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Revista Biotecnologia

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2 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 3<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 3


ENTREVISTA<br />

Luiz Antônio Barreto de Castro, Presidente do CTNBio<br />

Entrevista concedida a<br />

Lucas Tadeu Ferreira e<br />

Maria Fernanda Diniz Avidos<br />

Na década de 60, a agricultura mundial ganhou um forte impulso com o melhoramento genético de plantas,<br />

que permitia aos cientistas, através de cruzamentos, desenvolverem espécies mais produtivas. Na década<br />

de 70, um advento conhecido como engenharia genética, possibilitava aos cientistas algo ainda mais<br />

fantástico: transferir para as espécies vegetais um ou mais genes de interesse, sem alterar as suas outras<br />

características. Essa ciência, denominada biotecnologia, foi ganhando força no decorrer dos anos e hoje é uma<br />

das ferramentas mais importantes para o desenvolvimento de uma agricultura mais produtiva, saudável e menos<br />

dependente do uso de agrotóxicos. Através da biotecnologia, a ciência pode obter respostas rápidas e seguras<br />

na resolução de questões importantes, como resistência à pragas, doenças e estresses ambientais, como também<br />

no desenvolvimento de espécies mais produtivas e com maior valor nutricional. Pode-se dizer, sem dúvida,<br />

que a biotecnologia é um dos instrumentos mais fortes no contexto científico-tecnológico atual, para se chegar<br />

a tão almejada agricultura sustentável.<br />

Por outro lado, o desenvolvimento da biotecnologia moderna trouxe também novas preocupações com as<br />

questões de biossegurança e bioética, tanto a nível laboratorial quanto ao que diz respeito a potenciais danos<br />

ecológicos, diante da perspectiva de liberação de Organismos Geneticamente Modificados _ OGM's, no<br />

ambiente.<br />

Em janeiro de 1995, a biotecnologia no Brasil ganhou uma forte aliada: a Lei de Biossegurança (nº 8.974),<br />

regulamentada através do Decreto nº 1.752 , que estabelece e impõe condições de segurança para as pesquisas<br />

nessa área. Além de regulamentar as atividades de biotecnologia, essa Lei prevê também penalidades de até<br />

20 anos de retenção para quem desrespeitá-la.<br />

A regulamentação da Lei de Biossegurança levou à criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança<br />

_ CTNBio, em 29 de maio de 1995. A CTNBio é composta por representantes do Poder Executivo, da comunidade<br />

científica, do setor empresarial que atua em biotecnologia, de representantes de órgãos de defesa do<br />

consumidor, e de órgãos legalmente constituídos de proteção à saúde do trabalhador e é a Comissão<br />

responsável pela regulamentação da biossegurança, no que se refere ao uso e liberação de OGM's no ambiente.<br />

Desde a sua criação, a CTNBio julgou e proferiu decisão em 64 processos administrativos, relativos ao uso de<br />

técnicas de engenharia genética no país. Várias questões de extrema importância para o cenário científico e<br />

tecnológico do Brasil, como clonagem, importação e comercialização de OGM`s, entre outras, fazem parte do<br />

dia-a-dia dessa Comissão, e, para falar sobre essas questões, a revista BIOTECNOLOGIA, Ciência &Desenvolvimento<br />

entrevistou, no dia 1º de julho de1998, o Presidente da Comissão, Luiz Antônio Barreto de Castro.<br />

Luiz Antônio é graduado em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, tem mestrado em<br />

Tecnologia de Sementes, pela Universidade do Mississipi, EUA, PhD em Fisiologia de Plantas, pela Universidade<br />

da Califórnia Davis e Pos Doutoramento em Biologia Molecular na Universidade da california Los Angeles,<br />

também nos EUA. O Presidente da CTNBio tem uma longa experiência como professor e cientista, já prestou<br />

várias consultorias em nível nacional e internacional, foi professor na Universidade Federal Rural do Rio de<br />

Janeiro de 1965 a 1981 e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />

_ Cenargen/Embrapa, de 1981 a 1996, onde, como pioneiro, foi o responsável pela implantação e<br />

implementação do Programa de <strong>Biotecnologia</strong> da EMBRAPA da infra-estrutura, e em especial do laboratório<br />

de engenharia genética e formação de equipes especializadas nessa área.<br />

Durante a entrevista, Luiz Antonio falou sobre o funcionamento da CTNBio, e destacou a importância da<br />

biotecnologia para o desenvolvimento da agricultura no Brasil, enfatizando que a Comissão age com muita<br />

cautela e seriedade antes de autorizar a liberação de OGM's no ambiente.<br />

4 <strong>Biotecnologia</strong> 4 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência Ciência & Desenvolvimento & Desenvolvimento


BC&D - Qual é a missão da CTNBio?<br />

Luiz Antônio - A missão da CTNBio é<br />

implementar a Lei de Biossegurança,<br />

que trata de todos os aspectos relativos<br />

a Organismos Geneticamente Modificados<br />

_ OGM's, e estabelecer minuciosamente<br />

regulamentações que a Lei não<br />

prescreve. Toda lei, em geral, é ampla e<br />

trata de questões conceituais, mas não<br />

especifica detalhes, por isso, tivemos<br />

que elaborar várias Instruções Normativas<br />

para que a Lei pudesse ser aplicada.<br />

BC&D - Quantos membros tem a CTNBio<br />

e como são escolhidos?<br />

Luiz Antônio - São 18 membros, entre<br />

representantes da sociedade científica,<br />

dos Ministérios da Agricultura, Saúde,<br />

Meio Ambiente, Relações Exteriores,<br />

Educação e Ciência e Tecnologia, do<br />

setor industrial, dos órgãos de defesa do<br />

consumidor e da saúde do trabalhador.<br />

Os representantes da comunidade científica<br />

são escolhidos a partir de uma<br />

ampla consulta às instituições que atuam<br />

em ciência e tecnologia. Essa consulta é<br />

tão ampla, que dentro das universidades,<br />

os departamentos e associações<br />

científicas podem mandar currículos,<br />

indicando pessoas para comporem a<br />

Comissão, que a CTNBio os considera.<br />

Essas indicações são selecionadas pelo<br />

Ministro da Ciência e Tecnologia e indicados<br />

ao Presidente da República para<br />

nomeação. Os representantes dos Ministérios<br />

são apontados pelos respectivos<br />

Ministros e, por isso, não passam por<br />

nenhum processo de seleção no Ministério<br />

da Ciência e Tecnologia. O Ministério<br />

da Agricultura conta com dois representantes,<br />

um da área animal, e outro da<br />

área vegetal. O interesse do consumidor<br />

é representado pela Procuradoria de<br />

Defesa do Cosumidor. No caso da saúde<br />

do trabalhador, a indicação vem do<br />

Ministério do Trabalho ou da Saúde, já<br />

que ambos têm autonomia para indicar<br />

nomes com esse perfil. Quanto aos representantes<br />

do setor industrial, as indicações<br />

são feitas por representantes da<br />

indústria ligados à biotecnologia que,<br />

em geral, se articulam para definir esses<br />

nomes.<br />

BC&D - Como a Comissão está<br />

estruturada internamente e como é o<br />

processo decisório?<br />

Luiz Antônio - A Comissão tem um<br />

regimento interno, que estabelece os<br />

seus mecanismos de funcionamento,<br />

como comparecimento às reuniões, direitos<br />

e deveres de cada membro, enfim,<br />

regras que são utilizadas e aceitas pelos<br />

membros da Comissão. Os integrantes<br />

não recebem<br />

remuneração pelo comparecimento, e<br />

nós nos reunimos, quase sempre, uma<br />

vez por mês, em reuniões longas, muitas<br />

vezes de dois dias, que são precedidas<br />

de reuniões de comissões setoriais específicas.<br />

A Lei estabelece que além da<br />

Comissão Técnica Nacional, existem três<br />

comissões setoriais específicas, localizadas<br />

nos Ministérios da Agricultura, Saúde<br />

e Meio Ambiente. Essas comissões<br />

tratam de questões inerentes a essas<br />

áreas e adiantam uma posição técnica a<br />

respeito dos assuntos de sua competência,<br />

para serem tratados na Comissão<br />

maior, a Comissão plena. Em se tratando<br />

de questões urgentes, a CTNBio convoca<br />

reuniões extraordinárias. Na maioria das<br />

vezes, as decisões da Comissão são tomadas<br />

por consenso, mas com freqüência<br />

temos que votar e quando votamos,<br />

a decisão é sempre por maioria dos<br />

membros presentes, sendo que o Presidente<br />

só vota quando há empate, ou<br />

seja, o voto minerva. As reuniões são<br />

sempre formais, e as decisões publicadas<br />

no Diário Oficial e também nos boletins<br />

e relatórios anuais de atividades da<br />

CTNBio.<br />

BC&D - Quais são os critérios adotados<br />

para a concessão do CQB - Certificado<br />

de Qualidade em Biossegurança às instituições<br />

interessadas?<br />

Luiz Antônio - O Certificado de Qualidade<br />

em Biossegurança - CQB leva em<br />

consideração dois aspectos principais.<br />

primeiro, a natureza da atividade da<br />

instituição, ou seja, se é científica, industrial,<br />

de teste de produtos transgênicos ,<br />

ou simplesmente de armazenamento, o<br />

que provavelmente vai acontecer agora<br />

em função da Lei de Proteção de Cultivares,<br />

e ainda as que comercializam OGM's<br />

e seus derivados . Em segundo lugar , os<br />

organismos que são<br />

objeto das atividades. Existem regras de<br />

segurança que são mais rígidas do ponto<br />

de vista das condições de infra-estrutura<br />

e de manuseio do organismo, em função<br />

da sua classificação. Nós utilizamos a<br />

classificação do NIH - "National Institute<br />

of Health", dos EUA, que classifica os<br />

organismos em dois grupos: grupo 1,<br />

que de um modo geral, não são perigosos,<br />

e grupo 2, que devem ser manipulados<br />

com maior cuidado, porque podem<br />

representar riscos. As instituições interessadas<br />

no CQB preenchem um formulário<br />

próprio da CTNBio, de acordo com<br />

as instruções fornecidas pela CTNBio .<br />

Depois, descrevem as instalações que<br />

dispõem para exercer as atividades com<br />

OGM's. A Comissão analisa esses pedidos<br />

e concede ou não o CQB, Outra<br />

exigência para a obtenção do CQB é que<br />

a instituição interessada tenha um comitê<br />

interno de biossegurança, para que a<br />

própria instituição supervisione e fiscalize<br />

as suas atividades com OGM's. Esses<br />

comitês têm por obrigação legal relatar à<br />

CTNBio qualquer problema ocorrido no<br />

desenvolvimento de pesquisas de engenharia<br />

genética. Hoje, no Brasil, há mais<br />

de 100 laboratórios desenvolvendo pesquisas<br />

com OGM's e muitos desses laboratórios<br />

já vêm funcionando há mais de<br />

20 anos, mesmo antes da Lei de<br />

Biossegurança, sem que nenhum acidente<br />

tenha ocorrido. No caso de indústrias<br />

e liberações no campo, a Comissão<br />

realiza inspeções freqüentes, ainda que<br />

até hoje não tenha havido problemas<br />

ambientais ou de outra natureza. A Comissão<br />

já concedeu mais de 70 CQB's,<br />

mas muitas instituições ainda não o solicitaram,<br />

o que dificulta muito o nosso<br />

trabalho. Nós não temos a intenção de<br />

agir de maneira "policialesca", o que<br />

queremos é que a comunidade se<br />

conscientize da importância de ter o seu<br />

Certificado e funcione de maneira legal.<br />

Enviamos cartas para as instituições que<br />

ainda não têm o CQB, informado-as que<br />

a Lei nos obriga a intervir nas agências<br />

de fomento, para impedir o financiamento<br />

de projetos das instituições que<br />

não possuem o CQB, ou que pelo menos,<br />

não tenham o pedido protocolado<br />

na CTNBio. Essa ação da CTNBio foi<br />

incorporada a editais, como o do PADCT<br />

- Programa de Apoio ao Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico, por exemplo,<br />

que estabelece com clareza que<br />

instituições que trabalham com engenharia<br />

genética que não têm, pelo menos,<br />

o protocolo solicitando o CQB, não<br />

terão projetos financiados pelo Programa.<br />

Aos poucos, os outros programas<br />

vão agir da mesma maneira. A CTNBio já<br />

se reportou à todas as agências de financiamento<br />

em nível estadual e federal,<br />

chamando atenção para essa determinação.<br />

A Comissão já comunicou também<br />

aos órgãos de fiscalização do Governo<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 5<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 5


os nomes das instituições que ainda não<br />

têm o CQB, para que sejam autuadas na<br />

forma da Lei.<br />

BC&D - E quais são os critérios para<br />

aprovação de projetos de pesquisa que<br />

envolvem OGM's?<br />

Luiz Antônio - Para instituições que<br />

atuam com organismos do Grupo 1, as<br />

exigências do ponto de vista legal são a<br />

formação de um comitê interno de<br />

biossegurança e o CQB. As instituições<br />

que atuam com organismos do grupo 2,<br />

além do CQB, têm que enviar à Comissão<br />

cópias dos projetos de pesquisa que<br />

desenvolvem para que possamos avaliar<br />

o grau de risco na manipulação desses<br />

organismos.<br />

BC&D - Quantos e quais produtos já<br />

foram liberados pela CTNBio e quais<br />

estão sendo analisados atualmente?<br />

Existe algum produto geneticamente<br />

modificado ou derivado que já está sendo<br />

comercializado no Brasil?<br />

Luiz Antônio - Nós já aprovamos aproximadamente<br />

uma centena de liberações<br />

de produtos transgênicos no campo,<br />

principalmente plantas. Dentre essas liberações,<br />

destacam-se a soja e o milho,<br />

além da cana-de-açúcar e algodão. Houve<br />

uma solicitação da ABIOVE - Associação<br />

Brasileira das Indústrias de Óleos<br />

Vegetais para comercializar soja<br />

transgênica resistente a herbicida no<br />

Brasil, e que foi aprovada pela CTNBio.<br />

Não houve até agora nenhuma<br />

desregulamentação de produto<br />

transgênico, ou seja, nenhum produto<br />

transgênico passou por força do processo<br />

de desregulamentação a ser tratado<br />

como um produto comum. Já existe na<br />

CTNBio, um pedido de autorização para<br />

produção comercial e consumo de soja<br />

resistente ao herbicida "Roundup" e que<br />

deverá ser analisado nas próximas reuniões<br />

da Comissão. É importante considerar<br />

que essa soja já foi desregulamentada<br />

há alguns anos nos EUA, Canadá, Argentina,<br />

e até mesmo na Europa, de modo<br />

que a posição do Brasil é até certo ponto<br />

confortável, porque quando tomamos<br />

uma decisão, já temos uma longa experiência<br />

do que aconteceu em outros<br />

países, para que possamos avaliar e<br />

assim basear a nossa decisão.<br />

BC&D - Entre esses produtos, o senhor<br />

poderia apontar quais OGM's foram<br />

desenvolvidos por instituições brasileiras?<br />

Luiz Antônio - A única solicitação para<br />

teste no campo de produto transgênico<br />

desenvolvido por instituição brasileira,<br />

até<br />

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6 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

o momento, foi a cana-de-açúcar da<br />

Coopersucar, resistente a herbicida, mas<br />

existem trabalhos em andamento envolvendo<br />

a cooperação entre Centros da<br />

EMBRAPA e instituições estrangeiras<br />

como a Monsanto para o desenvolvimento<br />

de transgênicos no Brasil<br />

BC&D - Os produtos transgênicos liberados<br />

pela Comissão terão que ser obrigatoriamente<br />

rotulados para orientar<br />

os consumidores? Qual a sua opinião<br />

sobre a questão da rotulagem?<br />

Luiz Antônio - Existe um grande debate<br />

internacional num fórum denominado<br />

Codex Alimentarius, da FAO - Organização<br />

das Nações Unidas para Agricultura<br />

e Alimentação, sobre a questão da<br />

rotulagem. Recentemente, houve uma<br />

reunião em Montreal, no Canadá, e eu<br />

tive a oportunidade de participar, como<br />

membro da Delegação Brasileira. Durante<br />

essa reunião, os países apresentaram<br />

as suas posições com relação à questão<br />

da rotulagem de OGM's. Me parece prudente<br />

que o Brasil acompanhe o andamento<br />

dessas discussões a nível internacional,<br />

antes de tomar posições a favor<br />

ou contra a rotulagem. O posicionamento<br />

internacional certamente vai servir de<br />

base para a Organização Mundial de<br />

Comércio, que vai levar em consideração<br />

a decisão do Codex Alimentarius<br />

para estabelecer as regras de rotulagem.<br />

Portanto, o que sugerimos, pela CTNBio,<br />

à comissão brasileira que trata desse<br />

assunto no Codex, foi não tratar essa<br />

questão de forma definitiva, antes de<br />

haver um consenso internacional. Mas a<br />

posição da Delegação Brasileira foi no<br />

sentido de não<br />

rotular nos alimentos oriundos de produtos<br />

transgênicos, o processo que os<br />

origimou. A razão é a seguinte: a engenharia<br />

genética é apenas mais um método<br />

de melhoramento genético, à semelhança<br />

de muitos que já foram usados<br />

no passado, como a radiação gama,<br />

mutagênicos químicos etc., e que não<br />

foram objeto de rotulagem, ainda que os<br />

melhoristas clássicos tivessem menos<br />

controle dos genes que estavam sendo<br />

manipulados. Com o surgimento da engenharia<br />

genética nós temos absoluto<br />

controle na manipulação desses genes.<br />

Eu acho que colocar no rótulo que o<br />

produto foi desenvolvido por engenharia<br />

genética não tem nenhuma relevância<br />

para o consumidor, do ponto de vista<br />

da segurança alimentar. O importante é<br />

informar a composição química do alimento,<br />

os ingredientes adicionados ao<br />

produto, se tem algum efeito colateral ou<br />

prejudicial, como por exemplo alergia a<br />

determinadas proteínas. O consumidor<br />

tem que saber se o que ele está consumindo<br />

é seguro ou não. Dizer no rótulo<br />

que o produto foi desenvolvido por<br />

engenharia genética só tem uma conseqüência:<br />

a desconfiança do consumidor.<br />

Por outro lado, nós estamos convencidos<br />

que algumas instituições estão<br />

dispostas a banir a engenharia genética<br />

do planeta, como o "Greenpeace" entre<br />

outras. O problema para eles não é a<br />

rotulagem e sim a tecnologia utilizada.<br />

Mas o Brasil precisa da engenharia genética<br />

e tem que agir com cautela em<br />

relação a esse assunto. Os países da<br />

Europa e a Índia apoiaram a rotulagem<br />

de todos os produtos e derivados de<br />

engenharia genética. O Brasil defendeu<br />

explicitamente uma posição contrária, e<br />

foi seguido por outros países como EUA,<br />

Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Argentina,<br />

Chile, Coréia e Japão. Há uma<br />

divisão no mundo hoje: de um lado, a<br />

Europa, onde estão as grandes<br />

multinacionais produtoras de inseticidas,<br />

sobretudo na Suíça, que é contra a<br />

engenharia genética. O mais curioso é<br />

que um plebiscito sobre a pesquisa com<br />

DNA, que inclui produtos transgênicos,<br />

recentemente feito na Suíça mostrou que<br />

a população aprova o uso desses produtos.<br />

Portanto, é importante separar o que<br />

é realmente preocupação com a segurança<br />

alimentar do consumidor de outros<br />

interesses econômicos que possam<br />

estar por traz dos discursos contra a<br />

engenharia genética. Esses subterfúgios<br />

podem atrasar o avanço da engenharia<br />

genética, que é muito importante para o<br />

Brasil.<br />

BC&D - O senhor acha que a sociedade<br />

brasileira já está suficientemente<br />

esclarecida para consumir produtos<br />

geneticamente modificados ou derivados?<br />

Em caso negativo, o que o senhor<br />

acha que pode ser feito nesse sentido?


Luiz Antônio - Não. Eu acho que a<br />

sociedade brasileira não está suficientemente<br />

esclarecida e isso já foi amplamente<br />

discutido nas reuniões da CTNBio.<br />

Recentemente, fomos criticados por uma<br />

associação de produtores do Paraná,<br />

que disse que a Comissão não divulga de<br />

maneira adequada os seus trabalhos. Eu<br />

acredito que devemos tornar a Comissão<br />

mais visível, trabalhar mais com a imprensa,<br />

divulgando informações sobre<br />

engenharia genética. Nossa função, entretanto,<br />

não é advogar em favor da<br />

biotecnologia e sim atuar tecnicamente<br />

com relação à biossegurança. Mas é<br />

importante que a sociedade saiba o que<br />

é a engenharia genética, seus limites e<br />

possibilidades e esta informação cabe a<br />

industria realizar. Poucas pessoas no<br />

mundo sabem, por exemplo, que boa<br />

parte da insulina utilizada no mundo é<br />

feita por engenharia genética, e que, se<br />

ela for banida, certamente, os diabéticos<br />

serão prejudicados. A discussão sobre a<br />

engenharia genética não pode ser<br />

emotiva. A Comissão vai procurar trabalhar<br />

na conscientização da sociedade<br />

quanto à definição da engenharia genética.<br />

No Brasil, nunca houve uma pesquisa<br />

de opinião pública para saber<br />

como a sociedade vê essa questão, e,<br />

mesmo no mundo, a realidade é que<br />

poucas pessoas sabem o que é a engenharia<br />

genética. Ela é muito confundida<br />

com a "panfletagem" dos filmes de ficção<br />

científica, como "Os meninos do<br />

Brasil", "Parque dos Dinossauros" e muitos<br />

outros.<br />

BC&D - A CTNBio, de acordo com a Lei<br />

de Biossegurança, é um órgão consultivo<br />

ou deliberativo?<br />

Luiz Antônio - A Lei estabelece que a<br />

CTNBio é um órgão consultivo .Através<br />

de relatórios conclusivos os setores do<br />

Executivo (Ministérios da Agricultura,<br />

Saúde e Meio Ambiente), autorizam as<br />

liberações de produtos transgênicos no<br />

campo, e a fiscalizam. A importação de<br />

OGM's relacionados à agropecuária depende<br />

igualmente do Ministério da Agricultura.<br />

Os órgãos de fiscalização, por<br />

sua vez, agem consultando sempre formalmente<br />

a CTNBio, e não decidem sem<br />

parecer conclusivo da Comissão, para<br />

cada caso.<br />

BC&D - Através de que mecanismos a<br />

CTNBio fiscaliza e detecta se produtos<br />

importados ou desenvolvidos no Brasil<br />

são transgênicos?<br />

Luiz Antônio - A CTNBio atua em conjunto<br />

com os órgãos de fiscalização.<br />

Quase sempre, os técnicos da Comissão<br />

acompa<br />

nham os da fiscalização na inspeção de<br />

experimentos de campo etc. Se há necessidade<br />

de coletar amostras, o técnico<br />

da CTNBio traz o material para ser analisado<br />

em laboratórios credenciados,<br />

para que tenhamos uma conclusão técnico-científica<br />

sobre a fiscalização. Existem<br />

mecanismos que possibilitam à Comissão<br />

dizer se o produto é ou não<br />

transgênico. No caso da soja resistente<br />

ao "Roundup" houve uma denuncia de<br />

que o produto estava sendo<br />

contrabandeado no Rio Grande do Sul e<br />

a própria Companhia que tem interesse<br />

no produto colocou à disposição da<br />

Comissão uma sonda específica para<br />

identificar o gene que confere resistência<br />

ao herbicida. Existem ainda outras<br />

formas mais simples para constatar a<br />

resistência a herbicida, como por exemplo,<br />

pulverizar a lavoura com o herbicida<br />

e avaliar o grau de resistência.<br />

BC&D - O senhor acredita que os órgãos<br />

de fiscalização do Governo estão<br />

preparados para identificar materiais<br />

transgênicos que entram ou são<br />

desenvolvidos indevidamente no país?<br />

Luiz Antônio - Na verdade, ninguém<br />

tem condição de olhar uma planta e<br />

dizer se ela é transgênica ou não, já que<br />

é igual às outras. O que os órgãos fazem<br />

é trazer amostras para análises<br />

laboratoriais. Por outro lado, a CTNBio<br />

tem trabalhado para melhorar a competência<br />

dos fiscais, principalmente do<br />

Ministério da Agricultura, que<br />

correspondem no momento a maior<br />

parte dos pedidos de liberação no campo,<br />

através de treinamentos, cursos, palestras,<br />

conferências, de tal maneira que<br />

os fiscais saibam o que é a engenharia<br />

genética, plantas transgênicas etc. Essas<br />

estratégias da CTNBio têm possibilitado<br />

a melhoria da<br />

qualidade do trabalho dos fiscais progressivamente,<br />

e a sociedade pode ficar<br />

tranqüila que nós estamos trabalhando<br />

com muita seriedade.<br />

BC&D - Vários segmentos representativos<br />

da sociedade civil cobram do Governo<br />

limites éticos para pesquisas com<br />

OGM's. A CTNBio pretende elaborar<br />

um código de ética para essas pesquisas?<br />

Luiz Antônio - A Lei prevê que a CTNBio<br />

elabore um código de ética. Só que<br />

existem segmentos da sociedade voltados<br />

para a ética, que é uma questão<br />

filosófica e complexa, e não pode ser<br />

decidido isoladamente por uma Comissão,<br />

essencialmente técnica. Há membros<br />

da CTNBio que acompanham todas<br />

as ações no país e no exterior voltadas<br />

para a discussão das questões éticas<br />

relativas à biossegurança. Nesse momento,<br />

há questões difíceis sendo tratadas em<br />

nível internacional na Unesco com relação,<br />

por exemplo, ao Projeto Genoma<br />

Humano. Representantes da CTNBio têm<br />

comparecido a todas as reuniões dessa<br />

natureza. Nesse caso específico, o pesquisador<br />

Genaro Ribeiro de Paiva do<br />

Cenargen - Centro Nacional de Pesquisa<br />

de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />

da Embrapa, que é membro da CTNBio,<br />

participou pela Comissão. O Brasil tem<br />

tido uma participação bastante competente<br />

nessas reuniões, pelos relatórios<br />

que temos recebido. A questão do genoma<br />

humano é crítica do ponto de vista ético,<br />

porque há uma preocupação mundial<br />

com a apropriação dos genes humanos.<br />

Outra questão difícil é a da clonagem<br />

humana. A Lei brasileira e a CTNBio, em<br />

particular, tem uma posição muito firme<br />

contrária à clonagem humana, o que foi<br />

amplamente divulgado pela imprensa,<br />

em resposta à uma solicitação feita pela<br />

Presidência da República, preocupada<br />

com a possibilidade de que a mesma<br />

técnica utilizada na clonagem da ovelha<br />

"Dolly" fosse aplicada em humanos. A<br />

CTNBio estabeleceu uma Instrução<br />

Normativa que proíbe utilizar essa técnica<br />

em humanos. É preciso agir com<br />

bastante cautela em relação à ética. Precisamos<br />

estar inteirados com todas as<br />

implicações éticas da engenharia genética,<br />

principalmente no que se refere ao<br />

ser humano, de modo que possamos<br />

orientar à sociedade e as instituições para<br />

utilizar adequadamente a engenharia genética.<br />

BC&D - Os produtos geneticamente<br />

modificados que já são comercializados<br />

em países de primeiro mundo, como<br />

nos EUA, por exemplo, ao ingressarem<br />

no Brasil, têm que ser sub metidos a<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 7


