Lazer e Leitura nas Imagens de Debret - Profª Carla Mary S. Oliveira
Lazer e Leitura nas Imagens de Debret - Profª Carla Mary S. Oliveira
Lazer e Leitura nas Imagens de Debret - Profª Carla Mary S. Oliveira
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
154<br />
OLIVEIRA AND ENGLER CURY, PORTUGUESE STUDIES REVIEW 18 (1) (2011) 151-177<br />
O Brasil colorido <strong>de</strong> Jean-Baptiste <strong>Debret</strong>, portanto, não é, <strong>de</strong> forma algu -<br />
ma, um registro “verda<strong>de</strong>iro” do cotidiano oitocentista carioca, no sentido<br />
<strong>de</strong> que qualquer obra artística—assim como qualquer documento histórico,<br />
aliás—se constitui basicamente como um recorte sobre a realida<strong>de</strong> feito a<br />
partir do olhar <strong>de</strong> seu autor. Fazendo-se essa ressalva, e lembrando que nesse<br />
tipo <strong>de</strong> documentação é surpreen<strong>de</strong>ntemente fácil amenizar conflitos e criar<br />
“verda<strong>de</strong>s”, salta aos olhos o <strong>de</strong>talhismo presente nos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> <strong>Debret</strong>,<br />
quase como se o artista <strong>de</strong>sejasse fazer uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>nsa daquele meio<br />
em que chegara com sua bagagem europeia.<br />
No caso da obra artística não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar—sob o risco <strong>de</strong> incorrer<br />
numa parcialida<strong>de</strong> comprometedora—todo o contexto <strong>de</strong> sua produção<br />
incluindo, obviamente, a cultura em que está imerso seu produtor, tentando<br />
i<strong>de</strong>ntificar os fatores que po<strong>de</strong>m ter influenciado os recortes e abordagens<br />
artísticas e/ ou estilísticas no que se refere ao objeto/ tema representado.<br />
Não se po<strong>de</strong> pensar, como Ernst Gombrich acreditava quanto ao método<br />
<strong>de</strong> Panofsky, que uma análise <strong>de</strong>ste tipo da obra <strong>de</strong> arte a reduza a seu Zeitgeist.<br />
Aliás, o crítico e historiador <strong>de</strong> arte austríaco chegava mesmo a afirmar<br />
que o método <strong>de</strong> Panofsky era uma “tentativa <strong>de</strong> explicar representações no<br />
seu contexto histórico, em relação a outros fenômenos culturais” 7 . O mesmo<br />
Gombrich, aliás, em artigo <strong>de</strong> divulgação científica publicado no semanário<br />
norte-americano Saturday Evening Post em 1971, afirma que o homem comum<br />
ten<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar que o artista sabe mais sobre o olhar do que os simples<br />
observadores <strong>de</strong> sua obra 8 . Mais ainda, para ele há mesmo uma tradição<br />
hegeliana ao se enten<strong>de</strong>r qualquer obra <strong>de</strong> arte como reflexo <strong>de</strong> sua época 9 ,<br />
um <strong>de</strong>terminismo que rechaça por completo, apesar <strong>de</strong> admitir a existência<br />
óbvia <strong>de</strong> laços entre o contexto vivido pelo artista e sua obra, mas para ele<br />
estes po<strong>de</strong>m incluir, por exemplo, fatores como o clima e mesmo as<br />
condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física do artista.<br />
Ora, consi<strong>de</strong>rando que “(...) para todos os períodos a imagem <strong>de</strong>ve fazer<br />
parte da reflexão histórica se o historiador levar em conta as dificulda<strong>de</strong>s es-<br />
7 Ernst Hans Gombrich, “Aims and limits of Iconology”, in Ernst Hans Gombrich, Symbolic<br />
images (London: Paidon Press, 1972), 6.<br />
8 Ernst Hans Gombrich, “How to read a painting”, Saturday Evening Post (29 jul. 1971), 21.<br />
9 Ernst Hans Gombrich, Tributos: versión cultural <strong>de</strong> nuestras tradiciones, traducción <strong>de</strong> Alfonso<br />
Montelongo (México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1991), 62.