22.10.2014 Views

Neoinstitucionalismo como modelo de análise para as ... - pucrs

Neoinstitucionalismo como modelo de análise para as ... - pucrs

Neoinstitucionalismo como modelo de análise para as ... - pucrs

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong><br />

<strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise <strong>para</strong><br />

<strong>as</strong> Polític<strong>as</strong> Públic<strong>as</strong><br />

Algum<strong>as</strong> observações<br />

Carlos V<strong>as</strong>concelos Rocha*<br />

Uma característica <strong>de</strong> qualquer ciência, e portanto d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> sociais, é<br />

a disputa entre <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong> <strong>de</strong> explicação dos seus problem<strong>as</strong> específicos.<br />

Tanto ao longo do tempo quanto num mesmo período, há maior ou<br />

menor dissenso sobre a abordagem teórica mais apropriada <strong>para</strong> se adotar.<br />

Sendo <strong>as</strong>sim, um requisito <strong>para</strong> qualquer analista é se situar entre a varieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> propost<strong>as</strong> disponíveis. Para o estudo d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, especificamente,<br />

temos naturalmente uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectiv<strong>as</strong> <strong>de</strong> análise, cada qual<br />

buscando se firmar perante <strong>as</strong> outr<strong>as</strong>. Sem preten<strong>de</strong>r aprofundar o tema <strong>de</strong>ss<strong>as</strong><br />

disput<strong>as</strong> 1 , este trabalho tem o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver alguns pressupostos<br />

básicos da perspectiva neoinstitucionalista, situando-a <strong>de</strong>ntro do <strong>de</strong>bate<br />

mais geral. Em meados da década <strong>de</strong> 80, a chamada perspectiva neoinstitu-<br />

*<br />

1<br />

Doutor em Ciênci<strong>as</strong> Sociais pela UNICAMP, professor e pesquisador do Mestrado em<br />

Ciênci<strong>as</strong> Sociais e do Departamento <strong>de</strong> Relações Internacionais da PUC-Min<strong>as</strong>. carocha@pucmin<strong>as</strong>.br.<br />

David E<strong>as</strong>ton (1985), por exemplo, busca fazer um balanço resumido do <strong>de</strong>bate americano<br />

neste século. Tal <strong>de</strong>bate é relevante, na medida da influência que <strong>as</strong> teori<strong>as</strong> abordad<strong>as</strong> têm<br />

<strong>para</strong> os estudos realizados em divers<strong>as</strong> partes do mundo, inclusive no Br<strong>as</strong>il.<br />

Civit<strong>as</strong> Porto Alegre v. 5 n. 1 jan.-jun. 2005 p. 11-28


12<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

cionalista encontra gran<strong>de</strong> acolhida pelos estudiosos d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, ao<br />

introduzir importantes <strong>as</strong>pectos analíticos <strong>para</strong> <strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong>, ampliando <strong>as</strong>sim<br />

os horizontes dos estudos na área. Em gran<strong>de</strong> medida, po<strong>de</strong>mos afirmar que o<br />

neoinstitucionalismo busca se consolidar <strong>como</strong> uma referência teórica contrapondo-se<br />

aos <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s pluralista e marxista. Sendo <strong>as</strong>sim, inicialmente,<br />

faremos uma breve alusão aos pressupostos analíticos <strong>de</strong>sses dois <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s.<br />

Em seguida, buscaremos apresentar os pressupostos teóricos dos neoinstitucionalist<strong>as</strong><br />

e apontar algum<strong>as</strong> crític<strong>as</strong> que levaram à reformulação <strong>de</strong> sua<br />

proposta inicial. N<strong>as</strong> du<strong>as</strong> partes seguintes, buscaremos ressaltar dois <strong>as</strong>pectos<br />

que no nosso enten<strong>de</strong>r são mais relevantes <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

estudos sobre <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> e que ganharam relevância no <strong>de</strong>bate através<br />

<strong>de</strong> autores filiados à perspectiva neoinstitucional. Vamos abordar, respectivamente,<br />

o papel d<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> na formulação d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> e a questão da mudança<br />

d<strong>as</strong> instituições. Como conclusão, tentaremos, em breves palavr<strong>as</strong>,<br />

ressaltar alguns pontos fortes e algum<strong>as</strong> fragilida<strong>de</strong>s do <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucionalista,<br />

tomando <strong>como</strong> parâmetro <strong>as</strong> outr<strong>as</strong> du<strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong> analític<strong>as</strong>.<br />

Especificamente, o trabalho procura <strong>de</strong>monstrar que o neoinstitucionalismo<br />

fornece elementos valiosos <strong>para</strong> os estudos <strong>de</strong> c<strong>as</strong>o, m<strong>as</strong> não dá conta <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver teori<strong>as</strong> mais ampl<strong>as</strong>.<br />

O neoinstitucionalismo no contexto do <strong>de</strong>bate<br />

N<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> <strong>de</strong> 50 e 60, a ciência política americana era dominada pelos<br />

<strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s explicativos comportamentalist<strong>as</strong> (behavioralism) e pluralista. O<br />

<strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> pluralista, especificamente, orienta uma enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhos<br />

empíricos sobre polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, inclusive no Br<strong>as</strong>il. De forma um<br />

tanto quanto arbitrária, po<strong>de</strong>mos afirmar que o pluralismo concebe a distribuição<br />

do po<strong>de</strong>r <strong>como</strong> um <strong>as</strong>pecto mais ou menos permanente d<strong>as</strong> socieda<strong>de</strong>s,<br />

especialmente <strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia liberal. As socieda<strong>de</strong>s são concebid<strong>as</strong>,<br />

nessa perspectiva, <strong>como</strong> compost<strong>as</strong> <strong>de</strong> diversos centros <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, sendo que<br />

nenhum <strong>de</strong>les é totalmente soberano. Esse <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> adota o conceito <strong>de</strong> grupo<br />

<strong>de</strong> interesse ou grupo <strong>de</strong> pressão <strong>como</strong> instrumento analítico <strong>para</strong> o processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cision-making. Para o pluralismo, o po<strong>de</strong>r relaciona-se a questões específic<strong>as</strong>,<br />

fugazes ou persistentes, instaurando coalizões entre grupos <strong>de</strong> interesse<br />

na busca <strong>de</strong> certos objetivos. A luta política se faz em torno <strong>de</strong> questões<br />

divers<strong>as</strong> <strong>como</strong> problem<strong>as</strong> econômicos, morais, religiosos, <strong>de</strong> raça, <strong>de</strong> gênero


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 13<br />

e diversos outros. Tomando a terminologia da abordagem sistêmica, são <strong>as</strong><br />

<strong>de</strong>mand<strong>as</strong> e apoios (inputs) dos grupos <strong>de</strong> pressão que vão <strong>de</strong>linear <strong>as</strong> polític<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong> (outputs). O governo e su<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> são vistos <strong>como</strong> resultado<br />

dos inputs vindos da socieda<strong>de</strong>. O Estado é consi<strong>de</strong>rado <strong>como</strong> algo neutro,<br />

cuja função é promover a conciliação dos interesses que interagem na socieda<strong>de</strong>,<br />

segundo a lógica do mercado (Dahl, 1988, p. 85).<br />

Um outro <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> b<strong>as</strong>tante difundido é o marxista, adotado em maior ou<br />

menor grau, conforme a época e o lugar. Nos Estados Unidos, por exemplo,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ostracismo <strong>de</strong> aproximadamente 30 anos, autores marxist<strong>as</strong><br />

chegam a travar interessantes polêmic<strong>as</strong> com autores pluralist<strong>as</strong>, a partir da<br />

década <strong>de</strong> 70. 2 De maneira também resumida e arbitrária, po<strong>de</strong>-se dizer que a<br />

análise marxista parte d<strong>as</strong> relações entre economia, cl<strong>as</strong>ses sociais e Estado.<br />

As relações <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>se são essencialmente relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, constituindo o<br />

instrumento analítico <strong>para</strong> a interpretação d<strong>as</strong> transformações sociais e polític<strong>as</strong>.<br />

As polític<strong>as</strong> estatais aparecem <strong>como</strong> reflexo dos interesses do capital,<br />

seja <strong>como</strong> fruto do Estado visto <strong>como</strong> mero “comitê” <strong>de</strong>stinado a gerir os<br />

negócios comuns a toda a burguesia, seja <strong>como</strong> resultado da ação <strong>de</strong> um<br />

