Imagens e Contradições da Cidade: O lixo em foco - Mapa dos ...
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COGT 04<br />
IMAGENS E CONTRADIÇÕES DA CIDADE: O LIXO EM FOCO<br />
Ana Mágna Silva Couto 1<br />
As transformações ocorri<strong>da</strong>s nesta última déca<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de e<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente no “Mundo do Trabalho”; b<strong>em</strong> como as inovações tecnológicas<br />
afetaram sobr<strong>em</strong>aneira as formas de produção e as relações entre patrões e<br />
trabalhadores. Como historiadores, importa discutirmos como os Trabalhadores<br />
vivenciaram e vivenciam tais mu<strong>da</strong>nças. Ain<strong>da</strong> que seja uma vivência pessoal, é<br />
também coletiva e, por isso, integra-se às várias dimensões do viver. Esta perspectiva de<br />
análise contribui para uma visão mais alarga<strong>da</strong> <strong>dos</strong> acontecimentos e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>dos</strong><br />
trabalhadores porque percebe-os <strong>em</strong> movimento, nas relações sociais com os diversos<br />
grupos, compreende que é na inter-relação que se autodenominam.<br />
Diante disso, considero de extr<strong>em</strong>a importância para a investigação histórica<br />
desven<strong>da</strong>r uma grande contradição existente nas formas de gerenciamento do <strong>lixo</strong> no<br />
espaço urbano, que expressa-se, sobretudo, na constituição de modernos processos<br />
globaliza<strong>dos</strong> envolvendo alta tecnologia, mas tendo <strong>em</strong> suas bases um grande número<br />
de trabalhadores sobrevivendo nas mais precárias condições.<br />
Trabalhadores estes que “ocupam” a ci<strong>da</strong>de, dividi<strong>da</strong> <strong>em</strong> territórios 2 , uma divisão<br />
social e política, instituindo os espaços “mais apropria<strong>dos</strong>” à permanência <strong>da</strong>quilo que<br />
se pretende longe <strong>dos</strong> olhos de visitantes ou <strong>dos</strong> lugares habita<strong>dos</strong> por uma parcela<br />
privilegia<strong>da</strong> <strong>da</strong> população. O espaço urbano, <strong>em</strong> sua estranha racionali<strong>da</strong>de, define e<br />
redefine os lugares do <strong>lixo</strong>, na ingênua crença de que não será mais um estorvo. Mas,<br />
n<strong>em</strong> por isso os restos materiais ausentam-se do convívio <strong>da</strong> população. Uma leitura<br />
atenta aos diversos espaços <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, pode perceber os vários lugares <strong>em</strong> que o <strong>lixo</strong>
encontra-se, arbitrariamente, por vezes contrariando o poder público, mas, <strong>em</strong> outras<br />
circunstâncias, de forma “legal”, no desenrolar de um mesmo processo de como a<br />
ci<strong>da</strong>de li<strong>da</strong> com seus restos, e na maneira como alguns grupos sociais t<strong>em</strong> sobrevivido<br />
disso.<br />
Em Uberlândia os espaços do <strong>lixo</strong> constitu<strong>em</strong> vários lugares, tais como os<br />
depósitos <strong>dos</strong> coletores de papel nos quintais de suas casas, traduzindo atitudes de<br />
rebeldia, pois são proibi<strong>dos</strong> pelo poder público. 3 Geralmente, os catadores de papel<br />
coletam varia<strong>dos</strong> tipos de materiais, plástico, papel, papelão, ferro, alumínio. Esses<br />
restos precisam ser seleciona<strong>dos</strong> para a comercialização, <strong>da</strong>í, separa-se tudo e enfar<strong>da</strong>m<br />
<strong>em</strong> sacos grandes as <strong>em</strong>balagens de produtos plásticos, as latas de alumínio e amarram<br />
os far<strong>dos</strong> de papelão e jornais. T<strong>em</strong>-se um amontoado de materiais separa<strong>dos</strong> e também<br />
as sucatas, que dão a impressão de um monte de <strong>lixo</strong> estragando a aparência <strong>da</strong> rua.<br />