testes?<br />

Luiz Antônio - Até hoje todos os produtos<br />

transgênicos que ingressaram no Brasil<br />

foram submetidos a testes. Nenhum<br />

foi desregulamentado ainda como dissemos<br />

anteriormente. Apesar de o Brasil<br />

estar um pouco atrasado no processo,<br />

nós achamos prudente analisar cada<br />

caso e não simplesmente aceitar decisões<br />

que foram tomadas em outros países.<br />

A biologia é, de fato, complexa, os<br />

ambiente mudam e não devemos subestimar<br />

essas questões. É melhor ser prudente<br />

e fazer avaliação de riscos do que<br />

gerenciar o acidente depois que ele acontece.<br />

BC&D - A CTNBio tem conhecimento<br />

de algum produto geneticamente modificado<br />

que tenha sido aprovado em<br />

seu país de origem e que, ao ser liberado,<br />

causou danos à saúde humana e ao<br />

meio ambiente?<br />

Luiz Antônio - Em 25 anos de pesquisas<br />

com OGM's, não há registro de nenhum<br />

acidente com produtos desenvolvidos<br />

por engenharia genética. Ao contrário,<br />

até hoje todos os produtos desenvolvidos<br />

a partir dessas técnicas na área de<br />

fármacos e agricultura foram produzidos<br />

e comercializados com segurança e<br />

trouxeram via de regra benefícios a sociedade<br />

. Pode ser que não tenham tido o<br />

efeito desejado em alguns casos , mas<br />

nunca causaram danos ao homem e ao<br />

meio ambiente. A pressão contrária aos<br />

transgênicos pode ter várias explicações,<br />

uma delas é que a engenharia genética<br />

interfere com mercados bastante poderosos.<br />

O mercado de inseticidas, por<br />

exemplo, que movimenta bilhões de<br />

dólares, vai ser muito afetado pela engenharia<br />

genética, pela redução de inseticidas.<br />

Para o Brasil, essa redução será<br />

muito significativa, devido ao grande<br />

volume de importação desses produtos,<br />

que além de aumentar o custo de produção<br />

da agricultura, poluem o meio ambiente<br />

e matam.<br />

BC&D - O Brasil, por ter a maior<br />

biodiversidade do planeta, é centro de<br />

origem de diversas espécies. O senhor<br />

acha que os OGM's podem representar<br />

riscos à nossa biodiversidade?<br />

Luiz Antônio - Essa é uma pergunta<br />

difícil. Sempre que analisamos as questões<br />

de biossegurança, uma das maiores<br />

preocupações é que os OGM's não sejam<br />

introduzidos nos centros de origem<br />

das espécies vegetais. O Brasil não é<br />

realmente centro de origem de muitas<br />

espécies vegetais. As preocupações são<br />

sempre maiores quando lidamos com<br />

espécies com grande capacidade de cruzamentos,<br />

como por exemplo milho e<br />

algodão, do que com espécies fundamentalmente<br />

de autofecundação, como<br />

a soja e o arroz. Da maneira como temos<br />

trabalhado, os riscos de que a<br />

biodiversidade seja prejudicada por<br />

OGM's são praticamente nulos. Esse é<br />

um dos papeis da CTNBio, garantir que<br />

não haja riscos para a biodiversidade. Os<br />

riscos são maiores onde estão localizados<br />

os centros de diversidade biológica,<br />

como por exemplo, batata e tomate no<br />

Peru, milho no México, soja na Ásia etc.<br />

BC&D - Existe alguma instituição brasileira<br />

que esteja utilizando recursos<br />

da nossa biodiversidade no desenvolvimento<br />

de produtos geneticamente<br />

modificados?<br />

Luiz Antônio - Lamentavelmente, ainda<br />

não. A engenharia genética ainda não<br />

começou a trabalhar genomas complexos.<br />

Entretanto, existem instituições brasileiras<br />

e estrangeiras preocupadas em<br />

fazer "screening" de microrganismos e<br />

outras que estudam a possibilidade de<br />

utilização de substâncias derivadas da<br />

biodiversidade, como por exemplo da<br />

fauna. Eu acho muito importante que o<br />

acesso aos recursos genéticos seja regulamentado.<br />

A aprovação do Projeto de<br />

Lei de Acesso aos Recursos Genéticos,<br />

conhecido como projeto da Senadora<br />

Marina Silva, que está tramitando no<br />

Congresso Nacional, é extremamente urgente.<br />

Mesmo que hoje existam instituições<br />

estrangeiras usando produtos da<br />

nossa biodiversidade, infelizmente nós<br />

não temos uma lei que nos permita atuar<br />

no sentido de regulamentar essa atividade.<br />

As atividades de bioprospecção de<br />

genes, que são muito importantes, ainda<br />

não têm uma base legal. Eu tenho muita<br />

esperança que até o fim do ano o Projeto<br />

de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos<br />

tenha sido aprovado. Sempre que eu<br />

tenho a oportunidade de tratar desse<br />

assunto com parlamentares, ou mesmo<br />

na Presidência da República, eu chamo<br />

atenção para este fato. Essa é uma lei<br />

que está faltando.<br />

BC&D - Para finalizar, como o senhor<br />

situa o Brasil hoje com relação aos<br />

países de primeiro mundo no desenvolvimento<br />

de OGM's?<br />

Luiz Antônio - Eu acho que o Brasil tem<br />

competência e é um país atraente porque<br />

tem um mercado em expansão em<br />

muitas áreas, como agricultura e outras<br />

relevantes como a de fármacos. O Brasil,<br />

certamente, será um bom parceiro em<br />

nível internacional para desenvolvimento<br />

de OGM's, especialmente na área<br />

agrícola, pelo fato de nós já termos<br />

introduzido uma competência satisfatória<br />

mais em termos de qualidade do que de<br />

quantidade e também porque a agricultura<br />

tem um enorme potencial de expansão.<br />

Alem disto temos agora leis modernas<br />

que regulam patentes cultivares e<br />

biossegurança . Não será surpreendente<br />

se num prazo relativamente curto contratos<br />

entre instituições estrangeiras e<br />

brasileiras, como a Embrapa, venham a<br />

proliferar.<br />

Eu sempre defendi fortemente a interação<br />

internacional como o único mecanismo<br />

possível para viabilizar o desenvolvimento<br />

de tecnologias que constituem o<br />

estado da arte. Nós temos que trabalhar<br />

rapidamente para intensificar a interação<br />

internacional. Hoje, o Brasil é um país<br />

que não atua de forma relevante nesse<br />

sentido. Na verdade, se olharmos com<br />

cuidado, são poucos os países relevantes.<br />

A maioria dos produtos transgênicos<br />

foi produzida nos EUA e Canadá, por<br />

multinacionais. Há alguns também na<br />

Austrália e na Europa.<br />

8 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 9


INSETOS<br />

Leon Rabinovitch,<br />

Clara de Fátima G. Cavados<br />

& Marli Maria Lima<br />

Pesquisadores do<br />

Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ<br />

Foto cedida pelos autores.<br />

CONTROLE BIOLÓGICO DE<br />

O CONTROLE BIOLÓGICO DE INSETOS NOCIVOS À AGRICULTURA COM O EMPREGO DE FUNGOS IMPERFEITOS OU HIMOFICETOS<br />

Os fungos como agentes de<br />

controle biológico<br />

Possuindo o Brasil extensas áreas ocupadas<br />

por agricultura intensiva e com boas<br />

condições climáticas, os insetos-praga causam<br />

danos consideráveis e prejudicam boa<br />

parte da colheita. Por causa disso, a agricultura<br />

brasileira torna-se a maior usuária de<br />

pesticidas químicos, muitas vezes<br />

antieconômicos, e, na grande maioria, tóxicos,<br />

que, sendo inadequadamente manipulados,<br />

resultam problemas não só para<br />

os operadores da lavoura, como em póscolheita<br />

para os consumidores dos produtos<br />

tratados. Esse pesticidas fazem surgir<br />

ainda a médio e longo prazo, efeitos de<br />

poluição ambiental e, pelo uso de dosagens<br />

e de alvos inadequados, resistência de<br />

artrópodes a esses produtos com o<br />

consequente o desequilíbrio biológico. Tais<br />

problemas vêm reforçar a necessidade de<br />

incentivos a um manejo mais racional dos<br />

agroecossistemas, com emprego de práticas<br />

integradas, incluínda a resistência varietal<br />

de cultivares, o uso de elementos sadios de<br />

propagação vegetal e, destacadamente, o<br />

uso do controle biológico natural e do<br />

aplicado. Assim, poderia ser diminuida a<br />

utilização dos pesticidas químicos e passado<br />

o manejo de práticas culturais, inclusive<br />

seu controle biológico, a ser considerado<br />

uma necessidade de proteção fitossanitária<br />

sustentável. Existem vários exemplos do<br />

aparecimento de novas pragas resistentes<br />

aos pesticidas convencionais.<br />

Entre os agentes de biocontrole de insetos,<br />

os fungos preenchem um importante papel,<br />

principalmente no caso de insetos<br />

dotados de aparelho bucal sugador<br />

(Hemiptera, Homoptera). Os fungos<br />

entomopatogênicos, além de constituírem<br />

80% das enfermidades responsáveis pelos<br />

surtos epizoóticos dos ecossistemas e<br />

agroecossistemas, são de mais fácil disseminação,<br />

pois algumas espécies possuem a<br />

capacidade de penetrar através da cutícula<br />

íntegra de artrópodes e atingir diretamente<br />

a hemocele, até<br />

mesmo no caso de cochonilhas providas<br />

de carapaça (Evans & Prior, 1990). Em se<br />

tratando de fungos imperfeitos como os<br />

Hifomicetos, os propágulos viáveis<br />

(conídios ou fragmentos de hifas), a colonização<br />

do inseto e a exteriorização do<br />

fungo sobre o cadáver infectado permitem<br />

a sua rápida disseminação pelo vento.<br />

Acresce ainda que os Hifomicetos e seus<br />

gêneros entomopatogênicos mais representativos<br />

(Figura 1) desenvolvem-se com<br />

certa facilidade em substratos de culturas<br />

artificiais (meios de cultura), como grãos de<br />

arroz. Tais meios de cultura constituem<br />

substratos simples e mais econômicos para<br />

obtenção de biomassa com abundante<br />

produção de propágulos. Em se tratando<br />

de microorganismos mais específicos na<br />

patogenicidade certos insetos-alvo, verifica-se<br />

um certo escape na contaminação de<br />

artrópodes, tais como visitadores,<br />

polinizadores e inimigos naturais. Entre as<br />

desvantagens dos fungos como agentes de<br />

biocontrole ocorrem certas dependências<br />

de condições ambientais adequadas<br />

(microclima da planta) para a indução de<br />

epizootias. Caberia também lembrar que o<br />

emprego dos entomopatógenos nem sempre<br />

dispensa a complementação de<br />

agroquímicos desde que haja uma compatibilidade<br />

biológica com os produtos empregados.<br />

O uso de inseticidas microbianos<br />

acha-se também regulamentado em diversos<br />

países, inclusive no Brasil. Tais medidas<br />

normativas prescritas por entidades<br />

governamentais inclui o registro dos<br />

bioinseticidas e acham-se ligados à segurança<br />

oferecida aos usuários, impactos no<br />

meio ambiente e implicações na saúde<br />

pública. Algumas dessas exigências vêm<br />

limitando o emprego dos defensivos biológicos,<br />

inclusive dos obtidos através da<br />

manipulação genética.<br />

Os fungos imperfeitos de maior<br />

evidência no Brasil<br />

como entomopatógenos<br />

Os Hifomocetos ou fungos imperfeitos<br />

caracterizam-se pela ausência do teleomofo<br />

(forma perfeita ou sexuada) no ciclo rotineiro<br />

e são incluídos na classe provisória<br />

dos Deuteromicetos. Essa ausência normal<br />

da forma sexuada ou perfeita obriga-os, no<br />

processo de evolução, a outros mecanis-<br />

10 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


mos de recombinação genética, que resultam<br />

no melhoramento de estirpes<br />

entomopatogênicas, com ganhos em<br />

patogenicidade e adaptação ao meio ambiente<br />

adverso. Estudos conduzidos no Instituto<br />

de Genética da "Escola Superior de<br />

Agricultura Luís de Queiroz", da Universidade<br />

de São Paulo, em Piracicaba, revelaram<br />

que alguns desses Hifomicetos poderiam<br />

ser induzidos ao melhoramento através<br />

de um ciclo parassexual. Ainda um<br />

novo processo, designado de parameiose,<br />

facilita a obtenção de recombinantes, que<br />

por meio de ensaios laboratoriais, vêm<br />

mostrando em alguns casos, sua superioridade<br />

comparada às linhagens parentais.<br />

Em algumas regiões de clima ameno, os<br />

Zigomicetos, representados, principalmente,<br />

pelos gêneros Entomophithora spp.,<br />

Erynia radicans, Massospora sp. e outros,<br />

embora assinalados no Brasil e que causam,<br />

não raramente, epizootias em<br />

artrópodes, possuem certas exigências<br />

nutricionais e climáticas, o que torna mais<br />

difícil o cultivo de biomassas e de condições<br />

ideais para liberação do inóculo.<br />

Portanto acham-se entre os Hifomicetos os<br />

fungos importantes e principalmente constituídos<br />

por formas filamentosas (hifas)<br />

septadas e geralmente férteis (conidióforos)<br />

que servem de suporte aos conídios isolados<br />

ou agregados (Figura 1) e de coloração<br />

clara/hialina (Moniliáceas) ou escura<br />

(Dematiáceas). Os Hifomicetos têm apresentado<br />

entre nós maior potencialidade de<br />

ser empregado no controle biológico aplicado,<br />

tanto o clássico (patógenos exóticos<br />

à região) como o aumentativo (patógenos<br />

nativos na região). Esses entomopatógenos,<br />

além de um ciclo de saprogênese que<br />

mantém um inóculo viável em substratos<br />

orgânicos, possuem conídios ou<br />

clamidosporos (Cladosporium) persistentes<br />

e viáveis na área de influência do inseto<br />

praga. Entre os Hifomicetos de maior uso<br />

no Brasil, destacam-se os gêneros:<br />

Metarrhizium spp., Beauveria spp., Nomurea<br />

rileyi e Verticillum lecanii, classificados<br />

dentre as Moniliáceas e,<br />

Cladosporium spp., como única<br />

Dermatiácea. Seguem-se comentários<br />

sobre o uso de tais fungos na<br />

agriculturabrasileira.<br />

Metarrhizium anisopliae (mais conhecida)<br />

e M. flavoviride têm<br />

potencialidade no biocontrole de<br />

gafanhotos na região Centro-Oeste<br />

(Ávidos e Ferreira, 1977). A primeira<br />

espécie, M. anisopliae, tem sido o<br />

entomopatógeno mais utilizado, principalmente<br />

na agroindústria<br />

canavieira. Foi primeiramente manipulada<br />

por Metschikoff em 1897, no<br />

combate a larvas de um besouro de<br />

batata doce (Alves, 1986). O fungo é<br />

constituído de duas variedades, a anisopliae<br />

ou minor e a major, de acordo com os<br />

tamanhos dos conídios, sendo a primeira a<br />

mais utilizada entre nós. O entomopatógeno<br />

apresenta uma grande variedade genética<br />

decorrente do processo de heterocariose,<br />

que ou resulta no aparecimento de algumas<br />

raças com diferentes graus de virulência,<br />

especificidade a vários insetos e adaptação<br />

a condições ambientais diversas e,<br />

com algumas estirpes, resistência aos raios<br />

ultravioleta. Os caracteres mais considerados<br />

foram: a produção de conídios em<br />

substratos naturais (arroz), boa<br />

exteriorização em cadáveres de insetos,<br />

garantindo a presença do inóculo, e tolerância<br />

aos raios ultravioleta. O ciclo de<br />

relações patógeno-hospedeiro (M.<br />

anisopliae x cigarrinha), é ilustrado na<br />

Figura 2. Após sua introdução no controle<br />

à cigarrinha-das-folhas-de-cana-de-açúcar,<br />

no Nordeste, o fungo passou a ser utilizado<br />

em larga escala (Guagliumi, 1970).<br />

Figuras 1 e 2: Pulgões (adultos e formas<br />

jovens) e mosca-branca (adultas e formas<br />

jovens) são controlados com aplicações de<br />

fungo Cladosporium herbarum.<br />

O entomopatógeno tem sido utilizado no<br />

controle das cigarrinhas-das-pastagens,<br />

Deois flavopicta e Zulia enteriana, observando-se<br />

em todos os casos que as áreasfoco<br />

tratadas achavam-se abaixo do nível<br />

de controle, o que Fawcett (1948) denominou<br />

de ponto de saturação. O problema<br />

tem se manifestado com gravidade nos<br />

Estados de Minas Gerais, Bahia e Rio de<br />

Janeiro.O fungo produz um metabólito, a<br />

destruxina, inócuo para o homem. O estudo<br />

de diversos isolados de M. anisopliae<br />

provenientes de algumas regiões do Brasil<br />

permitiu a seleção de alguns isolados mais<br />

eficientes no biocontrole de diversos insetos-pragas<br />

(Alves, 1986). Com relação à<br />

formiga saúva (Atta sexdens) foi realizado<br />

um ensaio na Jari Florestal, no Amapá, que<br />

apresentou um controle em 60 % dos<br />

formigueiros tratados com o fungo cultivado<br />

em grãos de arroz, que foram dispostos<br />

sob a forma de iscas, protegidos contra a<br />

chuva (copinhos impermeáveis invertidos)<br />

e distribuídos pelos olheiros da sede do<br />

sauveiro. O isolado foi cedido pelo Dr.<br />

Aurino F. de Lima, da Universidade Federal<br />

Rural do Rio de Janeiro (Figura 5). Já<br />

existem formulações especiais do fungo<br />

registradas no Brasil sob o nome de Metabiol<br />

e de Biomax. Outro Hifomiceto menos<br />

manipulado que o fungo anterior, porém<br />

mostrando bom potencial<br />

entomopatogênico é o Beauveria bassiana,<br />

que ocorre em condições naturais<br />

enzoóticamente ou provocando epizootias<br />

em algumas ocasiões propícias (Alves,<br />

1986). Observação pessoal de uma epizootia<br />

( Robbs, não publicado, 1986) foi registrada<br />

em Alegre, ES, zona nobre da cafeicultura<br />

capixaba, com índice de ataque de 100%<br />

do fungo a adultos da broca-do-café<br />

(Hypothenemus hampei). A epizootia do<br />

fungo deu-se por ocasião da penetração<br />

do besouro nas cerejas ainda verdes do<br />

cafeeiro (Coffea arabica). O fato indica a<br />

otimização da época de infestação dos<br />

adultos para a introdução da biomassa do<br />

entomopatógeno no<br />

agroecossistema cafeeiro, em<br />

uma fase de elevada<br />

suscetibilidade do inseto, o<br />

que, consequentemente, exige<br />

a necessidade de se conhecer<br />

a bioecologia da praga<br />

para que se tenha o bom<br />

êxito no controle biológico.<br />

O fungo também metaboliza<br />

toxinas, no caso a<br />

beauveracina. Nos Estados<br />

Unidos, o fungo é<br />

comercializado sob as denominações<br />

de Boverin e na<br />

União Soviética, de Biotrol<br />

FBB. O fungo Nomuraea rileyi<br />

vem sendo muito estudado nos últimos<br />

anos como entomopatógeno, particularmente<br />

de larvas (lagartas) de Lepidopteros.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 11


Figura 3: Formiga (soldado) Atta sp. atacada pelo fungo M. anisopliae (inoculação<br />

artificial).<br />

nicotianae), com alta eficiência na região<br />

do sul não obteve a mesma resposta em acerola<br />

no semi-árido do Rio Grande do Norte. Os<br />

ensaios posteriores levados a efeito em pulgões<br />

(Aphididae e mosca branca (Aleyrodidae)<br />

indicam as possibilidades de explorar o potencial<br />

do Cladosporium spp. sobre insetos<br />

que excretem substância açucarada, que<br />

tem sido como principal porta de entrada do<br />

fungo. Esse entomopatógeno poderá ser classificado<br />

como oportunista. Algumas tentativas<br />

feitas para o controle da mosca branca<br />

Bemisia argentifolii na cultura do melão<br />

não tem demonstrado bons resultados, possivelmente<br />

por faltar uma estirpe mais especializada<br />

ou uma técnica mais adequada de<br />

aplicação no campo.<br />

No Brasil, os produtores de soja já conhecem<br />

a sua grande eficiência no controle biológico<br />

natural da lagarta da soja (Anticarsia<br />

gemmatalis) coincidindo com períodos<br />

chuvosos e temperaturas amenas. A<br />

alternância de períodos secos (veranicos) e<br />

chuvas é importante na disseminação dos<br />

conídios do fungo, particularmente nas fases<br />

pré-enzoóticas (Alves, 1986), que nos Estados<br />

Unidos, são comercializados sob o nome<br />

de Mycar. Um Hifomiceto que muito<br />

freqüentemente ataca cochonilhas<br />

(Hemiptera, Homoptera) é o entomopatógeno<br />

Verticillium lecanii, descrito no Brasil por<br />

Viegas (1939); afetando a cochonilha verde<br />

(Coccus viridis) do cafeeiro e de outras<br />

plantas no Estado de São Paulo. O<br />

Entomopatógeno, além de cochonilhas, ataca<br />

igualmente pulgões e moscas brancas<br />

(Aleirodidea), Figuras 3 e 4, mantendo no<br />

agroecossistema tais populações em níveis<br />

de equilíbrio ou no limiar de não causar<br />

danos. As condições favoráveis para o início<br />

de epizootias situam-se entre 20 e 25º C,<br />

com a umidade elevada do ar, limitando as<br />

aplicações do fungo. Na Grã-Bretanha, o<br />

fungo vem sendo bastante utilizado em estufas,<br />

contra pulgões (afídios) e moscas brancas,<br />

sendo comercializado sob a denominação<br />

de Vertalec e de Mycotal, e são produtos<br />

compatíveis em mistura com alguns inseticidas<br />

utilizados. Quanto ao Hifomiceto<br />

Cladosporium spp., o único entomopatógeno<br />

incluído na família Dematiaceae, foi assinalado<br />

por Bitancourt (1935) parasitando<br />

pulgões e mosca branca em folhas de mandioca,<br />

no Estado de São Paulo, identificado<br />

como C. herbarum var. aphidicola, sendo<br />

denominado, respectivamente, de mofo e<br />

dos afídios e aleirodídeos. Viegas (1940),<br />

estudando o mesmo fungo em culturas de<br />

mandioca, nos municípios de Campinas e<br />

Piracicaba, no Estado de São Paulo, identificou-o<br />

como Cladosporium herbarum,<br />

sugerindo maiores estudos quanto à<br />

taxonomia do patógeno. O mesmo autor<br />

verificou que, inicialmente, o fungo coloniza<br />

as gotículas açucaradas habitualmente<br />

expelidas pelos insetos (saprogênese) através<br />

da abertura anal, passando posteriormente,<br />

para o interior do corpo e introduzindo um<br />

ciclo de parasitismo oportunista. Fawcet<br />

(1948) menciona bibliografia de<br />

Cladosporium spp. afetando diversas<br />

cochonilhas e considerando o fungo como<br />

simples saprófita, semi-parasita ou parasita<br />

fraco. Farias e Santos Filho (1992) isolaram<br />

os fungos Botrytis sp. e Cladosporium sp.<br />

atacando ninfas de mosca branca<br />

(Aleurothrixus aepim) das folhas de mandioca<br />

na Bahia, e cultivando-os em meio ágar/<br />

arroz. Os propágulos da biomassa constituídos<br />

por suspensão de conídios (3x105 mL)<br />

pulverizados sobre as colônias de insetos<br />

apresentou, inicialmente, uma boa mortalidade<br />

(3 dias); após 10 dias a contagem foi<br />

de 47,8% para Botrytis e somente de 28,6%<br />

para Cladosporium. Robbs (1994), trabalhando<br />

com uma estirpe de Cladosporium<br />

herbarum isolada de ninfas de mosca branca<br />

da mandioca, em Santa Vitória, no Estado<br />

de Minas Gerais, em plena estiagem no<br />

cerrado, obteve ótimos resultados (90%) sobre<br />

pulgões (Aphis gossypii e Myzus persicae)<br />

e atomizou suspensões de propágulos de<br />

biomassa em cerca de 400 hectares de<br />

aceroleira (Malpighia emarginata) na fazenda<br />

da MAISA (Mossoró agroindustrial S.<br />

A ) no Rio Grande do Norte. As aplicações<br />

eram realizadas nos focos infestados e os<br />

resultados asseguraram eficiente controle<br />

biológico dos pulgões. O mesmo êxito foi<br />

obtido no controle do pulgão (A. gossypii) do<br />

cajueiro anão. Atualmente a empresa vem<br />

empregando o entomopatógeno para o controle<br />

regular dos pulgões da acerola e do<br />

cajueiro, banindo o uso semanal de inseticidas,<br />

para assegurar a eliminação de pulgões<br />

na área. O Cadosporium cladosporioides<br />

utilizado por Sudo e outros (1996) para o<br />

controle do pulgão do fumo ( Myzus<br />

Bibliografia citada:<br />

ALVES, S.B., 1986. Fungos<br />

Entomopatogênicos. In: S. B. Alves<br />

(coordenador). Controle Microbiano de<br />

Insetos. Ed. Manole, São Paulo, Brasil p.<br />

73-126.<br />

ÁVIDOS, M.F.D. e FERREIRA, L.F. 1977.<br />

Gafanhotos: a maldição milenar.<br />

<strong>Biotecnologia</strong>. Ciência e Desenvolvimento.<br />

Ano 1, nº 2 (julho/agosto) p. 8-11.<br />

BITANCOURT, A.A. 1935. Relação das<br />

doenças e fungos parasitas observados<br />

na Seção de Fitopatologia durante os<br />

anos de 1933 e 1934. Arquivos Inst.<br />

Biológico, São Paulo, 6: 205-211.<br />

EVANS, H.C. e PRIOR, C. 1990.<br />

Entomopathogenic fungi. In: D. Rosen<br />

(Editor). Armored Scale Insects: Their<br />

biology, natural enemies and control.<br />

Elsevier Science Publishers, Amsterdam,<br />

p. 3-17.<br />

FARIAS, A.R.N. e SANTOS FILHO, H.P.<br />

1992. Controle de Alerothrixus aepim<br />

com os fungos Botrytis sp. e<br />

Cladosporium sp. na cultura de mandioca./<br />

n: III SICONBIOL. Simpósio de<br />

Controle Biológico. Águas de Lindóia.<br />

EMBRAPA-CNPDA, p.275.<br />

FAWCETT, H.S. 1948. Biological control<br />

of citrus insects by parasitic fungi and<br />

bacteria, In: The citrus industry:<br />

production of the crop. Ed. L. D.<br />

Bachelor and H. Weber. 5th edition.<br />

University of California Press, Berkley<br />

and Los Angeles. p. 627-664.<br />

GUAGLIUMI, P. 1970. A cigarrinha das<br />

pastagens ataca a cana-de-açúcar no<br />

Nordeste do Brasil. Brasil Açucareiro, Rio<br />

de Janeiro, 76 (4): 89-91.<br />

ROBBS, C.F. 1994. Relatório de atividades<br />

fitossanitárias na MAISA (Mossoró<br />

Agroindustrial S.A., Mossoró, RN). Não<br />

publicado.<br />

12 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 13


Recifes Artificiais Marinhos<br />

Raimundo Nonato de Lima Conceição, M.Sc.<br />

Eng. de Pesca, M.Sc. Biologia Marinha<br />

Coordenador do Projeto Recifes Artificiais<br />

Divisão de Oceanografia Biótica<br />

do Laboratório de Ciências do Mar<br />

Universidade Federal do Ceará<br />

Av.Abolição 3207, Fortaleza-CE-60165-081<br />

nonato@labomar.ufc.br<br />

INCREMENTANDO A PESCA NAS COMUNIDADES COSTEIRAS DO CEARÁ<br />

Cassiano Monteiro Neto, Ph.D.<br />

Prof. do Departamento de Engenharia de Pesca<br />

Diretor da Divisão de Pesca do<br />

Laboratório de Ciências do Mar<br />

Universidade Federal do Ceará<br />

Av.Abolição 3207, Fortaleza-CE-60165-081<br />

monteiro@ufc.br<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O uso de recifes artificiais para<br />

incrementar a produtividade pesqueira,<br />

tem sido uma prática comum em países<br />

onde a pesca representa uma das principais<br />

fontes de alimento e renda. Os<br />

primeiros registros datam do século XVIII,<br />

no Japão, enquanto que nos Estados<br />

Unidos, onde os recifes artificiais tinham<br />

caráter meramente recreativo, seu uso<br />

para fins comerciais teve início por volta<br />

de 1830. Já na Austrália e França, essa<br />

prática é mais recente, com iniciativas<br />

datando de 1960 (Meier, 1989).<br />

Na década de 50, Cuba começou a<br />

utilizar recifes artificiais para incrementar<br />

a pescaria de lagostas, utilizando inicialmente<br />

estruturas com troncos de palmeiras,<br />

pneus e, mais recentemente, estruturas<br />

pré-fabricadas de concreto, conhecidas<br />

no local por casitas (Cruz et al.,<br />

1986).<br />

No Brasil, são poucas as informações<br />

sobre a utilização de recifes artificiais<br />

nas pescarias. Na região nordeste,<br />

pequenos pesqueiros particulares<br />

(marambaias) são construídos por pescadores<br />

artesanais, que aglomeram material<br />

no fundo marinho. No município<br />

de Itarema, Ceará, as marambaias tradicionais<br />

são construídas com feixes de<br />

madeira de mangue, formando uma estrutura<br />

piramidal no fundo do mar. Sua<br />

função principal é a de proporcionar um<br />

habitat propício para a lagosta, um dos<br />

recursos pesqueiros mais importantes do<br />

estado (Figura 1).<br />

As restrições impostas pelas leis<br />

ambientais, que proíbem o desmatamento<br />

dos manguezais, bem como a ação de<br />

mergulhadores piratas, que destroem a<br />

construção, têm levado os pescadores<br />

de Itarema a procurar materiais alternativos<br />

de baixo custo e com boa durabilidade<br />

no meio marinho, para a construção<br />

dos recifes. Nesse aspecto, pneus<br />

velhos mostram um excelente potencial<br />

para a atividade, devido ao baixo custo<br />

de instalação e ao tempo de vida praticamente<br />

indefinido.<br />

Dentro dessa perspectiva, pesquisadores<br />

do Grupo de Estudos de Recifes<br />

Artificiais (GERA) do Laboratório de Ciências<br />

do Mar da Universidade Federal<br />

do Ceará desenvolveram uma estrutura<br />

modular feita de pneus velhos, que estimula<br />

a aglomeração e a permanência de<br />

organismos pelágicos e bentônicos de<br />

importância econômica (peixes, crustáceos,<br />

algas e outros). O projeto já foi<br />

implantado em diversos municípios do<br />

litoral cearense e conta com o apoio da<br />

respectiva prefeitura, da Fundação Nacional<br />

de Saúde (FNS), Petrobrás, IBAMA,<br />

Secretaria Estadual do Meio Ambiente<br />

(SEMACE) e Fundação Cearense de Auxílio<br />

à Pesquisa (FUNCAP).<br />

METODOLOGIA DE IMPLANTAÇÃO<br />

Os recifes artificiais construídos pelo<br />

GERA são formados por um conjunto de<br />

16 estruturas que contêm 8 módulos com<br />

8 pneus cada uma (64 pneus/estrutura),<br />

perfazendo um total de 1.024 pneus<br />

(Figura 2). As áreas escolhidas para a<br />

instalação dos recifes localizam-se em<br />

profundidades de 20 m, em substrato<br />

arenoso de baixa produtividade pesqueira.<br />

Áreas potenciais para a instalação<br />

dos recifes são localizadas com a<br />

ajuda de um sistema de posicionamento<br />

global (GPS) e inspecionadas in loco por<br />

mergulho autônomo (SCUBA) para confirmar<br />

a ausência de bancos de algas ou<br />

cabeços rochosos. A comunidade participa<br />

de todas as etapas de construção<br />

dos recifes, contribuindo com a mão de<br />

14 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Figura 3: Distribuição dos recifes<br />

artificiais de pneus implementados<br />

na costa do Ceará desde 1993.<br />

Notar que as estruturas estão mais<br />

concentradas no litoral leste do<br />

Estado, onde as comunidades<br />

apresentam maior nível de organização<br />

social e econômica.<br />

obra e com as embarcações para o<br />

transporte do material até a área escolhida.<br />

Três meses após a instalação do<br />

recife, a pesca é liberada, mantendo-se,<br />

todavia, um monitoramento constante<br />

da captura. São registrados diariamente<br />

o número de indivíduos<br />

e o peso total das espécies<br />

capturadas por pescadores.<br />

Após a conclusão do projeto,<br />

com a elaboração do relatório<br />

final e divulgação dos resultados,<br />

a administração e manutenção<br />

dos recifes artificiais<br />

passa a ser de responsabilidade<br />

da própria comunidade (Conceição<br />

et al., 1996).<br />

Muito embora os recifes<br />

desempenhem o papel de um<br />

atrator artificial de biomassa,<br />

sua capacidade produtiva é limitada.<br />

Portanto, cada recife<br />

beneficia apenas uma parcela<br />

reduzida de pescadores, sendo necessário<br />

que se implantem vários recifes para<br />

atender às demandas da comunidade,<br />

evitando-se a sobrepesca dos estoques.<br />

RESULTADOS<br />

Entre janeiro de 1994 e janeiro de<br />

1998, foram instalados 21 recifes artificiais<br />

em diferentes municípios costeiros<br />

do Estado do Ceará (Figura 3). Os resultados<br />

apresentados correspondem aos<br />

recifes artificiais da Praia da Baleia<br />

(Itapipoca), cujo monitoramento ocorreu<br />

durante um período de 19 meses.<br />

Praticamente todos os recifes instalados<br />

no Ceará encontram-se atualmente sob<br />

administração das Colônias de Pesca ou<br />

Associações de Pescadores.<br />

Os recifes da Praia da Baleia foram<br />

montados sobre fundo arenoso, com<br />

pequenas e raras<br />

concreções calcáreas, sobre<br />

as quais se fixam tufos<br />

de macroalgas, principalmente<br />

rodofíceas, e colônias<br />

de hidrozoários (Cnidaria:<br />

Hydrozoa). Estudos da<br />

endofauna feitos nos primeiros<br />

meses de instalação<br />

dos recifes, revelaram a presença<br />

de poliquetos<br />

(Annelida: Polychaeta:<br />

Syllidae) e anfípodos<br />

(Crustacea: Amphipoda), estes<br />

últimos associados às algas. A instalação<br />

dos recifes em áreas despovoadas<br />

e de baixa produtividade contribui para<br />

a criação de novas áreas de pesca, induzindo<br />

a uma redistribuição da biomassa<br />

a partir de áreas de pesca tradicionais.<br />

Chou (1991) comenta que, devido à competição<br />

das estruturas artificiais com as<br />

formações naturais, a colocação de recifes<br />

em áreas produtivas causa mais danos<br />

ao ambiente do que sua instalação<br />

em áreas pobres.<br />

Após o lançamento de um conjunto<br />

de 1.000 pneus, a área ocupada pelos<br />

Cangulo (Balistes vetula) fotografado no<br />

recife. Uma espécie característica de recife<br />

de coral habitando as estruturas das<br />

marambaias construídas em fundo arenoso.<br />

A espécie tem aproveitamento comercial,<br />

e esteve entre as 15 mais abundantes nos<br />

recifes da praia da Baleia.<br />

recifes foi de aproximadamente 0,5 ha,<br />

dependendo da dispersão dos módulos<br />

em cada localidade. A observação de<br />

grandes cardumes de peixes na periferia<br />

dos recifes, sugere que (mesmo ocupando<br />

uma área relativamente pequena) sua<br />

influência pode se expandir num raio<br />

muito além das estruturas físicas.<br />

Outros materiais, como o concreto e<br />

estruturas de ferro na forma de sucatas,<br />

podem ser mais eficazes na atração de<br />

peixes que pneus velhos. Porém, representam<br />

maiores custos e sua distribuição<br />

final no fundo do mar não garante grandes<br />

concentrações de espécies (Brock &<br />

Noris, 1989; Chua e Chou, 1994).<br />

Entre janeiro de 1995 e julho de<br />

1996, foram capturados um total de 7.695<br />

indivíduos e 11.521 kg, distribuídos entre<br />

27 espécies. Em termos comparativos<br />

com a produção local controlada pelo<br />

IBAMA, os recifes instalados na praia da<br />

Baleia produziram, em 1995, o equivalente<br />

a 5,5% das capturas. A diversidade<br />

de espécies observada nesse experimento<br />

aproximou-se bastante dos valores<br />

observados em recifes artificiais de pneus<br />

estudados por outros autores (Brock e<br />

Noris 1989; Chua e Chou 1994).<br />

As espécies mais abundantes em<br />

número de indivíduos capturados foram<br />

o ariacó, a lagosta, a sardinha e a cavala<br />

(Tabela 1). Considerando-se o peso total<br />

capturado, cinco espécies, a cavala<br />

(22,7%), o beijupirá (18,7%), a arraia<br />

(18,5%), o ariacó (15,3%) e a garajuba<br />

(3,3%) representaram 88,5% da captura.<br />

Quatro espécies (ariacó, xira, paru e<br />

beijupirá) foram capturadas durante todo<br />

o período nos recifes. Outras seis espécies,<br />

dentre elas a cavala, a garajuba, a<br />

arraia e a biquara, espécies de maior<br />

importância comercial, apareceram<br />

a partir do 2º trimestre, enquanto<br />

que o cangulo, a moréia<br />

e a carapitanga foram capturadas<br />

somente a partir do 3º trimestre.<br />

Esta sequência de espécies<br />

pode refletir o processo<br />

contínuo de colonização dos<br />

recifes, onde peixes pequenos<br />

recrutam primeiramente às estruturas,<br />

sendo seguidos por peixes<br />

maiores. Também foi observado<br />

que o peso médio dos<br />

indivíduos capturados aumentou<br />

consideravelmente do início<br />

ao fim do período de<br />

monitoramento (Gráfico).<br />

Stone et al. (1979) sugerem<br />

que, num primeiro momento, os juvenis<br />

recrutados pelo recife servem de alimento<br />

para espécies maiores. Porém, em um<br />

segundo momento, os juvenis sobreviventes<br />

crescem e formam um estoque<br />

próprio do recife artificial. Betancourt et<br />

al. (1984) consideram que se o recrutamento<br />

em recifes artificiais provém fundamentalmente<br />

de um contingente maior<br />

de juvenis que não encontram disponibilidade<br />

de alimento ou proteção nos<br />

recifes naturais, esses artificiais não comprometem<br />

portanto, a capacidade de<br />

auto manutenção das áreas naturais.<br />

Dessa forma, deve-se reconhecer o papel<br />

importante das estruturas artificiais<br />

na redução da mortalidade natural, preservando<br />

uma fração da biomassa natural<br />

que, possivelmente, seria perdida<br />

dentro dos processos de competição e<br />

predação na comunidade marinha.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 15