Estado dotado <strong>de</strong> uma “autonomia relativa”, m<strong>as</strong> que em “última instância”<br />

vela pelos interesses do capital. 3<br />

Apesar <strong>de</strong> se colocarem em lados opostos do <strong>de</strong>bate, o pluralismo e o<br />

marxismo unem-se na ênf<strong>as</strong>e analítica centrada na socieda<strong>de</strong>. Para amb<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

perspectiv<strong>as</strong>, a ação estatal é sempre resposta a estímulos vindos da socieda<strong>de</strong>.<br />

Contrapondo-se a esse enfoque, por volta <strong>de</strong> meados dos anos 80, difun<strong>de</strong>-se<br />

o <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> analítico neoinstitucionalista. Em sua primeira versão, <strong>de</strong>nominada<br />

state-centered, o neoinstitucionalismo recoloca o Estado <strong>como</strong> foco<br />

analítico privilegiado: é ele que p<strong>as</strong>sa a explicar a natureza d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> governamentais.<br />

Skocpol (1985), retomando a tradição alemã <strong>de</strong> Max Weber e<br />

Otto Hintze, é uma d<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> autor<strong>as</strong> a propor uma reorientação teórica<br />

em relação às abordagens prece<strong>de</strong>ntes e a tentar organizar <strong>as</strong> b<strong>as</strong>es da análise<br />

neoinstitucionalista. A autora consi<strong>de</strong>ra, inicialmente, a socieda<strong>de</strong> civil per-<br />

2<br />

3<br />

Ver, por exemplo, a interessante polêmica <strong>de</strong> J. Manley contra R. Dahl e C. Lindblom,<br />

publicada na American Political Science Review, W<strong>as</strong>hington, v. 7, n. 2, 1983.<br />

No primeiro c<strong>as</strong>o po<strong>de</strong>mos remeter ao Manifesto Comunista <strong>de</strong> K. Marx e F. Engels. Defen<strong>de</strong>ndo<br />

uma abordagem mais flexível temos N. Poulantz<strong>as</strong> em Po<strong>de</strong>r político e cl<strong>as</strong>ses sociais,<br />

São Paulo, Martins Fontes, 1977, por exemplo. Uma excelente discussão sobre o tema po<strong>de</strong><br />

ser encontrada no trabalho <strong>de</strong> Przeworski (1995).


14<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

manentemente influenciada pelo Estado, <strong>de</strong>vendo este ser concebido <strong>como</strong><br />

“muito mais que um simples foro em que os grupos sociais formulam <strong>de</strong>mand<strong>as</strong><br />

e empreen<strong>de</strong>m lut<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> ou estabelecem acordos” (p. 83). Ela<br />

parte da idéia geral da autonomia dos Estados, que<br />

concebidos <strong>como</strong> organizações que reivindicam o controle <strong>de</strong> territórios e pesso<strong>as</strong>,<br />

po<strong>de</strong>m formular e perseguir objetivos que não sejam um simples reflexo<br />

d<strong>as</strong> <strong>de</strong>mand<strong>as</strong> ou <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> grupos ou cl<strong>as</strong>ses sociais da socieda<strong>de</strong> (Skocpol,<br />

1985, p. 86).<br />

Nesse esforço, Skocpol (1985) critica os pluralist<strong>as</strong>, apontando que em<br />

su<strong>as</strong> análises os fatores causais <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões concret<strong>as</strong> <strong>de</strong> polític<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong> entram, muit<strong>as</strong> vezes, em contradição com su<strong>as</strong> conclusões teóric<strong>as</strong>:<br />

o conteúdo d<strong>as</strong> <strong>de</strong>cisões públic<strong>as</strong> supera, em diversos c<strong>as</strong>os, o caráter<br />

d<strong>as</strong> <strong>de</strong>mand<strong>as</strong> vind<strong>as</strong> da socieda<strong>de</strong>. Ou seja, o conteúdo dos outputs costumam<br />

não raro extrapolar o dos inputs. Além disso, ela aponta que mesmo nos<br />

estudos pluralist<strong>as</strong> que conce<strong>de</strong>m certa autonomia <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão ao Estado, os<br />

funcionários estatais são tomados <strong>como</strong> grupo <strong>de</strong> interesse sem se consi<strong>de</strong>rar<br />

a estrutura estatal na qual se inserem. A autora critica também os marxist<strong>as</strong>,<br />

ou mais especialmente os chamados neomarxist<strong>as</strong>, que concebem o Estado<br />

<strong>como</strong> configurado pela luta <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses, <strong>de</strong> forma direta ou indireta. Estes não<br />

levam em conta, argumenta, que muit<strong>as</strong> vezes é o Estado que conforma <strong>as</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses e a luta <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses. Skocpol sustenta também que a proposição <strong>de</strong> uma<br />

lógica geral <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento político, adotada pelos marxist<strong>as</strong> e neomarxist<strong>as</strong>,<br />

dificilmente encontra correspondência com o estudo <strong>de</strong> c<strong>as</strong>os concretos<br />

<strong>de</strong> polític<strong>as</strong> estatais (Skocpol, 1985, p. 77).<br />

Assim, <strong>para</strong> o neoinstitucionalismo, o Estado, ao contrário do que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

os pluralist<strong>as</strong> e marxist<strong>as</strong>, não se submete simplesmente a interesses<br />

localizados na socieda<strong>de</strong>, sejam d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses ou dos grupos <strong>de</strong> interesse. As<br />

ações do Estado, implementad<strong>as</strong> por seus funcionários, obe<strong>de</strong>cem à lógica <strong>de</strong><br />

buscar reproduzir o controle <strong>de</strong> su<strong>as</strong> instituições sobre a socieda<strong>de</strong>, reforçando<br />

sua autorida<strong>de</strong>, seu po<strong>de</strong>r político e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação e controle<br />

sobre o ambiente que o circunda. A burocracia estatal, especialmente a <strong>de</strong><br />

carreira, estabelece polític<strong>as</strong> <strong>de</strong> longo prazo divers<strong>as</strong> d<strong>as</strong> <strong>de</strong>mandad<strong>as</strong> pelos<br />

atores sociais. Su<strong>as</strong> ações buscam propor visões abrangentes sobre os problem<strong>as</strong><br />

com que se <strong>de</strong>frontam. A capacida<strong>de</strong> que a burocracia tem <strong>de</strong> elaborar<br />

e implementar polític<strong>as</strong> é, em parte, resultante do controle que ela exerce


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 15<br />

sobre um recurso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r privilegiado, que é o acesso diferenciado à informação.<br />

Nessa perspectiva, <strong>as</strong> <strong>de</strong>cisões públic<strong>as</strong> trazem, portanto, a marca dos<br />

interesses e d<strong>as</strong> percepções que a burocracia tem da realida<strong>de</strong>. O Estado aparece<br />

<strong>como</strong> variável in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, dotado <strong>de</strong> autonomia <strong>de</strong> ação, expressão do<br />

“insulamento” da burocracia (Skocpol, 1985).<br />

Porém, cada Estado tem sua capacida<strong>de</strong> dada por uma série <strong>de</strong> requisitos<br />

próprios. Esses requisitos são historicamente condicionados: os instrumentos<br />

<strong>de</strong> polític<strong>as</strong> estatais não são criações <strong>de</strong>liberad<strong>as</strong> <strong>de</strong> curto prazo, m<strong>as</strong> sim<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da história <strong>de</strong> cada nação. O po<strong>de</strong>r político dos grupos <strong>de</strong> interesse<br />

e d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> medida, d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> e capacida<strong>de</strong>s do<br />

Estado. E só o exame <strong>de</strong> cada c<strong>as</strong>o específico po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o grau <strong>de</strong> “insulamento”<br />

que cada Estado possui.<br />

Esse <strong>de</strong>bate envolve, em um <strong>as</strong>pecto crucial, o tema da autonomia do Estado.<br />