Mas, um olhar observador pode perceber o modo como os coletores selecionam e<br />
organizam os materiais, pois é uma exigência para a ven<strong>da</strong>.<br />
Diretamente <strong>dos</strong> depósitos de papel <strong>dos</strong> coletores, não amplamente autoriza<strong>dos</strong><br />
pela prefeitura, os restos materiais são comercializa<strong>dos</strong> e vão para as <strong>em</strong>presas com as<br />
quais comercializam. No caso do papel, o Butelão, uma <strong>em</strong>presa de organização<br />
surpreendente. Localiza<strong>da</strong> no bairro Custódio Pereira, t<strong>em</strong> uma boa estrutura, com<br />
vários funcionários, secretárias e o gerente. 4 Há também uma considerável frota de<br />
veículos, são os caminhões que buscam o papel na residência <strong>dos</strong> coletores. Uma<br />
estrutura que permite dimensionar <strong>dos</strong> lucros do <strong>em</strong>presário. A exploração que institui a<br />
relação entre catadores de papel e <strong>em</strong>presários, possibilita assegurar que coletar<br />
materiais recicláveis pode não ser rentável para os trabalhadores, mas t<strong>em</strong> movimentado<br />
um significativo mercado no país. Mesmo <strong>em</strong> Uberlândia isso é perceptível pelo
número de estabelecimentos formais que li<strong>da</strong>m com a comercialização de sucatas na<br />
ci<strong>da</strong>de (ferro velho e latas de alumínio) 5 .<br />
O produto recolhido pelos trabalhadores t<strong>em</strong> o valor de 0,8 centavos; é o que vale<br />
um quilo de papel, sendo que grande parte <strong>dos</strong> materiais recicláveis <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de são<br />
recolhi<strong>dos</strong> pelos coletores. Esta afirmação entra <strong>em</strong> conflito com a declaração do dono<br />
<strong>da</strong> <strong>em</strong>presa Butelão, o Sr. Élvio Prado, divulga<strong>da</strong> na imprensa local, de que “de todo o<br />
material adquirido, cerca de 80% são provenientes de outras <strong>em</strong>presas e apenas 20%<br />
são recolhi<strong>dos</strong> pelos catadores”. 6<br />
Na ci<strong>da</strong>de, atualmente, exist<strong>em</strong> aproxima<strong>da</strong>mente 2.500 trabalhadores que se<br />
val<strong>em</strong> de uma carroça e talvez, mais ou menos, 2.000 que li<strong>da</strong>m com a coleta de<br />
materiais recicláveis. É uma quanti<strong>da</strong>de significativa de pessoas que circulam <strong>em</strong><br />
Uberlândia recolhendo estes materiais, a fim de ser<strong>em</strong> comercializa<strong>dos</strong> para garantirlhes<br />
a sobrevivência. Os catadores de papel colaboram diretamente para a coleta de<br />
grande parte <strong>da</strong> “matéria-prima” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que é encaminha<strong>da</strong> para a reciclag<strong>em</strong>. E<br />
mesmo as tentativas de controle do poder público, no que se refere à presença <strong>dos</strong><br />
catadores de papel nas áreas centrais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, são media<strong>da</strong>s pela sua<br />
função/importância social. O Sr. José Antônio 7 diz com muita convicção que, caso não<br />
houvesse o coletor de papel, a administração teria que gastar muito mais recursos com a<br />
coleta do <strong>lixo</strong>. Por isso, ain<strong>da</strong> que exerça um controle, estabeleça leis e normas para a<br />
circulação <strong>dos</strong> trabalhadores no espaço público, a administração municipal permite que<br />
os trabalhadores burl<strong>em</strong> a lei e permaneçam trabalhando. O pressuposto de que os<br />
coletores são importantes para a limpeza <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, proporcionando economia aos<br />
cofres públicos, é reforçado no texto que se segue:<br />
Essas pessoas têm <strong>da</strong>do mostra de alegria e digni<strong>da</strong>de<br />
