Revista Biotecnologia
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2 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 3<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 3
ENTREVISTA<br />
Luiz Antônio Barreto de Castro, Presidente do CTNBio<br />
Entrevista concedida a<br />
Lucas Tadeu Ferreira e<br />
Maria Fernanda Diniz Avidos<br />
Na década de 60, a agricultura mundial ganhou um forte impulso com o melhoramento genético de plantas,<br />
que permitia aos cientistas, através de cruzamentos, desenvolverem espécies mais produtivas. Na década<br />
de 70, um advento conhecido como engenharia genética, possibilitava aos cientistas algo ainda mais<br />
fantástico: transferir para as espécies vegetais um ou mais genes de interesse, sem alterar as suas outras<br />
características. Essa ciência, denominada biotecnologia, foi ganhando força no decorrer dos anos e hoje é uma<br />
das ferramentas mais importantes para o desenvolvimento de uma agricultura mais produtiva, saudável e menos<br />
dependente do uso de agrotóxicos. Através da biotecnologia, a ciência pode obter respostas rápidas e seguras<br />
na resolução de questões importantes, como resistência à pragas, doenças e estresses ambientais, como também<br />
no desenvolvimento de espécies mais produtivas e com maior valor nutricional. Pode-se dizer, sem dúvida,<br />
que a biotecnologia é um dos instrumentos mais fortes no contexto científico-tecnológico atual, para se chegar<br />
a tão almejada agricultura sustentável.<br />
Por outro lado, o desenvolvimento da biotecnologia moderna trouxe também novas preocupações com as<br />
questões de biossegurança e bioética, tanto a nível laboratorial quanto ao que diz respeito a potenciais danos<br />
ecológicos, diante da perspectiva de liberação de Organismos Geneticamente Modificados _ OGM's, no<br />
ambiente.<br />
Em janeiro de 1995, a biotecnologia no Brasil ganhou uma forte aliada: a Lei de Biossegurança (nº 8.974),<br />
regulamentada através do Decreto nº 1.752 , que estabelece e impõe condições de segurança para as pesquisas<br />
nessa área. Além de regulamentar as atividades de biotecnologia, essa Lei prevê também penalidades de até<br />
20 anos de retenção para quem desrespeitá-la.<br />
A regulamentação da Lei de Biossegurança levou à criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança<br />
_ CTNBio, em 29 de maio de 1995. A CTNBio é composta por representantes do Poder Executivo, da comunidade<br />
científica, do setor empresarial que atua em biotecnologia, de representantes de órgãos de defesa do<br />
consumidor, e de órgãos legalmente constituídos de proteção à saúde do trabalhador e é a Comissão<br />
responsável pela regulamentação da biossegurança, no que se refere ao uso e liberação de OGM's no ambiente.<br />
Desde a sua criação, a CTNBio julgou e proferiu decisão em 64 processos administrativos, relativos ao uso de<br />
técnicas de engenharia genética no país. Várias questões de extrema importância para o cenário científico e<br />
tecnológico do Brasil, como clonagem, importação e comercialização de OGM`s, entre outras, fazem parte do<br />
dia-a-dia dessa Comissão, e, para falar sobre essas questões, a revista BIOTECNOLOGIA, Ciência &Desenvolvimento<br />
entrevistou, no dia 1º de julho de1998, o Presidente da Comissão, Luiz Antônio Barreto de Castro.<br />
Luiz Antônio é graduado em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, tem mestrado em<br />
Tecnologia de Sementes, pela Universidade do Mississipi, EUA, PhD em Fisiologia de Plantas, pela Universidade<br />
da Califórnia Davis e Pos Doutoramento em Biologia Molecular na Universidade da california Los Angeles,<br />
também nos EUA. O Presidente da CTNBio tem uma longa experiência como professor e cientista, já prestou<br />
várias consultorias em nível nacional e internacional, foi professor na Universidade Federal Rural do Rio de<br />
Janeiro de 1965 a 1981 e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />
_ Cenargen/Embrapa, de 1981 a 1996, onde, como pioneiro, foi o responsável pela implantação e<br />
implementação do Programa de <strong>Biotecnologia</strong> da EMBRAPA da infra-estrutura, e em especial do laboratório<br />
de engenharia genética e formação de equipes especializadas nessa área.<br />
Durante a entrevista, Luiz Antonio falou sobre o funcionamento da CTNBio, e destacou a importância da<br />
biotecnologia para o desenvolvimento da agricultura no Brasil, enfatizando que a Comissão age com muita<br />
cautela e seriedade antes de autorizar a liberação de OGM's no ambiente.<br />
4 <strong>Biotecnologia</strong> 4 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência Ciência & Desenvolvimento & Desenvolvimento
BC&D - Qual é a missão da CTNBio?<br />
Luiz Antônio - A missão da CTNBio é<br />
implementar a Lei de Biossegurança,<br />
que trata de todos os aspectos relativos<br />
a Organismos Geneticamente Modificados<br />
_ OGM's, e estabelecer minuciosamente<br />
regulamentações que a Lei não<br />
prescreve. Toda lei, em geral, é ampla e<br />
trata de questões conceituais, mas não<br />
especifica detalhes, por isso, tivemos<br />
que elaborar várias Instruções Normativas<br />
para que a Lei pudesse ser aplicada.<br />
BC&D - Quantos membros tem a CTNBio<br />
e como são escolhidos?<br />
Luiz Antônio - São 18 membros, entre<br />
representantes da sociedade científica,<br />
dos Ministérios da Agricultura, Saúde,<br />
Meio Ambiente, Relações Exteriores,<br />
Educação e Ciência e Tecnologia, do<br />
setor industrial, dos órgãos de defesa do<br />
consumidor e da saúde do trabalhador.<br />
Os representantes da comunidade científica<br />
são escolhidos a partir de uma<br />
ampla consulta às instituições que atuam<br />
em ciência e tecnologia. Essa consulta é<br />
tão ampla, que dentro das universidades,<br />
os departamentos e associações<br />
científicas podem mandar currículos,<br />
indicando pessoas para comporem a<br />
Comissão, que a CTNBio os considera.<br />
Essas indicações são selecionadas pelo<br />
Ministro da Ciência e Tecnologia e indicados<br />
ao Presidente da República para<br />
nomeação. Os representantes dos Ministérios<br />
são apontados pelos respectivos<br />
Ministros e, por isso, não passam por<br />
nenhum processo de seleção no Ministério<br />
da Ciência e Tecnologia. O Ministério<br />
da Agricultura conta com dois representantes,<br />
um da área animal, e outro da<br />
área vegetal. O interesse do consumidor<br />
é representado pela Procuradoria de<br />
Defesa do Cosumidor. No caso da saúde<br />
do trabalhador, a indicação vem do<br />
Ministério do Trabalho ou da Saúde, já<br />
que ambos têm autonomia para indicar<br />
nomes com esse perfil. Quanto aos representantes<br />
do setor industrial, as indicações<br />
são feitas por representantes da<br />
indústria ligados à biotecnologia que,<br />
em geral, se articulam para definir esses<br />
nomes.<br />
BC&D - Como a Comissão está<br />
estruturada internamente e como é o<br />
processo decisório?<br />
Luiz Antônio - A Comissão tem um<br />
regimento interno, que estabelece os<br />
seus mecanismos de funcionamento,<br />
como comparecimento às reuniões, direitos<br />
e deveres de cada membro, enfim,<br />
regras que são utilizadas e aceitas pelos<br />
membros da Comissão. Os integrantes<br />
não recebem<br />
remuneração pelo comparecimento, e<br />
nós nos reunimos, quase sempre, uma<br />
vez por mês, em reuniões longas, muitas<br />
vezes de dois dias, que são precedidas<br />
de reuniões de comissões setoriais específicas.<br />
A Lei estabelece que além da<br />
Comissão Técnica Nacional, existem três<br />
comissões setoriais específicas, localizadas<br />
nos Ministérios da Agricultura, Saúde<br />
e Meio Ambiente. Essas comissões<br />
tratam de questões inerentes a essas<br />
áreas e adiantam uma posição técnica a<br />
respeito dos assuntos de sua competência,<br />
para serem tratados na Comissão<br />
maior, a Comissão plena. Em se tratando<br />
de questões urgentes, a CTNBio convoca<br />
reuniões extraordinárias. Na maioria das<br />
vezes, as decisões da Comissão são tomadas<br />
por consenso, mas com freqüência<br />
temos que votar e quando votamos,<br />
a decisão é sempre por maioria dos<br />
membros presentes, sendo que o Presidente<br />
só vota quando há empate, ou<br />
seja, o voto minerva. As reuniões são<br />
sempre formais, e as decisões publicadas<br />
no Diário Oficial e também nos boletins<br />
e relatórios anuais de atividades da<br />
CTNBio.<br />
BC&D - Quais são os critérios adotados<br />
para a concessão do CQB - Certificado<br />
de Qualidade em Biossegurança às instituições<br />
interessadas?<br />
Luiz Antônio - O Certificado de Qualidade<br />
em Biossegurança - CQB leva em<br />
consideração dois aspectos principais.<br />
primeiro, a natureza da atividade da<br />
instituição, ou seja, se é científica, industrial,<br />
de teste de produtos transgênicos ,<br />
ou simplesmente de armazenamento, o<br />
que provavelmente vai acontecer agora<br />
em função da Lei de Proteção de Cultivares,<br />
e ainda as que comercializam OGM's<br />
e seus derivados . Em segundo lugar , os<br />
organismos que são<br />
objeto das atividades. Existem regras de<br />
segurança que são mais rígidas do ponto<br />
de vista das condições de infra-estrutura<br />
e de manuseio do organismo, em função<br />
da sua classificação. Nós utilizamos a<br />
classificação do NIH - "National Institute<br />
of Health", dos EUA, que classifica os<br />
organismos em dois grupos: grupo 1,<br />
que de um modo geral, não são perigosos,<br />
e grupo 2, que devem ser manipulados<br />
com maior cuidado, porque podem<br />
representar riscos. As instituições interessadas<br />
no CQB preenchem um formulário<br />
próprio da CTNBio, de acordo com<br />
as instruções fornecidas pela CTNBio .<br />
Depois, descrevem as instalações que<br />
dispõem para exercer as atividades com<br />
OGM's. A Comissão analisa esses pedidos<br />
e concede ou não o CQB, Outra<br />
exigência para a obtenção do CQB é que<br />
a instituição interessada tenha um comitê<br />
interno de biossegurança, para que a<br />
própria instituição supervisione e fiscalize<br />
as suas atividades com OGM's. Esses<br />
comitês têm por obrigação legal relatar à<br />
CTNBio qualquer problema ocorrido no<br />
desenvolvimento de pesquisas de engenharia<br />
genética. Hoje, no Brasil, há mais<br />
de 100 laboratórios desenvolvendo pesquisas<br />
com OGM's e muitos desses laboratórios<br />
já vêm funcionando há mais de<br />
20 anos, mesmo antes da Lei de<br />
Biossegurança, sem que nenhum acidente<br />
tenha ocorrido. No caso de indústrias<br />
e liberações no campo, a Comissão<br />
realiza inspeções freqüentes, ainda que<br />
até hoje não tenha havido problemas<br />
ambientais ou de outra natureza. A Comissão<br />
já concedeu mais de 70 CQB's,<br />
mas muitas instituições ainda não o solicitaram,<br />
o que dificulta muito o nosso<br />
trabalho. Nós não temos a intenção de<br />
agir de maneira "policialesca", o que<br />
queremos é que a comunidade se<br />
conscientize da importância de ter o seu<br />
Certificado e funcione de maneira legal.<br />
Enviamos cartas para as instituições que<br />
ainda não têm o CQB, informado-as que<br />
a Lei nos obriga a intervir nas agências<br />
de fomento, para impedir o financiamento<br />
de projetos das instituições que<br />
não possuem o CQB, ou que pelo menos,<br />
não tenham o pedido protocolado<br />
na CTNBio. Essa ação da CTNBio foi<br />
incorporada a editais, como o do PADCT<br />
- Programa de Apoio ao Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico, por exemplo,<br />
que estabelece com clareza que<br />
instituições que trabalham com engenharia<br />
genética que não têm, pelo menos,<br />
o protocolo solicitando o CQB, não<br />
terão projetos financiados pelo Programa.<br />
Aos poucos, os outros programas<br />
vão agir da mesma maneira. A CTNBio já<br />
se reportou à todas as agências de financiamento<br />
em nível estadual e federal,<br />
chamando atenção para essa determinação.<br />
A Comissão já comunicou também<br />
aos órgãos de fiscalização do Governo<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 5<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 5
os nomes das instituições que ainda não<br />
têm o CQB, para que sejam autuadas na<br />
forma da Lei.<br />
BC&D - E quais são os critérios para<br />
aprovação de projetos de pesquisa que<br />
envolvem OGM's?<br />
Luiz Antônio - Para instituições que<br />
atuam com organismos do Grupo 1, as<br />
exigências do ponto de vista legal são a<br />
formação de um comitê interno de<br />
biossegurança e o CQB. As instituições<br />
que atuam com organismos do grupo 2,<br />
além do CQB, têm que enviar à Comissão<br />
cópias dos projetos de pesquisa que<br />
desenvolvem para que possamos avaliar<br />
o grau de risco na manipulação desses<br />
organismos.<br />
BC&D - Quantos e quais produtos já<br />
foram liberados pela CTNBio e quais<br />
estão sendo analisados atualmente?<br />
Existe algum produto geneticamente<br />
modificado ou derivado que já está sendo<br />
comercializado no Brasil?<br />
Luiz Antônio - Nós já aprovamos aproximadamente<br />
uma centena de liberações<br />
de produtos transgênicos no campo,<br />
principalmente plantas. Dentre essas liberações,<br />
destacam-se a soja e o milho,<br />
além da cana-de-açúcar e algodão. Houve<br />
uma solicitação da ABIOVE - Associação<br />
Brasileira das Indústrias de Óleos<br />
Vegetais para comercializar soja<br />
transgênica resistente a herbicida no<br />
Brasil, e que foi aprovada pela CTNBio.<br />
Não houve até agora nenhuma<br />
desregulamentação de produto<br />
transgênico, ou seja, nenhum produto<br />
transgênico passou por força do processo<br />
de desregulamentação a ser tratado<br />
como um produto comum. Já existe na<br />
CTNBio, um pedido de autorização para<br />
produção comercial e consumo de soja<br />
resistente ao herbicida "Roundup" e que<br />
deverá ser analisado nas próximas reuniões<br />
da Comissão. É importante considerar<br />
que essa soja já foi desregulamentada<br />
há alguns anos nos EUA, Canadá, Argentina,<br />
e até mesmo na Europa, de modo<br />
que a posição do Brasil é até certo ponto<br />
confortável, porque quando tomamos<br />
uma decisão, já temos uma longa experiência<br />
do que aconteceu em outros<br />
países, para que possamos avaliar e<br />
assim basear a nossa decisão.<br />
BC&D - Entre esses produtos, o senhor<br />
poderia apontar quais OGM's foram<br />
desenvolvidos por instituições brasileiras?<br />
Luiz Antônio - A única solicitação para<br />
teste no campo de produto transgênico<br />
desenvolvido por instituição brasileira,<br />
até<br />
6 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
6 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
o momento, foi a cana-de-açúcar da<br />
Coopersucar, resistente a herbicida, mas<br />
existem trabalhos em andamento envolvendo<br />
a cooperação entre Centros da<br />
EMBRAPA e instituições estrangeiras<br />
como a Monsanto para o desenvolvimento<br />
de transgênicos no Brasil<br />
BC&D - Os produtos transgênicos liberados<br />
pela Comissão terão que ser obrigatoriamente<br />
rotulados para orientar<br />
os consumidores? Qual a sua opinião<br />
sobre a questão da rotulagem?<br />
Luiz Antônio - Existe um grande debate<br />
internacional num fórum denominado<br />
Codex Alimentarius, da FAO - Organização<br />
das Nações Unidas para Agricultura<br />
e Alimentação, sobre a questão da<br />
rotulagem. Recentemente, houve uma<br />
reunião em Montreal, no Canadá, e eu<br />
tive a oportunidade de participar, como<br />
membro da Delegação Brasileira. Durante<br />
essa reunião, os países apresentaram<br />
as suas posições com relação à questão<br />
da rotulagem de OGM's. Me parece prudente<br />
que o Brasil acompanhe o andamento<br />
dessas discussões a nível internacional,<br />
antes de tomar posições a favor<br />
ou contra a rotulagem. O posicionamento<br />
internacional certamente vai servir de<br />
base para a Organização Mundial de<br />
Comércio, que vai levar em consideração<br />
a decisão do Codex Alimentarius<br />
para estabelecer as regras de rotulagem.<br />
Portanto, o que sugerimos, pela CTNBio,<br />
à comissão brasileira que trata desse<br />
assunto no Codex, foi não tratar essa<br />
questão de forma definitiva, antes de<br />
haver um consenso internacional. Mas a<br />
posição da Delegação Brasileira foi no<br />
sentido de não<br />
rotular nos alimentos oriundos de produtos<br />
transgênicos, o processo que os<br />
origimou. A razão é a seguinte: a engenharia<br />
genética é apenas mais um método<br />
de melhoramento genético, à semelhança<br />
de muitos que já foram usados<br />
no passado, como a radiação gama,<br />
mutagênicos químicos etc., e que não<br />
foram objeto de rotulagem, ainda que os<br />
melhoristas clássicos tivessem menos<br />
controle dos genes que estavam sendo<br />
manipulados. Com o surgimento da engenharia<br />
genética nós temos absoluto<br />
controle na manipulação desses genes.<br />
Eu acho que colocar no rótulo que o<br />
produto foi desenvolvido por engenharia<br />
genética não tem nenhuma relevância<br />
para o consumidor, do ponto de vista<br />
da segurança alimentar. O importante é<br />
informar a composição química do alimento,<br />
os ingredientes adicionados ao<br />
produto, se tem algum efeito colateral ou<br />
prejudicial, como por exemplo alergia a<br />
determinadas proteínas. O consumidor<br />
tem que saber se o que ele está consumindo<br />
é seguro ou não. Dizer no rótulo<br />
que o produto foi desenvolvido por<br />
engenharia genética só tem uma conseqüência:<br />
a desconfiança do consumidor.<br />
Por outro lado, nós estamos convencidos<br />
que algumas instituições estão<br />
dispostas a banir a engenharia genética<br />
do planeta, como o "Greenpeace" entre<br />
outras. O problema para eles não é a<br />
rotulagem e sim a tecnologia utilizada.<br />
Mas o Brasil precisa da engenharia genética<br />
e tem que agir com cautela em<br />
relação a esse assunto. Os países da<br />
Europa e a Índia apoiaram a rotulagem<br />
de todos os produtos e derivados de<br />
engenharia genética. O Brasil defendeu<br />
explicitamente uma posição contrária, e<br />
foi seguido por outros países como EUA,<br />
Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Argentina,<br />
Chile, Coréia e Japão. Há uma<br />
divisão no mundo hoje: de um lado, a<br />
Europa, onde estão as grandes<br />
multinacionais produtoras de inseticidas,<br />
sobretudo na Suíça, que é contra a<br />
engenharia genética. O mais curioso é<br />
que um plebiscito sobre a pesquisa com<br />
DNA, que inclui produtos transgênicos,<br />
recentemente feito na Suíça mostrou que<br />
a população aprova o uso desses produtos.<br />
Portanto, é importante separar o que<br />
é realmente preocupação com a segurança<br />
alimentar do consumidor de outros<br />
interesses econômicos que possam<br />
estar por traz dos discursos contra a<br />
engenharia genética. Esses subterfúgios<br />
podem atrasar o avanço da engenharia<br />
genética, que é muito importante para o<br />
Brasil.<br />
BC&D - O senhor acha que a sociedade<br />
brasileira já está suficientemente<br />
esclarecida para consumir produtos<br />
geneticamente modificados ou derivados?<br />
Em caso negativo, o que o senhor<br />
acha que pode ser feito nesse sentido?
Luiz Antônio - Não. Eu acho que a<br />
sociedade brasileira não está suficientemente<br />
esclarecida e isso já foi amplamente<br />
discutido nas reuniões da CTNBio.<br />
Recentemente, fomos criticados por uma<br />
associação de produtores do Paraná,<br />
que disse que a Comissão não divulga de<br />
maneira adequada os seus trabalhos. Eu<br />
acredito que devemos tornar a Comissão<br />
mais visível, trabalhar mais com a imprensa,<br />
divulgando informações sobre<br />
engenharia genética. Nossa função, entretanto,<br />
não é advogar em favor da<br />
biotecnologia e sim atuar tecnicamente<br />
com relação à biossegurança. Mas é<br />
importante que a sociedade saiba o que<br />
é a engenharia genética, seus limites e<br />
possibilidades e esta informação cabe a<br />
industria realizar. Poucas pessoas no<br />
mundo sabem, por exemplo, que boa<br />
parte da insulina utilizada no mundo é<br />
feita por engenharia genética, e que, se<br />
ela for banida, certamente, os diabéticos<br />
serão prejudicados. A discussão sobre a<br />
engenharia genética não pode ser<br />
emotiva. A Comissão vai procurar trabalhar<br />
na conscientização da sociedade<br />
quanto à definição da engenharia genética.<br />
No Brasil, nunca houve uma pesquisa<br />
de opinião pública para saber<br />
como a sociedade vê essa questão, e,<br />
mesmo no mundo, a realidade é que<br />
poucas pessoas sabem o que é a engenharia<br />
genética. Ela é muito confundida<br />
com a "panfletagem" dos filmes de ficção<br />
científica, como "Os meninos do<br />
Brasil", "Parque dos Dinossauros" e muitos<br />
outros.<br />
BC&D - A CTNBio, de acordo com a Lei<br />
de Biossegurança, é um órgão consultivo<br />
ou deliberativo?<br />
Luiz Antônio - A Lei estabelece que a<br />
CTNBio é um órgão consultivo .Através<br />
de relatórios conclusivos os setores do<br />
Executivo (Ministérios da Agricultura,<br />
Saúde e Meio Ambiente), autorizam as<br />
liberações de produtos transgênicos no<br />
campo, e a fiscalizam. A importação de<br />
OGM's relacionados à agropecuária depende<br />
igualmente do Ministério da Agricultura.<br />
Os órgãos de fiscalização, por<br />
sua vez, agem consultando sempre formalmente<br />
a CTNBio, e não decidem sem<br />
parecer conclusivo da Comissão, para<br />
cada caso.<br />
BC&D - Através de que mecanismos a<br />
CTNBio fiscaliza e detecta se produtos<br />
importados ou desenvolvidos no Brasil<br />
são transgênicos?<br />
Luiz Antônio - A CTNBio atua em conjunto<br />
com os órgãos de fiscalização.<br />
Quase sempre, os técnicos da Comissão<br />
acompa<br />
nham os da fiscalização na inspeção de<br />
experimentos de campo etc. Se há necessidade<br />
de coletar amostras, o técnico<br />
da CTNBio traz o material para ser analisado<br />
em laboratórios credenciados,<br />
para que tenhamos uma conclusão técnico-científica<br />
sobre a fiscalização. Existem<br />
mecanismos que possibilitam à Comissão<br />
dizer se o produto é ou não<br />
transgênico. No caso da soja resistente<br />
ao "Roundup" houve uma denuncia de<br />
que o produto estava sendo<br />
contrabandeado no Rio Grande do Sul e<br />
a própria Companhia que tem interesse<br />
no produto colocou à disposição da<br />
Comissão uma sonda específica para<br />
identificar o gene que confere resistência<br />
ao herbicida. Existem ainda outras<br />
formas mais simples para constatar a<br />
resistência a herbicida, como por exemplo,<br />
pulverizar a lavoura com o herbicida<br />
e avaliar o grau de resistência.<br />
BC&D - O senhor acredita que os órgãos<br />
de fiscalização do Governo estão<br />
preparados para identificar materiais<br />
transgênicos que entram ou são<br />
desenvolvidos indevidamente no país?<br />
Luiz Antônio - Na verdade, ninguém<br />
tem condição de olhar uma planta e<br />
dizer se ela é transgênica ou não, já que<br />
é igual às outras. O que os órgãos fazem<br />
é trazer amostras para análises<br />
laboratoriais. Por outro lado, a CTNBio<br />
tem trabalhado para melhorar a competência<br />
dos fiscais, principalmente do<br />
Ministério da Agricultura, que<br />
correspondem no momento a maior<br />
parte dos pedidos de liberação no campo,<br />
através de treinamentos, cursos, palestras,<br />
conferências, de tal maneira que<br />
os fiscais saibam o que é a engenharia<br />
genética, plantas transgênicas etc. Essas<br />
estratégias da CTNBio têm possibilitado<br />
a melhoria da<br />
qualidade do trabalho dos fiscais progressivamente,<br />
e a sociedade pode ficar<br />
tranqüila que nós estamos trabalhando<br />
com muita seriedade.<br />
BC&D - Vários segmentos representativos<br />
da sociedade civil cobram do Governo<br />
limites éticos para pesquisas com<br />
OGM's. A CTNBio pretende elaborar<br />
um código de ética para essas pesquisas?<br />
Luiz Antônio - A Lei prevê que a CTNBio<br />
elabore um código de ética. Só que<br />
existem segmentos da sociedade voltados<br />
para a ética, que é uma questão<br />
filosófica e complexa, e não pode ser<br />
decidido isoladamente por uma Comissão,<br />
essencialmente técnica. Há membros<br />
da CTNBio que acompanham todas<br />
as ações no país e no exterior voltadas<br />
para a discussão das questões éticas<br />
relativas à biossegurança. Nesse momento,<br />
há questões difíceis sendo tratadas em<br />
nível internacional na Unesco com relação,<br />
por exemplo, ao Projeto Genoma<br />
Humano. Representantes da CTNBio têm<br />
comparecido a todas as reuniões dessa<br />
natureza. Nesse caso específico, o pesquisador<br />
Genaro Ribeiro de Paiva do<br />
Cenargen - Centro Nacional de Pesquisa<br />
de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
da Embrapa, que é membro da CTNBio,<br />
participou pela Comissão. O Brasil tem<br />
tido uma participação bastante competente<br />
nessas reuniões, pelos relatórios<br />
que temos recebido. A questão do genoma<br />
humano é crítica do ponto de vista ético,<br />
porque há uma preocupação mundial<br />
com a apropriação dos genes humanos.<br />
Outra questão difícil é a da clonagem<br />
humana. A Lei brasileira e a CTNBio, em<br />
particular, tem uma posição muito firme<br />
contrária à clonagem humana, o que foi<br />
amplamente divulgado pela imprensa,<br />
em resposta à uma solicitação feita pela<br />
Presidência da República, preocupada<br />
com a possibilidade de que a mesma<br />
técnica utilizada na clonagem da ovelha<br />
"Dolly" fosse aplicada em humanos. A<br />
CTNBio estabeleceu uma Instrução<br />
Normativa que proíbe utilizar essa técnica<br />
em humanos. É preciso agir com<br />
bastante cautela em relação à ética. Precisamos<br />
estar inteirados com todas as<br />
implicações éticas da engenharia genética,<br />
principalmente no que se refere ao<br />
ser humano, de modo que possamos<br />
orientar à sociedade e as instituições para<br />
utilizar adequadamente a engenharia genética.<br />
BC&D - Os produtos geneticamente<br />
modificados que já são comercializados<br />
em países de primeiro mundo, como<br />
nos EUA, por exemplo, ao ingressarem<br />
no Brasil, têm que ser sub metidos a<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 7
testes?<br />
Luiz Antônio - Até hoje todos os produtos<br />
transgênicos que ingressaram no Brasil<br />
foram submetidos a testes. Nenhum<br />
foi desregulamentado ainda como dissemos<br />
anteriormente. Apesar de o Brasil<br />
estar um pouco atrasado no processo,<br />
nós achamos prudente analisar cada<br />
caso e não simplesmente aceitar decisões<br />
que foram tomadas em outros países.<br />
A biologia é, de fato, complexa, os<br />
ambiente mudam e não devemos subestimar<br />
essas questões. É melhor ser prudente<br />
e fazer avaliação de riscos do que<br />
gerenciar o acidente depois que ele acontece.<br />
BC&D - A CTNBio tem conhecimento<br />
de algum produto geneticamente modificado<br />
que tenha sido aprovado em<br />
seu país de origem e que, ao ser liberado,<br />
causou danos à saúde humana e ao<br />
meio ambiente?<br />
Luiz Antônio - Em 25 anos de pesquisas<br />
com OGM's, não há registro de nenhum<br />
acidente com produtos desenvolvidos<br />
por engenharia genética. Ao contrário,<br />
até hoje todos os produtos desenvolvidos<br />
a partir dessas técnicas na área de<br />
fármacos e agricultura foram produzidos<br />
e comercializados com segurança e<br />
trouxeram via de regra benefícios a sociedade<br />
. Pode ser que não tenham tido o<br />
efeito desejado em alguns casos , mas<br />
nunca causaram danos ao homem e ao<br />
meio ambiente. A pressão contrária aos<br />
transgênicos pode ter várias explicações,<br />
uma delas é que a engenharia genética<br />
interfere com mercados bastante poderosos.<br />
O mercado de inseticidas, por<br />
exemplo, que movimenta bilhões de<br />
dólares, vai ser muito afetado pela engenharia<br />
genética, pela redução de inseticidas.<br />
Para o Brasil, essa redução será<br />
muito significativa, devido ao grande<br />
volume de importação desses produtos,<br />
que além de aumentar o custo de produção<br />
da agricultura, poluem o meio ambiente<br />
e matam.<br />
BC&D - O Brasil, por ter a maior<br />
biodiversidade do planeta, é centro de<br />
origem de diversas espécies. O senhor<br />
acha que os OGM's podem representar<br />
riscos à nossa biodiversidade?<br />
Luiz Antônio - Essa é uma pergunta<br />
difícil. Sempre que analisamos as questões<br />
de biossegurança, uma das maiores<br />
preocupações é que os OGM's não sejam<br />
introduzidos nos centros de origem<br />
das espécies vegetais. O Brasil não é<br />
realmente centro de origem de muitas<br />
espécies vegetais. As preocupações são<br />
sempre maiores quando lidamos com<br />
espécies com grande capacidade de cruzamentos,<br />
como por exemplo milho e<br />
algodão, do que com espécies fundamentalmente<br />
de autofecundação, como<br />
a soja e o arroz. Da maneira como temos<br />
trabalhado, os riscos de que a<br />
biodiversidade seja prejudicada por<br />
OGM's são praticamente nulos. Esse é<br />
um dos papeis da CTNBio, garantir que<br />
não haja riscos para a biodiversidade. Os<br />
riscos são maiores onde estão localizados<br />
os centros de diversidade biológica,<br />
como por exemplo, batata e tomate no<br />
Peru, milho no México, soja na Ásia etc.<br />
BC&D - Existe alguma instituição brasileira<br />
que esteja utilizando recursos<br />
da nossa biodiversidade no desenvolvimento<br />
de produtos geneticamente<br />
modificados?<br />
Luiz Antônio - Lamentavelmente, ainda<br />
não. A engenharia genética ainda não<br />
começou a trabalhar genomas complexos.<br />
Entretanto, existem instituições brasileiras<br />
e estrangeiras preocupadas em<br />
fazer "screening" de microrganismos e<br />
outras que estudam a possibilidade de<br />
utilização de substâncias derivadas da<br />
biodiversidade, como por exemplo da<br />
fauna. Eu acho muito importante que o<br />
acesso aos recursos genéticos seja regulamentado.<br />
A aprovação do Projeto de<br />
Lei de Acesso aos Recursos Genéticos,<br />
conhecido como projeto da Senadora<br />
Marina Silva, que está tramitando no<br />
Congresso Nacional, é extremamente urgente.<br />
Mesmo que hoje existam instituições<br />
estrangeiras usando produtos da<br />
nossa biodiversidade, infelizmente nós<br />
não temos uma lei que nos permita atuar<br />
no sentido de regulamentar essa atividade.<br />
As atividades de bioprospecção de<br />
genes, que são muito importantes, ainda<br />
não têm uma base legal. Eu tenho muita<br />
esperança que até o fim do ano o Projeto<br />
de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos<br />
tenha sido aprovado. Sempre que eu<br />
tenho a oportunidade de tratar desse<br />
assunto com parlamentares, ou mesmo<br />
na Presidência da República, eu chamo<br />
atenção para este fato. Essa é uma lei<br />
que está faltando.<br />
BC&D - Para finalizar, como o senhor<br />
situa o Brasil hoje com relação aos<br />
países de primeiro mundo no desenvolvimento<br />
de OGM's?<br />
Luiz Antônio - Eu acho que o Brasil tem<br />
competência e é um país atraente porque<br />
tem um mercado em expansão em<br />
muitas áreas, como agricultura e outras<br />
relevantes como a de fármacos. O Brasil,<br />
certamente, será um bom parceiro em<br />
nível internacional para desenvolvimento<br />
de OGM's, especialmente na área<br />
agrícola, pelo fato de nós já termos<br />
introduzido uma competência satisfatória<br />
mais em termos de qualidade do que de<br />
quantidade e também porque a agricultura<br />
tem um enorme potencial de expansão.<br />
Alem disto temos agora leis modernas<br />
que regulam patentes cultivares e<br />
biossegurança . Não será surpreendente<br />
se num prazo relativamente curto contratos<br />
