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Revista Jovens Pesquisadores - Unisc

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85<br />

possível pensar a infância sem recorrer a categorias e conceitos pedagógicos” (p.<br />

187).<br />

Ao invés de compreender prazer e obrigação como opostos, podemos<br />

colocá-los como faces de uma mesma produção discursiva: na medida em que se<br />

encontra prazer na leitura (e aqui se aponta todo o mercado livreiro voltado para<br />

o público infantil, assim como as prescrições direcionadas a pais e professores no<br />

sentido de incentivar as crianças, desde muito pequenas, à leitura), atinge-se<br />

mais plenamente o objetivo final. Goulart (2000), em uma pesquisa sobre os<br />

catálogos de livros infantis, pontua os discursos que colocam a leitura a partir de<br />

um imperativo do prazer no intuito de governar a infância, isto é, agindo no<br />

disciplinamento e controle dos corpos infantis. O uso do termo governo é aqui<br />

empregado em uma perspectiva foucaultiana, para a qual esta é uma questão<br />

que emerge no século XVI, aliando-se ao poder disciplinar e referindo-se a<br />

problemas muito diversos, tais como o governo de si, o governo das almas, das<br />

condutas, das crianças, das mulheres, dos doentes, etc. O governo implica, assim,<br />

dispor das coisas, com o propósito de alcançar determinadas finalidades,<br />

utilizando-se mais de táticas do que de leis (FOUCAULT, 2003).<br />

Outro aspecto a ser salientado é que, usualmente, a leitura cola-se à<br />

literatura; contudo, apesar do lugar de destaque dado ao livro, as crianças<br />

associam o ato de ler a variados artefatos: jornal, revista, camiseta, placa de<br />

trânsito, etiqueta de roupa, contrato, manual de instruções, etc. Porém, o texto<br />

literário como fim a ser alcançado ocasiona a desvalorização da leitura de outros<br />

artefatos culturais, o que é lembrado, de forma bem-humorada, na epígrafe do<br />

livro ‘Leituras à revelia da escola’: “– Vão guardando estas revistinhas aí, que a<br />

aula agora é de leitura, interpretação de texto!” (MAFRA, 2003).<br />

Assim como há a desvalorização desses outros artefatos (como é o caso dos<br />

gibis, citados acima), percebe-se uma hierarquização no que se refere ao próprio<br />

objeto livro. Da mesma forma como a adjetivação infantil confere à literatura uma<br />

diminuição do valor artístico da obra, a qual é entendida como uma literatura<br />

‘menor’ (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999), as crianças consideram que um livro<br />

pequeninho, repleto de imagens, é mais infantil que aqueles que são mais<br />

volumosos e com bastante texto. As falas das crianças vêm marcar nitidamente<br />

quais os tipos de leitura direcionados às mesmas, explicitando-se, assim, uma<br />

desvalorização do que é infantil, compreendido como de leitura facilitada.<br />

Portanto, as crianças avaliam a si próprias e a leitura em relação aos adultos; ler<br />

livros com muito texto aproxima-as do universo adulto, fazendo-as sentirem-se<br />

mais capazes.<br />

Nessa perspectiva, Mortatti (2000) coloca que o qualificativo infantil vinculase<br />

a um leitor previsto, marcando determinadas concepções de infância, as quais<br />

tomam como parâmetro o adulto, sendo a criança considerada como um ser ‘em<br />

desenvolvimento’ que necessita da escolarização para assumir seu lugar na<br />

sociedade.<br />

<strong>Revista</strong> Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 90-97, 2010.

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