A Contribuição de A Religião nos Limites da Mera Razão ... - Unimep
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18 Ibid., p. 94.<br />
19 Ibid., p. 97.<br />
20 Ibid.<br />
Assim como no abandono do estado natural jurídico,<br />
também aqui não há uma lei <strong>de</strong> permissão à<br />
coação <strong>de</strong> um outro ser humano para ingressar no<br />
estado ético-civil, pois este não constitui status<br />
entre as leis públicas do direito, e sim entre as leis<br />
<strong>da</strong> virtu<strong>de</strong>. Kant acrescenta aqui a observação interessante<br />
<strong>de</strong> que esse estado ético-civil po<strong>de</strong><br />
prescindir <strong>de</strong> leis jurídicas, na medi<strong>da</strong> em que precisa,<br />
<strong>de</strong> qualquer modo, pressupor o status civilis<br />
jurídico; afinal, a essência ética comum não po<strong>de</strong><br />
ser cria<strong>da</strong> pelos homens sem já estar-lhe subjacente<br />
a coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> público-jurídica <strong>da</strong> República política.<br />
18 Ain<strong>da</strong> voltarei a esse argumento.<br />
Como terceiro argumento em favor <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ético-civil, Kant<br />
menciona uma obrigação <strong>de</strong> espécie própria. 19 Não<br />
<strong>de</strong>signa, com isso, uma obrigação dos indivíduos<br />
huma<strong>nos</strong> em razão <strong>da</strong> lei dos costumes, <strong>de</strong> si<br />
mesmos e <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais pessoas, como ocorre no<br />
primeiro e no segundo argumentos. Ele fala agora,<br />
muito mais, <strong>de</strong> uma obrigação que o coletivo<br />
<strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> como gênero tem diante <strong>de</strong> si. O<br />
recurso a uma obrigação como essa, <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
perante ela mesma, pressupõe a idéia <strong>de</strong> uma<br />
razão apropria<strong>da</strong> ao conjunto <strong>de</strong> todos os homens.<br />
Tal noção remete à facul<strong>da</strong><strong>de</strong> teleológica do juízo e<br />
à dicção, que lhe é própria, sobre um reino dos<br />
fins <strong>de</strong> natureza moral: “Pois todo gênero <strong>de</strong> seres<br />
racionais, na idéia <strong>de</strong> razão, está objetivamente<br />
<strong>de</strong>terminado a um fim comunitário, a saber, ao<br />
fomento do sumo bem, como bem comunitário”.<br />
20 Kant recorre aqui ao conceito <strong>de</strong> sumo<br />
bem, como já o encontrávamos na Crítica <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Julgar. Mais exatamente, ele <strong>de</strong>signa o<br />
sumo bem como um bem comunitário próprio a<br />
todo o gênero, em virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> que o<br />
caracteriza. A união <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as pessoas numa essência<br />
ética comum não <strong>de</strong>corre negativamente <strong>da</strong><br />
intenção <strong>de</strong> superar o mal, o que equivale a dizer,<br />
<strong>da</strong>s ambivalências <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> prática manifesta<strong>da</strong>s<br />
na propensão ao mal. Essa união resulta, positivamente,<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>limitação última dos propósitos<br />
objetivamente <strong>da</strong><strong>da</strong> aos seres aptos à razão,<br />
ou seja, <strong>da</strong><strong>da</strong> na própria idéia <strong>da</strong> razão. Isso<br />
significa que nós, <strong>de</strong> acordo com Kant, só po<strong>de</strong>mos<br />
falar <strong>de</strong> um sujeito ético <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> sob<br />
o pressuposto <strong>de</strong>ssa noção racional <strong>de</strong> um fim.<br />
Dessa perspectiva, a essência ética comum chamase,<br />
em Kant, povo <strong>de</strong> Deus, pois a realização do<br />
sumo bem – <strong>de</strong>monstra<strong>da</strong> na Crítica <strong>da</strong> Razão<br />
Prática – apenas po<strong>de</strong> ser pensa<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo sensato<br />
como obra do próprio Deus. Da mesma maneira,<br />
somente é possível falar <strong>de</strong> um fim último<br />
<strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> em sentido estrito – como já o fizera<br />
a Crítica <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Julgar – se estiver<br />
apoiado num criador racional, mas, sobretudo,<br />
bondoso e justo. Tendo em vista essa idéia teleológica<br />
<strong>de</strong> razão e sua exigência <strong>de</strong> pensar o sumo<br />
bem como um bem comunitário <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
faz sentido, para Kant, falar <strong>de</strong> Deus como legislador<br />
público <strong>da</strong> essência ética comum. Como<br />
suas leis não são jurídicas, mas <strong>da</strong> virtu<strong>de</strong>, não é<br />
possível imaginá-las senão sob a forma <strong>de</strong> uma<br />
confirmação divina <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras obrigações<br />
éticas. Deus não é, nesse sentido, apenas o legislador<br />
supremo e senhor moral do universo. É<br />
também o juiz supremo, porque somente ele entrevê<br />
<strong>nos</strong> homens suas disposições éticas mais interiores.<br />
Essa unificação <strong>da</strong>s tarefas <strong>de</strong> Deus<br />
como legislador, executor e juiz <strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> virtu<strong>de</strong><br />
é o que distingue o povo <strong>de</strong> Deus como República,<br />
organiza<strong>da</strong> sob as leis <strong>da</strong> virtu<strong>de</strong>, <strong>da</strong> República<br />
política. O po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong>ssa última<br />
emana unicamente do povo soberano, mas é necessário<br />
concebê-la como Estado <strong>de</strong> direito, sob<br />
a forma <strong>de</strong> uma divisão entre os po<strong>de</strong>res Legislativo,<br />
Executivo e Judiciário.<br />
3. UM NOVO ARGUMENTO EM FAVOR DA<br />
REPÚBLICA COSMOPOLITA<br />
A literatura especializa<strong>da</strong> sobre Kant tem<br />
certa razão em apontar a contribuição <strong>de</strong>sse filósofo,<br />
na “Terceira Parte” <strong>de</strong> A Religião <strong>nos</strong> <strong>Limites</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>Mera</strong> Razão, à discussão filosófica sobre uma<br />
possível comprovação <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> Deus. 21<br />
Esse novo argumento precisa ser entendido como<br />
prosseguimento <strong>da</strong>s colaborações <strong>de</strong> Kant na Crítica<br />
<strong>da</strong> Razão Prática e na Crítica <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Julgar.<br />
21 Cf., entre outros, BAUMGARTNER, 1995, p. 103-117, e 1992, p.<br />
156-167.<br />
Impulso, Piracicaba, 15(38): 95-104, 2004 101