entre instituições estrangeiras e<br />
brasileiras, como a Embrapa, venham a<br />
proliferar.<br />
Eu sempre defendi fortemente a interação<br />
internacional como o único mecanismo<br />
possível para viabilizar o desenvolvimento<br />
de tecnologias que constituem o<br />
estado da arte. Nós temos que trabalhar<br />
rapidamente para intensificar a interação<br />
internacional. Hoje, o Brasil é um país<br />
que não atua de forma relevante nesse<br />
sentido. Na verdade, se olharmos com<br />
cuidado, são poucos os países relevantes.<br />
A maioria dos produtos transgênicos<br />
foi produzida nos EUA e Canadá, por<br />
multinacionais. Há alguns também na<br />
Austrália e na Europa.<br />
8 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 9
INSETOS<br />
Leon Rabinovitch,<br />
Clara de Fátima G. Cavados<br />
& Marli Maria Lima<br />
Pesquisadores do<br />
Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ<br />
Foto cedida pelos autores.<br />
CONTROLE BIOLÓGICO DE<br />
O CONTROLE BIOLÓGICO DE INSETOS NOCIVOS À AGRICULTURA COM O EMPREGO DE FUNGOS IMPERFEITOS OU HIMOFICETOS<br />
Os fungos como agentes de<br />
controle biológico<br />
Possuindo o Brasil extensas áreas ocupadas<br />
por agricultura intensiva e com boas<br />
condições climáticas, os insetos-praga causam<br />
danos consideráveis e prejudicam boa<br />
parte da colheita. Por causa disso, a agricultura<br />
brasileira torna-se a maior usuária de<br />
pesticidas químicos, muitas vezes<br />
antieconômicos, e, na grande maioria, tóxicos,<br />
que, sendo inadequadamente manipulados,<br />
resultam problemas não só para<br />
os operadores da lavoura, como em póscolheita<br />
para os consumidores dos produtos<br />
tratados. Esse pesticidas fazem surgir<br />
ainda a médio e longo prazo, efeitos de<br />
poluição ambiental e, pelo uso de dosagens<br />
e de alvos inadequados, resistência de<br />
artrópodes a esses produtos com o<br />
consequente o desequilíbrio biológico. Tais<br />
problemas vêm reforçar a necessidade de<br />
incentivos a um manejo mais racional dos<br />
agroecossistemas, com emprego de práticas<br />
integradas, incluínda a resistência varietal<br />
de cultivares, o uso de elementos sadios de<br />
propagação vegetal e, destacadamente, o<br />
uso do controle biológico natural e do<br />
aplicado. Assim, poderia ser diminuida a<br />
utilização dos pesticidas químicos e passado<br />
o manejo de práticas culturais, inclusive<br />
seu controle biológico, a ser considerado<br />
uma necessidade de proteção fitossanitária<br />
sustentável. Existem vários exemplos do<br />
aparecimento de novas pragas resistentes<br />
aos pesticidas convencionais.<br />
Entre os agentes de biocontrole de insetos,<br />
os fungos preenchem um importante papel,<br />
principalmente no caso de insetos<br />
dotados de aparelho bucal sugador<br />
(Hemiptera, Homoptera). Os fungos<br />
entomopatogênicos, além de constituírem<br />
80% das enfermidades responsáveis pelos<br />
surtos epizoóticos dos ecossistemas e<br />
agroecossistemas, são de mais fácil disseminação,<br />
pois algumas espécies possuem a<br />
capacidade de penetrar através da cutícula<br />
íntegra de artrópodes e atingir diretamente<br />
a hemocele, até<br />
mesmo no caso de cochonilhas providas<br />
de carapaça (Evans & Prior, 1990). Em se<br />
tratando de fungos imperfeitos como os<br />
Hifomicetos, os propágulos viáveis<br />
(conídios ou fragmentos de hifas), a colonização<br />
do inseto e a exteriorização do<br />
fungo sobre o cadáver infectado permitem<br />
a sua rápida disseminação pelo vento.<br />
Acresce ainda que os Hifomicetos e seus<br />
gêneros entomopatogênicos mais representativos<br />
(Figura 1) desenvolvem-se com<br />
certa facilidade em substratos de culturas<br />
artificiais (meios de cultura), como grãos de<br />
arroz. Tais meios de cultura constituem<br />
substratos simples e mais econômicos para<br />
obtenção de biomassa com abundante<br />
produção de propágulos. Em se tratando<br />
de microorganismos mais específicos na<br />
patogenicidade certos insetos-alvo, verifica-se<br />
um certo escape na contaminação de<br />
artrópodes, tais como visitadores,<br />
polinizadores e inimigos naturais. Entre as<br />
desvantagens dos fungos como agentes de<br />
biocontrole ocorrem certas dependências<br />
de condições ambientais adequadas<br />
(microclima da planta) para a indução de<br />
epizootias. Caberia também lembrar que o<br />
emprego dos entomopatógenos nem sempre<br />
dispensa a complementação de<br />
agroquímicos desde que haja uma compatibilidade<br />
biológica com os produtos empregados.<br />
O uso de inseticidas microbianos<br />
acha-se também regulamentado em diversos<br />
países, inclusive no Brasil. Tais medidas<br />
normativas prescritas por entidades<br />
governamentais inclui o registro dos<br />
bioinseticidas e acham-se ligados à segurança<br />
oferecida aos usuários, impactos no<br />
meio ambiente e implicações na saúde<br />
pública. Algumas dessas exigências vêm<br />
limitando o emprego dos defensivos biológicos,<br />
inclusive dos obtidos através da<br />
manipulação genética.<br />
Os fungos imperfeitos de maior<br />
evidência no Brasil<br />
como entomopatógenos<br />
Os Hifomocetos ou fungos imperfeitos<br />
caracterizam-se pela ausência do teleomofo<br />
(forma perfeita ou sexuada) no ciclo rotineiro<br />
e são incluídos na classe provisória<br />
dos Deuteromicetos. Essa ausência normal<br />
da forma sexuada ou perfeita obriga-os, no<br />
processo de evolução, a outros mecanis-<br />
10 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
mos de recombinação genética, que resultam<br />
no melhoramento de estirpes<br />
entomopatogênicas, com ganhos em<br />
patogenicidade e adaptação ao meio ambiente<br />
adverso. Estudos conduzidos no Instituto<br />
de Genética da "Escola Superior de<br />
Agricultura Luís de Queiroz", da Universidade<br />
de São Paulo, em Piracicaba, revelaram<br />
que alguns desses Hifomicetos poderiam<br />
ser induzidos ao melhoramento através<br />
de um ciclo parassexual. Ainda um<br />
novo processo, designado de parameiose,<br />
facilita a obtenção de recombinantes, que<br />
por meio de ensaios laboratoriais, vêm<br />
mostrando em alguns casos, sua superioridade<br />
comparada às linhagens parentais.<br />
Em algumas regiões de clima ameno, os<br />
Zigomicetos, representados, principalmente,<br />
pelos gêneros Entomophithora spp.,<br />
Erynia radicans, Massospora sp. e outros,<br />
embora assinalados no Brasil e que causam,<br />
não raramente, epizootias em<br />
artrópodes, possuem certas exigências<br />
nutricionais e climáticas, o que torna mais<br />
difícil o cultivo de biomassas e de condições<br />
ideais para liberação do inóculo.<br />
Portanto acham-se entre os Hifomicetos os<br />
fungos importantes e principalmente constituídos<br />
por formas filamentosas (hifas)<br />
septadas e geralmente férteis (conidióforos)<br />
que servem de suporte aos conídios isolados<br />
ou agregados (Figura 1) e de coloração<br />
clara/hialina (Moniliáceas) ou escura<br />
(Dematiáceas). Os Hifomicetos têm apresentado<br />
entre nós maior potencialidade de<br />
ser empregado no controle biológico aplicado,<br />
tanto o clássico (patógenos exóticos<br />
à região) como o aumentativo (patógenos<br />
nativos na região). Esses entomopatógenos,<br />
além de um ciclo de saprogênese que<br />
mantém um inóculo viável em substratos<br />
orgânicos, possuem conídios ou<br />
clamidosporos (Cladosporium) persistentes<br />
e viáveis na área de influência do inseto<br />
praga. Entre os Hifomicetos de maior uso<br />
no Brasil, destacam-se os gêneros:<br />
Metarrhizium spp., Beauveria spp., Nomurea<br />
rileyi e Verticillum lecanii, classificados<br />
dentre as Moniliáceas e,<br />
Cladosporium spp., como única<br />
Dermatiácea. Seguem-se comentários<br />
sobre o uso de tais fungos na<br />
agriculturabrasileira.<br />
Metarrhizium anisopliae (mais conhecida)<br />
e M. flavoviride têm<br />
potencialidade no biocontrole de<br />
gafanhotos na região Centro-Oeste<br />
(Ávidos e Ferreira, 1977). A primeira<br />
espécie, M. anisopliae, tem sido o<br />
entomopatógeno mais utilizado, principalmente<br />
na agroindústria<br />
canavieira. Foi primeiramente manipulada<br />
por Metschikoff em 1897, no<br />
combate a larvas de um besouro de<br />
batata doce (Alves, 1986). O fungo é<br />
constituído de duas variedades, a anisopliae<br />
ou minor e a major, de acordo com os<br />
tamanhos dos conídios, sendo a primeira a<br />
mais utilizada entre nós. O entomopatógeno<br />
apresenta uma grande variedade genética<br />
decorrente do processo de heterocariose,<br />
que ou resulta no aparecimento de algumas<br />
raças com diferentes graus de virulência,<br />
especificidade a vários insetos e adaptação<br />
a condições ambientais diversas e,<br />
com algumas estirpes, resistência aos raios<br />
ultravioleta. Os caracteres mais considerados<br />
foram: a produção de conídios em<br />
substratos naturais (arroz), boa<br />
exteriorização em cadáveres de insetos,<br />
garantindo a presença do inóculo, e tolerância<br />
aos raios ultravioleta. O ciclo de<br />
relações patógeno-hospedeiro (M.<br />
anisopliae x cigarrinha), é ilustrado na<br />
Figura 2. Após sua introdução no controle<br />
à cigarrinha-das-folhas-de-cana-de-açúcar,<br />
no Nordeste, o fungo passou a ser utilizado<br />
em larga escala (Guagliumi, 1970).<br />
Figuras 1 e 2: Pulgões (adultos e formas<br />
jovens) e mosca-branca (adultas e formas<br />
jovens) são controlados com aplicações de<br />
fungo Cladosporium herbarum.<br />
O entomopatógeno tem sido utilizado no<br />
controle das cigarrinhas-das-pastagens,<br />
Deois flavopicta e Zulia enteriana, observando-se<br />
em todos os casos que as áreasfoco<br />
tratadas achavam-se abaixo do nível<br />
de controle, o que Fawcett (1948) denominou<br />
de ponto de saturação. O problema<br />
tem se manifestado com gravidade nos<br />
Estados de Minas Gerais, Bahia e Rio de<br />
Janeiro.O fungo produz um metabólito, a<br />
destruxina, inócuo para o homem. O estudo<br />
de diversos isolados de M. anisopliae<br />
provenientes de algumas regiões do Brasil<br />
permitiu a seleção de alguns isolados mais<br />
eficientes no biocontrole de diversos insetos-pragas<br />
(Alves, 1986). Com relação à<br />
formiga saúva (Atta sexdens) foi realizado<br />
um ensaio na Jari Florestal, no Amapá, que<br />
apresentou um controle em 60 % dos<br />
formigueiros tratados com o fungo cultivado<br />
em grãos de arroz, que foram dispostos<br />
sob a forma de iscas, protegidos contra a<br />
chuva (copinhos impermeáveis invertidos)<br />
e distribuídos pelos olheiros da sede do<br />
sauveiro. O isolado foi cedido pelo Dr.<br />
Aurino F. de Lima, da Universidade Federal<br />
Rural do Rio de Janeiro (Figura 5). Já<br />
existem formulações especiais do fungo<br />
registradas no Brasil sob o nome de Metabiol<br />
e de Biomax. Outro Hifomiceto menos<br />
manipulado que o fungo anterior, porém<br />
mostrando bom potencial<br />
entomopatogênico é o Beauveria bassiana,<br />
que ocorre em condições naturais<br />
enzoóticamente ou provocando epizootias<br />
em algumas ocasiões propícias (Alves,<br />
1986). Observação pessoal de uma epizootia<br />
( Robbs, não publicado, 1986) foi registrada<br />
em Alegre, ES, zona nobre da cafeicultura<br />
capixaba, com índice de ataque de 100%<br />
do fungo a adultos da broca-do-café<br />
(Hypothenemus hampei). A epizootia do<br />
fungo deu-se por ocasião da penetração<br />
do besouro nas cerejas ainda verdes do<br />
cafeeiro (Coffea arabica). O fato indica a<br />
otimização da época de infestação dos<br />
adultos para a introdução da biomassa do<br />
entomopatógeno no<br />
agroecossistema cafeeiro, em<br />
uma fase de elevada<br />
suscetibilidade do inseto, o<br />
que, consequentemente, exige<br />
a necessidade de se conhecer<br />
a bioecologia da praga<br />
para que se tenha o bom<br />
êxito no controle biológico.<br />
O fungo também metaboliza<br />
toxinas, no caso a<br />
beauveracina. Nos Estados<br />
Unidos, o fungo é<br />
comercializado sob as denominações<br />
de Boverin e na<br />
União Soviética, de Biotrol<br />
FBB. O fungo Nomuraea rileyi<br />
vem sendo muito estudado nos últimos<br />
anos como entomopatógeno, particularmente<br />
de larvas (lagartas) de Lepidopteros.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 11
Figura 3: Formiga (soldado) Atta sp. atacada pelo fungo M. anisopliae (inoculação<br />
artificial).<br />
nicotianae), com alta eficiência na região<br />
do sul não obteve a mesma resposta em acerola<br />
no semi-árido do Rio Grande do Norte. Os<br />
ensaios posteriores levados a efeito em pulgões<br />
(Aphididae e mosca branca (Aleyrodidae)<br />
indicam as possibilidades de explorar o potencial<br />
do Cladosporium spp. sobre insetos<br />
que excretem substância açucarada, que<br />
tem sido como principal porta de entrada do<br />
fungo. Esse entomopatógeno poderá ser classificado<br />
como oportunista. Algumas tentativas<br />
feitas para o controle da mosca branca<br />
Bemisia argentifolii na cultura do melão<br />
não tem demonstrado bons resultados, possivelmente<br />
por faltar uma estirpe mais especializada<br />
ou uma técnica mais adequada de<br />
aplicação no campo.<br />
No Brasil, os produtores de soja já conhecem<br />
a sua grande eficiência no controle biológico<br />
natural da lagarta da soja (Anticarsia<br />
gemmatalis) coincidindo com períodos<br />
chuvosos e temperaturas amenas. A<br />
alternância de períodos secos (veranicos) e<br />
chuvas é importante na disseminação dos<br />
conídios do fungo, particularmente nas fases<br />
pré-enzoóticas (Alves, 1986), que nos Estados<br />
Unidos, são comercializados sob o nome<br />
de Mycar. Um Hifomiceto que muito<br />
freqüentemente ataca cochonilhas<br />
(Hemiptera, Homoptera) é o entomopatógeno<br />
Verticillium lecanii, descrito no Brasil por<br />
Viegas (1939); afetando a cochonilha verde<br />
(Coccus viridis) do cafeeiro e de outras<br />
plantas no Estado de São Paulo. O<br />
Entomopatógeno, além de cochonilhas, ataca<br />
igualmente pulgões e moscas brancas<br />
(Aleirodidea), Figuras 3 e 4, mantendo no<br />
agroecossistema tais populações em níveis<br />
de equilíbrio ou no limiar de não causar<br />
danos. As condições favoráveis para o início<br />
de epizootias situam-se entre 20 e 25º C,<br />
com a umidade elevada do ar, limitando as<br />
aplicações do fungo. Na Grã-Bretanha, o<br />
fungo vem sendo bastante utilizado em estufas,<br />
contra pulgões (afídios) e moscas brancas,<br />
sendo comercializado sob a denominação<br />
de Vertalec e de Mycotal, e são produtos<br />
compatíveis em mistura com alguns inseticidas<br />
utilizados. Quanto ao Hifomiceto<br />
Cladosporium spp., o único entomopatógeno<br />
incluído na família Dematiaceae, foi assinalado<br />
por Bitancourt (1935) parasitando<br />
pulgões e mosca branca em folhas de mandioca,<br />
no Estado de São Paulo, identificado<br />
como C. herbarum var. aphidicola, sendo<br />
denominado, respectivamente, de mofo e<br />
dos afídios e aleirodídeos. Viegas (1940),<br />
estudando o mesmo fungo em culturas de<br />
mandioca, nos municípios de Campinas e<br />
Piracicaba, no Estado de São Paulo, identificou-o<br />
como Cladosporium herbarum,<br />
sugerindo maiores estudos quanto à<br />
taxonomia do patógeno. O mesmo autor<br />
verificou que, inicialmente, o fungo coloniza<br />
as gotículas açucaradas habitualmente<br />
expelidas pelos insetos (saprogênese) através<br />
da abertura anal, passando posteriormente,<br />
para o interior do corpo e introduzindo um<br />
ciclo de parasitismo oportunista. Fawcet<br />
(1948) menciona bibliografia de<br />
Cladosporium spp. afetando diversas<br />
cochonilhas e considerando o fungo como<br />
simples saprófita, semi-parasita ou parasita<br />
fraco. Farias e Santos Filho (1992) isolaram<br />
os fungos Botrytis sp. e Cladosporium sp.<br />
atacando ninfas de mosca branca<br />
(Aleurothrixus aepim) das folhas de mandioca<br />
na Bahia, e cultivando-os em meio ágar/<br />
arroz. Os propágulos da biomassa constituídos<br />
por suspensão de conídios (3x105 mL)<br />
pulverizados sobre as colônias de insetos<br />
apresentou, inicialmente, uma boa mortalidade<br />
(3 dias); após 10 dias a contagem foi<br />
de 47,8% para Botrytis e somente de 28,6%<br />
para Cladosporium. Robbs (1994), trabalhando<br />
com uma estirpe de Cladosporium<br />
herbarum isolada de ninfas de mosca branca<br />
da mandioca, em Santa Vitória, no Estado<br />
de Minas Gerais, em plena estiagem no<br />
cerrado, obteve ótimos resultados (90%) sobre<br />
pulgões (Aphis gossypii e Myzus persicae)<br />
e atomizou suspensões de propágulos de<br />
biomassa em cerca de 400 hectares de<br />
aceroleira (Malpighia emarginata) na fazenda<br />
da MAISA (Mossoró agroindustrial S.<br />
A ) no Rio Grande do Norte. As aplicações<br />
eram realizadas nos focos infestados e os<br />
resultados asseguraram eficiente controle<br />
biológico dos pulgões. O mesmo êxito foi<br />
obtido no controle do pulgão (A. gossypii) do<br />
cajueiro anão. Atualmente a empresa vem<br />
empregando o entomopatógeno para o controle<br />
regular dos pulgões da acerola e do<br />
cajueiro, banindo o uso semanal de inseticidas,<br />
para assegurar a eliminação de pulgões<br />
na área. O Cadosporium cladosporioides<br />
utilizado por Sudo e outros (1996) para o<br />
controle do pulgão do fumo ( Myzus<br />
Bibliografia citada:<br />
ALVES, S.B., 1986. Fungos<br />
Entomopatogênicos. In: S. B. Alves<br />
(coordenador). Controle Microbiano de<br />
Insetos. Ed. Manole, São Paulo, Brasil p.<br />
73-126.<br />
ÁVIDOS, M.F.D. e FERREIRA, L.F. 1977.<br />
Gafanhotos: a maldição milenar.<br />
<strong>Biotecnologia</strong>. Ciência e Desenvolvimento.<br />
Ano 1, nº 2 (julho/agosto) p. 8-11.<br />
BITANCOURT, A.A. 1935. Relação das<br />
doenças e fungos parasitas observados<br />
na Seção de Fitopatologia durante os<br />
anos de 1933 e 1934. Arquivos Inst.<br />
Biológico, São Paulo, 6: 205-211.<br />
EVANS, H.C. e PRIOR, C. 1990.<br />
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(Editor). Armored Scale Insects: Their<br />
biology, natural enemies and control.<br />
Elsevier Science Publishers, Amsterdam,<br />
p. 3-17.<br />
FARIAS, A.R.N. e SANTOS FILHO, H.P.<br />
1992. Controle de Alerothrixus aepim<br />
com os fungos Botrytis sp. e<br />
Cladosporium sp. na cultura de mandioca./<br />
n: III SICONBIOL. Simpósio de<br />
Controle Biológico. Águas de Lindóia.<br />
EMBRAPA-CNPDA, p.275.<br />
FAWCETT, H.S. 1948. Biological control<br />
of citrus insects by parasitic fungi and<br />
bacteria, In: The citrus industry:<br />
production of the crop. Ed. L. D.<br />
Bachelor and H. Weber. 5th edition.<br />
University of California Press, Berkley<br />
and Los Angeles. p. 627-664.<br />
GUAGLIUMI, P. 1970. A cigarrinha das<br />
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Nordeste do Brasil. Brasil Açucareiro, Rio<br />
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ROBBS, C.F. 1994. Relatório de atividades<br />
fitossanitárias na MAISA (Mossoró<br />
Agroindustrial S.A., Mossoró, RN). Não<br />
publicado.<br />
12 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 13
Recifes Artificiais Marinhos<br />
Raimundo Nonato de Lima Conceição, M.Sc.<br />
Eng. de Pesca, M.Sc. Biologia Marinha<br />
Coordenador do Projeto Recifes Artificiais<br />
Divisão de Oceanografia Biótica<br />
do Laboratório de Ciências do Mar<br />
Universidade Federal do Ceará<br />
Av.Abolição 3207, Fortaleza-CE-60165-081<br />
nonato@labomar.ufc.br<br />
INCREMENTANDO A PESCA NAS COMUNIDADES COSTEIRAS DO CEARÁ<br />
Cassiano Monteiro Neto, Ph.D.<br />
Prof. do Departamento de Engenharia de Pesca<br />
Diretor da Divisão de Pesca do<br />
Laboratório de Ciências do Mar<br />
Universidade Federal do Ceará<br />
Av.Abolição 3207, Fortaleza-CE-60165-081<br />
monteiro@ufc.br<br />
Fotos e ilustrações cedidas pelos autores.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O uso de recifes artificiais para<br />
incrementar a produtividade pesqueira,<br />
tem sido uma prática comum em países<br />
onde a pesca representa uma das principais<br />
fontes de alimento e renda. Os<br />
primeiros registros datam do século XVIII,<br />
no Japão, enquanto que nos Estados<br />
Unidos, onde os recifes artificiais tinham<br />
caráter meramente recreativo, seu uso<br />
para fins comerciais teve início por volta<br />
de 1830. Já na Austrália e França, essa<br />
prática é mais recente, com iniciativas<br />
datando de 1960 (Meier, 1989).<br />
Na década de 50, Cuba começou a<br />
utilizar recifes artificiais para incrementar<br />
a pescaria de lagostas, utilizando inicialmente<br />
estruturas com troncos de palmeiras,<br />
pneus e, mais recentemente, estruturas<br />
pré-fabricadas de concreto, conhecidas<br />
no local por casitas (Cruz et al.,<br />
1986).<br />
No Brasil, são poucas as informações<br />
sobre a utilização de recifes artificiais<br />
nas pescarias. Na região nordeste,<br />
pequenos pesqueiros particulares<br />
(marambaias) são construídos por pescadores<br />
artesanais, que aglomeram material<br />
no fundo marinho. No município<br />
de Itarema, Ceará, as marambaias tradicionais<br />
são construídas com feixes de<br />
madeira de mangue, formando uma estrutura<br />
piramidal no fundo do mar. Sua<br />
função principal é a de proporcionar um<br />
habitat propício para a lagosta, um dos<br />
recursos pesqueiros mais importantes do<br />
estado (Figura 1).<br />
As restrições impostas pelas leis<br />
ambientais, que proíbem o desmatamento<br />
dos manguezais, bem como a ação de<br />
mergulhadores piratas, que destroem a<br />
construção, têm levado os pescadores<br />
de Itarema a procurar materiais alternativos<br />
de baixo custo e com boa durabilidade<br />
no meio marinho, para a construção<br />
dos recifes. Nesse aspecto, pneus<br />
velhos mostram um excelente potencial<br />
para a atividade, devido ao baixo custo<br />
de instalação e ao tempo de vida praticamente<br />
indefinido.<br />
Dentro dessa perspectiva, pesquisadores<br />
do Grupo de Estudos de Recifes<br />
Artificiais (GERA) do Laboratório de Ciências<br />
do Mar da Universidade Federal<br />
do Ceará desenvolveram uma estrutura<br />
modular feita de pneus velhos, que estimula<br />
a aglomeração e a permanência de<br />
organismos pelágicos e bentônicos de<br />
importância econômica (peixes, crustáceos,<br />
algas e outros). O projeto já foi<br />
implantado em diversos municípios do<br />
litoral cearense e conta com o apoio da<br />
respectiva prefeitura, da Fundação Nacional<br />
de Saúde (FNS), Petrobrás, IBAMA,<br />
Secretaria Estadual do Meio Ambiente<br />
(SEMACE) e Fundação Cearense de Auxílio<br />
à Pesquisa (FUNCAP).<br />
METODOLOGIA DE IMPLANTAÇÃO<br />
Os recifes artificiais construídos pelo<br />
GERA são formados por um conjunto de<br />
16 estruturas que contêm 8 módulos com<br />
8 pneus cada uma (64 pneus/estrutura),<br />
perfazendo um total de 1.024 pneus<br />
(Figura 2). As áreas escolhidas para a<br />
instalação dos recifes localizam-se em<br />
profundidades de 20 m, em substrato<br />
arenoso de baixa produtividade pesqueira.<br />
Áreas potenciais para a instalação<br />
dos recifes são localizadas com a<br />
ajuda de um sistema de posicionamento<br />
global (GPS) e inspecionadas in loco por<br />
mergulho autônomo (SCUBA) para confirmar<br />
a ausência de bancos de algas ou<br />
cabeços rochosos. A comunidade participa<br />
de todas as etapas de construção<br />
dos recifes, contribuindo com a mão de<br />
14 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Figura 3: Distribuição dos recifes<br />
artificiais de pneus implementados<br />
na costa do Ceará desde 1993.<br />
Notar que as estruturas estão mais<br />
concentradas no litoral leste do<br />
Estado, onde as comunidades<br />
apresentam maior nível de organização<br />
social e econômica.<br />
obra e com as embarcações para o<br />
transporte do material até a área escolhida.<br />
Três meses após a instalação do<br />
recife, a pesca é liberada, mantendo-se,<br />
todavia, um monitoramento constante<br />
da captura. São registrados diariamente<br />
o número de indivíduos<br />
e o peso total das espécies<br />
capturadas por pescadores.<br />
Após a conclusão do projeto,<br />
com a elaboração do relatório<br />
final e divulgação dos resultados,<br />
a administração e manutenção<br />
dos recifes artificiais<br />
passa a ser de responsabilidade<br />
da própria comunidade (Conceição<br />
et al., 1996).<br />
Muito embora os recifes<br />
desempenhem o papel de um<br />
atrator artificial de biomassa,<br />
sua capacidade produtiva é limitada.<br />
Portanto, cada recife<br />
beneficia apenas uma parcela<br />
reduzida de pescadores, sendo necessário<br />
que se implantem vários recifes para<br />
atender às demandas da comunidade,<br />
evitando-se a sobrepesca dos estoques.<br />
RESULTADOS<br />
Entre janeiro de 1994 e janeiro de<br />
1998, foram instalados 21 recifes artificiais<br />
em diferentes municípios costeiros<br />
do Estado do Ceará (Figura 3). Os resultados<br />
apresentados correspondem aos<br />
recifes artificiais da Praia da Baleia<br />
(Itapipoca), cujo monitoramento ocorreu<br />
durante um período de 19 meses.<br />
Praticamente todos os recifes instalados<br />
no Ceará encontram-se atualmente sob<br />
administração das Colônias de Pesca ou<br />
Associações de Pescadores.<br />
Os recifes da Praia da Baleia foram<br />
montados sobre fundo arenoso, com<br />
pequenas e raras<br />
concreções calcáreas, sobre<br />
as quais se fixam tufos<br />
de macroalgas, principalmente<br />
rodofíceas, e colônias<br />
de hidrozoários (Cnidaria:<br />
Hydrozoa). Estudos da<br />
endofauna feitos nos primeiros<br />
meses de instalação<br />
dos recifes, revelaram a presença<br />
de poliquetos<br />
(Annelida: Polychaeta:<br />
Syllidae) e anfípodos<br />
(Crustacea: Amphipoda), estes<br />
últimos associados às algas. A instalação<br />
dos recifes em áreas despovoadas<br />
e de baixa produtividade contribui para<br />
a criação de novas áreas de pesca, induzindo<br />
a uma redistribuição da biomassa<br />
a partir de áreas de pesca tradicionais.<br />
Chou (1991) comenta que, devido à competição<br />
das estruturas artificiais com as<br />
formações naturais, a colocação de recifes<br />
em áreas produtivas causa mais danos<br />
ao ambiente do que sua instalação<br />
em áreas pobres.<br />
Após o lançamento de um conjunto<br />
de 1.000 pneus, a área ocupada pelos<br />
Cangulo (Balistes vetula) fotografado no<br />
recife. Uma espécie característica de recife<br />
de coral habitando as estruturas das<br />
marambaias construídas em fundo arenoso.<br />
A espécie tem aproveitamento comercial,<br />
e esteve entre as 15 mais abundantes nos<br />
recifes da praia da Baleia.<br />
recifes foi de aproximadamente 0,5 ha,<br />
dependendo da dispersão dos módulos<br />
em cada localidade. A observação de<br />
grandes cardumes de peixes na periferia<br />
dos recifes, sugere que (mesmo ocupando<br />
uma área relativamente pequena) sua<br />
influência pode se expandir num raio<br />
muito além das estruturas físicas.<br />
Outros materiais, como o concreto e<br />
estruturas de ferro na forma de sucatas,<br />
podem ser mais eficazes na atração de<br />
peixes que pneus velhos. Porém, representam<br />
maiores custos e sua distribuição<br />
final no fundo do mar não garante grandes<br />
concentrações de espécies (Brock &<br />
Noris, 1989; Chua e Chou, 1994).<br />
Entre janeiro de 1995 e julho de<br />
1996, foram capturados um total de 7.695<br />
indivíduos e 11.521 kg, distribuídos entre<br />
27 espécies. Em termos comparativos<br />
com a produção local controlada pelo<br />
IBAMA, os recifes instalados na praia da<br />
Baleia produziram, em 1995, o equivalente<br />
a 5,5% das capturas. A diversidade<br />
de espécies observada nesse experimento<br />
aproximou-se bastante dos valores<br />
observados em recifes artificiais de pneus<br />
estudados por outros autores (Brock e<br />
Noris 1989; Chua e Chou 1994).<br />
As espécies mais abundantes em<br />
número de indivíduos capturados foram<br />
o ariacó, a lagosta, a sardinha e a cavala<br />
(Tabela 1). Considerando-se o peso total<br />
capturado, cinco espécies, a cavala<br />
(22,7%), o beijupirá (18,7%), a arraia<br />
(18,5%), o ariacó (15,3%) e a garajuba<br />
(3,3%) representaram 88,5% da captura.<br />
Quatro espécies (ariacó, xira, paru e<br />
beijupirá) foram capturadas durante todo<br />
o período nos recifes. Outras seis espécies,<br />
dentre elas a cavala, a garajuba, a<br />
arraia e a biquara, espécies de maior<br />
importância comercial, apareceram<br />
a partir do 2º trimestre, enquanto<br />
que o cangulo, a moréia<br />
e a carapitanga foram capturadas<br />
somente a partir do 3º trimestre.<br />
Esta sequência de espécies<br />
pode refletir o processo<br />
contínuo de colonização dos<br />
recifes, onde peixes pequenos<br />
recrutam primeiramente às estruturas,<br />
sendo seguidos por peixes<br />
maiores. Também foi observado<br />
que o peso médio dos<br />
indivíduos capturados aumentou<br />
consideravelmente do início<br />
ao fim do período de<br />
monitoramento (Gráfico).<br />
Stone et al. (1979) sugerem<br />
que, num primeiro momento, os juvenis<br />
recrutados pelo recife servem de alimento<br />
para espécies maiores. Porém, em um<br />
segundo momento, os juvenis sobreviventes<br />
crescem e formam um estoque<br />
próprio do recife artificial. Betancourt et<br />
al. (1984) consideram que se o recrutamento<br />
em recifes artificiais provém fundamentalmente<br />
de um contingente maior<br />
de juvenis que não encontram disponibilidade<br />
de alimento ou proteção nos<br />
recifes naturais, esses artificiais não comprometem<br />
portanto, a capacidade de<br />
auto manutenção das áreas naturais.<br />
Dessa forma, deve-se reconhecer o papel<br />
importante das estruturas artificiais<br />
na redução da mortalidade natural, preservando<br />
uma fração da biomassa natural<br />
que, possivelmente, seria perdida<br />
dentro dos processos de competição e<br />
predação na comunidade marinha.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 15
TABELA 1: Número de indivíduos, por espécie, capturados por trimestre nos recifes artificiais da Praia da Baleia. Os grupos<br />
representam a frequência de ocorrência das espécies por trimestre, no período de 1995 a 1996.<br />
Pescadores da praia da Baleia a bordo<br />
do barco de pesquisas Prof. Martins<br />
Filho do Labomar/UFC, preparando as<br />
estruturas de pneus para o lançamento<br />
no mar. Os pescadores participam de<br />
todas as etapas, desde a confecção dos<br />
módulos até o lançamento e<br />
monitoramento da pesca nos recifes artificiais.<br />
Pescadores da praia da Baleia a<br />
bordo do barco de pesquisas Prof. Martins<br />
Filho do Labomar/UFC, preparando as<br />
estruturas de pneus para o lançamento<br />
no mar. Os pescadores participam de<br />
todas as etapas, desde a confecção dos<br />
módulos até o lançamento e<br />
monitoramento da pesca nos recifes artificiais.<br />
Talvez uma das maiores preocupações<br />
ambientais sobre<br />
a instalação de<br />
recifes artificiais de<br />
pneus no mar seja o<br />
efeito a longo prazo<br />
desses materiais no<br />
meio aquático. A hipótese<br />
de contaminação<br />
pela decomposição<br />
dos pneus<br />
no mar é descartada<br />
por Pollard (1989) e<br />
Tizol (1989), já que<br />
o processo de degradação<br />
dos pneus<br />
é muito mais lento<br />
que a sua colonização<br />
e cobertura por<br />
organismos incrustantes. Além disso, a<br />
grande disponibilidade no mercado, o<br />
baixo custo de aquisição, o fácil manuseio<br />
e a durabilidade, fazem dos pneus<br />
um material bastante atraente para a<br />
construção de recifes artificiais.<br />
Gráfico:<br />
Peso médio total dos indivíduos<br />
capturados por trimestre entre janeiro/95<br />
e julho/96. As espécies de grande porte<br />