TABELA 1: Número de indivíduos, por espécie, capturados por trimestre nos recifes artificiais da Praia da Baleia. Os grupos<br />

representam a frequência de ocorrência das espécies por trimestre, no período de 1995 a 1996.<br />

Pescadores da praia da Baleia a bordo<br />

do barco de pesquisas Prof. Martins<br />

Filho do Labomar/UFC, preparando as<br />

estruturas de pneus para o lançamento<br />

no mar. Os pescadores participam de<br />

todas as etapas, desde a confecção dos<br />

módulos até o lançamento e<br />

monitoramento da pesca nos recifes artificiais.<br />

Pescadores da praia da Baleia a<br />

bordo do barco de pesquisas Prof. Martins<br />

Filho do Labomar/UFC, preparando as<br />

estruturas de pneus para o lançamento<br />

no mar. Os pescadores participam de<br />

todas as etapas, desde a confecção dos<br />

módulos até o lançamento e<br />

monitoramento da pesca nos recifes artificiais.<br />

Talvez uma das maiores preocupações<br />

ambientais sobre<br />

a instalação de<br />

recifes artificiais de<br />

pneus no mar seja o<br />

efeito a longo prazo<br />

desses materiais no<br />

meio aquático. A hipótese<br />

de contaminação<br />

pela decomposição<br />

dos pneus<br />

no mar é descartada<br />

por Pollard (1989) e<br />

Tizol (1989), já que<br />

o processo de degradação<br />

dos pneus<br />

é muito mais lento<br />

que a sua colonização<br />

e cobertura por<br />

organismos incrustantes. Além disso, a<br />

grande disponibilidade no mercado, o<br />

baixo custo de aquisição, o fácil manuseio<br />

e a durabilidade, fazem dos pneus<br />

um material bastante atraente para a<br />

construção de recifes artificiais.<br />

Gráfico:<br />

Peso médio total dos indivíduos<br />

capturados por trimestre entre janeiro/95<br />

e julho/96. As espécies de grande porte<br />

(arraia e beijupirá), apresentam maiores<br />

flutuações devido ao alto peso individual,<br />

enquanto que as espécies de menor<br />

porte (ariacó, biquara, garajuba), apesar<br />

de apresentarem pequenas variações no<br />

peso médio, estas variações são muito<br />

significativas.<br />

Nesse projeto, o custo para a implantação<br />

de um recife com 1.000 pneus<br />

ficou em torno de R$3.500,00. As variações<br />

decorrem da maior ou menor participação<br />

dos pescadores na preparação<br />

do material e da disponibilidade das<br />

embarcações. Esse valor pode ser considerado<br />

baixo, levando-se em conta o<br />

retorno financeiro que um recife artificial<br />

pode oferecer a médio prazo.<br />

Membros da comunidade da Barra<br />

16 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


da Sucatinga, Beberibe (Ceará), recebendo<br />

orientação dos técnicos do GERA/<br />

Labomar/UFC para a preparação das estruturas<br />

de pneus para posterior instalação<br />

no mar. Cada estrutura beneficia um<br />

grupo de pescadores da comunidade, e<br />

uma comunidade pode ter mais de um<br />

recife instalado, beneficiando assim um<br />

número maior de pescadores daquela<br />

região.<br />

Muito embora a construção de recifes<br />

artificiais de pneus seja uma alternativa<br />

barata e apresente resultados positivos<br />

para o aumento da produtividade<br />

pesqueira em comunidades de pescadores<br />

no litoral do Ceará, por sí sós, os<br />

recifes não podem ser tomados como<br />

uma receita de bolo para resolver os<br />

problemas inerentes ao setor. Sua<br />

aplicabilidade é limitada e deve ser fundamentada<br />

em um extenso programa de<br />

estudo e monitoramento, desde o momento<br />

da implantação até a manutenção<br />

das estruturas. Ao mesmo tempo, a<br />

interação participativa entre técnicos e<br />

pescadores, que promove a integração<br />

da comunidade no processo de gestão<br />

dos recifes artificiais, é um fator decisivo<br />

para a produção sustentável dos recursos<br />

e para o sucesso desse empreendimento.<br />

Mergulhador inspecionando os recifes<br />

artificiais instalados na praia da<br />

Caponga, Cascavel, Ceará. A manutenção<br />

das estruturas é feita mensalmente,<br />

para prevenir a ruptura das amarras e a<br />

consequente desagregação do recife, bem<br />

como a dispersão dos pneus no fundo<br />

Membros da comunidade da Barra da<br />

Sucatinga, Beberibe (Ceará), recebendo<br />

orientação dos técnicos do GERA/<br />

Labomar/UFC para a preparação das<br />

estruturas de pneus para posterior<br />

instalação no mar. Cada estrutura<br />

beneficia um grupo de pescadores da<br />

comunidade, e uma comunidade pode<br />

ter mais de um recife instalado, beneficiando<br />

assim um número maior de<br />

pescadores daquela região.<br />

do mar pela<br />

ação das ondas<br />

e das correntes.<br />

BIBLIOGRA-<br />

FIA<br />

Betancourt,<br />

C.A.;<br />

Sansón, G.G.<br />

e Montes, C.A.<br />

Primeras etapas<br />

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I -<br />

Composición<br />

y conducta de<br />

las comunidades<br />

de peces.<br />

<strong>Revista</strong> de Investigaciones Marinas, v. V,<br />

n. 3, p. 77-89, 1984.<br />

Mergulhador inspecionando os recifes artificiais instalados na praia<br />

da Caponga, Cascavel, Ceará. A manutenção das estruturas é feita<br />

mensalmente, para prevenir a ruptura das amarras e a consequente<br />

desagregação do recife, bem como a dispersão dos pneus no<br />

fundo do mar pela ação das ondas e das correntes.<br />

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285, p. 177-187, 1994.<br />

CHOU, L.M. Some Guidelines in the<br />

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CONCEIÇÃO,<br />

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Artificiais: um incremento<br />

na produtividade<br />

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PESCA ARTESANAL.<br />

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Marinas, Havana, v. VII, n. 3, p. 3-17,<br />

1986.<br />

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na Paraíba. Informe CEPENE, Tamandaré,<br />

n. 11, 1994.<br />

MEIER, M.H. A Debate on responsible<br />

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artificial reef building. Bull. Mar. Sci., v.<br />

44, n. 2, p. 1051-1054, 1989.<br />

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del Centro de Investigaciones Pesqueras,<br />

n. 8, 27 p., 1989.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 17


O cajueiro é encontrado praticamente<br />

em todos os estados brasileiros,<br />

contudo adapta-se melhor às condições<br />

ecológicas do litoral do Nordeste. Existe no<br />

País uma tradição de aproveitamento do<br />

pedúnculo ou falso-fruto do cajueiro que<br />

reside na transformação em produtos variados<br />

como sucos, sorvetes, doces diversos<br />

(compota, cristalizado, ameixa, massa), licor,<br />

mel, geléias, cajuína, refrigerantes<br />

gaseificados e aguardente. Há relatos de<br />

alguns desses produtos que datam do<br />

século XVII.<br />

Apesar de o Brasil ser o berço do<br />

cajueiro e de as missões colonizadoras<br />

encontrarem o indígena brasileiro utilizando<br />

essa espécie para diversos fins, a exploração<br />

do cajueiro com finalidade econômica,<br />

durante alguns séculos, ficou restrita ao<br />

consumo local, nas zonas produtoras. A<br />

espécie que é cultivada principalmente nos<br />

estados do Nordeste, distinguindo-se o<br />

Ceará como o maior produtor, não teve<br />

destaque na economia nordestina, e nem<br />

mesmo na cearense, antes das quatro primeiras<br />

décadas do século XX (Leite, 1994).<br />

Até o início da década de 50, a<br />

produção de castanha (fruto verdadeiro)<br />

era essencialmente extrativa. As primeiras<br />

tentativas para<br />

estabelecer plantios de cajueiro com fins<br />

comerciais foram efetuadas no município<br />

de Pacajus, no Ceará. Nesse município, no<br />

Campo Experimental de Pacajus, então<br />

pertencente ao Ministério da Agricultura,<br />

em 1956,<br />

o governo federal instalou uma coleção de<br />

matrizes de cajueiro para pesquisa agronômica.<br />

Posteriormente, a introdução de plantas<br />

de cajueiro anão precoce nesse campo<br />

experimental, originadas de uma população<br />

natural do município cearense de<br />

Maranguape, é hoje considerada o marco<br />

histórico do melhoramento genético dessa<br />

espécie.<br />

A partir dos incentivos fiscais da<br />

Superintendência de Desenvolvimento do<br />

Nordeste (SUDENE), na segunda metade da<br />

década de 60, consolidou-se o parque<br />

processador de castanha, com fábricas<br />

concentradas no estado do Ceará e algumas<br />

unidades no Rio Grande do Norte e no<br />

Piauí. Para abastecer essas unidades, ocorreu<br />

um notável crescimento da área plantada<br />

com cajueiros, que possibilitou a<br />

elevação da produção. Assim, a agroindústria<br />

do caju passou a ter importante papel<br />

econômico e social, pois, além de empregar<br />

grande contingente de pessoas, participa<br />

de forma expressiva na geração de<br />

divisas externas, com valores médios anuais<br />

próximos de 150 milhões de dólares<br />

(Paula Pessoa et al., 1995).<br />

As pesquisas com cajueiro, particularmente<br />

aquelas direcionadas para obtenção<br />

de material melhorado, foram então<br />

dinamizadas, dando origem às primeiras<br />

plantas matrizes fornecedoras de sementes<br />

para o plantio comercial. Até aquela época,<br />

os cajueirais eram formados por sementes<br />

que não sofreram nenhum processo de<br />

seleção, com exceção feita para o peso e,<br />

algumas vezes, para a densidade e sanidade<br />

das sementes. Nenhum desses processos<br />

foi eficiente para assegurar a qualidade<br />

do material genético utilizado.<br />

O desconhecimento das qualidades<br />

das plantas matrizes e polinizadoras,<br />

quando da obtenção de sementes para o<br />

plantio, acarretou pomares bastante<br />

desuniformes, tanto nos aspectos<br />

morfológicos quanto fisiológicos, do que<br />

resultou, conseqüentemente, grande variedade<br />

na produção, com valores médios<br />

muito abaixo do potencial da espécie. Essa<br />

18 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Plantio comecial de cajueiro anão precoe<br />

com irrigação.<br />

desuniformidade manifestou-se também no<br />

peso da castanha, afetando a indústria de<br />

processamento em termos de rendimento e<br />

nos aspectos relativos às cotações de preço<br />

no mercado internacional.<br />

2. TIPOS VARIETAIS<br />

Na natureza existem dois tipos de cajueiros<br />

bem definidos em relação ao porte denominados<br />

comum e anão.<br />

O cajueiro comum, que é o mais difundido,<br />

possui porte elevado, com altura que varia<br />

de 8 m a 15 m e envergadura da copa que<br />

chega a atingir 20 m. Apresenta grande<br />

variação na distribuição dos ramos e no<br />

formato da copa, que vai desde ereta e<br />

compacta até espraiada (Barros, 1988). A<br />

capacidade produtiva individual do cajueiro<br />

comum é muito variável, com plantas<br />

que produzem menos de 1 kg até cerca de<br />

180 kg de castanha por safra. Apresenta<br />

grande variabilidade no peso do fruto, que<br />

vai de 3 g a 33 g, com peso do pedúnculo<br />

variando de 20g a 500g. A idade mínima de<br />

estabilização da produção das plantas é<br />

superior a 8 anos, sendo normal também<br />

ocorrer entre 12 e 14 anos. Em todos os<br />

plantios efetuados a partir de sementes, foi<br />

utilizado esse tipo varietal.<br />

O cajueiro tipo anão precoce,<br />

também conhecido por<br />

cajueiro de seis meses, caracteriza-se<br />

pelo porte baixo,<br />

altura abaixo de 4 m,<br />

copa homogênea com variação<br />

no tamanho de 5,0m a<br />

6,5m, diâmetro do caule e<br />

envergadura bem inferiores<br />

ao do tipo comum e inicia o<br />

florescimento aos 6-18 meses.<br />

O peso do fruto nas<br />

populações naturais varia de<br />

3g a 19g e o do pedúnculo<br />

de 20g a 160g, o que significa<br />

dizer que são características<br />

com menor variabilidade em<br />

relação ao tipo comum. A capacidade<br />

produtiva individual também é menor, até<br />

o momento com a máxima produção registrada<br />

de 43 kg de castanhas/safra/planta<br />

(Barros, 1988).<br />

3. POTENCIALIDADES<br />

O sucesso na exploração econômica<br />

do cajueiro nos diferentes agrossistemas<br />

para onde ele tem sido levado depende de<br />

sistemas de produção que incluam, fundamentalmente,<br />

indivíduos adaptados às condições<br />

de clima e de solo de cada situação,<br />

razão pela qual cabe ao melhoramento<br />

genético importante papel na viabilização<br />

da cultura, independente do ambiente onde<br />

ela for explorada.<br />

Além da amêndoa da castanha de<br />

caju (ACC), que é o produto de maior<br />

interesse e maior aceitação nos mercados<br />

do mundo inteiro, o cajueiro possibilita a<br />

obtenção do líquido da casca da castanha<br />

(LCC), um subproduto com grande potencial<br />

de aproveitamento industrial, principalmente<br />

na indústria química, mas de<br />

valor econômico efetivo atualmente muito<br />

baixo por alguns fatores tecnológicos<br />

limitantes, razão pela qual não tem sido<br />

objeto de interesse momentâneo para melhoramento.<br />

O cajueiro oferece,<br />

ainda, o falso-fruto ou pedúnculo,<br />

cujo potencial de aproveitamento<br />

é muito expressivo pelas opções<br />

no mercado de frutas, tanto<br />

no consumo in natura como no<br />

fabrico de doces, sucos, refrigerantes,<br />

etc., mas sua<br />

expressividade econômica ainda<br />

é baixa quando comparada<br />

com o volume total de produção<br />

(Barros et al., 1993), o que tem<br />

gerado os menores indicadores<br />

econômicos da cultura em termos<br />

de exportação.<br />

O aumento da lucratividade do<br />

cajueiro mediante a maximização<br />

do aproveitamento do<br />

pedúnculo, notadamente no<br />

mercado de frutas, constitui o<br />

principal desafio do melhoramento<br />

genético, ao qual cabe a responsabilidade<br />

de gerar clones que propiciem<br />

pedúnculos que satisfaçam aos mais diferentes<br />

paladares, de forma que conquiste<br />

os mercados das regiões mais desenvolvidas<br />

e economicamente mais prósperas do<br />

País. Isto porque os méritos de produtividade<br />

e melhoria de qualidade dos produtos<br />

podem ser obtidos por meio de alterações<br />

no ambiente ou nas plantas cultivadas.<br />

Alterações no ambiente envolvem diversas<br />

variáveis, como neutralização dos efeitos<br />

de elementos tóxicos, correção da reação e<br />

da fertilização do solo, combate sistemático<br />

das pragas, doenças e plantas invasoras,<br />

correção do teor de umidade do solo por<br />

meio de irrigação e, muitas vezes, drenagem,<br />

manejo do pomar, colheita,<br />

armazenamento e transporte, que envolvem<br />

sempre o emprego racional de insumos<br />

e a disponibilidade de técnicas mais modernas<br />

de cultivo, acarretando, muitas vezes,<br />

custos elevados para o produtor.<br />

Já o melhoramento genético das plantas,<br />

por outro lado, envolve um conjunto de<br />

procedimentos com fundamentação científica,<br />

cujo objetivo é alterar as características<br />

das cultivares, de modo que os novos<br />

materiais obtidos possibilitem aumento na<br />

produtividade e na qualidade do produto<br />

final, a menor custo e de forma mais<br />

duradoura. Para tanto, o trabalho pode ser<br />

dirigido para caracteres como tolerância ao<br />

estresse hídrico, adaptação a elevados teores<br />

de elementos tóxicos do solo, resistência<br />

a doenças e tolerância a pragas, redução<br />

do porte das plantas, precocidade,<br />

mudanças no comprimento do ciclo de<br />

frutificação, alterações na constituição física<br />

e química dos frutos e pseudofrutos, de<br />

maneira que o resultado final seja a maior<br />

lucratividade para o investidor e maior<br />

satisfação para o consumidor.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 19


4. FASES DO MELHORAMENTO<br />

A domesticação do cajueiro e o melhoramento<br />

genético dessa cultura no Brasil podem<br />

ser caracterizados por cinco fases distintas<br />

(Paiva et al., 1997). A primeira remonta<br />

à época da descoberta, pelos nativos,<br />

de plantas com pedúnculos adequados à sua<br />

alimentação na forma de consumo in natura<br />

ou na elaboração de bebidas. Quando os<br />

exploradores aportaram na costa brasileira,<br />

já constataram os frutos de cajueiro sendo<br />

utilizados na culinária local. Os registros<br />

demonstram a existência desse processo já no<br />

século XVII.<br />

A segunda fase data das décadas de 40 e 50<br />

deste século, marcadas pela extração de LCC<br />

e pela transformação do pedúnculo em produtos<br />

diversos, em um sistema mais organizado.<br />

Datam também dessa época as primeiras<br />

introduções de plantas no Campo Experimental<br />

de Pacajus (CE), oriundas de populações<br />

naturais existentes na região litorânea<br />

do Nordeste.<br />

A terceira fase, compreendendo as décadas<br />

de 60 e 70, caracterizou-se por plantios<br />

comerciais do cajueiro comum efetuados<br />

com sementes, a partir de incentivos governamentais<br />

de fomento à cultura. Ainda naquela<br />

época, iniciaram-se a identificação e<br />

o controle da produção de castanha de plantas<br />

individuais em propriedades particulares.<br />

Após a identificação das plantas que se<br />

destacavam em produção, seguiu-se a formação<br />

de novos plantios com sementes colhidas<br />

dessas plantas.<br />

A quinta fase, em andamento, prioriza<br />

as pesquisas para atender às demandas<br />

atuais da cajucultura, com enfoque<br />

na fruticultura irrigada e no aproveitamento,<br />

também, do pedúnculo para<br />

o consumo in natura.<br />

Nesse enfoque, a seleção tem de estar<br />

orientada para plantas com características<br />

de porte baixo para facilitar a<br />

colheita manual; pedúnculo com características<br />

de coloração, sabor, textura,<br />

maior período de conservação,<br />

consistência e teor de tanino adequados<br />

às preferências do consumidor;<br />

castanha de tamanho e peso adequados<br />

(³10g); facilidade de destaque do<br />

pedúnculo; rendimento ³28%; facilidade<br />

na despeliculagem; coloração<br />

dentro dos padrões internacionais;<br />

e amêndoas resistentes à<br />

formação de "bandas". Na fase de<br />

avaliação dos clones, recomenda-se<br />

testá-los, tanto em condições<br />

de irrigação como de<br />

sequeiro, em diferentes<br />

ecossistemas.<br />

5. ESTRATÉGIAS<br />

A escolha do método ou da estratégia<br />

na condução de um programa<br />

de melhoramento está diretamente<br />

relacionada com a biologia<br />

reprodutiva da espécie, ou<br />

seja, é importante conhecer se a<br />

espécie é de cruzamento ou de<br />

autofecundação. O cajueiro sendo<br />

uma espécie em que predomine<br />

a fecundação cruzada, a escolha<br />

do método de melhoramento<br />

a ser empregado deve ser inerente<br />

a esse grupo de plantas. Devese<br />

enfatizar que a multiplicação<br />

vegetativa do cajueiro permite<br />

que enfoques alternativos possam<br />

ser considerados, uma vez<br />

que existe possibilidade de reprodução de determinado<br />

indivíduo, em qualquer etapa do processo.<br />

As baixas produtividades registradas na<br />

cajucultura brasileira direcionam a seleção<br />

prioritariamente para a obtenção de plantas que<br />

possibilitem resultados superiores a 1,3t/ha de<br />

castanha, em regime de sequeiro, o que pode ser<br />

alcançado com os clones comerciais de cajueiro<br />

anão precoce atualmente disponíveis no mercado<br />

(Barros et al., 1984; 1983; Almeida et al., 1993;<br />

Barros & Crisóstomo, 1995). No caso de clones<br />

para cultivo sob irrigação, a ênfase deve ser para<br />

genótipos que possibilitem produtividades superiores<br />

a 4,5 t/ha, obtidos atualmente com os<br />

clones disponíveis (Oliveira et al., 1996).<br />

Os procedimentos mais comuns adotados no<br />

melhoramento de plantas de reprodução<br />

assexuada ou vegetativa são a introdução de<br />

germoplasma, a seleção clonal e a hibridação.<br />

Além desses, outros métodos auxiliares têm sido<br />

utilizados com sucesso, como a indução de<br />

mutações, indução de poliploidia e cultura de<br />

tecidos.<br />

A introdução de plantas no melhoramento do<br />

cajueiro tem sido a principal fonte de obtenção<br />

de materiais mais adequados à exploração comercial,<br />

enquanto a seleção de clones é uma<br />

etapa do melhoramento das plantas de propagação<br />

vegetativa utilizada tanto após a introdução<br />

de germoplasma como na hibridação. O sucesso<br />

com esta metodologia depende da presença de<br />

indivíduos superiores para a formação dos clones<br />

que entrarão no processo de competição.<br />

Assim, o êxito do processo de seleção de clones<br />

depende da variabilidade genética existente na<br />

população base. A seleção feita numa população<br />

formada por um único clone não deve surtir<br />

efeito, uma vez que toda variação existente é de<br />

origem ambiental.<br />

O melhoramento utilizado no cajueiro anão<br />

precoce no Brasil teve início em 1965 no Campo<br />

Experimental de Pacajus. Constou de uma seleção<br />

fenotípica individual, seguida do controle<br />

anual da produção nas plantas selecionadas.<br />

Essa metodologia, embora simples e de ganhos<br />

genéticos esperados reduzidos, permitiu o lançamento<br />

comercial dos clones CCP 06 e CCP 76, em<br />

1983, e CCP 09 e CCP 1001, em 1987, que são<br />

ainda os principais clones comerciais disponíveis<br />

(Barros et al., 1984; Almeida et al., 1992).<br />

5. PERSPECTIVAS<br />

A fruticultura moderna, além de tratar da aplicação<br />

de técnicas e práticas que reduzam o custo<br />

de produção dos pomares comerciais, proporciona<br />

também um maior aproveitamento das frutas<br />

para o consumo in natura ou para a indústria de<br />

transformação.<br />

O cultivo do cajueiro em condições irrigadas<br />

induz a uma reflexão nos paradigmas vigentes,<br />

20 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


elacionados com sistema de cultivo de<br />

sequeiro e com a forma de aproveitamento<br />

da cultura. O sistema com irrigação para o<br />

cajueiro pode ser vantajoso à medida que<br />

existe resposta diferencial entre clones a<br />

essa condição e que seja viável economicamente.<br />

O aproveitamento do pedúnculo<br />

para o consumo in natura, seguindo os<br />

princípios da fruticultura moderna para<br />

maior aproveitamento dos produtos obtidos,<br />

eleva a exploração do pedúnculo para<br />

comercialização à condição de produto<br />

principal e da castanha à de produto secundário,<br />

em face da sua boa aceitação<br />

pelos consumidores e dos preços atualmente<br />

praticados.<br />

Em avaliação recente de experimento em<br />

campo, foi efetuada ainda uma seleção<br />

preliminar, usando-se como referência o<br />

clone CCP 76. Elegeram-se os seguintes<br />

clones, em ordem crescente de preferência,<br />

END 157, END 189, CCP 76 e END 183<br />

como os mais promissores para o consumo<br />

in natura. Aparentemente, os clones END<br />

157 e END 189 superam a testemunha<br />

padrão quanto à consistência do pedúnculo,<br />

um caráter desejável para aumentar o tempo<br />

de prateleira do produto. Testes mais<br />

acurados na área de pós-colheita para<br />

esses clones ainda estão em andamento.<br />

Uma condição desejável para o produtor é<br />

o cultivo de clones que tenham produção<br />

mensal melhor distribuída ao longo do<br />

ano. Isto é desejável devido à possibilidade<br />

de se obterem preços mais elevados no<br />

período de entressafra do produto. Do<br />

ponto de vista do melhoramento genético,<br />

é possível obter e selecionar clones que,<br />

quando cultivados em condição irrigada,<br />

apresentem uma produção de pedúnculo<br />

com distribuição mais uniforme, haja vista<br />

a existência de variabilidade genética para<br />

esse caráter..<br />

6. LITERATURA CONSULTADA<br />

ALMEIDA, J.I.L. ARAÚJO, F.E., BARROS,<br />

L.M. (1992). Características do clone EPACE<br />

CL 49 de cajueiro. EPACE. Relatório Anual<br />

de Pesquisa 1980/1992, Fortaleza: 160-165.<br />

ALMEIDA, J.I.L.; ARAÚJO, F.E.; LOPES, J.G.V.<br />

(1993). Evolução do cajueiro anão precoce<br />

na Estação Experimental de Pacajus, Ceará.<br />

Fortaleza: EPACE,. 17p. (EPACE, Documentos,<br />

6).<br />

BARROS, L.M. Melhoramento. In: LIMA,<br />

V.P.M.S. (1988). A cultura do cajueiro no<br />

Nordeste do Brasil. Fortaleza: Banco do<br />

Nordeste do Brasil/ETENE. p.321-356 (BNB/<br />

ETENE. Estudos Econômicos e Sociais, 35).<br />

BARROS, L.M.; ARAÚJO, F.E.; ALMEIDA,<br />

J.I.L.; TEIXEIRA, L.M.S. (1984). A cultura do<br />

Cajueiro Anão. Fortaleza: EPACE. 67p.<br />

(EPACE. Documentos, 3).<br />

BARROS, L.M.; PIMENTEL, C.R.M.; CORRÊA,<br />

M.P.F.; MESQUITA, A.L.M. (1993). Recomendações<br />

Técnicas Para a Cultura do<br />

Cajueiro Anão Precoce. Fortaleza:<br />

EMBRAPA-CNPAT, 65p. (EMBRAPA-<br />

CNPAT. Circular Técnica, 1).<br />

BARROS, L.M.; CRISÓSTOMO, J.R. Melhoramento<br />

genético do cajueiro. In: ARAÚJO,<br />

J.P.P.; SILVA, V.V. (1995). Cajucultura:<br />

Modernas Técnicas de Produção. Fortaleza:<br />

EMBRAPA-CNPAT, p.73-93.<br />

LEITE, L.A. de S.A. (1994). A agroindústria<br />

do caju no Brasil: políticas públicas e<br />

transformações econômicas. Fortaleza:<br />

EMBRAPA-CNPAT, 195 p.<br />

OLIVEIRA, V.H.; CRISÓSTOMO, L.A.;<br />

MIRANDA, F.R; ALMEIDA, J.H.S. (1996).<br />

Produtividade de clones-enxertos de cajueiro<br />

anão precoce (Anacardium occidentale<br />

L.) irrigados, no município de Mossoró-RN.<br />

In: Congresso Brasileiro de Fruticultura, 14.,<br />

1996. Curitiba-PR.<br />

PAIVA, J.R.; CRISÓSTOMO, J.R.; BARROS,<br />

L.M.; PAIVA, W.O. (1997). Domesticação e<br />

melhoramento genético do cajueiro<br />

(Anacardium occidentale L.) no Brasil. Informativo<br />

SBF, Brasília: 16 (2), p.19-20.<br />

PAULA PESSOA, P.F.; LEITE, L.A.S;<br />

PIMENTEL, C.R.M. Situação Atual e Perspectivas<br />

da Agroindústria do Caju. In: ARA-<br />

ÚJO, J.P.P.; SILVA, V.V. (1995). Cajucultura:<br />

Modernas Técnicas de Produção. Fortaleza:<br />

EMBRAPA-CNPAT, p.23-42.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 21


O USO DE PVC<br />

NO TRATAMENTO DO CÂNCER<br />

O uso de plastisol de policloreto de vinila(PVC), como tecido equivalente no tratamento de pacientes com câncer<br />

Karin dias salamn<br />

consultora do instituto do PVC<br />

metrado e doutorado - UNICAMP<br />

São Paulo-SP<br />

Wagner Gonçalves Maia<br />

Físico-médico<br />

Centro de atenção integral à saúde<br />

da mulher (CAISM)<br />

CEB-UNICAMP - Campinas-SP<br />

José Renato Rocha<br />

Físico-médico<br />

centro de Atenção Integrada à Saú<br />

de da Mulher (CAISM)<br />

CEB-Campinas-SP<br />

Lúcia H.I. Mei<br />

Departamento de Tecnologia de<br />

Polímeros - FEQ-UNICAMP<br />

tualmente, na radioterapia de pacientes com câncer,<br />

utilizam-se amplamente os aceleradores lineares que<br />

produzem feixes de fótons e elétrons de alta energia. Uma<br />

característica importante desses feixes é que a dose<br />

liberada no tecido irradiado não tem seu valor máximo na<br />

superfície, mas aumenta conforme o poder de penetração<br />

do feixe, até uma profundidade que varia 0,5 a 3,0 cm da pele. A<br />

técnica de irradiação, em geral, consiste em dirigir um ou mais feixes<br />

para o volume do tumor, de modo a produzir uma distribuição uniforme<br />

da intensidade da radiação dentro do tumor, caindo a valores<br />

mínimos nas regiões circunvizinhas.<br />

No caso da radioterapia de tumores superficiais, muitas vezes é<br />

exigido uma superficialização do ponto de dose máxima, seja para<br />

maximizar a dose no tumor ou mesmo para limitar a penetração do<br />

feixe, preservando as estruturas posteriores ao tumor. Isso é feito<br />

utilizando-se materiais simuladores de tecido humano, como os<br />

"bolus", com espessura variável.<br />

Nesse trabalho, foi desenvolvido um material equivalente ao tecido<br />

mole para ser usado como "bolus" em radioterapia, principalmente<br />

para superficializar a dose em tratamentos com fótons ou elétrons. A<br />

característica deste material é que ele é transparente e flexível, tem boa<br />

resistência à radiação, tem baixo custo, além de ter boas propriedades<br />

radiológicas.<br />

Dentre as inúmeras resinas plásticas estudadas, optou-se pelo<br />

poli(cloreto de vinila)-PVC devido à sua versatilidade e boa relação<br />

custo/benefício. A resina de PVC é um pó muito fino, de cor branca,<br />

de elevado peso molecular sendo resultante da polimerização do<br />

cloreto de vinila, como mostra a Figura 1.<br />

Dois recursos naturais, sal e petróleo, são a base para a fabricação<br />

do PVC. Pela refinação do petróleo, obtém-se o etileno e, por<br />

eletrólise, que é a reação química resultante da passagem de uma<br />

corrente elétrica pela água salgada (salmoura), obtém-se o cloro.<br />

Existe uma grande quantidade de aditivos (plastificante-óleos,<br />

estabilizantes, pigmentos entre outros) que, ao serem adicionados ao<br />

PVC tornam o material plástico de maior diversidade, permitindo a<br />

confecção de produtos com a transparência do vidro ou com barreira<br />

à luz, ou ainda com a flexibilidade da borracha ou a rigidez necessária<br />

para se fazer esquadrias de janelas.<br />

22 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Inicialmente foi determinada a curva da %<br />

de ionização para elétrons em função da<br />

profundidade em acrílico e água. Substituindo-se<br />

o acrílico pelo bolus foi obtida a<br />

curva da % de ionização para elétrons em<br />

função da profundidade de bolus. Utilizando-se<br />

fatores de correção obteve-se as<br />

curvas de porcentagem dose profunda<br />

(PDP) da água e do bolus.<br />

MATERIAIS E MÉTODOS<br />

O novo material foi obtido a partir<br />

da dispersão do pó de poli(cloreto de<br />

vinila)-PVC no plastificante ftalato de 2-<br />

dietil-hexila(DOP), formando uma pasta,<br />

que ao ser aplicada uma temperatura de<br />

160oC, transforma-se em um produto<br />

transparente e flexível.<br />

Utilizou-se do método de deslocamento<br />

em colunas de água para se determinar<br />

a densidade específica deste produto.<br />

Para a confecção das placas de<br />

diferentes espessuras, foram utilizados<br />

moldes de vidro plano colocados paralelamente,<br />

com espassadores, o que produz<br />

a espessura desejada.<br />

A estabilidade à radiação foi<br />

verificada submetendo-as à irradiação<br />

em feixes de cobalto 60 até uma dose de<br />

78kGy, e nenhuma variação das propriedades<br />

físicas foi verificada. Este trabalho<br />

foi desenvolvido por Pezzin e colaboradores,<br />

e não se constatou nenhum<br />

tipo de alteração do produto com a<br />

radiação.<br />

De acordo com Johns e colaboradores,<br />

os simuladores de tecido devem<br />

ser materiais que absorvam e espalhem a<br />

radiação igual ao tecido humano. Spiers<br />

e colaboradores, em 1939, mostraram<br />

que os materiais simuladores possuem a<br />

mesma densidade e contêm o mesmo<br />

número de elétrons por grama. Como a<br />

água e o tecido humano possuem estas<br />

características, tendo a mesma absorção<br />

de fótons e elétrons, desde então os<br />

protocolos de dosimetria de feixes de<br />

raios X e gama, na faixa de energia usada<br />

em radioterapia, assim como em<br />

dosimetria de elétrons a altas energias,<br />

consideram a água como material padrão<br />

de referência. Portanto, melhor será<br />

o bolus quanto mais próximo da água<br />

for seu comportamento com relação à<br />

radiação.<br />

Para efeito de cálculo de algumas<br />

das propriedades determinadas neste trabalho<br />

houve a necessidade de se determinar<br />

a porcentagem em peso dos elementos<br />

con tidos no material bolus<br />

vinillico. Através de uma análise química<br />

elementar, foi determinada a quantidade<br />

de carbono e hidrogênio, e usando-se o<br />

sistema Schonninger determinou-se a<br />

quantidade de cloro; a quantidade de<br />

oxigênio foi determinada por exclusão.<br />

Para verificar-se a equivalência da<br />

água foram estudadas as propriedades<br />

radiológicas, das quais algumas foram<br />

determinadas teórica e experimentalmente,<br />

assim como outras determinadas apenas<br />

teoricamente. Também foi feita uma<br />

medida para se verificar o erro causado<br />

na dose absorvida pela introdução do<br />

material no feixe, simulando a situação<br />

de tratamento.<br />

Determinou-se as propiedade radiológicas<br />

dentre as quais o número atômico<br />

efetivo e o stopping power em<br />

relação à água em feixes de elétrons que<br />

consiste no poder de frenagem do material<br />

com relação a radiação.<br />

Em algumas determinações experimentais<br />

foram utilizados os métodos (a),<br />

(b) e (c). Nestes métodos foi utilizada<br />

uma câmara de placas paralelas (PTW-<br />

Markus Chamber), para medidas em elétrons<br />

e fótons 10MeV, e para o cobalto 60<br />

foi utilizada uma câmara cilíndrica de<br />

0,6cc (PTW 23333).<br />

A câmara foi posicionada a um profundidade<br />

correspondente ao ponto máximo de<br />

ionização na água. Neste caso placas do<br />

material foram colocadas sobre a câmara<br />

substituindo-se a água pelo bolus.<br />

A câmara foi posicionada a profundidades<br />

de 2,5cm (ponto de máximo), 5cm e 10cm<br />

em um fantom com água. Aplicando-se<br />

feixes de fótons 10MeV e substituindo-se<br />

diferentes espessuras de água pelo material<br />

foi obtida a % de ionização.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 23