diante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, se negam à criminali<strong>da</strong>de, a despeito de tanta<br />
dificul<strong>da</strong>de. Contribu<strong>em</strong> para um desenvolvimento sustentável,
quando recolh<strong>em</strong> nas ruas farta quanti<strong>da</strong>de de material que<br />
reprocessado, traz economia diminuindo, por ex<strong>em</strong>plo, as árvores a<br />
ser<strong>em</strong> derruba<strong>da</strong>s com o objetivo de se fabricar papel. Sua<br />
contribuição estende-se ao setor de limpeza urbana. Calcula-se que<br />
esses mais de 2.000 papeleiros, recolh<strong>em</strong> um volume de papel<br />
equivalente ao efetuado pela prefeitura municipal. Teoricamente, se<br />
os catadores de papel parar<strong>em</strong> suas ativi<strong>da</strong>des, a prefeitura terá que<br />
dobrar sua frota de veículos, inaugurar um novo “lixão” e ain<strong>da</strong><br />
dobrar seu quadro de funcionários no setor. 8<br />
Com esse aumento do interesse pelo <strong>lixo</strong>, cresce a indústria <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong> de<br />
maneira satisfatória para qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> recursos para investir, e institui-se mais espaços<br />
para o <strong>lixo</strong> na ci<strong>da</strong>de. O Sr. Magid Cury 9 é um médio <strong>em</strong>presário nesse ramo e conta<br />
que trabalha com a comercialização de materiais recicláveis desde 1965. Possui<br />
formação na área de Direito, mas nunca advogou. Inicialmente, sua idéia era ter uma<br />
indústria de transformação de metais, por isso, começou comprando materiais para a<br />
indústria, mas os recursos necessários à fundição eram muito dispendiosos, com isso,<br />
não levou o projeto adiante. Quando começou <strong>em</strong> 1963, ele tinha uma fábrica de<br />
panelas, instala<strong>da</strong> no mesmo local. Mas, atualmente, li<strong>da</strong> somente com a compra e<br />
reven<strong>da</strong> <strong>dos</strong> materiais, que são coleta<strong>dos</strong>, principalmente, por catadores de papel.<br />
Ao ouvir o Sr. Magid explicar o funcionamento de seu negócio, não pude deixar<br />
de pensar como esse é um universo de obscuras e interessantes relações. Buscar<br />
desven<strong>da</strong>r o <strong>em</strong>aranhado que constitui o universo dessas relações é uma tentativa de<br />
refletir sobre as articulações sociais que constitu<strong>em</strong> historicamente o lugar do <strong>lixo</strong> na<br />
ci<strong>da</strong>de.<br />
São diferentes os processos que envolv<strong>em</strong> o comércio de materiais recicláveis,<br />
como explica o Sr. Magid. Para qu<strong>em</strong> li<strong>da</strong> especificamente com o ferro velho, este já<br />
não é mais tão interessante de se comercializar. 10 No que se refere aos outros materiais<br />
recicláveis, o comércio mais lucrativo é o <strong>da</strong>s latinhas de alumínio. Em seu depósito, o<br />
Sr. Magid compra cerca de 100 tonela<strong>da</strong>s por mês, que chegam por meio de seus
fornecedores: as usinas de <strong>lixo</strong>, as oficinas, mas, sobretudo, as mãos <strong>dos</strong> coletores. Ele<br />
trabalha com mais dezoito funcionários, envolvi<strong>dos</strong> nos vários processos de organização<br />
desses materiais. O depósito, ocupa uma área de aproxima<strong>da</strong>mente 9.500m². O volume<br />
<strong>da</strong>s latinhas diminui um pouco na época do frio, acompanhando o movimento do<br />
consumo <strong>da</strong> população.<br />
Segundo o <strong>em</strong>presário, o valor do dólar define o valor do quilo do alumínio; se<br />
está alto, há um aumento <strong>da</strong>s exportações e, consequent<strong>em</strong>ente, um aumento no valor do<br />
alumínio internamente. O Sr. Magid explica ain<strong>da</strong> que não é interessante acumular os<br />
materiais, uma vez que o preço oscila muito. Quando perguntei se a concorrência era<br />
