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A Contribuição de A Religião nos Limites da Mera Razão ... - Unimep

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<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> razão prática; isso se revela no fato<br />

<strong>de</strong> o homem, via <strong>de</strong> regra, só agir eticamente em<br />

conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a obrigação, e não por obrigação.<br />

Ele afirma, em A Religião <strong>nos</strong> <strong>Limites</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Mera</strong> Razão:<br />

Por conseqüência (mesmo o melhor [dos homens])<br />

só é mau por inverter a or<strong>de</strong>m moral dos incentivos<br />

(Triebfe<strong>de</strong>r), no acolhimento <strong>de</strong>ssa mesma<br />

or<strong>de</strong>m em suas máximas: a lei moral, ele a acolhe ao<br />

lado <strong>da</strong> lei do amor-próprio, mas, quando se dá<br />

conta <strong>de</strong> que uma não po<strong>de</strong> subsistir ao lado <strong>da</strong><br />

outra, (...) faz dos incentivos do amor-próprio e <strong>de</strong><br />

suas inclinações a condição para o seguimento <strong>da</strong> lei<br />

moral. 11<br />

A malva<strong>de</strong>z <strong>da</strong> natureza humana, segundo<br />

Kant, não é uma mal<strong>da</strong><strong>de</strong> abissal. Ela consiste em<br />

que o homem, em sua disposição, escolhe o mal<br />

como mal e o transforma em incentivo <strong>de</strong> seu<br />

agir. Antes <strong>de</strong> mais na<strong>da</strong>, a malva<strong>de</strong>z do homem<br />

<strong>de</strong>ve qualificar-se como uma inversão do coração<br />

que interpreta os man<strong>da</strong>mentos universais <strong>da</strong><br />

razão como regras gerais, <strong>da</strong>s quais é possível<br />

<strong>de</strong>sviar-se segundo um parâmetro <strong>de</strong> benefício<br />

próprio. Ela se articula num posicionamento<br />

pragmático em face <strong>da</strong> lei dos costumes, com o<br />

qual o homem toma a si mesmo como moralmente<br />

elevado, sempre fantasiando algo mais em<br />

favor <strong>da</strong> própria etici<strong>da</strong><strong>de</strong>. De acordo com Kant,<br />

cabe ao ser humano o man<strong>da</strong>mento <strong>de</strong> superar,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fun<strong>da</strong>mento <strong>de</strong> sua disposição, essa malva<strong>de</strong>z<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> como inversão. Por outro lado,<br />

ele po<strong>de</strong> não ter sucesso nisso, justamente<br />

porque a malva<strong>de</strong>z é expressão e, ao mesmo tempo,<br />

conseqüência <strong>de</strong> sua liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por tal razão,<br />

ele necessita <strong>de</strong> outra solução: para Kant, a razão<br />

prática <strong>de</strong>ve ter em vista um ser humano exemplar,<br />

realizador do i<strong>de</strong>al <strong>da</strong> perfectibili<strong>da</strong><strong>de</strong> moral,<br />

ou seja, que não se <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong>terminar por essa inversão<br />

e resulte num mo<strong>de</strong>lo para nós. Nesse sentido,<br />

a exigência <strong>de</strong> Kant é <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “ser<br />

humano com disposição ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente divina,<br />

(...) por seus ensinamentos, conduta e sofrimento,<br />

dê o exemplo <strong>de</strong> um ser humano que, em si,<br />

seja agradável a Deus”, ocasionando “no mundo,<br />

11 Ibid., p. 36.<br />

por tudo isso, um bem moral notável, mediante<br />

uma revolução no gênero humano”. 12 É preciso<br />

imaginar esse ser humano <strong>de</strong> tal modo que, estando<br />

ele mesmo isento <strong>da</strong> malva<strong>de</strong>z em sua disposição,<br />

venha romper no princípio o domínio<br />

do mal sobre a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> humana, como representante<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e exemplo para<br />

ela. Fica evi<strong>de</strong>nte que Kant, com esse ser humano<br />

exemplar buscado pela razão, <strong>de</strong>screve o programa<br />

<strong>de</strong> uma cristologia filosófica fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na<br />

filosofia moral.<br />

Porém, mesmo a “representação do princípio<br />

bom, ou seja, <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> (...) em sua perfectibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

moral como exemplo <strong>de</strong> imitação<br />

para qualquer um” 13 ain<strong>da</strong> não tem condições <strong>de</strong><br />

cumprir as expectativas <strong>da</strong> razão prática como<br />

um todo. Embora, com a aparição histórica <strong>de</strong>sse<br />

ser humano exemplar, o po<strong>de</strong>r universal do princípio<br />

do mal sobre a disposição <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

tenha se rompido, ao me<strong>nos</strong> <strong>de</strong> maneira rudimentar,<br />

e fun<strong>da</strong>mente-se, por essa via, uma pretensão<br />

<strong>de</strong> direito do princípio bom a predominar<br />

sobre o homem, a vitória <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>sse princípio<br />

exigi<strong>da</strong> pela razão ain<strong>da</strong> não está totalmente<br />

assegura<strong>da</strong>. Para tanto, torna-se imprescindível a<br />

realização moral do princípio bom pelos próprios<br />

seres huma<strong>nos</strong>. Eis por que Kant escreve, na<br />

“Terceira Parte” <strong>de</strong> seu escrito sobre a religião,<br />

que o domínio perene e <strong>de</strong>finitivo<br />

do princípio bom, até on<strong>de</strong> os homens são capazes<br />

<strong>de</strong> atuar, não po<strong>de</strong> ser alcançado <strong>de</strong> outra maneira,<br />

queremos crer, senão por meio <strong>da</strong> instauração e<br />

expansão <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> regi<strong>da</strong> segundo leis virtuosas<br />

e <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a evocar esse domínio; uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que se torne para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, em sua <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong> levá-la a cabo mediante a razão e em todo<br />

o seu alcance, uma tarefa e uma obrigação. 14<br />

Isso porque só assim po<strong>de</strong>-se ter a esperança<br />

<strong>de</strong> um triunfo do princípio bom sobre o mau.<br />

O fato <strong>de</strong> a própria razão prática exigir – além <strong>da</strong><br />

obediência incondicional <strong>de</strong> todo ser humano à lei<br />

dos costumes, ou seja, ao discernimento <strong>de</strong> sua<br />

12 Ibid., p. 63.<br />

13 Ibid., p. 82.<br />

14 Ibid., p. 94.<br />

Impulso, Piracicaba, 15(38): 95-104, 2004 99

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