(arraia e beijupirá), apresentam maiores<br />
flutuações devido ao alto peso individual,<br />
enquanto que as espécies de menor<br />
porte (ariacó, biquara, garajuba), apesar<br />
de apresentarem pequenas variações no<br />
peso médio, estas variações são muito<br />
significativas.<br />
Nesse projeto, o custo para a implantação<br />
de um recife com 1.000 pneus<br />
ficou em torno de R$3.500,00. As variações<br />
decorrem da maior ou menor participação<br />
dos pescadores na preparação<br />
do material e da disponibilidade das<br />
embarcações. Esse valor pode ser considerado<br />
baixo, levando-se em conta o<br />
retorno financeiro que um recife artificial<br />
pode oferecer a médio prazo.<br />
Membros da comunidade da Barra<br />
16 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
da Sucatinga, Beberibe (Ceará), recebendo<br />
orientação dos técnicos do GERA/<br />
Labomar/UFC para a preparação das estruturas<br />
de pneus para posterior instalação<br />
no mar. Cada estrutura beneficia um<br />
grupo de pescadores da comunidade, e<br />
uma comunidade pode ter mais de um<br />
recife instalado, beneficiando assim um<br />
número maior de pescadores daquela<br />
região.<br />
Muito embora a construção de recifes<br />
artificiais de pneus seja uma alternativa<br />
barata e apresente resultados positivos<br />
para o aumento da produtividade<br />
pesqueira em comunidades de pescadores<br />
no litoral do Ceará, por sí sós, os<br />
recifes não podem ser tomados como<br />
uma receita de bolo para resolver os<br />
problemas inerentes ao setor. Sua<br />
aplicabilidade é limitada e deve ser fundamentada<br />
em um extenso programa de<br />
estudo e monitoramento, desde o momento<br />
da implantação até a manutenção<br />
das estruturas. Ao mesmo tempo, a<br />
interação participativa entre técnicos e<br />
pescadores, que promove a integração<br />
da comunidade no processo de gestão<br />
dos recifes artificiais, é um fator decisivo<br />
para a produção sustentável dos recursos<br />
e para o sucesso desse empreendimento.<br />
Mergulhador inspecionando os recifes<br />
artificiais instalados na praia da<br />
Caponga, Cascavel, Ceará. A manutenção<br />
das estruturas é feita mensalmente,<br />
para prevenir a ruptura das amarras e a<br />
consequente desagregação do recife, bem<br />
como a dispersão dos pneus no fundo<br />
Membros da comunidade da Barra da<br />
Sucatinga, Beberibe (Ceará), recebendo<br />
orientação dos técnicos do GERA/<br />
Labomar/UFC para a preparação das<br />
estruturas de pneus para posterior<br />
instalação no mar. Cada estrutura<br />
beneficia um grupo de pescadores da<br />
comunidade, e uma comunidade pode<br />
ter mais de um recife instalado, beneficiando<br />
assim um número maior de<br />
pescadores daquela região.<br />
do mar pela<br />
ação das ondas<br />
e das correntes.<br />
BIBLIOGRA-<br />
FIA<br />
Betancourt,<br />
C.A.;<br />
Sansón, G.G.<br />
e Montes, C.A.<br />
Primeras etapas<br />
en la colonización<br />
de<br />
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I -<br />
Composición<br />
y conducta de<br />
las comunidades<br />
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<strong>Revista</strong> de Investigaciones Marinas, v. V,<br />
n. 3, p. 77-89, 1984.<br />
Mergulhador inspecionando os recifes artificiais instalados na praia<br />
da Caponga, Cascavel, Ceará. A manutenção das estruturas é feita<br />
mensalmente, para prevenir a ruptura das amarras e a consequente<br />
desagregação do recife, bem como a dispersão dos pneus no<br />
fundo do mar pela ação das ondas e das correntes.<br />
BROCK, R.E. & NORRIS, J.E. An<br />
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reef designs in tropical waters. Bull. Mar.<br />
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CHUA, C.Y.Y. & CHOU, L.M. The use<br />
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285, p. 177-187, 1994.<br />
CHOU, L.M. Some Guidelines in the<br />
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Crúz, R. et al. Ecología<br />
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Marinas, Havana, v. VII, n. 3, p. 3-17,<br />
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IBAMA/CEPENE - Atratores Artificiais<br />
na Paraíba. Informe CEPENE, Tamandaré,<br />
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reef in the Florida keys. Mar. Fish.Rev.,<br />
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n. 8, 27 p., 1989.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 17
O cajueiro é encontrado praticamente<br />
em todos os estados brasileiros,<br />
contudo adapta-se melhor às condições<br />
ecológicas do litoral do Nordeste. Existe no<br />
País uma tradição de aproveitamento do<br />
pedúnculo ou falso-fruto do cajueiro que<br />
reside na transformação em produtos variados<br />
como sucos, sorvetes, doces diversos<br />
(compota, cristalizado, ameixa, massa), licor,<br />
mel, geléias, cajuína, refrigerantes<br />
gaseificados e aguardente. Há relatos de<br />
alguns desses produtos que datam do<br />
século XVII.<br />
Apesar de o Brasil ser o berço do<br />
cajueiro e de as missões colonizadoras<br />
encontrarem o indígena brasileiro utilizando<br />
essa espécie para diversos fins, a exploração<br />
do cajueiro com finalidade econômica,<br />
durante alguns séculos, ficou restrita ao<br />
consumo local, nas zonas produtoras. A<br />
espécie que é cultivada principalmente nos<br />
estados do Nordeste, distinguindo-se o<br />
Ceará como o maior produtor, não teve<br />
destaque na economia nordestina, e nem<br />
mesmo na cearense, antes das quatro primeiras<br />
décadas do século XX (Leite, 1994).<br />
Até o início da década de 50, a<br />
produção de castanha (fruto verdadeiro)<br />
era essencialmente extrativa. As primeiras<br />
tentativas para<br />
estabelecer plantios de cajueiro com fins<br />
comerciais foram efetuadas no município<br />
de Pacajus, no Ceará. Nesse município, no<br />
Campo Experimental de Pacajus, então<br />
pertencente ao Ministério da Agricultura,<br />
em 1956,<br />
o governo federal instalou uma coleção de<br />
matrizes de cajueiro para pesquisa agronômica.<br />
Posteriormente, a introdução de plantas<br />
de cajueiro anão precoce nesse campo<br />
experimental, originadas de uma população<br />
natural do município cearense de<br />
Maranguape, é hoje considerada o marco<br />
histórico do melhoramento genético dessa<br />
espécie.<br />
A partir dos incentivos fiscais da<br />
Superintendência de Desenvolvimento do<br />
Nordeste (SUDENE), na segunda metade da<br />
década de 60, consolidou-se o parque<br />
processador de castanha, com fábricas<br />
concentradas no estado do Ceará e algumas<br />
unidades no Rio Grande do Norte e no<br />
Piauí. Para abastecer essas unidades, ocorreu<br />
um notável crescimento da área plantada<br />
com cajueiros, que possibilitou a<br />
elevação da produção. Assim, a agroindústria<br />
do caju passou a ter importante papel<br />
econômico e social, pois, além de empregar<br />
grande contingente de pessoas, participa<br />
de forma expressiva na geração de<br />
divisas externas, com valores médios anuais<br />
próximos de 150 milhões de dólares<br />
(Paula Pessoa et al., 1995).<br />
As pesquisas com cajueiro, particularmente<br />
aquelas direcionadas para obtenção<br />
de material melhorado, foram então<br />
dinamizadas, dando origem às primeiras<br />
plantas matrizes fornecedoras de sementes<br />
para o plantio comercial. Até aquela época,<br />
os cajueirais eram formados por sementes<br />
que não sofreram nenhum processo de<br />
seleção, com exceção feita para o peso e,<br />
algumas vezes, para a densidade e sanidade<br />
das sementes. Nenhum desses processos<br />
foi eficiente para assegurar a qualidade<br />
do material genético utilizado.<br />
O desconhecimento das qualidades<br />
das plantas matrizes e polinizadoras,<br />
quando da obtenção de sementes para o<br />
plantio, acarretou pomares bastante<br />
desuniformes, tanto nos aspectos<br />
morfológicos quanto fisiológicos, do que<br />
resultou, conseqüentemente, grande variedade<br />
na produção, com valores médios<br />
muito abaixo do potencial da espécie. Essa<br />
18 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Plantio comecial de cajueiro anão precoe<br />
com irrigação.<br />
desuniformidade manifestou-se também no<br />
peso da castanha, afetando a indústria de<br />
processamento em termos de rendimento e<br />
nos aspectos relativos às cotações de preço<br />
no mercado internacional.<br />
2. TIPOS VARIETAIS<br />
Na natureza existem dois tipos de cajueiros<br />
bem definidos em relação ao porte denominados<br />
comum e anão.<br />
O cajueiro comum, que é o mais difundido,<br />
possui porte elevado, com altura que varia<br />
de 8 m a 15 m e envergadura da copa que<br />
chega a atingir 20 m. Apresenta grande<br />
variação na distribuição dos ramos e no<br />
formato da copa, que vai desde ereta e<br />
compacta até espraiada (Barros, 1988). A<br />
capacidade produtiva individual do cajueiro<br />
comum é muito variável, com plantas<br />
que produzem menos de 1 kg até cerca de<br />
180 kg de castanha por safra. Apresenta<br />
grande variabilidade no peso do fruto, que<br />
vai de 3 g a 33 g, com peso do pedúnculo<br />
variando de 20g a 500g. A idade mínima de<br />
estabilização da produção das plantas é<br />
superior a 8 anos, sendo normal também<br />
ocorrer entre 12 e 14 anos. Em todos os<br />
plantios efetuados a partir de sementes, foi<br />
utilizado esse tipo varietal.<br />
O cajueiro tipo anão precoce,<br />
também conhecido por<br />
cajueiro de seis meses, caracteriza-se<br />
pelo porte baixo,<br />
altura abaixo de 4 m,<br />
copa homogênea com variação<br />
no tamanho de 5,0m a<br />
6,5m, diâmetro do caule e<br />
envergadura bem inferiores<br />
ao do tipo comum e inicia o<br />
florescimento aos 6-18 meses.<br />
O peso do fruto nas<br />
populações naturais varia de<br />
3g a 19g e o do pedúnculo<br />
de 20g a 160g, o que significa<br />
dizer que são características<br />
com menor variabilidade em<br />
relação ao tipo comum. A capacidade<br />
produtiva individual também é menor, até<br />
o momento com a máxima produção registrada<br />
de 43 kg de castanhas/safra/planta<br />
(Barros, 1988).<br />
3. POTENCIALIDADES<br />
O sucesso na exploração econômica<br />
do cajueiro nos diferentes agrossistemas<br />
para onde ele tem sido levado depende de<br />
sistemas de produção que incluam, fundamentalmente,<br />
indivíduos adaptados às condições<br />
de clima e de solo de cada situação,<br />
razão pela qual cabe ao melhoramento<br />
genético importante papel na viabilização<br />
da cultura, independente do ambiente onde<br />
ela for explorada.<br />
Além da amêndoa da castanha de<br />
caju (ACC), que é o produto de maior<br />
interesse e maior aceitação nos mercados<br />
do mundo inteiro, o cajueiro possibilita a<br />
obtenção do líquido da casca da castanha<br />
(LCC), um subproduto com grande potencial<br />
de aproveitamento industrial, principalmente<br />
na indústria química, mas de<br />
valor econômico efetivo atualmente muito<br />
baixo por alguns fatores tecnológicos<br />
limitantes, razão pela qual não tem sido<br />
objeto de interesse momentâneo para melhoramento.<br />
O cajueiro oferece,<br />
ainda, o falso-fruto ou pedúnculo,<br />
cujo potencial de aproveitamento<br />
é muito expressivo pelas opções<br />
no mercado de frutas, tanto<br />
no consumo in natura como no<br />
fabrico de doces, sucos, refrigerantes,<br />
etc., mas sua<br />
expressividade econômica ainda<br />
é baixa quando comparada<br />
com o volume total de produção<br />
(Barros et al., 1993), o que tem<br />
gerado os menores indicadores<br />
econômicos da cultura em termos<br />
de exportação.<br />
O aumento da lucratividade do<br />
cajueiro mediante a maximização<br />
do aproveitamento do<br />
pedúnculo, notadamente no<br />
mercado de frutas, constitui o<br />
principal desafio do melhoramento<br />
genético, ao qual cabe a responsabilidade<br />
de gerar clones que propiciem<br />
pedúnculos que satisfaçam aos mais diferentes<br />
paladares, de forma que conquiste<br />
os mercados das regiões mais desenvolvidas<br />
e economicamente mais prósperas do<br />
País. Isto porque os méritos de produtividade<br />
e melhoria de qualidade dos produtos<br />
podem ser obtidos por meio de alterações<br />
no ambiente ou nas plantas cultivadas.<br />
Alterações no ambiente envolvem diversas<br />
variáveis, como neutralização dos efeitos<br />
de elementos tóxicos, correção da reação e<br />
da fertilização do solo, combate sistemático<br />
das pragas, doenças e plantas invasoras,<br />
correção do teor de umidade do solo por<br />
meio de irrigação e, muitas vezes, drenagem,<br />
manejo do pomar, colheita,<br />
armazenamento e transporte, que envolvem<br />
sempre o emprego racional de insumos<br />
e a disponibilidade de técnicas mais modernas<br />
de cultivo, acarretando, muitas vezes,<br />
custos elevados para o produtor.<br />
Já o melhoramento genético das plantas,<br />
por outro lado, envolve um conjunto de<br />
procedimentos com fundamentação científica,<br />
cujo objetivo é alterar as características<br />
das cultivares, de modo que os novos<br />
materiais obtidos possibilitem aumento na<br />
produtividade e na qualidade do produto<br />
final, a menor custo e de forma mais<br />
duradoura. Para tanto, o trabalho pode ser<br />
dirigido para caracteres como tolerância ao<br />
estresse hídrico, adaptação a elevados teores<br />
de elementos tóxicos do solo, resistência<br />
a doenças e tolerância a pragas, redução<br />
do porte das plantas, precocidade,<br />
mudanças no comprimento do ciclo de<br />
frutificação, alterações na constituição física<br />
e química dos frutos e pseudofrutos, de<br />
maneira que o resultado final seja a maior<br />
lucratividade para o investidor e maior<br />
satisfação para o consumidor.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 19
4. FASES DO MELHORAMENTO<br />
A domesticação do cajueiro e o melhoramento<br />
genético dessa cultura no Brasil podem<br />
ser caracterizados por cinco fases distintas<br />
(Paiva et al., 1997). A primeira remonta<br />
à época da descoberta, pelos nativos,<br />
de plantas com pedúnculos adequados à sua<br />
alimentação na forma de consumo in natura<br />
ou na elaboração de bebidas. Quando os<br />
exploradores aportaram na costa brasileira,<br />
já constataram os frutos de cajueiro sendo<br />
utilizados na culinária local. Os registros<br />
demonstram a existência desse processo já no<br />
século XVII.<br />
A segunda fase data das décadas de 40 e 50<br />
deste século, marcadas pela extração de LCC<br />
e pela transformação do pedúnculo em produtos<br />
diversos, em um sistema mais organizado.<br />
Datam também dessa época as primeiras<br />
introduções de plantas no Campo Experimental<br />
de Pacajus (CE), oriundas de populações<br />
naturais existentes na região litorânea<br />
do Nordeste.<br />
A terceira fase, compreendendo as décadas<br />
de 60 e 70, caracterizou-se por plantios<br />
comerciais do cajueiro comum efetuados<br />
com sementes, a partir de incentivos governamentais<br />
de fomento à cultura. Ainda naquela<br />
época, iniciaram-se a identificação e<br />
o controle da produção de castanha de plantas<br />
individuais em propriedades particulares.<br />
Após a identificação das plantas que se<br />
destacavam em produção, seguiu-se a formação<br />
de novos plantios com sementes colhidas<br />
dessas plantas.<br />
A quinta fase, em andamento, prioriza<br />
as pesquisas para atender às demandas<br />
atuais da cajucultura, com enfoque<br />
na fruticultura irrigada e no aproveitamento,<br />
também, do pedúnculo para<br />
o consumo in natura.<br />
Nesse enfoque, a seleção tem de estar<br />
orientada para plantas com características<br />
de porte baixo para facilitar a<br />
colheita manual; pedúnculo com características<br />
de coloração, sabor, textura,<br />
maior período de conservação,<br />
consistência e teor de tanino adequados<br />
às preferências do consumidor;<br />
castanha de tamanho e peso adequados<br />
(³10g); facilidade de destaque do<br />
pedúnculo; rendimento ³28%; facilidade<br />
na despeliculagem; coloração<br />
dentro dos padrões internacionais;<br />
e amêndoas resistentes à<br />
formação de "bandas". Na fase de<br />
avaliação dos clones, recomenda-se<br />
testá-los, tanto em condições<br />
de irrigação como de<br />
sequeiro, em diferentes<br />
ecossistemas.<br />
5. ESTRATÉGIAS<br />
A escolha do método ou da estratégia<br />
na condução de um programa<br />
de melhoramento está diretamente<br />
relacionada com a biologia<br />
reprodutiva da espécie, ou<br />
seja, é importante conhecer se a<br />
espécie é de cruzamento ou de<br />
autofecundação. O cajueiro sendo<br />
uma espécie em que predomine<br />
a fecundação cruzada, a escolha<br />
do método de melhoramento<br />
a ser empregado deve ser inerente<br />
a esse grupo de plantas. Devese<br />
enfatizar que a multiplicação<br />
vegetativa do cajueiro permite<br />
que enfoques alternativos possam<br />
ser considerados, uma vez<br />
que existe possibilidade de reprodução de determinado<br />
indivíduo, em qualquer etapa do processo.<br />
As baixas produtividades registradas na<br />
cajucultura brasileira direcionam a seleção<br />
prioritariamente para a obtenção de plantas que<br />
possibilitem resultados superiores a 1,3t/ha de<br />
castanha, em regime de sequeiro, o que pode ser<br />
alcançado com os clones comerciais de cajueiro<br />
anão precoce atualmente disponíveis no mercado<br />
(Barros et al., 1984; 1983; Almeida et al., 1993;<br />
Barros & Crisóstomo, 1995). No caso de clones<br />
para cultivo sob irrigação, a ênfase deve ser para<br />
genótipos que possibilitem produtividades superiores<br />
a 4,5 t/ha, obtidos atualmente com os<br />
clones disponíveis (Oliveira et al., 1996).<br />
Os procedimentos mais comuns adotados no<br />
melhoramento de plantas de reprodução<br />
assexuada ou vegetativa são a introdução de<br />
germoplasma, a seleção clonal e a hibridação.<br />
Além desses, outros métodos auxiliares têm sido<br />
utilizados com sucesso, como a indução de<br />
mutações, indução de poliploidia e cultura de<br />
tecidos.<br />
A introdução de plantas no melhoramento do<br />
cajueiro tem sido a principal fonte de obtenção<br />
de materiais mais adequados à exploração comercial,<br />
enquanto a seleção de clones é uma<br />
etapa do melhoramento das plantas de propagação<br />
vegetativa utilizada tanto após a introdução<br />
de germoplasma como na hibridação. O sucesso<br />
com esta metodologia depende da presença de<br />
indivíduos superiores para a formação dos clones<br />
que entrarão no processo de competição.<br />
Assim, o êxito do processo de seleção de clones<br />
depende da variabilidade genética existente na<br />
população base. A seleção feita numa população<br />
formada por um único clone não deve surtir<br />
efeito, uma vez que toda variação existente é de<br />
origem ambiental.<br />
O melhoramento utilizado no cajueiro anão<br />
precoce no Brasil teve início em 1965 no Campo<br />
Experimental de Pacajus. Constou de uma seleção<br />
fenotípica individual, seguida do controle<br />
anual da produção nas plantas selecionadas.<br />
Essa metodologia, embora simples e de ganhos<br />
genéticos esperados reduzidos, permitiu o lançamento<br />
comercial dos clones CCP 06 e CCP 76, em<br />
1983, e CCP 09 e CCP 1001, em 1987, que são<br />
ainda os principais clones comerciais disponíveis<br />
(Barros et al., 1984; Almeida et al., 1992).<br />
5. PERSPECTIVAS<br />
A fruticultura moderna, além de tratar da aplicação<br />
de técnicas e práticas que reduzam o custo<br />
de produção dos pomares comerciais, proporciona<br />
também um maior aproveitamento das frutas<br />
para o consumo in natura ou para a indústria de<br />
transformação.<br />
O cultivo do cajueiro em condições irrigadas<br />
induz a uma reflexão nos paradigmas vigentes,<br />
20 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
elacionados com sistema de cultivo de<br />
sequeiro e com a forma de aproveitamento<br />
da cultura. O sistema com irrigação para o<br />
cajueiro pode ser vantajoso à medida que<br />
existe resposta diferencial entre clones a<br />
essa condição e que seja viável economicamente.<br />
O aproveitamento do pedúnculo<br />
para o consumo in natura, seguindo os<br />
princípios da fruticultura moderna para<br />
maior aproveitamento dos produtos obtidos,<br />
eleva a exploração do pedúnculo para<br />
comercialização à condição de produto<br />
principal e da castanha à de produto secundário,<br />
em face da sua boa aceitação<br />
pelos consumidores e dos preços atualmente<br />
praticados.<br />
Em avaliação recente de experimento em<br />
campo, foi efetuada ainda uma seleção<br />
preliminar, usando-se como referência o<br />
clone CCP 76. Elegeram-se os seguintes<br />
clones, em ordem crescente de preferência,<br />
END 157, END 189, CCP 76 e END 183<br />
como os mais promissores para o consumo<br />
in natura. Aparentemente, os clones END<br />
157 e END 189 superam a testemunha<br />
padrão quanto à consistência do pedúnculo,<br />
um caráter desejável para aumentar o tempo<br />
de prateleira do produto. Testes mais<br />
acurados na área de pós-colheita para<br />
esses clones ainda estão em andamento.<br />
Uma condição desejável para o produtor é<br />
o cultivo de clones que tenham produção<br />
mensal melhor distribuída ao longo do<br />
ano. Isto é desejável devido à possibilidade<br />
de se obterem preços mais elevados no<br />
período de entressafra do produto. Do<br />
ponto de vista do melhoramento genético,<br />
é possível obter e selecionar clones que,<br />
quando cultivados em condição irrigada,<br />
apresentem uma produção de pedúnculo<br />
com distribuição mais uniforme, haja vista<br />
a existência de variabilidade genética para<br />
esse caráter..<br />
6. LITERATURA CONSULTADA<br />
ALMEIDA, J.I.L. ARAÚJO, F.E., BARROS,<br />
L.M. (1992). Características do clone EPACE<br />
CL 49 de cajueiro. EPACE. Relatório Anual<br />
de Pesquisa 1980/1992, Fortaleza: 160-165.<br />
ALMEIDA, J.I.L.; ARAÚJO, F.E.; LOPES, J.G.V.<br />
(1993). Evolução do cajueiro anão precoce<br />
na Estação Experimental de Pacajus, Ceará.<br />
Fortaleza: EPACE,. 17p. (EPACE, Documentos,<br />
6).<br />
BARROS, L.M. Melhoramento. In: LIMA,<br />
V.P.M.S. (1988). A cultura do cajueiro no<br />
Nordeste do Brasil. Fortaleza: Banco do<br />
Nordeste do Brasil/ETENE. p.321-356 (BNB/<br />
ETENE. Estudos Econômicos e Sociais, 35).<br />
BARROS, L.M.; ARAÚJO, F.E.; ALMEIDA,<br />
J.I.L.; TEIXEIRA, L.M.S. (1984). A cultura do<br />
Cajueiro Anão. Fortaleza: EPACE. 67p.<br />
(EPACE. Documentos, 3).<br />
BARROS, L.M.; PIMENTEL, C.R.M.; CORRÊA,<br />
M.P.F.; MESQUITA, A.L.M. (1993). Recomendações<br />
Técnicas Para a Cultura do<br />
Cajueiro Anão Precoce. Fortaleza:<br />
EMBRAPA-CNPAT, 65p. (EMBRAPA-<br />
CNPAT. Circular Técnica, 1).<br />
BARROS, L.M.; CRISÓSTOMO, J.R. Melhoramento<br />
genético do cajueiro. In: ARAÚJO,<br />
J.P.P.; SILVA, V.V. (1995). Cajucultura:<br />
Modernas Técnicas de Produção. Fortaleza:<br />
EMBRAPA-CNPAT, p.73-93.<br />
LEITE, L.A. de S.A. (1994). A agroindústria<br />
do caju no Brasil: políticas públicas e<br />
transformações econômicas. Fortaleza:<br />
EMBRAPA-CNPAT, 195 p.<br />
OLIVEIRA, V.H.; CRISÓSTOMO, L.A.;<br />
MIRANDA, F.R; ALMEIDA, J.H.S. (1996).<br />
Produtividade de clones-enxertos de cajueiro<br />
anão precoce (Anacardium occidentale<br />
L.) irrigados, no município de Mossoró-RN.<br />
In: Congresso Brasileiro de Fruticultura, 14.,<br />
1996. Curitiba-PR.<br />
PAIVA, J.R.; CRISÓSTOMO, J.R.; BARROS,<br />
L.M.; PAIVA, W.O. (1997). Domesticação e<br />
melhoramento genético do cajueiro<br />
(Anacardium occidentale L.) no Brasil. Informativo<br />
SBF, Brasília: 16 (2), p.19-20.<br />
PAULA PESSOA, P.F.; LEITE, L.A.S;<br />
PIMENTEL, C.R.M. Situação Atual e Perspectivas<br />
da Agroindústria do Caju. In: ARA-<br />
ÚJO, J.P.P.; SILVA, V.V. (1995). Cajucultura:<br />
Modernas Técnicas de Produção. Fortaleza:<br />
EMBRAPA-CNPAT, p.23-42.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 21
O USO DE PVC<br />
NO TRATAMENTO DO CÂNCER<br />
O uso de plastisol de policloreto de vinila(PVC), como tecido equivalente no tratamento de pacientes com câncer<br />
Karin dias salamn<br />
consultora do instituto do PVC<br />
metrado e doutorado - UNICAMP<br />
São Paulo-SP<br />
Wagner Gonçalves Maia<br />
Físico-médico<br />
Centro de atenção integral à saúde<br />
da mulher (CAISM)<br />
CEB-UNICAMP - Campinas-SP<br />
José Renato Rocha<br />
Físico-médico<br />
centro de Atenção Integrada à Saú<br />
de da Mulher (CAISM)<br />
CEB-Campinas-SP<br />
Lúcia H.I. Mei<br />
Departamento de Tecnologia de<br />
Polímeros - FEQ-UNICAMP<br />
tualmente, na radioterapia de pacientes com câncer,<br />
utilizam-se amplamente os aceleradores lineares que<br />
produzem feixes de fótons e elétrons de alta energia. Uma<br />
característica importante desses feixes é que a dose<br />
liberada no tecido irradiado não tem seu valor máximo na<br />
superfície, mas aumenta conforme o poder de penetração<br />
do feixe, até uma profundidade que varia 0,5 a 3,0 cm da pele. A<br />
técnica de irradiação, em geral, consiste em dirigir um ou mais feixes<br />
para o volume do tumor, de modo a produzir uma distribuição uniforme<br />
da intensidade da radiação dentro do tumor, caindo a valores<br />
mínimos nas regiões circunvizinhas.<br />
No caso da radioterapia de tumores superficiais, muitas vezes é<br />
exigido uma superficialização do ponto de dose máxima, seja para<br />
maximizar a dose no tumor ou mesmo para limitar a penetração do<br />
feixe, preservando as estruturas posteriores ao tumor. Isso é feito<br />
utilizando-se materiais simuladores de tecido humano, como os<br />
"bolus", com espessura variável.<br />
Nesse trabalho, foi desenvolvido um material equivalente ao tecido<br />
mole para ser usado como "bolus" em radioterapia, principalmente<br />
para superficializar a dose em tratamentos com fótons ou elétrons. A<br />
característica deste material é que ele é transparente e flexível, tem boa<br />
resistência à radiação, tem baixo custo, além de ter boas propriedades<br />
radiológicas.<br />
Dentre as inúmeras resinas plásticas estudadas, optou-se pelo<br />
poli(cloreto de vinila)-PVC devido à sua versatilidade e boa relação<br />
custo/benefício. A resina de PVC é um pó muito fino, de cor branca,<br />
de elevado peso molecular sendo resultante da polimerização do<br />
cloreto de vinila, como mostra a Figura 1.<br />
Dois recursos naturais, sal e petróleo, são a base para a fabricação<br />
do PVC. Pela refinação do petróleo, obtém-se o etileno e, por<br />
eletrólise, que é a reação química resultante da passagem de uma<br />
corrente elétrica pela água salgada (salmoura), obtém-se o cloro.<br />
Existe uma grande quantidade de aditivos (plastificante-óleos,<br />
estabilizantes, pigmentos entre outros) que, ao serem adicionados ao<br />
PVC tornam o material plástico de maior diversidade, permitindo a<br />
confecção de produtos com a transparência do vidro ou com barreira<br />
à luz, ou ainda com a flexibilidade da borracha ou a rigidez necessária<br />
para se fazer esquadrias de janelas.<br />
22 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Inicialmente foi determinada a curva da %<br />
de ionização para elétrons em função da<br />
profundidade em acrílico e água. Substituindo-se<br />
o acrílico pelo bolus foi obtida a<br />
curva da % de ionização para elétrons em<br />
função da profundidade de bolus. Utilizando-se<br />
fatores de correção obteve-se as<br />
curvas de porcentagem dose profunda<br />
(PDP) da água e do bolus.<br />
MATERIAIS E MÉTODOS<br />
O novo material foi obtido a partir<br />
da dispersão do pó de poli(cloreto de<br />
vinila)-PVC no plastificante ftalato de 2-<br />
dietil-hexila(DOP), formando uma pasta,<br />
que ao ser aplicada uma temperatura de<br />
160oC, transforma-se em um produto<br />
transparente e flexível.<br />
Utilizou-se do método de deslocamento<br />
em colunas de água para se determinar<br />
a densidade específica deste produto.<br />
Para a confecção das placas de<br />
diferentes espessuras, foram utilizados<br />
moldes de vidro plano colocados paralelamente,<br />
com espassadores, o que produz<br />
a espessura desejada.<br />
A estabilidade à radiação foi<br />
verificada submetendo-as à irradiação<br />
em feixes de cobalto 60 até uma dose de<br />
78kGy, e nenhuma variação das propriedades<br />
físicas foi verificada. Este trabalho<br />
foi desenvolvido por Pezzin e colaboradores,<br />
e não se constatou nenhum<br />
tipo de alteração do produto com a<br />
radiação.<br />
De acordo com Johns e colaboradores,<br />
os simuladores de tecido devem<br />
ser materiais que absorvam e espalhem a<br />
radiação igual ao tecido humano. Spiers<br />
e colaboradores, em 1939, mostraram<br />
que os materiais simuladores possuem a<br />
mesma densidade e contêm o mesmo<br />
número de elétrons por grama. Como a<br />
água e o tecido humano possuem estas<br />
características, tendo a mesma absorção<br />
de fótons e elétrons, desde então os<br />
protocolos de dosimetria de feixes de<br />
raios X e gama, na faixa de energia usada<br />
em radioterapia, assim como em<br />
dosimetria de elétrons a altas energias,<br />
consideram a água como material padrão<br />
de referência. Portanto, melhor será<br />
o bolus quanto mais próximo da água<br />
for seu comportamento com relação à<br />
radiação.<br />
Para efeito de cálculo de algumas<br />
das propriedades determinadas neste trabalho<br />
houve a necessidade de se determinar<br />
a porcentagem em peso dos elementos<br />
con tidos no material bolus<br />
vinillico. Através de uma análise química<br />
elementar, foi determinada a quantidade<br />
de carbono e hidrogênio, e usando-se o<br />
sistema Schonninger determinou-se a<br />
quantidade de cloro; a quantidade de<br />
oxigênio foi determinada por exclusão.<br />
Para verificar-se a equivalência da<br />
água foram estudadas as propriedades<br />
radiológicas, das quais algumas foram<br />
determinadas teórica e experimentalmente,<br />
assim como outras determinadas apenas<br />
teoricamente. Também foi feita uma<br />
medida para se verificar o erro causado<br />
na dose absorvida pela introdução do<br />
material no feixe, simulando a situação<br />
de tratamento.<br />
Determinou-se as propiedade radiológicas<br />
dentre as quais o número atômico<br />
efetivo e o stopping power em<br />
relação à água em feixes de elétrons que<br />
consiste no poder de frenagem do material<br />
com relação a radiação.<br />
Em algumas determinações experimentais<br />
foram utilizados os métodos (a),<br />
(b) e (c). Nestes métodos foi utilizada<br />
uma câmara de placas paralelas (PTW-<br />
Markus Chamber), para medidas em elétrons<br />
e fótons 10MeV, e para o cobalto 60<br />
foi utilizada uma câmara cilíndrica de<br />
0,6cc (PTW 23333).<br />
A câmara foi posicionada a um profundidade<br />
correspondente ao ponto máximo de<br />
ionização na água. Neste caso placas do<br />
material foram colocadas sobre a câmara<br />
substituindo-se a água pelo bolus.<br />
A câmara foi posicionada a profundidades<br />
de 2,5cm (ponto de máximo), 5cm e 10cm<br />
em um fantom com água. Aplicando-se<br />
feixes de fótons 10MeV e substituindo-se<br />
diferentes espessuras de água pelo material<br />
foi obtida a % de ionização.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 23
24 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 25
Barreiras<br />
à Exportação<br />
Barreiras protecionistas às exportações brasileiras<br />
Jonas Pinheiro<br />
Médico veterinario , extensinista rual,<br />
foi deputado Federal (1982/94) e atualmente<br />
é Senador da República pelo<br />
Estado do Mato Grosso.<br />
Com a política de abertura da economia<br />
brasileira adotada pelo Governo<br />
Federal, sobretudo a partir de 1990, o setor<br />
produtivo nacional viu-se frente a frente<br />