grande, a resposta foi afirmativa. “Exist<strong>em</strong> muitos concorrentes na ci<strong>da</strong>de, na região,<br />
no país”... Ele define a indústria <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong> como um negócio lucrativo e também<br />
como uma “máfia”, <strong>em</strong> que só permanece qu<strong>em</strong> pode mais.<br />
Quando perguntei também acerca <strong>da</strong>s transformações que ele pôde observar no<br />
comércio local, o Sr. Magid afirma que, até a déca<strong>da</strong> de 1970, poucas pessoas<br />
trabalhavam direta ou indiretamente envolvi<strong>da</strong>s com a indústria <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong>. Mas,<br />
<strong>da</strong>quele período até os dias atuais, houve “um enorme impulso”. Em sua opinião, isso<br />
foi benéfico, pois, além de ter propiciado oportuni<strong>da</strong>de de trabalho a muitas pessoas,<br />
incentivou uma preocupação com a preservação <strong>dos</strong> recursos naturais. O Sr. Magid<br />
acredita que passou a existir, por parte <strong>da</strong> população <strong>em</strong> geral, a iniciativa de recolher os<br />
materiais.<br />
A afirmação do médio <strong>em</strong>presário de que a comercialização de materiais<br />
recicláveis tornou-se, para alguns, um negócio rentável pode ser confirma<strong>da</strong> pelo texto<br />
abaixo:<br />
O Brasil alcança este ano os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> no<br />
percentual de latas de bebi<strong>da</strong>s recicla<strong>da</strong>s. ... É fácil estimar os ganhos<br />
do catador e do meio ambiente. Já o lucro <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong> é um
segredo guar<strong>da</strong>do a sete chaves. Dá para ter uma vaga idéia <strong>da</strong><br />
economia entre a lata recicla<strong>da</strong> e a novinha <strong>em</strong> folha. O principal<br />
ganho é de energia. Converter bauxita <strong>em</strong> uma tonela<strong>da</strong> de de<br />
alumínio consome 17,6 mil kWh. Para reciclar o mesmo peso, gastase<br />
700 kWh- uma economia de 95%. No ano passado, o país poupou<br />
R$ 28 milhões <strong>em</strong> energia com a reciclag<strong>em</strong> de latinhas, segundo<br />
estudo do pesquisador do meio ambiente Sabetai Calderoni, feito na<br />
USP. A que<strong>da</strong> na poluição <strong>da</strong> água e ar é de 97% a 95%,<br />
respectivamente, calcula Calderoni. 11<br />
Informações como essas, veicula<strong>da</strong>s na imprensa nacional, dimensionam a<br />
complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações que envolv<strong>em</strong> a ativi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> coletores. Contraria uma<br />
perspectiva de análise como a de Escurra, que vê os catadores de papel como<br />
“excedentes populacionais úteis, excluí<strong>dos</strong> do processo de trabalho capitalista por<br />
meio de formas indiretas de subordinação do trabalho ao capital” 12 . Os trabalhadores<br />
constitu<strong>em</strong> a base <strong>da</strong> indústria de reciclag<strong>em</strong>, geram lucros a ela, e estão inseri<strong>dos</strong> nas<br />
relações capitalistas de produção, e, ain<strong>da</strong> que o sist<strong>em</strong>a não tenha feito investimentos,<br />
já t<strong>em</strong> recursos para apropriar-se <strong>dos</strong> lucros gera<strong>dos</strong> pelo trabalho <strong>dos</strong> coletores.<br />
Considerando ain<strong>da</strong> que, ao desenvolver<strong>em</strong> essas ativi<strong>da</strong>des, os trabalhadores não são<br />
mais des<strong>em</strong>prega<strong>dos</strong>, estão sobrevivendo, consumindo e estimulando a economia 13 do<br />
país.<br />
Esse processo deixa entrever dimensões mais amplas do universo <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do<br />
coletores, assim como permite vislumbrar algumas transformações ocorri<strong>da</strong>s ao longo<br />
