 1981.<br />

SEBER, Maria da Glória. Piaget: o diálogo da criança e o desenvolvimento do raciocínio. São<br />

Paulo: Scipione, 1997.<br />

WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São Paulo:<br />

Pioneira, 1992.

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