24 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 25


Barreiras<br />

à Exportação<br />

Barreiras protecionistas às exportações brasileiras<br />

Jonas Pinheiro<br />

Médico veterinario , extensinista rual,<br />

foi deputado Federal (1982/94) e atualmente<br />

é Senador da República pelo<br />

Estado do Mato Grosso.<br />

Com a política de abertura da economia<br />

brasileira adotada pelo Governo<br />

Federal, sobretudo a partir de 1990, o setor<br />

produtivo nacional viu-se frente a frente<br />

com uma concorrência forte e poderosa e<br />

até então desconhecida, provocada pela<br />

aceleração repentina das importações de<br />

produtos em geral. Para a agricultura brasileira,<br />

que está fortemente endividada, tem<br />

de arcar com custos financeiros<br />

elevadíssimos, de suportar um sistema tributário<br />

voraz, de não contar com condições<br />

financeiras favoráveis para adotar<br />

tecnologia moderna nem mão-de-obra<br />

qualificada, e, o que é mais<br />

limitador, de não dispor de uma adequada<br />

infra-estrutura que dê sustentação e<br />

apoio ao produtor. A adoção dessa<br />

política foi atroz, pois o setor teve sua<br />

capacidade de se ajustar a ela extremamente<br />

limitada, quando teve de competir<br />

com produtos importados altamente<br />

subsidiados em seu país de origem.<br />

A liberação das importações, sob<br />

o argumento geral de provocar um<br />

"choque de modernidade" no país, tem<br />

tido, no caso agrícola, muito mais o<br />

objetivo de viabilizar a entrada de<br />

insumos e produtos cotados a preços<br />

bem mais baixos que os nacionais e,<br />

dessa maneira, provocar um impacto nos<br />

preços internos desses produtos, com a<br />

preocupação de assegurar a "âncora<br />

verde" para manutenção do Plano Real.<br />

Essa é uma atitude imediatista e míope,<br />

pois, a perdurar esse procedimento, sem<br />

a devida cautela e precaução, estaremos,<br />

não só desestruturando o nosso<br />

sistema produtivo, mas aumentando a<br />

nossa dependência externa e causando<br />

uma profunda crise social no campo,<br />

com a aceleração do êxodo rural e<br />

reflexos imediatos e, talvez, irreversíveis<br />

na cidade.<br />

Sem dúvida, essas importações é<br />

que foram responsáveis, ao lado da<br />

política cambial de valorização do Real,<br />

pelo mau desempenho do setor agrícola,<br />

que atingiu seu ponto mais crítico em<br />

1995/96, quando a venda de produtos<br />

agrícolas caiu substancialmente.<br />

Esse processo, então,<br />

desestruturou a pequena produção rural<br />

e seus subsetores produtivos como os de<br />

algodão, arroz, trigo, laranja, borracha<br />

natural, sisal, leite e seus derivados, entre<br />

outros, deixando-os numa crise de<br />

grandes proporções. O Brasil está<br />

importando esses produtos a preços<br />

muito mais baixos que os nossos<br />

porque, em seu país de origem, eles são<br />

subsidiados e produzidos em condições<br />

muito mais favoráveis, além de ser<br />

ofertados com juros mais baixos e<br />

maiores prazos de pagamento.<br />

Curioso é que os países desenvolvidos,<br />

que exigem de nós uma maior<br />

abertura da economia, são exatamente os<br />

que mais defendem o seu setor produtivo<br />

e, consequentemente, o emprego para<br />

seu povo. Reclamam de nós ampla e<br />

urgente abertura econômica, mas,<br />

contraditoriamente, impõem-nos barreiras<br />

tarifárias e não tarifárias que impedem e<br />

dificultam a exportação de nossos<br />

produtos. Afora essas restrições, impõem<br />

ainda "cotas" que, quando adotadas pelo<br />

Brasil, sofrem acirrado combate, mas,<br />

quando aplicadas por eles, representam<br />

proteção contra atividades predatórias ou<br />

concorrência desleal. Além dessas<br />

26 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


arreiras há também as de ordem<br />

sanitária, que limitam ou proíbem a<br />

importação de produtos brasileiros, sob<br />

o pretexto de que eles não atendem às<br />

exigências sanitárias daqueles países.<br />

Essas medidas tarifárias e não<br />

tarifárias impostas pelos Estados Unidos<br />

e por outros países às importações de<br />

produtos brasileiros causam ao nosso<br />

país prejuízos anuais da ordem de US$ 6<br />

bilhões.<br />

Atualmente, os Estados Unidos<br />

restringem ou impedem a entrada<br />

naquele país de cerca de 80 produtos<br />

brasileiros, como, por exemplo, de:<br />

Suco de Laranja: o importador<br />

norte-americano tem de pagar 8,55<br />

centavos de dólar por litro de suco do<br />

Brasil;<br />

Tabaco: há uma cota de 80,2 mil<br />

toneladas; acima disso, os Estados<br />

Unídos impõem, para cada quilo importado<br />

a mais, uma taxa de 69,5 centavos<br />

de dólar;<br />

Açúcar: a cota é de 162,2 mil<br />

toneladas. Para cada tonelada excedente<br />

é cobrada uma taxa de 286 dólares.<br />

Fruta: as tarifas sobre as frutas<br />

variam de acordo com a época do ano.<br />

Por exemplo: sobre o melão, são cobrados<br />

16,4% por unidade entre 1º de<br />

agosto e 15 de setembro; sobre a uva, a<br />

taxa fica 54% mais cara entre 15 de<br />

fevereiro e 31 de março; sobre o óleo de<br />

soja, é cobrada uma taxa de 20,8% em<br />

cima do valor da tonelada do produto;<br />

Calçado: é cobrada uma taxa de<br />

10% sobre o valor original do produto.<br />

No caso de outros calçados de couro,<br />

esse tipo de tarifa extra fica em 8, 5%;<br />

Têxtil: a alíquota é de 38% e mais 48,5<br />

centavos de dólar por quilo de tecido.<br />

Carne (de boi e de porco): os<br />

Estados Unidos não permitem a entrada<br />

do produto cru ou congelado. Alegam<br />

que o rebanho brasileiro tem febre aftosa<br />

e que o país ainda não está livre da<br />

cólera suína;<br />

Carne de frango: O produto não<br />

entra nos Estados Unidos porque o<br />

nosso sistema de inspeção sanitária não<br />

tem a aprovação do Departamento de<br />

Agricultura norte-americano;<br />

Camarão: é necessária uma<br />

certidão que autorize a exportação, cuja<br />

validade não passa de 12 meses.<br />

Como consequência dessa política, no<br />

período de 1991 a 1996, a exportação de<br />

produtos agrícolas brasileiros para os<br />

Estados Unidos ficou estagnada em 1,3<br />

bilhão de dólares por ano, enquanto, no<br />

mesmo período, as vendas norteamericanas<br />

para o Brasil aumentaram<br />

131%.<br />

Diante dessas exigências, as<br />

autoridades governamentais brasileiras<br />

intimidam-se mais, a cada dia, pois o<br />

país não tem a autonomia necessária<br />

para<br />

equilibrar<br />

esse processo,<br />

autonomia esta que<br />

adviria da recuperação econômica do<br />

país e da excelência dos seus produtos.<br />

Tanto que temos assistido a um crescente<br />

déficit na balança comercial brasileira.<br />

Não se pode negar a nenhum<br />

país que ele tente proteger sua economia,<br />

suas empresas e seus empregos. No<br />

entanto, se os Estados Unidos, o Japão e<br />

os países europeus se acham nesse<br />

direito, é igualmente legítimo que o Brasil<br />

também o tenha. Na verdade, há necessidade<br />

de que se estabeleçam regras<br />

equilibradas de comércio entre os países<br />

ou os blocos de que fazem parte, para<br />

que não haja aniquilamento de uns e<br />

domínio de outros.<br />

A agricultura é um dos setores<br />

mais importantes da economia de muitos<br />

países. Além do seu valor econômico,<br />

tem elevadíssimo valor estratégico, pois<br />

garante o abastecimento interno. Assegura-se,<br />

por ele, o equilíbrio social, pela<br />

eliminação da fome - um dos maiores<br />

focos de conflito social dentro de uma<br />

Nação. Os excedentes agrícolas constituem<br />

um dos mais rentáveis itens de<br />

exportação dos países produtores, o que<br />

aumenta substancialmente a renda<br />

nacional.<br />

O processo irreversível de abertura<br />

da economia exige do Brasil intensificação<br />

de trocas comerciais com os<br />

demais países do globo; abertura econômica<br />

deve significar troca benéfica para<br />

ambos os lados; no entanto, está sendo<br />

óbvio que as nações produtoras estão<br />

querendo que importemos muito e<br />

exportemos o mínimo. O Brasil deve,<br />

então, reagir energicamente contra toda<br />

taxação iníqua de seus produtos e, se<br />

necessário for, adotar medidas de<br />

retaliação que compensem os prejuízos<br />

sofridos. Deve<br />

mos demonstrar que não estamos<br />

submissos aos desígnios de terceiros,<br />

sejam eles fortes quanto forem.<br />

Não resta dúvida de que nossos<br />

parceiros comerciais continuarão sempre<br />

a exigir maior abertura de nossa parte e<br />

que não facilitarão a venda dos nossos<br />

produtos. Necessário se faz, então, que o<br />

governo consolide uma política agrícola<br />

de longo prazo para que nossa pauta de<br />

exportações tenha respaldo em medidas<br />

de apoio que lhe garantam disputar<br />

mercados em condições de igualdade<br />

com os demais concorrentes, salvaguardando<br />

os seus interesses internos e os de<br />

sua população.<br />

No Congresso Nacional, tenho<br />

defendido intransigentemente essa<br />

questão e faço coro com inúmeros<br />

parlamentares, que, com freqüência, se<br />

manifestam preocupados com essas<br />

distorções e seus graves reflexos sobre<br />

toda a população brasileira.<br />

É imprescindível que as autoridades que<br />

vêm negociando em nome do Governo<br />

Brasileiro os acordos com outros países,<br />

abram espaço para que o agricultor<br />

brasileiro participe dessas negociações, a<br />

fim de que seus interesses sejam devidamente<br />

resguardados para que não<br />

sejamos surpreendidos, como ocorreu<br />

com a formalização de outros acordos,<br />

notadamente o do Mercosul, quando<br />

foram tomadas decisões e assumidos<br />

compromissos prejudiciais ao setor.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 27


Detecção de patógenos<br />

VETERINARIA<br />

no sêmen<br />

Nivaldo da Silva<br />

Doutor em Veterinária pela<br />

Universidad Complutense de Madrid - Espanha<br />

Prof. Adjunto do Departamento de<br />

Medicina Veterinária Preventiva<br />

Universidade Federal de Minas Gerais<br />

Email: nivsilva@dedadlus.lcc.ufmg.br<br />

Detecção de agentes patogênicos em sêmen bovinos destinado a inseminação artificial<br />

utilização da inseminação<br />

artificial (I.A.) tornou possível<br />

o intercâmbio de<br />

material genético de melhor<br />

qualidade, e através<br />

dessa tecnologia, uma melhora<br />

da produção de leite<br />

e carne, tanto a nível nacional como internacional.<br />

As possibilidades da contaminação<br />

do sêmen por agentes<br />

patogênicos (Fig. 1) e sua possível<br />

disseminação através do mesmo,<br />

entretanto, se converteram em uma<br />

das principais preocupações para<br />

criadores e autoridades sanitárias dos<br />

países onde se emprega essa<br />

tecnologia (Afshar & Eaglesome, 1990).<br />

A tudo isso se deve, também, acrescentar<br />

o risco que supõe o uso do<br />

sêmen infectado nos processos de<br />

transferência de embriões (Bielanski<br />

& Dubuc, 1994). Este alarma crescente<br />

está relacionado às implicações<br />

epizootiológicas da presença de vírus<br />

no sêmen, implicações essas que<br />

não só se centram na infecção exclusiva<br />

da fêmea receptora, ou do coletivo<br />

da exploração pecuária, como<br />

também na possível introdução de viroses<br />

exóticas no país importador. Esse risco<br />

potencial de transmissão, gera uma grande<br />

preocupação sobre o intercâmbio nacional<br />

e internacional deste material genético, e<br />

em especial, sobre os métodos de detecção<br />

dos possíveis vírus vinculados através do<br />

sêmen ou dos embriões, obrigando quase<br />

todos os países a implantarem rigorosos<br />

programas sanitários voltados para o controle<br />

das importações.<br />

A origem dos vírus no sêmen pode ser<br />

extrínseca, devido a contaminação fecal do<br />

sêmen no momento da coleta (por exemplo,<br />

os enterovírus) ou intrínseca, devido as<br />

infecções locais ou sistêmicas com a disseminação<br />

dos vírus através dos testículos,<br />

glândulas acessórias ou prepúcio. Dessa<br />

maneira, o sêmen é um excelente veículo<br />

para a difusão de agentes patogênicos e de<br />

defeitos genéticos, principalmente pela grande<br />

distribuição de sêmen congelado, e pela<br />

capacidade que possui um touro para<br />

produzir até 1000 doses deste material a<br />

partir de uma única ejaculação.<br />

Atualmente, as enfermidades víricas<br />

transmitidas via sêmen, como a Rinotraqueíte<br />

Infecciosa Bovina (IBR) e a Diarréia Bovina<br />

a Vírus (BVD), têm despertado um<br />

grande interesse nas autoridades sanitárias<br />

mundiais, principalmente por que nesses<br />

processos infecciosos os sinais clínicos<br />

são raramente evidentes, sendo de grande<br />

importância a detecção desses vírus no<br />

sêmen (Philpott, 1993).<br />

Uma vez que a congelação do sêmen<br />

possibilita a sobrevivência da maioria<br />

dos agentes patogênicos, e o uso dos<br />

crioprotetores diminue a eficácia dos<br />

antibióticos, se faz necessário normas<br />

oficiais para regulamentar a produção e<br />

o comércio de material genético livre de<br />

agentes infecciosos (Afshar & Eaglesome,<br />

1990). Desta maneira, a Oficina Internacional<br />

de Epizootias (OIE) definiu suas<br />

diretrizes no ano de 1986. Nos Estados<br />

Unidos da América (EEUU) essas normas<br />

foram padronizadas em 1989, sob controle<br />

da Associação Nacional de Reprodução<br />

Animal (NAAB) (Philpott, 1993) e,<br />

recentemente, a União Européia (EU)<br />

através da diretiva 93/60/EEC estabeleceu<br />

suas normas de controle. Essas exigências<br />

estão baseadas na transmissão<br />

dessas viroses através do sêmen<br />

infectado. Por esses motivos, recomendam<br />

um rigoroso controle sanitário sobre<br />

os touros mantidos nos centros de<br />

I.A., exigindo provas de isolamento<br />

de agentes infecciosos, ou<br />

provas sorológicas de todos os<br />

animais com idades superiores<br />

aos seis meses.<br />

Países do MERCOSUL estão,<br />

ainda, estudando normas para o<br />

comércio de sêmen entre seus<br />

integrantes.<br />

Apesar dessas medidas, o perigo<br />

da transmissão de vírus via<br />

sêmen segue vigente, como<br />

consequência da existência nos<br />

centros de I.A. de animais clinicamente<br />

sadios ou sorologicamente<br />

negativos, porém que estão latentemente<br />

infectados pelo herpes<br />

vírus bovino tipo 1 (BHV-1) causador<br />

da IBR ou persistentemente<br />

infectados pelo vírus da BVD. Por outro<br />

lado, e especificamente no caso da IBR,<br />

ainda existe uma reconhecida demanda<br />

por sêmen de touros de apreciável valor<br />

genético e que apresentam sorologia positiva<br />

frente a este vírus. Isso obriga a um<br />

contínuo monitoramento dos seus<br />

ejaculados para a detecção do vírus e,<br />

assim, evitar o risco de transmissão por<br />

essa via. Segundo Afshar & Eaglesome<br />

(1990), os vírus da IBR e BVD estão<br />

presentes em quase todos os centros de<br />

I.A. dos EEUU e Canadá, de onde provêm<br />

a maioria do sêmen importado pelo Brasil.<br />

Por outro lado, e apesar de não<br />

dispor de muitas informações sobre a<br />

incidência dessas enfermidades nos países<br />

sul americanos, pode-se considerar<br />

que pelo menos as infecções causadas<br />

28 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


pelo BHV-1 estão presentes nesses países,<br />

apesar de não serem rotineiramente<br />

diagnosticadas ou notificadas. Nesse<br />

sentido, no Brasil estão registrados casos<br />

de Balanopostites em touros com eliminação<br />

de vírus no sêmen, assim como a<br />

presença de anticorpos em doadoras e<br />

receptoras de embriões. Em países do<br />

Mercosul, o vírus da IBR está amplamente<br />

disseminado, sendo detectado em<br />

amostras de sêmen congelado na Argentina.<br />

O êxito dos programas de controle<br />

das doenças infecciosas depende, em<br />

boa medida, da identificação e eliminação<br />

de animais infectados e ou portadores.<br />

Usualmente nesses animais, o controle<br />

é feito através do isolamento de<br />

microrganismos em meios de cultura,<br />

cultivos celulares, inoculação em animais<br />

susceptíveis ou, então, pela detecção<br />

indireta através de técnicas sorológicas,<br />

como a soroneutralização, fixação de<br />

complemento, imunofluorescência indireta,<br />

hemaglutinação, imunodifusão, etc.<br />

A maioria destas técnicas, entretanto,<br />

apresentam limitações principalmente de<br />

ordem prática, resultantes da sua complexidade,<br />

da infra-estrutura necessária<br />

à sua realização, ou da lentidão dos<br />

procedimentos laboratoriais necessários<br />

para a detecção e caracterização dos<br />

agentes patogênicos. Por outro lado,<br />

existem, também, limitações de sensibilidade<br />

e especificidade. Por estes motivos,<br />

nos últimos anos têm-se intensificado a<br />

busca por técnicas de maior rapidez,<br />

precisão e confiança, que possibilitem o<br />

diagnóstico das doenças infecciosas com<br />

um grau de sensibilidade e especificidade<br />

similar ou superior aos procedimentos<br />

convencionais, e cujos resultados sejam<br />

dados no mesmo dia (Rodriguez &<br />

Schudel, 1993). Desta maneira, técnicas<br />

simples e de fácil execução para a caracterização<br />

de proteínas e ácidos nucléicos,<br />

como as imunoenzimáticas - ELISA<br />

(Enzyme-linked immunoabsorvent assay)<br />

e Immmunobloting, ou as amplificações<br />

"in vitro" de ácidos nucléicos através da<br />

Reação em Cadeia da Polimerase (PCR),<br />

são recomendadas para substituir os métodos<br />

convencionais de diagnóstico de<br />

várias doenças.<br />

Utilização da técnica de PCR<br />

para detecção de agentes<br />

patogênicos no sêmen<br />

A amplificação "in vitro" dos ácidos<br />

nucléicos (PCR) permite a obtenção de<br />

milhares de cópias de uma sequência<br />

específica de DNA. Por isso, a PCR tem<br />

facilitado o desenvolvimento de uma<br />

variedade de sistemas, baseados na<br />

detecção de ácidos nucléicos de bactérias,<br />

vírus, e outros microrganismos, bem<br />

como de alterações genéticas. Devido a<br />

sua alta sensibilidade, especificidade e<br />

rapidez, a PCR oferece muitas vantagens<br />

sobre os métodos convencionais de diagnóstico,<br />

porque está baseada na amplificação<br />

especifica de um fragmento<br />

de ácido nucléico, compreendido entre<br />

dois oligonucleotidos sintéticos complementares<br />

(primers), respectivamente, a<br />

cada uma das duas fitas de DNA a ser<br />

amplificada. O tamanho deste fragmento<br />

é definido pela distância entre a posição<br />

de anilamento dos primers (iniciador e<br />

reverso) dentro da sequência genômica.<br />

A PCR é realizada em repetidos ciclos,<br />

cada um consistindo de três etapas com<br />

diferentes temperaturas. Na primeira etapa,<br />

a dupla fita de DNA é desnaturada a<br />

alta temperatura, resultando em uma molécula<br />

simples de DNA (DNA molde). Em<br />

seguida os primers (iniciador e reverso) se<br />

unem às suas sequências homólogas e<br />

complementares nas regiões correspondentes<br />

("target") da molécula do DNA<br />

molde (anilamento). Na terceira fase, a<br />

região 3' de cada um dos primers é estendida<br />

nos dois sentidos pela ação enzimática<br />

da enzima termoestável Taq polimerase<br />

(alongamento), formando uma nova molécula<br />

de DNA de dupla fita. As novas<br />

moléculas de DNA, sintetizadas pelo processo,<br />

servirão de molde para a produção<br />

de outras cópias de DNA em outros ciclos<br />

da reação, resultando em uma amplificação<br />

exponencial (Silva, 1995).<br />

Apesar de sua simplicidade, a amplificação<br />

"in vitro" dos ácidos nucléicos<br />

pode ser afetada por uma variedade de<br />

parâmetros, entre eles, o desenho dos<br />

"primers", a existência de áreas de<br />

homologia na sequência do DNA molde,<br />

as temperaturas de anilamento, concentração<br />

de nucleótidos, e principalmente<br />

pela presença de inibidores (proteínas)<br />

(Erlich et al., 1989).<br />

A aplicação desta técnica para a<br />

detecção de vírus RNA, é feita mediante<br />

a síntese de uma molécula de DNA<br />

complementar (cDNA), através de uma<br />

reação de retrotranscripção, utilizandose<br />

a enzima transcriptase reversa (RT).<br />

Normalmente, o primer utilizado para<br />

iniciar esta síntese é o mesmo que se<br />

utiliza para a amplificação específica do<br />

DNA. Essa reação é conhecida como RT-<br />

PCR, e pode ser realizada no mesmo<br />

tubo de reação, evitando-se, assim, a<br />

possibilidade de contaminações com<br />

outros DNAs por excesso de manipulações.<br />

O produto de PCR (amplicon) pode<br />

ser detectado em gel de agarose, após a<br />

tinção com brometo de etidio. Seu tamanho<br />

é comparado com pesos moleculares<br />

de referência (DNA Ladder) e corresponde<br />

ao número de pares de bases (pb) de<br />

nucleótidos distribuídos ao longo da<br />

sequência genômica do DNA molde. O<br />

amplicon também pode ser digerido por<br />

endonucleases de restrição, para confirmar<br />

se as áreas do DNA amplificado<br />

correspondem aos sítios de restrição<br />

dessas enzimas. A PCR em combinação<br />

com os fragmentos de diferentes tamanhos,<br />

obtidos pela digestão do DNA com<br />

enzimas de restrição (RFLP) é, frequentemente,<br />

usada para classificar um grupo<br />

de microrganismos patogênicos, ou definir<br />

a posição de diferentes alelos na<br />

detecção de doenças de caráter hereditário.<br />

A especificidade também pode ser<br />

definida através da técnica de hibridação<br />

de Southern blot, na qual o produto da<br />

PCR é transferido após a eletroforese<br />

para uma membrana de nylon de carga<br />

elétrica positiva e hibridizado com uma<br />

sonda sintética específica, marcada com<br />

isótopos radioativos ou não radioativos<br />

(Silva, 1995).<br />

Segundo Rodríguez & Schudell (1993),<br />

o emprego dessa técnica de maior precisão<br />

e confiança, é recomendada, principalmente,<br />

para o diagnóstico de vírus em<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 29


sêmen, e possibilita a detecção mais<br />

rápida dos vírus da IBR e BVD e de<br />

outros vírus, com menores custos e sobretudo<br />

com altas taxas de sensibilidade<br />

e especificidade (Reubel & Studdert,<br />

1998).<br />

Apesar da ampla aplicabilidade das<br />

técnicas de amplificação dos ácidos<br />

nucléicos em sêmen, ela sofre algumas<br />

limitações, devido à presença de<br />

inibidores da polimerização do DNA ou<br />

à grande quantidade de proteínas presentes<br />

nos diluentes usados para proteger<br />

os espermatozóides, durante os processos<br />

de congelação. Assim, os processos<br />

descritos para a extração dos ácidos<br />

nucléicos de que já haviam sido sacrificados<br />

há vários anos por apresentarem<br />

reações sorológicas positivas à prova de<br />

ELISA (Silva et al., 1997).<br />

Falhas no isolamento do vírus da<br />

BVD podem ser atribuídas aos efeitos<br />

viricidas do sêmen, aos baixos títulos<br />

deste vírus no sêmen, entre 5 y 75 DI50CT/<br />

ml, ou à natural inibição da transcripção<br />

do vírus, como consequência da presença<br />

no plasma seminal de bovinos de uma<br />

proteína, a seminalplasmina. Essa última<br />

propriedade do plasma seminal afeta a<br />

detecção do vírus no sêmen quando se<br />

emprega a técnica de RT-PCR, razão pela<br />

qual não se conhecem muitos trabalhos<br />

relacionados ao tema. Silva et al. (1995),<br />

entretanto, utilizando o procedimento<br />

de passar o plasma seminal pela coluna<br />

de Sephacryl S-400, previamente à extração<br />

do RNA viral pelo método do<br />

tiosulfato de guanidina, conseguiram<br />

detectar através da RT-PCR, até 4 DI50<br />

CT/ml de vírus da BVD, no sêmen<br />

infectado, tanto fresco como congelado.<br />

Esses autores amplificaram um fragmento<br />

de 440 pb visível em gel de agarose a<br />

2%, tingido com brometo de etídio, do<br />

gene da proteína de infecção p80 desse<br />

vírus (Fig. 3). Essa técnica apresentou<br />

especificidade e sensibilidade<br />

maiores que<br />

aquelas apresentadas<br />

por outros métodos convencionais<br />

de detecção<br />

de vírus em sêmen, sugerindo<br />

sua utilização<br />

para o diagnóstico dessa<br />

virose em sêmen<br />

fresco ou congelado,<br />

tanto nacionais como<br />

importados.<br />

Outros microrganismos<br />

foram também detectados<br />

em sêmen, a<br />

partir das técnicas de<br />

amplificação dos ácidos<br />

nucléicos. Masri et<br />

al. (1997), descreveram<br />

um rápido e específico<br />

método para detecção<br />

de Leptospiras spp a<br />

partir do sêmen bovino<br />

infectado. Esses autores<br />

amplificaram através<br />

de um nested-PCR,<br />

um fragmento de 450<br />

pb do genoma da<br />

L e p t o s p i r a<br />

borgpetersenii serovar<br />

hardjobovis, detectando<br />

até 50 organismos/ml de<br />

sêmen infectado.Em outro<br />

estudo, Eaglesome<br />

et al. (1995), detectaram<br />

por PCR até 4 organismos/ml<br />

de sêmen<br />

infectado pelo<br />

Campylobacter fetus<br />

subsp venerealis.<br />

Na Tabela 1, encontram-se<br />

descritas as aplicações<br />

PCR e RT-PCR,<br />

para o diagnóstico de<br />

algumas das principais<br />

doenças infecciosas da reprodução de<br />

bovinos. A sensibilidade e especificidade<br />

destas técnicas foram comparativamente<br />

maiores que as técnicas convencionais<br />

de diagnóstico. Os resultados demonstraram<br />

o potencial da PCR para a detecção<br />

rápida de microrganismos, ou mesmo<br />

para substituir conhecidos métodos.<br />

Apesar desses aspectos amplamente<br />

favoráveis, nos dias de hoje a aplicação<br />

da prova de PCR para detecção de agentes<br />

patogênicos no sêmen e em outros<br />

materiais clínicos, está restrita a laboratórios<br />

bem equipados, dificultando, principalmente,<br />

sua ampla utilização na prática<br />

Veterinária. O que se espera, entretanto,<br />

é que no futuro a técnica da PCR<br />

possa ser utilizada por profissionais de<br />

campo, sob a forma de kits de diagnóstico,<br />

como se faz hoje, por exemplo,<br />

com a técnica de ELISA para o diagnóstico<br />

da influenza equina ou para outras<br />

doenças.<br />

30 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 31


INTERCÂMBIO E QUARENTENA DE<br />

GERMOPLASMA VEGETAL<br />

IInIntrodução de materiais estratégicos para pesquisa agrícola nacional e onterceptação de pragas querentenárias<br />

Maria de Fatima Batista (PhD);<br />

José Nelson L. FOnseca (Bsc);<br />

Renata C.V. Tenente ( Pós-PhD);<br />

Marta A.S. Mendes (Msc);<br />

Maria Regina V. de Oliveira (PhD);<br />

Denise N. Ferreira (ms);<br />

Pesquisadores do cenargem.<br />

Email: exchenge@cenargen.embrapa.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