Os problem<strong>as</strong> contidos na perspectiva state-centered são apontados <strong>de</strong><br />

forma persu<strong>as</strong>iva por Przeworski (1995). Para esse autor, tal perspectiva só é<br />

coerente se o Estado <strong>de</strong>riva seu po<strong>de</strong>r “exclusiva ou fundamentalmente do<br />

monopólio da força física” (p. 67). E, segundo sua argumentação, tal situação<br />

não po<strong>de</strong> ser generalizada por du<strong>as</strong> razões. Em primeiro lugar, o autor afirma<br />

que em vári<strong>as</strong> socieda<strong>de</strong>s há o controle civil sobre os militares, o que <strong>de</strong>rruba<br />

a “premissa <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r do Estado sempre e em qualquer lugar provém da<br />

força física” (p. 67). Em segundo lugar, ele sustenta que numa economia<br />

capitalista a alocação <strong>de</strong> recursos é feita por agentes privados, o que implica<br />

que “a força po<strong>de</strong> não ser suficiente <strong>para</strong> governar efetivamente” (p. 67).<br />

Criticando Skocpol, em sua f<strong>as</strong>e state-centered, Przeworski aponta <strong>as</strong> confusões<br />

que se dão em torno da idéia <strong>de</strong> autonomia do Estado. Segundo o autor,<br />

não tem sentido falar em autonomia se se toma <strong>como</strong> característica central do<br />

Estado o seu monopólio sobre os meios <strong>de</strong> violência. Neste c<strong>as</strong>o, o que <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>screver a relação do Estado com a socieda<strong>de</strong> é o termo dominação. O autor<br />

argumenta que tal distinção não é percebida por Skocpol (1985), ao centrar<br />

sua atenção sobre a questão da autonomia do Estado. Przeworski mostra que<br />

o Estado é autônomo quando os governantes têm objetivos próprios e são<br />

capazes <strong>de</strong> implementá-los, mesmo contra interesses dos diversos grupos<br />

sociais. Afirma ainda que mesmo numa <strong>de</strong>mocracia


16<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

os ocupantes <strong>de</strong> cargos no Estado – políticos eleitos ou burocrat<strong>as</strong> nomeados –<br />

não são agentes perfeitos do público em nome do qual <strong>as</strong>sumem responsabilida<strong>de</strong>s:<br />

eles não agem <strong>de</strong> acordo com o melhor interesse dos cidadãos (p. 77).<br />

Porém, apesar disso, tomar a autonomia do Estado <strong>como</strong> algo generalizável<br />

seria um equívoco. Przeworski vai <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que é o estudo <strong>de</strong> c<strong>as</strong>os<br />

concretos que vai <strong>de</strong>finir o papel do Estado e da socieda<strong>de</strong> na tomada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões. Assim, afirma que “não faz sentido rotular perspectiv<strong>as</strong> pelo que<br />

<strong>de</strong>ve ser o resultado <strong>de</strong> investigações concret<strong>as</strong>” (p. 71). É no intuito <strong>de</strong> processar<br />

tais crític<strong>as</strong> que o neoinstitucionalismo evolui <strong>para</strong> uma posição mais<br />

matizada.<br />

De uma ênf<strong>as</strong>e maior no Estado <strong>como</strong> fator explicativo, proposta pela<br />

perspectiva state-centered, numa primeira f<strong>as</strong>e, o neoinstitucionalismo evolui<br />

no sentido da ampliação do seu escopo <strong>de</strong> análise <strong>para</strong> a perspectiva que<br />

Skocpol <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> polity-centered analysis (1995, p. 41). Nesta segunda<br />

f<strong>as</strong>e, o Estado não é consi<strong>de</strong>rado, a priori, <strong>como</strong> dotado <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>para</strong> gerar<br />

em seu interior su<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, conforme seus interesses ou concepções. A<br />

perspectiva <strong>de</strong> análise polity-centered busca equilibrar o papel do Estado e da<br />

socieda<strong>de</strong> nos estudos <strong>de</strong> c<strong>as</strong>o, concebendo que o Estado é parte da socieda<strong>de</strong><br />

e po<strong>de</strong> portanto, em certos c<strong>as</strong>os, ser infuenciado por ela em maior grau do<br />

que a influencia. Nessa segunda f<strong>as</strong>e da perspectiva neoinstitucional, a pesquisa<br />

<strong>de</strong>ve abranger instituições governamentais, regr<strong>as</strong> eleitorais, partidos<br />

políticos e polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> anteriores, <strong>como</strong> fatores condicionantes dos<br />

interesses da socieda<strong>de</strong> civil, d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> estratégi<strong>as</strong> e objetivos (Skocpol, 1995;<br />

Immergut, 1996; Migdal, Kohli e Shue, 1994). Quatro princípios po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>de</strong>stacados nessa revisão: a efetivida<strong>de</strong> do Estado não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apen<strong>as</strong> <strong>de</strong> seu<br />

“insulamento”, m<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>como</strong> se dá sua inserção na socieda<strong>de</strong>; a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> enfocar não apen<strong>as</strong> governos centrais, m<strong>as</strong> também os níveis <strong>de</strong> governo<br />

periféricos; a força do Estado e dos agentes sociais são contingentes a situações<br />

históric<strong>as</strong> concret<strong>as</strong>; e, finalmente, a relação Estado/socieda<strong>de</strong> não compõe<br />

um jogo <strong>de</strong> soma zero, implicando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que compartilhem<br />

os mesmos objetivos.<br />

Em trabalho que busca caracterizar o surgimento d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> sociais nos<br />

Estados Unidos, Skocpol (1995, p. 41) propõe um roteiro <strong>de</strong> análise <strong>para</strong> o<br />

estudo d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> sociais que contempla quatro dimensões, e que resume<br />

bem os pressupostos do neoinstitucionalismo polity-centered. Em primeiro


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 17<br />

lugar, ela ressalta a autonomia que os funcionários estatais têm em relação<br />

aos outros interesses sociais. Os funcionários trabalham no sentido <strong>de</strong> implementar<br />

polític<strong>as</strong> que atendam às su<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong>, às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> su<strong>as</strong> carreir<strong>as</strong><br />

e organizações. Isto não quer dizer que possam ignorar os outros interesses<br />

sociais, sendo que não raro buscam compatibilizar seus interesses com estes<br />

últimos. A capacida<strong>de</strong> que têm <strong>de</strong> buscar os seus objetivos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> d<strong>as</strong> característic<strong>as</strong><br />

d<strong>as</strong> organizações polític<strong>as</strong> <strong>de</strong>ntro d<strong>as</strong> quais atuam. A autora<br />

refuta o uso <strong>de</strong> concepções genéric<strong>as</strong> <strong>de</strong> Estado. Ela afirma, por exemplo, que<br />

falar <strong>de</strong> “Estado capitalista” não diz nada sobre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação <strong>de</strong><br />

qualquer Estado particular do mundo capitalista. É apen<strong>as</strong> com o levantamento<br />

histórico da formação dos Estados, do estudo d<strong>as</strong> maneir<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>como</strong> enfrentam<br />

os <strong>de</strong>safios internos e externos com que se <strong>de</strong>frontam, é que se po<strong>de</strong><br />

dimensionar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> polític<strong>as</strong> dos funcionários<br />

estatais e dos políticos.<br />

Em segundo lugar, a autora relaciona instituições polític<strong>as</strong> e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

sociais. Constata que estrutur<strong>as</strong> e processos políticos influenciam i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s,<br />

met<strong>as</strong> e capacida<strong>de</strong>s polític<strong>as</strong> <strong>de</strong> grupos politicamente ativos. Propõe, pois,<br />

explorar <strong>como</strong> os fatores políticos e sociais se combinam <strong>para</strong> afetar <strong>as</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

sociais e capacida<strong>de</strong>s dos grupos envolvidos no jogo político. Em<br />

terceiro lugar, aponta que <strong>as</strong> característic<strong>as</strong> d<strong>as</strong> instituições governamentais,<br />

dos sistem<strong>as</strong> partidários e d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> eleitorais afetam o grau <strong>de</strong> sucesso político<br />

que qualquer grupo ou movimento po<strong>de</strong> alcançar, na medida que possibilitam,<br />

ou vetam, o acesso dos grupos às <strong>de</strong>cisões públic<strong>as</strong>. Essa capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se atingir met<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, portanto, apen<strong>as</strong> da autoconsciência<br />

e recursos <strong>de</strong> mobilização dos grupos, m<strong>as</strong> também d<strong>as</strong> oportunida<strong>de</strong>s<br />

relativ<strong>as</strong> que <strong>as</strong> instituições polític<strong>as</strong> oferecem a certos grupos e negam<br />

a outros. 4 Finalmente, em quarto lugar, ela sustenta que polític<strong>as</strong> adotad<strong>as</strong><br />

anteriormente reestruturam o processo político posterior. “Como a política<br />

cria polític<strong>as</strong>, est<strong>as</strong> também reelaboram a política” (Skocpol, 1995, p. 58).<br />

Esse efeito feedback d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> tem du<strong>as</strong> dimensões: <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> polític<strong>as</strong><br />

transformam a capacida<strong>de</strong> do Estado, mudando portanto <strong>as</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />

administrativ<strong>as</strong> <strong>para</strong> iniciativ<strong>as</strong> futur<strong>as</strong>; e, por outro lado, afetam a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

social, met<strong>as</strong> e capacida<strong>de</strong>s dos grupos <strong>para</strong> o jogo político subseqüente. Uma<br />

4<br />

Um bom exemplo da capacida<strong>de</strong> analítica <strong>de</strong> tal proposição é encontrado em Immergut<br />

(1996).