com uma concorrência forte e poderosa e<br />
até então desconhecida, provocada pela<br />
aceleração repentina das importações de<br />
produtos em geral. Para a agricultura brasileira,<br />
que está fortemente endividada, tem<br />
de arcar com custos financeiros<br />
elevadíssimos, de suportar um sistema tributário<br />
voraz, de não contar com condições<br />
financeiras favoráveis para adotar<br />
tecnologia moderna nem mão-de-obra<br />
qualificada, e, o que é mais<br />
limitador, de não dispor de uma adequada<br />
infra-estrutura que dê sustentação e<br />
apoio ao produtor. A adoção dessa<br />
política foi atroz, pois o setor teve sua<br />
capacidade de se ajustar a ela extremamente<br />
limitada, quando teve de competir<br />
com produtos importados altamente<br />
subsidiados em seu país de origem.<br />
A liberação das importações, sob<br />
o argumento geral de provocar um<br />
"choque de modernidade" no país, tem<br />
tido, no caso agrícola, muito mais o<br />
objetivo de viabilizar a entrada de<br />
insumos e produtos cotados a preços<br />
bem mais baixos que os nacionais e,<br />
dessa maneira, provocar um impacto nos<br />
preços internos desses produtos, com a<br />
preocupação de assegurar a "âncora<br />
verde" para manutenção do Plano Real.<br />
Essa é uma atitude imediatista e míope,<br />
pois, a perdurar esse procedimento, sem<br />
a devida cautela e precaução, estaremos,<br />
não só desestruturando o nosso<br />
sistema produtivo, mas aumentando a<br />
nossa dependência externa e causando<br />
uma profunda crise social no campo,<br />
com a aceleração do êxodo rural e<br />
reflexos imediatos e, talvez, irreversíveis<br />
na cidade.<br />
Sem dúvida, essas importações é<br />
que foram responsáveis, ao lado da<br />
política cambial de valorização do Real,<br />
pelo mau desempenho do setor agrícola,<br />
que atingiu seu ponto mais crítico em<br />
1995/96, quando a venda de produtos<br />
agrícolas caiu substancialmente.<br />
Esse processo, então,<br />
desestruturou a pequena produção rural<br />
e seus subsetores produtivos como os de<br />
algodão, arroz, trigo, laranja, borracha<br />
natural, sisal, leite e seus derivados, entre<br />
outros, deixando-os numa crise de<br />
grandes proporções. O Brasil está<br />
importando esses produtos a preços<br />
muito mais baixos que os nossos<br />
porque, em seu país de origem, eles são<br />
subsidiados e produzidos em condições<br />
muito mais favoráveis, além de ser<br />
ofertados com juros mais baixos e<br />
maiores prazos de pagamento.<br />
Curioso é que os países desenvolvidos,<br />
que exigem de nós uma maior<br />
abertura da economia, são exatamente os<br />
que mais defendem o seu setor produtivo<br />
e, consequentemente, o emprego para<br />
seu povo. Reclamam de nós ampla e<br />
urgente abertura econômica, mas,<br />
contraditoriamente, impõem-nos barreiras<br />
tarifárias e não tarifárias que impedem e<br />
dificultam a exportação de nossos<br />
produtos. Afora essas restrições, impõem<br />
ainda "cotas" que, quando adotadas pelo<br />
Brasil, sofrem acirrado combate, mas,<br />
quando aplicadas por eles, representam<br />
proteção contra atividades predatórias ou<br />
concorrência desleal. Além dessas<br />
26 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
arreiras há também as de ordem<br />
sanitária, que limitam ou proíbem a<br />
importação de produtos brasileiros, sob<br />
o pretexto de que eles não atendem às<br />
exigências sanitárias daqueles países.<br />
Essas medidas tarifárias e não<br />
tarifárias impostas pelos Estados Unidos<br />
e por outros países às importações de<br />
produtos brasileiros causam ao nosso<br />
país prejuízos anuais da ordem de US$ 6<br />
bilhões.<br />
Atualmente, os Estados Unidos<br />
restringem ou impedem a entrada<br />
naquele país de cerca de 80 produtos<br />
brasileiros, como, por exemplo, de:<br />
Suco de Laranja: o importador<br />
norte-americano tem de pagar 8,55<br />
centavos de dólar por litro de suco do<br />
Brasil;<br />
Tabaco: há uma cota de 80,2 mil<br />
toneladas; acima disso, os Estados<br />
Unídos impõem, para cada quilo importado<br />
a mais, uma taxa de 69,5 centavos<br />
de dólar;<br />
Açúcar: a cota é de 162,2 mil<br />
toneladas. Para cada tonelada excedente<br />
é cobrada uma taxa de 286 dólares.<br />
Fruta: as tarifas sobre as frutas<br />
variam de acordo com a época do ano.<br />
Por exemplo: sobre o melão, são cobrados<br />
16,4% por unidade entre 1º de<br />
agosto e 15 de setembro; sobre a uva, a<br />
taxa fica 54% mais cara entre 15 de<br />
fevereiro e 31 de março; sobre o óleo de<br />
soja, é cobrada uma taxa de 20,8% em<br />
cima do valor da tonelada do produto;<br />
Calçado: é cobrada uma taxa de<br />
10% sobre o valor original do produto.<br />
No caso de outros calçados de couro,<br />
esse tipo de tarifa extra fica em 8, 5%;<br />
Têxtil: a alíquota é de 38% e mais 48,5<br />
centavos de dólar por quilo de tecido.<br />
Carne (de boi e de porco): os<br />
Estados Unidos não permitem a entrada<br />
do produto cru ou congelado. Alegam<br />
que o rebanho brasileiro tem febre aftosa<br />
e que o país ainda não está livre da<br />
cólera suína;<br />
Carne de frango: O produto não<br />
entra nos Estados Unidos porque o<br />
nosso sistema de inspeção sanitária não<br />
tem a aprovação do Departamento de<br />
Agricultura norte-americano;<br />
Camarão: é necessária uma<br />
certidão que autorize a exportação, cuja<br />
validade não passa de 12 meses.<br />
Como consequência dessa política, no<br />
período de 1991 a 1996, a exportação de<br />
produtos agrícolas brasileiros para os<br />
Estados Unidos ficou estagnada em 1,3<br />
bilhão de dólares por ano, enquanto, no<br />
mesmo período, as vendas norteamericanas<br />
para o Brasil aumentaram<br />
131%.<br />
Diante dessas exigências, as<br />
autoridades governamentais brasileiras<br />
intimidam-se mais, a cada dia, pois o<br />
país não tem a autonomia necessária<br />
para<br />
equilibrar<br />
esse processo,<br />
autonomia esta que<br />
adviria da recuperação econômica do<br />
país e da excelência dos seus produtos.<br />
Tanto que temos assistido a um crescente<br />
déficit na balança comercial brasileira.<br />
Não se pode negar a nenhum<br />
país que ele tente proteger sua economia,<br />
suas empresas e seus empregos. No<br />
entanto, se os Estados Unidos, o Japão e<br />
os países europeus se acham nesse<br />
direito, é igualmente legítimo que o Brasil<br />
também o tenha. Na verdade, há necessidade<br />
de que se estabeleçam regras<br />
equilibradas de comércio entre os países<br />
ou os blocos de que fazem parte, para<br />
que não haja aniquilamento de uns e<br />
domínio de outros.<br />
A agricultura é um dos setores<br />
mais importantes da economia de muitos<br />
países. Além do seu valor econômico,<br />
tem elevadíssimo valor estratégico, pois<br />
garante o abastecimento interno. Assegura-se,<br />
por ele, o equilíbrio social, pela<br />
eliminação da fome - um dos maiores<br />
focos de conflito social dentro de uma<br />
Nação. Os excedentes agrícolas constituem<br />
um dos mais rentáveis itens de<br />
exportação dos países produtores, o que<br />
aumenta substancialmente a renda<br />
nacional.<br />
O processo irreversível de abertura<br />
da economia exige do Brasil intensificação<br />
de trocas comerciais com os<br />
demais países do globo; abertura econômica<br />
deve significar troca benéfica para<br />
ambos os lados; no entanto, está sendo<br />
óbvio que as nações produtoras estão<br />
querendo que importemos muito e<br />
exportemos o mínimo. O Brasil deve,<br />
então, reagir energicamente contra toda<br />
taxação iníqua de seus produtos e, se<br />
necessário for, adotar medidas de<br />
retaliação que compensem os prejuízos<br />
sofridos. Deve<br />
mos demonstrar que não estamos<br />
submissos aos desígnios de terceiros,<br />
sejam eles fortes quanto forem.<br />
Não resta dúvida de que nossos<br />
parceiros comerciais continuarão sempre<br />
a exigir maior abertura de nossa parte e<br />
que não facilitarão a venda dos nossos<br />
produtos. Necessário se faz, então, que o<br />
governo consolide uma política agrícola<br />
de longo prazo para que nossa pauta de<br />
exportações tenha respaldo em medidas<br />
de apoio que lhe garantam disputar<br />
mercados em condições de igualdade<br />
com os demais concorrentes, salvaguardando<br />
os seus interesses internos e os de<br />
sua população.<br />
No Congresso Nacional, tenho<br />
defendido intransigentemente essa<br />
questão e faço coro com inúmeros<br />
parlamentares, que, com freqüência, se<br />
manifestam preocupados com essas<br />
distorções e seus graves reflexos sobre<br />
toda a população brasileira.<br />
É imprescindível que as autoridades que<br />
vêm negociando em nome do Governo<br />
Brasileiro os acordos com outros países,<br />
abram espaço para que o agricultor<br />
brasileiro participe dessas negociações, a<br />
fim de que seus interesses sejam devidamente<br />
resguardados para que não<br />
sejamos surpreendidos, como ocorreu<br />
com a formalização de outros acordos,<br />
notadamente o do Mercosul, quando<br />
foram tomadas decisões e assumidos<br />
compromissos prejudiciais ao setor.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 27
Detecção de patógenos<br />
VETERINARIA<br />
no sêmen<br />
Nivaldo da Silva<br />
Doutor em Veterinária pela<br />
Universidad Complutense de Madrid - Espanha<br />
Prof. Adjunto do Departamento de<br />
Medicina Veterinária Preventiva<br />
Universidade Federal de Minas Gerais<br />
Email: nivsilva@dedadlus.lcc.ufmg.br<br />
Detecção de agentes patogênicos em sêmen bovinos destinado a inseminação artificial<br />
utilização da inseminação<br />
artificial (I.A.) tornou possível<br />
o intercâmbio de<br />
material genético de melhor<br />
qualidade, e através<br />
dessa tecnologia, uma melhora<br />
da produção de leite<br />
e carne, tanto a nível nacional como internacional.<br />
As possibilidades da contaminação<br />
do sêmen por agentes<br />
patogênicos (Fig. 1) e sua possível<br />
disseminação através do mesmo,<br />
entretanto, se converteram em uma<br />
das principais preocupações para<br />
criadores e autoridades sanitárias dos<br />
países onde se emprega essa<br />
tecnologia (Afshar & Eaglesome, 1990).<br />
A tudo isso se deve, também, acrescentar<br />
o risco que supõe o uso do<br />
sêmen infectado nos processos de<br />
transferência de embriões (Bielanski<br />
& Dubuc, 1994). Este alarma crescente<br />
está relacionado às implicações<br />
epizootiológicas da presença de vírus<br />
no sêmen, implicações essas que<br />
não só se centram na infecção exclusiva<br />
da fêmea receptora, ou do coletivo<br />
da exploração pecuária, como<br />
também na possível introdução de viroses<br />
exóticas no país importador. Esse risco<br />
potencial de transmissão, gera uma grande<br />
preocupação sobre o intercâmbio nacional<br />
e internacional deste material genético, e<br />
em especial, sobre os métodos de detecção<br />
dos possíveis vírus vinculados através do<br />
sêmen ou dos embriões, obrigando quase<br />
todos os países a implantarem rigorosos<br />
programas sanitários voltados para o controle<br />
das importações.<br />
A origem dos vírus no sêmen pode ser<br />
extrínseca, devido a contaminação fecal do<br />
sêmen no momento da coleta (por exemplo,<br />
os enterovírus) ou intrínseca, devido as<br />
infecções locais ou sistêmicas com a disseminação<br />
dos vírus através dos testículos,<br />
glândulas acessórias ou prepúcio. Dessa<br />
maneira, o sêmen é um excelente veículo<br />
para a difusão de agentes patogênicos e de<br />
defeitos genéticos, principalmente pela grande<br />
distribuição de sêmen congelado, e pela<br />
capacidade que possui um touro para<br />
produzir até 1000 doses deste material a<br />
partir de uma única ejaculação.<br />
Atualmente, as enfermidades víricas<br />
transmitidas via sêmen, como a Rinotraqueíte<br />
Infecciosa Bovina (IBR) e a Diarréia Bovina<br />
a Vírus (BVD), têm despertado um<br />
grande interesse nas autoridades sanitárias<br />
mundiais, principalmente por que nesses<br />
processos infecciosos os sinais clínicos<br />
são raramente evidentes, sendo de grande<br />
importância a detecção desses vírus no<br />
sêmen (Philpott, 1993).<br />
Uma vez que a congelação do sêmen<br />
possibilita a sobrevivência da maioria<br />
dos agentes patogênicos, e o uso dos<br />
crioprotetores diminue a eficácia dos<br />
antibióticos, se faz necessário normas<br />
oficiais para regulamentar a produção e<br />
o comércio de material genético livre de<br />
agentes infecciosos (Afshar & Eaglesome,<br />
1990). Desta maneira, a Oficina Internacional<br />
de Epizootias (OIE) definiu suas<br />
diretrizes no ano de 1986. Nos Estados<br />
Unidos da América (EEUU) essas normas<br />
foram padronizadas em 1989, sob controle<br />
da Associação Nacional de Reprodução<br />
Animal (NAAB) (Philpott, 1993) e,<br />
recentemente, a União Européia (EU)<br />
através da diretiva 93/60/EEC estabeleceu<br />
suas normas de controle. Essas exigências<br />
estão baseadas na transmissão<br />
dessas viroses através do sêmen<br />
infectado. Por esses motivos, recomendam<br />
um rigoroso controle sanitário sobre<br />
os touros mantidos nos centros de<br />
I.A., exigindo provas de isolamento<br />
de agentes infecciosos, ou<br />
provas sorológicas de todos os<br />
animais com idades superiores<br />
aos seis meses.<br />
Países do MERCOSUL estão,<br />
ainda, estudando normas para o<br />
comércio de sêmen entre seus<br />
integrantes.<br />
Apesar dessas medidas, o perigo<br />
da transmissão de vírus via<br />
sêmen segue vigente, como<br />
consequência da existência nos<br />
centros de I.A. de animais clinicamente<br />
sadios ou sorologicamente<br />
negativos, porém que estão latentemente<br />
infectados pelo herpes<br />
vírus bovino tipo 1 (BHV-1) causador<br />
da IBR ou persistentemente<br />
infectados pelo vírus da BVD. Por outro<br />
lado, e especificamente no caso da IBR,<br />
ainda existe uma reconhecida demanda<br />
por sêmen de touros de apreciável valor<br />
genético e que apresentam sorologia positiva<br />
frente a este vírus. Isso obriga a um<br />
contínuo monitoramento dos seus<br />
ejaculados para a detecção do vírus e,<br />
assim, evitar o risco de transmissão por<br />
essa via. Segundo Afshar & Eaglesome<br />
(1990), os vírus da IBR e BVD estão<br />
presentes em quase todos os centros de<br />
I.A. dos EEUU e Canadá, de onde provêm<br />
a maioria do sêmen importado pelo Brasil.<br />
Por outro lado, e apesar de não<br />
dispor de muitas informações sobre a<br />
incidência dessas enfermidades nos países<br />
sul americanos, pode-se considerar<br />
que pelo menos as infecções causadas<br />
28 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
pelo BHV-1 estão presentes nesses países,<br />
apesar de não serem rotineiramente<br />
diagnosticadas ou notificadas. Nesse<br />
sentido, no Brasil estão registrados casos<br />
de Balanopostites em touros com eliminação<br />
de vírus no sêmen, assim como a<br />
presença de anticorpos em doadoras e<br />
receptoras de embriões. Em países do<br />
Mercosul, o vírus da IBR está amplamente<br />
disseminado, sendo detectado em<br />
amostras de sêmen congelado na Argentina.<br />
O êxito dos programas de controle<br />
das doenças infecciosas depende, em<br />
boa medida, da identificação e eliminação<br />
de animais infectados e ou portadores.<br />
Usualmente nesses animais, o controle<br />
é feito através do isolamento de<br />
microrganismos em meios de cultura,<br />
cultivos celulares, inoculação em animais<br />
susceptíveis ou, então, pela detecção<br />
indireta através de técnicas sorológicas,<br />
como a soroneutralização, fixação de<br />
complemento, imunofluorescência indireta,<br />
hemaglutinação, imunodifusão, etc.<br />
A maioria destas técnicas, entretanto,<br />
apresentam limitações principalmente de<br />
ordem prática, resultantes da sua complexidade,<br />
da infra-estrutura necessária<br />
à sua realização, ou da lentidão dos<br />
procedimentos laboratoriais necessários<br />
para a detecção e caracterização dos<br />
agentes patogênicos. Por outro lado,<br />
existem, também, limitações de sensibilidade<br />
e especificidade. Por estes motivos,<br />
nos últimos anos têm-se intensificado a<br />
busca por técnicas de maior rapidez,<br />
precisão e confiança, que possibilitem o<br />
diagnóstico das doenças infecciosas com<br />
um grau de sensibilidade e especificidade<br />
similar ou superior aos procedimentos<br />
convencionais, e cujos resultados sejam<br />
dados no mesmo dia (Rodriguez &<br />
Schudel, 1993). Desta maneira, técnicas<br />
simples e de fácil execução para a caracterização<br />
de proteínas e ácidos nucléicos,<br />
como as imunoenzimáticas - ELISA<br />
(Enzyme-linked immunoabsorvent assay)<br />
e Immmunobloting, ou as amplificações<br />
"in vitro" de ácidos nucléicos através da<br />
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR),<br />
são recomendadas para substituir os métodos<br />
convencionais de diagnóstico de<br />
várias doenças.<br />
Utilização da técnica de PCR<br />
para detecção de agentes<br />
patogênicos no sêmen<br />
A amplificação "in vitro" dos ácidos<br />
nucléicos (PCR) permite a obtenção de<br />
milhares de cópias de uma sequência<br />
específica de DNA. Por isso, a PCR tem<br />
facilitado o desenvolvimento de uma<br />
variedade de sistemas, baseados na<br />
detecção de ácidos nucléicos de bactérias,<br />
vírus, e outros microrganismos, bem<br />
como de alterações genéticas. Devido a<br />
sua alta sensibilidade, especificidade e<br />
rapidez, a PCR oferece muitas vantagens<br />
sobre os métodos convencionais de diagnóstico,<br />
porque está baseada na amplificação<br />
especifica de um fragmento<br />
de ácido nucléico, compreendido entre<br />
dois oligonucleotidos sintéticos complementares<br />
(primers), respectivamente, a<br />
cada uma das duas fitas de DNA a ser<br />
amplificada. O tamanho deste fragmento<br />
é definido pela distância entre a posição<br />
de anilamento dos primers (iniciador e<br />
reverso) dentro da sequência genômica.<br />
A PCR é realizada em repetidos ciclos,<br />
cada um consistindo de três etapas com<br />
diferentes temperaturas. Na primeira etapa,<br />
a dupla fita de DNA é desnaturada a<br />
alta temperatura, resultando em uma molécula<br />
simples de DNA (DNA molde). Em<br />
seguida os primers (iniciador e reverso) se<br />
unem às suas sequências homólogas e<br />
complementares nas regiões correspondentes<br />
("target") da molécula do DNA<br />
molde (anilamento). Na terceira fase, a<br />
região 3' de cada um dos primers é estendida<br />
nos dois sentidos pela ação enzimática<br />
da enzima termoestável Taq polimerase<br />
(alongamento), formando uma nova molécula<br />
de DNA de dupla fita. As novas<br />
moléculas de DNA, sintetizadas pelo processo,<br />
servirão de molde para a produção<br />
de outras cópias de DNA em outros ciclos<br />
da reação, resultando em uma amplificação<br />
exponencial (Silva, 1995).<br />
Apesar de sua simplicidade, a amplificação<br />
"in vitro" dos ácidos nucléicos<br />
pode ser afetada por uma variedade de<br />
parâmetros, entre eles, o desenho dos<br />
"primers", a existência de áreas de<br />
homologia na sequência do DNA molde,<br />
as temperaturas de anilamento, concentração<br />
de nucleótidos, e principalmente<br />
pela presença de inibidores (proteínas)<br />
(Erlich et al., 1989).<br />
A aplicação desta técnica para a<br />
detecção de vírus RNA, é feita mediante<br />
a síntese de uma molécula de DNA<br />
complementar (cDNA), através de uma<br />
reação de retrotranscripção, utilizandose<br />
a enzima transcriptase reversa (RT).<br />
Normalmente, o primer utilizado para<br />
iniciar esta síntese é o mesmo que se<br />
utiliza para a amplificação específica do<br />
DNA. Essa reação é conhecida como RT-<br />
PCR, e pode ser realizada no mesmo<br />
tubo de reação, evitando-se, assim, a<br />
possibilidade de contaminações com<br />
outros DNAs por excesso de manipulações.<br />
O produto de PCR (amplicon) pode<br />
ser detectado em gel de agarose, após a<br />
tinção com brometo de etidio. Seu tamanho<br />
é comparado com pesos moleculares<br />
de referência (DNA Ladder) e corresponde<br />
ao número de pares de bases (pb) de<br />
nucleótidos distribuídos ao longo da<br />
sequência genômica do DNA molde. O<br />
amplicon também pode ser digerido por<br />
endonucleases de restrição, para confirmar<br />
se as áreas do DNA amplificado<br />
correspondem aos sítios de restrição<br />
dessas enzimas. A PCR em combinação<br />
com os fragmentos de diferentes tamanhos,<br />
obtidos pela digestão do DNA com<br />
enzimas de restrição (RFLP) é, frequentemente,<br />
usada para classificar um grupo<br />
de microrganismos patogênicos, ou definir<br />
a posição de diferentes alelos na<br />
detecção de doenças de caráter hereditário.<br />
A especificidade também pode ser<br />
definida através da técnica de hibridação<br />
de Southern blot, na qual o produto da<br />
PCR é transferido após a eletroforese<br />
para uma membrana de nylon de carga<br />
elétrica positiva e hibridizado com uma<br />
sonda sintética específica, marcada com<br />
isótopos radioativos ou não radioativos<br />
(Silva, 1995).<br />
Segundo Rodríguez & Schudell (1993),<br />
o emprego dessa técnica de maior precisão<br />
e confiança, é recomendada, principalmente,<br />
para o diagnóstico de vírus em<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 29
sêmen, e possibilita a detecção mais<br />
rápida dos vírus da IBR e BVD e de<br />
outros vírus, com menores custos e sobretudo<br />
com altas taxas de sensibilidade<br />
e especificidade (Reubel & Studdert,<br />
1998).<br />
Apesar da ampla aplicabilidade das<br />
técnicas de amplificação dos ácidos<br />
nucléicos em sêmen, ela sofre algumas<br />
limitações, devido à presença de<br />
inibidores da polimerização do DNA ou<br />
à grande quantidade de proteínas presentes<br />
nos diluentes usados para proteger<br />
os espermatozóides, durante os processos<br />
de congelação. Assim, os processos<br />
descritos para a extração dos ácidos<br />
nucléicos de que já haviam sido sacrificados<br />
há vários anos por apresentarem<br />
reações sorológicas positivas à prova de<br />
ELISA (Silva et al., 1997).<br />
Falhas no isolamento do vírus da<br />
BVD podem ser atribuídas aos efeitos<br />
viricidas do sêmen, aos baixos títulos<br />
deste vírus no sêmen, entre 5 y 75 DI50CT/<br />
ml, ou à natural inibição da transcripção<br />
do vírus, como consequência da presença<br />
no plasma seminal de bovinos de uma<br />
proteína, a seminalplasmina. Essa última<br />
propriedade do plasma seminal afeta a<br />
detecção do vírus no sêmen quando se<br />
emprega a técnica de RT-PCR, razão pela<br />
qual não se conhecem muitos trabalhos<br />
relacionados ao tema. Silva et al. (1995),<br />
entretanto, utilizando o procedimento<br />
de passar o plasma seminal pela coluna<br />
de Sephacryl S-400, previamente à extração<br />
do RNA viral pelo método do<br />
tiosulfato de guanidina, conseguiram<br />
detectar através da RT-PCR, até 4 DI50<br />
CT/ml de vírus da BVD, no sêmen<br />
infectado, tanto fresco como congelado.<br />
Esses autores amplificaram um fragmento<br />
de 440 pb visível em gel de agarose a<br />
2%, tingido com brometo de etídio, do<br />
gene da proteína de infecção p80 desse<br />
vírus (Fig. 3). Essa técnica apresentou<br />
especificidade e sensibilidade<br />
maiores que<br />
aquelas apresentadas<br />
por outros métodos convencionais<br />
de detecção<br />
de vírus em sêmen, sugerindo<br />
sua utilização<br />
para o diagnóstico dessa<br />
virose em sêmen<br />
fresco ou congelado,<br />
tanto nacionais como<br />
importados.<br />
Outros microrganismos<br />
foram também detectados<br />
em sêmen, a<br />
partir das técnicas de<br />
amplificação dos ácidos<br />
nucléicos. Masri et<br />
al. (1997), descreveram<br />
um rápido e específico<br />
método para detecção<br />
de Leptospiras spp a<br />
partir do sêmen bovino<br />
infectado. Esses autores<br />
amplificaram através<br />
de um nested-PCR,<br />
um fragmento de 450<br />
pb do genoma da<br />
L e p t o s p i r a<br />
borgpetersenii serovar<br />
hardjobovis, detectando<br />
até 50 organismos/ml de<br />
sêmen infectado.Em outro<br />
estudo, Eaglesome<br />
et al. (1995), detectaram<br />
por PCR até 4 organismos/ml<br />
de sêmen<br />
infectado pelo<br />
Campylobacter fetus<br />
subsp venerealis.<br />
Na Tabela 1, encontram-se<br />
descritas as aplicações<br />
PCR e RT-PCR,<br />
para o diagnóstico de<br />
algumas das principais<br />
doenças infecciosas da reprodução de<br />
bovinos. A sensibilidade e especificidade<br />
destas técnicas foram comparativamente<br />
maiores que as técnicas convencionais<br />
de diagnóstico. Os resultados demonstraram<br />
o potencial da PCR para a detecção<br />
rápida de microrganismos, ou mesmo<br />
para substituir conhecidos métodos.<br />
Apesar desses aspectos amplamente<br />
favoráveis, nos dias de hoje a aplicação<br />
da prova de PCR para detecção de agentes<br />
patogênicos no sêmen e em outros<br />
materiais clínicos, está restrita a laboratórios<br />
bem equipados, dificultando, principalmente,<br />
sua ampla utilização na prática<br />
Veterinária. O que se espera, entretanto,<br />
é que no futuro a técnica da PCR<br />
possa ser utilizada por profissionais de<br />
campo, sob a forma de kits de diagnóstico,<br />
como se faz hoje, por exemplo,<br />
com a técnica de ELISA para o diagnóstico<br />
da influenza equina ou para outras<br />
doenças.<br />
30 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 31
INTERCÂMBIO E QUARENTENA DE<br />
GERMOPLASMA VEGETAL<br />
IInIntrodução de materiais estratégicos para pesquisa agrícola nacional e onterceptação de pragas querentenárias<br />
Maria de Fatima Batista (PhD);<br />
José Nelson L. FOnseca (Bsc);<br />
Renata C.V. Tenente ( Pós-PhD);<br />
Marta A.S. Mendes (Msc);<br />
Maria Regina V. de Oliveira (PhD);<br />
Denise N. Ferreira (ms);<br />
Pesquisadores do cenargem.<br />
Email: exchenge@cenargen.embrapa.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
1. Intercâmbio<br />
A pesquisa agropecuária é dinâmica<br />
e necessita estar sempre criando e/ou<br />
adaptando novas metodologias para garantir<br />
ao povo brasileiro uma alimentação rica<br />
e saudável. A maior parte dos produtos que<br />
fazem parte da nossa alimentação não é<br />
originária do Brasil,<br />
condições edafoclimáticas, resistentes a<br />
pragas e altamente produtivas.<br />
As novas leis de propriedade intelectual,<br />
que limitam as condições de uso do<br />
germoplasma introduzido, vão, conseqüentemente,<br />
reduzir o volume de germoplasma<br />
estabelecem normas de acordo com as<br />
necessidades de cada caso. A Portaria nº<br />
224, de 3 de maio de 1977, credencia a<br />
Empresa Brasileira de Pesquisa<br />
Agropecuária (Embrapa) por meio de sua<br />
Unidade Descentralizada - Centro Nacional<br />
de Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />
(cenargen)<br />
mas foi introduzida após vir por outros países<br />
e adaptada às nossas condições. Entre<br />
esses produtos estão arroz, o feijão, milho,<br />
soja, trigo, frutíferas e hortaliças exóticas.<br />
Com isso, a agricultura brasileira tem-se<br />
beneficiado com a introdução de<br />
germoplasma de diversas espécies vegetais,<br />
que permitiram ao país, por meio da pesquisa,<br />
obter variedades adaptadas às nossas<br />
vegetal intercambiado, devido às várias<br />
restrições impostas em um acordo de<br />
transferência de germoplasma vegetal.<br />
Para viabilizar a importação de<br />
germoplasma vegetal, estratégica para o<br />
país e de fundamental importância para<br />
o enriquecimento genético dos programas<br />
de melhoramento, sem o que as<br />
pesquisas agrícolas ficariam comprometidas,<br />
é necessário que haja uma regulamentação<br />
fitossanitária que estabeleça os<br />
critérios para uma importação segura e<br />
que, ao mesmo tempo, não a prejudique.<br />
A legislação brasileira sobre<br />
importação e quarentena de material<br />
vegetal baseia-se no Decreto-lei nº<br />
24.114, de 12 de abril de 1934, assim<br />
como nas portarias complementares que<br />
regulamentam o assunto e<br />
autorizando-a a proceder o intercâmbio de<br />
germoplasma e a adotar os procedimentos<br />
de quarentena, bem como a dar pareceres<br />
técnicos nos processos de importação de<br />
germoplasma no interesse da Embrapa e de<br />
outras instituições do Sistema Nacional de<br />
Pesquisa Agropecuária (SNPA), coordenado<br />
por ela.<br />
O intercâmbio e os procedimentos<br />
quarentenários de vegetais e de solo para<br />
pesquisa ou outros fins científicos foram<br />
normatizados pela Portaria nº 148, de 15 de<br />
junho de 1992, como descrito resumidamente<br />
a seguir:<br />
32 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Os pedidos de importação de<br />
germoplasma das unidades da Embrapa<br />
devem ser encaminhados diretamente ao<br />
Cenargen, à Área de Intercâmbio e Quarentena<br />
de Germoplasma Vegetal (AIQ), que<br />
providenciará o parecer técnico, para, junto<br />
com o requerimento e a listagem do<br />
material, obter a "Permissão de Importação"<br />
junto ao Departamento de Defesa e<br />
Inspeção Vegetal (DDIV) do Ministério da<br />
Agricultura e do Abastecimento (MA). Os<br />
requerimentos das importações solicitadas<br />
pelos demais órgãos oficiais e particulares<br />
de pesquisa deverão ser enviados à Delegacia<br />
Federal de Agricultura (DFA) do seu<br />
respectivo Estado, que o encaminhará ao<br />
DDIV e este, antes de emitir a "Permissão de<br />
Importação", solicitará um parecer técnico<br />
ao Cenargen. Os procedimentos seguintes<br />
da importação serão feitos pela DFA e a<br />
quarentena, pelo Cenargen.<br />
As espécies vegetais são classificadas<br />
em duas categorias: de livre importação<br />
e de importação restrita. Os materiais vegetais<br />
de livre importação necessitam apenas<br />
do Certificado Fitossanitário para seu intercâmbio;<br />
já os de importação restrita necessitam<br />
de declarações adicionais no Certificado<br />
Fitossanitário. As exigências que devem<br />
constar nas declarações adicionais<br />
estão estabelecidas nas portarias complementares.<br />
A Portaria n.º 437, de 25 de novembro<br />
de 1985, regula as importações de<br />
sementes e/ou mudas para o comércio.<br />
Nesse caso, o pedido é formulado à DFA<br />
do Estado correspondente, que, achando<br />
necessário, solicita parecer técnico de alguma<br />
instituição para assegurar a importação.<br />
Os demais procedimentos são estabelecidos<br />
pelo DDIV, que prescreve as<br />
medidas de quarentena, as quais, então,<br />
são acompanhadas e fiscalizadas, até a<br />
liberação, pela DFA do Estado.<br />
No que se refere à exportação de<br />
vegetais para o comércio, as normas estão<br />
estabelecidas na Portaria n.º 93, de 14 de<br />
abril de 1989, publicado no Diário Oficial<br />
da União(Brasil, 1982).<br />
2. Quarentena<br />
A palavra "quarentena" é derivada<br />
do Latim "quadraginata" e do Italiano<br />
"quaranta", que significa quarenta. No italiano,<br />
a palavra "quarantina" foi originalmente,<br />
aplicada para o período de 40 dias<br />
de isolamento requerido para que um<br />
navio, incluídos seus passageiros e a carga,<br />
permanecesse ancorado em um porto de<br />
chegada quando proveniente de um país<br />
onde ocorressem doenças epidêmicas, de<br />
modo que, naquele período, fossem desenvolvidos<br />
e subseqüentemente detectados<br />
os sintomas de algumas dessas doenças<br />
nos passageiros, antes do seu desembarque<br />
(Kahn, 1989).<br />
Quarentena vegetal, literalmente, e por<br />
extrapolação, significaria o isolamento de<br />
plantas por 40 dias, como período de incubação<br />
para o aparecimento e detecção de<br />
sintomas de doenças. Na verdade, este<br />