1. Intercâmbio<br />

A pesquisa agropecuária é dinâmica<br />

e necessita estar sempre criando e/ou<br />

adaptando novas metodologias para garantir<br />

ao povo brasileiro uma alimentação rica<br />

e saudável. A maior parte dos produtos que<br />

fazem parte da nossa alimentação não é<br />

originária do Brasil,<br />

condições edafoclimáticas, resistentes a<br />

pragas e altamente produtivas.<br />

As novas leis de propriedade intelectual,<br />

que limitam as condições de uso do<br />

germoplasma introduzido, vão, conseqüentemente,<br />

reduzir o volume de germoplasma<br />

estabelecem normas de acordo com as<br />

necessidades de cada caso. A Portaria nº<br />

224, de 3 de maio de 1977, credencia a<br />

Empresa Brasileira de Pesquisa<br />

Agropecuária (Embrapa) por meio de sua<br />

Unidade Descentralizada - Centro Nacional<br />

de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />

(cenargen)<br />

mas foi introduzida após vir por outros países<br />

e adaptada às nossas condições. Entre<br />

esses produtos estão arroz, o feijão, milho,<br />

soja, trigo, frutíferas e hortaliças exóticas.<br />

Com isso, a agricultura brasileira tem-se<br />

beneficiado com a introdução de<br />

germoplasma de diversas espécies vegetais,<br />

que permitiram ao país, por meio da pesquisa,<br />

obter variedades adaptadas às nossas<br />

vegetal intercambiado, devido às várias<br />

restrições impostas em um acordo de<br />

transferência de germoplasma vegetal.<br />

Para viabilizar a importação de<br />

germoplasma vegetal, estratégica para o<br />

país e de fundamental importância para<br />

o enriquecimento genético dos programas<br />

de melhoramento, sem o que as<br />

pesquisas agrícolas ficariam comprometidas,<br />

é necessário que haja uma regulamentação<br />

fitossanitária que estabeleça os<br />

critérios para uma importação segura e<br />

que, ao mesmo tempo, não a prejudique.<br />

A legislação brasileira sobre<br />

importação e quarentena de material<br />

vegetal baseia-se no Decreto-lei nº<br />

24.114, de 12 de abril de 1934, assim<br />

como nas portarias complementares que<br />

regulamentam o assunto e<br />

autorizando-a a proceder o intercâmbio de<br />

germoplasma e a adotar os procedimentos<br />

de quarentena, bem como a dar pareceres<br />

técnicos nos processos de importação de<br />

germoplasma no interesse da Embrapa e de<br />

outras instituições do Sistema Nacional de<br />

Pesquisa Agropecuária (SNPA), coordenado<br />

por ela.<br />

O intercâmbio e os procedimentos<br />

quarentenários de vegetais e de solo para<br />

pesquisa ou outros fins científicos foram<br />

normatizados pela Portaria nº 148, de 15 de<br />

junho de 1992, como descrito resumidamente<br />

a seguir:<br />

32 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Os pedidos de importação de<br />

germoplasma das unidades da Embrapa<br />

devem ser encaminhados diretamente ao<br />

Cenargen, à Área de Intercâmbio e Quarentena<br />

de Germoplasma Vegetal (AIQ), que<br />

providenciará o parecer técnico, para, junto<br />

com o requerimento e a listagem do<br />

material, obter a "Permissão de Importação"<br />

junto ao Departamento de Defesa e<br />

Inspeção Vegetal (DDIV) do Ministério da<br />

Agricultura e do Abastecimento (MA). Os<br />

requerimentos das importações solicitadas<br />

pelos demais órgãos oficiais e particulares<br />

de pesquisa deverão ser enviados à Delegacia<br />

Federal de Agricultura (DFA) do seu<br />

respectivo Estado, que o encaminhará ao<br />

DDIV e este, antes de emitir a "Permissão de<br />

Importação", solicitará um parecer técnico<br />

ao Cenargen. Os procedimentos seguintes<br />

da importação serão feitos pela DFA e a<br />

quarentena, pelo Cenargen.<br />

As espécies vegetais são classificadas<br />

em duas categorias: de livre importação<br />

e de importação restrita. Os materiais vegetais<br />

de livre importação necessitam apenas<br />

do Certificado Fitossanitário para seu intercâmbio;<br />

já os de importação restrita necessitam<br />

de declarações adicionais no Certificado<br />

Fitossanitário. As exigências que devem<br />

constar nas declarações adicionais<br />

estão estabelecidas nas portarias complementares.<br />

A Portaria n.º 437, de 25 de novembro<br />

de 1985, regula as importações de<br />

sementes e/ou mudas para o comércio.<br />

Nesse caso, o pedido é formulado à DFA<br />

do Estado correspondente, que, achando<br />

necessário, solicita parecer técnico de alguma<br />

instituição para assegurar a importação.<br />

Os demais procedimentos são estabelecidos<br />

pelo DDIV, que prescreve as<br />

medidas de quarentena, as quais, então,<br />

são acompanhadas e fiscalizadas, até a<br />

liberação, pela DFA do Estado.<br />

No que se refere à exportação de<br />

vegetais para o comércio, as normas estão<br />

estabelecidas na Portaria n.º 93, de 14 de<br />

abril de 1989, publicado no Diário Oficial<br />

da União(Brasil, 1982).<br />

2. Quarentena<br />

A palavra "quarentena" é derivada<br />

do Latim "quadraginata" e do Italiano<br />

"quaranta", que significa quarenta. No italiano,<br />

a palavra "quarantina" foi originalmente,<br />

aplicada para o período de 40 dias<br />

de isolamento requerido para que um<br />

navio, incluídos seus passageiros e a carga,<br />

permanecesse ancorado em um porto de<br />

chegada quando proveniente de um país<br />

onde ocorressem doenças epidêmicas, de<br />

modo que, naquele período, fossem desenvolvidos<br />

e subseqüentemente detectados<br />

os sintomas de algumas dessas doenças<br />

nos passageiros, antes do seu desembarque<br />

(Kahn, 1989).<br />

Quarentena vegetal, literalmente, e por<br />

extrapolação, significaria o isolamento de<br />

plantas por 40 dias, como período de incubação<br />

para o aparecimento e detecção de<br />

sintomas de doenças. Na verdade, este<br />

procedimento constitui apenas uma fração<br />

das diversas ações que podem ser utilizadas<br />

em um programa de exclusão de<br />

organismos indesejáveis (Kahn, 1989).<br />

A quarentena vegetal tem como<br />

objetivo prevenir a introdução de organismos<br />

nocivos em áreas isentas, utilizando a<br />

exclusão como estratégia no controle contra<br />

pragas exóticas, sendo aplicada a produtos<br />

de importação e exportação (Kahn,<br />

1989), Marques et al., 1995). Portanto, a<br />

quarentena deve ser encarada como uma<br />

das facetas nos programas nacionais de<br />

controle ou manejo integrado de pragas. As<br />

suas ações são baseadas em atos legislativos<br />

e em procedimentos técnicos, cuja eficácia<br />

depende fundamentalmente da existência<br />

de pessoal treinado e de estrutura<br />

operacional adequada. O serviço de quarentena<br />

também deve envolver uma ativa<br />

cooperação de toda a comunidade, à medida<br />

em que as restrições impostas pela<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 33


legislação sejam devidamente aceitas e<br />

acatadas integralmente. A quarentena de<br />

produtos importados utiliza ações reguladoras<br />

para excluir pragas que possam<br />

infestar ou contaminar materiais vegetais.<br />

Se não forem interceptadas, essas pragas<br />

poderão ser disseminadas e causar grandes<br />

prejuízos ao país importador. A quarentena<br />

de produtos para exportação utiliza procedimentos<br />

para proteger a agricultura dos<br />

países importadores, de acordo com os<br />

regulamentos ou condições especificadas<br />

por estes (Kahn, 1989).<br />

O uso da exclusão para prevenir a introdução<br />

de uma determinada praga pode ser<br />

simplificado como um esforço para eliminar<br />

ou reduzir severamente sua população,<br />

por meio de medidas reguladoras, ao longo<br />

de sua trajetória de entrada (Foster, 1991).<br />

A quarentena deve basear-se em evidências<br />

biológicas e nunca ser resultante de<br />

pressões políticas ou econômicas. A primeira<br />

e básica preocupação deve ser o<br />

conhecimento da situação dentro e fora do<br />

país em relação à ocorrência de pragas,<br />

com o objetivo de determinar riscos potenciais<br />

e estabelecer medidas de precaução<br />

por ocasião da introdução de plantas ou<br />

partes de plantas.<br />

Por outro lado, a quarentena, particularmente<br />

a de germoplasma, não deve funcionar<br />

como uma barreira que venha prejudicar<br />

o trabalho dos melhoristas ou mesmo<br />

o comércio de germoplasma melhorado; a<br />

sua função deve ser a de "filtro", a fim de<br />

evitar a entrada de pragas exóticas que<br />

eventualmente possam estar associadas ao<br />

material introduzido. As medidas de quarentena<br />

não devem ser estáticas ou definitivas,<br />

elas devem ser alteradas sempre que<br />

as condições mudarem ou novos fatos se<br />

tornarem evidentes. Assim, restrições podem<br />

e devem ser incluídas dependendo da<br />

situação.<br />

de germoplasma, sem, contudo, contrariar<br />

a legislação vigente. Procedimentos mais<br />

rígidos são adotados quando, por evidências<br />

biológicas, os riscos são considerados<br />

grandes.<br />

cultivos; perda de mercados de exportação;<br />

pela presença de pragas de importância<br />

quarentenária no País; aumento dos gastos<br />

com controle de pragas; impacto sobre os<br />

Em geral a atitude dos melhoristas em<br />

relação à entrada de germoplasma no país<br />

é visivelmente liberal, enquanto a dos responsáveis<br />

pela quarentena tende a ser<br />

conservadora (Kahn, 1989).<br />

O Cenargen tem adotado um enfoque<br />

positivo quanto à introdução e quarentena<br />

O importante é fazer chegar ao melhorista<br />

o germoplasma indispensável ao seu programa<br />

de melhoramento, com o menor<br />

risco possível de introdução de novas<br />

pragas.O valor da quarentena vegetal não<br />

pode ser demonstrado experimentalmente<br />

(Neergard, 1977 citado por Marques et al.,<br />

1995), mas pode ser avaliado em função<br />

das conseqüências desastrosas resultantes<br />

da introdução de pragas exóticas em áreas<br />

produtoras. Estas conseqüências podem<br />

ser de diversas naturezas, como danos e<br />

perdas de<br />

programas de manejo integrado de pragas<br />

em execução ou em desenvolvimento; danos<br />

ao ambiente, pela frequente necessidade<br />

de aplicação de defensivos; para o<br />

controle da espécie introduzida; custos sociais,<br />

como desemprego, por causa da eliminação<br />

ou da diminuição de um determinado<br />

cultivo em uma região; ou redução de<br />

fontes de alimento importantes para a população<br />

(Brasil, 1995).<br />

O movimento desordenado de material vegetal<br />

inevitavelmente envolve riscos de introdução<br />

de pragas em áreas não contaminadas.<br />

Importações inadvertidas de material<br />

vegetal tem causado sérios prejuízos à agricultura<br />

34 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 35


asileira. Exemplos mais conhecidos são:<br />

o cancro-cítrico, causado pela bactéria<br />

Xanthomonas campestris pv. citri (Hasse)<br />

Dye, que exigiu gastos acima de 5 milhões<br />

de dólares para sua erradicação, que mesmo<br />

assim continua presente em São Paulo<br />

e em outras partes do país; o vírus da<br />

tristeza do Citrus, que na época da sua<br />

introdução<br />

por essa praga já ultrapassam R $500 milhões,<br />

porém o impacto causado no ambiente<br />

pelo uso excessivo de agrotóxicos é<br />

inestimável (M.R.V. de Oliveira, comunicação<br />

pessoal). A quarentena faz-se, então,<br />

imprescindível em todo o processo de<br />

intercâmbio de germoplasma.<br />

é baseada nas características morfológicas,<br />

utilizando-se para isso bibliografia específica.<br />

Laboratório de Nematologia - Material sendo<br />

preparado para análise de nematóides.<br />

O germoplasma, quando na forma de sementes,<br />

é sempre fumigado com fosfeto de<br />

alumínio (fosfina) por uma ou duas vezes,<br />

dizimou parte dos nossos pomares; o fungo<br />

Peronosclerospora sorghi (Weston &<br />

Uppal) C. G. Shaw em sorgo; a ferrugem do<br />

cafeeiro, causada pelo fungo Hemileia<br />

vastatrix Berk & Br., introduzida no Brasil<br />

em 1970 e que quando não controladopode<br />

causar perdas em torno de 30 por cento na<br />

produção, o que eqüivale a, aproximadamente,<br />

500 milhões de dólares (Mônaco,<br />

1978); o moko da bananeira, cujo agente<br />

etiológico é a bactéria Pseudomonas<br />

solanacearum (Smith) Smith., raça 2; e o<br />

inseto Anthonomus grandis Boheman, o<br />

bicudo do algodoeiro, o qual causou perdas<br />

de até 100% em algumas regiões do<br />

país, principalmente no Nordeste. Recentemente<br />

foram detectados dois novos<br />

patógenos da cultura de soja: o nematóide<br />

do cisto, Heterodera glycines I Ichinohe,<br />

em 1992 (Mendes & Dickson, 1993), e<br />

Diaporthe phaseolorum (Cke. & Ell) Sace. f.<br />

sp. meridionalis agente do cancro da haste,<br />

em 1988, que tornaram uma ameaça a essa<br />

cultura com níveis de perdas que vêm<br />

atingindo 100% em determinadas áreas<br />

(Yorinori, 1990). A mosca-branca, Bemisia<br />

tabaci raça B (=Bemisia argentifolii) entrou<br />

no país no início da década de 90, e hoje<br />

está disseminada em 17 estados da Federação,<br />

atacando inúmeras culturas de importância<br />

econômica. Os prejuízos causados<br />

Procedimentos quarentenários realizados<br />

em germoplasma vegetal:<br />

As atividades de intercâmbio e quarentena<br />

realizadas pela Embrapa/Cenargen iniciaram-se<br />

em 1976 (Warwick et al. 1983; Rocha<br />

et al. 1984, Marques et al. 1995), tendo<br />

movimentado até 1997, 324.712 acessos de<br />

germoplasma vegetal (Tabela 1) e impedido<br />

a introdução e disseminação de numerosas<br />

espécies de pragas exóticas no país<br />

(Batista et al., 1995; Mendes & Ferreira,<br />

1994; Tenente et al., 1994 e 1996).<br />

Inspeção no ponto de ingresso do<br />

germoplasma:<br />

O Germoplasma, ao chegar, é inspecionado<br />

no ponto de ingresso, que pode ser um<br />

aeroporto, ou porto, correio ou posto de<br />

fronteira, por um inspetor da DFA. O inspetor<br />

examina as condições sanitárias e a<br />

documentação do material. Satisfeitas as<br />

exigências legais o material é liberado pela<br />

DFA para cumprir os procedimentos<br />

quarentenários no Cenargen.<br />

Quarentena em germoplasma vegetal<br />

no Cenargen:<br />

Os acessos de germoplasma, quando chegam<br />

à Área de Intercâmbio e Quarentena<br />

de Germoplasma Vegetal (AIQ), do<br />

Cenargen, são examinados quanto a presença<br />

de bactérias, fungos, nematóides,<br />

vírus, viróides, ácaros e insetos, em laboratórios<br />

especializados, por uma equipe de<br />

fitopatologistas, entomologistas e técnicos<br />

com experiência em quarentena.<br />

Laboratório de Entomologia: todo<br />

germoplasma vegetal é primeiramente examinado<br />

quanto a presença de ácaros e<br />

insetos. Os métodos utilizados são: inspeção<br />

visual, uso de refletor com lente de<br />

aumento, observação sob microscópio<br />

estereoscópio e peneiramento de sementes<br />

(para ácaros). A identificação das espécies<br />

dependendo do estágio de desenvolvimento<br />

das pragas contaminantes, enquanto<br />

que os materiais introduzidos na forma<br />

de propagação vegetativa são tratados com<br />

solução de defensivos químicos.<br />

Fitopatologia: As análises nos laboratórios<br />

de Micologia, Bacteriologia, Virologia e<br />

Nematologia são realizadas por amostragem,<br />

pois as técnicas utilizadas normalmente<br />

destroem os materiais. No caso de sementes,<br />

são retiradas amostras que variam de 2<br />

a 10% para ser divididas entre os laboratórios.<br />

Em outras formas de propagação<br />

vegetativa tais como bulbos, estacas, mudas<br />

e rizomas, as análises são realizadas em<br />

100% do material.<br />

Laboratório de Micologia: Para detecção<br />

de fungos em sementes ou partes da planta,<br />

são utilizados os métodos tradicionais de<br />

plaqueamento em papel de filtro ou em<br />

meio de cultura, lavagem das sementes em<br />

água e sedimentação, aprovados pelo<br />

"International Seed Testing Association"<br />

(ISTA), e descritos detalhadamente em<br />

Mendes & Ferreira (1994). Técnicas de<br />

biologia molecular, tais como RFLP e RAPDS/<br />

PCR, são ferramentas adicionais para caracterizar<br />

patógenos de trigo, milho e sorgo<br />

a nível de DNA genômico (Urben, 1994;<br />

Ferreira et al., 1996).<br />

36 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 37


38 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Laboratório de Bacteriologia: Para a<br />

detecção de bactérias nas sementes são<br />

empregados os seguintes métodos: plantio<br />

de sementes em solo esterilizado dentro de<br />

câmara úmida para observação dos sintomas<br />

em plântulas; plantio de sementes em<br />

papel germinador e incubação a 100% de<br />

UR; e plaqueamento de extrato de sementes<br />

em meio seletivo (Schaad, 1982 e<br />

Bradbury, 1986). A identificação das espécies<br />

são baseadas em testes fisiológicos e<br />

bioquímicos.<br />

Laboratório de Nematologia: Uma ou mais<br />

técnicas são empregadas rotineiramente<br />

para extração de nematóides de sementes,<br />

de solo ou de partes vegetativas, São elas:<br />

funil de Baermann modificado,<br />

peneiramento, centrifugação, flutuação,<br />

sistema de bandejas e exame direto sob<br />

microscópio estereoscópico (Southey, 1986;<br />

Zuckerman et al., 1970). As espécies são<br />

identificadas com base nas suas características<br />

morfométricas e morfoanatômicas, de<br />

acordo com literatura específica (Mai et al.,<br />

1975; Tenente e Manso, 1987).<br />

Isolamento em meio de cultura específico<br />

para detecção de fungos.<br />

Laboratório de Virologia: As seguintes<br />

técnicas são empregadas para a detecção e<br />

aidentificação de vírus ou viróides: plantio<br />

de sementes em solo esterilizado em<br />

quarentenário para a observação se sintomas,<br />

uso de plantas indicadoras, sorologia<br />

(imunodifusão e ELISA), microscopia eletrônica<br />

("leaf deep", secções ultrafinas), R-<br />

PAGE (Reverse Polyacrylamide Gel<br />

Electrophoresis) e NASH (Nucleic Acid<br />

Spot Hybridization), descritos<br />

detalhadamente em Batista et al (1995).<br />

3. Medidas quarentenárias<br />

De acordo com o suplemento ao Diário<br />

Oficial nº 195, do Ministério da Agricultura,<br />

e do Abastecimento (Brasil, 1995), medidas<br />

fitossanitárias referem-se a "qualquer legislação,<br />

"standard", diretriz, recomendação<br />

ou procedimento oficial que tem o propósito<br />

de prevenir a introdução e/ou disseminação<br />

de pragas quarentenárias, assim<br />

como o seu controle e erradicação" (Ferreira,<br />

1997).<br />

Comumente as restrições quarentenárias<br />

impostas pelos regulamentos fitossanitários<br />

são consideradas como impedimento ao<br />

comércio internacional. Entretanto, a utilização<br />

de medidas quarentenárias coerentes<br />

com o risco que representa a importação<br />

de cada produto, pode facilitar a<br />

comercialização entre os países (Ganapathi,<br />

1994).<br />

As medidas quarentenárias comumente utilizadas<br />

são: inspeção fitossanitária e<br />

interceptação de pragas em pontos de<br />

entrada, quarentena de pós-entrada e proibição,<br />

restrição ou requisição de tratamentos<br />

quarentenários para a importação de<br />

produtos provenientes de países onde espécies<br />

de pragas de importância<br />

quarentenária são assinaladas. Pode-se também<br />

solicitar que os produtos sejam provenientes<br />

de áreas livres de pragas (Brasil,<br />

1995).<br />

A inspeção fitossanitária é uma medida<br />

quarentenária que possibilita a interceptação<br />

de organismos nocivos associados ao material<br />

vegetal, assim que este chega ao país.<br />

A inspeção do material vegetal também<br />

fornece algumas informações para se estimar<br />

o risco que representa a importação de<br />

um dado produto de um país ou região.<br />

A identificação dos organismos detectados<br />

é de fundamental importância para se decidir<br />

sobre o procedimento que deve ser<br />

adotado em relação ao material importado.<br />

Quando pragas quarentenárias são detectadas<br />

durante a inspeção de produtos, uma<br />

das três ações seguintes é normalmente<br />

tomada: realização de tratamentos, devolução<br />

do lote importado ao país de origem ou<br />

destruição dos produtos infestados (Baker<br />

et al., 1993).<br />

Para que um tratamento seja considerado<br />

quarentenário, todos os organismos associados<br />

ao material vegetal devem receber<br />

doses letais sem que o material seja danificado.<br />

São poucos os tratamentos que podem<br />

realmente alcançar os altos níveis de<br />

controle exigidos pelos regulamentos<br />

quarentenários. Tratamentos quarentenários<br />

efetivos podem auxiliar a evitar o movimento<br />

de pragas e facilitar as restrições impostas<br />

para a importação de produtos vegetais<br />

provenientes de países onde ocorrem pragas<br />

de importância quarentenária<br />

(MacDonald & Mills, 1994).<br />

4. Pragas de importância quarentenária<br />

para o Brasil<br />

As medidas quarentenárias são baseadas<br />

nas listas de pragas de importância<br />

quarentenária formuladas para cada país<br />

ou para grupo de países geograficamente<br />

próximos.<br />

As pragas de importância quarentenária<br />

para o Brasil estão contidas nas listas A1 e<br />

A2 aprovadas pelo Comitê de Sanidade<br />

Vegetal dos países do Cone Sul (COSAVE),<br />

publicada no Diário Oficial (Brasil, 1996).<br />

As espécies incluídas nas listas A1 e A2<br />

devem ser revisadas periodicamente, devendo<br />

ser incluídas e/ou retiradas as pragas,<br />

de acordo com relatos da literatura de<br />

novas ocorrências.<br />

A lista A1 contém as espécies não registradas<br />

no Brasil e que podem vir a causar perdas<br />

econômicas às culturas, se introduzidas.<br />

Na lista A2, estão as pragas de distribuição<br />

geográfica localizada e que estão sob controle<br />

oficial.<br />

Praga quarentenária: É qualquer espécie,<br />

raça ou biotipo de vegetal, animal ou<br />

agente patogênico nocivo a vegetais ou a<br />

produtos vegetais, ausente no país ou, se<br />

presente, não amplamente distribuída e<br />

sob controle oficial.<br />

Praga de qualidade: A praga de qualidade<br />

ou nociva é uma praga não-quarentenária,<br />

que afeta diretamente o uso proposto dos<br />

vegetais ou produtos vegetais, causando<br />

perdas econômicas importantes.<br />

Cada vez mais, enfatiza-se a importância<br />

dos países justificarem seus regulamentos<br />

fitossanitários. A meta atual é que os serviços<br />

de quarentena aprimorem o processo<br />

utilizado para identificar quais são as pragas<br />

para as quais as barreiras fitossanitárias<br />

são justificáveis, isto é , as que apresentam<br />

importância quarentenária, em meio aos<br />

milhares de organismos contra os quais as<br />

medidas fitossanitárias não podem ser biologicamente<br />

sustentadas. Por isso, o processo<br />

para determinação de quais as espécies<br />

que devem ser consideradas pragas<br />

quarentenárias, deve ser claro e consistente<br />

(Hopper, 1991).<br />

Preparação do teste NCM Elisa para detecção<br />

de vírus.<br />

Para decidir que espécies serão definidas<br />

como pragas de importância quarentenária<br />

para um país ou região, uma série de<br />

informações deve ser considerada (EPPO,<br />

1993). Por exemplo, é necessário avaliar o<br />

potencial das espécies exóticas em causar<br />

prejuízos no país em questão. Esse processo<br />

é o componente preliminar da Análise<br />

de Risco de Pragas (ARP) (Baker et al., 1993;<br />

Hopper, 1991 e 1993).<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 39


Bacillus<br />

Leon RAbinovitch,<br />

Clara de Fátima G. Cavados<br />

& Marli Maria Lima<br />

Pesquisadores do<br />

Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ<br />

Foto cedida pelos autores.<br />

ENTOMOPATOGÊNICOS<br />

Dos Bacillus estomapatogênicos, o que se espera?<br />

Algumas bactérias entomopatogênicas<br />

do gênero Bacillus - as<br />

que ocorrem naturalmente no<br />

meio ambiente ou as modificadas<br />

geneticamente - são matérias-primas<br />

para a industrialização de inseticidas<br />

bacterianos. Seus efeitos eletivos sobre<br />

as larvas de mosquitos são tão pronunciados,<br />

que as indústrias de inseticidas<br />

convencionais buscam ampliar suas utilizações<br />

com o objetivo de controlar<br />

pragas da agricultura e vetores de agentes<br />

etiológicos de doenças humanas e<br />

vegetais.<br />

Bactérias produtoras de<br />

corpos para-esporais<br />

As bactérias do gênero Bacillus têm<br />

como característica a produção natural<br />

de esporos. Enquanto dentro da célula,<br />

mergulhados no citoplasma, os esporos<br />

são chamados endósporos e o conjunto<br />

é denominado de esporângio. Não possuindo<br />

o esporo, a célula bacteriana<br />

encontra-se na sua forma vegetativa.<br />

Os Bacillus patogênicos para insetos<br />

podem sintetizar estruturas<br />

glicoprotéicas sólidas denominadas<br />

de cristais de d-<br />

endotoxina, cristais de toxina,<br />

cristais de proteína ou pró-toxina,<br />

de localização justaposta ao<br />

esporo. são chamados corpos<br />

para-esporais. Essas proteínas<br />

são codificadas por diferentes<br />

genes (ver Tabela 1). Numa mesma<br />

célula, podem ser encontradas<br />

uma ou mais dessas<br />

glicoproteínas, como, por exemplo,<br />

a linhagem B.thuringiensis<br />

sorovar israelensis, onde podem<br />

ser encontrados até cinco tipos<br />

diferentes de proteínas, todas<br />

com atividade contra larvas de mosquitos.<br />

O que faz essas proteínas permanecerem<br />

juntas dentro desse corpo são<br />

interações complexas do tipo pontes de<br />

hidrogênio e ligações dissulfeto. As<br />

protoxinas, como todas as proteínas, são<br />

formadas por duas regiões: uma porção<br />

C-terminal e outra N-terminal. Quando<br />

ativadas por proteases intestinais, elas<br />

perdem a porção C-terminal, restandolhes<br />

a N-terminal como parte ativa. As<br />

diferentes proteínas encontradas nas<br />

subespécies de B.thuringiensis diferem<br />

entre si pela sequência de aminoácidos<br />

integrantes da cadeia peptídica, da natureza<br />

dos aminoácidos e dos açúcares.<br />

Das várias espécies do gênero, algumas<br />

poucas como B. thuringiensis, B.<br />

sphaericus, B. popilliae, B. larvae, B.<br />

lentimorbus e B. laterosporus, têm a<br />

propriedade de sintetizar pró-toxinas ativas<br />

contra insetos. Essas espécies são as<br />

entomopatogênicas, e tem atividade sobre<br />

insetos das ordens Diptera,<br />

Lepidoptera e Coleoptera, mas atuam<br />

somente sobre a fase larvar, nunca sobre<br />

os adultos. As pró-toxinas, quando<br />

ingeridas, são solubilizadas pelo pH alcalino<br />

do trato intestinal do inseto-alvo e<br />

clivadas pelas proteases intestinais, tomando-se<br />

peptídios de menor tamanho.<br />

Estes são colhidos por receptores específicos<br />

encontrados no epitélio, e iniciam<br />

um processo de destruição tecidual,<br />

Figura 1: Corte ultrafino de Bacillus<br />

sphaericus ATCC 1593 entomopatogênico,<br />

vendo-se a d-endotoxina (c) com a forma<br />

de um paralelogramo próxima do esporo<br />

da bactéria (e).<br />

Cortesia de K.R. Araújo da Silva e M.N.<br />

Meirelles, Instituto Oswaldo Cruz.<br />

que colabora para a paralisação muscular,<br />

levando o inseto à morte. Esta também<br />

pode ocorrer em função de uma<br />

segunda causa associada à primeira, que<br />

é a multiplicação bacteriana na hemolinfa,<br />

determinando um processo septicêmico.<br />

A multiplicação celular, nesse caso, está<br />

relacionada à germinação do esporo no<br />

inseto, a sua multiplicação quando na<br />

forma vegetativa e, desta, voltando para<br />

esporo. Há indícios de que isso ocorra<br />

em B. sphaericus, por exemplo.<br />

Entretanto, o B. thuringiensis sorovar<br />

thuringiensis é capaz de produzir e<br />

excretar uma estrutura termo-resistente a<br />

120ºC, não protéica, a b-exotoxina, que<br />

atua ao nível da DNA polimerase, inibindo-a.<br />

O espectro de ação dessa é muito<br />

mais amplo que o a da d-endotoxina,<br />

atua sobre ordens de insetos como<br />

Diptera, Lepidoptera, Coleoptera,<br />

Orthoptera, Hemiptera, Hymenoptera,<br />

Acari, entre outras. A inespecificidade<br />

da d-exotoxina faz com que ela não seja<br />

utilizada na industrialização de inseticidas.<br />

Curiosamente, na espécie<br />

B.sphaericus, existem estirpes<br />

cristalogênicas (Figura 1), produtoras<br />

de um corpo paraesporal,<br />

que, basicamente, contém<br />

duas proteínas denominadas<br />

P51 e P42, que apresentam<br />

uma ação sinérgica entre si; e<br />

estirpes acristalogênicas, que possuem<br />

uma pequena atividade<br />

entomopatogênica. Essa atividade<br />

está relacionada com a produção<br />

durante a fase vegetativa<br />

de uma proteína denominada<br />

mtx1, que apresenta peso<br />

molecular estimado de 100 Kda.<br />

Além dessa, também já se sabe da existência<br />

de uma outra proteína, igualmente<br />

sintetizada durante a fase vegetativa -<br />

mtx2, com peso molecular estimado em<br />

32 Kda, cuja ação no inseto está sendo<br />

investigada.<br />

Com relação aos outros Bacillus<br />

que apresentam atividade<br />

40 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


entomopatogênica, a espécie B.<br />

laterosporus possui toxicidade somente<br />

para larvas de mosquitos, porém, quando<br />

comparada à produzida por B.<br />

thuringiensis e por B. sphaericus, pode<br />

ser considerada de baixa toxidade . Já as<br />

outras espécies entomopatogênicas não<br />

possuem potencial para ser utilizadas<br />

como inseticidas biológicos, por apresentarem<br />

características que dificultariam<br />

seu uso comercial, como, por exemplo,<br />

necessidade de hospedeiro para sua<br />

multiplicação (B. popilliae e B.<br />

lentimorbus) . Outros são patogênicos<br />

para insetos benéficos como as abelhas<br />

melíferas (B. larvae). Enquanto isso, as<br />

espécies B. thuringiensis e B. sphaericus<br />

atingiram o pódio de industrialização,<br />

isto é, apresentam um número grande de<br />

vantagens, comparativamente às desvantagens,<br />

como é mostrado no Quadro 1.<br />

Importância Econômica<br />

Embora os inseticidas bacterianos à<br />

base de pró-toxina de Bacillus sejam<br />

uma realidade, o seu mercado na esfera<br />

mundial ainda é pequeno e não ameaça<br />

os inseticidas convencionais não<br />

bacterianos, como os preparados com<br />

derivados orgânicos fosforados, clorados<br />

e piretróides.<br />

Pesquisa Básica e Aplicada com<br />

Bacillus Entomopatogênicos<br />

Considerando que os Bacillus inseticidas<br />

oferecem, em geral, uma segurança<br />

elevada para seus empregos como<br />

produtos industrializados, as próprias<br />

empresas produtoras de inseticidas investem<br />

diretamente no melhoramento da<br />

performance das bactérias<br />

entomopatogênicas ou dos produtos à<br />

base de suas pró-toxinas.<br />

Entre as linhas de pesquisa que<br />

visam ao melhoramento das linhagens,<br />

encontramos a engenharia genética que,<br />

para o caso, utiliza veículos como ferramentas<br />

de transporte dos genes das proteínas<br />

tóxicas. Vários genes de proteínas<br />

de B. thuringiensis e B. sphaericus têm<br />

sido transferidos para diferentes veículos,<br />

como, por exemplo, as cianobactérias<br />

Caulobacter crescentus e Ancylobacter<br />

aquaticus. E testes de atividade,<br />

feitos com esses microrganismos recombinantes,<br />

têm mostrado que eles possuem<br />

atividade tóxica significante para larvas<br />

de insetos dos gêneros Aedes e<br />

Culex. Embora a expressão da toxina<br />

ainda seja pequena, as características<br />

das células podem prolongar sua ação<br />

inseticida. Busca-se também a transferência<br />

e expressão de genes de prótoxinas<br />

entre B. thuringiensis e B. sphaericus,<br />

de modo a ampliar a eficácia e as<br />

vantagens de uma ou outra dessas espécies<br />

contra larvas de mosquitos, ou a<br />

eficácia de B. thuringiensis sorovar kurstaki<br />

contra lagartas de Lepidoptera.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 41