18<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

política tem sucesso quando estimula grupos e alianç<strong>as</strong> que <strong>de</strong>fendam sua<br />

continuação e expansão. O feedback positivo influencia a adoção futura <strong>de</strong><br />

polític<strong>as</strong> análog<strong>as</strong>, e o negativo ten<strong>de</strong> a barrar a reprodução <strong>de</strong> polític<strong>as</strong> similares.<br />

É interessante abordar um <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong>sse último ponto <strong>para</strong> a análise<br />

d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. Como vimos, o <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucionalista releva<br />

o papel do Estado e <strong>de</strong> seus funcionários na explicação d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> governamentais.<br />

Uma questão, no entanto, emerge <strong>de</strong>ssa centralida<strong>de</strong> analítica que<br />

o papel da burocracia pública ganha, que é a dos fatores que influenciam <strong>as</strong><br />

su<strong>as</strong> ações. Ao buscar <strong>de</strong>senvolver essa questão, <strong>de</strong>terminados autores neoinstitucionalist<strong>as</strong><br />

retomam o papel explicativo d<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> na produção <strong>de</strong><br />

polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. Como vimos, policymakers apren<strong>de</strong>m com o sucesso ou<br />

insucesso d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> anteriores e agem conforme o escopo <strong>de</strong> idéi<strong>as</strong> que<br />

orientam a abordagem dos problem<strong>as</strong> com que se <strong>de</strong>frontam. Dentre os autores<br />

que enveredam por esse caminho está Peter Hall (1993), que, ao estudar a<br />

produção <strong>de</strong> polític<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong> na Inglaterra, fornece interessantes elementos<br />

<strong>para</strong> explicação da ação da burocracia e contribui <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucionalista. É o que trataremos no próximo tópico.<br />

O papel d<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> na produção <strong>de</strong> polític<strong>as</strong><br />

Os “teóricos do Estado”, conforme <strong>de</strong>nominação que Hall dá aos neoinstitucionalist<strong>as</strong><br />

da perspectiva state-centered, 5 partem <strong>de</strong> três princípios, quais<br />

sejam: a ação estatal tem autonomia com relação às pressões sociais; o principal<br />

fator que afeta uma política é a política anterior, no sentido <strong>de</strong> que <strong>as</strong><br />

principais idéi<strong>as</strong> e interesses que os policymakers possuem surgem <strong>de</strong> su<strong>as</strong><br />

experiênci<strong>as</strong> com <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> antece<strong>de</strong>ntes; os especialist<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />

área <strong>de</strong> saber, em conexão com a burocracia, têm papel prepon<strong>de</strong>rante no<br />

aprendizado sobre <strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, ao p<strong>as</strong>so que o papel dos políticos é secundário.<br />

Hall critica a simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais proposições, alertando que o processo<br />

<strong>de</strong> aprendizado com <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> anteriores po<strong>de</strong> tomar vári<strong>as</strong> form<strong>as</strong>, <strong>de</strong>pen-<br />

5<br />

Hall privilegia em sua análise <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Hugh Heclo. O trabalho <strong>de</strong> Heclo, Mo<strong>de</strong>rn Social<br />

Politics in Britain and Swe<strong>de</strong>n (New Haven, Yale University Press, 1974), que foi um dos<br />

pioneiros da perspectiva neoinstitucionalista, enfatiza os <strong>as</strong>pectos que vão ser aprofundados<br />

por Hall.


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 19<br />

<strong>de</strong>ndo dos tipos <strong>de</strong> mudanç<strong>as</strong> envolvidos. O autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> então a existência<br />

<strong>de</strong> três tipos distintos <strong>de</strong> mudanç<strong>as</strong> n<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>. As mudanç<strong>as</strong> <strong>de</strong> primeira e<br />

segunda or<strong>de</strong>ns são caracterizad<strong>as</strong> pelo autor <strong>como</strong> mudanç<strong>as</strong> limitad<strong>as</strong>,<br />

compost<strong>as</strong> por ajustes rotineiros em polític<strong>as</strong> em andamento ou alteração <strong>de</strong><br />

instrumentos <strong>para</strong> alcançar a mesma hierarquia <strong>de</strong> met<strong>as</strong> traçad<strong>as</strong> anteriormente.<br />

Com relação a ess<strong>as</strong> du<strong>as</strong> or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> mudanç<strong>as</strong>, Hall consi<strong>de</strong>ra a tese<br />

dos “teóricos do Estado” proce<strong>de</strong>nte, na medida em que a ação estatal é consi<strong>de</strong>ravelmente<br />

insulada d<strong>as</strong> pressões pluralist<strong>as</strong> do sistema político. A mudança,<br />

nesses c<strong>as</strong>os, é fruto, em gran<strong>de</strong> medida, do aprendizado <strong>de</strong> técnicos e<br />

burocrat<strong>as</strong> com <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sad<strong>as</strong>. A mudança <strong>de</strong> terceira or<strong>de</strong>m, no<br />

entanto, é mais profunda. Esse c<strong>as</strong>o envolve tanto a mudança dos instrumentos<br />

<strong>de</strong> polític<strong>as</strong>, quanto d<strong>as</strong> met<strong>as</strong> e do próprio sistema <strong>de</strong> idéi<strong>as</strong> e padrões<br />

que orientam a abordagem da realida<strong>de</strong> pelos especialist<strong>as</strong>. Segundo ele, há aí<br />

uma mudança <strong>de</strong> <strong>para</strong>digma, nos termos propostos por T. Khun. 6<br />

No c<strong>as</strong>o <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> <strong>para</strong>digma, o processo é impulsionado por fatores<br />

sociais e qu<strong>as</strong>e nunca por fatores estritamente científicos. A mudança é<br />

configurada pelo embate dos interesses em jogo, expressando a configuração<br />

da esfera <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> sobre <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> governamentais. A mudança <strong>de</strong><br />

<strong>para</strong>digma é então precedida <strong>de</strong> mudanç<strong>as</strong> na esfera do po<strong>de</strong>r. O papel da<br />

experiência com <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> anteriores aparece na medida em que a não resolução<br />

dos problem<strong>as</strong> colocados na perspectiva <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado <strong>para</strong>digma,<br />

ameaça o po<strong>de</strong>r d<strong>as</strong> autorida<strong>de</strong>s que o sustenta.<br />

O autor conclui que <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> são elaborad<strong>as</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />

idéi<strong>as</strong> e padrões, compartilhados pelos especialist<strong>as</strong>, que especifica não apen<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong> met<strong>as</strong> que <strong>de</strong>vem ser alcançad<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> o significado da natureza dos<br />

problem<strong>as</strong> abordados e os instrumentos <strong>de</strong> sua solução. Por outro lado, o grau<br />

<strong>de</strong> autonomia dos especialist<strong>as</strong> e da burocracia, e em conseqüência do Estado,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do tipo <strong>de</strong> mudança em curso. Também <strong>as</strong> instituições cuj<strong>as</strong> ações<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m mais <strong>de</strong> especialist<strong>as</strong> são naturalmente mais influenciad<strong>as</strong> pelos<br />

6<br />

Kuhn, em seu livro As estrutur<strong>as</strong> d<strong>as</strong> revoluções científic<strong>as</strong>, São Paulo, Ed. Perspectiva,<br />

1975, afirma que em cada momento do <strong>de</strong>senvolvimento d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> há um conjunto <strong>de</strong><br />

pressupostos e crenç<strong>as</strong> que são compartilhad<strong>as</strong> pelos cientist<strong>as</strong> na <strong>de</strong>finição dos problem<strong>as</strong> da<br />

investigação e na elaboração d<strong>as</strong> teori<strong>as</strong> propost<strong>as</strong> <strong>para</strong> solucioná-los. Este quadro mental é<br />

provisório, no sentido <strong>de</strong> que quando os problem<strong>as</strong> internos a um <strong>para</strong>digma são excessivos,<br />

coloca-se em dúvida a própria valida<strong>de</strong> do <strong>para</strong>digma adotado, implicando em sua substituição<br />

por outro.