procedimento constitui apenas uma fração<br />
das diversas ações que podem ser utilizadas<br />
em um programa de exclusão de<br />
organismos indesejáveis (Kahn, 1989).<br />
A quarentena vegetal tem como<br />
objetivo prevenir a introdução de organismos<br />
nocivos em áreas isentas, utilizando a<br />
exclusão como estratégia no controle contra<br />
pragas exóticas, sendo aplicada a produtos<br />
de importação e exportação (Kahn,<br />
1989), Marques et al., 1995). Portanto, a<br />
quarentena deve ser encarada como uma<br />
das facetas nos programas nacionais de<br />
controle ou manejo integrado de pragas. As<br />
suas ações são baseadas em atos legislativos<br />
e em procedimentos técnicos, cuja eficácia<br />
depende fundamentalmente da existência<br />
de pessoal treinado e de estrutura<br />
operacional adequada. O serviço de quarentena<br />
também deve envolver uma ativa<br />
cooperação de toda a comunidade, à medida<br />
em que as restrições impostas pela<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 33
legislação sejam devidamente aceitas e<br />
acatadas integralmente. A quarentena de<br />
produtos importados utiliza ações reguladoras<br />
para excluir pragas que possam<br />
infestar ou contaminar materiais vegetais.<br />
Se não forem interceptadas, essas pragas<br />
poderão ser disseminadas e causar grandes<br />
prejuízos ao país importador. A quarentena<br />
de produtos para exportação utiliza procedimentos<br />
para proteger a agricultura dos<br />
países importadores, de acordo com os<br />
regulamentos ou condições especificadas<br />
por estes (Kahn, 1989).<br />
O uso da exclusão para prevenir a introdução<br />
de uma determinada praga pode ser<br />
simplificado como um esforço para eliminar<br />
ou reduzir severamente sua população,<br />
por meio de medidas reguladoras, ao longo<br />
de sua trajetória de entrada (Foster, 1991).<br />
A quarentena deve basear-se em evidências<br />
biológicas e nunca ser resultante de<br />
pressões políticas ou econômicas. A primeira<br />
e básica preocupação deve ser o<br />
conhecimento da situação dentro e fora do<br />
país em relação à ocorrência de pragas,<br />
com o objetivo de determinar riscos potenciais<br />
e estabelecer medidas de precaução<br />
por ocasião da introdução de plantas ou<br />
partes de plantas.<br />
Por outro lado, a quarentena, particularmente<br />
a de germoplasma, não deve funcionar<br />
como uma barreira que venha prejudicar<br />
o trabalho dos melhoristas ou mesmo<br />
o comércio de germoplasma melhorado; a<br />
sua função deve ser a de "filtro", a fim de<br />
evitar a entrada de pragas exóticas que<br />
eventualmente possam estar associadas ao<br />
material introduzido. As medidas de quarentena<br />
não devem ser estáticas ou definitivas,<br />
elas devem ser alteradas sempre que<br />
as condições mudarem ou novos fatos se<br />
tornarem evidentes. Assim, restrições podem<br />
e devem ser incluídas dependendo da<br />
situação.<br />
de germoplasma, sem, contudo, contrariar<br />
a legislação vigente. Procedimentos mais<br />
rígidos são adotados quando, por evidências<br />
biológicas, os riscos são considerados<br />
grandes.<br />
cultivos; perda de mercados de exportação;<br />
pela presença de pragas de importância<br />
quarentenária no País; aumento dos gastos<br />
com controle de pragas; impacto sobre os<br />
Em geral a atitude dos melhoristas em<br />
relação à entrada de germoplasma no país<br />
é visivelmente liberal, enquanto a dos responsáveis<br />
pela quarentena tende a ser<br />
conservadora (Kahn, 1989).<br />
O Cenargen tem adotado um enfoque<br />
positivo quanto à introdução e quarentena<br />
O importante é fazer chegar ao melhorista<br />
o germoplasma indispensável ao seu programa<br />
de melhoramento, com o menor<br />
risco possível de introdução de novas<br />
pragas.O valor da quarentena vegetal não<br />
pode ser demonstrado experimentalmente<br />
(Neergard, 1977 citado por Marques et al.,<br />
1995), mas pode ser avaliado em função<br />
das conseqüências desastrosas resultantes<br />
da introdução de pragas exóticas em áreas<br />
produtoras. Estas conseqüências podem<br />
ser de diversas naturezas, como danos e<br />
perdas de<br />
programas de manejo integrado de pragas<br />
em execução ou em desenvolvimento; danos<br />
ao ambiente, pela frequente necessidade<br />
de aplicação de defensivos; para o<br />
controle da espécie introduzida; custos sociais,<br />
como desemprego, por causa da eliminação<br />
ou da diminuição de um determinado<br />
cultivo em uma região; ou redução de<br />
fontes de alimento importantes para a população<br />
(Brasil, 1995).<br />
O movimento desordenado de material vegetal<br />
inevitavelmente envolve riscos de introdução<br />
de pragas em áreas não contaminadas.<br />
Importações inadvertidas de material<br />
vegetal tem causado sérios prejuízos à agricultura<br />
34 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 35
asileira. Exemplos mais conhecidos são:<br />
o cancro-cítrico, causado pela bactéria<br />
Xanthomonas campestris pv. citri (Hasse)<br />
Dye, que exigiu gastos acima de 5 milhões<br />
de dólares para sua erradicação, que mesmo<br />
assim continua presente em São Paulo<br />
e em outras partes do país; o vírus da<br />
tristeza do Citrus, que na época da sua<br />
introdução<br />
por essa praga já ultrapassam R $500 milhões,<br />
porém o impacto causado no ambiente<br />
pelo uso excessivo de agrotóxicos é<br />
inestimável (M.R.V. de Oliveira, comunicação<br />
pessoal). A quarentena faz-se, então,<br />
imprescindível em todo o processo de<br />
intercâmbio de germoplasma.<br />
é baseada nas características morfológicas,<br />
utilizando-se para isso bibliografia específica.<br />
Laboratório de Nematologia - Material sendo<br />
preparado para análise de nematóides.<br />
O germoplasma, quando na forma de sementes,<br />
é sempre fumigado com fosfeto de<br />
alumínio (fosfina) por uma ou duas vezes,<br />
dizimou parte dos nossos pomares; o fungo<br />
Peronosclerospora sorghi (Weston &<br />
Uppal) C. G. Shaw em sorgo; a ferrugem do<br />
cafeeiro, causada pelo fungo Hemileia<br />
vastatrix Berk & Br., introduzida no Brasil<br />
em 1970 e que quando não controladopode<br />
causar perdas em torno de 30 por cento na<br />
produção, o que eqüivale a, aproximadamente,<br />
500 milhões de dólares (Mônaco,<br />
1978); o moko da bananeira, cujo agente<br />
etiológico é a bactéria Pseudomonas<br />
solanacearum (Smith) Smith., raça 2; e o<br />
inseto Anthonomus grandis Boheman, o<br />
bicudo do algodoeiro, o qual causou perdas<br />
de até 100% em algumas regiões do<br />
país, principalmente no Nordeste. Recentemente<br />
foram detectados dois novos<br />
patógenos da cultura de soja: o nematóide<br />
do cisto, Heterodera glycines I Ichinohe,<br />
em 1992 (Mendes & Dickson, 1993), e<br />
Diaporthe phaseolorum (Cke. & Ell) Sace. f.<br />
sp. meridionalis agente do cancro da haste,<br />
em 1988, que tornaram uma ameaça a essa<br />
cultura com níveis de perdas que vêm<br />
atingindo 100% em determinadas áreas<br />
(Yorinori, 1990). A mosca-branca, Bemisia<br />
tabaci raça B (=Bemisia argentifolii) entrou<br />
no país no início da década de 90, e hoje<br />
está disseminada em 17 estados da Federação,<br />
atacando inúmeras culturas de importância<br />
econômica. Os prejuízos causados<br />
Procedimentos quarentenários realizados<br />
em germoplasma vegetal:<br />
As atividades de intercâmbio e quarentena<br />
realizadas pela Embrapa/Cenargen iniciaram-se<br />
em 1976 (Warwick et al. 1983; Rocha<br />
et al. 1984, Marques et al. 1995), tendo<br />
movimentado até 1997, 324.712 acessos de<br />
germoplasma vegetal (Tabela 1) e impedido<br />
a introdução e disseminação de numerosas<br />
espécies de pragas exóticas no país<br />
(Batista et al., 1995; Mendes & Ferreira,<br />
1994; Tenente et al., 1994 e 1996).<br />
Inspeção no ponto de ingresso do<br />
germoplasma:<br />
O Germoplasma, ao chegar, é inspecionado<br />
no ponto de ingresso, que pode ser um<br />
aeroporto, ou porto, correio ou posto de<br />
fronteira, por um inspetor da DFA. O inspetor<br />
examina as condições sanitárias e a<br />
documentação do material. Satisfeitas as<br />
exigências legais o material é liberado pela<br />
DFA para cumprir os procedimentos<br />
quarentenários no Cenargen.<br />
Quarentena em germoplasma vegetal<br />
no Cenargen:<br />
Os acessos de germoplasma, quando chegam<br />
à Área de Intercâmbio e Quarentena<br />
de Germoplasma Vegetal (AIQ), do<br />
Cenargen, são examinados quanto a presença<br />
de bactérias, fungos, nematóides,<br />
vírus, viróides, ácaros e insetos, em laboratórios<br />
especializados, por uma equipe de<br />
fitopatologistas, entomologistas e técnicos<br />
com experiência em quarentena.<br />
Laboratório de Entomologia: todo<br />
germoplasma vegetal é primeiramente examinado<br />
quanto a presença de ácaros e<br />
insetos. Os métodos utilizados são: inspeção<br />
visual, uso de refletor com lente de<br />
aumento, observação sob microscópio<br />
estereoscópio e peneiramento de sementes<br />
(para ácaros). A identificação das espécies<br />
dependendo do estágio de desenvolvimento<br />
das pragas contaminantes, enquanto<br />
que os materiais introduzidos na forma<br />
de propagação vegetativa são tratados com<br />
solução de defensivos químicos.<br />
Fitopatologia: As análises nos laboratórios<br />
de Micologia, Bacteriologia, Virologia e<br />
Nematologia são realizadas por amostragem,<br />
pois as técnicas utilizadas normalmente<br />
destroem os materiais. No caso de sementes,<br />
são retiradas amostras que variam de 2<br />
a 10% para ser divididas entre os laboratórios.<br />
Em outras formas de propagação<br />
vegetativa tais como bulbos, estacas, mudas<br />
e rizomas, as análises são realizadas em<br />
100% do material.<br />
Laboratório de Micologia: Para detecção<br />
de fungos em sementes ou partes da planta,<br />
são utilizados os métodos tradicionais de<br />
plaqueamento em papel de filtro ou em<br />
meio de cultura, lavagem das sementes em<br />
água e sedimentação, aprovados pelo<br />
"International Seed Testing Association"<br />
(ISTA), e descritos detalhadamente em<br />
Mendes & Ferreira (1994). Técnicas de<br />
biologia molecular, tais como RFLP e RAPDS/<br />
PCR, são ferramentas adicionais para caracterizar<br />
patógenos de trigo, milho e sorgo<br />
a nível de DNA genômico (Urben, 1994;<br />
Ferreira et al., 1996).<br />
36 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 37
38 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Laboratório de Bacteriologia: Para a<br />
detecção de bactérias nas sementes são<br />
empregados os seguintes métodos: plantio<br />
de sementes em solo esterilizado dentro de<br />
câmara úmida para observação dos sintomas<br />
em plântulas; plantio de sementes em<br />
papel germinador e incubação a 100% de<br />
UR; e plaqueamento de extrato de sementes<br />
em meio seletivo (Schaad, 1982 e<br />
Bradbury, 1986). A identificação das espécies<br />
são baseadas em testes fisiológicos e<br />
bioquímicos.<br />
Laboratório de Nematologia: Uma ou mais<br />
técnicas são empregadas rotineiramente<br />
para extração de nematóides de sementes,<br />
de solo ou de partes vegetativas, São elas:<br />
funil de Baermann modificado,<br />
peneiramento, centrifugação, flutuação,<br />
sistema de bandejas e exame direto sob<br />
microscópio estereoscópico (Southey, 1986;<br />
Zuckerman et al., 1970). As espécies são<br />
identificadas com base nas suas características<br />
morfométricas e morfoanatômicas, de<br />
acordo com literatura específica (Mai et al.,<br />
1975; Tenente e Manso, 1987).<br />
Isolamento em meio de cultura específico<br />
para detecção de fungos.<br />
Laboratório de Virologia: As seguintes<br />
técnicas são empregadas para a detecção e<br />
aidentificação de vírus ou viróides: plantio<br />
de sementes em solo esterilizado em<br />
quarentenário para a observação se sintomas,<br />
uso de plantas indicadoras, sorologia<br />
(imunodifusão e ELISA), microscopia eletrônica<br />
("leaf deep", secções ultrafinas), R-<br />
PAGE (Reverse Polyacrylamide Gel<br />
Electrophoresis) e NASH (Nucleic Acid<br />
Spot Hybridization), descritos<br />
detalhadamente em Batista et al (1995).<br />
3. Medidas quarentenárias<br />
De acordo com o suplemento ao Diário<br />
Oficial nº 195, do Ministério da Agricultura,<br />
e do Abastecimento (Brasil, 1995), medidas<br />
fitossanitárias referem-se a "qualquer legislação,<br />
"standard", diretriz, recomendação<br />
ou procedimento oficial que tem o propósito<br />
de prevenir a introdução e/ou disseminação<br />
de pragas quarentenárias, assim<br />
como o seu controle e erradicação" (Ferreira,<br />
1997).<br />
Comumente as restrições quarentenárias<br />
impostas pelos regulamentos fitossanitários<br />
são consideradas como impedimento ao<br />
comércio internacional. Entretanto, a utilização<br />
de medidas quarentenárias coerentes<br />
com o risco que representa a importação<br />
de cada produto, pode facilitar a<br />
comercialização entre os países (Ganapathi,<br />
1994).<br />
As medidas quarentenárias comumente utilizadas<br />
são: inspeção fitossanitária e<br />
interceptação de pragas em pontos de<br />
entrada, quarentena de pós-entrada e proibição,<br />
restrição ou requisição de tratamentos<br />
quarentenários para a importação de<br />
produtos provenientes de países onde espécies<br />
de pragas de importância<br />
quarentenária são assinaladas. Pode-se também<br />
solicitar que os produtos sejam provenientes<br />
de áreas livres de pragas (Brasil,<br />
1995).<br />
A inspeção fitossanitária é uma medida<br />
quarentenária que possibilita a interceptação<br />
de organismos nocivos associados ao material<br />
vegetal, assim que este chega ao país.<br />
A inspeção do material vegetal também<br />
fornece algumas informações para se estimar<br />
o risco que representa a importação de<br />
um dado produto de um país ou região.<br />
A identificação dos organismos detectados<br />
é de fundamental importância para se decidir<br />
sobre o procedimento que deve ser<br />
adotado em relação ao material importado.<br />
Quando pragas quarentenárias são detectadas<br />
durante a inspeção de produtos, uma<br />
das três ações seguintes é normalmente<br />
tomada: realização de tratamentos, devolução<br />
do lote importado ao país de origem ou<br />
destruição dos produtos infestados (Baker<br />
et al., 1993).<br />
Para que um tratamento seja considerado<br />
quarentenário, todos os organismos associados<br />
ao material vegetal devem receber<br />
doses letais sem que o material seja danificado.<br />
São poucos os tratamentos que podem<br />
realmente alcançar os altos níveis de<br />
controle exigidos pelos regulamentos<br />
quarentenários. Tratamentos quarentenários<br />
efetivos podem auxiliar a evitar o movimento<br />
de pragas e facilitar as restrições impostas<br />
para a importação de produtos vegetais<br />
provenientes de países onde ocorrem pragas<br />
de importância quarentenária<br />
(MacDonald & Mills, 1994).<br />
4. Pragas de importância quarentenária<br />
para o Brasil<br />
As medidas quarentenárias são baseadas<br />
nas listas de pragas de importância<br />
quarentenária formuladas para cada país<br />
ou para grupo de países geograficamente<br />
próximos.<br />
As pragas de importância quarentenária<br />
para o Brasil estão contidas nas listas A1 e<br />
A2 aprovadas pelo Comitê de Sanidade<br />
Vegetal dos países do Cone Sul (COSAVE),<br />
publicada no Diário Oficial (Brasil, 1996).<br />
As espécies incluídas nas listas A1 e A2<br />
devem ser revisadas periodicamente, devendo<br />
ser incluídas e/ou retiradas as pragas,<br />
de acordo com relatos da literatura de<br />
novas ocorrências.<br />
A lista A1 contém as espécies não registradas<br />
no Brasil e que podem vir a causar perdas<br />
econômicas às culturas, se introduzidas.<br />
Na lista A2, estão as pragas de distribuição<br />
geográfica localizada e que estão sob controle<br />
oficial.<br />
Praga quarentenária: É qualquer espécie,<br />
raça ou biotipo de vegetal, animal ou<br />
agente patogênico nocivo a vegetais ou a<br />
produtos vegetais, ausente no país ou, se<br />
presente, não amplamente distribuída e<br />
sob controle oficial.<br />
Praga de qualidade: A praga de qualidade<br />
ou nociva é uma praga não-quarentenária,<br />
que afeta diretamente o uso proposto dos<br />
vegetais ou produtos vegetais, causando<br />
perdas econômicas importantes.<br />
Cada vez mais, enfatiza-se a importância<br />
dos países justificarem seus regulamentos<br />
fitossanitários. A meta atual é que os serviços<br />
de quarentena aprimorem o processo<br />
utilizado para identificar quais são as pragas<br />
para as quais as barreiras fitossanitárias<br />
são justificáveis, isto é , as que apresentam<br />
importância quarentenária, em meio aos<br />
milhares de organismos contra os quais as<br />
medidas fitossanitárias não podem ser biologicamente<br />
sustentadas. Por isso, o processo<br />
para determinação de quais as espécies<br />
que devem ser consideradas pragas<br />
quarentenárias, deve ser claro e consistente<br />
(Hopper, 1991).<br />
Preparação do teste NCM Elisa para detecção<br />
de vírus.<br />
Para decidir que espécies serão definidas<br />
como pragas de importância quarentenária<br />
para um país ou região, uma série de<br />
informações deve ser considerada (EPPO,<br />
1993). Por exemplo, é necessário avaliar o<br />
potencial das espécies exóticas em causar<br />
prejuízos no país em questão. Esse processo<br />
é o componente preliminar da Análise<br />
de Risco de Pragas (ARP) (Baker et al., 1993;<br />
Hopper, 1991 e 1993).<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 39
Bacillus<br />
Leon RAbinovitch,<br />
Clara de Fátima G. Cavados<br />
& Marli Maria Lima<br />
Pesquisadores do<br />
Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ<br />
Foto cedida pelos autores.<br />
ENTOMOPATOGÊNICOS<br />
Dos Bacillus estomapatogênicos, o que se espera?<br />
Algumas bactérias entomopatogênicas<br />
do gênero Bacillus - as<br />
que ocorrem naturalmente no<br />
meio ambiente ou as modificadas<br />
geneticamente - são matérias-primas<br />
para a industrialização de inseticidas<br />
bacterianos. Seus efeitos eletivos sobre<br />
as larvas de mosquitos são tão pronunciados,<br />
que as indústrias de inseticidas<br />
convencionais buscam ampliar suas utilizações<br />
com o objetivo de controlar<br />
pragas da agricultura e vetores de agentes<br />
etiológicos de doenças humanas e<br />
vegetais.<br />
Bactérias produtoras de<br />
corpos para-esporais<br />
As bactérias do gênero Bacillus têm<br />
como característica a produção natural<br />
de esporos. Enquanto dentro da célula,<br />
mergulhados no citoplasma, os esporos<br />
são chamados endósporos e o conjunto<br />
é denominado de esporângio. Não possuindo<br />
o esporo, a célula bacteriana<br />
encontra-se na sua forma vegetativa.<br />
Os Bacillus patogênicos para insetos<br />
podem sintetizar estruturas<br />
glicoprotéicas sólidas denominadas<br />
de cristais de d-<br />
endotoxina, cristais de toxina,<br />
cristais de proteína ou pró-toxina,<br />
de localização justaposta ao<br />
esporo. são chamados corpos<br />
para-esporais. Essas proteínas<br />
são codificadas por diferentes<br />
genes (ver Tabela 1). Numa mesma<br />
célula, podem ser encontradas<br />
uma ou mais dessas<br />
glicoproteínas, como, por exemplo,<br />
a linhagem B.thuringiensis<br />
sorovar israelensis, onde podem<br />
ser encontrados até cinco tipos<br />
diferentes de proteínas, todas<br />
com atividade contra larvas de mosquitos.<br />
O que faz essas proteínas permanecerem<br />
juntas dentro desse corpo são<br />
interações complexas do tipo pontes de<br />
hidrogênio e ligações dissulfeto. As<br />
protoxinas, como todas as proteínas, são<br />
formadas por duas regiões: uma porção<br />
C-terminal e outra N-terminal. Quando<br />
ativadas por proteases intestinais, elas<br />
perdem a porção C-terminal, restandolhes<br />
a N-terminal como parte ativa. As<br />
diferentes proteínas encontradas nas<br />
subespécies de B.thuringiensis diferem<br />
entre si pela sequência de aminoácidos<br />
integrantes da cadeia peptídica, da natureza<br />
dos aminoácidos e dos açúcares.<br />
Das várias espécies do gênero, algumas<br />
poucas como B. thuringiensis, B.<br />
sphaericus, B. popilliae, B. larvae, B.<br />
lentimorbus e B. laterosporus, têm a<br />
propriedade de sintetizar pró-toxinas ativas<br />
contra insetos. Essas espécies são as<br />
entomopatogênicas, e tem atividade sobre<br />
insetos das ordens Diptera,<br />
Lepidoptera e Coleoptera, mas atuam<br />
somente sobre a fase larvar, nunca sobre<br />
os adultos. As pró-toxinas, quando<br />
ingeridas, são solubilizadas pelo pH alcalino<br />
do trato intestinal do inseto-alvo e<br />
clivadas pelas proteases intestinais, tomando-se<br />
peptídios de menor tamanho.<br />
Estes são colhidos por receptores específicos<br />
encontrados no epitélio, e iniciam<br />
um processo de destruição tecidual,<br />
Figura 1: Corte ultrafino de Bacillus<br />
sphaericus ATCC 1593 entomopatogênico,<br />
vendo-se a d-endotoxina (c) com a forma<br />
de um paralelogramo próxima do esporo<br />
da bactéria (e).<br />
Cortesia de K.R. Araújo da Silva e M.N.<br />
Meirelles, Instituto Oswaldo Cruz.<br />
que colabora para a paralisação muscular,<br />
levando o inseto à morte. Esta também<br />
pode ocorrer em função de uma<br />
segunda causa associada à primeira, que<br />
é a multiplicação bacteriana na hemolinfa,<br />
determinando um processo septicêmico.<br />
A multiplicação celular, nesse caso, está<br />
relacionada à germinação do esporo no<br />
inseto, a sua multiplicação quando na<br />
forma vegetativa e, desta, voltando para<br />
esporo. Há indícios de que isso ocorra<br />
em B. sphaericus, por exemplo.<br />
Entretanto, o B. thuringiensis sorovar<br />
thuringiensis é capaz de produzir e<br />
excretar uma estrutura termo-resistente a<br />
120ºC, não protéica, a b-exotoxina, que<br />
atua ao nível da DNA polimerase, inibindo-a.<br />
O espectro de ação dessa é muito<br />
mais amplo que o a da d-endotoxina,<br />
atua sobre ordens de insetos como<br />
Diptera, Lepidoptera, Coleoptera,<br />
Orthoptera, Hemiptera, Hymenoptera,<br />
Acari, entre outras. A inespecificidade<br />
da d-exotoxina faz com que ela não seja<br />
utilizada na industrialização de inseticidas.<br />
Curiosamente, na espécie<br />
B.sphaericus, existem estirpes<br />
cristalogênicas (Figura 1), produtoras<br />
de um corpo paraesporal,<br />
que, basicamente, contém<br />
duas proteínas denominadas<br />
P51 e P42, que apresentam<br />
uma ação sinérgica entre si; e<br />
estirpes acristalogênicas, que possuem<br />
uma pequena atividade<br />
entomopatogênica. Essa atividade<br />
está relacionada com a produção<br />
durante a fase vegetativa<br />
de uma proteína denominada<br />
mtx1, que apresenta peso<br />
molecular estimado de 100 Kda.<br />
Além dessa, também já se sabe da existência<br />
de uma outra proteína, igualmente<br />
sintetizada durante a fase vegetativa -<br />
mtx2, com peso molecular estimado em<br />
32 Kda, cuja ação no inseto está sendo<br />
investigada.<br />
Com relação aos outros Bacillus<br />
que apresentam atividade<br />
40 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
entomopatogênica, a espécie B.<br />
laterosporus possui toxicidade somente<br />
para larvas de mosquitos, porém, quando<br />
comparada à produzida por B.<br />
thuringiensis e por B. sphaericus, pode<br />
ser considerada de baixa toxidade . Já as<br />
outras espécies entomopatogênicas não<br />
possuem potencial para ser utilizadas<br />
como inseticidas biológicos, por apresentarem<br />
características que dificultariam<br />
seu uso comercial, como, por exemplo,<br />
necessidade de hospedeiro para sua<br />
multiplicação (B. popilliae e B.<br />
lentimorbus) . Outros são patogênicos<br />
para insetos benéficos como as abelhas<br />
melíferas (B. larvae). Enquanto isso, as<br />
espécies B. thuringiensis e B. sphaericus<br />
atingiram o pódio de industrialização,<br />
isto é, apresentam um número grande de<br />
vantagens, comparativamente às desvantagens,<br />
como é mostrado no Quadro 1.<br />
Importância Econômica<br />
Embora os inseticidas bacterianos à<br />
base de pró-toxina de Bacillus sejam<br />
uma realidade, o seu mercado na esfera<br />
mundial ainda é pequeno e não ameaça<br />
os inseticidas convencionais não<br />
bacterianos, como os preparados com<br />
derivados orgânicos fosforados, clorados<br />
e piretróides.<br />
Pesquisa Básica e Aplicada com<br />
Bacillus Entomopatogênicos<br />
Considerando que os Bacillus inseticidas<br />
oferecem, em geral, uma segurança<br />
elevada para seus empregos como<br />
produtos industrializados, as próprias<br />
empresas produtoras de inseticidas investem<br />
diretamente no melhoramento da<br />
performance das bactérias<br />
entomopatogênicas ou dos produtos à<br />
base de suas pró-toxinas.<br />
Entre as linhas de pesquisa que<br />
visam ao melhoramento das linhagens,<br />
encontramos a engenharia genética que,<br />
para o caso, utiliza veículos como ferramentas<br />
de transporte dos genes das proteínas<br />
tóxicas. Vários genes de proteínas<br />
de B. thuringiensis e B. sphaericus têm<br />
sido transferidos para diferentes veículos,<br />
como, por exemplo, as cianobactérias<br />
Caulobacter crescentus e Ancylobacter<br />
aquaticus. E testes de atividade,<br />
feitos com esses microrganismos recombinantes,<br />
têm mostrado que eles possuem<br />
atividade tóxica significante para larvas<br />
de insetos dos gêneros Aedes e<br />
Culex. Embora a expressão da toxina<br />
ainda seja pequena, as características<br />
das células podem prolongar sua ação<br />
inseticida. Busca-se também a transferência<br />
e expressão de genes de prótoxinas<br />
entre B. thuringiensis e B. sphaericus,<br />
de modo a ampliar a eficácia e as<br />
vantagens de uma ou outra dessas espécies<br />
contra larvas de mosquitos, ou a<br />
eficácia de B. thuringiensis sorovar kurstaki<br />
contra lagartas de Lepidoptera.<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 41
esenciamos uma era onde<br />
o domínio do conhecimento<br />
é diretamente convertido<br />
em poder de negociação;<br />
onde o efetivo desenvolvimento<br />
da Ciência ocupa<br />
um lugar determinante no processo de<br />
globalização. Muito tem sido escrito a respeito<br />
da Ciência. Fato que parece bastante<br />
óbvio, uma vez que o desenvolvimento da<br />
Ciência tem sido, e continuará sendo, a<br />
base da nossa sobrevivência e da melhoria<br />
da qualidade de vida de nossa sociedade.<br />
Exemplos concretos dessas afirmações<br />
podem ser encontrados à nossa volta a<br />
todo momento. O que parece necessitar de<br />
uma urgente reflexão objetiva e correta é a<br />
forma de como a Ciência chamada "de<br />
ponta" foi ou tem sido conduzida em<br />
países desenvolvidos e em países em diferentes<br />
estágios de desenvolvimento. Essas<br />
colocações têm um único objetivo: otimizar<br />
as atividades científicas e torná-las efetivamente<br />
produtivas, ou seja, que elas possam<br />
contribuir para o desenvolvimento da Ciência<br />
e para o mercado.<br />
Nas ultimas décadas, os investimentos<br />
estratégicos referentes às atividades da<br />
pesquisa científica têm sido concentrados,<br />
essencialmente, na área de formação de<br />
recursos humanos, com vistas a gerar uma<br />
massa crítica de cientistas. Atualmente, essa<br />
estratégia não é suficiente e não pode ser<br />
justificada. Isso feito, deverá ocorrer uma<br />
limitada sustentação científica, social e política.<br />
Necessitamos de efetivas gerações de<br />
processos e produtos associados às suas<br />
decorrentes regulamentações da propriedade<br />
intelectual. Uma idéia inovadora. Uma<br />
atividade intelectual, gerada a partir de<br />
transformações e/ou de adições e derivações<br />
de informações existentes, que permitam<br />
visualizar de forma ampla o espaço<br />
que a idéia poderá ocupar no setor produtivo.<br />
Isso feito, viabilizar a efetivação do<br />
processo inventivo. Como consequência, a<br />
avaliação das hipóteses de forma experimental,<br />
a regulamentação, a multiplicação<br />
e a produção. Em seguida, a obtenção de<br />
42 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
um processo ou produto. Atividades científicas<br />
dissociadas dessa sequência, com<br />
algumas poucas exceções em nossa história,<br />
deverão estar condenadas a contribuições<br />
de pouca expressão e com chances<br />
reduzidas como contribuições efetivas.<br />
No caso da Ciência, o termo ainda<br />
utilizado: Ciência fundamental e aplicada,<br />
simplesmente não faz nenhum sentido. Na<br />
verdade, sempre fez pouco sentido. A não<br />
ser para justificar a falta de vontade e/ou a<br />
incapacidade de efetivar um compromisso<br />
com o setor produtivo. Nesse contexto,<br />
reflito com prementes objeções a respeito<br />
de pesquisas científicas, as quais denomino<br />
"atividades de meio". São atividades que<br />
normalmente envolvem repetições de protocolos<br />
referentes a processos e/ou produtos,<br />
em sua grande maioria devidamente<br />
patenteados. Atividades algumas vezes<br />
necessárias, quando devidamente avaliadas;<br />
entretanto, exercidas com intensidade<br />
maior do que a devida, principalmente em<br />
países em desenvolvimento. No processo<br />
de inovação tecnológica, existe uma situação<br />
com chances de chegar a um processo<br />
e/ou produto. A idéia, inovadora ou não<br />
inovadora. Entretanto, seguida de uma efetiva<br />
avaliação prática do processo. Nesse<br />
aspecto, a pesquisa fundamental e aplicada<br />
formam uma atividade única.<br />
Algumas reflexões necessárias que<br />
podem servir como base para tomadas de<br />
decisão:<br />
1) Como a geração de processos e<br />
produtos tecnológicos vêm ocorrendo em<br />
países desenvolvidos? Sua quase total maioria<br />
tem sido produzida por indústrias.<br />
Tecnologias desenvolvidas em Universidades<br />
e/ou instituições de pesquisa e absorvidas<br />
pelas indústrias e/ou empresas<br />
tecnológicas.<br />
2) Como esse processo vem ocorrendo<br />
em países em desenvolvimento? Inicialmente,<br />
países em desenvolvimento devem<br />
ser enquadrados em diferentes estágios<br />
de desenvolvimento. Transferência e/<br />
ou adaptação de tecnologia: uma atividade<br />
exercida com grande intensidade. Geração<br />
de alta tecnologia? Onde estão nossos<br />
exemplos? Qual o número de patentes de<br />
processos e/ou produtos na área<br />
tecnológica? Qual o espaço existente? Qual<br />
a contribuição da alta tecnologia para os<br />
diferentes estratos sociais? Quais as demandas<br />
recebidas por parte de países desenvolvidos<br />
e de indústrias associadas à nossa<br />
pesquisa denominada "de ponta"?. Deveremos<br />
estar condenados à importação de<br />
tecnologia? Esses exemplos de questões<br />
gerais podem ser respondidos de forma<br />
objetiva, tendo como base estratégias previamente<br />
fundamentadas.<br />
Sem dúvida, temos muitas janelas<br />
de opções. Entretanto, necessitamos de<br />
modificações em nosso modelo, forma de<br />
idealização e condução das atividades científicas.<br />
Não obstante, à efetivação de<br />
qualquer estratégia, deverão preceder definições<br />
políticas efetivas, capazes de serem<br />
operacionalizadas.<br />
Em adição, essas modificações somente<br />
poderão ser alcançadas a partir de<br />
uma inicial reflexão sobre os interesses e as<br />
atividades individuais, a sua correlação<br />
com as atividades sociais e o mercado, e<br />
íntima associação com aspectos da propriedade<br />
intelectual. Essas mudanças têm<br />
sido impostas pelo mundo atual e não<br />
estão associadas unicamente a países em<br />
desenvolvimento, mas também têm sido<br />
foco de profundas reflexões nas atividades<br />
científicas conduzidas nos países desenvolvidos<br />
.