de quase três déca<strong>da</strong>s. Do ferro velho à indústria <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong>, as mu<strong>da</strong>nças foram<br />
ocorrendo gra<strong>da</strong>tivamente e, de muitas maneiras, modificaram a imag<strong>em</strong> do proprietário<br />
do ferro velho e do catador de sucatas, e “abriu espaço” ao <strong>em</strong>presário/comprador de<br />
papel e sucata e aos coletores ou catadores de papel como são mais conheci<strong>dos</strong>.<br />
Houve um “enorme impulso”, como afirmou o Sr. Magid, que modificou as<br />
relações entre os sujeitos envolvi<strong>dos</strong> na comercialização de materiais recicláveis.<br />
Propiciou economia <strong>dos</strong> gastos e aumento <strong>dos</strong> lucros para os <strong>em</strong>presários. Mas,
sobretudo, diversificou e ampliou o número de pessoas envolvi<strong>da</strong>s na ativi<strong>da</strong>de de<br />
coletar os restos, b<strong>em</strong> como multiplicou também a exploração exerci<strong>da</strong> sob esses<br />
trabalhadores.<br />
Ex<strong>em</strong>plo maior disso é o aterro sanitário, onde os trabalhadores (a) <strong>da</strong> Limpel<br />
faz<strong>em</strong> a seleção <strong>dos</strong> resíduos sóli<strong>dos</strong> <strong>em</strong> meio às 380 tonela<strong>da</strong>s de <strong>lixo</strong> produzi<strong>da</strong>s<br />
diariamente pela população. São os restos materiais sendo aproveita<strong>dos</strong>, permitindo a<br />
atuação <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong> <strong>em</strong> decorrência <strong>da</strong> abstenção do poder público <strong>em</strong><br />
imiscuir-se de mais essa responsabili<strong>da</strong>de social; <strong>em</strong>pregando pessoas e garantindo-lhes<br />
a sobrevivência, mesmo que <strong>em</strong> precárias condições e sob uma intensa exploração.<br />
Portanto, a maneira como a ci<strong>da</strong>de relaciona-se com o <strong>lixo</strong>, com as<br />
transformações tecnológicas e com os discursos de reaproveitamento <strong>dos</strong> restos sociais,<br />
p<strong>em</strong>ite a constituição <strong>dos</strong> espaços do <strong>lixo</strong>, alguns legaliza<strong>dos</strong>, outros clandestinos. Os<br />
quintais <strong>dos</strong> catadores de papel, a <strong>em</strong>presa Butelão, a <strong>em</strong>presa Comércio Metais Tabor<br />
Lt<strong>da</strong> do Sr. Magid Cury, as Centrais de Entulho, 14 para onde os carroceiros e grande<br />
parte <strong>da</strong> população levam os restos <strong>da</strong> construção civil e os inúmeros ferro velhos<br />
existentes na ci<strong>da</strong>de são espaços do <strong>lixo</strong>, que denotam como a produção e a destinação<br />
final <strong>dos</strong> resíduos sóli<strong>dos</strong> t<strong>em</strong> engendrado novas questões e novos probl<strong>em</strong>as:<br />
garantindo a sobrevivência de alguns, a acumulação de capital por parte de outros, mas<br />
também revelando, sobretudo, as complexas relações <strong>em</strong> torno do <strong>lixo</strong> na ci<strong>da</strong>de.<br />
Notas<br />
1 Mestre <strong>em</strong> História Social pela Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de São Paulo. Ver:<br />
COUTO, Ana Mágna Silva. Trabalho, Quotidiano e Sobrevivência: Catadores de papel<br />
e seus Mo<strong>dos</strong> de Vi<strong>da</strong> na Ci<strong>da</strong>de - Uberlândia- 1970-1999. Mestrado <strong>em</strong> História<br />
Social, PUC São Paulo, 2000. voltar<br />
2 Estou compreendendo o conceito de território como um espaço “recortado” segundo as<br />
relações de poder estabeleci<strong>da</strong>s, materializado mediante a ação <strong>dos</strong> indivíduos num<br />
espaço não somente habitado, mas constituído, transformado e vivido pelos sujeitos.<br />
Ver: ROLNIK, Raquel. In: Ca<strong>da</strong> um no seu lugar. Dissertação de Mestrado, FAU/USP,