20<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

<strong>para</strong>digm<strong>as</strong>. Se n<strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> <strong>de</strong> primeiro e segundo grau o nível da autonomia<br />

é alto, n<strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> <strong>de</strong> terceiro grau o conflito dos interesses sociais tem<br />

papel importante. Aí a mudança <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos conflitos <strong>de</strong> interesses sociais,<br />

envolvendo o <strong>de</strong>bate e o embate político-eleitoral d<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> sociais. Os grupos<br />

<strong>de</strong> interesse fazem a ligação entre o Estado e a socieda<strong>de</strong>. As idéi<strong>as</strong> têm<br />

um papel central na elaboração d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, na medida em que legitimam<br />

alguns interesses em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros. O po<strong>de</strong>r é adquirido, em gran<strong>de</strong><br />

parte, pela influência do discurso. Em suma, o autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não é necessário<br />

estabelecer rígida distinção entre politics <strong>as</strong> social learning e politics <strong>as</strong><br />

a struggle for power (Hall, 1993, p. 292). A análise não <strong>de</strong>ve partir <strong>de</strong> uma<br />

distinção rígida entre Estado e socieda<strong>de</strong>, pois <strong>as</strong> form<strong>as</strong> que esta relação<br />

toma são múltipl<strong>as</strong>, obrigando a adoção <strong>de</strong> uma postura analítica mais nuançada.<br />

Como se vê, Hall aproxima-se <strong>as</strong>sim d<strong>as</strong> teses neoinstitucionais polity<br />

centered, tanto na crítica a uma abordagem que enfatiza a idéia da autonomia<br />

do Estado, <strong>como</strong> na proposição <strong>de</strong> maior abertura analítica com relação às<br />

diferentes realida<strong>de</strong>s. E o mérito do seu trabalho é <strong>de</strong>senvolver a reflexão do<br />

papel d<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> no processo <strong>de</strong> constituição d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> governamentais.<br />

As instituições e a questão da mudança institucional<br />

A questão da mudança institucional é um outro ponto que merece atenção<br />

dos analist<strong>as</strong>, no sentido <strong>de</strong> explicar os motivos pelos quais <strong>as</strong> instituições<br />

mudam. Levi (1991) trata <strong>de</strong>ssa questão partindo <strong>de</strong> um problema inicial<br />

e controverso, e muit<strong>as</strong> vezes negligenciado pelos autores, que é <strong>de</strong>finir o que<br />

se enten<strong>de</strong> por instituição. Ela enfrenta esse problema conceitual afirmando a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ultrap<strong>as</strong>sar a concepção usual que toma <strong>as</strong> instituições<br />

<strong>como</strong> um conjunto <strong>de</strong> regr<strong>as</strong> que regulam comportamentos recorrentes. Ela<br />

salienta que tal <strong>de</strong>finição não distingue instituição <strong>de</strong> norm<strong>as</strong>. Inicialmente, a<br />

autora constata a necessida<strong>de</strong> da construção <strong>de</strong> uma tipologia d<strong>as</strong> instituições,<br />

pois sob esse rótulo, argumenta, agrupam-se cert<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> diferenciador<strong>as</strong><br />

relevantes que <strong>de</strong>veriam ser cl<strong>as</strong>sificad<strong>as</strong>. Posteriormente, Levi centra<br />

sua atenção no tipo <strong>de</strong> instituições mais diretamente relacionado aos fenômenos<br />

políticos, que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> instituições formais, <strong>de</strong>finindo-o da seguinte<br />

forma:


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 21<br />

subconjunto particular <strong>de</strong> instituições, caracterizad<strong>as</strong> por arranjos formais <strong>de</strong> a-<br />

gregação <strong>de</strong> indivíduos e <strong>de</strong> regulação comportamental, os quais, mediante o uso<br />

<strong>de</strong> regr<strong>as</strong> explícit<strong>as</strong> e <strong>de</strong> processos <strong>de</strong>cisórios, são implementad<strong>as</strong> por um ator ou<br />

um conjunto <strong>de</strong> atores formalmente reconhecidos <strong>como</strong> portadores <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r.<br />

As regr<strong>as</strong> po<strong>de</strong>m ser escrit<strong>as</strong> e tid<strong>as</strong> <strong>como</strong> lei, escrit<strong>as</strong> em geral, ou representar<br />

acordos verbais ou costumeiros, pois isto é algo que varia entre <strong>as</strong> instituições.<br />

No entanto, qualquer que seja o c<strong>as</strong>o, <strong>as</strong> expectativ<strong>as</strong> em termos <strong>de</strong> comportamento<br />

são relativamente clar<strong>as</strong> (Levi, 1991, p. 82).<br />

O traço distintivo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> instituição, segundo a autora, é a existência<br />

<strong>de</strong> regr<strong>as</strong> relativamente formais e estáveis, que implicam certa configuração<br />

na alocação dos recursos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, através <strong>de</strong> mecanismos que incentivam<br />

ou <strong>de</strong>sincentivam certos tipos <strong>de</strong> ações dos atores sociais, ao restringirem<br />

o leque <strong>de</strong> su<strong>as</strong> escolh<strong>as</strong>. Os mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> escolh<strong>as</strong><br />

refletem uma certa distribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que po<strong>de</strong> servir aos interesses <strong>de</strong><br />

muitos ou <strong>de</strong> poucos. Assim, <strong>as</strong> instituições formais<br />

não possuem apen<strong>as</strong> hierarqui<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> <strong>de</strong> implementação e <strong>de</strong> tomad<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão,<br />

pois são capazes também <strong>de</strong> estabelecer e ratificar o po<strong>de</strong>r coercitivo <strong>de</strong><br />

certos membros da socieda<strong>de</strong> relativamente a outros. Este po<strong>de</strong>r p<strong>as</strong>sa, então, a<br />

ser usado <strong>para</strong> a distribuição <strong>de</strong> serviços, a coor<strong>de</strong>nação d<strong>as</strong> ações <strong>de</strong> indivíduos<br />

com interesses comuns, a garantia <strong>de</strong> que os po<strong>de</strong>rosos possam continuar a usufruir<br />

<strong>de</strong> benesses, ou <strong>para</strong> arbitrar conflitos inevitáveis, <strong>de</strong> forma a reduzir os custos<br />

<strong>para</strong> os participantes e outros afetados pela contenda (Levi, 1991, p. 83).<br />

Como <strong>as</strong> instituições configuram e cristalizam estrutur<strong>as</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, tomando<br />

emprestad<strong>as</strong> <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> <strong>de</strong> Immergut, po<strong>de</strong>-se indagar: “Se <strong>as</strong> instituições<br />

<strong>de</strong>vem ter uma espécie <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanência, <strong>como</strong> <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong><br />

instituições po<strong>de</strong>m explicar tanto a estabilida<strong>de</strong> <strong>como</strong> a mudança? Se <strong>as</strong><br />

instituições limitam o escopo da ação que parece possível aos diferentes atores,<br />

por que estes po<strong>de</strong>m às vezes escapar <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> restrições?” (1996, p. 139).<br />

Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o estudo d<strong>as</strong> instituições <strong>de</strong>ve buscar <strong>as</strong> caus<strong>as</strong> da “alteração<br />

n<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> e nos procedimentos <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong>st<strong>as</strong>, levando a<br />

que comportamentos alternativos p<strong>as</strong>sem a ser estimulados ou reprimidos”<br />

(Levi, 1991, p. 84). A mudança institucional, argumenta Levi, implica em<br />

redistribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e é fruto do abandono do comportamento <strong>de</strong> submissão<br />

por parte <strong>de</strong> pesso<strong>as</strong> ou grupos a arranjos institucionais vigentes.<br />