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 43
44 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 45
Prezados leitores (as),<br />
SEÇÃO DE CARTAS<br />
Os leitores que desejarem entrar em contato com BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />
poderão enviar sua correspondência via Internet, fax ou carta para esta seção. A critério do editor,<br />
as mensagens poderão ser publicadas resumidamente.<br />
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Redação de BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />
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"É com grande interesse que venho<br />
lendo as mais diversas matérias<br />
publicadas na revista BIOTECNOLOGIA<br />
Ciência & Desenvolvimento.<br />
Gostaria também de informá-lo que a<br />
matéria sobre BRAQUITERAPIA,<br />
publicada na última edição, foi de grande<br />
importância para meus estudos, já<br />
que no meu curso de graduação tenho<br />
uma matéria relacionada a radiações.<br />
Assim como houve na última edição a<br />
propaganda a respeito da<br />
BIOLATINA-98, gostaria que, se possível,<br />
houvesse mais propagandas em<br />
relação a congressos, eventos, cursos<br />
relacionados à área da saúde, etc.<br />
Certamente tudo isso é de grande importância<br />
aos graduandos na área da<br />
saúde.<br />
Antecipadamente agradeço-lhes pela<br />
atenção e mais uma vez devo<br />
parabenizá-los pela publicação da revista<br />
BIOTECNOLOGIA."<br />
Juliana Alves Batista<br />
Graduando em biomédicina pela UNI-<br />
ARARAS.<br />
Prezada Juliana,<br />
Agradecendo sua gentil carta, informamos<br />
que já se encontra, em nossa Homepage,<br />
uma seção de Eventos sempre<br />
atualizada.<br />
... "Sou estudante de Engenharia Florestal,<br />
3º ano, na Universidade de Brasília,<br />
e gostaria de sugerir, não querendo<br />
mudar a linha de matérias da revista,<br />
mas quem<br />
sabe, matérias um pouco mais ligadas à<br />
área Florestal? Tecnologias aplicadas ao<br />
desenvolvimento sustentável de sociedades<br />
e meio-ambiente; Recuperação<br />
de áreas degradadas por queimadas e<br />
por desastres naturais? Que tal?"<br />
Daniel Lara<br />
Prezado Daniel,<br />
agradecemos seu e-mail, informamos<br />
que sua sugestão já foi encaminhada.<br />
...´´Na portuniade, realssamos a<br />
importãncia que a Bayer tem demonstrado<br />
no interesse quanto a proteção<br />
do meio ambiente o que muito nos<br />
orgulha enquanto educadores e seres<br />
humanos.''<br />
Prof. Marco Antonio Lucidi<br />
Diretor Geral do Centro Federal de<br />
Educação.<br />
prezado professor,<br />
o programa Agrovida, da Bayer, recentemente<br />
é merecedor dos maiores<br />
elogios.<br />
"A Gráfica Auriverde e a Livraria da<br />
ABRASCO, convidam para o pré-lançamento<br />
do livro "Regulamentação da<br />
Biossegurança em <strong>Biotecnologia</strong>", de<br />
autoria do Prof. Silvio Valle, Especialista<br />
em Biossegurança e Coordenador<br />
dos Cursos de Biossegurança da Fundação<br />
Oswaldo Cruz. A publicação<br />
contém, de forma atualizada, as principais<br />
regulamentações da Moderna<br />
<strong>Biotecnologia</strong> no País, prefaciada pelo<br />
Dr. Marco Maciel..."<br />
Agradecemos o convite e parabenizamos<br />
o autor pela importante e oportuna<br />
publicação.<br />
Comunico que o professor Sérgio Batista<br />
Alves Lançou já a segunda edição<br />
do livro " Controle Microbiano de Insetos".<br />
Trata-se da maior obra em língua<br />
portuguesa, no gênero e área de especialidade,<br />
que já foi feito no Brasil.<br />
Prof. Luis F. Angeli.<br />
O prof. Sérgio é um importante pesquisador<br />
na ESALQ. O e-mail dele é:<br />
sebalves@carpa.ciagri.usp.br<br />
Para maiores informações sobre a<br />
referida obra."<br />
"Gostaríamos que publicassem com<br />
frequência reportagens sobre técnicas<br />
para a<br />
obtenção de plantas transgênicas resistentes<br />
à herbicidas, insetos e<br />
doenças.<br />
Cesar Bezerra de Sena<br />
Agripec<br />
Comunicamos ao prezado leitor que o<br />
assunto em questão já se encontra<br />
devidamente pautado para as próximas<br />
edições."<br />
"Adorei a revista <strong>Biotecnologia</strong> Ciência<br />
& Desenvolvimento. Sou acadêmica<br />
de<br />
Biologia e precisei responder um questionário<br />
de <strong>Biotecnologia</strong>. Fiquei<br />
apavorada por não ter encontrado nada<br />
nos livros da faculdade, mas graças a<br />
Deus eu encontrei muitas respostas<br />
aqui.<br />
Nanda"<br />
"A Presidência do INMETRO, agradece<br />
a gentileza recebida e parabeniza os<br />
responsáveis e colaboradores pela perfeitas<br />
edições da revista <strong>Biotecnologia</strong><br />
Ciência & Desenvolvimento. A forma<br />
técnica interessante e ilustrativa que<br />
compõe os seus artigos, oferecem aos<br />
interessados as informações<br />
tecnológicas e científicas de forma inteligente,<br />
bonita e agradável.<br />
Nossos cumprimentos,<br />
JÚLIO SERGIO MIRILLI<br />
Chefe de Gabinete da Presidência<br />
do INMETRO<br />
46 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 47
Neuroestimulação<br />
Chefe, Serviço de Neurocirugia Funcional e<br />
E Dor<br />
Esterotáxica, INCER Diretor, do Instituto Do Cérebro-<br />
INCER ( Serviço de Neuricirurgia e Neurologia di<br />
Instituto de Ortopédico de Goiânia)<br />
Neurocirurgião, Serviço de Neurocirgia, Hospitalar das<br />
Clínicas, Facudade de Medicina, Universidade Federal<br />
de Goiás ( HC-FM-UFG) Goiânia-GO<br />
Osvaldo Vilela Filho:<br />
ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA DO SISTEMA NERVOSO PARA O MANEJO DA DOR CRÔNICA INTRATÁVEL<br />
Cláudio F. Corrêa:<br />
Neurocirurgião, Serviço de Neurocirurgia, Hospital 9<br />
de lulho- Neurocirurgião, Ambulatório de Dor,<br />
Hospital das Clínicas, Facudade de Medicina, Universidade<br />
de São Paulo (HC-Fm-USP) São Paulo-SP.<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
dor é uma importantíssima<br />
modalidade sensorial, desempenhando,<br />
entre outros,<br />
o papel de alerta, comunicando<br />
ao organismo que algo<br />
está errado. A dor crônica,<br />
porém, não tem qualquer<br />
função de alerta e gera acentuados<br />
estresse e incapacidade. É, sem sombra<br />
de dúvida, a maior causa de afastamento<br />
do trabalho, gerando um enorme ônus<br />
para a nação. Trata-se, assim, de um<br />
problema que demanda prontos cuidados.<br />
Uma vez esgotado todo um arsenal<br />
de terapias conservadoras, e se o paciente<br />
assim o desejar, o tratamento cirúrgico<br />
é considerado.<br />
Uma das modalidades cirúrgicas disponíveis<br />
é a da neuroestimulação, na<br />
qual certas estruturas do sistema nervoso,<br />
periférico ou central, são eletricamente<br />
estimuladas, na tentativa de produzir<br />
alívio da dor.<br />
Os métodos de estimulação elétrica<br />
remontam aos tempos antigos. Já na<br />
Antiguidade, descargas de peixes elétricos<br />
foram utilizadas com finalidade terapêutica<br />
(Egito, 2750 a .C). Scribonius<br />
Largus, em 46 a .C, foi, aparentemente, o<br />
pioneiro em fazer uso da estimulação<br />
elétrica para o tratamento da dor, ao<br />
avaliar os efeitos benéficos dos peixes<br />
elétricos no manejo da dor provocada<br />
pela gota.<br />
A despeito de seu tão longo uso,<br />
porém, só em 1965, com a publicação da<br />
Teoria da Comporta por Melzack e Wall,<br />
passou a neuroestimulação a ser aplicada<br />
com rigor científico.<br />
É este palpitante tema que abordaremos<br />
a seguir.<br />
I - ASPECTOS BÁSICOS:<br />
Dor é uma experiência sensorial e<br />
emocional desagradável, podendo ser<br />
consequente a um estímulo virtual ou<br />
potencialmente lesivo aplicado aos<br />
nociceptores (dor nociceptiva ou<br />
somática), à lesão do sistema nervoso<br />
(dor por injúria neural, neuropática ou<br />
por desaferentação), a fenômenos de<br />
natureza puramente psíquica (dor<br />
psicogênica) ou a uma associação desses<br />
mecanismos (dor mista). É, essencialmente,<br />
uma manifestação subjetiva,<br />
variando sua apreciação de indivíduo<br />
para indivíduo. Dependendo de sua duração,<br />
pode ser ela também classificada<br />
em aguda e crônica.<br />
Dor nociceptiva é aquela que<br />
vivenciamos a todo instante. Depende<br />
da ativação dos nociceptores por estímulos<br />
mecânicos, térmicos ou químicos<br />
nóxicos, fenômeno este denominado<br />
transdução e da transmissão dos impulsos<br />
aí gerados pelas vias periféricas e<br />
centrais intactas da dor.<br />
Os nociceptores nada mais são<br />
do que terminações nervosas livres das<br />
fibras amielínicas (C ou IV) e mielínicas<br />
finas (A-delta ou III), as quais<br />
correspondem aos prolongamentos periféricos<br />
dos neurônios pseudounipolares<br />
situados nos gânglios espinhais<br />
ou de alguns nervos cranianos<br />
(trigêmeo, facial, glossofaríngeo e vago).<br />
Os prolongamentos centrais dessas células<br />
adentram a medula espinhal (ou o<br />
tronco cerebral) pela raiz dorsal (e também,<br />
em escala bem menor, pela raiz<br />
ventral) e, após curso no trato dorsolateral<br />
ou de Lissauer, penetram no corno dorsal<br />
(lâminas de Rexed I, IIo e V, principalmente)<br />
e fazem sinapse com as células<br />
de origem das vias da dor.<br />
As vias nociceptivas podem ser divididas<br />
em dois grandes grupos: lateral e<br />
medial. As vias do grupo lateral,<br />
filogeneticamente mais recentes, quase<br />
totalmente cruzadas e representadas pelos<br />
tratos neoespinotalâmico,<br />
neotrigeminotalâmico,<br />
espinocervicotalâmico e sistema póssináptico<br />
da coluna dorsal, terminam,<br />
predominantemente, no núcleo<br />
ventrocaudal (ventral posterolateral - VPL<br />
+ ventral posteromedial - VPM) do tálamo,<br />
de onde partem as radiações talâmicas<br />
para o córtex somestésico; por serem<br />
essas vias e estruturas somatotopicamente<br />
organizadas, estão elas envolvidas com<br />
o aspecto sensitivo-discriminativo da dor.<br />
As vias do grupo medial,<br />
filogeneticamente mais antigas, parcialmente<br />
cruzadas, terminam direta (tratos<br />
paleoespinotalâmico<br />
e<br />
paleotrigeminotalâmico) ou indiretamente<br />
(tratos espinorreticular e<br />
espinomesencefálico e sistema ascendente<br />
multissináptico proprioespinhal)<br />
nos núcleos mediais (dorsomedial) e<br />
intralaminares (centro-mediano,<br />
parafascicular e central lateral) do tálamo<br />
medial, após sinapse na formação<br />
reticular do tronco cerebral e na substância<br />
cinzenta periaquedutal (PAG), de<br />
onde partem as vias reticulotalâmicas<br />
(emitem colaterais para o sistema límbico<br />
e para a substância cinzenta<br />
periventricular _ PVG); não são organizadas<br />
somatotopicamente e estão relacionadas<br />
ao aspecto afetivo-motivacional<br />
da dor.<br />
48 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
Já há muito se suspeitava, devido<br />
a uma série de observações clínicas,<br />
que, além de sistemas responsáveis pela<br />
transmissão e reconhecimento da dor, os<br />
organismos fossem também dotados de<br />
sistemas responsáveis por sua modulação.<br />
Só em 1965, porém, um mecanismo<br />
modulatório foi objetivamente proposto<br />
(Teoria da Comporta). Melzack e Wall<br />
sugeriram a existência de uma espécie<br />
de comporta no corno dorsal, que, quando<br />
aberta, permitiria a transmissão dos<br />
impulsos dolorosos e, quando fechada,<br />
bloquearia a passagem dos mesmos. A<br />
ativação das fibras mielínicas grossas (Aalfa<br />
e A-beta), responsáveis pela condução<br />
do tato, pressão, propriocepção e<br />
sensibilidade vibratória, excitaria<br />
interneurônios inibitórios para os<br />
aferentes primários nociceptivos, fechando<br />
a comporta; a estimulação das fibras<br />
C e A-delta, por outro lado, condutoras<br />
das sensibilidades dolorosa e térmica,<br />
inibiria esses interneurônios inibitórios,<br />
assim permitindo a abertura da comporta<br />
e a ativação das vias da dor pelos aferentes<br />
primários nociceptivos. Como<br />
consequência dessa proposta, uma nova<br />
avenida para o tratamento das síndromes<br />
dolorosas foi aberta: a estimulação elétrica<br />
de nervos periféricos (Wall & Sweet,<br />
1967), do funículo posterior da medula<br />
espinhal (Shealy, 1967) e do núcleo<br />
ventrocaudal (VC) do tálamo (Mazars e<br />
Hosobuchi, 1973).<br />
Em 1969, Reynolds descreveu um<br />
novo sistema modulatório: a substância<br />
cinzenta periventricular-periaquedutal<br />
(PVG-PAG). A estimulação elétrica da<br />
mesma produzia analgesia suficiente para<br />
permitir a realização de laparotomia em<br />
ratos. Posteriormente, determinou-se a<br />
riqueza dessa região em terminais, receptores<br />
e células opióides e que a<br />
microinjeção de morfina nesse sítio produzia<br />
analgesia similar àquela produzida<br />
por sua estimulação, ambas passíveis<br />
de reversão pela administração de<br />
naloxone, um antagonista opióide. Concluiu-se,<br />
dessa forma, que a analgesia<br />
produzida pela estimulação de PVG-<br />
PAG e a analgesia produzida por opióides<br />
compartilham do mesmo substrato<br />
anátomo-funcional. Foi utilizada clinicamente,<br />
pela primeira vez, por Richardson<br />
e por Hosobuchi, em 1977.<br />
A estimulação elétrica e a<br />
microinjeção de morfina em duas outras<br />
áreas, bulbo rostroventral - BRV (núcleos<br />
rafe magno, magnocelular e reticular<br />
paragigantocelular lateral) e tegmento<br />
pontino dorsolateral (locus ceruleus e<br />
subceruleus), também produzem profunda<br />
analgesia. Uma série de estudos<br />
acabou por desvendar os mecanismos<br />
envolvidos: dessas estruturas originamse,<br />
respectivamente, as vias rafe-espinhal,<br />
serotoninérgica, e retículo-espinhal,<br />
noradrenérgica, que se projetam bilateralmente<br />
nos funículos dorsolaterais da<br />
medula espinhal, onde, ao nível dos<br />
cornos dorsais, inibem os neurônios de<br />
origem das vias nociceptivas. A secção<br />
bilateral dos funículos dorsolaterais da<br />
medula espinhal e a injeção intratecal de<br />
antagonistas serotoninérgicos e<br />
noradrenérgicos revertem a analgesia produzida<br />
pela estimulação elétrica ou pela<br />
microinjeção de opióides em PVG-PAG,<br />
BRV e tegmento pontino dorsolateral.<br />
Tais resultados sugerem que a analgesia<br />
produzida pela estimulação de PVG-<br />
PAG é mediada pelo BRV e tegmento<br />
pontino dorsolateral. Conexões recíprocas<br />
entre essas estruturas foram determinadas.<br />
Várias outras estruturas, quando eletricamente<br />
estimuladas, podem aliviar o<br />
sofrimento provocado pela dor: tálamo<br />
medial e VC, lemnisco medial, cápsula<br />
interna, córtex motor (Tsubokawa, 1991)<br />
e somestésico, núcleo caudato e substância<br />
nigra, entre outros.<br />
Vilela Filho, 1996, propôs a existência<br />
de um circuito envolvendo diversas<br />
áreas cerebrais, o qual, estimulado, inibiria<br />
a atividade nociceptiva no tálamo<br />
medial e nas vias reticulotalâmicas. Os<br />
seguintes seriam os neurotransmissores,<br />
estruturas e vias envolvidos: VPL/VPM<br />
(glutamato) ® Córtex Somestésico<br />
(glutamato) ® Córtex Motor (glutamato)<br />
® Putâmen Anterior (substância P) ®<br />
Pálido Medial / Substância Nigra<br />
Reticulata (gaba) _o Tálamo Medial /<br />
Formação Reticular Mesencefálica (via<br />
reticulotalâmica _ neurotransmissor ?) ®<br />
Tálamo Medial. E ainda: Substância Nigra<br />
Reticulata (?) ® Substância Nigra Compacta<br />
(dopamina) ® Putâmen (substância<br />
P) ® Pálido Medial / Substância Nigra<br />
Reticulata (gaba) _o Tálamo Medial. A<br />
essas vias e estruturas denominou Circuito<br />
Modulatório Prosencéfalo-<br />
Mesencefálico _ CMPM (® = excitação; -<br />
o = inibição)<br />
Dada a existência tanto de sistemas<br />
transmissores como de sistemas<br />
moduladores da dor, depreende-se que<br />
a sensação e a intensidade da mesma<br />
dependem do equilíbrio entre esses dois<br />
sistemas.<br />
A excitação dos nociceptores, fenômeno<br />
inicial imprescindível para o aparecimento<br />
da dor nociceptiva, pode ser<br />
breve ou prolongada, continuada. Nesta<br />
última eventualidade, a dor torna-se crônica.<br />
É o que ocorre, por exemplo, na<br />
osteoartrite crônica, na dor oriunda da<br />
coluna por problemas mecânicos, na<br />
artrose, na invasão óssea por câncer, na<br />
lombociatalgia provocada por uma hérnia<br />
discal ou na neuralgia do trigêmeo. A<br />
remoção do fator causal usualmente elimina<br />
a dor; infelizmente, isso nem sempre<br />
é possível. Vários termos são utilizados<br />
pelos pacientes para descrevê-la,<br />
todos eles sugerindo lesão tissular: aguda,<br />
em facada, em pontada, em choque,<br />
latejante, lacerando, esmagando, etc. A<br />
dor nociceptiva é usualmente responsiva<br />
aos antiinflamatórios, analgésicos co<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 49
muns e opióides, à fisioterapia e à<br />
interrupção transitória (bloqueios anestésicos)<br />
ou permanente (cirúrgica) das<br />
vias da dor em algum ponto do sistema<br />
nervoso periférico ou central.<br />
Dor por injúria neural (DIN), diversamente<br />
da nociceptiva, é aquela que<br />
decorre da lesão do sistema nervoso<br />
periférico ou central, tendo como principais<br />
causas: lesão traumática de nervo<br />
periférico, polineuropatia, amputação,<br />
traumatismo raquimedular e doença<br />
cerebrovascular. Curiosamente, nesses<br />
casos, a dor surge em uma área de<br />
dormência, iniciando-se comumente dias,<br />
meses ou mesmo anos após a atuação<br />
do fator causal, o qual, usualmente, não<br />
pode ser removido. A DIN pode se apresentar<br />
com três componentes: 1- Dor<br />
constante, frequentemente descrita como<br />
em queimação, formigando (dormente)<br />
ou doída, sempre presente; 2- Dor intermitente,<br />
descrita como aguda, em facada<br />
ou em choque, mais comum nas lesões<br />
do sistema nervoso periférico, mas também<br />
na lesão medular e rara na lesão<br />
encefálica e 3- Dor evocada, sob a forma<br />
de alodínia ou hiperpatia, mais comum<br />
nas lesões encefálicas, mas não<br />
infrequente nas lesões medulares ou<br />
periféricas. Os componentes intermitente<br />
e evocado costumam responder às<br />
mesmas estratégias usadas para tratar a<br />
dor nociceptiva; a dor intermitente pode<br />
ser também tratada, assim como algumas<br />
dores nociceptivas (neuralgia trigeminal<br />
e occipital), com anticonvulsivantes. A<br />
dor constante, porém, é usualmente refratária<br />
a essas medidas e responsiva ao<br />
tratamento com bloqueadores da<br />
recaptação da serotonina e fenotiazínicos;<br />
a interrupção cirúrgica da via<br />
neoespinotalâmica<br />
ou<br />
neotrigeminotalâmica costuma agravála.<br />
Sua fisiopatologia é incerta. Parece,<br />
porém, que a lesão das vias neoespino<br />
ou neotrigeminotalâmica seja essencial<br />
para o seu aparecimento.<br />
Acredita-se que a dor intermitente<br />
se deva a impulsos ectópicos gerados no<br />
sítio de lesão do sistema nervoso, seja<br />
por irritação por cicatriz local ou por<br />
efapse e que tais impulsos trafeguem<br />
pelas vias "normais" da dor.<br />
A dor evocada parece decorrer da<br />
estimulação de receptores por estímulos<br />
inócuos (alodínia) ou leve a moderadamente<br />
nóxicos (hiperpatia), os quais, em<br />
virtude dos rearranjos sinápticos decorrentes<br />
da lesão neural, são processados<br />
de maneira anormal no sistema nervoso<br />
central; parece também ser transmitida<br />
pelas vias "normais" da dor.<br />
De natureza ainda mais incerta é a<br />
dor constante, várias hipóteses tendo<br />
sido propostas na tentativa de explicá-la.<br />
Vilela Filho, 1996, criticou as hipóteses<br />
50 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
mais difundidas e propôs que a DIN<br />
seria decorrente da hiperatividade do<br />
tálamo medial secundária à hipoatividade<br />
do Circuito Modulatório Prosencéfalo-<br />
Mesencefálico. Tal hipoatividade seria<br />
consequente à lesão de qualquer estrutura<br />
/ via participante deste circuito ou<br />
das vias ativadoras do mesmo, ativação<br />
esta provavelmente mediada pelo trato<br />
espinotalâmico anterior e talvez, também,<br />
pelo neoespinotalâmico.<br />
II - INDICAÇÕES, CONTRA-INDICA-<br />
ÇÕES E SELEÇÃO DE PACIENTES:<br />
A melhor estratégia para se tratar<br />
qualquer tipo de dor é a remoção do<br />
fator causal. É o que se faz, por exemplo,<br />
quando se procede a uma<br />
apendicectomia em um paciente com<br />
apendicite, ou quando se resseca um<br />
disco intervertebral herniado em um<br />
paciente com lombociatalgia. Se a remoção<br />
do fator causal não for possível,<br />
como na invasão óssea por câncer ou na<br />
dor que se segue à doença<br />
cerebrovascular e ao traumatismo<br />
raquimedular, ou quando, mesmo após<br />
sua eliminação, ocorre persistência da<br />
dor (síndrome pós-laminectomia no paciente<br />
com hérnia discal, por exemplo),<br />
o tratamento sintomático deve ser instituído.<br />
Após se tentar as mais diversas<br />
manipulações farmacológicas com possibilidade<br />
de aliviar o tipo de dor referido<br />
pelo paciente, fisioterapia,<br />
acupuntura, bloqueios anestésicos, infiltração<br />
de trigger-points, biofeedback,<br />
psicoterapia e suporte psicológico / psiquiátrico<br />
/ familiar, se a dor ainda persistir,<br />
for incapacitante e o paciente, plenamente<br />
esclarecido sobre os riscos e<br />
insucessos relacionados com o procedimento<br />
cirúrgico que lhe for recomendado,<br />
o desejar, o tratamento cirúrgico<br />
pode ser considerado. Também relevante<br />
nesta consideração é a duração da<br />
dor. A neuralgia pós-herpética, por exemplo,<br />
pode resolver espontaneamente até<br />
6 meses (e mais raramente, até 1 ano)<br />
após o seu início. Por isso, o tratamento<br />
cirúrgico deve ser reservado para aqueles<br />
pacientes com duração da dor superior<br />
a 6 meses.<br />
Para o tratamento da dor, podemos<br />
optar por procedimentos modulatórios<br />
(os correntemente em uso são:<br />
neuroestimulação de nervos periféricos,<br />
medula espinhal, VC / lemnisco medial /<br />
cápsula interna, PVG-PAG e córtex motor<br />
e bomba de infusão de drogas) ou<br />
destrutivos (interrupção das vias<br />
nociceptivas).<br />
Como já mencionado anteriormente,<br />
a dor nociceptiva e os componentes<br />
intermitente e evocado da DIN podem<br />
ser aliviados por métodos destrutivos; o<br />
componente constante da DIN, porém, é<br />
usualmente agravado pelos métodos<br />
ablativos direcionados às vias<br />
nociceptivas do grupo lateral, embora<br />
possa ser beneficiado por aqueles procedimentos<br />
destinados a interromper as<br />
vias nociceptivas do grupo medial, como<br />
a talamotomia medial e a tratotomia<br />
mesencefálica medial e, também, pela<br />
lesão da zona de entrada da raiz dorsal
medular ou bulbar, destinada à destruição<br />
das bursting cells aí presentes, em<br />
decorrência de lesão infligida ao sistema<br />
nervoso periférico.<br />
Dentre as drogas utilizadas para<br />
infusão intratecal por bomba, destacamse<br />
os opióides, e, mais recentemente,<br />
também o baclofeno e a clonidina. Os<br />
opióides (morfina, fentanil, alfentanil)<br />
são mais frequentemente usados para o<br />
tratamento da dor oncológica, o<br />
baclofeno, para o tratamento da DIN e a<br />
clonidina, para o tratamento de ambas.<br />
Doravante, concentrar-nos-emos<br />
apenas nos métodos estimulatórios, objetivo<br />
do presente artigo.<br />
Ao contrário dos métodos<br />
destrutivos, a neuroestimulação apenas<br />
inibe ou excita estruturas, preservando<br />
sua integridade. Assim, na eventualidade<br />
de sua falha no controle da dor, o<br />
sistema de estimulação implantado pode<br />
ser simplesmente ignorado ou retirado,<br />
sem que quaisquer estruturas nervosas<br />
tenham sido irremediavelmente lesadas.<br />
A estimulação de PVG-PAG está<br />
indicada para o tratamento de dor<br />
nociceptiva (dor oncológica, dor da<br />
osteoartrite, dor da artrose, etc), dos<br />
componentes intermitente e evocado da<br />
DIN provocada por lesão do sistema<br />
nervoso periférico ou central e da dor<br />
mista com componente nociceptivo<br />
(exemplo: síndrome pós-laminectomia,<br />
indubitavelmente a maior indicação para<br />
esse tipo de procedimento).<br />
A estimulação do córtex motor (ECM)<br />
foi originalmente proposta por<br />
Tsubokawa et al, em 1991, para o tratamento<br />
da DIN encefálica ("dor talâmica").<br />
Mais recentemente, tem sido também<br />
empregada na DIN periférica, sobretudo<br />
no território do trigêmeo, com evidente<br />
sucesso, e na DIN medular, com resultado<br />
controverso. Por se tratar de um<br />
método ainda novo, para o qual a experiência<br />
internacional é ainda bastante<br />
limitada e com o qual os presentes autores<br />
não têm qualquer experiência, sugerimos<br />
que ele seja usado no tratamento<br />
do componente constante da DIN<br />
encefálica (caso a estimulação de VC<br />
seja ineficaz ou quando estudo por imagem<br />
pré-operatório revelar<br />
encefalomalácia na região talâmica objeto<br />
da estimulação) e do componente<br />
constante da DIN periférica facial, caso<br />
a estimulação do gânglio de Gasser e /<br />
ou de VC (VPM) sejam ineficazes.<br />
A estimulação produtora de<br />
parestesia (nervo periférico, medula espinhal<br />
e VC / lemnisco medial / cápsula<br />
interna) está indicada para o tratamento<br />
do componente constante da DIN. É<br />
importante ressaltar que este método é<br />
inadequado para tratar as dores de linha<br />
média baixas e as dores do tronco (dorsal<br />
ou lombar).<br />
A estimulação dos nervos periféricos<br />
(ENP) está teoricamente indicada<br />
para o tratamento do componente constante<br />
nas mononeuropatias (lesão isolada<br />
do trigêmeo, ulnar ou ciático, por<br />
exemplo). Os resultados com este método,<br />
porém, têm sido frustrantes, sobretudo<br />
para a lesão do ciático, razão pela<br />
qual foi praticamente abandonado. Quando<br />
usado, o eletrodo é usualmente implantado<br />
junto ao nervo, proximalmente<br />
à lesão nervosa. Uma exceção a esses<br />
maus resultados é a estimulação<br />
percutânea do gânglio de Gasser<br />
para o tratamento da DIN periférica<br />
facial, para cujo problema constitui a<br />
primeira opção cirúrgica, e para o tratamento<br />
da DIN encefálica com dor predominantemente<br />
facial.<br />
A estimulação da medula espinhal<br />
(EME) é a primeira opção cirúrgica para<br />
o tratamento do componente constante<br />
da DIN periférica não facial e da DIN<br />
medular. A localização do eletrodo no<br />
espaço epidural depende da localização<br />
da dor (membro inferior, superior ou<br />
nuca e região occipital). A principal<br />
indicação para este método tem sido a<br />
síndrome pós-laminectomia. É ineficaz<br />
no tratamento da DIN encefálica.<br />
A estimulação de VC é o tratamento<br />
inicial de escolha para o componente<br />
constante da DIN encefálica (considerando-se<br />
que haja um tálamo para ser<br />
estimulado) relativamente localizado ou<br />
predominante em um segmento corpóreo<br />
(hemiface, membro superior ou membro<br />
inferior). Caso a dor seja mais difusa,<br />
fazemos a opção pela estimulação do<br />
lemnisco medial ou da perna posterior<br />
da cápsula interna. Este método pode ser<br />
também utilizado para o tratamento da<br />
DIN periférica e medular, caso a<br />
estimulação do gânglio de Gasser ou a<br />
EME sejam ineficazes ou tecnicamente<br />
não factíveis (exemplo: extensa fibrose<br />
epidural ou cirurgia vertebral prévia com<br />
instrumentação ampla).<br />
Finalmente, mais de um alvo pode<br />
ser estimulado ao mesmo tempo. Não é<br />
infrequente a estimulação simultânea de<br />
PVG-PAG e de VC em um mesmo paciente,<br />
desde que o quadro doloroso por<br />
ele apresentado requeira os dois procedimentos,<br />
como é, por exemplo, o caso<br />
de uma paciente com DIN encefálica<br />
apresentando dor constante e evocada.<br />
Tão importante quanto a definição<br />
de qual o melhor procedimento<br />
modulatório para cada tipo e localização<br />
da dor, é a determinação se o paciente<br />
como um todo é candidato à<br />
neuroestimulação.<br />
A região a ser operada deve ser<br />