esenciamos uma era onde<br />

o domínio do conhecimento<br />

é diretamente convertido<br />

em poder de negociação;<br />

onde o efetivo desenvolvimento<br />

da Ciência ocupa<br />

um lugar determinante no processo de<br />

globalização. Muito tem sido escrito a respeito<br />

da Ciência. Fato que parece bastante<br />

óbvio, uma vez que o desenvolvimento da<br />

Ciência tem sido, e continuará sendo, a<br />

base da nossa sobrevivência e da melhoria<br />

da qualidade de vida de nossa sociedade.<br />

Exemplos concretos dessas afirmações<br />

podem ser encontrados à nossa volta a<br />

todo momento. O que parece necessitar de<br />

uma urgente reflexão objetiva e correta é a<br />

forma de como a Ciência chamada "de<br />

ponta" foi ou tem sido conduzida em<br />

países desenvolvidos e em países em diferentes<br />

estágios de desenvolvimento. Essas<br />

colocações têm um único objetivo: otimizar<br />

as atividades científicas e torná-las efetivamente<br />

produtivas, ou seja, que elas possam<br />

contribuir para o desenvolvimento da Ciência<br />

e para o mercado.<br />

Nas ultimas décadas, os investimentos<br />

estratégicos referentes às atividades da<br />

pesquisa científica têm sido concentrados,<br />

essencialmente, na área de formação de<br />

recursos humanos, com vistas a gerar uma<br />

massa crítica de cientistas. Atualmente, essa<br />

estratégia não é suficiente e não pode ser<br />

justificada. Isso feito, deverá ocorrer uma<br />

limitada sustentação científica, social e política.<br />

Necessitamos de efetivas gerações de<br />

processos e produtos associados às suas<br />

decorrentes regulamentações da propriedade<br />

intelectual. Uma idéia inovadora. Uma<br />

atividade intelectual, gerada a partir de<br />

transformações e/ou de adições e derivações<br />

de informações existentes, que permitam<br />

visualizar de forma ampla o espaço<br />

que a idéia poderá ocupar no setor produtivo.<br />

Isso feito, viabilizar a efetivação do<br />

processo inventivo. Como consequência, a<br />

avaliação das hipóteses de forma experimental,<br />

a regulamentação, a multiplicação<br />

e a produção. Em seguida, a obtenção de<br />

42 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

um processo ou produto. Atividades científicas<br />

dissociadas dessa sequência, com<br />

algumas poucas exceções em nossa história,<br />

deverão estar condenadas a contribuições<br />

de pouca expressão e com chances<br />

reduzidas como contribuições efetivas.<br />

No caso da Ciência, o termo ainda<br />

utilizado: Ciência fundamental e aplicada,<br />

simplesmente não faz nenhum sentido. Na<br />

verdade, sempre fez pouco sentido. A não<br />

ser para justificar a falta de vontade e/ou a<br />

incapacidade de efetivar um compromisso<br />

com o setor produtivo. Nesse contexto,<br />

reflito com prementes objeções a respeito<br />

de pesquisas científicas, as quais denomino<br />

"atividades de meio". São atividades que<br />

normalmente envolvem repetições de protocolos<br />

referentes a processos e/ou produtos,<br />

em sua grande maioria devidamente<br />

patenteados. Atividades algumas vezes<br />

necessárias, quando devidamente avaliadas;<br />

entretanto, exercidas com intensidade<br />

maior do que a devida, principalmente em<br />

países em desenvolvimento. No processo<br />

de inovação tecnológica, existe uma situação<br />

com chances de chegar a um processo<br />

e/ou produto. A idéia, inovadora ou não<br />

inovadora. Entretanto, seguida de uma efetiva<br />

avaliação prática do processo. Nesse<br />

aspecto, a pesquisa fundamental e aplicada<br />

formam uma atividade única.<br />

Algumas reflexões necessárias que<br />

podem servir como base para tomadas de<br />

decisão:<br />

1) Como a geração de processos e<br />

produtos tecnológicos vêm ocorrendo em<br />

países desenvolvidos? Sua quase total maioria<br />

tem sido produzida por indústrias.<br />

Tecnologias desenvolvidas em Universidades<br />

e/ou instituições de pesquisa e absorvidas<br />

pelas indústrias e/ou empresas<br />

tecnológicas.<br />

2) Como esse processo vem ocorrendo<br />

em países em desenvolvimento? Inicialmente,<br />

países em desenvolvimento devem<br />

ser enquadrados em diferentes estágios<br />

de desenvolvimento. Transferência e/<br />

ou adaptação de tecnologia: uma atividade<br />

exercida com grande intensidade. Geração<br />

de alta tecnologia? Onde estão nossos<br />

exemplos? Qual o número de patentes de<br />

processos e/ou produtos na área<br />

tecnológica? Qual o espaço existente? Qual<br />

a contribuição da alta tecnologia para os<br />

diferentes estratos sociais? Quais as demandas<br />

recebidas por parte de países desenvolvidos<br />

e de indústrias associadas à nossa<br />

pesquisa denominada "de ponta"?. Deveremos<br />

estar condenados à importação de<br />

tecnologia? Esses exemplos de questões<br />

gerais podem ser respondidos de forma<br />

objetiva, tendo como base estratégias previamente<br />

fundamentadas.<br />

Sem dúvida, temos muitas janelas<br />

de opções. Entretanto, necessitamos de<br />

modificações em nosso modelo, forma de<br />

idealização e condução das atividades científicas.<br />

Não obstante, à efetivação de<br />

qualquer estratégia, deverão preceder definições<br />

políticas efetivas, capazes de serem<br />

operacionalizadas.<br />

Em adição, essas modificações somente<br />

poderão ser alcançadas a partir de<br />

uma inicial reflexão sobre os interesses e as<br />

atividades individuais, a sua correlação<br />

com as atividades sociais e o mercado, e<br />

íntima associação com aspectos da propriedade<br />

intelectual. Essas mudanças têm<br />

sido impostas pelo mundo atual e não<br />

estão associadas unicamente a países em<br />

desenvolvimento, mas também têm sido<br />

foco de profundas reflexões nas atividades<br />

científicas conduzidas nos países desenvolvidos<br />

.


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 43


44 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 45


Prezados leitores (as),<br />

SEÇÃO DE CARTAS<br />

Os leitores que desejarem entrar em contato com BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />

poderão enviar sua correspondência via Internet, fax ou carta para esta seção. A critério do editor,<br />

as mensagens poderão ser publicadas resumidamente.<br />

Nossos endereços são:<br />

Redação de BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />

SRTV/Sul - Quadra 701 Ed. Palácio do Rádio II, sala 215 Cep 70340-902 - Brasília - DF<br />

Tel.: (061) 225-1512 ou (061) 225-0976 Fax (061) 224-2830<br />

Home-page: http://www.biotecnologia.com.br<br />

E-mail: kl3@biotecnologia.com.br<br />

"É com grande interesse que venho<br />

lendo as mais diversas matérias<br />

publicadas na revista BIOTECNOLOGIA<br />

Ciência & Desenvolvimento.<br />

Gostaria também de informá-lo que a<br />

matéria sobre BRAQUITERAPIA,<br />

publicada na última edição, foi de grande<br />

importância para meus estudos, já<br />

que no meu curso de graduação tenho<br />

uma matéria relacionada a radiações.<br />

Assim como houve na última edição a<br />

propaganda a respeito da<br />

BIOLATINA-98, gostaria que, se possível,<br />

houvesse mais propagandas em<br />

relação a congressos, eventos, cursos<br />

relacionados à área da saúde, etc.<br />

Certamente tudo isso é de grande importância<br />

aos graduandos na área da<br />

saúde.<br />

Antecipadamente agradeço-lhes pela<br />

atenção e mais uma vez devo<br />

parabenizá-los pela publicação da revista<br />

BIOTECNOLOGIA."<br />

Juliana Alves Batista<br />

Graduando em biomédicina pela UNI-<br />

ARARAS.<br />

Prezada Juliana,<br />

Agradecendo sua gentil carta, informamos<br />

que já se encontra, em nossa Homepage,<br />

uma seção de Eventos sempre<br />

atualizada.<br />

... "Sou estudante de Engenharia Florestal,<br />

3º ano, na Universidade de Brasília,<br />

e gostaria de sugerir, não querendo<br />

mudar a linha de matérias da revista,<br />

mas quem<br />

sabe, matérias um pouco mais ligadas à<br />

área Florestal? Tecnologias aplicadas ao<br />

desenvolvimento sustentável de sociedades<br />

e meio-ambiente; Recuperação<br />

de áreas degradadas por queimadas e<br />

por desastres naturais? Que tal?"<br />

Daniel Lara<br />

Prezado Daniel,<br />

agradecemos seu e-mail, informamos<br />

que sua sugestão já foi encaminhada.<br />

...´´Na portuniade, realssamos a<br />

importãncia que a Bayer tem demonstrado<br />

no interesse quanto a proteção<br />

do meio ambiente o que muito nos<br />

orgulha enquanto educadores e seres<br />

humanos.''<br />

Prof. Marco Antonio Lucidi<br />

Diretor Geral do Centro Federal de<br />

Educação.<br />

prezado professor,<br />

o programa Agrovida, da Bayer, recentemente<br />

é merecedor dos maiores<br />

elogios.<br />

"A Gráfica Auriverde e a Livraria da<br />

ABRASCO, convidam para o pré-lançamento<br />

do livro "Regulamentação da<br />

Biossegurança em <strong>Biotecnologia</strong>", de<br />

autoria do Prof. Silvio Valle, Especialista<br />

em Biossegurança e Coordenador<br />

dos Cursos de Biossegurança da Fundação<br />

Oswaldo Cruz. A publicação<br />

contém, de forma atualizada, as principais<br />

regulamentações da Moderna<br />

<strong>Biotecnologia</strong> no País, prefaciada pelo<br />

Dr. Marco Maciel..."<br />

Agradecemos o convite e parabenizamos<br />

o autor pela importante e oportuna<br />

publicação.<br />

Comunico que o professor Sérgio Batista<br />

Alves Lançou já a segunda edição<br />

do livro " Controle Microbiano de Insetos".<br />

Trata-se da maior obra em língua<br />

portuguesa, no gênero e área de especialidade,<br />

que já foi feito no Brasil.<br />

Prof. Luis F. Angeli.<br />

O prof. Sérgio é um importante pesquisador<br />

na ESALQ. O e-mail dele é:<br />

sebalves@carpa.ciagri.usp.br<br />

Para maiores informações sobre a<br />

referida obra."<br />

"Gostaríamos que publicassem com<br />

frequência reportagens sobre técnicas<br />

para a<br />

obtenção de plantas transgênicas resistentes<br />

à herbicidas, insetos e<br />

doenças.<br />

Cesar Bezerra de Sena<br />

Agripec<br />

Comunicamos ao prezado leitor que o<br />

assunto em questão já se encontra<br />

devidamente pautado para as próximas<br />

edições."<br />

"Adorei a revista <strong>Biotecnologia</strong> Ciência<br />

& Desenvolvimento. Sou acadêmica<br />

de<br />

Biologia e precisei responder um questionário<br />

de <strong>Biotecnologia</strong>. Fiquei<br />

apavorada por não ter encontrado nada<br />

nos livros da faculdade, mas graças a<br />

Deus eu encontrei muitas respostas<br />

aqui.<br />

Nanda"<br />

"A Presidência do INMETRO, agradece<br />

a gentileza recebida e parabeniza os<br />

responsáveis e colaboradores pela perfeitas<br />

edições da revista <strong>Biotecnologia</strong><br />

Ciência & Desenvolvimento. A forma<br />

técnica interessante e ilustrativa que<br />

compõe os seus artigos, oferecem aos<br />

interessados as informações<br />

tecnológicas e científicas de forma inteligente,<br />

bonita e agradável.<br />

Nossos cumprimentos,<br />

JÚLIO SERGIO MIRILLI<br />

Chefe de Gabinete da Presidência<br />

do INMETRO<br />

46 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 47


Neuroestimulação<br />

Chefe, Serviço de Neurocirugia Funcional e<br />

E Dor<br />

Esterotáxica, INCER Diretor, do Instituto Do Cérebro-<br />

INCER ( Serviço de Neuricirurgia e Neurologia di<br />

Instituto de Ortopédico de Goiânia)<br />

Neurocirurgião, Serviço de Neurocirgia, Hospitalar das<br />

Clínicas, Facudade de Medicina, Universidade Federal<br />

de Goiás ( HC-FM-UFG) Goiânia-GO<br />

Osvaldo Vilela Filho:<br />

ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA DO SISTEMA NERVOSO PARA O MANEJO DA DOR CRÔNICA INTRATÁVEL<br />

Cláudio F. Corrêa:<br />

Neurocirurgião, Serviço de Neurocirurgia, Hospital 9<br />

de lulho- Neurocirurgião, Ambulatório de Dor,<br />

Hospital das Clínicas, Facudade de Medicina, Universidade<br />

de São Paulo (HC-Fm-USP) São Paulo-SP.<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

dor é uma importantíssima<br />

modalidade sensorial, desempenhando,<br />

entre outros,<br />

o papel de alerta, comunicando<br />

ao organismo que algo<br />

está errado. A dor crônica,<br />

porém, não tem qualquer<br />

função de alerta e gera acentuados<br />

estresse e incapacidade. É, sem sombra<br />

de dúvida, a maior causa de afastamento<br />

do trabalho, gerando um enorme ônus<br />

para a nação. Trata-se, assim, de um<br />

problema que demanda prontos cuidados.<br />

Uma vez esgotado todo um arsenal<br />

de terapias conservadoras, e se o paciente<br />

assim o desejar, o tratamento cirúrgico<br />

é considerado.<br />

Uma das modalidades cirúrgicas disponíveis<br />

é a da neuroestimulação, na<br />

qual certas estruturas do sistema nervoso,<br />

periférico ou central, são eletricamente<br />

estimuladas, na tentativa de produzir<br />

alívio da dor.<br />

Os métodos de estimulação elétrica<br />

remontam aos tempos antigos. Já na<br />

Antiguidade, descargas de peixes elétricos<br />

foram utilizadas com finalidade terapêutica<br />

(Egito, 2750 a .C). Scribonius<br />

Largus, em 46 a .C, foi, aparentemente, o<br />

pioneiro em fazer uso da estimulação<br />

elétrica para o tratamento da dor, ao<br />

avaliar os efeitos benéficos dos peixes<br />

elétricos no manejo da dor provocada<br />

pela gota.<br />

A despeito de seu tão longo uso,<br />

porém, só em 1965, com a publicação da<br />

Teoria da Comporta por Melzack e Wall,<br />

passou a neuroestimulação a ser aplicada<br />

com rigor científico.<br />

É este palpitante tema que abordaremos<br />

a seguir.<br />

I - ASPECTOS BÁSICOS:<br />

Dor é uma experiência sensorial e<br />

emocional desagradável, podendo ser<br />

consequente a um estímulo virtual ou<br />

potencialmente lesivo aplicado aos<br />

nociceptores (dor nociceptiva ou<br />

somática), à lesão do sistema nervoso<br />

(dor por injúria neural, neuropática ou<br />

por desaferentação), a fenômenos de<br />

natureza puramente psíquica (dor<br />

psicogênica) ou a uma associação desses<br />

mecanismos (dor mista). É, essencialmente,<br />

uma manifestação subjetiva,<br />

variando sua apreciação de indivíduo<br />

para indivíduo. Dependendo de sua duração,<br />

pode ser ela também classificada<br />

em aguda e crônica.<br />

Dor nociceptiva é aquela que<br />

vivenciamos a todo instante. Depende<br />

da ativação dos nociceptores por estímulos<br />

mecânicos, térmicos ou químicos<br />

nóxicos, fenômeno este denominado<br />

transdução e da transmissão dos impulsos<br />

aí gerados pelas vias periféricas e<br />

centrais intactas da dor.<br />

Os nociceptores nada mais são<br />

do que terminações nervosas livres das<br />

fibras amielínicas (C ou IV) e mielínicas<br />

finas (A-delta ou III), as quais<br />

correspondem aos prolongamentos periféricos<br />

dos neurônios pseudounipolares<br />

situados nos gânglios espinhais<br />

ou de alguns nervos cranianos<br />

(trigêmeo, facial, glossofaríngeo e vago).<br />

Os prolongamentos centrais dessas células<br />

adentram a medula espinhal (ou o<br />

tronco cerebral) pela raiz dorsal (e também,<br />

em escala bem menor, pela raiz<br />

ventral) e, após curso no trato dorsolateral<br />

ou de Lissauer, penetram no corno dorsal<br />

(lâminas de Rexed I, IIo e V, principalmente)<br />

e fazem sinapse com as células<br />

de origem das vias da dor.<br />

As vias nociceptivas podem ser divididas<br />

em dois grandes grupos: lateral e<br />

medial. As vias do grupo lateral,<br />

filogeneticamente mais recentes, quase<br />

totalmente cruzadas e representadas pelos<br />

tratos neoespinotalâmico,<br />

neotrigeminotalâmico,<br />

espinocervicotalâmico e sistema póssináptico<br />

da coluna dorsal, terminam,<br />

predominantemente, no núcleo<br />

ventrocaudal (ventral posterolateral - VPL<br />

+ ventral posteromedial - VPM) do tálamo,<br />

de onde partem as radiações talâmicas<br />

para o córtex somestésico; por serem<br />

essas vias e estruturas somatotopicamente<br />

organizadas, estão elas envolvidas com<br />

o aspecto sensitivo-discriminativo da dor.<br />

As vias do grupo medial,<br />

filogeneticamente mais antigas, parcialmente<br />

cruzadas, terminam direta (tratos<br />

paleoespinotalâmico<br />

e<br />

paleotrigeminotalâmico) ou indiretamente<br />

(tratos espinorreticular e<br />

espinomesencefálico e sistema ascendente<br />

multissináptico proprioespinhal)<br />

nos núcleos mediais (dorsomedial) e<br />

intralaminares (centro-mediano,<br />

parafascicular e central lateral) do tálamo<br />

medial, após sinapse na formação<br />

reticular do tronco cerebral e na substância<br />

cinzenta periaquedutal (PAG), de<br />

onde partem as vias reticulotalâmicas<br />

(emitem colaterais para o sistema límbico<br />

e para a substância cinzenta<br />

periventricular _ PVG); não são organizadas<br />

somatotopicamente e estão relacionadas<br />

ao aspecto afetivo-motivacional<br />

da dor.<br />

48 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento


Já há muito se suspeitava, devido<br />

a uma série de observações clínicas,<br />

que, além de sistemas responsáveis pela<br />

transmissão e reconhecimento da dor, os<br />

organismos fossem também dotados de<br />

sistemas responsáveis por sua modulação.<br />

Só em 1965, porém, um mecanismo<br />

modulatório foi objetivamente proposto<br />

(Teoria da Comporta). Melzack e Wall<br />

sugeriram a existência de uma espécie<br />

de comporta no corno dorsal, que, quando<br />

aberta, permitiria a transmissão dos<br />

impulsos dolorosos e, quando fechada,<br />

bloquearia a passagem dos mesmos. A<br />

ativação das fibras mielínicas grossas (Aalfa<br />

e A-beta), responsáveis pela condução<br />

do tato, pressão, propriocepção e<br />

sensibilidade vibratória, excitaria<br />

interneurônios inibitórios para os<br />

aferentes primários nociceptivos, fechando<br />

a comporta; a estimulação das fibras<br />

C e A-delta, por outro lado, condutoras<br />

das sensibilidades dolorosa e térmica,<br />

inibiria esses interneurônios inibitórios,<br />

assim permitindo a abertura da comporta<br />

e a ativação das vias da dor pelos aferentes<br />

primários nociceptivos. Como<br />

consequência dessa proposta, uma nova<br />

avenida para o tratamento das síndromes<br />

dolorosas foi aberta: a estimulação elétrica<br />

de nervos periféricos (Wall & Sweet,<br />

1967), do funículo posterior da medula<br />

espinhal (Shealy, 1967) e do núcleo<br />

ventrocaudal (VC) do tálamo (Mazars e<br />

Hosobuchi, 1973).<br />

Em 1969, Reynolds descreveu um<br />

novo sistema modulatório: a substância<br />

cinzenta periventricular-periaquedutal<br />

(PVG-PAG). A estimulação elétrica da<br />

mesma produzia analgesia suficiente para<br />

permitir a realização de laparotomia em<br />

ratos. Posteriormente, determinou-se a<br />

riqueza dessa região em terminais, receptores<br />

e células opióides e que a<br />

microinjeção de morfina nesse sítio produzia<br />

analgesia similar àquela produzida<br />

por sua estimulação, ambas passíveis<br />

de reversão pela administração de<br />

naloxone, um antagonista opióide. Concluiu-se,<br />

dessa forma, que a analgesia<br />

produzida pela estimulação de PVG-<br />

PAG e a analgesia produzida por opióides<br />

compartilham do mesmo substrato<br />

anátomo-funcional. Foi utilizada clinicamente,<br />

pela primeira vez, por Richardson<br />

e por Hosobuchi, em 1977.<br />

A estimulação elétrica e a<br />

microinjeção de morfina em duas outras<br />

áreas, bulbo rostroventral - BRV (núcleos<br />

rafe magno, magnocelular e reticular<br />

paragigantocelular lateral) e tegmento<br />

pontino dorsolateral (locus ceruleus e<br />

subceruleus), também produzem profunda<br />

analgesia. Uma série de estudos<br />

acabou por desvendar os mecanismos<br />

envolvidos: dessas estruturas originamse,<br />

respectivamente, as vias rafe-espinhal,<br />

serotoninérgica, e retículo-espinhal,<br />

noradrenérgica, que se projetam bilateralmente<br />

nos funículos dorsolaterais da<br />

medula espinhal, onde, ao nível dos<br />

cornos dorsais, inibem os neurônios de<br />

origem das vias nociceptivas. A secção<br />

bilateral dos funículos dorsolaterais da<br />

medula espinhal e a injeção intratecal de<br />

antagonistas serotoninérgicos e<br />

noradrenérgicos revertem a analgesia produzida<br />

pela estimulação elétrica ou pela<br />

microinjeção de opióides em PVG-PAG,<br />

BRV e tegmento pontino dorsolateral.<br />

Tais resultados sugerem que a analgesia<br />

produzida pela estimulação de PVG-<br />

PAG é mediada pelo BRV e tegmento<br />

pontino dorsolateral. Conexões recíprocas<br />

entre essas estruturas foram determinadas.<br />

Várias outras estruturas, quando eletricamente<br />

estimuladas, podem aliviar o<br />

sofrimento provocado pela dor: tálamo<br />

medial e VC, lemnisco medial, cápsula<br />

interna, córtex motor (Tsubokawa, 1991)<br />

e somestésico, núcleo caudato e substância<br />

nigra, entre outros.<br />

Vilela Filho, 1996, propôs a existência<br />

de um circuito envolvendo diversas<br />

áreas cerebrais, o qual, estimulado, inibiria<br />

a atividade nociceptiva no tálamo<br />

medial e nas vias reticulotalâmicas. Os<br />

seguintes seriam os neurotransmissores,<br />

estruturas e vias envolvidos: VPL/VPM<br />

(glutamato) ® Córtex Somestésico<br />

(glutamato) ® Córtex Motor (glutamato)<br />

® Putâmen Anterior (substância P) ®<br />

Pálido Medial / Substância Nigra<br />

Reticulata (gaba) _o Tálamo Medial /<br />

Formação Reticular Mesencefálica (via<br />

reticulotalâmica _ neurotransmissor ?) ®<br />

Tálamo Medial. E ainda: Substância Nigra<br />

Reticulata (?) ® Substância Nigra Compacta<br />

(dopamina) ® Putâmen (substância<br />

P) ® Pálido Medial / Substância Nigra<br />

Reticulata (gaba) _o Tálamo Medial. A<br />

essas vias e estruturas denominou Circuito<br />

Modulatório Prosencéfalo-<br />

Mesencefálico _ CMPM (® = excitação; -<br />

o = inibição)<br />

Dada a existência tanto de sistemas<br />

transmissores como de sistemas<br />

moduladores da dor, depreende-se que<br />

a sensação e a intensidade da mesma<br />

dependem do equilíbrio entre esses dois<br />

sistemas.<br />

A excitação dos nociceptores, fenômeno<br />

inicial imprescindível para o aparecimento<br />

da dor nociceptiva, pode ser<br />

breve ou prolongada, continuada. Nesta<br />

última eventualidade, a dor torna-se crônica.<br />

É o que ocorre, por exemplo, na<br />

osteoartrite crônica, na dor oriunda da<br />

coluna por problemas mecânicos, na<br />

artrose, na invasão óssea por câncer, na<br />

lombociatalgia provocada por uma hérnia<br />

discal ou na neuralgia do trigêmeo. A<br />

remoção do fator causal usualmente elimina<br />

a dor; infelizmente, isso nem sempre<br />

é possível. Vários termos são utilizados<br />

pelos pacientes para descrevê-la,<br />

todos eles sugerindo lesão tissular: aguda,<br />

em facada, em pontada, em choque,<br />

latejante, lacerando, esmagando, etc. A<br />

dor nociceptiva é usualmente responsiva<br />

aos antiinflamatórios, analgésicos co<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 49