Para <strong>de</strong>svendar o problema proposto, a autora vai buscar os motivos pelos<br />

quais <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> se submetem às instituições. Levi inicialmente critica a


22<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

explicação da teoria da escolha racional, que diz que a submissão resulta da<br />

existência <strong>de</strong> incentivos seletivos negativos ou positivos. Por um lado, explica,<br />

implementar polític<strong>as</strong> apen<strong>as</strong> com b<strong>as</strong>e na coerção acaba implicando em<br />

custos muito altos, o que leva à busca <strong>de</strong> meios alternativos <strong>para</strong> se criar<br />

obediência. Por outro lado, o grau <strong>de</strong> consentimento parece ser muito maior<br />

que os incentivos seletivos explicam. Além disso, afirma a autora, tomar<br />

norm<strong>as</strong> ou i<strong>de</strong>ologia <strong>como</strong> fatores que levam à obediência voluntária, <strong>como</strong><br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m alguns sociólogos e economist<strong>as</strong> políticos, não é suficiente, pois o<br />

termo norma engloba fenômenos diferentes. Se por norm<strong>as</strong> se enten<strong>de</strong> princípios<br />

morais, exemplifica, est<strong>as</strong> influenciam pequena parcela da população. A<br />

autora propõe, enfim, <strong>como</strong> alternativa, o que chama <strong>de</strong> “consenso contingente”<br />

ou fairness. “Consenso contingente” implica reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comportamentos,<br />

envolve cumprir expectativ<strong>as</strong> alhei<strong>as</strong>: faço porque os outros também<br />

fazem, é o raciocínio envolvido. Implica em cooperação condicional, on<strong>de</strong><br />

cada um faz sua parte com b<strong>as</strong>e na honestida<strong>de</strong> com reciprocida<strong>de</strong>. As instituições<br />

po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rad<strong>as</strong> fair quando envolvem uma barganha aceitável<br />

e a ação cumpre expectativ<strong>as</strong> tid<strong>as</strong> <strong>como</strong> razoáveis. O essencial é que<br />

cada um cumpra sua parte. Nesse sentido, a ação d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> é tida <strong>como</strong><br />

coletivamente informada e adaptada. 7 Cremos, no entanto, que o que a autora<br />

chama <strong>de</strong> fairness tem um forte conteúdo moral, só que tratado <strong>de</strong> forma<br />

mais elaborada. Além disso, a sensação que cada um tem sobre o cumprimento<br />

d<strong>as</strong> expectativ<strong>as</strong> <strong>de</strong>ntro da barganha, envolve também a questão da distribuição<br />

dos incentivos. Consi<strong>de</strong>rando ess<strong>as</strong> observações, po<strong>de</strong>-se afirmar que<br />

o argumento da autora não é contraditório com <strong>as</strong> alternativ<strong>as</strong> que critica,<br />

m<strong>as</strong> ao contrário, complementa-<strong>as</strong>.<br />

Assim, <strong>para</strong> Levi, <strong>as</strong> “instituições representam uma barganha social a<br />

partir da qual emergem retornos <strong>de</strong> obediência” (p. 84). Sua estabilida<strong>de</strong> se<br />

b<strong>as</strong>eia na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter a obediência <strong>de</strong> grupos e pesso<strong>as</strong>. Para um<br />

7<br />

É interessante transcrever aqui um trecho do trabalho <strong>de</strong> Putnam (1996) em que o autor faz<br />

um amplo estudo empírico sobre a política italiana e que corrobora a tese <strong>de</strong> Levi. Segundo o<br />

autor, “A vida coletiva n<strong>as</strong> regiões cívic<strong>as</strong> [da Itália] é facilitada pela expectativa <strong>de</strong> que os<br />

outros provavelmente seguirão <strong>as</strong> regr<strong>as</strong>. Sabendo que os outros agirão <strong>as</strong>sim, o mais provável<br />

é que o cidadão faça o mesmo, satisfazendo <strong>as</strong>sim às expectativ<strong>as</strong> <strong>de</strong>les. N<strong>as</strong> regiões menos<br />

cívic<strong>as</strong>, qu<strong>as</strong>e todos esperam que os <strong>de</strong>mais violem <strong>as</strong> regr<strong>as</strong>. Parece tolice obe<strong>de</strong>cer às<br />

regr<strong>as</strong> do trânsito, às leis do fisco ou às norm<strong>as</strong> previ<strong>de</strong>nciári<strong>as</strong> quando se espera que os <strong>de</strong>mais<br />

venham <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cê-l<strong>as</strong>” (p. 124).


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 23<br />

número substancial <strong>de</strong> indivíduos, se não houver algum ganho nessa troca, a<br />

instituição se torna injustificável. Toda sua estrutura, por mais repressiva que<br />

seja, contém um elemento contratual: se os que <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer não recebem<br />

a “mínima parte <strong>de</strong> uma má barganha”, <strong>as</strong> form<strong>as</strong> <strong>de</strong> implementação tornamse<br />

cada vez mais custos<strong>as</strong>, a instituição enfraquece, criando uma situação<br />

propícia <strong>para</strong> a mudança. A estabilida<strong>de</strong> institucional se mantém: 1. quando<br />

os benefícios oferecidos forem significativos; 2. quando o custo da mudança<br />

for muito alto, pela capacida<strong>de</strong> institucional <strong>de</strong> monitorar e reprimir a rebeldia;<br />

e 3. pela falta <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> dos insatisfeitos <strong>de</strong> conceber alternativ<strong>as</strong> à<br />

situação vigente.<br />

O foco analítico proposto pela autora visa, então,<br />

<strong>as</strong> <strong>de</strong>cisões institucionais que produzem <strong>como</strong> conseqüência não-intencionada<br />

um solapamento daquilo que chama consenso contigente e que, por isso, elevam<br />

os custos <strong>de</strong> implementação d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>. O abandono do consenso contingente<br />

precipita a mudança quando eleva o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha daqueles que não mais<br />

aceitam ou <strong>de</strong>slegitimam os recursos coercitivos em voga (Levi, 1991, p. 84).<br />

Quando os fatores subjacentes à obediência contingente entram em colapso,<br />

há abandono do consentimento e elevação dos custos <strong>de</strong> implementação<br />

d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>. Os que <strong>de</strong>sejam a mudança usam a <strong>de</strong>sobediência <strong>como</strong> barganha,<br />

ao p<strong>as</strong>so que os que protegem o status quo per<strong>de</strong>m recursos coercitivos.<br />

O resultado provável é a mudança d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> sociais, com a criação <strong>de</strong><br />

nov<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> e/ou recursos coercitivos adicionais. Porém, a ação coletiva é<br />

difícil <strong>para</strong> os relativamente mais fracos, 8 o que coloca entraves ao processo<br />

<strong>de</strong> mudanç<strong>as</strong>. Como principal instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos relativamente mais<br />

fracos é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização coletiva e a recusa à obediência, <strong>as</strong><br />

regr<strong>as</strong> vigentes mudam ou porque os subordinados adquirem novos recursos<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ou por perceberem possuir recursos não utilizados, e/ou ainda por<br />

perda <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha dos que controlam <strong>as</strong> instituições. Freqüentemente,<br />

argumenta Levi, a <strong>de</strong>sobediência individual, coletivamente informada, é<br />

mais fácil, pois não coloca o problema <strong>de</strong> ação coletiva. Aqui a autora não<br />

leva em conta, no entanto, que a <strong>de</strong>sobediência individual geralmente é mais<br />

8<br />

Um trabalho fundamental sobre o tema, e que enfatiza a <strong>as</strong>simetria d<strong>as</strong> condições <strong>de</strong> ação<br />

eficaz entre cl<strong>as</strong>ses sociais, é: Offe, C.; Wiesenthal, H. Du<strong>as</strong> lógic<strong>as</strong> da ação coletiva: anotações<br />

teóric<strong>as</strong> sobre cl<strong>as</strong>se social e forma organizacional. In: Offe, C. Problem<strong>as</strong> estruturais<br />

do estado capitalista. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Br<strong>as</strong>ileiro, 1984.