previamente investigada com exame por<br />
imagem. O estudo do encéfalo por ressonância<br />
magnética ou, pelo menos, por<br />
tomografia computorizada deve ser realizado<br />
antes de se proceder à estimulação<br />
cerebral profunda (VC / lemnisco medial<br />
/ cápsula interna ou PVG-PAG), à ECM<br />
ou à estimulação do gânglio de Gasser.<br />
Lesão do giro pré-central, por exemplo,<br />
previne a ECM. Encefalomalácia na região<br />
talâmica ou na área ao redor da<br />
porção inferior do terceiro ventrículo<br />
farão com que a tentativa de estimulação<br />
de VC ou de PVG, respectivamente, sejam<br />
pura perda<br />
de tempo. A distorção do cavo de<br />
Meckel por câncer ou alguma outra doença<br />
impede que um eletrodo seja aí<br />
introduzido para a estimulação do gânglio<br />
de Gasser. A região da coluna onde será<br />
introduzido o eletrodo para EME também<br />
deve ser avaliada por radiografia e<br />
tomografia ou ressonância. Obliteração<br />
demonstrável do espaço epidural a esse<br />
nível impossibilita a introdução do eletrodo<br />
na área desejada.<br />
Sob o ponto de vista cognitivo e de<br />
linguagem, o mínimo que se espera do<br />
paciente é que ele possa se comunicar<br />
com o cirurgião e compreender o que<br />
lhe é dito, que possa avaliar adequadamente<br />
a intensidade de sua dor e a<br />
resposta da mesma ao tratamento, que<br />
consiga perceber e localizar a parestesia<br />
produzida pela maioria dos métodos<br />
estimulatórios e que possa compreender<br />
como usar o sistema de estimulação.<br />
Algumas doenças sistêmicas podem<br />
contra-indicar a neuroestimulação:<br />
discrasia sanguínea (risco de hemorragia),<br />
infecção (risco de contaminação do<br />
hardware implantado) e hipertensão arterial<br />
sistêmica não controlada (risco de<br />
hemorragia). Os pacientes portadores de<br />
marcapasso cardíaco, pelo risco de interferência,<br />
provavelmente não devem<br />
ser submetidos à neuroestimulação.<br />
Para que a cirurgia possa ser<br />
indicada, é fundamental que a queixa de<br />
dor do paciente encontre subsídios nos<br />
exames neurológico e complementares e<br />
que uma etiologia para a dor possa ser<br />
claramente definida.<br />
Todos os pacientes candidatos à<br />
cirurgia devem passar por uma profunda<br />
avaliação psiquiátrica e psicológica.<br />
Aqueles pacientes com transtorno do<br />
humor caracterizado por profunda depressão,<br />
com transtornos da personalidade<br />
caracterizados por hipocondria e<br />
histeria e aqueles com síndrome de<br />
somatização e psicose devem ser<br />
desencorajados a prosseguir com a cirurgia.<br />
Tais pacientes costumam descrever<br />
continuamente sua dor como<br />
lancinante, excruciante, pontuando-a<br />
como acima de dez numa escala de zero<br />
a dez. Costumam queixar-se de intensa<br />
dor de longa data, já tendo procurado<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 51
assistência nos mais diversos centros<br />
e especialistas; seu exame neurológico<br />
é usualmente irrelevante quanto aos<br />
achados e os exames complementares,<br />
inteiramente normais ou com achados<br />
insignificantes. De modo geral, apresentam<br />
uma longa lista de cirurgias prévias<br />
de indicação duvidosa (colecistectomia,<br />
hemorroidectomia, histerectomia, reparo<br />
de hérnia inguinal, descompressão do<br />
túnel do carpo, etc), sugerindo uma<br />
hiper-reatividade a desconfortos relativamente<br />
leves. Às vezes, até apresentam<br />
alguma patologia significativa, como uma<br />
hérnia discal lombar, para a qual já<br />
foram submetidos a uma série de cirurgias,<br />
mas queixam, concomitantemente,<br />
de uma série de outras dores de longa<br />
data, como: cefaléia, cervicalgia,<br />
dorsalgia. Muitas vezes, é possível se<br />
estabelecer a concomitância de um evento<br />
negativo relevante em suas vidas e o<br />
início da dor. Outras vezes, estão envolvidos<br />
em um processo pericial ou litigioso<br />
maiores.<br />
Hosobuchi preconiza o teste da infusão<br />
venosa de morfina, placebo e<br />
naloxone para a identificação dos candidatos<br />
à estimulação cerebral profunda.<br />
Aqueles pacientes que apresentam completo<br />
alívio da dor com a administração<br />
da morfina, mas não com a de placebo<br />
e reversão da analgesia pela injeção de<br />
naloxone (a dor de base é provavelmente<br />
nociceptiva), seriam candidatos à<br />
estimulação de PVG-PAG. Pacientes com<br />
significativa analgesia à administração<br />
de placebo seriam considerados inadequados<br />
para a cirurgia. Ausência de<br />
resposta à injeção de morfina indicaria<br />
ser o paciente tolerante a ela (uso crônico<br />
de morfina) ou portador de DIN;<br />
neste caso, a administração sequencial<br />
de naloxone dirimiria as dúvidas: a ausência<br />
de síndrome de abstinência indicaria<br />
tratar-se a dor de DIN (indicação<br />
para a estimulação de VC) e a presença<br />
da síndrome, de tolerância à morfina.<br />
Finalmente, aqueles pacientes com<br />
analgesia parcial produzida pela morfina,<br />
reversão da mesma com naloxone e<br />
ausência de sinais de síndrome de abstinência,<br />
seriam provavelmente portadores<br />
de dor mista (nociceptiva e por injúria<br />
neural), e portanto, candidatos à<br />
estimulação simultânea de VC e PVG-<br />
PAG. Young, em um estudo no qual um<br />
grupo de pacientes foi submetido a este<br />
teste antes da cirurgia e outro grupo, no<br />
qual o teste não foi realizado previamente,<br />
não foi capaz de demonstrar qualquer<br />
significativa diferença no resultado<br />
à neuroestimulação entre estes grupos,<br />
concluindo que tal teste seria desnecessário.<br />
Tasker, por sua vez, propôs a<br />
utilização do teste da infusão venosa de<br />
tiopental sódico: alívio significativo da<br />
52 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
dor ocorre nos pacientes com DIN, mas<br />
não naqueles com dor nociceptiva.<br />
Vilela Filho, 1996, 1997, revendo<br />
uma série de 60 pacientes com DIN<br />
submetidos a estimulação cerebral profunda,<br />
concluiu que os principais fatores<br />
de risco para o insucesso da<br />
estimulação de VC são: pacientes com<br />
pronunciado deficit<br />
sensitivo, pacientes nos quais a EME<br />
foi ineficaz em aliviar a dor, a despeito<br />
de tecnicamente adequada (parestesia<br />
cobrindo a área da dor), e pacientes com<br />
DIN encefálica secundária a infarto<br />
supratentorial apresentando dor evocada<br />
e lesão restrita ao tálamo posterior à<br />
tomografia ou parestesia desagradável à<br />
EME ou dor intermitente associada.<br />
Em suma, o candidato ideal à<br />
neuroestimulação é aquele paciente altamente<br />
motivado, lúcido, coerente, sem<br />
handicap motor maior, bem ajustado ao<br />
meio social e familiar, sem psicopatologia<br />
maior e com dor de etiologia bem definida,<br />
no qual os exames neurológico e<br />
complementares são congruentes com a<br />
queixa apresentada.<br />
III - MECANISMO DE AÇÃO:<br />
A) ESTIMULAÇÃO DOS NERVOS PE-<br />
RIFÉRICOS (ENP):<br />
O nervo periférico é constituído por<br />
fibras amielínicas ( C ) e mielínicas finas<br />
(A-delta), responsáveis pela condução<br />
da temperatura e da dor e por fibras<br />
mielínicas grossas, envolvidas com a<br />
condução do tato, pressão,<br />
propriocepção e sensibilidade vibratória<br />
(fibras A-alfa e A-beta) e da motricidade.<br />
Estudos eletrofisiológicos determinaram<br />
que essas fibras apresentam diferentes<br />
limiares de excitabilidade. Aquelas com<br />
menor limiar (mais facilmente excitáveis)<br />
seriam as A-alfa, seguidas em ordem<br />
decrescente pelas fibras A-beta, motoras,<br />
A-delta e C. Desta forma, um estímulo<br />
elétrico de baixa intensidade estimularia<br />
preferencialmente as fibras A-alfa e A-<br />
beta, poupando as fibras C e A-delta.<br />
Uma vez ativadas, estas fibras mielínicas<br />
grossas excitariam interneurônios inibitórios<br />
situados nas lâminas superficiais<br />
do corno dorsal (sobretudo na lâmina<br />
IIo), os quais inibiriam, présinapticamente,<br />
os aferentes primários<br />
nociceptivos, conforme a Teoria da Comporta<br />
de Melzack e Wall, e também, póssinapticamente,<br />
as células de origem das<br />
vias nociceptivas, inibindo, desta forma,<br />
a transmissão dos impulsos nociceptivos<br />
no corno dorsal e, assim, produzindo<br />
analgesia.<br />
Uma das maiores dificuldades com<br />
este método é que as fibras motoras são<br />
também frequentemente estimuladas, provocando<br />
contração involuntária. Isto se<br />
deve ao fato dos limiares de excitabilidade<br />
para as fibras mielínicas grossas sensitivas<br />
e motoras serem bastante próximos.<br />
Na estimulação do gânglio de Gasser,<br />
o que se faz é estimular diretamente as<br />
células sensitivas de origem das fibras A-<br />
alfa e A-beta, não sendo sua resposta<br />
usualmente contaminada por contrações<br />
musculares; daí seu maior sucesso<br />
terapêutico. Fibras mielínicas grossas préganglionares<br />
são também estimuladas<br />
nesse caso.<br />
B) ESTIMULAÇÃO DA MEDULA ES-<br />
PINHAL (EME):<br />
A EME é obtida com a da colocação<br />
de um eletrodo no espaço epidural posterior.<br />
Por imaginar-se que a única estrutura<br />
medular estimulada por esse método<br />
fosse o funículo posterior, também<br />
denominado coluna dorsal, costumavase<br />
designá-lo estimulação da coluna<br />
dorsal. Sabe-se hoje, porém, que, além<br />
do funículo posterior, são estimulados<br />
os cornos dorsais, as zonas de entrada<br />
das raízes dorsais e as raízes dorsais. Daí<br />
a mudança da designação desse procedimento<br />
para EME.<br />
O mecanismo envolvido no alívio<br />
da dor obtido pela EME é ainda objeto<br />
de extensa especulação e pesquisa.<br />
O modelo experimental mais frequentemente<br />
usado para o seu estudo,<br />
atualmente, é o da ligadura parcial do<br />
nervo ciático em ratos. Esse procedimento<br />
determina o aparecimento de DIN<br />
em 20-40% dos ratos. O reflexo flexor,<br />
obtido pela estimulação inócua da região<br />
plantar da pata traseira ipsolateral<br />
ao nervo ligado, passa a apresentar um<br />
menor limiar de excitabilidade e uma<br />
maior amplitude, o que corresponderia,<br />
no ser humano, à alodínia. Nesse modelo,<br />
o registro com microeletrodo dos<br />
neurônios do corno dorsal lombo-sacro<br />
ipsolateral evidencia aumento da atividade<br />
espontânea e evocada dessas células<br />
e a microdiálise do espaço extracelular<br />
da mesma região demonstra aumento da<br />
concentração do glutamato e aspartato<br />
(neurotransmissores excitatórios dos<br />
aferentes primários nociceptivos) e diminuição<br />
da concentração do ácido gamaaminobutírico<br />
(neurotransmissor inibitório<br />
presente nos interneurônios inibitórios<br />
das lâminas superficiais do corno<br />
dorsal).<br />
A EME (eficaz em cerca de 50%<br />
desses animais), quando efetiva, normaliza<br />
o limiar de excitabilidade e a amplitude<br />
do reflexo flexor e a atividade<br />
anormal dos neurônios do corno dorsal.<br />
Duas principais hipóteses foram propostas<br />
para explicar a analgesia produzida<br />
pela EME.
De acordo com uma delas, a EME<br />
ativaria, antidromicamente, as grossas<br />
fibras mielínicas do funículo posterior<br />
da medula espinhal, cujos colaterais,<br />
arborizando no corno dorsal, excitariam<br />
os interneurônios inibitórios, os quais,<br />
por sua vez, inibiriam os aferentes primários<br />
nociceptivos e os neurônios de<br />
origem das vias dolorosas. Uma série de<br />
dados laboratoriais suportam essa hipótese.<br />
A microdiálise do líquido extracelular<br />
do corno dorsal revela, nos casos em<br />
que a EME é eficaz, aumento da concentração<br />
do gaba e da glicina<br />
(neurotransmissor inibitório) e diminuição<br />
da concentração de glutamato e<br />
aspartato. Quando a EME é ineficaz,<br />
porém, tais alterações bioquímicas não<br />
ocorrem. Nesses casos, a associação da<br />
administração de baclofeno (agonista<br />
gabaérgico) intratecal (dosagem: metade<br />
de sua mínima dose efetiva quando utilizado<br />
isoladamente) à EME é eficaz em<br />
normalizar o reflexo flexor. Também<br />
efetiva é a associação da EME à administração<br />
intratecal de agonista da<br />
adenosina. Curiosamente, o gaba e a<br />
adenosina têm uma distribuição similar<br />
no corno dorsal, predominando em suas<br />
lâminas externas. Assim, parece que<br />
ambos os sistemas, gabaérgico e<br />
adenosinérgico, são importantes na mediação<br />
do efeito da EME. Essas duas<br />
drogas já foram também usadas, com<br />
sucesso, em seres humanos, associadas<br />
à EME, para o tratamento de DIN periférica.<br />
Segundo a outra hipótese, a EME<br />
excitaria, ortodromicamente, as fibras do<br />
funículo posterior da medula espinhal,<br />
as quais emitiriam colaterais para o sistema<br />
modulatório do tronco cerebral (PAG,<br />
bulbo rostroventral, tegmento pontino<br />
dorsolateral), de onde partiriam as vias<br />
descendentes inibitórias para os<br />
neurônios nociceptivos do corno dorsal.<br />
A determinação do aumento da concentração<br />
de serotonina na microdiálise do<br />
líquido extracelular do corno dorsal após<br />
a EME em animais intactos, mas não em<br />
animais descerebrados, e o aumento do<br />
ácido 5-hidróxi-indolacético (metabólito<br />
da serotonina) no líquor de seres humanos<br />
submetidos a EME, favorecem essa<br />
hipótese.<br />
Essas duas hipóteses, naturalmente,<br />
não são mutuamente exclusivas, podendo<br />
ambos os mecanismos atuar simultaneamente.<br />
Se os mecanismos até então propostos<br />
para a analgesia produzida pela<br />
EME e ENP fossem realmente operantes,<br />
esperar-se-ía que esses métodos fossem<br />
também úteis para tratar a dor por<br />
nocicepção, haja vista a inibição da<br />
transmissão nociceptiva no corno dorsal<br />
por eles ocasionada. Na realidade, porém,<br />
não é o que ocorre. A EME e a ENP<br />
são úteis para o tratamento do componente<br />
constante da DIN e não da dor<br />
nociceptiva.<br />
Modesti & Waszak demonstraram a<br />
inibição de neurônios nociceptivos do<br />
tálamo medial pela EME. O mesmo ocorre<br />
com a estimulação do tálamo<br />
ventrocaudal (VC). Poder-se-ía<br />
hipotetizar, então, que, tanto a ENP como<br />
a EME, ativariam as grossas fibras<br />
mielínicas, as quais, transitando pelo<br />
nervo periférico, funículo posterior da<br />
medula espinhal e lemnisco medial, chegariam<br />
a VC e, ativando o circuito<br />
modulatório prosencéfalo-mesencefálico,<br />
promoveriam a analgesia pela inibição<br />
da hiperatividade do tálamo medial.<br />
C) ESTIMULAÇÃO DE VC /<br />
LEMNISCO MEDIAL / CÁPSULA INTER-<br />
NA:<br />
Várias hipóteses foram sugeridas<br />
para explicar a analgesia produzida pela<br />
estimulação de VC.<br />
Tsubokawa e Gerhart, entre outros,<br />
propuseram que a estimulação de VC<br />
produziria alívio da dor pela ativação<br />
antidrômica de colaterais do trato<br />
neoespinotalâmico enviados para o bulbo<br />
rostroventral (BRV). Essa estrutura,<br />
assim estimulada, inibiria os neurônios<br />
nociceptivos do corno dorsal por meio<br />
da excitação das vias descendentes<br />
serotoninérgicas e noradrenérgicas dos<br />
funículos dorsolaterais da medula espinhal.<br />
Gerhart e Yezierski sugeriram que a<br />
analgesia obtida pela estimulação de VC<br />
seria secundária à excitação do córtex<br />
somestésico, o qual, por sua vez, inibiria<br />
os neurônios do corno dorsal<br />
contralateral pela ativação do trato<br />
corticoespinhal e das vias extrapiramidais.<br />
Foi também proposto que a<br />
estimulação de VC ativaria, pela excitação<br />
antidrômica do lemnisco medial,<br />
certas células pseudounipolares dos<br />
núcleos dos fascículos grácil e<br />
cuneiforme, as quais inibiriam os<br />
neurônios nociceptivos do corno dorsal<br />
pelo mecanismo da comporta anteriormente<br />
descrito (vide EME).<br />
Como se pode notar, a analgesia<br />
produzida pela estimulação de VC, de<br />
acordo com as hipóteses acima, depende<br />
da integridade dos funículos<br />
dorsolaterais e dorsal da medula espinhal.<br />
Vilela Filho e Tasker (1994) e Vilela<br />
Filho (1994), porém, revisando sua série<br />
de 16 pacientes com DIN medular submetidos<br />
à estimulação de VC, observaram<br />
que o tratamento produziu excelente<br />
alívio da dor em 3 dos 4 pacientes<br />
apresentando secção medular completa.<br />
Tais resultados e uma série de outras<br />
evidências experimentais por eles apresentadas<br />
contrariam frontalmente as hipóteses<br />
supracitadas.<br />
Adams sugeriu que a estimulação<br />
de VC ativaria fibras inibitórias oriundas<br />
do<br />
córtex parietal para o tálamo e a<br />
medula espinhal. A possibilidade da inibição<br />
pela via córtex somestésico- medula<br />
espinhal ser operante já foi debatida<br />
no parágrafo anterior. A inibição<br />
talâmica pela ativação do córtex<br />
somestésico também parece-nos improvável,<br />
visto que, segundo Steriade, as<br />
fibras corticotalâmicas são, sem exceção,<br />
excitatórias.<br />
Mazars, por sua vez, propôs que a<br />
estimulação de VC atuaria compensando<br />
a falta de impulsos sensoriais atingindo<br />
o circuito talamocortical em pacientes<br />
com DIN. Tal hipótese, porém, presume<br />
um efeito excitatório para a estimulação<br />
de VC, o que está em desacordo com a<br />
opinião geral de que o efeito final da<br />
estimulação de VC é inibitório.<br />
Benabid demonstrou que a<br />
estimulação de VC inibe neurônios<br />
nociceptivos do tálamo medial, achados<br />
estes também relatados por Tsubokawa e<br />
Moriyasu, e sugeriu, considerando a<br />
ausência de células "marcadas" em VC<br />
pela administração de peroxidase de<br />
rabanete no tálamo medial, a longa<br />
latência para a inibição (100 a 200<br />
milissegundos, no rato) e a não reversão<br />
da inibição pela administração de<br />
naloxone, que tal inibição seria mediada<br />
por uma via multissináptica não opióide.<br />
As vias e estruturas provavelmente envolvidas,<br />
porém, não foram citadas.<br />
Vilela Filho, 1994, sugeriu que a<br />
analgesia produzida pela estimulação de<br />
VC seria decorrente da ativação de uma<br />
via multissináptica inibitória para o tálamo<br />
medial, modulando a hiperatividade<br />
nociceptiva aí presente. Baseado em uma<br />
série de evidências clínicas e laboratoriais,<br />
propôs as estruturas, vias e<br />
neurotransmissores envolvidos nessa modulação,<br />
conjunto este que, posteriormente<br />
(1996), passou a designar Circuito<br />
Modulatório Prosencéfalo-Mesencefálico<br />
_ CMPM (vide tópico "Aspectos Básicos").<br />
Em resumo, o alívio da dor produzido<br />
pela estimulação de VC se deve à<br />
inibição do tálamo medial, mediada pelo<br />
CMPM.<br />
D) ESTIMULAÇÃO DO CÓRTEX<br />
MOTOR (ECM):<br />
Trata-se de uma técnica<br />
neuroestimulatória relativamente nova,<br />
tendo sido os primeiros pacientes operados<br />
(dor talâmica) reportados por<br />
Tsubokawa, introdutor do método, em<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 53
1991.<br />
Segundo Tsubokawa, um infarto<br />
tálamo-supratalâmico tornaria as células<br />
nociceptivas do córtex somestésico<br />
desaferentadas e, em consequência,<br />
hiperativas. A ECM, por uma via<br />
intracortical, excitaria células nãonociceptivas<br />
(exemplo: células táteis) do<br />
córtex somestésico, as quais inibiriam as<br />
células nociceptivas hiperativas, o que<br />
resultaria em analgesia. Curiosamente,<br />
nos casos em que a ECM foi efetiva, os<br />
pacientes referiram parestesia na área da<br />
dor, sugerindo que a ativação de células<br />
não-nociceptivas do córtex somestésico<br />
é essencial para o alívio da dor.<br />
Trata-se de uma hipótese bastante<br />
interessante. Não explica, porém, como<br />
a ECM poderia ser efetiva no caso do<br />
envolvimento do córtex somestésico pelo<br />
infarto. Nessa eventualidade, não haveria<br />
células nociceptivas deaferentadas<br />
no córtex somestésico.<br />
Alternativamente, sugerimos, a ECM<br />
poderia aliviar a dor por bloquear a<br />
hiperatividade do tálamo medial, via ativação<br />
de parte do circuito modulatório<br />
prosencéfalo-mesencefálico (córtex motor<br />
® putâmen anterior ® pálido medial<br />
/ substância nigra reticulata _o tálamo<br />
medial e formação reticular<br />
mesencefálica ® tálamo medial; ® =<br />
excitação, _o = inibição).<br />
E) ESTIMULAÇÃO DE PVG-PAG:<br />
Em animais de experimentação, a<br />
injeção de opióides em PVG-PAG produz<br />
uma analgesia comportamental similar<br />
àquela produzida pela estimulação<br />
elétrica das mesmas, analgesia esta dosedependente<br />
e passível de reversão com<br />
a administração sistêmica de naloxone.<br />
Tais fatos sugerem que a analgesia produzida<br />
pela estimulação de PVG-PAG<br />
seja mediada pela liberação de opióides<br />
endógenos.<br />
Em seres humanos, a estimulação<br />
de PVG-PAG, mas não a de VC, determina<br />
um aumento da concentração liquórica<br />
de beta-endorfina e metionina-encefalina<br />
(opióides endógenos). Hosobuchi e<br />
Richardson relataram que a analgesia<br />
produzida pela estimulação de PVG-<br />
PAG pode ser, pelo menos parcialmente,<br />
revertida pela administração endovenosa<br />
de naloxone e que a estimulação continuada<br />
pode determinar tolerância, tolerância<br />
esta que é cruzada com a da<br />
administração exógena de morfina.<br />
Young, porém, contestou tais achados,<br />
sobretudo o da tolerância cruzada. Estudos<br />
experimentais demonstrando que a<br />
analgesia produzida pela estimulação da<br />
PAG ventral é mediada por opióides,<br />
mas não a da PAG dorsal e a significativa<br />
variabilidade entre os diferentes autores<br />
54 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
quanto ao local de PVG-PAG a ser estimulado,<br />
podem explicar os achados<br />
contraditórios quanto à reversibilidade<br />
da analgesia pelo naloxone e quanto à<br />
tolerância cruzada com a administração<br />
exógena de opióides. Em geral, acreditase<br />
que, também nos seres humanos, a<br />
analgesia produzida pela estimulação de<br />
PVG-PAG seja mediada pela liberação<br />
de opióides endógenos.<br />
Em seres humanos, a estimulação<br />
de PVG-PAG, mas não a de VC, determina<br />
um aumento da concentração liquórica<br />
de beta-endorfina e metionina-encefalina<br />
(opióides endógenos). Hosobuchi e<br />
Richardson relataram que a analgesia<br />
produzida pela estimulação de PVG-<br />
PAG pode ser, pelo menos parcialmente,<br />
revertida pela administração endovenosa<br />
de naloxone e que a estimulação continuada<br />
pode determinar tolerância, tolerância<br />
esta que é cruzada com a da<br />
administração exógena de morfina.<br />
Young, porém, contestou tais achados,<br />
sobretudo o da tolerância cruzada. Estudos<br />
experimentais demonstrando que a<br />
analgesia produzida pela estimulação da<br />
PAG ventral é mediada por opióides,<br />
mas não a da PAG dorsal e a significativa<br />
variabilidade entre os diferentes autores<br />
quanto ao local de PVG-PAG a ser estimulado,<br />
podem explicar os achados<br />
contraditórios quanto à reversibilidade<br />
da analgesia pelo naloxone e quanto à<br />
tolerância cruzada com a administração<br />
exógena de opióides. Em geral, acreditase<br />
que, também nos seres humanos, a<br />
analgesia produzida pela estimulação de<br />
PVG-PAG seja mediada pela liberação<br />
de opióides endógenos.<br />
Segundo a hipótese em voga, a<br />
estimulação de PVG-PAG ativaria as células<br />
de origem das vias rafe-espinhal<br />
(serotoninérgica), localizadas no bulbo<br />
rostroventral (núcleo rafe magno,<br />
magnocelular e paragigantocelular lateral),<br />
e reticuloespinhal (noradrenérgica),<br />
localizadas no tegmento pontino<br />
dorsolateral (locus ceruleus e<br />
subceruleus). Os axônios dessas células<br />
trafegam por ambos os funículos<br />
dorsolaterais da medula espinhal e terminam<br />
nas lâminas I, IIo e V dos cornos<br />
dorsais, região rica em interneurônios<br />
inibitórios (sobretudo encefalinérgicos)<br />
e local de origem de grande parte das<br />
vias da dor. Os neurônios rafe e<br />
reticuloespinhais bloqueiam a transmissão<br />
nociceptiva no corno dorsal, provavelmente,<br />
por quatro mecanismos distintos:<br />
inibição pré-sináptica dos aferentes<br />
primários nociceptivos, inibição póssináptica<br />
dos neurônios de origem das<br />
vias nociceptivas e excitação de<br />
interneurônios inibitórios e inibição de<br />
interneurônios excitatórios para as células<br />
de projeção nociceptivas. O fato das<br />
vias rafe e reticuloespinhais serem bilaterais<br />
justifica plenamente a analgesia<br />
bilateral obtida por essa técnica.<br />
IV - TÉCNICA CIRÚRGICA:<br />
O processo envolve três etapas distintas:<br />
implantação do eletrodo,<br />
estimulação-teste e internalização do<br />
hardware.<br />
Exames pré-operatórios de rotina<br />
são realizados em todos os casos<br />
(hemograma, coagulograma, glicemia,<br />
uréia e creatinina séricas, EAS, radiografia<br />
de tórax e eletrocardiograma). Os<br />
pacientes são usualmente internados no<br />
dia anterior à cirurgia. Antibioticoterapia<br />
profilática com cefuroxima (1.5 grama<br />
endovenosa a cada oito horas) é instituída<br />
cerca de 30 minutos antes do início<br />
do procedimento.<br />
A primeira etapa (implantação) é<br />
usualmente realizada sob anestesia local<br />
e sedação venosa com agentes anestésicos<br />
de curta duração, administrados com<br />
bomba de infusão. Para tal fim, nossa<br />
preferência tem recaído sobre o propofol,<br />
um fenol de ação hipnótica que, se<br />
mantido em níveis mínimos suficientes<br />
para manter o paciente dormindo, ele se<br />
encontrará plenamente desperto 5 a 10<br />
minutos após a suspensão da infusão da<br />
droga. Exceto no caso da ECP, em que o<br />
paciente é mantido completamente desperto<br />
durante todo o procedimento, na<br />
estimulação dos demais alvos ele é mantido<br />
em hipnose durante a introdução do<br />
eletrodo, incisão e suturas, e desperto<br />
durante a fase de checagem fisiológica<br />
do alvo por estimulação. A utilização de<br />
agentes anestésicos de curta duração<br />
nesses casos, portanto, em muito agiliza<br />
a cirurgia, minimizando o tempo
despendido.<br />
Após a adequada implantação do<br />
eletrodo no alvo desejado, ele é fixado à<br />
dura-máter (ECM), gálea (estimulação<br />
cerebral profunda _ ECP), aponeurose<br />
(EME) ou tecido subcutâneo (estimulação<br />
do gânglio de Gasser), sendo sua porção<br />
excedente alojada no subcutâneo e<br />
conectada a um cabo que é exteriorizado<br />
por contra-abertura à maior distância<br />
possível da incisão original, para<br />
minimizar o risco de infecção. Exceção<br />
é feita para a estimulação do gânglio de<br />
Gasser, em cujo caso o eletrodo-teste é<br />
exteriorizado diretamente por seu sítio<br />
de entrada; nesse caso, a preocupação<br />
com a infecção do eletrodo é menor, já<br />
que ele será posteriormente substituído<br />
por outro. Na ECP (estimulação de VC /<br />
lemnisco medial / cápsula interna ou de<br />
PVG-PAG), o eletrodo é também fixado<br />
ao orifício craniano (trepanação ou drillhole)<br />
utilizando-se uma "rolha" de silastic<br />
ou metilmetacrilato.<br />
Cerca de 24 horas após a implantação,<br />
e já em sua acomodação (enfermaria<br />
ou apartamento), tem início a etapa<br />
de estimulação-teste, que usualmente<br />
dura de três a sete dias. Nessa fase, o<br />
cabo exteriorizado é conectado a um<br />
transmissor de radiofrequência e a<br />
estimulação, uni ou bipolar, instituída. O<br />
objetivo é definir, juntamente com o<br />
paciente, qual contato ou combinação<br />
de par de contatos do eletrodo (o eletrodo<br />
mais usado em todos os procedimentos<br />
é o tetrapolar) e quais os parâmetros<br />
de estimulação (intensidade, frequência<br />
e duração do pulso de estímulo) produzem<br />
o máximo alívio da dor, com o<br />
mínimo de efeitos indesejáveis.<br />
Naqueles pacientes em que o alívio<br />
da dor obtido com a estimulação foi<br />
considerado inadequado, o eletrodo é<br />
retirado. Por outro lado, os pacientes<br />
com alívio da dor superior a 50%, passam<br />