muns e opióides, à fisioterapia e à<br />

interrupção transitória (bloqueios anestésicos)<br />

ou permanente (cirúrgica) das<br />

vias da dor em algum ponto do sistema<br />

nervoso periférico ou central.<br />

Dor por injúria neural (DIN), diversamente<br />

da nociceptiva, é aquela que<br />

decorre da lesão do sistema nervoso<br />

periférico ou central, tendo como principais<br />

causas: lesão traumática de nervo<br />

periférico, polineuropatia, amputação,<br />

traumatismo raquimedular e doença<br />

cerebrovascular. Curiosamente, nesses<br />

casos, a dor surge em uma área de<br />

dormência, iniciando-se comumente dias,<br />

meses ou mesmo anos após a atuação<br />

do fator causal, o qual, usualmente, não<br />

pode ser removido. A DIN pode se apresentar<br />

com três componentes: 1- Dor<br />

constante, frequentemente descrita como<br />

em queimação, formigando (dormente)<br />

ou doída, sempre presente; 2- Dor intermitente,<br />

descrita como aguda, em facada<br />

ou em choque, mais comum nas lesões<br />

do sistema nervoso periférico, mas também<br />

na lesão medular e rara na lesão<br />

encefálica e 3- Dor evocada, sob a forma<br />

de alodínia ou hiperpatia, mais comum<br />

nas lesões encefálicas, mas não<br />

infrequente nas lesões medulares ou<br />

periféricas. Os componentes intermitente<br />

e evocado costumam responder às<br />

mesmas estratégias usadas para tratar a<br />

dor nociceptiva; a dor intermitente pode<br />

ser também tratada, assim como algumas<br />

dores nociceptivas (neuralgia trigeminal<br />

e occipital), com anticonvulsivantes. A<br />

dor constante, porém, é usualmente refratária<br />

a essas medidas e responsiva ao<br />

tratamento com bloqueadores da<br />

recaptação da serotonina e fenotiazínicos;<br />

a interrupção cirúrgica da via<br />

neoespinotalâmica<br />

ou<br />

neotrigeminotalâmica costuma agravála.<br />

Sua fisiopatologia é incerta. Parece,<br />

porém, que a lesão das vias neoespino<br />

ou neotrigeminotalâmica seja essencial<br />

para o seu aparecimento.<br />

Acredita-se que a dor intermitente<br />

se deva a impulsos ectópicos gerados no<br />

sítio de lesão do sistema nervoso, seja<br />

por irritação por cicatriz local ou por<br />

efapse e que tais impulsos trafeguem<br />

pelas vias "normais" da dor.<br />

A dor evocada parece decorrer da<br />

estimulação de receptores por estímulos<br />

inócuos (alodínia) ou leve a moderadamente<br />

nóxicos (hiperpatia), os quais, em<br />

virtude dos rearranjos sinápticos decorrentes<br />

da lesão neural, são processados<br />

de maneira anormal no sistema nervoso<br />

central; parece também ser transmitida<br />

pelas vias "normais" da dor.<br />

De natureza ainda mais incerta é a<br />

dor constante, várias hipóteses tendo<br />

sido propostas na tentativa de explicá-la.<br />

Vilela Filho, 1996, criticou as hipóteses<br />

50 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

mais difundidas e propôs que a DIN<br />

seria decorrente da hiperatividade do<br />

tálamo medial secundária à hipoatividade<br />

do Circuito Modulatório Prosencéfalo-<br />

Mesencefálico. Tal hipoatividade seria<br />

consequente à lesão de qualquer estrutura<br />

/ via participante deste circuito ou<br />

das vias ativadoras do mesmo, ativação<br />

esta provavelmente mediada pelo trato<br />

espinotalâmico anterior e talvez, também,<br />

pelo neoespinotalâmico.<br />

II - INDICAÇÕES, CONTRA-INDICA-<br />

ÇÕES E SELEÇÃO DE PACIENTES:<br />

A melhor estratégia para se tratar<br />

qualquer tipo de dor é a remoção do<br />

fator causal. É o que se faz, por exemplo,<br />

quando se procede a uma<br />

apendicectomia em um paciente com<br />

apendicite, ou quando se resseca um<br />

disco intervertebral herniado em um<br />

paciente com lombociatalgia. Se a remoção<br />

do fator causal não for possível,<br />

como na invasão óssea por câncer ou na<br />

dor que se segue à doença<br />

cerebrovascular e ao traumatismo<br />

raquimedular, ou quando, mesmo após<br />

sua eliminação, ocorre persistência da<br />

dor (síndrome pós-laminectomia no paciente<br />

com hérnia discal, por exemplo),<br />

o tratamento sintomático deve ser instituído.<br />

Após se tentar as mais diversas<br />

manipulações farmacológicas com possibilidade<br />

de aliviar o tipo de dor referido<br />

pelo paciente, fisioterapia,<br />

acupuntura, bloqueios anestésicos, infiltração<br />

de trigger-points, biofeedback,<br />

psicoterapia e suporte psicológico / psiquiátrico<br />

/ familiar, se a dor ainda persistir,<br />

for incapacitante e o paciente, plenamente<br />

esclarecido sobre os riscos e<br />

insucessos relacionados com o procedimento<br />

cirúrgico que lhe for recomendado,<br />

o desejar, o tratamento cirúrgico<br />

pode ser considerado. Também relevante<br />

nesta consideração é a duração da<br />

dor. A neuralgia pós-herpética, por exemplo,<br />

pode resolver espontaneamente até<br />

6 meses (e mais raramente, até 1 ano)<br />

após o seu início. Por isso, o tratamento<br />

cirúrgico deve ser reservado para aqueles<br />

pacientes com duração da dor superior<br />

a 6 meses.<br />

Para o tratamento da dor, podemos<br />

optar por procedimentos modulatórios<br />

(os correntemente em uso são:<br />

neuroestimulação de nervos periféricos,<br />

medula espinhal, VC / lemnisco medial /<br />

cápsula interna, PVG-PAG e córtex motor<br />

e bomba de infusão de drogas) ou<br />

destrutivos (interrupção das vias<br />

nociceptivas).<br />

Como já mencionado anteriormente,<br />

a dor nociceptiva e os componentes<br />

intermitente e evocado da DIN podem<br />

ser aliviados por métodos destrutivos; o<br />

componente constante da DIN, porém, é<br />

usualmente agravado pelos métodos<br />

ablativos direcionados às vias<br />

nociceptivas do grupo lateral, embora<br />

possa ser beneficiado por aqueles procedimentos<br />

destinados a interromper as<br />

vias nociceptivas do grupo medial, como<br />

a talamotomia medial e a tratotomia<br />

mesencefálica medial e, também, pela<br />

lesão da zona de entrada da raiz dorsal


medular ou bulbar, destinada à destruição<br />

das bursting cells aí presentes, em<br />

decorrência de lesão infligida ao sistema<br />

nervoso periférico.<br />

Dentre as drogas utilizadas para<br />

infusão intratecal por bomba, destacamse<br />

os opióides, e, mais recentemente,<br />

também o baclofeno e a clonidina. Os<br />

opióides (morfina, fentanil, alfentanil)<br />

são mais frequentemente usados para o<br />

tratamento da dor oncológica, o<br />

baclofeno, para o tratamento da DIN e a<br />

clonidina, para o tratamento de ambas.<br />

Doravante, concentrar-nos-emos<br />

apenas nos métodos estimulatórios, objetivo<br />

do presente artigo.<br />

Ao contrário dos métodos<br />

destrutivos, a neuroestimulação apenas<br />

inibe ou excita estruturas, preservando<br />

sua integridade. Assim, na eventualidade<br />

de sua falha no controle da dor, o<br />

sistema de estimulação implantado pode<br />

ser simplesmente ignorado ou retirado,<br />

sem que quaisquer estruturas nervosas<br />

tenham sido irremediavelmente lesadas.<br />

A estimulação de PVG-PAG está<br />

indicada para o tratamento de dor<br />

nociceptiva (dor oncológica, dor da<br />

osteoartrite, dor da artrose, etc), dos<br />

componentes intermitente e evocado da<br />

DIN provocada por lesão do sistema<br />

nervoso periférico ou central e da dor<br />

mista com componente nociceptivo<br />

(exemplo: síndrome pós-laminectomia,<br />

indubitavelmente a maior indicação para<br />

esse tipo de procedimento).<br />

A estimulação do córtex motor (ECM)<br />

foi originalmente proposta por<br />

Tsubokawa et al, em 1991, para o tratamento<br />

da DIN encefálica ("dor talâmica").<br />

Mais recentemente, tem sido também<br />

empregada na DIN periférica, sobretudo<br />

no território do trigêmeo, com evidente<br />

sucesso, e na DIN medular, com resultado<br />

controverso. Por se tratar de um<br />

método ainda novo, para o qual a experiência<br />

internacional é ainda bastante<br />

limitada e com o qual os presentes autores<br />

não têm qualquer experiência, sugerimos<br />

que ele seja usado no tratamento<br />

do componente constante da DIN<br />

encefálica (caso a estimulação de VC<br />

seja ineficaz ou quando estudo por imagem<br />

pré-operatório revelar<br />

encefalomalácia na região talâmica objeto<br />

da estimulação) e do componente<br />

constante da DIN periférica facial, caso<br />

a estimulação do gânglio de Gasser e /<br />

ou de VC (VPM) sejam ineficazes.<br />

A estimulação produtora de<br />

parestesia (nervo periférico, medula espinhal<br />

e VC / lemnisco medial / cápsula<br />

interna) está indicada para o tratamento<br />

do componente constante da DIN. É<br />

importante ressaltar que este método é<br />

inadequado para tratar as dores de linha<br />

média baixas e as dores do tronco (dorsal<br />

ou lombar).<br />

A estimulação dos nervos periféricos<br />

(ENP) está teoricamente indicada<br />

para o tratamento do componente constante<br />

nas mononeuropatias (lesão isolada<br />

do trigêmeo, ulnar ou ciático, por<br />

exemplo). Os resultados com este método,<br />

porém, têm sido frustrantes, sobretudo<br />

para a lesão do ciático, razão pela<br />

qual foi praticamente abandonado. Quando<br />

usado, o eletrodo é usualmente implantado<br />

junto ao nervo, proximalmente<br />

à lesão nervosa. Uma exceção a esses<br />

maus resultados é a estimulação<br />

percutânea do gânglio de Gasser<br />

para o tratamento da DIN periférica<br />

facial, para cujo problema constitui a<br />

primeira opção cirúrgica, e para o tratamento<br />

da DIN encefálica com dor predominantemente<br />

facial.<br />

A estimulação da medula espinhal<br />

(EME) é a primeira opção cirúrgica para<br />

o tratamento do componente constante<br />

da DIN periférica não facial e da DIN<br />

medular. A localização do eletrodo no<br />

espaço epidural depende da localização<br />

da dor (membro inferior, superior ou<br />

nuca e região occipital). A principal<br />

indicação para este método tem sido a<br />

síndrome pós-laminectomia. É ineficaz<br />

no tratamento da DIN encefálica.<br />

A estimulação de VC é o tratamento<br />

inicial de escolha para o componente<br />

constante da DIN encefálica (considerando-se<br />

que haja um tálamo para ser<br />

estimulado) relativamente localizado ou<br />

predominante em um segmento corpóreo<br />

(hemiface, membro superior ou membro<br />

inferior). Caso a dor seja mais difusa,<br />

fazemos a opção pela estimulação do<br />

lemnisco medial ou da perna posterior<br />

da cápsula interna. Este método pode ser<br />

também utilizado para o tratamento da<br />

DIN periférica e medular, caso a<br />

estimulação do gânglio de Gasser ou a<br />

EME sejam ineficazes ou tecnicamente<br />

não factíveis (exemplo: extensa fibrose<br />

epidural ou cirurgia vertebral prévia com<br />

instrumentação ampla).<br />

Finalmente, mais de um alvo pode<br />

ser estimulado ao mesmo tempo. Não é<br />

infrequente a estimulação simultânea de<br />

PVG-PAG e de VC em um mesmo paciente,<br />

desde que o quadro doloroso por<br />

ele apresentado requeira os dois procedimentos,<br />

como é, por exemplo, o caso<br />

de uma paciente com DIN encefálica<br />

apresentando dor constante e evocada.<br />

Tão importante quanto a definição<br />

de qual o melhor procedimento<br />

modulatório para cada tipo e localização<br />

da dor, é a determinação se o paciente<br />

como um todo é candidato à<br />

neuroestimulação.<br />

A região a ser operada deve ser<br />

previamente investigada com exame por<br />

imagem. O estudo do encéfalo por ressonância<br />

magnética ou, pelo menos, por<br />

tomografia computorizada deve ser realizado<br />

antes de se proceder à estimulação<br />

cerebral profunda (VC / lemnisco medial<br />

/ cápsula interna ou PVG-PAG), à ECM<br />

ou à estimulação do gânglio de Gasser.<br />

Lesão do giro pré-central, por exemplo,<br />

previne a ECM. Encefalomalácia na região<br />

talâmica ou na área ao redor da<br />

porção inferior do terceiro ventrículo<br />

farão com que a tentativa de estimulação<br />

de VC ou de PVG, respectivamente, sejam<br />

pura perda<br />

de tempo. A distorção do cavo de<br />

Meckel por câncer ou alguma outra doença<br />

impede que um eletrodo seja aí<br />

introduzido para a estimulação do gânglio<br />

de Gasser. A região da coluna onde será<br />

introduzido o eletrodo para EME também<br />

deve ser avaliada por radiografia e<br />

tomografia ou ressonância. Obliteração<br />

demonstrável do espaço epidural a esse<br />

nível impossibilita a introdução do eletrodo<br />

na área desejada.<br />

Sob o ponto de vista cognitivo e de<br />

linguagem, o mínimo que se espera do<br />

paciente é que ele possa se comunicar<br />

com o cirurgião e compreender o que<br />

lhe é dito, que possa avaliar adequadamente<br />

a intensidade de sua dor e a<br />

resposta da mesma ao tratamento, que<br />

consiga perceber e localizar a parestesia<br />

produzida pela maioria dos métodos<br />

estimulatórios e que possa compreender<br />

como usar o sistema de estimulação.<br />

Algumas doenças sistêmicas podem<br />

contra-indicar a neuroestimulação:<br />

discrasia sanguínea (risco de hemorragia),<br />

infecção (risco de contaminação do<br />

hardware implantado) e hipertensão arterial<br />

sistêmica não controlada (risco de<br />

hemorragia). Os pacientes portadores de<br />

marcapasso cardíaco, pelo risco de interferência,<br />

provavelmente não devem<br />

ser submetidos à neuroestimulação.<br />

Para que a cirurgia possa ser<br />

indicada, é fundamental que a queixa de<br />

dor do paciente encontre subsídios nos<br />

exames neurológico e complementares e<br />

que uma etiologia para a dor possa ser<br />

claramente definida.<br />

Todos os pacientes candidatos à<br />

cirurgia devem passar por uma profunda<br />

avaliação psiquiátrica e psicológica.<br />

Aqueles pacientes com transtorno do<br />

humor caracterizado por profunda depressão,<br />

com transtornos da personalidade<br />

caracterizados por hipocondria e<br />

histeria e aqueles com síndrome de<br />

somatização e psicose devem ser<br />

desencorajados a prosseguir com a cirurgia.<br />

Tais pacientes costumam descrever<br />

continuamente sua dor como<br />

lancinante, excruciante, pontuando-a<br />

como acima de dez numa escala de zero<br />

a dez. Costumam queixar-se de intensa<br />

dor de longa data, já tendo procurado<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 51


assistência nos mais diversos centros<br />

e especialistas; seu exame neurológico<br />

é usualmente irrelevante quanto aos<br />

achados e os exames complementares,<br />

inteiramente normais ou com achados<br />

insignificantes. De modo geral, apresentam<br />

uma longa lista de cirurgias prévias<br />

de indicação duvidosa (colecistectomia,<br />

hemorroidectomia, histerectomia, reparo<br />

de hérnia inguinal, descompressão do<br />

túnel do carpo, etc), sugerindo uma<br />

hiper-reatividade a desconfortos relativamente<br />

leves. Às vezes, até apresentam<br />

alguma patologia significativa, como uma<br />

hérnia discal lombar, para a qual já<br />

foram submetidos a uma série de cirurgias,<br />

mas queixam, concomitantemente,<br />

de uma série de outras dores de longa<br />

data, como: cefaléia, cervicalgia,<br />

dorsalgia. Muitas vezes, é possível se<br />

estabelecer a concomitância de um evento<br />

negativo relevante em suas vidas e o<br />

início da dor. Outras vezes, estão envolvidos<br />

em um processo pericial ou litigioso<br />

maiores.<br />

Hosobuchi preconiza o teste da infusão<br />

venosa de morfina, placebo e<br />

naloxone para a identificação dos candidatos<br />

à estimulação cerebral profunda.<br />

Aqueles pacientes que apresentam completo<br />

alívio da dor com a administração<br />

da morfina, mas não com a de placebo<br />

e reversão da analgesia pela injeção de<br />

naloxone (a dor de base é provavelmente<br />

nociceptiva), seriam candidatos à<br />

estimulação de PVG-PAG. Pacientes com<br />

significativa analgesia à administração<br />

de placebo seriam considerados inadequados<br />

para a cirurgia. Ausência de<br />

resposta à injeção de morfina indicaria<br />

ser o paciente tolerante a ela (uso crônico<br />

de morfina) ou portador de DIN;<br />

neste caso, a administração sequencial<br />

de naloxone dirimiria as dúvidas: a ausência<br />

de síndrome de abstinência indicaria<br />

tratar-se a dor de DIN (indicação<br />

para a estimulação de VC) e a presença<br />

da síndrome, de tolerância à morfina.<br />

Finalmente, aqueles pacientes com<br />

analgesia parcial produzida pela morfina,<br />

reversão da mesma com naloxone e<br />

ausência de sinais de síndrome de abstinência,<br />

seriam provavelmente portadores<br />

de dor mista (nociceptiva e por injúria<br />

neural), e portanto, candidatos à<br />

estimulação simultânea de VC e PVG-<br />

PAG. Young, em um estudo no qual um<br />

grupo de pacientes foi submetido a este<br />

teste antes da cirurgia e outro grupo, no<br />

qual o teste não foi realizado previamente,<br />

não foi capaz de demonstrar qualquer<br />

significativa diferença no resultado<br />

à neuroestimulação entre estes grupos,<br />

concluindo que tal teste seria desnecessário.<br />

Tasker, por sua vez, propôs a<br />

utilização do teste da infusão venosa de<br />

tiopental sódico: alívio significativo da<br />

52 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

dor ocorre nos pacientes com DIN, mas<br />

não naqueles com dor nociceptiva.<br />

Vilela Filho, 1996, 1997, revendo<br />

uma série de 60 pacientes com DIN<br />

submetidos a estimulação cerebral profunda,<br />

concluiu que os principais fatores<br />

de risco para o insucesso da<br />

estimulação de VC são: pacientes com<br />

pronunciado deficit<br />

sensitivo, pacientes nos quais a EME<br />

foi ineficaz em aliviar a dor, a despeito<br />

de tecnicamente adequada (parestesia<br />

cobrindo a área da dor), e pacientes com<br />

DIN encefálica secundária a infarto<br />

supratentorial apresentando dor evocada<br />

e lesão restrita ao tálamo posterior à<br />

tomografia ou parestesia desagradável à<br />

EME ou dor intermitente associada.<br />

Em suma, o candidato ideal à<br />

neuroestimulação é aquele paciente altamente<br />

motivado, lúcido, coerente, sem<br />

handicap motor maior, bem ajustado ao<br />

meio social e familiar, sem psicopatologia<br />

maior e com dor de etiologia bem definida,<br />

no qual os exames neurológico e<br />

complementares são congruentes com a<br />

queixa apresentada.<br />

III - MECANISMO DE AÇÃO:<br />

A) ESTIMULAÇÃO DOS NERVOS PE-<br />

RIFÉRICOS (ENP):<br />

O nervo periférico é constituído por<br />

fibras amielínicas ( C ) e mielínicas finas<br />

(A-delta), responsáveis pela condução<br />

da temperatura e da dor e por fibras<br />

mielínicas grossas, envolvidas com a<br />

condução do tato, pressão,<br />

propriocepção e sensibilidade vibratória<br />

(fibras A-alfa e A-beta) e da motricidade.<br />

Estudos eletrofisiológicos determinaram<br />

que essas fibras apresentam diferentes<br />

limiares de excitabilidade. Aquelas com<br />

menor limiar (mais facilmente excitáveis)<br />

seriam as A-alfa, seguidas em ordem<br />

decrescente pelas fibras A-beta, motoras,<br />

A-delta e C. Desta forma, um estímulo<br />

elétrico de baixa intensidade estimularia<br />

preferencialmente as fibras A-alfa e A-<br />

beta, poupando as fibras C e A-delta.<br />

Uma vez ativadas, estas fibras mielínicas<br />

grossas excitariam interneurônios inibitórios<br />

situados nas lâminas superficiais<br />

do corno dorsal (sobretudo na lâmina<br />

IIo), os quais inibiriam, présinapticamente,<br />

os aferentes primários<br />

nociceptivos, conforme a Teoria da Comporta<br />

de Melzack e Wall, e também, póssinapticamente,<br />

as células de origem das<br />

vias nociceptivas, inibindo, desta forma,<br />

a transmissão dos impulsos nociceptivos<br />

no corno dorsal e, assim, produzindo<br />

analgesia.<br />

Uma das maiores dificuldades com<br />

este método é que as fibras motoras são<br />

também frequentemente estimuladas, provocando<br />

contração involuntária. Isto se<br />

deve ao fato dos limiares de excitabilidade<br />

para as fibras mielínicas grossas sensitivas<br />

e motoras serem bastante próximos.<br />

Na estimulação do gânglio de Gasser,<br />

o que se faz é estimular diretamente as<br />

células sensitivas de origem das fibras A-<br />

alfa e A-beta, não sendo sua resposta<br />

usualmente contaminada por contrações<br />

musculares; daí seu maior sucesso<br />

terapêutico. Fibras mielínicas grossas préganglionares<br />

são também estimuladas<br />

nesse caso.<br />

B) ESTIMULAÇÃO DA MEDULA ES-<br />

PINHAL (EME):<br />

A EME é obtida com a da colocação<br />

de um eletrodo no espaço epidural posterior.<br />

Por imaginar-se que a única estrutura<br />

medular estimulada por esse método<br />

fosse o funículo posterior, também<br />

denominado coluna dorsal, costumavase<br />

designá-lo estimulação da coluna<br />

dorsal. Sabe-se hoje, porém, que, além<br />

do funículo posterior, são estimulados<br />

os cornos dorsais, as zonas de entrada<br />

das raízes dorsais e as raízes dorsais. Daí<br />

a mudança da designação desse procedimento<br />

para EME.<br />

O mecanismo envolvido no alívio<br />

da dor obtido pela EME é ainda objeto<br />

de extensa especulação e pesquisa.<br />

O modelo experimental mais frequentemente<br />

usado para o seu estudo,<br />

atualmente, é o da ligadura parcial do<br />

nervo ciático em ratos. Esse procedimento<br />

determina o aparecimento de DIN<br />

em 20-40% dos ratos. O reflexo flexor,<br />

obtido pela estimulação inócua da região<br />

plantar da pata traseira ipsolateral<br />

ao nervo ligado, passa a apresentar um<br />

menor limiar de excitabilidade e uma<br />

maior amplitude, o que corresponderia,<br />

no ser humano, à alodínia. Nesse modelo,<br />

o registro com microeletrodo dos<br />

neurônios do corno dorsal lombo-sacro<br />

ipsolateral evidencia aumento da atividade<br />

espontânea e evocada dessas células<br />

e a microdiálise do espaço extracelular<br />

da mesma região demonstra aumento da<br />

concentração do glutamato e aspartato<br />

(neurotransmissores excitatórios dos<br />

aferentes primários nociceptivos) e diminuição<br />

da concentração do ácido gamaaminobutírico<br />

(neurotransmissor inibitório<br />

presente nos interneurônios inibitórios<br />

das lâminas superficiais do corno<br />

dorsal).<br />

A EME (eficaz em cerca de 50%<br />

desses animais), quando efetiva, normaliza<br />

o limiar de excitabilidade e a amplitude<br />

do reflexo flexor e a atividade<br />

anormal dos neurônios do corno dorsal.<br />

Duas principais hipóteses foram propostas<br />

para explicar a analgesia produzida<br />

pela EME.


De acordo com uma delas, a EME<br />

ativaria, antidromicamente, as grossas<br />

fibras mielínicas do funículo posterior<br />

da medula espinhal, cujos colaterais,<br />

arborizando no corno dorsal, excitariam<br />

os interneurônios inibitórios, os quais,<br />

por sua vez, inibiriam os aferentes primários<br />

nociceptivos e os neurônios de<br />

origem das vias dolorosas. Uma série de<br />

dados laboratoriais suportam essa hipótese.<br />

A microdiálise do líquido extracelular<br />

do corno dorsal revela, nos casos em<br />

que a EME é eficaz, aumento da concentração<br />

do gaba e da glicina<br />

(neurotransmissor inibitório) e diminuição<br />

da concentração de glutamato e<br />

aspartato. Quando a EME é ineficaz,<br />

porém, tais alterações bioquímicas não<br />

ocorrem. Nesses casos, a associação da<br />

administração de baclofeno (agonista<br />

gabaérgico) intratecal (dosagem: metade<br />

de sua mínima dose efetiva quando utilizado<br />

isoladamente) à EME é eficaz em<br />

normalizar o reflexo flexor. Também<br />

efetiva é a associação da EME à administração<br />

intratecal de agonista da<br />

adenosina. Curiosamente, o gaba e a<br />

adenosina têm uma distribuição similar<br />

no corno dorsal, predominando em suas<br />

lâminas externas. Assim, parece que<br />

ambos os sistemas, gabaérgico e<br />

adenosinérgico, são importantes na mediação<br />

do efeito da EME. Essas duas<br />

drogas já foram também usadas, com<br />

sucesso, em seres humanos, associadas<br />

à EME, para o tratamento de DIN periférica.<br />

Segundo a outra hipótese, a EME<br />

excitaria, ortodromicamente, as fibras do<br />

funículo posterior da medula espinhal,<br />

as quais emitiriam colaterais para o sistema<br />

modulatório do tronco cerebral (PAG,<br />

bulbo rostroventral, tegmento pontino<br />

dorsolateral), de onde partiriam as vias<br />

descendentes inibitórias para os<br />

neurônios nociceptivos do corno dorsal.<br />

A determinação do aumento da concentração<br />

de serotonina na microdiálise do<br />

líquido extracelular do corno dorsal após<br />

a EME em animais intactos, mas não em<br />

animais descerebrados, e o aumento do<br />

ácido 5-hidróxi-indolacético (metabólito<br />

da serotonina) no líquor de seres humanos<br />

submetidos a EME, favorecem essa<br />

hipótese.<br />

Essas duas hipóteses, naturalmente,<br />

não são mutuamente exclusivas, podendo<br />

ambos os mecanismos atuar simultaneamente.<br />

Se os mecanismos até então propostos<br />

para a analgesia produzida pela<br />

EME e ENP fossem realmente operantes,<br />

esperar-se-ía que esses métodos fossem<br />

também úteis para tratar a dor por<br />

nocicepção, haja vista a inibição da<br />

transmissão nociceptiva no corno dorsal<br />

por eles ocasionada. Na realidade, porém,<br />

não é o que ocorre. A EME e a ENP<br />

são úteis para o tratamento do componente<br />

constante da DIN e não da dor<br />

nociceptiva.<br />

Modesti & Waszak demonstraram a<br />

inibição de neurônios nociceptivos do<br />

tálamo medial pela EME. O mesmo ocorre<br />

com a estimulação do tálamo<br />

ventrocaudal (VC). Poder-se-ía<br />

hipotetizar, então, que, tanto a ENP como<br />

a EME, ativariam as grossas fibras<br />

mielínicas, as quais, transitando pelo<br />

nervo periférico, funículo posterior da<br />

medula espinhal e lemnisco medial, chegariam<br />

a VC e, ativando o circuito<br />

modulatório prosencéfalo-mesencefálico,<br />

promoveriam a analgesia pela inibição<br />

da hiperatividade do tálamo medial.<br />

C) ESTIMULAÇÃO DE VC /<br />

LEMNISCO MEDIAL / CÁPSULA INTER-<br />

NA:<br />

Várias hipóteses foram sugeridas<br />

para explicar a analgesia produzida pela<br />

estimulação de VC.<br />

Tsubokawa e Gerhart, entre outros,<br />

propuseram que a estimulação de VC<br />

produziria alívio da dor pela ativação<br />

antidrômica de colaterais do trato<br />

neoespinotalâmico enviados para o bulbo<br />

rostroventral (BRV). Essa estrutura,<br />

assim estimulada, inibiria os neurônios<br />

nociceptivos do corno dorsal por meio<br />

da excitação das vias descendentes<br />

serotoninérgicas e noradrenérgicas dos<br />

funículos dorsolaterais da medula espinhal.<br />

Gerhart e Yezierski sugeriram que a<br />

analgesia obtida pela estimulação de VC<br />

seria secundária à excitação do córtex<br />

somestésico, o qual, por sua vez, inibiria<br />

os neurônios do corno dorsal<br />

contralateral pela ativação do trato<br />

corticoespinhal e das vias extrapiramidais.<br />

Foi também proposto que a<br />

estimulação de VC ativaria, pela excitação<br />

antidrômica do lemnisco medial,<br />

certas células pseudounipolares dos<br />

núcleos dos fascículos grácil e<br />

cuneiforme, as quais inibiriam os<br />

neurônios nociceptivos do corno dorsal<br />

pelo mecanismo da comporta anteriormente<br />

descrito (vide EME).<br />

Como se pode notar, a analgesia<br />

produzida pela estimulação de VC, de<br />

acordo com as hipóteses acima, depende<br />

da integridade dos funículos<br />

dorsolaterais e dorsal da medula espinhal.<br />

Vilela Filho e Tasker (1994) e Vilela<br />

Filho (1994), porém, revisando sua série<br />

de 16 pacientes com DIN medular submetidos<br />

à estimulação de VC, observaram<br />

que o tratamento produziu excelente<br />

alívio da dor em 3 dos 4 pacientes<br />

apresentando secção medular completa.<br />

Tais resultados e uma série de outras<br />

evidências experimentais por eles apresentadas<br />

contrariam frontalmente as hipóteses<br />

supracitadas.<br />

Adams sugeriu que a estimulação<br />

de VC ativaria fibras inibitórias oriundas<br />

do<br />

córtex parietal para o tálamo e a<br />

medula espinhal. A possibilidade da inibição<br />

pela via córtex somestésico- medula<br />

espinhal ser operante já foi debatida<br />

no parágrafo anterior. A inibição<br />

talâmica pela ativação do córtex<br />

somestésico também parece-nos improvável,<br />

visto que, segundo Steriade, as<br />

fibras corticotalâmicas são, sem exceção,<br />

excitatórias.<br />

Mazars, por sua vez, propôs que a<br />

estimulação de VC atuaria compensando<br />

a falta de impulsos sensoriais atingindo<br />

o circuito talamocortical em pacientes<br />

com DIN. Tal hipótese, porém, presume<br />

um efeito excitatório para a estimulação<br />

de VC, o que está em desacordo com a<br />

opinião geral de que o efeito final da<br />

estimulação de VC é inibitório.<br />

Benabid demonstrou que a<br />

estimulação de VC inibe neurônios<br />

nociceptivos do tálamo medial, achados<br />

estes também relatados por Tsubokawa e<br />

Moriyasu, e sugeriu, considerando a<br />

ausência de células "marcadas" em VC<br />

pela administração de peroxidase de<br />

rabanete no tálamo medial, a longa<br />

latência para a inibição (100 a 200<br />

milissegundos, no rato) e a não reversão<br />

da inibição pela administração de<br />

naloxone, que tal inibição seria mediada<br />

por uma via multissináptica não opióide.<br />

As vias e estruturas provavelmente envolvidas,<br />

porém, não foram citadas.<br />

Vilela Filho, 1994, sugeriu que a<br />

analgesia produzida pela estimulação de<br />

VC seria decorrente da ativação de uma<br />

via multissináptica inibitória para o tálamo<br />

medial, modulando a hiperatividade<br />

nociceptiva aí presente. Baseado em uma<br />

série de evidências clínicas e laboratoriais,<br />

propôs as estruturas, vias e<br />

neurotransmissores envolvidos nessa modulação,<br />

conjunto este que, posteriormente<br />

(1996), passou a designar Circuito<br />

Modulatório Prosencéfalo-Mesencefálico<br />

_ CMPM (vide tópico "Aspectos Básicos").<br />

Em resumo, o alívio da dor produzido<br />

pela estimulação de VC se deve à<br />

inibição do tálamo medial, mediada pelo<br />

CMPM.<br />

D) ESTIMULAÇÃO DO CÓRTEX<br />

MOTOR (ECM):<br />

Trata-se de uma técnica<br />

neuroestimulatória relativamente nova,<br />

tendo sido os primeiros pacientes operados<br />

(dor talâmica) reportados por<br />

Tsubokawa, introdutor do método, em<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 53