24<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

vulnerável a retaliações e que a ação coletiva muit<strong>as</strong> vezes se coloca <strong>como</strong><br />

única saída em situações em que <strong>as</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alternativ<strong>as</strong> individuais<br />

são esc<strong>as</strong>s<strong>as</strong>. Enfim, <strong>de</strong> todo modo, Levi fornece uma interessante referência<br />

analítica <strong>para</strong> o entendimento da mudança institucional expressa na idéia do<br />

abandono do “consenso contingente” e, portanto, do rompimento da barganha<br />

social que regula uma instituição.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

O <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucional é hoje, indiscutivelmente, uma referência<br />

fundamental <strong>para</strong> o estudo d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. Como se tentou <strong>de</strong>monstrar<br />

neste trabalho, o neoinstitucionalismo contempla fatores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância<br />

analítica, e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r explicativo, <strong>para</strong> o entendimento <strong>de</strong> processos<br />

<strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões públic<strong>as</strong>. Aspectos <strong>como</strong> o papel d<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> e a mudança<br />

d<strong>as</strong> instituições, por exemplo, contribuem <strong>de</strong> maneira significativa <strong>para</strong><br />

o <strong>de</strong>senvolvimento dos estudos na área. Dito isso, uma forma <strong>de</strong> aquilatar a<br />

importância do <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucional é confrontá-lo com outros <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s,<br />

buscando evi<strong>de</strong>nciar seus pontos positivos e negativos. Sem preten<strong>de</strong>r retomar<br />

essa com<strong>para</strong>ção <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>tida, finalizaremos este trabalho sugerindo<br />

alguns pontos a partir dos quais esse <strong>de</strong>bate po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>senvolvido.<br />

Com<strong>para</strong>ndo-se o neoinstitucionalismo com os <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s marxista e pluralista,<br />

uma conclusão inicial a que se chega é a da maior a<strong>de</strong>quação da primeira<br />

perspectiva com relação às du<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> <strong>para</strong> a realização <strong>de</strong> estudos<br />

empíricos d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>. No c<strong>as</strong>o do <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> marxista, po<strong>de</strong>-se objetar<br />

que reduzir a explicação d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> aos problem<strong>as</strong> <strong>de</strong> luta <strong>de</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses leva, no mínimo, a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar <strong>as</strong>pectos essenciais <strong>para</strong> o seu entendimento.<br />

A percepção da estratificação social adotada pela teoria <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses<br />

tem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar a fragmentação <strong>de</strong> interesses e o grau <strong>de</strong><br />

diferenciação social característicos d<strong>as</strong> socieda<strong>de</strong>s atuais. É também freqüentemente<br />

impossível explicar c<strong>as</strong>os específicos a partir d<strong>as</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses sociais, pois há uma dificulda<strong>de</strong> inerente ao <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> marxista <strong>de</strong> compatibilizar<br />

fenômenos particulares com sua teoria geral. Muit<strong>as</strong> vezes explicações<br />

<strong>de</strong> c<strong>as</strong>os particulares não conseguem se enquadrar nos pressupostos<br />

teóricos da teoria <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses. Essa dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação do estudo <strong>de</strong><br />

c<strong>as</strong>os com a teoria geral acaba levando os autores filiados à teoria <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses<br />

a problemátic<strong>as</strong> proposições <strong>como</strong> “em última instância” e “autonomia relati-


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 25<br />

va”. Com o intuito <strong>de</strong> garantir a premissa <strong>de</strong> que no capitalismo o po<strong>de</strong>r é<br />

exercido em nome dos interesses da burguesia, mesmo que <strong>de</strong>terminados<br />

c<strong>as</strong>os específicos pareçam mostrar o contrário, os autores marxist<strong>as</strong> acabam<br />

realizando verda<strong>de</strong>iros malabarismos teóricos.<br />

Também, por outro lado, a teoria pluralista, amplamente difundida nos<br />

estudos empíricos <strong>de</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>, é insuficiente <strong>para</strong> os estudos <strong>de</strong><br />

c<strong>as</strong>o. A ação dos grupos <strong>de</strong> interesses, apesar <strong>de</strong> fundamental, não é suficiente<br />

<strong>como</strong> fator explicativo. O pluralismo tem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar <strong>as</strong><br />

instituições públic<strong>as</strong> e os seus funcionários em su<strong>as</strong> análises, <strong>como</strong> bem mostra<br />

a perspectiva neoinstitucionalista.<br />

Enfim, ao contrário d<strong>as</strong> macro-teori<strong>as</strong> <strong>como</strong> o marxismo, que abordam<br />

realida<strong>de</strong>s concret<strong>as</strong> partindo <strong>de</strong> uma construção teórica que preten<strong>de</strong> explicar<br />

certos fatos a partir <strong>de</strong> um mecanismo causal que envolve todos os eventos,<br />

centrado na luta <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses, o neoinstitucionalismo propõe uma teoria <strong>de</strong><br />

médio alcance, voltada <strong>para</strong> os estudos empíricos. O <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucional<br />

polity-centered, juntamente com o pluralismo, se abre <strong>para</strong> uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>ndo em cada c<strong>as</strong>o examinado consi<strong>de</strong>rar questões <strong>de</strong> gênero,<br />

raça, religião, cl<strong>as</strong>se social ou qualquer outro fator <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> interesses.<br />

Apresenta <strong>as</strong>sim uma ferramenta a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> os estudos <strong>de</strong> c<strong>as</strong>o.<br />

Porém vai além do pluralismo: retoma a importância analítica do papel d<strong>as</strong><br />

instituições polític<strong>as</strong> e sua influência sobre os grupos sociais.<br />

Feit<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> distinções gerais, tocaremos em um ponto que cremos ser<br />

fundamental, <strong>para</strong> <strong>de</strong>finir o lugar e o alcance do <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> neoinstitucional<br />

frente aos outros <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong>s, ou mais especificamente, frente às macro-teori<strong>as</strong>,<br />

que têm o marxismo <strong>como</strong> um exemplo expressivo.<br />

A com<strong>para</strong>ção do neoinstitucionalismo e do pluralismo com o marxismo<br />

é proce<strong>de</strong>nte apen<strong>as</strong> em certa medida. Uma distinção básica <strong>de</strong>ve ser feita:<br />

cada <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> enfatiza um nível diferente <strong>de</strong> abordagem. Enquanto a ênf<strong>as</strong>e do<br />

pluralismo e do neoinstitucionalismo é a pesquisa empírica, a teoria marxista<br />

visa sobretudo fornecer uma teoria geral do po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong>. A teoria <strong>de</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses, especificamente, tem <strong>como</strong> objetivo <strong>de</strong>svendar <strong>as</strong> leis do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

histórico da socieda<strong>de</strong>. Assim ao apresentar uma teoria que visa<br />

explicações ampl<strong>as</strong>, encontra dificulda<strong>de</strong> em explicar c<strong>as</strong>os concretos. Dahrendorf<br />

coloca bem essa distinção dos níveis <strong>de</strong> análise ao afirmar que


26<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

a intenção analítico-epistemológica do conceito <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses marxist<strong>as</strong> tem muit<strong>as</strong><br />

conseqüênci<strong>as</strong>. Uma <strong>de</strong>l<strong>as</strong> é que a teoria [...] <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> representar<br />

uma autêntica superação da teoria cl<strong>as</strong>sista <strong>de</strong> Marx. Essa teoria afirma<br />

que, em lugar da luta <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>se entre burgueses e proletários, existe hoje uma diferenciação<br />

<strong>de</strong> muitos estratos. [...] M<strong>as</strong> isto não tem nada a ver com a luta <strong>de</strong><br />

cl<strong>as</strong>ses. Também na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marx havia muitos estratos. Marx, contudo,<br />

não pensava em semelhante <strong>de</strong>scrição. Ele se interessava pel<strong>as</strong> forç<strong>as</strong> dominantes<br />

nos conflitos sociais [...] (Dahrendorf, 1981, p. 93).<br />

A fragmentação dos interesses sociais apontado pelos pluralist<strong>as</strong> e pelo<br />

neoinstitucionalismo polity-centered é fruto da ênf<strong>as</strong>e nos estudos empíricos,<br />

ao p<strong>as</strong>so que o enfoque da teoria <strong>de</strong> cl<strong>as</strong>ses busca um alcance mais amplo.<br />

Essa distinção entre os níveis <strong>de</strong> análise é trabalhada também por Heller, que<br />

propõe uma divisão entre sociologia empírica e sociologia teórica. Na primeira,<br />