São Paulo, 1981. SOUZA, Marcelo José Lopes de. In: Urbanização e Desenvolvimento<br />
no Brasil atual. São Paulo: Ática, 1996. voltar<br />
3 As ferrovias, oficinas mecânicas, postos de gasolina, indústrias de calça<strong>dos</strong>, fábricas<br />
de colchões, depósitos de papéis, carrocerias, fábricas e depósitos de fertilizantes,<br />
curtumes, torrefação e moag<strong>em</strong> de café, serrarias, serralherias, borracharias e<br />
similares somente será permitido o seu funcionamento com a prévia autorização <strong>da</strong><br />
Secretaria Municipal de Sáude e <strong>dos</strong> órgãos Federais e Estaduais competentes, que<br />
avaliarão o risco que tais ativi<strong>da</strong>des possam oferecer à saúde coletiva, após os<br />
pareceres <strong>dos</strong> d<strong>em</strong>ais órgãos envolvi<strong>dos</strong>, ampara<strong>dos</strong> pela legislação municipal,<br />
estadual e federal pertinentes. Artigo 27 <strong>da</strong> Lei nº 4360 de 11 de Julho de 1986 que<br />
institui o Código Municipal de Saúde. Câmara Municipal de Uberlândia. Gabinete do<br />
vereador Aniceto Ferreira do Partido <strong>dos</strong> Trabalhadores. voltar<br />
4 A <strong>em</strong>presa Butelão localiza-se à Rua Bernado Sayão, nº 447, Bairro Custódio Pereira.<br />
Quando estive na <strong>em</strong>presa <strong>em</strong> Julho de 1999 com a intenção de conversar com o Sr.<br />
Élvio, ele não compareceu. O gerente <strong>da</strong> <strong>em</strong>presa tratou-me com desconfiança e os<br />
funcionários mostraram-se reserva<strong>dos</strong>. O prédio <strong>da</strong> <strong>em</strong>presa estava sendo reformado e<br />
ampliado. voltar<br />
5 Relação de médios e grandes <strong>em</strong>presários que li<strong>da</strong>m com a comercialização de<br />
materiais recicláveis <strong>em</strong> Uberlândia: 1. Comércio Metais Tabor Lt<strong>da</strong>. 2. Entulho &<br />
Cia. 3. Magid Cury. 4. Sucata Nascimento. 5. Sucata R<strong>em</strong>oções Entulhos<br />
Terraplenag<strong>em</strong> Lt<strong>da</strong>. 6. Uberlândia Comércio Sobras Metais Lt<strong>da</strong>. 7. Vinícius Custódio<br />
Pereira Papéis Sucatas. 8. Reciclag<strong>em</strong> Sucata. 9. Plástico Santa Edwiges. 10.<br />
Compectus Comércio Lt<strong>da</strong>. 11. Papelfac Comércio Papel Lt<strong>da</strong>. In: Lista telefônica, it<strong>em</strong><br />
Sucata, páginas amarelas, Uberlândia: Sabe, 1999/2000. voltar<br />
6 Butelão recicla todo o papel <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. In: Jornal Correio. Caderno Ci<strong>da</strong>des, 23 de<br />
abr. de 2000, p B 01. voltar<br />
7 José Antônio <strong>da</strong> Silva, catador de papel, 45 anos, natural de Currais Novos-RN,<br />
casado, possui dois filhos, a esposa trabalha como <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> doméstica, resid<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
Uberlândia há 11 anos. Entrevista nº 17, realiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> 07 de Março de 1999. voltar<br />
8 In: Texto do projeto Papel para Papeleiros. Campanha “O papel <strong>dos</strong> papeleiros” –<br />
Resgate <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. APR, Uberlândia-MG, Maio de 1994. voltar<br />
9 Magid Cury, 55 anos, descendente de pais libaneses, casado, possui 3 filhos,<br />
proprietário <strong>da</strong> <strong>em</strong>presa Comércio Metais Tabor Lt<strong>da</strong>, localiza<strong>da</strong> à Rua: Promotor<br />
Osvaldo Afonso Borges, nº 505, Bairro Presidente Roosevelt. Possui investimentos <strong>em</strong><br />
agropecuária; 2.000 cabeças de gado Nelore, que são administra<strong>da</strong>s por um de seus<br />
filhos. Conversa informal com a autora <strong>em</strong> 29 de Fevereiro de 2000. voltar<br />
10 O valor atual do quilo do ferro velho no mercado eqüivale a 0,05 centavos, sendo<br />
difícil o acesso e a ven<strong>da</strong> desse material. São diferentes segmentos do comércio do ferro<br />