para a próxima etapa: internalização.<br />
Sob anestesia geral, após removido<br />
o cabo exteriorizado e todas as rigorosas<br />
medidas usuais de assepsia e antissepsia,<br />
a ferida para implantação do eletrodo é<br />
reaberta (no caso específico da<br />
estimulação do gânglio de Gasser, o<br />
eletrodo teste, previamente retirado após<br />
controle radiográfico de sua posição, é<br />
substituído por um eletrodo tetrapolar<br />
definitivo, implantado, guiado por<br />
fluoroscopia, na mesma posição anterior).<br />
Uma outra incisão cirúrgica é realizada<br />
na face anterior do tórax ou abdômen,<br />
onde uma loja é preparada para a<br />
implantação do receiver ou estimulador.<br />
Para a ECP, ECM, EME cervical e<br />
estimulação do gânglio de Gasser, tal<br />
loja é comumente preparada na região<br />
infraclavicular, e para a EME baixa, na<br />
região inguinal. Um cabo é então<br />
conectado ao eletrodo e, através de um<br />
guia oco (provido pelos kits de<br />
neuroestimulação, é similar àquele usado<br />
para a passagem do catéter peritonial<br />
na derivação ventrículo-peritonial) subcutâneo<br />
conectando as duas feridas,<br />
passado para a loja torácica ou abdominal,<br />
onde é conectado ao receiver ou<br />
estimulador. Uma ferida intermediária<br />
entre as anteriores pode se fazer necessária<br />
para facilitar este procedimento. O<br />
paciente recebe alta hospitalar no dia<br />
seguinte ao da internalização do sistema.<br />
Existem dois sistemas para<br />
estimulação disponíveis no mercado.<br />
O estimulador (gerador de pulso)<br />
totalmente implantável (ITREL, da<br />
Medtronic) contém uma bateria de lítio<br />
(duração: 2.5 a 4.5 anos, dependendo da<br />
frequência de uso e dos parâmetros de<br />
estimulação), é ativado e controlado por<br />
telemetria percutânea e pode ser ligado<br />
ou desligado pelo paciente<br />
O sistema ativado por<br />
radiofrequência (XTREL, da Medtronic)<br />
tem três componentes: um receiver passivo,<br />
implantado sob a pele, uma antena<br />
e um transmissor externo alimentado por<br />
bateria alcalina. A antena é conectada ao<br />
transmissor e deve ser posicionada exatamente<br />
sobre o receiver para que o<br />
contato seja adequado. O paciente tem<br />
amplo acesso aos parâmetros de<br />
estimulação e à combinação dos contatos<br />
do eletrodo. Esse sistema, comparado<br />
ao totalmente implantável, tem um<br />
menor custo, maior potência, capacidade<br />
para dirigir eletrodos com mais de<br />
quatro contatos e para a programação<br />
independente de dois canais _ MATTRIX<br />
RF SYSTEM, da Medtronic e DUAL<br />
PADDLE OCTRODE SYSTEM, da<br />
Neuromed (dois eletrodos com quatro<br />
ou mais contatos podem ser usados com<br />
um único estimulador, como, por exemplo,<br />
para a estimulação combinada de<br />
VC e<br />
PVG). As suas principais desvantagens<br />
são: necessidade de frequente troca<br />
de bateria, uso mais trabalhoso, não<br />
poder ser molhado, poder ter seu funcionamento<br />
comprometido pela<br />
transpiração excessiva, intolerância ao<br />
uso da antena pelos pacientes com<br />
alodínia na área do implante e incapacidade<br />
de manipulação por pacientes com<br />
handicap motor ou mental.<br />
Finalmente, embora ainda não disponível<br />
no mercado para uso geral, há o<br />
sistema híbrido, que combina ambas as<br />
tecnologias (TIME, da Neuromed).<br />
Passaremos, agora, à descrição da<br />
técnica cirúrgica utilizada na implantação<br />
do eletrodo nos diferentes alvos.<br />
A) ESTIMULAÇÃO DO GÂNGLIO<br />
DE GASSER (EGG):<br />
Com o paciente em decúbito dorsal,<br />
após assepsia e antissepsia, uma agulha<br />
de Touhey nº 15 é introduzida<br />
percutaneamente, 2.5 centímetros lateral<br />
à comissura labial, e utilizando como<br />
reparo anatômico o ponto de intersecção<br />
entre um plano coronal passando 3 centímetros<br />
anterior ao tragus e um plano<br />
sagital passando pelo bordo interno da<br />
pupila, é dirigida, sob fluoroscopia, para<br />
o forame oval, situado, habitualmente,<br />
no ponto de intersecção entre o clívus e<br />
a pirâmide petrosa (fluoroscopia lateral).<br />
Atingido o alvo, um eletrodo monopolar<br />
(VERIFY, da Medtronic) é introduzido<br />
pela agulha de Touhey, até ultrapassar<br />
sua extremidade distal. Estimulação com<br />
alta frequência (usualmente 25 a 100<br />
Hertz) é então realizada. O objetivo é a<br />
obtenção de parestesia que cubra completamente<br />
a área da dor com a menor<br />
intensidade de estímulo possível. Contração<br />
muscular (masséter) e/ou<br />
parestesia fora da área da dor são geralmente<br />
consideradas inaceitáveis pelo paciente.<br />
Obtida a resposta desejada, a<br />
agulha é cuidadosamente retirada, sob<br />
acompanhamento fluoroscópico, enquanto<br />
o eletrodo é mantido em posição.<br />
Radiografia de crânio nas incidências<br />
anteroposterior, perfil e Towne é realizada<br />
imediatamente após o término do<br />
procedimento, para documentar a posição<br />
do eletrodo. Como mencionado anteriormente,<br />
esse eletrodo é posteriormente<br />
retirado e, na fase de<br />
internalização, um eletrodo tetrapolar<br />
(DBS, da Medtronic) é implantado na<br />
mesma posição anterior, conforme controle<br />
radiográfico.<br />
B) ESTIMULAÇÃO DA MEDULA ES-<br />
PINHAL (EME):<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 55
56 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento<br />
A EME é particularmente útil no<br />
tratamento da dor em extremidades, não<br />
sendo, em geral, adequada no tratamento<br />
da dor axial.<br />
Pode ser realizada por duas técnicas:<br />
percutânea e a céu aberto.<br />
A EME percutânea é a preferida<br />
destes e da maioria dos outros autores,<br />
podendo ser realizada na maioria dos<br />
casos. Em sua execução, um princípio<br />
básico deve ser lembrado: quanto<br />
maior a quantidade de cabo<br />
do eletrodo no espaço epidural,<br />
menor a possibilidade de migração<br />
do mesmo. Por isso, o nível<br />
de inserção cutânea do eletrodo<br />
deve ser, no mínimo, a dois<br />
níveis abaixo daquele do alvo<br />
desejado. Assim, para dor em<br />
membros inferiores, o nível de<br />
punção é T12/L1 ou L1/L2 e<br />
para dor em membros superiores,<br />
T2/T3 ou T3/T4. Com o<br />
paciente em decúbito ventral,<br />
após assepsia e antissepsia, e<br />
sob fluoroscopia lateral, a agulha<br />
de peridural, provida pelo kit<br />
de neuroestimulação, é<br />
introduzida, com o bisel voltado<br />
para cima, na linha média do<br />
nível desejado, até se atingir o<br />
espaço epidural, o qual pode ser<br />
usualmente reconhecido pela<br />
manobra da gota pendente ou da perda<br />
súbita de resistência. Um guia arterial de<br />
Seldinger (também provido pelo kit) é<br />
então introduzido pela agulha, até ultrapassar<br />
sua extremidade distal. Estandose<br />
realmente no espaço epidural, encontrar-se-á<br />
uma pequena resistência ao<br />
avanço do guia. Caso o guia se encontre<br />
no espaço subaracnóideo, ele normalmente<br />
pode ser avançado livremente,<br />
sem resistência, em cujo caso, se retirado,<br />
ocorreria, quase certamente,<br />
extravazamento de líquor e a estimulação<br />
com o eletrodo nesse local, provocaria<br />
respostas sensitivas e motoras com intensidades<br />
de estimulação menores do<br />
que as habituais. Confirmando-se por<br />
esses meios, e pela fluoroscopia em<br />
perfil, a presença do guia no espaço<br />
epidural, o intensificador de imagem é<br />
ajustado para a incidência posteroanterior.<br />
O guia de Seldinger é retirado e o eletrodo,<br />
introduzido no espaço, mantendo-se<br />
a agulha em posição. A estimulaçãoteste<br />
é então iniciada. Sob fluoroscopia<br />
e estimulação, a posição do eletrodo vai<br />
sendo modificada até que se obtenha<br />
parestesia cobrindo toda a área da dor,<br />
com a menor intensidade de estímulo<br />
possível e sem a presença de efeitos<br />
indesejáveis (resposta motora, parestesia<br />
fora da área da dor). Para a dor unilateral,<br />
a posição ideal do eletrodo é, geralmente,<br />
de 1 a 3 milímetros lateral à<br />
linha média, e para a dor bilateral,<br />
na linha média. Caso se planeje implantar<br />
dois eletrodos, a punção epidural<br />
para ambos deve ser executada antes da<br />
introdução dos mesmos, para não se<br />
correr o risco de lesá-los no procedimento<br />
da punção. Atingido o alvo, radiografia<br />
em duas incidências é realizada<br />
para documentação da posição do eletrodo.<br />
Sob acompanhamento<br />
fluoroscópico, a agulha vai sendo cuidadosamente<br />
retirada, enquanto se mantém<br />
o eletrodo em posição.<br />
A EME a céu aberto, às vezes, pode<br />
ser a única alternativa em pacientes com<br />
cirurgia prévia na área em que se está<br />
planejando implantar o eletrodo, dados<br />
os riscos da técnica percutânea nessa<br />
eventualidade. Além disso, parece ser<br />
mais segura nos casos em que se planeja<br />
implantar um eletrodo em C1/C2. A vantagem<br />
adicional do método, segundo<br />
seus defensores, é a menor incidência<br />
de migração do eletrodo e, pela possibilidade<br />
de se utilizar eletrodos mais largos,<br />
a obtenção de parestesia em áreas<br />
mais amplas. A cirurgia obedece aos<br />
princípios básicos de qualquer<br />
laminectomia. A quantidade de osso a<br />
ser removida, porém, é mínima, podendo<br />
ser, inclusive, desnecessária na coluna<br />
cervical. Uma vez ressecado o ligamento<br />
amarelo, um ou dois eletrodos<br />
tetrapolares em placa (RESUME, da<br />
Medtronic ou LAMITRODE, da<br />
Neuromed) são colocados no espaço<br />
epidural, e a ferida é suturada por planos.<br />
Para dor em membros inferiores, o<br />
local habitual de implantação é T9/T10<br />
ou T10/T11; para dor em membros superiores,<br />
em C4/C5, C5/C6 ou C6/C7; e para<br />
dor occipital, cervical ou em ombros, em<br />
C1/C2.<br />
A EME, por qualquer método,<br />
é um procedimento inadequado<br />
para o alívio da dor da<br />
parede torácica ou abdominal,<br />
haja vista que a estimulação, nos<br />
níveis adequados , produz ativação<br />
tanto sensitiva (percebida<br />
pelos pacientes como uma faixa<br />
constrictiva desagradável) quanto<br />
motora, prevenindo qualquer<br />
efeito terapêutico útil. Infelizmente,<br />
a ativação de fibras da<br />
parede torácica ou abdominal<br />
pode ser um achado proeminente<br />
quando se está tentando<br />
produzir parestesia em outras<br />
áreas; nessa eventualidade, o<br />
posicionamento estritamente<br />
mediano do eletrodo minimiza<br />
essas respostas indesejáveis.<br />
Uma das indicações mais<br />
frequentes para EME é a chamada<br />
síndrome pós-laminectomia, causa<br />
comum de dor lombar e em membros<br />
inferiores. Para o sucesso terapêutico,<br />
deve-se procurar obter parestesia tanto<br />
na região lombar quanto no membro ou<br />
membros comprometidos. A obtenção<br />
de parestesia lombar, porém, é uma<br />
tarefa extremamente difícil e, quando<br />
possível, vem usualmente acompanhada<br />
pela indesejável estimulação da parede<br />
torácica e abdominal. Law demonstrou<br />
que as fibras lombares podem ser mais<br />
seletivamente ativadas com dois eletrodos<br />
octapolares paralelos, colocados de<br />
cada lado e a uma mínima distância da<br />
linha média, no nível T9/T10.<br />
C) ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PRO-<br />
FUNDA (ECP):<br />
Com o paciente preferencialmente<br />
em posição sentada, o anel estereotáxico<br />
é fixado, sob anestesia local, à tábua<br />
externa do crânio (Sistema Estereotáxico<br />
Micromar, modelo MT-03B).<br />
Para a obtenção das coordenadas<br />
das comissuras anterior (AC) e posterior<br />
(PC) e da parede lateral do terceiro<br />
ventrículo (no plano axial em que aparece<br />
PC), temos utilizado a tomografia<br />
computorizada de crânio como método<br />
de imagem de eleição, a qual deve ser<br />
realizada com o anel estereotáxico já em
posição. As coordenadas de AC e PC são<br />
usadas para alimentar um software desenvolvido<br />
pelo Departamento de<br />
Neurofisiologia da Universidade de Toronto,<br />
o qual fornece uma série de mapas<br />
talâmicos sagitais, milimetrados e<br />
ampliados, baseados no atlas de<br />
Schaltenbrand e Bailey, mapas estes que<br />
são "esticados" ou "encolhidos", de modo<br />
que correspondam à distância<br />
intercomissural de cada paciente (variação:<br />
20 a 30 mm). Neles estão delineados<br />
todos os núcleos talâmicos, ambas as<br />
comissuras (AC e PC), o ponto médiocomissural<br />
e o zero do sistema<br />
estereotáxico, entre uma série de outras<br />
estruturas, de modo que as coordenadas<br />
do alvo desejado são obtidas pela mera<br />
leitura dos mapas digitalizados, não sendo<br />
necessário nenhum cálculo.<br />
De posse das coordenadas desejadas,<br />
o paciente é levado para a sala<br />
cirúrgica, onde é posicionado em<br />
decúbito dorsal e com o dorso elevado,<br />
de modo que se sinta o mais confortável<br />
possível. Uma tricotomia restrita e assepsia<br />
e antissepsia são realizadas. O arco<br />
estereotáxico, contendo o guia para o<br />
eletrodo, é acoplado ao anel já colocado<br />
e, sob anestesia local, um punch cutâneo<br />
e drill-hole parassagital pré-coronal são<br />
executados. A distância dessa perfuração<br />
da linha médio-sagital depende da<br />
lateralidade do alvo a ser abordado: no<br />
caso de VC, encontra-se 15 milímetros<br />
lateral a esta linha. Um eletrodo de<br />
estimulação bipolar (Tasker stimulation<br />
electrode, da Diros Technology Inc.) é<br />
adaptado em seu guia e dirigido para o<br />
alvo. Tem início, então, o mapeamento<br />
fisiológico. Iniciamos a estimulação (na<br />
trajetória do eletrodo) em um ponto 10<br />
milímetros acima da posição estimada<br />
do alvo, a qual é repetida a intervalos de<br />
2 milímetros, até um ponto situado 10<br />
milímetros abaixo do mesmo. A cada<br />
sessão de estimulação, o paciente é<br />
arguído sobre a sensação por ele experimentada.<br />
Nesse momento, é de extrema relevância<br />
que nos lembremos que VC é<br />
somatotopicamente organizado, com o<br />
homúnculo em posição quadrúpede e<br />
estando a cabeça voltada medialmente,<br />
os membros inferiores, lateralmente, e os<br />
membros superiores, em posição intermediária.<br />
Dessa forma, a face, o membro<br />
superior e o membro inferior estão representados,<br />
em mapas sagitais, respectivamente,<br />
12-14, 14-15 e 15-17 milímetros<br />
lateralmente à linha média. Tais<br />
medidas,<br />
porém, podem sofrer variação, dependendo<br />
da largura do terceiro<br />
ventrículo (largura média = 7.7 milímetros)<br />
e de processos patológicos afetando<br />
o tálamo.<br />
O objetivo do mapeamento fisiológico<br />
de VC, lemnisco medial (LM) e<br />
cápsula interna (CI) é a determinação do<br />
ponto cuja estimulação produz parestesia<br />
na área da dor. Desses três alvos, o mais<br />
eficaz parece ser VC. Quando se necessita<br />
produzir parestesia em áreas mais<br />
amplas, porém, devemos fazer a opção<br />
pelo LM ou pela CI, haja vista que, a<br />
estimulação de VC só produz parestesia<br />
em áreas mais restritas (Exemplo: membro<br />
superior ou membro inferior, mas<br />
não em ambos). Para a CI, usamos as<br />
coordenadas sugeridas por Adams (0 a 4<br />
mm anterior a PC, 20 a 25 mm lateral à<br />
linha média e 1 mm inferior a 5 mm<br />
superior à linha AC-PC). Para o LM,<br />
adotamos o alvo sugerido por Tasker<br />
(logo abaixo da linha AC-PC, 12 a 14 mm<br />
lateral à linha média).<br />
Além da estimulação com<br />
macroeletrodo, outros autores utilizam o<br />
registro e estimulação com microeletrodo<br />
para o mapeamento fisiológico. Ao nível<br />
da CI e LM, há um silêncio, não sendo<br />
possível aí registrar nenhuma atividade<br />
celular, naturalmente por causa da ausência<br />
de células nesses feixes de fibras.<br />
Ao nível de VC, porém, há um intenso<br />
ruído, pela riqueza em células táteis. Tais<br />
células podem ser ativadas por estímulo<br />
tátil aplicado em seu campo receptivo e,<br />
quando estimuladas, parestesia é produzida<br />
em seu campo receptivo. Apesar do<br />
registro com microeletrodo ser um magnífico<br />
método para o estudo das estruturas<br />
cerebrais, sob o ponto de vista prático,<br />
os resultados da ECP obtidos com ele<br />
ou apenas com a estimulação com<br />
macroeletrodo são basicamente idênticos.<br />
Embora a resposta esperada à<br />
estimulação de VC seja a parestesia (obtida<br />
com baixa amperagem, comumente<br />
inferior a 0.5 miliamperes em VC, LM e<br />
CI), nos pacientes com dor por injúria<br />
neural (DIN), a estimulação pode não<br />
produzir resposta (ex: infarto talâmico)<br />
ou pode induzir parestesia em local não<br />
esperado (ex: parestesia em face em um<br />
plano 17 mm lateral à linha média, onde<br />
se esperaria obter resposta em membro<br />
inferior) ou mesmo causar dor, resposta<br />
bastante incomum à estimulação de VC.<br />
O registro com microeletrodo, por outro<br />
lado, pode evidenciar a presença de<br />
bursting cells, células deslocadas (como<br />
acima, células com campo receptivo em<br />
face no plano 17 mm lateral à linha<br />
média) e, finalmente, campos receptivos<br />
anormais (ex: grande campo receptivo<br />
em ombro, área com mínima representação<br />
em VC e, portanto, local onde campo<br />
receptivo só raramente é encontrado).<br />
Todas essas alterações, que podem ou<br />
não estar presentes em pacientes com<br />
DIN, sugerem uma reorganização<br />
somatotópica de VC causada pela lesão<br />
do sistema nervoso.<br />
As coordenadas que utilizamos para<br />
PVG são aquelas propostas por<br />
Richardson (2 mm anterior a PC, 2 mm<br />
lateral à parede lateral do terceiro<br />
ventrículo e ao nível da linha<br />
intercomissural (AC-PC) ou por Tasker<br />
(como as de Richardson, mas 5 mm<br />
anterior a PC). Segundo esses autores,<br />
baseados em estudos de autópsia, o<br />
ponto ideal para a estimulação de PVG<br />
encontra-se no bordo medial do núcleo<br />
parafascicular (núcleo talâmico<br />
intralaminar). O registro com<br />
microeletrodo tem pouca validade para<br />
esse alvo. O mapeamento por<br />
estimulação, nos poucos casos em que<br />
alguma resposta é obtida, produz uma<br />
sensação "morna", de bem estar, prazer,<br />
alívio da dor e aumento da pressão<br />
arterial e frequência cardíaca. Os<br />
parâmetros de estimulação usados são:<br />
50-100 Hertz de frequência e 5-8 volts.<br />
Como o mapeamento fisiológico pouco<br />
ajuda na maioria das vezes, o eletrodo é<br />
implantado para teste com base nos<br />
parâmetros anatômicos.<br />
Hosobuchi propôs as seguintes coordenadas<br />
para a estimulação de PAG: 2-<br />
3 mm lateral à linha média, 0-2 mm<br />
posterior a PC e 2-3 mm inferior à linha<br />
AC-PC. Na experiência dos presentes<br />
autores e na de alguns outros (não há um<br />
consenso), a estimulação de PAG, tão<br />
eficaz nos animais de laboratório, provoca,<br />
no ser humano, sensação de horror,<br />
medo, vertigem, um extremo malestar<br />
mal definido e efeitos oculomotores,<br />
distúrbios estes da oculomotricidade que<br />
podem tornar-se permanentes com a<br />
estimulação crônica. Por essa razão, não<br />
temos utilizado esse alvo.<br />
Terminado o mapeamento fisiológico,<br />
o eletrodo utilizado na exploração<br />
do alvo é retirado, e um eletrodo tetrapolar<br />
(DBS, da Medtronic) para estimulação<br />
crônica é implantado no sítio escolhido.<br />
D) ESTIMULAÇÃO DO CÓRTEX<br />
MOTOR (ECM):<br />
Com o paciente em decúbito dorsal<br />
ou lateral, após assepsia e antissepsia,<br />
sob anestesia local, uma incisão linear<br />
parassagital (1-4 centímetros lateral à<br />
linha médio-sagital) ou uma incisão oblíqua<br />
paralela à topografia estimada do<br />
córtex motor é realizada, dependendo<br />
da área a ser estimulada: córtex relacionado<br />
ao membro inferior e córtex relacionado<br />
ao membro superior e face, respectivamente.<br />
A posição aproximada do<br />
córtex motor pode ser determinada por<br />
métodos de topografia cranioencefálica<br />
(métodos de Championniere, Poirier,<br />
Chipault e Kroenlein) ou com base em<br />
<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 57
eparos anatômicos relacionados<br />
com o sulco central, conforme demonstração<br />
por tomografia computorizada ou<br />
ressonância magnética de crânio. Uma<br />
craniotomia com cerca de 3-4 centímetros<br />
de diâmetro é efetuada e o eletrodo<br />
tetrapolar (pólos espaçados 10 mm e<br />
possuindo 5 mm de diâmetro) é colocado<br />
no espaço epidural. A exata posição<br />
do córtex motor pode ser determinada<br />
por dois métodos distintos. Através do<br />
potencial evocado somato-sensitivo, utilizando-se<br />
o eletrodo tetrapolar para registro,<br />
pode-se documentar uma onda<br />
característica, denominada N20, presente<br />
no córtex somestésico, que, ao cruzar<br />
o sulco central para o córtex motor,<br />
apresenta uma fase reversa, passando de<br />
negativa para positiva; trata-se de um<br />
critério bastante confiável. O outro método<br />
é o da estimulação bipolar com baixa<br />
frequência (1-2 Hertz): a resposta esperada<br />
é a contração de um músculo localizado<br />
na área da dor. Conhecendo-se o<br />
homúnculo motor, é possível, já antes da<br />
estimulação, colocar o eletrodo em placa<br />
na topografia mais adequada: face<br />
medial do hemisfério, para dor em membro<br />
inferior e convexidade, para dor<br />
facial e em membro superior. Alguns<br />
pacientes se queixam de dor no sítio de<br />
estimulação. Nesses casos, faz-se uma<br />
incisão na dura-máter ao redor do eletrodo<br />
e logo a seguir, a sutura, o que alivia<br />
esse problema (denervação da duramáter<br />
sob o eletrodo). Estabelecidos o<br />
sítio ideal e a melhor combinação de<br />
contatos para estimulação, o eletrodo é<br />
ancorado à dura com um ponto. A intensidade<br />
de estimulação usada durante a<br />
etapa de estimulação-teste é menor do<br />
que aquela necessária para produzir<br />
contração muscular. Nos casos em que a<br />
ECM é efetiva em aliviar a dor, curiosamente,<br />
os pacientes referem uma leve<br />
sensação de parestesia à estimulação.<br />
V - RESULTADOS:<br />
O resultado da neuroestimulação<br />
pode ser classificado em excelente (alívio<br />
da dor superior a 75%), bom (51-75%<br />
de alívio), regular (26-50% de alívio) e<br />
ruim (alívio inferior ou igual a 25%). Tal<br />
classificação baseia-se em três parâmetros<br />
fundamentais: escala analógica visual,<br />
quantidade e qualidade das drogas analgésicas<br />
utilizadas e atividades de vida<br />
diária. A compa<br />
ração entre os índices pré e pósoperatórios<br />
fornece o resultado do tratamento<br />
instituído.<br />
Mais importante que o resultado<br />
imediato, é aquele verificado após um<br />
longo follow-up. Kumar refere que tende<br />
a haver uma queda do sucesso inicial<br />
nos dois primeiros anos após a cirurgia,<br />
a partir de quando os resultados tendem<br />
a se estabilizar.<br />
Por sucesso, índice de sucesso ou<br />
resultado satisfatório, queremos nos referir<br />
àqueles pacientes com alívio da dor<br />
superior a 50% (resultados bom e excelente)<br />
após dois anos de follow-up.<br />
O índice de sucesso da EGG é de<br />
40-50%. É particularmente bem sucedida<br />
nos pacientes com neuralgia trigeminal<br />
atípica secundária a procedimentos cirúrgicos<br />
na face ou a trauma (54%). Os<br />
piores casos são os de pacientes com<br />
neuralgia facial pós-herpética (10%). Já<br />
os pacientes com dor facial secundária a<br />
lesão cerebral apresentam resultado intermediário<br />
(33% de resultado<br />
satisfatório).<br />
A EME proporciona resultados<br />
satisfatórios em 50-60% dos casos. Os<br />
pacientes mais beneficiados são aqueles<br />
com síndrome pós-laminectomia e<br />
distrofia simpática reflexa e os com piores<br />
resultados, aqueles com neuralgia<br />
pós-herpética, amputação e lesão medular<br />
(naqueles pacientes com dor apenas<br />
segmentar, o resultado pode ser bom).<br />
Corrêa, porém, relata sucesso em 2/3 de<br />
seus pacientes com neuralgia pós-herpética<br />
intercostal, após um follow-up de 8<br />
a 18 meses.<br />
Os sucessos da ECP podem ser<br />
analisados quanto ao tipo de dor tratada<br />
e quanto ao sítio de estimulação. 42%<br />
dos pacientes com dor por injúria neural<br />
(DIN) e 61% daqueles com dor<br />
nociceptiva obtiveram resultado<br />
satisfatório com a ECP, conforme metaanálise<br />
recentemente publicada por Levy.<br />
Ainda segundo a mesma fonte, nos pacientes<br />
com DIN, a estimulação de VC foi<br />
bem sucedida em 56%, e a de PVG-PAG,<br />
em 23%; já nos pacientes com dor<br />
nociceptiva, a estimulação de PVG-PAG<br />
produziu resultado satisfatório em 59%,<br />
e a de VC, em 0%. De modo geral, os<br />
melhores resultados são obtidos nos casos<br />
de síndrome pós-laminectomia, DIN periférica<br />
(inclusive avulsão de plexo<br />
braquial) e câncer, e os piores resultados<br />
naqueles com DIN medular e encefálica.<br />
Na série de 60 pacientes de Tasker e<br />
Vilela Filho, curiosamente, os índices de<br />
sucesso para a DIN periférica e DIN<br />
encefálica foram bastante similares.<br />
Existem ainda poucos pacientes em<br />
todo o mundo submetidos à ECM. Os<br />
resultados iniciais, porém, nos parecem<br />
animadores. O índice global de sucesso<br />
reportado é 69%, chegando a 89% nos<br />
pacientes com DIN no território do<br />
trigêmeo. Os piores resultados foram<br />
registrados nos pacientes com DIN medular<br />
(33%, embora o número de pacientes<br />
seja bastante pequeno). Para os pacientes<br />
com DIN encefálica, usualmente<br />
tão refratários a qualquer tratamento,<br />
resultados satisfatórios têm sido obtidos<br />
em mais de 50% dos casos. Trata-se, sem<br />
dúvida, de um método bastante promissor.<br />
VI - COMPLICAÇÕES:<br />
A incidência global de complicações<br />
é da ordem de 13%.<br />
Mortalidade, relacionada apenas à<br />
ECP, foi relatada em 1.6% dos casos.<br />
Déficit neurológico significativo foi observado<br />
em 2.2% dos pacientes submetidos<br />
à ECP, e em 1 entre 700 pacientes<br />
submetidos à EME (secundário a hematoma<br />
epidural). Hematoma intracraniano<br />
foi reportado em 3% dos casos de ECP.<br />
Complicações relacionadas ao<br />
hardware implantado são relativamente<br />
frequentes: infecção, 8%, erosão do<br />
tegumento sobre o hardware, 1.8%, migração<br />
do eletrodo, 6% e falha mecânica<br />
do equipamento, 9%.<br />
VII - CONCLUSÕES:<br />
A despeito de seu uso com critério<br />
científico já há cerca de 30 anos, a<br />
neuroestimulação para o tratamento da<br />
dor crônica tem ainda uma longa estrada<br />
a percorrer. Trata-se de um método laborioso,<br />
devendo ser realizado apenas por<br />
profissionais adequadamente treinados<br />
e em centros bem equipados para esse<br />
fim. Os resultados, à primeira vista não<br />
muito animadores, não podem ser vistos<br />
sob o mesmo prisma dos demais procedimentos<br />
cirúrgicos. A estimulação cerebral<br />
profunda, por exemplo, pode ser o<br />
último recurso disponível, no momento,<br />
para o tratamento de pacientes que já<br />
tentaram tudo o mais e estão incapacitados<br />
por dor crônica. Uma chance de<br />
sucesso de 60%, na verdade, é extremamente<br />
significativa para quem não tem<br />
mais ao que ou a quem recorrer. A<br />
incidência de complicações significativas,<br />
felizmente, é bastante baixa, bem<br />
como a mortalidade. A identificação do<br />
alvo ideal a ser estimulado para cada tipo<br />
específico de dor, o reconhecimento dos<br />
fatores de risco para a estimulação e a<br />
adoção da avaliação psicológica e psiquiátrica<br />
como parte obrigatória do<br />
screening pré-operatório, associados aos<br />
contínuos avanços no diagnóstico por<br />
imagem (favorecendo uma melhor identificação<br />
do alvo a ser abordado), na<br />
tecnologia dos sistemas implantáveis e<br />
na compreensão dos mecanismos celulares<br />
e moleculares envolvidos na modulação<br />
da dor, temos certeza, tornarão a<br />
neuroestimulação um procedimento dia<br />
a dia mais eficiente e atraente.<br />
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