“toda pesquisa é conduzida no presente absoluto do ‘agora’” e a segunda é<br />

um misto <strong>de</strong> sociologia e filosofia, sendo seu âmbito mais amplo. Em su<strong>as</strong><br />

palavr<strong>as</strong>,<br />

mesmo que a filosofia se conceba <strong>como</strong> enraizada historicamente, sua pretensão<br />

à verda<strong>de</strong> se mantém absoluta, mesmo que os filósofos reflitam sobre o “lócus”<br />

<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scoberta, eles formulam sua verda<strong>de</strong> “sub specie aeternitatis”, válida<br />

<strong>para</strong> sempre e portadora <strong>de</strong> uma mensagem eterna (Heller, 1991, p. 204).<br />

Mais específico, Martins afirma que a “questão do Estado” só ganha sentido<br />

teórico e prático se relacionada às form<strong>as</strong> particulares <strong>de</strong> estruturação da<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista referid<strong>as</strong> a situações concret<strong>as</strong>. Como os processos<br />

históricos são distintos nos diversos países, o relacionamento entre Estado e<br />

socieda<strong>de</strong> se dá <strong>de</strong> forma específica em cada um dos países. Segue-se que<br />

são precisamente esses padrões diferenciados que constituem problema sociológico,<br />

e são eles também que a redução da problemática do Estado capitalista às<br />

estrit<strong>as</strong> <strong>de</strong>terminações do modo <strong>de</strong> produção, tomad<strong>as</strong> <strong>como</strong> <strong>de</strong>terminações universais,<br />

é incapaz <strong>de</strong> explicar (Martins, 1985, p. 18).<br />

É uma posição que remete à proposição <strong>de</strong> Przeworski (1995, p. 71) e<br />

Skocpol (1995, p. 41) <strong>de</strong> que a autonomia do Estado só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida<br />

segundo cada c<strong>as</strong>o concreto, em contraposição a um caráter geral do Estado<br />

capitalista. A idéia da existência <strong>de</strong> um caráter geral do Estado capitalista se<br />

enquadra no que Heller chama <strong>de</strong> sociologia teórica, e que <strong>para</strong> Martins constitui-se<br />

<strong>como</strong> “arquétipo histórico”, válido enquanto démarche filosófica.


C. V. Rocha – <strong>Neoinstitucionalismo</strong> <strong>como</strong> <strong>mo<strong>de</strong>lo</strong> <strong>de</strong> análise... 27<br />

Em sentido figurado, e <strong>de</strong> forma um pouco exacerbada, po<strong>de</strong>-se tomar <strong>as</strong><br />

seguintes palavr<strong>as</strong> <strong>como</strong> sendo referid<strong>as</strong> à relação entre esses enfoques:<br />

A relação entre <strong>de</strong>scrição e análise correspon<strong>de</strong> à da fotografia e obra <strong>de</strong> arte;<br />

enquanto que a <strong>de</strong>scrição e a fotografia reproduzem, com toda exatidão, todos os<br />

pormenores do objeto, interessa na análise e na obra <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>scobrir e ressaltar<br />

os traços essenciais do objeto (Dahrendorf, 1981, p. 92).<br />

Diante <strong>de</strong> tal forma <strong>de</strong> colocação do problema, po<strong>de</strong>mos organizar a discussão<br />

a partir da distinção entre esses dois níveis analíticos. Atualmente a<br />

ênf<strong>as</strong>e nos estudos empíricos é hegemônica, ao p<strong>as</strong>so <strong>de</strong> que teorizações<br />

generalizantes são vist<strong>as</strong> <strong>como</strong> ina<strong>de</strong>quad<strong>as</strong>, digamos <strong>as</strong>sim. Cremos que os<br />

dois níveis <strong>de</strong> análise são igualmente importantes e que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados.<br />

Assim é indiscutível a necessida<strong>de</strong> do esforço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma<br />

teoria abrangente do po<strong>de</strong>r social. E tal esforço po<strong>de</strong> ser auxiliado pela profusão<br />

<strong>de</strong> estudos empíricos <strong>de</strong> c<strong>as</strong>os específicos. Enquanto não houver uma<br />

teoria que incorpore satisfatoriamente <strong>as</strong> du<strong>as</strong> dimensões, o importante é que<br />

os dois níveis <strong>de</strong> estudos estejam em permanente diálogo. Ou mais: é importante<br />

que a discussão esteja atenta <strong>para</strong> a existência dos dois níveis e dos<br />

problem<strong>as</strong> que a escolha <strong>de</strong> um ou outro acarretam inevitavelmente <strong>para</strong> <strong>as</strong><br />

análises. Voltando à intenção inicial <strong>de</strong>ste trabalho, o neoinstitucionalismo<br />

mostra-se <strong>como</strong> um instrumento b<strong>as</strong>tante a<strong>de</strong>quado <strong>para</strong> a pesquisa empírica.<br />

Porém, por isso mesmo, fornece uma visão fragmentada da realida<strong>de</strong>, não<br />

po<strong>de</strong>ndo preten<strong>de</strong>r substituir o papel d<strong>as</strong> teori<strong>as</strong> ampl<strong>as</strong>. Para alguns autores,<br />

uma teoria <strong>de</strong> amplo alcance po<strong>de</strong>rá ser elaborada a partir do acúmulo <strong>de</strong><br />

informações fornecid<strong>as</strong> pelos estudos empíricos. As cois<strong>as</strong> po<strong>de</strong>m ser mais<br />

complicad<strong>as</strong>, pois não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar <strong>as</strong> tensões contid<strong>as</strong> entre os dois<br />

níveis <strong>de</strong> análise, pois qualquer opção analítica parece acarretar ganhos e<br />

perd<strong>as</strong> simultaneamente. O <strong>de</strong>safio será compatibilizar <strong>as</strong> chamad<strong>as</strong> teori<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> amplo alcance com <strong>as</strong> teori<strong>as</strong> voltad<strong>as</strong> <strong>para</strong> os estudos empíricos.<br />

Referênci<strong>as</strong><br />

DAHL, Robert. Análise política mo<strong>de</strong>rna. Br<strong>as</strong>ília: Editora UNB, 1988.<br />

DAHRENDORF, R. Socieda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong>. Br<strong>as</strong>ília: Editora UNB, 1981.<br />

EASTON, David. Political Science in the United States: P<strong>as</strong>t and Present. International<br />

Political Science Review, SAGE Publications, v. 6, n. 1, 1985.


28<br />

Civit<strong>as</strong> – Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005<br />

HALL, Peter A. Policy <strong>para</strong>digms, social learning, and the state: the c<strong>as</strong>e of economic<br />

policymaking in Britain. University of New York, Com<strong>para</strong>tive Politics, v. 25, n. 3,<br />

April 1993.<br />

HELLER, A. A Sociologia <strong>como</strong> <strong>de</strong>sfetichização da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Novos estudos, São<br />

Paulo, CEBRAP, n. 30, 1991.<br />

IMMERGUT, E. M. As regr<strong>as</strong> do jogo: a lógica da política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> na França, na<br />

Suíça e na Suécia. Revista Br<strong>as</strong>ileira <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong> Sociais, São Paulo, Anpocs, n. 30,<br />

1996.<br />

LEVI, Margaret. Uma lógica <strong>de</strong> mudança institucional. Dados, Revista <strong>de</strong> Ciênci<strong>as</strong><br />

Sociais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, IUPERJ, v. 34, n. 1, 1991.<br />

MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Br<strong>as</strong>il pós-64. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Paz e Terra, 1985.<br />

MIGDAL, J.; KOHLI, A.; SHUE, V. State power and social forces: domination and<br />

transformation in the third world. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.<br />

PUTNAM, Robert D. Comunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>mocracia: a experiência da Itália mo<strong>de</strong>rna.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Fundação Getúlio Varg<strong>as</strong>, 1996.<br />

PRZEWORSKI, A. Estado e economia no capitalismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume-<br />

Dumará, 1995.<br />

SKOCPOL, Theda. Bringing the State back in: Strategies of analysis in current research.<br />

In: EVANS, P.; RUESCHMEYER, D.; SCOKPOL, T. Bringing the State back<br />

in. New York: Cambridge University Press, 1985.<br />

. Protecting soldiers and mothers: the political origins of social policy in the<br />

United States. Cambridge: Harvard University Press, 1995.<br />

Texto recebido em novembro <strong>de</strong> 2004 e aprovado em janeiro <strong>de</strong> 2005.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!