velho. Para o seu reaproveitamento, ao ser desmanchado, dentre outras coisas, é<br />
utilizado para recuperar peças e outros materiais. voltar<br />
11 Miséria alimenta indústria <strong>da</strong> reciclag<strong>em</strong>. In: Jornal “Folha de São Paulo”, 14 de dez.<br />
de 1997, caderno Cotidiano, p 03. voltar<br />
12 ESCURRA, Maria Fernan<strong>da</strong>. Sobrevivendo do Lixo: População Excedente, Trabalho<br />
e Pobreza. Dissertação de Mestrado. Escola de Serviço Social, Universi<strong>da</strong>de Federal do<br />
Rio de Janeiro, 1997. voltar
13 Mesmo que isso não seja visto dessa maneira por alguns economistas ou sociólogos,<br />
que, ao pensar as ativi<strong>da</strong>des informais de trabalho, avaliam que estas são prejudiciais à<br />
economia do país, pois os trabalhadores não pagam os encargos sociais, essa<br />
perspectiva de entendimento tende a deixar de avaliar que os últimos culpa<strong>dos</strong> disso são<br />
os trabalhadores que precisam enfrentar o sub<strong>em</strong>prego e a ausência de direitos sociais.<br />
Informal cobriria déficit <strong>da</strong> Previdência. “A Previdência Social deixa de arreca<strong>da</strong>r<br />
com o trabalho informal pelo menos R$ 3,94 bilhões por ano, o que cobriria com folga<br />
o déficit previdenciário de R$ 3 bilhões anuais <strong>em</strong> 1997, ano <strong>em</strong> que o IBGE mapeou<br />
12,87 milhões de informais. Além <strong>da</strong> Previdência, prefeituras deixam de arreca<strong>da</strong>r algo<br />
<strong>em</strong> torno de R$ 2,3 bilhões anuais com o imposto sobre serviços e o FGTS (Fundo de<br />
Garantia do T<strong>em</strong>po de Serviço), que ampara o trabalhador, cerca de R$ 1 bilhão. Na<br />
avaliação de economistas ouvi<strong>dos</strong> pela Folha, os cofres públicos jamais verão a cor de<br />
boa parte desses recursos, que seriam hoje muito mais expressivos.” In: Jornal “Folha<br />
de São Paulo”, 14 de jun. de 1999, 3º caderno, p 01.<br />
“Como se constata, o crescimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des de Serviços se sobrepões às d<strong>em</strong>ais,<br />
juntamente com a <strong>em</strong>presa informal. É amplamente conhecido o fato de que as<br />
ativi<strong>da</strong>des informais abrigam o des<strong>em</strong>prego disfarçando-o <strong>em</strong> sub<strong>em</strong>prego e atinge a<br />
PEA mais desqualifica<strong>da</strong>, com menor grau de escolari<strong>da</strong>de. È a forma mais freqüente de<br />
manifestação <strong>da</strong> super exploração do trabalho e <strong>da</strong> crescente pauperização <strong>da</strong><br />
população.” In: Alvarenga, Nízia Maria. As Associações de Moradores <strong>em</strong> Uberlândia,<br />
Um Estudo <strong>da</strong>s Práticas Sociais e <strong>da</strong>s Alterações nas Formas de Sociabili<strong>da</strong>de.<br />
Dissertação de mestrado, São Paulo, USP, 1988, p 64. voltar<br />
14 “Esses trabalhadores, inclusive, reclamam que a prefeitura não coloca um número<br />
satisfatório de centrais de entulhos para que jogu<strong>em</strong> o material que, por vezes<br />
transportam.” Jornal “Correio”. 15 de abr. de 1997, p 12.<br />
A ativi<strong>da</strong>de como carroceiro, transportando entulhos, fazendo carretos e pequenas<br />
mu<strong>da</strong>nças é des<strong>em</strong>penha<strong>da</strong> também por alguns catadores de papel, quando a coleta de<br />
papel está muito ruim. Um <strong>da</strong>do que também indica as múltiplas possibili<strong>da</strong>des de<br />
serviços a ser<strong>em</strong> presta<strong>dos</strong> à população, decorrentes <strong>da</strong> produção <strong>dos</strong> restos sociais,<br />
assim como a capaci<strong>da</strong>de desses trabalhadores de criar alternativas de sobrevivência <strong>em</strong><br />
meio à precarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. voltar