1991.<br />

Segundo Tsubokawa, um infarto<br />

tálamo-supratalâmico tornaria as células<br />

nociceptivas do córtex somestésico<br />

desaferentadas e, em consequência,<br />

hiperativas. A ECM, por uma via<br />

intracortical, excitaria células nãonociceptivas<br />

(exemplo: células táteis) do<br />

córtex somestésico, as quais inibiriam as<br />

células nociceptivas hiperativas, o que<br />

resultaria em analgesia. Curiosamente,<br />

nos casos em que a ECM foi efetiva, os<br />

pacientes referiram parestesia na área da<br />

dor, sugerindo que a ativação de células<br />

não-nociceptivas do córtex somestésico<br />

é essencial para o alívio da dor.<br />

Trata-se de uma hipótese bastante<br />

interessante. Não explica, porém, como<br />

a ECM poderia ser efetiva no caso do<br />

envolvimento do córtex somestésico pelo<br />

infarto. Nessa eventualidade, não haveria<br />

células nociceptivas deaferentadas<br />

no córtex somestésico.<br />

Alternativamente, sugerimos, a ECM<br />

poderia aliviar a dor por bloquear a<br />

hiperatividade do tálamo medial, via ativação<br />

de parte do circuito modulatório<br />

prosencéfalo-mesencefálico (córtex motor<br />

® putâmen anterior ® pálido medial<br />

/ substância nigra reticulata _o tálamo<br />

medial e formação reticular<br />

mesencefálica ® tálamo medial; ® =<br />

excitação, _o = inibição).<br />

E) ESTIMULAÇÃO DE PVG-PAG:<br />

Em animais de experimentação, a<br />

injeção de opióides em PVG-PAG produz<br />

uma analgesia comportamental similar<br />

àquela produzida pela estimulação<br />

elétrica das mesmas, analgesia esta dosedependente<br />

e passível de reversão com<br />

a administração sistêmica de naloxone.<br />

Tais fatos sugerem que a analgesia produzida<br />

pela estimulação de PVG-PAG<br />

seja mediada pela liberação de opióides<br />

endógenos.<br />

Em seres humanos, a estimulação<br />

de PVG-PAG, mas não a de VC, determina<br />

um aumento da concentração liquórica<br />

de beta-endorfina e metionina-encefalina<br />

(opióides endógenos). Hosobuchi e<br />

Richardson relataram que a analgesia<br />

produzida pela estimulação de PVG-<br />

PAG pode ser, pelo menos parcialmente,<br />

revertida pela administração endovenosa<br />

de naloxone e que a estimulação continuada<br />

pode determinar tolerância, tolerância<br />

esta que é cruzada com a da<br />

administração exógena de morfina.<br />

Young, porém, contestou tais achados,<br />

sobretudo o da tolerância cruzada. Estudos<br />

experimentais demonstrando que a<br />

analgesia produzida pela estimulação da<br />

PAG ventral é mediada por opióides,<br />

mas não a da PAG dorsal e a significativa<br />

variabilidade entre os diferentes autores<br />

54 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

quanto ao local de PVG-PAG a ser estimulado,<br />

podem explicar os achados<br />

contraditórios quanto à reversibilidade<br />

da analgesia pelo naloxone e quanto à<br />

tolerância cruzada com a administração<br />

exógena de opióides. Em geral, acreditase<br />

que, também nos seres humanos, a<br />

analgesia produzida pela estimulação de<br />

PVG-PAG seja mediada pela liberação<br />

de opióides endógenos.<br />

Em seres humanos, a estimulação<br />

de PVG-PAG, mas não a de VC, determina<br />

um aumento da concentração liquórica<br />

de beta-endorfina e metionina-encefalina<br />

(opióides endógenos). Hosobuchi e<br />

Richardson relataram que a analgesia<br />

produzida pela estimulação de PVG-<br />

PAG pode ser, pelo menos parcialmente,<br />

revertida pela administração endovenosa<br />

de naloxone e que a estimulação continuada<br />

pode determinar tolerância, tolerância<br />

esta que é cruzada com a da<br />

administração exógena de morfina.<br />

Young, porém, contestou tais achados,<br />

sobretudo o da tolerância cruzada. Estudos<br />

experimentais demonstrando que a<br />

analgesia produzida pela estimulação da<br />

PAG ventral é mediada por opióides,<br />

mas não a da PAG dorsal e a significativa<br />

variabilidade entre os diferentes autores<br />

quanto ao local de PVG-PAG a ser estimulado,<br />

podem explicar os achados<br />

contraditórios quanto à reversibilidade<br />

da analgesia pelo naloxone e quanto à<br />

tolerância cruzada com a administração<br />

exógena de opióides. Em geral, acreditase<br />

que, também nos seres humanos, a<br />

analgesia produzida pela estimulação de<br />

PVG-PAG seja mediada pela liberação<br />

de opióides endógenos.<br />

Segundo a hipótese em voga, a<br />

estimulação de PVG-PAG ativaria as células<br />

de origem das vias rafe-espinhal<br />

(serotoninérgica), localizadas no bulbo<br />

rostroventral (núcleo rafe magno,<br />

magnocelular e paragigantocelular lateral),<br />

e reticuloespinhal (noradrenérgica),<br />

localizadas no tegmento pontino<br />

dorsolateral (locus ceruleus e<br />

subceruleus). Os axônios dessas células<br />

trafegam por ambos os funículos<br />

dorsolaterais da medula espinhal e terminam<br />

nas lâminas I, IIo e V dos cornos<br />

dorsais, região rica em interneurônios<br />

inibitórios (sobretudo encefalinérgicos)<br />

e local de origem de grande parte das<br />

vias da dor. Os neurônios rafe e<br />

reticuloespinhais bloqueiam a transmissão<br />

nociceptiva no corno dorsal, provavelmente,<br />

por quatro mecanismos distintos:<br />

inibição pré-sináptica dos aferentes<br />

primários nociceptivos, inibição póssináptica<br />

dos neurônios de origem das<br />

vias nociceptivas e excitação de<br />

interneurônios inibitórios e inibição de<br />

interneurônios excitatórios para as células<br />

de projeção nociceptivas. O fato das<br />

vias rafe e reticuloespinhais serem bilaterais<br />

justifica plenamente a analgesia<br />

bilateral obtida por essa técnica.<br />

IV - TÉCNICA CIRÚRGICA:<br />

O processo envolve três etapas distintas:<br />

implantação do eletrodo,<br />

estimulação-teste e internalização do<br />

hardware.<br />

Exames pré-operatórios de rotina<br />

são realizados em todos os casos<br />

(hemograma, coagulograma, glicemia,<br />

uréia e creatinina séricas, EAS, radiografia<br />

de tórax e eletrocardiograma). Os<br />

pacientes são usualmente internados no<br />

dia anterior à cirurgia. Antibioticoterapia<br />

profilática com cefuroxima (1.5 grama<br />

endovenosa a cada oito horas) é instituída<br />

cerca de 30 minutos antes do início<br />

do procedimento.<br />

A primeira etapa (implantação) é<br />

usualmente realizada sob anestesia local<br />

e sedação venosa com agentes anestésicos<br />

de curta duração, administrados com<br />

bomba de infusão. Para tal fim, nossa<br />

preferência tem recaído sobre o propofol,<br />

um fenol de ação hipnótica que, se<br />

mantido em níveis mínimos suficientes<br />

para manter o paciente dormindo, ele se<br />

encontrará plenamente desperto 5 a 10<br />

minutos após a suspensão da infusão da<br />

droga. Exceto no caso da ECP, em que o<br />

paciente é mantido completamente desperto<br />

durante todo o procedimento, na<br />

estimulação dos demais alvos ele é mantido<br />

em hipnose durante a introdução do<br />

eletrodo, incisão e suturas, e desperto<br />

durante a fase de checagem fisiológica<br />

do alvo por estimulação. A utilização de<br />

agentes anestésicos de curta duração<br />

nesses casos, portanto, em muito agiliza<br />

a cirurgia, minimizando o tempo


despendido.<br />

Após a adequada implantação do<br />

eletrodo no alvo desejado, ele é fixado à<br />

dura-máter (ECM), gálea (estimulação<br />

cerebral profunda _ ECP), aponeurose<br />

(EME) ou tecido subcutâneo (estimulação<br />

do gânglio de Gasser), sendo sua porção<br />

excedente alojada no subcutâneo e<br />

conectada a um cabo que é exteriorizado<br />

por contra-abertura à maior distância<br />

possível da incisão original, para<br />

minimizar o risco de infecção. Exceção<br />

é feita para a estimulação do gânglio de<br />

Gasser, em cujo caso o eletrodo-teste é<br />

exteriorizado diretamente por seu sítio<br />

de entrada; nesse caso, a preocupação<br />

com a infecção do eletrodo é menor, já<br />

que ele será posteriormente substituído<br />

por outro. Na ECP (estimulação de VC /<br />

lemnisco medial / cápsula interna ou de<br />

PVG-PAG), o eletrodo é também fixado<br />

ao orifício craniano (trepanação ou drillhole)<br />

utilizando-se uma "rolha" de silastic<br />

ou metilmetacrilato.<br />

Cerca de 24 horas após a implantação,<br />

e já em sua acomodação (enfermaria<br />

ou apartamento), tem início a etapa<br />

de estimulação-teste, que usualmente<br />

dura de três a sete dias. Nessa fase, o<br />

cabo exteriorizado é conectado a um<br />

transmissor de radiofrequência e a<br />

estimulação, uni ou bipolar, instituída. O<br />

objetivo é definir, juntamente com o<br />

paciente, qual contato ou combinação<br />

de par de contatos do eletrodo (o eletrodo<br />

mais usado em todos os procedimentos<br />

é o tetrapolar) e quais os parâmetros<br />

de estimulação (intensidade, frequência<br />

e duração do pulso de estímulo) produzem<br />

o máximo alívio da dor, com o<br />

mínimo de efeitos indesejáveis.<br />

Naqueles pacientes em que o alívio<br />

da dor obtido com a estimulação foi<br />

considerado inadequado, o eletrodo é<br />

retirado. Por outro lado, os pacientes<br />

com alívio da dor superior a 50%, passam<br />

para a próxima etapa: internalização.<br />

Sob anestesia geral, após removido<br />

o cabo exteriorizado e todas as rigorosas<br />

medidas usuais de assepsia e antissepsia,<br />

a ferida para implantação do eletrodo é<br />

reaberta (no caso específico da<br />

estimulação do gânglio de Gasser, o<br />

eletrodo teste, previamente retirado após<br />

controle radiográfico de sua posição, é<br />

substituído por um eletrodo tetrapolar<br />

definitivo, implantado, guiado por<br />

fluoroscopia, na mesma posição anterior).<br />

Uma outra incisão cirúrgica é realizada<br />

na face anterior do tórax ou abdômen,<br />

onde uma loja é preparada para a<br />

implantação do receiver ou estimulador.<br />

Para a ECP, ECM, EME cervical e<br />

estimulação do gânglio de Gasser, tal<br />

loja é comumente preparada na região<br />

infraclavicular, e para a EME baixa, na<br />

região inguinal. Um cabo é então<br />

conectado ao eletrodo e, através de um<br />

guia oco (provido pelos kits de<br />

neuroestimulação, é similar àquele usado<br />

para a passagem do catéter peritonial<br />

na derivação ventrículo-peritonial) subcutâneo<br />

conectando as duas feridas,<br />

passado para a loja torácica ou abdominal,<br />

onde é conectado ao receiver ou<br />

estimulador. Uma ferida intermediária<br />

entre as anteriores pode se fazer necessária<br />

para facilitar este procedimento. O<br />

paciente recebe alta hospitalar no dia<br />

seguinte ao da internalização do sistema.<br />

Existem dois sistemas para<br />

estimulação disponíveis no mercado.<br />

O estimulador (gerador de pulso)<br />

totalmente implantável (ITREL, da<br />

Medtronic) contém uma bateria de lítio<br />

(duração: 2.5 a 4.5 anos, dependendo da<br />

frequência de uso e dos parâmetros de<br />

estimulação), é ativado e controlado por<br />

telemetria percutânea e pode ser ligado<br />

ou desligado pelo paciente<br />

O sistema ativado por<br />

radiofrequência (XTREL, da Medtronic)<br />

tem três componentes: um receiver passivo,<br />

implantado sob a pele, uma antena<br />

e um transmissor externo alimentado por<br />

bateria alcalina. A antena é conectada ao<br />

transmissor e deve ser posicionada exatamente<br />

sobre o receiver para que o<br />

contato seja adequado. O paciente tem<br />

amplo acesso aos parâmetros de<br />

estimulação e à combinação dos contatos<br />

do eletrodo. Esse sistema, comparado<br />

ao totalmente implantável, tem um<br />

menor custo, maior potência, capacidade<br />

para dirigir eletrodos com mais de<br />

quatro contatos e para a programação<br />

independente de dois canais _ MATTRIX<br />

RF SYSTEM, da Medtronic e DUAL<br />

PADDLE OCTRODE SYSTEM, da<br />

Neuromed (dois eletrodos com quatro<br />

ou mais contatos podem ser usados com<br />

um único estimulador, como, por exemplo,<br />

para a estimulação combinada de<br />

VC e<br />

PVG). As suas principais desvantagens<br />

são: necessidade de frequente troca<br />

de bateria, uso mais trabalhoso, não<br />

poder ser molhado, poder ter seu funcionamento<br />

comprometido pela<br />

transpiração excessiva, intolerância ao<br />

uso da antena pelos pacientes com<br />

alodínia na área do implante e incapacidade<br />

de manipulação por pacientes com<br />

handicap motor ou mental.<br />

Finalmente, embora ainda não disponível<br />

no mercado para uso geral, há o<br />

sistema híbrido, que combina ambas as<br />

tecnologias (TIME, da Neuromed).<br />

Passaremos, agora, à descrição da<br />

técnica cirúrgica utilizada na implantação<br />

do eletrodo nos diferentes alvos.<br />

A) ESTIMULAÇÃO DO GÂNGLIO<br />

DE GASSER (EGG):<br />

Com o paciente em decúbito dorsal,<br />

após assepsia e antissepsia, uma agulha<br />

de Touhey nº 15 é introduzida<br />

percutaneamente, 2.5 centímetros lateral<br />

à comissura labial, e utilizando como<br />

reparo anatômico o ponto de intersecção<br />

entre um plano coronal passando 3 centímetros<br />

anterior ao tragus e um plano<br />

sagital passando pelo bordo interno da<br />

pupila, é dirigida, sob fluoroscopia, para<br />

o forame oval, situado, habitualmente,<br />

no ponto de intersecção entre o clívus e<br />

a pirâmide petrosa (fluoroscopia lateral).<br />

Atingido o alvo, um eletrodo monopolar<br />

(VERIFY, da Medtronic) é introduzido<br />

pela agulha de Touhey, até ultrapassar<br />

sua extremidade distal. Estimulação com<br />

alta frequência (usualmente 25 a 100<br />

Hertz) é então realizada. O objetivo é a<br />

obtenção de parestesia que cubra completamente<br />

a área da dor com a menor<br />

intensidade de estímulo possível. Contração<br />

muscular (masséter) e/ou<br />

parestesia fora da área da dor são geralmente<br />

consideradas inaceitáveis pelo paciente.<br />

Obtida a resposta desejada, a<br />

agulha é cuidadosamente retirada, sob<br />

acompanhamento fluoroscópico, enquanto<br />

o eletrodo é mantido em posição.<br />

Radiografia de crânio nas incidências<br />

anteroposterior, perfil e Towne é realizada<br />

imediatamente após o término do<br />

procedimento, para documentar a posição<br />

do eletrodo. Como mencionado anteriormente,<br />

esse eletrodo é posteriormente<br />

retirado e, na fase de<br />

internalização, um eletrodo tetrapolar<br />

(DBS, da Medtronic) é implantado na<br />

mesma posição anterior, conforme controle<br />

radiográfico.<br />

B) ESTIMULAÇÃO DA MEDULA ES-<br />

PINHAL (EME):<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 55


56 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />

A EME é particularmente útil no<br />

tratamento da dor em extremidades, não<br />

sendo, em geral, adequada no tratamento<br />

da dor axial.<br />

Pode ser realizada por duas técnicas:<br />

percutânea e a céu aberto.<br />

A EME percutânea é a preferida<br />

destes e da maioria dos outros autores,<br />

podendo ser realizada na maioria dos<br />

casos. Em sua execução, um princípio<br />

básico deve ser lembrado: quanto<br />

maior a quantidade de cabo<br />

do eletrodo no espaço epidural,<br />

menor a possibilidade de migração<br />

do mesmo. Por isso, o nível<br />

de inserção cutânea do eletrodo<br />

deve ser, no mínimo, a dois<br />

níveis abaixo daquele do alvo<br />

desejado. Assim, para dor em<br />

membros inferiores, o nível de<br />

punção é T12/L1 ou L1/L2 e<br />

para dor em membros superiores,<br />

T2/T3 ou T3/T4. Com o<br />

paciente em decúbito ventral,<br />

após assepsia e antissepsia, e<br />

sob fluoroscopia lateral, a agulha<br />

de peridural, provida pelo kit<br />

de neuroestimulação, é<br />

introduzida, com o bisel voltado<br />

para cima, na linha média do<br />

nível desejado, até se atingir o<br />

espaço epidural, o qual pode ser<br />

usualmente reconhecido pela<br />

manobra da gota pendente ou da perda<br />

súbita de resistência. Um guia arterial de<br />

Seldinger (também provido pelo kit) é<br />

então introduzido pela agulha, até ultrapassar<br />

sua extremidade distal. Estandose<br />

realmente no espaço epidural, encontrar-se-á<br />

uma pequena resistência ao<br />

avanço do guia. Caso o guia se encontre<br />

no espaço subaracnóideo, ele normalmente<br />

pode ser avançado livremente,<br />

sem resistência, em cujo caso, se retirado,<br />

ocorreria, quase certamente,<br />

extravazamento de líquor e a estimulação<br />

com o eletrodo nesse local, provocaria<br />

respostas sensitivas e motoras com intensidades<br />

de estimulação menores do<br />

que as habituais. Confirmando-se por<br />

esses meios, e pela fluoroscopia em<br />

perfil, a presença do guia no espaço<br />

epidural, o intensificador de imagem é<br />

ajustado para a incidência posteroanterior.<br />

O guia de Seldinger é retirado e o eletrodo,<br />

introduzido no espaço, mantendo-se<br />

a agulha em posição. A estimulaçãoteste<br />

é então iniciada. Sob fluoroscopia<br />

e estimulação, a posição do eletrodo vai<br />

sendo modificada até que se obtenha<br />

parestesia cobrindo toda a área da dor,<br />

com a menor intensidade de estímulo<br />

possível e sem a presença de efeitos<br />

indesejáveis (resposta motora, parestesia<br />

fora da área da dor). Para a dor unilateral,<br />

a posição ideal do eletrodo é, geralmente,<br />

de 1 a 3 milímetros lateral à<br />

linha média, e para a dor bilateral,<br />

na linha média. Caso se planeje implantar<br />

dois eletrodos, a punção epidural<br />

para ambos deve ser executada antes da<br />

introdução dos mesmos, para não se<br />

correr o risco de lesá-los no procedimento<br />

da punção. Atingido o alvo, radiografia<br />

em duas incidências é realizada<br />

para documentação da posição do eletrodo.<br />

Sob acompanhamento<br />

fluoroscópico, a agulha vai sendo cuidadosamente<br />

retirada, enquanto se mantém<br />

o eletrodo em posição.<br />

A EME a céu aberto, às vezes, pode<br />

ser a única alternativa em pacientes com<br />

cirurgia prévia na área em que se está<br />

planejando implantar o eletrodo, dados<br />

os riscos da técnica percutânea nessa<br />

eventualidade. Além disso, parece ser<br />

mais segura nos casos em que se planeja<br />

implantar um eletrodo em C1/C2. A vantagem<br />

adicional do método, segundo<br />

seus defensores, é a menor incidência<br />

de migração do eletrodo e, pela possibilidade<br />

de se utilizar eletrodos mais largos,<br />

a obtenção de parestesia em áreas<br />

mais amplas. A cirurgia obedece aos<br />

princípios básicos de qualquer<br />

laminectomia. A quantidade de osso a<br />

ser removida, porém, é mínima, podendo<br />

ser, inclusive, desnecessária na coluna<br />

cervical. Uma vez ressecado o ligamento<br />

amarelo, um ou dois eletrodos<br />

tetrapolares em placa (RESUME, da<br />

Medtronic ou LAMITRODE, da<br />

Neuromed) são colocados no espaço<br />

epidural, e a ferida é suturada por planos.<br />

Para dor em membros inferiores, o<br />

local habitual de implantação é T9/T10<br />

ou T10/T11; para dor em membros superiores,<br />

em C4/C5, C5/C6 ou C6/C7; e para<br />

dor occipital, cervical ou em ombros, em<br />

C1/C2.<br />

A EME, por qualquer método,<br />

é um procedimento inadequado<br />

para o alívio da dor da<br />

parede torácica ou abdominal,<br />

haja vista que a estimulação, nos<br />

níveis adequados , produz ativação<br />

tanto sensitiva (percebida<br />

pelos pacientes como uma faixa<br />

constrictiva desagradável) quanto<br />

motora, prevenindo qualquer<br />

efeito terapêutico útil. Infelizmente,<br />

a ativação de fibras da<br />

parede torácica ou abdominal<br />

pode ser um achado proeminente<br />

quando se está tentando<br />

produzir parestesia em outras<br />

áreas; nessa eventualidade, o<br />

posicionamento estritamente<br />

mediano do eletrodo minimiza<br />

essas respostas indesejáveis.<br />

Uma das indicações mais<br />

frequentes para EME é a chamada<br />

síndrome pós-laminectomia, causa<br />

comum de dor lombar e em membros<br />

inferiores. Para o sucesso terapêutico,<br />

deve-se procurar obter parestesia tanto<br />

na região lombar quanto no membro ou<br />

membros comprometidos. A obtenção<br />

de parestesia lombar, porém, é uma<br />

tarefa extremamente difícil e, quando<br />

possível, vem usualmente acompanhada<br />

pela indesejável estimulação da parede<br />

torácica e abdominal. Law demonstrou<br />

que as fibras lombares podem ser mais<br />

seletivamente ativadas com dois eletrodos<br />

octapolares paralelos, colocados de<br />

cada lado e a uma mínima distância da<br />

linha média, no nível T9/T10.<br />

C) ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PRO-<br />

FUNDA (ECP):<br />

Com o paciente preferencialmente<br />

em posição sentada, o anel estereotáxico<br />

é fixado, sob anestesia local, à tábua<br />

externa do crânio (Sistema Estereotáxico<br />

Micromar, modelo MT-03B).<br />

Para a obtenção das coordenadas<br />

das comissuras anterior (AC) e posterior<br />

(PC) e da parede lateral do terceiro<br />

ventrículo (no plano axial em que aparece<br />

PC), temos utilizado a tomografia<br />

computorizada de crânio como método<br />

de imagem de eleição, a qual deve ser<br />

realizada com o anel estereotáxico já em


posição. As coordenadas de AC e PC são<br />

usadas para alimentar um software desenvolvido<br />

pelo Departamento de<br />

Neurofisiologia da Universidade de Toronto,<br />

o qual fornece uma série de mapas<br />

talâmicos sagitais, milimetrados e<br />

ampliados, baseados no atlas de<br />

Schaltenbrand e Bailey, mapas estes que<br />

são "esticados" ou "encolhidos", de modo<br />

que correspondam à distância<br />

intercomissural de cada paciente (variação:<br />

20 a 30 mm). Neles estão delineados<br />

todos os núcleos talâmicos, ambas as<br />

comissuras (AC e PC), o ponto médiocomissural<br />

e o zero do sistema<br />

estereotáxico, entre uma série de outras<br />

estruturas, de modo que as coordenadas<br />

do alvo desejado são obtidas pela mera<br />

leitura dos mapas digitalizados, não sendo<br />

necessário nenhum cálculo.<br />

De posse das coordenadas desejadas,<br />

o paciente é levado para a sala<br />

cirúrgica, onde é posicionado em<br />

decúbito dorsal e com o dorso elevado,<br />

de modo que se sinta o mais confortável<br />

possível. Uma tricotomia restrita e assepsia<br />

e antissepsia são realizadas. O arco<br />

estereotáxico, contendo o guia para o<br />

eletrodo, é acoplado ao anel já colocado<br />

e, sob anestesia local, um punch cutâneo<br />

e drill-hole parassagital pré-coronal são<br />

executados. A distância dessa perfuração<br />

da linha médio-sagital depende da<br />

lateralidade do alvo a ser abordado: no<br />

caso de VC, encontra-se 15 milímetros<br />

lateral a esta linha. Um eletrodo de<br />

estimulação bipolar (Tasker stimulation<br />

electrode, da Diros Technology Inc.) é<br />

adaptado em seu guia e dirigido para o<br />

alvo. Tem início, então, o mapeamento<br />

fisiológico. Iniciamos a estimulação (na<br />

trajetória do eletrodo) em um ponto 10<br />

milímetros acima da posição estimada<br />

do alvo, a qual é repetida a intervalos de<br />

2 milímetros, até um ponto situado 10<br />

milímetros abaixo do mesmo. A cada<br />

sessão de estimulação, o paciente é<br />

arguído sobre a sensação por ele experimentada.<br />

Nesse momento, é de extrema relevância<br />

que nos lembremos que VC é<br />

somatotopicamente organizado, com o<br />

homúnculo em posição quadrúpede e<br />

estando a cabeça voltada medialmente,<br />

os membros inferiores, lateralmente, e os<br />

membros superiores, em posição intermediária.<br />

Dessa forma, a face, o membro<br />

superior e o membro inferior estão representados,<br />

em mapas sagitais, respectivamente,<br />

12-14, 14-15 e 15-17 milímetros<br />

lateralmente à linha média. Tais<br />

medidas,<br />

porém, podem sofrer variação, dependendo<br />

da largura do terceiro<br />

ventrículo (largura média = 7.7 milímetros)<br />

e de processos patológicos afetando<br />

o tálamo.<br />

O objetivo do mapeamento fisiológico<br />

de VC, lemnisco medial (LM) e<br />

cápsula interna (CI) é a determinação do<br />

ponto cuja estimulação produz parestesia<br />

na área da dor. Desses três alvos, o mais<br />

eficaz parece ser VC. Quando se necessita<br />

produzir parestesia em áreas mais<br />

amplas, porém, devemos fazer a opção<br />

pelo LM ou pela CI, haja vista que, a<br />

estimulação de VC só produz parestesia<br />

em áreas mais restritas (Exemplo: membro<br />

superior ou membro inferior, mas<br />

não em ambos). Para a CI, usamos as<br />

coordenadas sugeridas por Adams (0 a 4<br />

mm anterior a PC, 20 a 25 mm lateral à<br />

linha média e 1 mm inferior a 5 mm<br />

superior à linha AC-PC). Para o LM,<br />

adotamos o alvo sugerido por Tasker<br />

(logo abaixo da linha AC-PC, 12 a 14 mm<br />

lateral à linha média).<br />

Além da estimulação com<br />

macroeletrodo, outros autores utilizam o<br />

registro e estimulação com microeletrodo<br />

para o mapeamento fisiológico. Ao nível<br />

da CI e LM, há um silêncio, não sendo<br />

possível aí registrar nenhuma atividade<br />

celular, naturalmente por causa da ausência<br />

de células nesses feixes de fibras.<br />

Ao nível de VC, porém, há um intenso<br />

ruído, pela riqueza em células táteis. Tais<br />

células podem ser ativadas por estímulo<br />

tátil aplicado em seu campo receptivo e,<br />

quando estimuladas, parestesia é produzida<br />

em seu campo receptivo. Apesar do<br />

registro com microeletrodo ser um magnífico<br />

método para o estudo das estruturas<br />

cerebrais, sob o ponto de vista prático,<br />

os resultados da ECP obtidos com ele<br />

ou apenas com a estimulação com<br />

macroeletrodo são basicamente idênticos.<br />

Embora a resposta esperada à<br />

estimulação de VC seja a parestesia (obtida<br />

com baixa amperagem, comumente<br />

inferior a 0.5 miliamperes em VC, LM e<br />

CI), nos pacientes com dor por injúria<br />

neural (DIN), a estimulação pode não<br />

produzir resposta (ex: infarto talâmico)<br />

ou pode induzir parestesia em local não<br />

esperado (ex: parestesia em face em um<br />

plano 17 mm lateral à linha média, onde<br />

se esperaria obter resposta em membro<br />

inferior) ou mesmo causar dor, resposta<br />

bastante incomum à estimulação de VC.<br />

O registro com microeletrodo, por outro<br />

lado, pode evidenciar a presença de<br />

bursting cells, células deslocadas (como<br />

acima, células com campo receptivo em<br />

face no plano 17 mm lateral à linha<br />

média) e, finalmente, campos receptivos<br />

anormais (ex: grande campo receptivo<br />

em ombro, área com mínima representação<br />

em VC e, portanto, local onde campo<br />

receptivo só raramente é encontrado).<br />

Todas essas alterações, que podem ou<br />

não estar presentes em pacientes com<br />

DIN, sugerem uma reorganização<br />

somatotópica de VC causada pela lesão<br />

do sistema nervoso.<br />

As coordenadas que utilizamos para<br />

PVG são aquelas propostas por<br />

Richardson (2 mm anterior a PC, 2 mm<br />

lateral à parede lateral do terceiro<br />

ventrículo e ao nível da linha<br />

intercomissural (AC-PC) ou por Tasker<br />

(como as de Richardson, mas 5 mm<br />

anterior a PC). Segundo esses autores,<br />

baseados em estudos de autópsia, o<br />

ponto ideal para a estimulação de PVG<br />

encontra-se no bordo medial do núcleo<br />

parafascicular (núcleo talâmico<br />

intralaminar). O registro com<br />

microeletrodo tem pouca validade para<br />

esse alvo. O mapeamento por<br />

estimulação, nos poucos casos em que<br />

alguma resposta é obtida, produz uma<br />

sensação "morna", de bem estar, prazer,<br />

alívio da dor e aumento da pressão<br />

arterial e frequência cardíaca. Os<br />

parâmetros de estimulação usados são:<br />

50-100 Hertz de frequência e 5-8 volts.<br />

Como o mapeamento fisiológico pouco<br />

ajuda na maioria das vezes, o eletrodo é<br />

implantado para teste com base nos<br />

parâmetros anatômicos.<br />

Hosobuchi propôs as seguintes coordenadas<br />

para a estimulação de PAG: 2-<br />

3 mm lateral à linha média, 0-2 mm<br />

posterior a PC e 2-3 mm inferior à linha<br />

AC-PC. Na experiência dos presentes<br />

autores e na de alguns outros (não há um<br />

consenso), a estimulação de PAG, tão<br />

eficaz nos animais de laboratório, provoca,<br />

no ser humano, sensação de horror,<br />

medo, vertigem, um extremo malestar<br />

mal definido e efeitos oculomotores,<br />

distúrbios estes da oculomotricidade que<br />

podem tornar-se permanentes com a<br />

estimulação crônica. Por essa razão, não<br />

temos utilizado esse alvo.<br />

Terminado o mapeamento fisiológico,<br />

o eletrodo utilizado na exploração<br />

do alvo é retirado, e um eletrodo tetrapolar<br />

(DBS, da Medtronic) para estimulação<br />

crônica é implantado no sítio escolhido.<br />

D) ESTIMULAÇÃO DO CÓRTEX<br />

MOTOR (ECM):<br />

Com o paciente em decúbito dorsal<br />

ou lateral, após assepsia e antissepsia,<br />

sob anestesia local, uma incisão linear<br />

parassagital (1-4 centímetros lateral à<br />

linha médio-sagital) ou uma incisão oblíqua<br />

paralela à topografia estimada do<br />

córtex motor é realizada, dependendo<br />

da área a ser estimulada: córtex relacionado<br />

ao membro inferior e córtex relacionado<br />

ao membro superior e face, respectivamente.<br />

A posição aproximada do<br />

córtex motor pode ser determinada por<br />

métodos de topografia cranioencefálica<br />

(métodos de Championniere, Poirier,<br />

Chipault e Kroenlein) ou com base em<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 57


eparos anatômicos relacionados<br />

com o sulco central, conforme demonstração<br />

por tomografia computorizada ou<br />

ressonância magnética de crânio. Uma<br />

craniotomia com cerca de 3-4 centímetros<br />

de diâmetro é efetuada e o eletrodo<br />

tetrapolar (pólos espaçados 10 mm e<br />

possuindo 5 mm de diâmetro) é colocado<br />

no espaço epidural. A exata posição<br />

do córtex motor pode ser determinada<br />

por dois métodos distintos. Através do<br />

potencial evocado somato-sensitivo, utilizando-se<br />

o eletrodo tetrapolar para registro,<br />

pode-se documentar uma onda<br />

característica, denominada N20, presente<br />

no córtex somestésico, que, ao cruzar<br />

o sulco central para o córtex motor,<br />

apresenta uma fase reversa, passando de<br />

negativa para positiva; trata-se de um<br />

critério bastante confiável. O outro método<br />

é o da estimulação bipolar com baixa<br />

frequência (1-2 Hertz): a resposta esperada<br />

é a contração de um músculo localizado<br />

na área da dor. Conhecendo-se o<br />

homúnculo motor, é possível, já antes da<br />

estimulação, colocar o eletrodo em placa<br />

na topografia mais adequada: face<br />

medial do hemisfério, para dor em membro<br />

inferior e convexidade, para dor<br />

facial e em membro superior. Alguns<br />

pacientes se queixam de dor no sítio de<br />

estimulação. Nesses casos, faz-se uma<br />

incisão na dura-máter ao redor do eletrodo<br />

e logo a seguir, a sutura, o que alivia<br />

esse problema (denervação da duramáter<br />

sob o eletrodo). Estabelecidos o<br />

sítio ideal e a melhor combinação de<br />

contatos para estimulação, o eletrodo é<br />

ancorado à dura com um ponto. A intensidade<br />

de estimulação usada durante a<br />

etapa de estimulação-teste é menor do<br />

que aquela necessária para produzir<br />

contração muscular. Nos casos em que a<br />

ECM é efetiva em aliviar a dor, curiosamente,<br />

os pacientes referem uma leve<br />

sensação de parestesia à estimulação.<br />

V - RESULTADOS:<br />

O resultado da neuroestimulação<br />

pode ser classificado em excelente (alívio<br />

da dor superior a 75%), bom (51-75%<br />

de alívio), regular (26-50% de alívio) e<br />

ruim (alívio inferior ou igual a 25%). Tal<br />

classificação baseia-se em três parâmetros<br />

fundamentais: escala analógica visual,<br />

quantidade e qualidade das drogas analgésicas<br />

utilizadas e atividades de vida<br />

diária. A compa<br />

ração entre os índices pré e pósoperatórios<br />

fornece o resultado do tratamento<br />

instituído.<br />

Mais importante que o resultado<br />

imediato, é aquele verificado após um<br />

longo follow-up. Kumar refere que tende<br />

a haver uma queda do sucesso inicial<br />

nos dois primeiros anos após a cirurgia,<br />

a partir de quando os resultados tendem<br />

a se estabilizar.<br />

Por sucesso, índice de sucesso ou<br />

resultado satisfatório, queremos nos referir<br />

àqueles pacientes com alívio da dor<br />

superior a 50% (resultados bom e excelente)<br />

após dois anos de follow-up.<br />

O índice de sucesso da EGG é de<br />

40-50%. É particularmente bem sucedida<br />

nos pacientes com neuralgia trigeminal<br />

atípica secundária a procedimentos cirúrgicos<br />

na face ou a trauma (54%). Os<br />

piores casos são os de pacientes com<br />

neuralgia facial pós-herpética (10%). Já<br />

os pacientes com dor facial secundária a<br />

lesão cerebral apresentam resultado intermediário<br />

(33% de resultado<br />

satisfatório).<br />

A EME proporciona resultados<br />

satisfatórios em 50-60% dos casos. Os<br />

pacientes mais beneficiados são aqueles<br />

com síndrome pós-laminectomia e<br />

distrofia simpática reflexa e os com piores<br />

resultados, aqueles com neuralgia<br />

pós-herpética, amputação e lesão medular<br />

(naqueles pacientes com dor apenas<br />

segmentar, o resultado pode ser bom).<br />

Corrêa, porém, relata sucesso em 2/3 de<br />

seus pacientes com neuralgia pós-herpética<br />

intercostal, após um follow-up de 8<br />

a 18 meses.<br />

Os sucessos da ECP podem ser<br />

analisados quanto ao tipo de dor tratada<br />

e quanto ao sítio de estimulação. 42%<br />

dos pacientes com dor por injúria neural<br />

(DIN) e 61% daqueles com dor<br />

nociceptiva obtiveram resultado<br />

satisfatório com a ECP, conforme metaanálise<br />

recentemente publicada por Levy.<br />

Ainda segundo a mesma fonte, nos pacientes<br />

com DIN, a estimulação de VC foi<br />

bem sucedida em 56%, e a de PVG-PAG,<br />

em 23%; já nos pacientes com dor<br />

nociceptiva, a estimulação de PVG-PAG<br />

produziu resultado satisfatório em 59%,<br />

e a de VC, em 0%. De modo geral, os<br />

melhores resultados são obtidos nos casos<br />

de síndrome pós-laminectomia, DIN periférica<br />

(inclusive avulsão de plexo<br />

braquial) e câncer, e os piores resultados<br />

naqueles com DIN medular e encefálica.<br />

Na série de 60 pacientes de Tasker e<br />

Vilela Filho, curiosamente, os índices de<br />

sucesso para a DIN periférica e DIN<br />

encefálica foram bastante similares.<br />

Existem ainda poucos pacientes em<br />

todo o mundo submetidos à ECM. Os<br />

resultados iniciais, porém, nos parecem<br />

animadores. O índice global de sucesso<br />

reportado é 69%, chegando a 89% nos<br />

pacientes com DIN no território do<br />

trigêmeo. Os piores resultados foram<br />

registrados nos pacientes com DIN medular<br />

(33%, embora o número de pacientes<br />

seja bastante pequeno). Para os pacientes<br />

com DIN encefálica, usualmente<br />

tão refratários a qualquer tratamento,<br />

resultados satisfatórios têm sido obtidos<br />

em mais de 50% dos casos. Trata-se, sem<br />

dúvida, de um método bastante promissor.<br />

VI - COMPLICAÇÕES:<br />

A incidência global de complicações<br />

é da ordem de 13%.<br />

Mortalidade, relacionada apenas à<br />

ECP, foi relatada em 1.6% dos casos.<br />

Déficit neurológico significativo foi observado<br />

em 2.2% dos pacientes submetidos<br />

à ECP, e em 1 entre 700 pacientes<br />

submetidos à EME (secundário a hematoma<br />

epidural). Hematoma intracraniano<br />

foi reportado em 3% dos casos de ECP.<br />

Complicações relacionadas ao<br />

hardware implantado são relativamente<br />

frequentes: infecção, 8%, erosão do<br />

tegumento sobre o hardware, 1.8%, migração<br />

do eletrodo, 6% e falha mecânica<br />

do equipamento, 9%.<br />

VII - CONCLUSÕES:<br />

A despeito de seu uso com critério<br />

científico já há cerca de 30 anos, a<br />

neuroestimulação para o tratamento da<br />

dor crônica tem ainda uma longa estrada<br />

a percorrer. Trata-se de um método laborioso,<br />

devendo ser realizado apenas por<br />

profissionais adequadamente treinados<br />

e em centros bem equipados para esse<br />

fim. Os resultados, à primeira vista não<br />

muito animadores, não podem ser vistos<br />

sob o mesmo prisma dos demais procedimentos<br />

cirúrgicos. A estimulação cerebral<br />

profunda, por exemplo, pode ser o<br />

último recurso disponível, no momento,<br />

para o tratamento de pacientes que já<br />

tentaram tudo o mais e estão incapacitados<br />

por dor crônica. Uma chance de<br />

sucesso de 60%, na verdade, é extremamente<br />

significativa para quem não tem<br />

mais ao que ou a quem recorrer. A<br />

incidência de complicações significativas,<br />

felizmente, é bastante baixa, bem<br />

como a mortalidade. A identificação do<br />

alvo ideal a ser estimulado para cada tipo<br />

específico de dor, o reconhecimento dos<br />

fatores de risco para a estimulação e a<br />

adoção da avaliação psicológica e psiquiátrica<br />

como parte obrigatória do<br />

screening pré-operatório, associados aos<br />

contínuos avanços no diagnóstico por<br />

imagem (favorecendo uma melhor identificação<br />

do alvo a ser abordado), na<br />

tecnologia dos sistemas implantáveis e<br />

na compreensão dos mecanismos celulares<br />

e moleculares envolvidos na modulação<br />

da dor, temos certeza, tornarão a<br />

neuroestimulação um procedimento dia<br />

a dia mais eficiente e atraente.<br />

58 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento

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